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Compilado de Textos Filosofia

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Compilado de Textos
Disciplina: História do Pensamento 
Filosófico
Livros Utilizados:
ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: 
Introdução à Filosofia. 4ª ed.
São Paulo: Moderna, 2009.
CHAUI, M. Convite à filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ática, 
2003.
MARCONDES, D. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré-
socráticos a Wittgenstein.
4ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
Epicuro 
Carta sobre a felicidade: (a Meneceu) / Epicuro; tradução e 
apresentação de Álvaro Lorencini e Enzo Dei Carratore. - 
São Paulo: Editora UNESP, 2002. 
Professoras: Esp. Karolinne Reis e Esp. Natália Manso
Marilena Chauí 
_______________________________ 
– 5 – 
Introdução 
Para que Filosofia? 
As evidências do cotidiano 
Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou 
recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como “que horas são?”, 
ou “que dia é hoje?”. Dizemos frases como “ele está sonhando ”, ou “ela ficou 
maluca”. Fazemos afirmações como “onde há fumaça, há fogo ”, ou “não saia na 
chuva para não se resfriar”. Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo, 
“esta casa é mais bonita do que a outra” e “Maria está mais jovem do que 
Glorinha”. 
Numa disputa, quando os ânimos estão exaltados, um dos contendores pode 
gritar ao outro: “Mentiroso! Eu estava lá e não foi isso o que aconteceu”, e 
alguém, querendo acalmar a briga, pode dizer: “Vamos ser objetivos, cada um 
diga o que viu e vamos nos entender”. 
Também é comum ouvirmos os pais e amigos dizerem que somos muito 
subjetivos quando o assunto é o namorado ou a namorada. Freqüentemente, 
quando aprovamos uma pessoa, o que ela diz, como ela age, dizemos que essa 
pessoa “é legal ”. 
Convite à Filosofia 
_______________________________ 
– 6 – 
Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano. 
Quando pergunto “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, minha expectativa é a 
de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em 
que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo 
existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é 
diferente de agora e o que virá também há de ser diferente deste momento, que o 
passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim, 
uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas 
por nós. 
Quando digo “ele está sonhando”, referindo-me a alguém que diz ou pensa 
alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho igualmente muitas 
crenças silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar acordado, que, no 
sonho, o impossível e o improvável se apresentam como possível e provável, e 
também que o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaciona 
com o que existe realmente. 
Acredito, portanto, que a realidade existe fora de mim, posso percebê-la e 
conhecê-la tal como é, sei diferenciar realidade de ilusão. 
A frase “ela ficou maluca” contém essas mesmas crenças e mais uma: a de que 
sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a pessoa que inventa uma 
realidade existente só para ela. Assim, ao acreditar que sei distinguir razão de 
loucura, acredito também que a razão se refere a uma realidade que é a mesma 
para todos, ainda que não gostemos das mesmas coisas. 
Quando alguém diz “onde há fumaça, há fogo” ou “não saia na chuva para não se 
resfriar”, afirma silenciosamente muitas crenças: acredita que existem relações de 
causa e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa certamente houve uma 
causa para ela, ou que essa coisa é causa de alguma outra (o fogo causa a fumaça 
como efeito, a chuva causa o resfriado como efeito). Acreditamos, assim, que a 
realidade é feita de causalidades, que as coisas, os fatos, as situações se 
encadeiam em relações causais que podemos conhecer e, até mesmo, controlar 
para o uso de nossa vida. 
Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, ou que Maria está 
mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações, 
os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, 
bom, ruim) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim, 
que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-las em 
nossa vida. 
Se, por exemplo, dissermos que “o sol é maior do que o vemos”, também 
estamos acreditando que nossa percepção alcança as coisas de modos diferentes, 
ora tais como são em si mesmas, ora tais como nos aparecem, dependendo da 
Marilena Chauí 
_______________________________ 
– 7 – 
distância, de nossas condições de visibilidade ou da localização e do movimento 
dos objetos. 
Acreditamos, portanto, que o espaço existe, possui qualidades (perto, longe, alto, 
baixo) e quantidades, podendo ser medido (comprimento, largura, altura). No 
exemplo do sol, também se nota que acreditamos que nossa visão pode ver as 
coisas diferentemente do que elas são, mas nem por isso diremos que estamos 
sonhando ou que ficamos malucos. 
Na briga, quando alguém chama o outro de mentiroso porque não estaria dizendo 
os fatos exatamente como aconteceram, está presente a nossa crença de que há 
diferença entre verdade e mentira. A primeira diz as coisas tais como são, 
enquanto a segunda faz exatamente o contrário, distorcendo a realidade. 
No entanto, consideramos a mentira diferente do sonho, da loucura e do erro 
porque o sonhador, o louco e o que erra se iludem involuntariamente, enquanto o 
mentiroso decide voluntariamente deformar a realidade e os fatos. 
Com isso, acreditamos que o erro e a mentira são falsidades, mas diferentes 
porque somente na mentira há a decisão de falsear. 
Ao diferenciarmos erro de mentira, considerando o primeiro uma ilusão ou um 
engano involuntários e a segunda uma decisão voluntária, manifestamos 
silenciosamente a crença de que somos seres dotados de vontade e que dela 
depende dizer a verdade ou a mentira. 
Ao mesmo tempo, porém, nem sempre avaliamos a mentira como alguma coisa 
ruim: não gostamos tanto de ler romances, ver novelas, assistir a filmes? E não 
são mentira? É que também acreditamos que quando alguém nos avisa que está 
mentindo, a mentira é aceitável, não seria uma mentira “no duro”, “pra valer”. 
Quando distinguimos entre verdade e mentira e distinguimos mentiras 
inaceitáveis de mentiras aceitáveis, não estamos apenas nos referindo ao 
conhecimento ou desconhecimento da realidade, mas também ao caráter da 
pessoa, à sua moral. Acreditamos, portanto, que as pessoas, porque possuem 
vontade, podem ser morais ou imorais, pois cremos que a vontade é livre para o 
bem ou para o mal. 
Na briga, quando uma terceira pessoa pede às outras duas para que sejam 
“objetivas” ou quando falamos dos namorados como sendo “muito subjetivos”, 
também estamos cheios de crenças silenciosas. Acreditamos que quando alguém 
quer defender muito intensamente um ponto de vista, uma preferência, uma 
opinião, até brigando por isso, ou quando sente um grande afeto por outra pessoa, 
esse alguém “perde” a objetividade, ficando “muito subjetivo”. 
Com isso, acreditamos que a objetividade é uma atitude imparcial que alcança as 
coisas tais como são verdadeiramente, enquanto a subjetividade é uma atitude 
parcial, pessoal, ditada por sentimentos variados (amor, ódio, medo, desejo). 
Assim, não só acreditamos que a objetividade e a subjetividade existem, como 
Convite à Filosofia 
_______________________________ 
– 8 – 
ainda acreditamos que são diferentes e que a primeira não deforma a realidade, 
enquanto a segunda, voluntária ou involuntariamente, a deforma. 
Ao dizermos que alguém “é legal ” porque tem os mesmos gostos, as mesmas 
idéias, respeita ou despreza as mesmas coisas que nós e tem atitudes, hábitos e 
costumes muito parecidos com os nossos, estamos, silenciosamente, acreditando 
que a vida com as outras pessoas - família, amigos, escola, trabalho, sociedade, 
política - nos faz semelhantes ou diferentes em decorrência de normase valores 
morais, políticos, religiosos e artísticos, regras de conduta, finalidades de vida. 
Achando óbvio que todos os seres humanos seguem regras e normas de conduta, 
possuem valores morais, religiosos, políticos, artísticos, vivem na companhia de 
seus semelhantes e procuram distanciar-se dos diferentes dos quais discordam e 
com os quais entram em conflito, acreditamos que somos seres sociais, morais e 
racionais, pois regras, normas, valores, finalidades só podem ser estabelecidos 
por seres conscientes e dotados de raciocínio. 
Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da 
aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque nos parecem 
naturais, óbvias. Cremos no espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na 
quantidade, na verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre 
verdade e mentira; cremos também na objetividade e na diferença entre ela e a 
subjetividade, na existência da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da moral, 
da sociedade. 
A atitude filosófica 
Imaginemos, agora, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e 
começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de “que horas são?” ou “que 
dia é hoje?”, perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “está sonhando” ou 
“ficou maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão? 
Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas 
afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para 
não ficar resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?; “seja objetivo ”, ou 
“eles são muito subjetivos”, por: O que é a objetividade? O que é a 
subjetividade?; “Esta casa é mais bonita do que a outra”, por: O que é “mais”? O 
que é “menos”? O que é o belo? 
Em vez de gritar “mentiroso!”, questionasse: O que é a verdade? O que é o falso? 
O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe verdade e por quê? Quando 
existe ilusão e por quê? 
Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que é o amor? 
O que é o desejo? O que são os sentimentos? 
Se, em lugar de discorrer tranqüilamente sobre “maior” e “menor” ou “claro” e 
“escuro”, resolvesse investigar: O que é a quantidade? O que é a qualidade? 
Marilena Chauí 
_______________________________ 
– 9 – 
E se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui as mesmas idéias, os 
mesmos gostos, as mesmas preferências e os mesmos valores, preferisse analisar: 
O que é um valor? O que é um valor moral? O que é um valor artístico? O que é 
a moral? O que é a vontade? O que é a liberdade? 
Alguém que tomasse essa decisão, estaria tomando distância da vida cotidiana e 
de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que 
alimentam, silenciosamente, nossa existência. 
Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por 
que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas 
crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que 
chamamos de atitude filosófica. 
Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” poderia ser: A 
decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as 
situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais 
aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido. 
Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que Filosofia?”. E ele respondeu: 
“Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores 
considerações”. 
A atitude crítica 
A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao 
senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da 
experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido. 
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação 
sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os 
valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de 
nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O 
que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude 
filosófica. 
A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que 
chamamos de atitude crítica e pensamento crítico. 
A Filosofia começa dizendo não às crenças e aos preconceitos do senso comum 
e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos saber; por 
isso, o patrono da Filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira e 
fundamental verdade filosófica é dizer: “Sei que nada sei”. Para o discípulo de 
Sócrates, o filósofo grego Platão, a Filosofia começa com a admiração; já o 
discípulo de Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a Filosofia começa com 
o espanto.
Admiração e espanto significam: tomamos distância do nosso mundo costumeiro, 
através de nosso pensamento, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, 
Convite à Filosofia 
_______________________________ 
– 10 –
como se não tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e outros meios 
de comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos 
acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos e precisássemos perguntar 
o que é, por que é e como é o mundo, e precisássemos perguntar também o que
somos, por que somos e como somos.
Para que Filosofia? 
Ora, muitos fazem uma outra pergunta: afinal, para que Filosofia? 
É uma pergunta interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por 
exemplo, para que matemática ou física? Para que geografia ou geologia? Para 
que história ou sociologia? Para que biologia ou psicologia? Para que astronomia 
ou química? Para que pintura, literatura, música ou dança? Mas todo mundo acha 
muito natural perguntar: Para que Filosofia? 
Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irônica, conhecida dos 
estudantes de Filosofia: “A Filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o 
mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a Filosofia não serve para nada. Por isso, 
se costuma chamar de “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no 
mundo da lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são 
perfeitamente inúteis. 
Essa pergunta, “Para que Filosofia?”, tem a sua razão de ser. 
Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma 
coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e 
de utilidade imediata. 
Por isso, ninguém pergunta para que as ciências, pois todo mundo imagina ver a 
utilidade das ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação científica à 
realidade. 
Todo mundo também imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da 
compra e venda das obras de arte, quanto porque nossa cultura vê os artistas 
como gênios que merecem ser valorizados para o elogio da humanidade. 
Ninguém, todavia, consegue ver para que serviria a Filosofia, donde dizer-se: não 
serve para coisa alguma. 
Parece, porém, que o senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem 
muito bem. As ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças 
a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, 
através de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos 
conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os. 
Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas acreditam na 
existência da verdade, de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, 
na tecnologia como aplicação prática de teorias, na racionalidade dos 
conhecimentos, porque podem ser corrigidos e aperfeiçoados. 
Marilena Chauí 
_______________________________ 
 
 
 – 11 – 
Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre 
teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são 
questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é 
a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas. 
Assim, o trabalho das ciências pressupõe,como condição, o trabalho da 
Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo. No entanto, como apenas os 
cientistas e filósofos sabem disso, o senso comum continua afirmando que a 
Filosofia não serve para nada. 
Para dar alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que, de fato, a Filosofia 
não serviria para nada, se “servir” fosse entendido como a possibilidade de fazer 
usos técnicos dos produtos filosóficos ou dar-lhes utilidade econômica, obtendo 
lucros com eles; consideram também que a Filosofia nada teria a ver com a 
ciência e a técnica. 
Para quem pensa dessa forma, o principal para a Filosofia não seriam os 
conhecimentos (que ficam por conta da ciência), nem as aplicações de teorias 
(que ficam por conta da tecnologia), mas o ensinamento moral ou ético. A 
Filosofia seria a arte do bem viver. Estudando as paixões e os vícios humanos, a 
liberdade e a vontade, analisando a capacidade de nossa razão para impor limites 
aos nossos desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na 
companhia dos outros seres humanos, a Filosofia teria como finalidade ensinar-
nos a virtude, que é o princípio do bem-viver. 
Essa definição da Filosofia, porém, não nos ajuda muito. De fato, mesmo para ser 
uma arte moral ou ética, ou uma arte do bem-viver, a Filosofia continua fazendo 
suas perguntas desconcertantes e embaraçosas: O que é o homem? O que é a 
vontade? O que é a paixão? O que é a razão? O que é o vício? O que é a virtude? 
O que é a liberdade? Como nos tornamos livres, racionais e virtuosos? Por que a 
liberdade e a virtude são valores para os seres humanos? O que é um valor? Por 
que avaliamos os sentimentos e as ações humanas? 
Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia não é o conhecimento da 
realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade para conhecer, mesmo se 
disséssemos que o objeto da Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda 
assim, o estilo filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos, pois 
as perguntas filosóficas - o que, por que e como - permanecem. 
Atitude filosófica: indagar 
Se, portanto, deixarmos de lado, por enquanto, os objetos com os quais a 
Filosofia se ocupa, veremos que a atitude filosófica possui algumas 
características que são as mesmas, independentemente do conteúdo investigado. 
Essas características são: 
- perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a idéia, é. A Filosofia pergunta qual é a 
realidade ou natureza e qual é a significação de alguma coisa, não importa qual; 
Convite à Filosofia 
_______________________________ 
 
 
 – 12 – 
- perguntar como a coisa, a idéia ou o valor, é. A Filosofia indaga qual é a 
estrutura e quais são as relações que constituem uma coisa, uma idéia ou um 
valor; 
- perguntar por que a coisa, a idéia ou o valor, existe e é como é. A Filosofia 
pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma idéia, de um valor. 
A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas indagações ao mundo que nos rodeia 
e às relações que mantemos com ele. Pouco a pouco, porém, descobre que essas 
questões se referem, afinal, à nossa capacidade de conhecer, à nossa capacidade 
de pensar. 
Por isso, pouco a pouco, as perguntas da Filosofia se dirigem ao próprio 
pensamento: o que é pensar, como é pensar, por que há o pensar? A Filosofia 
torna-se, então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta que 
o pensamento realiza sobre si mesmo, a Filosofia se realiza como reflexão. 
A reflexão filosófica 
Reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno 
a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento volta-se para si 
mesmo, interrogando a si mesmo. 
A reflexão filosófica é radical porque é um movimento de volta do pensamento 
sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, para indagar como é possível o 
próprio pensamento. 
Não somos, porém, somente seres pensantes. Somos também seres que agem no 
mundo, que se relacionam com os outros seres humanos, com os animais, as 
plantas, as coisas, os fatos e acontecimentos, e exprimimos essas relações tanto 
por meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações. 
A reflexão filosófica também se volta para essas relações que mantemos com a 
realidade circundante, para o que dizemos e para as ações que realizamos nessas 
relações. 
A reflexão filosófica organiza-se em torno de três grandes conjuntos de perguntas 
ou questões: 
1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que 
fazemos? Isto é, quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que 
pensamos, dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos? 
2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando 
falamos, o que queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o 
sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos? 
3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que 
fazemos? Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e 
fazemos? 
Marilena Chauí 
_______________________________ 
 
 
 – 13 – 
Essas três questões podem ser resumidas em: O que é pensar, falar e agir? E elas 
pressupõem a seguinte pergunta: Nossas crenças cotidianas são ou não um saber 
verdadeiro, um conhecimento? 
Como vimos, a atitude filosófica inicia-se indagando: O que é? Como é? Por que 
é?, dirigindo-se ao mundo que nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e 
com ele se relacionam. São perguntas sobre a essência, a significação ou a 
estrutura e a origem de todas as coisas. 
Já a reflexão filosófica indaga: Por quê?, O quê?, Para quê?, dirigindo-se ao 
pensamento, aos seres humanos no ato da reflexão. São perguntas sobre a 
capacidade e a finalidade humanas para conhecer e agir. 
Filosofia: um pensamento sistemático 
Essas indagações fundamentais não se realizam ao acaso, segundo preferências e 
opiniões de cada um de nós. A Filosofia não é um “eu acho que” ou um “eu 
gosto de”. Não é pesquisa de opinião à maneira dos meios de comunicação de 
massa. Não é pesquisa de mercado para conhecer preferências dos consumidores 
e montar uma propaganda. 
As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático. 
Que significa isso? 
Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca 
encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou idéias 
obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação 
racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode 
fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem 
uma visão crítica de si mesmas. Não se trata de dizer “eu acho que”, mas de 
poder afirmar “eu penso que”. 
O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático porque não se 
contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as 
próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam 
verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem 
conjuntos coerentes de idéias e significações, sejam provadas e demonstradas 
racionalmente. 
Quando o senso comum diz “esta é minha filosofia” ou “isso é a filosofia de 
fulana ou de fulano”, engana-se e não se engana. 
Engana-se porque imagina que para “ter uma filosofia” basta alguém possuir um 
conjunto de idéias mais ou menos coerentes sobre todas as coisas e pessoas, bem 
como ter um conjunto de princípios mais ou menos coerentes para julgar as 
coisas e as pessoas. “Minha filosofia” ou a “filosofia de fulano” ficam no plano 
de um “eu acho” coerente. 
Convite à Filosofia 
_______________________________ 
 
 
 – 14 – 
Mas o senso comum não se engana ao usar essas expressões porque percebe, 
ainda que muito confusamente, que há uma característica nas idéias e nos 
princípios que nos leva a dizer que são uma filosofia: a coerência, as relações 
entre as idéias e entre os princípios. Ou seja, o senso comum pressente que a 
Filosofia opera sistematicamente, com coerência e lógica, que a Filosofia tem 
uma vocaçãopara formar um todo daquilo que aparece de modo fragmentado em 
nossa experiência cotidiana. 
Em busca de uma definição da Filosofia 
Quando começamos a estudar Filosofia, somos logo levados a buscar o que ela é. 
Nossa primeira surpresa surge ao descobrirmos que não há apenas uma definição 
da Filosofia, mas várias. A segunda surpresa vem ao percebermos que, além de 
várias, as definições parecem contradizer-se. Eis porque muitos, cheios de 
perplexidade, indagam: afinal, o que é a Filosofia que sequer consegue dizer o 
que ela é? 
Uma primeira aproximação nos mostra pelo menos quatro definições gerais do 
que seria a Filosofia: 
1. Visão de mundo de um povo, de uma civilização ou de uma cultura. Filosofia 
corresponde, de modo vago e geral, ao conjunto de idéias, valores e práticas 
pelos quais uma sociedade apreende e compreende o mundo e a si mesma, 
definindo para si o tempo e o espaço, o sagrado e o profano, o bom e o mau, o 
justo e o injusto, o belo e o feio, o verdadeiro e o falso, o possível e o impossível, 
o contingente e o necessário. 
Qual o problema dessa definição? Ela é tão genérica e tão ampla que não 
permite, por exemplo, distinguir a Filosofia e religião, Filosofia e arte, Filosofia e 
ciência. Na verdade, essa definição identifica Filosofia e Cultura, pois esta é uma 
visão de mundo coletiva que se exprime em idéias, valores e práticas de uma 
sociedade. 
A definição, portanto, não consegue acercar-se da especificidade do trabalho 
filosófico e por isso não podemos aceitá-la. 
2. Sabedoria de vida. Aqui, a Filosofia é identificada com a definição e a ação 
de algumas pessoas que pensam sobre a vida moral, dedicando-se à 
contemplação do mundo para aprender com ele a controlar e dirigir suas vidas de 
modo ético e sábio. 
A Filosofia seria uma contemplação do mundo e dos homens para nos conduzir a 
uma vida justa, sábia e feliz, ensinando-nos o domínio sobre nós mesmos, sobre 
nossos impulsos, desejos e paixões. É nesse sentido que se fala, por exemplo, 
numa filosofia do budismo. 
Esta definição, porém, nos diz, de modo vago, o que se espera da Filosofia (a 
sabedoria interior), mas não o que é e o que faz a Filosofia e, por isso, também 
não podemos aceitá-la. 
Marilena Chauí 
_______________________________ 
 
 
 – 15 – 
3. Esforço racional para conceber o Universo como uma totalidade ordenada 
e dotada de sentido. Nesse caso, começa-se distinguindo entre Filosofia e 
religião e até mesmo opondo uma à outra, pois ambas possuem o mesmo objeto 
(compreender o Universo), mas a primeira o faz através do esforço racional, 
enquanto a segunda, por confiança (fé) numa revelação divina. 
Ou seja, a Filosofia procura discutir até o fim o sentido e o fundamento da 
realidade, enquanto a consciência religiosa se baseia num dado primeiro e 
inquestionável, que é a revelação divina indemonstrável. 
Pela fé, a religião aceita princípios indemonstráveis e até mesmo aqueles que 
podem ser considerados irracionais pelo pensamento, enquanto a Filosofia não 
admite indemonstrabilidade e irracionalidade. Pelo contrário, a consciência 
filosófica procura explicar e compreender o que parece ser irracional e 
inquestionável. 
No entanto, esta definição também é problemática, porque dá à Filosofia a tarefa 
de oferecer uma explicação e uma compreensão totais sobre o Universo, 
elaborando um sistema universal ou um sistema do mundo, mas sabemos, hoje, 
que essa tarefa é impossível. 
Há pelo menos duas limitações principais a esta pretensão totalizadora: em 
primeiro lugar, porque a explicação sobre a realidade também é oferecida pelas 
ciências e pelas artes, cada uma das quais definindo um aspecto e um campo da 
realidade para estudo (no caso das ciências) e para a expressão (no caso das 
artes), já não sendo pensável uma única disciplina que pudesse abranger sozinha 
a totalidade dos conhecimentos; em segundo lugar, porque a própria Filosofia já 
não admite que seja possível um sistema de pensamento único que ofereça uma 
única explicação para o todo da realidade. Por isso, esta definição também não 
pode ser aceita. 
4. Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas. A 
Filosofia, cada vez mais, ocupa-se com as condições e os princípios do 
conhecimento que pretenda ser racional e verdadeiro; com a origem, a forma e o 
conteúdo dos valores éticos, políticos, artísticos e culturais; com a compreensão 
das causas e das formas da ilusão e do preconceito no plano individual e coletivo; 
com as transformações históricas dos conceitos, das idéias e dos valores. 
A Filosofia volta-se, também, para o estudo da consciência em suas várias 
modalidades: percepção, imaginação, memória, linguagem, inteligência, 
experiência, reflexão, comportamento, vontade, desejo e paixões, procurando 
descrever as formas e os conteúdos dessas modalidades de relação entre o ser 
humano e o mundo, do ser humano consigo mesmo e com os outros. Finalmente, 
a Filosofia visa ao estudo e à interpretação de idéias ou significações gerais 
como: realidade, mundo, natureza, cultura, história, subjetividade, objetividade, 
diferença, repetição, semelhança, conflito, contradição, mudança, etc. 
Convite à Filosofia 
_______________________________ 
 
 
 – 16 – 
Sem abandonar as questões sobre a essência da realidade, a Filosofia procura 
diferenciar-se das ciências e das artes, dirigindo a investigação sobre o mundo 
natural e o mundo histórico (ou humano) num momento muito preciso: quando 
perdemos nossas certezas cotidianas e quando as ciências e as artes ainda não 
ofereceram outras certezas para substituir as que perdemos. 
Em outras palavras, a Filosofia se interessa por aquele instante em que a 
realidade natural (o mundo das coisas) e a histórica (o mundo dos homens) 
tornam-se estranhas, espantosas, incompreensíveis e enigmáticas, quando o senso 
comum já não sabe o que pensar e dizer e as ciências e as artes ainda não sabem 
o que pensar e dizer. 
Esta última descrição da atividade filosófica capta a Filosofia como análise (das 
condições da ciência, da religião, da arte, da moral), como reflexão (isto é, volta 
da consciência para si mesma para conhecer-se enquanto capacidade para o 
conhecimento, o sentimento e a ação) e como crítica (das ilusões e dos 
preconceitos individuais e coletivos, das teorias e práticas científicas, políticas e 
artísticas), essas três atividades (análise, reflexão e crítica) estando orientadas 
pela elaboração filosófica de significações gerais sobre a realidade e os seres 
humanos. Além de análise, reflexão e crítica, a Filosofia é a busca do fundamento 
e do sentido da realidade em suas múltiplas formas indagando o que são, qual sua 
permanência e qual a necessidade interna que as transforma em outras. O que é o 
ser e o aparecer-desaparecer dos seres? 
A Filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e 
conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão crítica sobre as origens e 
formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos 
conteúdos, das formas, das significações das obras de arte e do trabalho artístico. 
Não é sociologia nem psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos 
conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. Não é política, mas 
interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do 
poder. Não é história, mas interpretação do sentido dos acontecimentos enquanto 
inseridos no tempo e compreensão do que seja o próprio tempo. Conhecimento 
do conhecimento e da ação humanos, conhecimento da transformação temporal 
dos princípios do saber e do agir, conhecimento da mudança das formas do real 
ou dos seres, a Filosofia sabe que está na História e que possui uma história. 
Inútil? Útil? 
O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para 
quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil? 
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama 
e riqueza. Julga o útilpelos resultados visíveis das coisas e das ações, 
identificando utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse 
ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil. 
Marilena Chauí 
_______________________________ 
– 17 –
Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira? 
Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em 
benefício dos seres humanos. 
Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de 
todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a 
conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes. 
Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma 
para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a 
felicidade humana. 
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando 
o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação
que traria justiça, abundância e felicidade para todos.
Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso 
mundo. 
Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser 
percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade. 
Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? 
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se 
deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for 
útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for 
útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na 
política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem 
conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a 
felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de 
todos os saberes de que os seres humanos são capazes. 
Aula 2 - Consciência mítica e 
nascimento da filosofia 
Zenão 
. Parmênides 
Demócrito 
Protágoras 
Leucipo 
r 
MAGNA 
GRÉCIA 
• Agrigento 
Anaxágoras 
Aristóteles Epicuro 
Pltdgoras 
Pino 
Élida. 
Platão 
Abdera
• •Estagira 
JÓ"'IA / "" Heráclito 
Clazomena / 
• • • • Éfeso 
Atenas Sarnas . Mlleto 
Zenão 
.Cítio 
Il?t:: Sócrates 
D/r 
I ·ROO~ 
Filósofos da Grécia Antiga 
Periodo pré-socrático 
FR/(A,IVEO 
Tales 
Anaximandro 
Anaxímenes 
Panécio 
Posidónio 
Fonte: ABRÃO, Bernadete Siqueira [etal.]. Enciclopédia do Estudante. História da filosofia: 
da Antiguidade aos pensadores do século XXI. v. XII. São Paulo: Moderna, 2008. p. 17. 
Consulte o mapa dos principais filósofos gregos e identifique 
aqueles que correspondem ao período pré-socrático. Observe 
em que região Oônia ou Magna Grécia) e em que cidade eles se 
estabeleceram. Em seguida veja como os filósofos do período 
clássico (Sócrates, Platão) se fixam em Atenas. Embora Aristóteles 
tenha nascido em Estagira, cidade da Macedônia, foi em Atenas que 
fundou sua escola. Localize também os filósofos do helenismo, 
que se deslocam da Grécia continentat e se espalham pelas ilhas. 
D Situando no tempo 
Neste capítulo veremos o processo pelo qual se deu a passagem da 
consciência mítica para a consciência filosófica na civilização grega. 
Vejamos de início um quadro que abrange desde os períodos míticos 
até o século II a.C. 
g 
I 
~ 
'" 
PARA SABER MAIS 
Periodização da história da Grécia Antiga 
Civilização micênica (sécs. XX a XII a.c.). Desenvolveu-se 
desde o início do segundo milênio a.c. Tem esse nome 
pela importância da cidade de Micenas, de onde, por 
volta de 1250 a.c., partiram Agamêmnon, Aquiles e 
Ulisses para sitiar e conquistarTroia . 
Tempos homéricos (sécs. XII a VIII a.c.). Na tra nsição de 
um mundo essencialmente rural,os senhores enrique­
cidos formaram a aristocracia proprietária de terras, 
que fez recrudescer o sistema escravista. Nesse período 
teria vivido Homero (séc.IX ou VIII a.c.). 
Período arcaico (sécs. VIII a VI a.c.). Com a formação 
das cidades-estados (póleis), ocorreram grandes alte­
rações sociais e políticas, bem como odesenvolvimento 
f) Uma nova ordem humana 
Costuma-se dizer que os primeiros filósofos foram 
gregos e surgiram no período arcaico, nas colônias 
gregas. Embora reconheçamos a importância de 
sábios que viveram na mesma época em outros luga­
res, suas doutrinas ainda estavam mais vinculadas à 
religião do que propriamente à reflexão filosófica. 
, ++ 
PARA SABER MAIS 
Os sábios que viveram no Oriente no século VI a.c., 
a mesma época em que a filosofia surgiu na Grécia, 
foram: Confúcio e Lao Tsé na China; Gautama Buda 
na índia; Zaratustra na Pérsia. 
Alguns autores chamaram de "milagre grego" 
a passagem da mentalidade mítica para o pensa­
mento crítico racional e filosófico, destacando o 
caráter repentino e único desse processo. Outros 
estudiosos, no entanto, criticam essa visão simplista 
e afirmam que a filosofia na Grécia não é fruto de 
um salto, do "milagre" realizado por um povo privi­
legiado, mas é a culminação do processo gestado ao 
longo dos tempos. 
Por enquanto, fiquemos com alguns fatos do 
período arcaico que ajudaram a alterar a visão 
mítica predominante e contribuíram para o surgi­
mento do filósofo: 
• a invenção da escrita e da moeda; 
• a lei escrita; 
• a fundação da pólis (cidade-Estado). 
.. A invenção da escrita 
A consciência mítica predomina em cultu­
ras de tradição oral, quando ainda não há escrita. 
Mesmo após seu surgimento, a escrita reserva-se 
do comércio e a expansão da colonização grega. No 
início desse período teria vivido Hesíodo. No final do 
século VII e durante o século VI a.c. surgiram os pri­
meiros filósofos. 
Período clássico (sécs. V e IV a.c.). Auge da civilização 
grega; na politica, o apogeu da democracia ateniense; 
desenvolvi mento das artes, literatura e filosofia; época 
em que viveram os sofistas e os filósofos Sócrates, 
Platão e Aristóteles. 
Período helenístico (sécs.111 e II a.c.). Decadência polí­
tica, domínio macedônico e conquista da Grécia pelos 
romanos; culturalmente, significativa influência das 
civilizações orientais; florescimento das filosofias 
estoica e epicurista. 
aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis, e geral­
mente mantém o caráter mágico: entre os antigos 
egípcios, por exemplo, a palavra hieróglifo significa 
literalmente "sinal divino". 
Na Grécia, já existira uma escrita no período 
micênico, mas restrita aos escribas que exerciam 
funções administrativas de interesse da aristocra­
cia palaciana. Com a violenta invasão dórica, no 
século XII a.C., a escrita desapareceu junto com 
a civilização micênica, para ressurgir apenas no 
final do século IX ou VIII a.C., por influência dos 
fenícios. 
Em seu ressurgimento, a escrita assumiu função 
diferente. Suficientemente desligada da influência 
religiosa, passou a ser utilizada para formas mais 
democráticas de exercício do poder. 
Enquanto os rituais religiosos eram cheios de 
fórmulas mágicas, termos fixos e inquestionados, 
os escritos passaram a ser divulgados em praça 
pública, sujeitos à discussão e à crítica. Isso não 
significa que a escrita se tornasse acessível a todos, 
muito pelo contrário, já que a maioria da popula­
ção era constituída de analfabetos. O que está em 
destaque é a dessacralização da escrita, ou seja, seu 
desligamento do sagrado. 
A escrita gera nova idade mental porque a pos­
tura de quem escreve é diferente daquela de quem 
apenas fala. Como a escrita fixa a palavra para além 
de quem a proferiu, exige maior rigor e clareza, o 
que estimula o espírito crítico. Além disso, a reto­
mada posterior do que foi escrito - não só por con­
temporâneos, mas por outras gerações - abre os 
horizontes do pensamento e proporciona o distan­
ciamento do vivido e o confronto das ideias . 
Portanto, a escrita surge como possibilidade 
maior de abstração, de uma reflexão aprimorada 
que tenderá a modificar a própria estrutura do 
pensamento. 
o nascimento dafilosofia Capitulo 3 
• o surgimento da moeda 
Na época da aristocracia rural, de riqueza basea­
da em terras e rebanhos, a economia era pré-mone­
tária. Os objetos usados para troca vinham carre­
gados de simbologia afetiva e sagrada. As relações 
sociais, impregnadas de caráter sobrenatural, eram 
fortemente marcadas pela posição social de pessoas 
consideradas superiores, devido à origem divina de 
seus ancestrais. 
Entre os séculos VIII eVI a.C., deu-se o desenvolvi­
mento do comércio marítimo, decorrente da expan­
são do mundo grego, com a colonização da Magna 
Grécia (atual sul da Itália e Sicília) e da jônia (hoje 
litoral da Turquia). O enriquecimento dos comer­
ciantes acelerou a substituição de valores aristocrá­
ticos por valores da nova classe em ascensão. 
A moeda, inventada na Lídia - região da atual 
Turquia -, apareceu na Grécia por volta do século 
VII a.c., vindo facilitar os negócios e impulsionar o 
comércio. Com o recurso da moeda, os produtos que 
antes se restringiam ao seu valor de uso passaram a 
ter valor de troca, isto é, transformaram-se em mer­
cadoria. Emitida e garantida pela pólis, a moeda fazia 
reverter seus benefícios para a própria comunidade. 
Dois lados de uma moeda 
grega encontrada em 
Atenas, c. 440 a.c. 
Nessa moeda grega, vemos a deusa 
Atena e a coruja, símbolo da sabedoria. Por 
consequência, a coruja passou a representar 
também a filosofia. 
Além desse efeito político de democratização de 
um valor, a moeda sobrepunha aos símbolos sagrados 
e afetivos o caráter racional de sua concepção: a moeda 
representa uma convenção humana, noção abstrata 
de valor que estabelece a medida comum entre valores 
diferentes. Nesse sentido, a invenção da moeda desem­
penha papel revolucionário, por vincular-se ao nasci­
mento do pensamento racional crítico. 
• A lei escrita 
Antes de tratarmos da transformação da pólis 
é preciso destacar a importância de legislado­
res como Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clístenes 
(séc. VI a.c.), que sinalizaram uma nova era: a jus­
tiça, até então dependente da interpretação da von­
tade divina ou da arbitrariedade dos reis, tornou-se 
codificada numa legislação escrita. Regra comum a 
todos, norma racional, sujeita à discussão e à modi­
ficação, a lei escrita passou a encarnar uma dimen­
são propriamente humana. 
As reformas da legislação de Clístenes fundaram 
a pólis sobre nova base: a antiga organização tri­
bal foi abolida e estabeleceram-se relações que não 
mais dependiam da consanguinidade, mas eram 
determinadas por uma organização administrativa. 
Essas modificações expressam o ideal igualitário 
que preparava a democracia nascente, já que a uni­
ficação do corpo social aboliu a hierarquia fundada 
no poder aristocrático das famílias, que se assen­
tava na submissão e no domínio. 
Segundo jean-Pierre Vernant, helenista e pensa­
dor francês, 
os que compõem a cidade, por mais diferentes 
que sejam por sua origem , sua classe, sua função, 
aparecem de uma certa maneira 'semelhantes' 
uns aos outros". Se de início a igualdade existia 
apenas entre os guerreiros, "essa imagem do mundo 
humano encontrará no século VI sua expressão 
rigorosa num conceito, o de isgnomia: igual 
participação de todos os cidadãos no exercício 
do poder. 1 
A pólis buscava garantir a isonomia, do mesmo 
modo que a isegoria, a igualdade do direito da pala­
vra na assembleia. 
ETIMOLOGIA 
Isonomia. Do grego isos,"igua I ",e nomos,"lei"(igua Idade 
de direitos perante a lei no regime democrático). 
Isegoria. Do grego isos, "igual ", e agoreuo, "discursar 
em público". 
PARA REFtElIR 
Poderíamos dizer que ainda hoje a isonomia e a ise­
goria são princípios extensivos a todos os cidadãos 
em nosso país? 
VERNANT, ]ean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2. ed. São Paulo: DifeI, 1977. p. 42. 
Unidade 1 Descobrindo a filosofia 
.. o cidadão da pólis 
Para Vernant, o nascimento da pólis (por volta 
dos sécs. VIII e VII a.C.) é um acontecimento deci­
sivo que "marca um começo, uma verdadeira inven­
ção", por ter provocado grandes alterações na vida 
social e nas relações humanas. 
A originalidade da pólis é que ela estava cen­
tralizada na ágora (praça pública), espaço onde 
se debatiam os problemas de interesse comum. 
Separavam-se na pólis o domínio público e o pri­
vado: isso significava que ao ideal de valor de san­
gue, restrito a grupos privilegiados em função do 
nascimento ou fortuna, se sobrepunha a justa dis­
tribuição dos direitos dos cidadãos como represen­
tantes dos interesses da cidade. 
Desse modo era elaborado o novo ideal de jus­
tiça, pelo qual todo cidadão tinha direito ao poder. 
A noção de justiça assumia caráter político, e não 
apenas moral, ou seja, não dizia respeito apenas ao 
indivíduo e aos interesses da tradição familiar, mas 
à sua atuação na comunidade. 
A pólis se fez pela autonomia da palavra, não 
mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada 
pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a 
palavra humana do conflito, da discussão, da argu­
mentação. Expressar-se por meio do debate fez 
nascer a política, que permite ao indivíduo tecer 
seu destino na praça pública. Da instauração da 
o século de Péric/es. Phillipp von Foltz, 1853­
Na ágora ateniense, logo abai.xo da acrópole, 
o povo se reúne para a assemblei.a em que os 
oradores di.scutem os desti.nos da ci.dade. 
ordem humana surgiu o cidadão da pólis, figura 
inexistente no mundo da comunidade tribal e das 
aristocracias rurais. 
.. A consolidação da democracia 
Embora os regimes oligárquicos não tenham sido 
extirpados, em muitas póleis consolidaram-se os 
ideais democráticos. Entre elas, Atenas é um modelo 
clássico. O apogeu da democracia ateniense ocorreu 
no século V a.C., quando Péricles governava. 
Os cidadãos livres, ricos ou pobres, tinham acesso 
à assembleia. Tratava-se da democracia direta, em 
que não eram escolhidos representantes, mas cada 
cidadão participava ele mesmo das decisões de 
interesse comum. 
No entanto, quando falamos em democracia 
ateniense, é bom lembrar que a maior parte da 
população se achava excluída do processo político, 
tais como os escravos e os estrangeiros (metecos), 
mesmo que estes fossem prósperos comerciantes. 
Aliás, quanto mais se desenvolvia a ideia de cida­
dania, com a consolidação da democracia, a escra­
vidão representava ainda mais um contraponto 
indispensável, já que ao escravo eram reservadas as 
tarefas dos trabalhos manuais e das atividades diá­
rias de so brevivência. 
É difícil fazer o cálculo demográfico de Atenas, 
mas no decorrer do século V a.C. a população variou 
entre meio milhão a 250 mil habitantes, dos quais 
a maioria era constituída por escravos. Excluídos 
os estrangeiros, as mulheres e as crianças, restavam 
apenas entre 10 a 14% de cidadãos propriamente 
ditos capacitados para participar das discussões na 
ágora e decidir por todos. 
Apesar disso, o que vale enfatizar é a mutação do 
ideal político e uma concepção inovadora de poder, 
a democracia. O hábito da discussão pública, na 
ágora, estimulava o pensamento racional, argumen­
tativo, mais distanciado das tradições míticas. 
S Os primeiros filósofos 
A grande aventura intelectual dos gregos não 
começou propriamente na Grécia continental, mas 
nas colônias da Jônia e da Magna Grécia, onde flo­
rescia o comércio. Os primeiros filósofos viveram por 
volta dos séculos VII eVI a.C. e, mais tarde, foram clas­
sificados como pré-socráticos, quando a divisão da 
filosofia grega centralizou-se na figura de Sócrates. 
Assembleia. Em grego se diz agorá, local de reunião para 
decidir assuntos comuns. Designa também a praça 
principal das póleis, local onde se instalava o mercado. 
o nascimento da filosofia CapItulo 3 
Os escritos dos filósofos pré-socráticos desa­
pareceram com o tempo. e só nos restam alguns 
fragmentos ou referências de filósofos posterio­
res. Sabemos que geralmente escreviam em prosa. 
abandonando a forma poética característica das 
epopeias. dos relatos míticos. 
++ PARA SABERMAIS 
Períodos da filosofia grega 
Pré-socrático (séc. VII e VI a.c.). Os primeiros filó­
sofos ocupavam-se com questões cosmológicas, 
iniciando a separação entre a filosofia e o pensa­
mento mítico. 
Sócrático ou clássico (séc. V e IV a.c.) . Ênfase nas 
questões antropológicas e maior sistematização do 
pensamento. Desse período fazem parte os sofistas, 
o próprio Sócrates, seu discípulo Platão e Aristóteles, 
discípulo de Platão. 
Pós-socrático (séc.111 e II a.c.). Durante o helenismo, 
preponderou o interesse pela física e pela ética. 
Surgiram as correntes filosóficas do estoicismo 
(Zenão de Cítio). do hedonismo (Epicuro) e do ceti­
cismo (Pirro de Élida). 
... PARA SABER MAIS 
Entre os primeiros filósofos, Pitágoras foi o que pela 
primeira vez usou a palavra filosofia e ainda hoje é 
estudado em cursos de geometria. Você conhece o 
teorema sobre a hipotenusa e os catetos do triân­
gulo retângulo? 
• O princípio de todas as coisas 
Os primeiros pensadores centraram a aten­
ção na natureza e elaboraram diversas concep­
ções de cosmologia. Note que dizemos cosmolo­
gia, conceito que se contrapõe à cosmogonia de 
Hesíodo. Enquanto no período mítico a cosmo­
gonia relata o princípio como origem no tempo 
(o nascimento dos deuses), as cosmologias dos 
pré-socráticos procuram a racionalidade consti­
tutiva do Universo. 
Todos eles procuram explicar como, diante da 
mudança (do devi r), podemos encontrar a estabili­
dade; como, diante do múltiplo, descobrimos o uno. 
Ao perguntarem como seria possível emergir o cosmo 
do caos - ou seja, como da confusão inicial surge o 
mundo ordenado -, os pré-socráticos buscam o prin­
cípio (em grego, aarkhej de todas as coisas, entendido 
não como aquilo que antecede no tempo, mas como 
fundamento do ser. Buscar a arkhé é explicar qual é o 
elemento constitutivo de todas as coisas. 
As respostas dos filósofos à questão do funda­
mento das coisas, da unidade que pode explicar a 
Unidade 1 Descobrindo a filosofia 
multiplicidade, são as mais variadas. Vejamos algu­
mas delas: 
• Para Tales de Mileto (640-c.548 a.c.), astrô­
nomo, matemático e primeiro filósofo, a arkhé 
é a água; 
• De acordo com Pitágoras (séc. VI a.C), filósofo 
e matemático, o número é a essência de tudo; 
todo o cosmo é harmonia, porque é ordenado 
pelos números. 
Monocórdio de Pitágoras em ilustração, 
560-480 d.c. 
o monocórdio - como o nome diz - é um 
instrumento de uma corda só. Nele, Pitágoras 
fez experiências para mostrar que a música 
se expressa em linguagem matemática. 
Ao calcular os intervalos entre os diferentes 
pontos pressionados na corda, descobriu 
a relação entre as notas musicais e as 
proporções no seu comprimento. Faça uma 
pesquisa para explicar com mais detalhes 
quais foram as proporções estabelecidas por 
Pitágoras no seu experimento. Se necessário, 
consulte alguém que conheça teoria musical, 
matemática ou ainda fisica. 
• Para Anaximandro (610-547 a.C.), o fundamento 
dos seres é uma matéria indeterminada, ilimi­
tada (ápeiron, em grego), que daria origem a 
todos os seres materiais. 
• Para Anaxímenes (588-524 a.C.), é o ar, que pela 
rarefação e condensação faz nascer e transfor­
mar todas as coisas. 
• Parmênides de Eleia (c.544-450 a.C.) e Heráclito 
de Éfeso (sécs. VI-V a.c.) desenvolveram teorias 
que entraram em conflito e instigaram os filó­
sofos do período clássico (como veremos no 
capítulo 13, ''A busca da verdade"). Enquanto 
para Parmênides o ser real é imóvel, imutável e 
Homem na 
balança dos quatro 
elementos. Autor 
desconhecido, '532. 
A teoria dos quatro elementos - terra, água, ar e fogo - faz parte da 
tradição de vários povos antigos. A que foi elaborada por Empédocles 
tornou-se a mais conhecida e aceita na cultura ocidental até o século XVIII, 
quando o cientista Lavoisier contestou sua validade. 
o movimento é uma ilusão, para Heráclito tudo 
flui e tudo o que é fixo é ilusão: "não nos banha­
mos duas vezes no mesmo rid'. 
o Anaxágoras (499-428 a.C.), nascido em Clazômena, 
mudou-se para Atenas, onde foi mestre de Péricles. 
Sustentava que as "sementes" de todas as coisas 
foram ordenadas por um princípio inteligente, 
uma Inteligência cósmica (Nous, em grego). 
o Os quatro elementos, terra, água, ar e fogo, cons­
tituem a teoria de Empédocles (483-430 a.C.). 
o Os filósofos Leucipo (séc. V a.C.) e Demócrito 
(c.460-c.370 a.C.) são atomistas, por conside­
rarem o elemento primordial constituído por 
átomos, partículas indivisíveis. Como para eles 
também a alma era formada por átomos, esta­
mos diante de uma concepção materialista e 
determinista. 
A Mito e filosofia: continuidade 
e ruptura 
Já podemos observar a diferença entre o pen­
samento mítico e a filosofia nascente: a cosmolo­
gia racional distingue-se da cosmogonia mítica de 
Hesíodo. 
Para estudiosos como o inglês Francis Mcdonald 
Cornford, no entanto, apesar das diferenças o pen­
samento filosófico nascente ainda apresentava vin­
culações com o mito. Examinando os textos dos 
filósofos jônicos, Cornford descobriu neles a mesma 
estrutura de pensamento existente no relato mítico: 
os jônios afirmavam que, de um estado inicial de 
indistinção, separam-se pares opostos (quente e 
frio, seco e úmido), que vão gerar os seres naturais 
(o céu de fogo, o ar frio, a terra seca, o mar úmido). 
Para eles, a ordem do mundo deriva de forças opos­
tas que se equilibram reciprocamente, e a união dos 
opostos explica os fenômenos meteóricos, as esta­
ções do ano, o nascimento e a morte de tudo o que 
vive. Ora, para Cornford, essa explicação racional 
se assemelha aos relatos de Hesíodo na Teogonia, 
segundo os quais Gaia gera sozinha, por segregação. 
o Céu e o Mar; depois, da união de Gaia com Urano 
resulta a geração dos deuses. 
Embora em parte concorde com o fato de que a 
filosofia deriva do mito, em Mito e pensamento entre 
os gregos Vernant contrapõe-se a Cornford ao desta­
car o novo, "aquilo que faz precisamente com que a 
filosofia deixe de ser mito para se tornar filosofia". 
Nesse sentido, existe uma ruptura entre mito e 
filosofia. Enquanto o mito é uma narrativa cujo con­
teúdo não se questiona, a filosofia problematiza e, 
portanto. convida à discussão. No mito a inteligibi­
lidade é dada, na filosofia ela é procurada. A filoso­
fia rejeita o sobrenatural. a interferência de agentes 
divinos na explicação dos fenômenos. Ainda mais: a 
filosofia busca a coerência interna, a definição rigo­
rosa dos conceitos; organiza-se em doutrina e surge, 
portanto, como pensamento abstrato. 
o nascimento da filosofia Capítulo 3 
I 
..I 
I 
J 
Aquedtl dt koro. 
Peter Paul Rubens, 
(16~ 638). 
Esta tela do pintor flamengo Peter Paul Rubens faz menção a 
tcaro, personagem mitico. Segundo uma das versões do mito grego, 
Dédalo e seu filho tcaro estavam presos no labirinto de ereta, corno 
castigo por ter ajudado Teseu a encontrar o Minotauro e matá-lo. 
Assim relata Pierre Grirnal: "Dédalo, a quem não faltavam recursos, 
fabricou para tcaro e para si mesmo umas asas que cotou com cera 
aos seus ombros e aos do filho. Em seguida, ambos levantaram 
voo. Antes de partir, Dédalo recomendara a tcaro que não voasse 
nem muito baixo nem muito alto. tcaro, porém, orgulhoso, não deu 
ouvidos aos conselhos do pai e elevou-se nos ares, aproximando-se 
tanto do Sol que a cera derreteu e o imprudente caiu no mar que, a 
partir desse momento, se chamou Mar Icário".1 
A partir da imagem e do relato acima, e antes de ler o capitulo, 
explique que signüicado um mito teria para os povos da Antiguidade. 
Em seguida, elabore uma interpretação atual para o mito de tcaro. 
I Dicionário da. mitologia. grega. e romana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, s. d. p. 241. 
25 
Dois relatos míticos 
Costumamos dizer que a filosofia é grega, por ter 
nascido nas colônias gregas no século VI a.C. E antes 
da filosofia, que tipos de pensamentos ocupavam a 
mente das pessoas? 
Vamos primeiro examinar o mito, modo de cons­
ciência que predomina nas sociedades tribaise que 
nas civilizações da Antiguidade ainda exerceu sig­
nificativa influência. Ao contrário, porém, do que 
muitos supõem, o mito não desapareceu com o 
tempo. Está presente até hoje, permeando nossas 
esperanças e temores, como veremos. 
Entre os povos indígenas habitantes das ter­
ras brasileiras, encontramos várias versões sobre a 
origem da noite. Um desses relatos é o dos maué, 
nativos dos rios Tapajós e Madeira. Segundo eles, 
no início só havia o dia. Cansados da luz, foram ao 
encontro da Cobra-Grande, a dona da noite. Ela 
atendeu ao pedido com a condição de que os indí­
genas lhe dessem o veneno com que os pequenos 
animais como aranhas, cobras e escorpiões se pro­
tegiam. Em troca, receberam um coco com a reco­
mendação de só abri-lo ao chegarem à maloca. Ao 
ouvirem ruídos estranhos saindo dele, não resisti­
ram à tentação e assim deixaram escapar anteci­
padamente a escuridão da noite. Atônitos e perdi­
dos, pisaram nos pequenos bichos, cujas picadas 
venenosas mataram muitos deles. Desde então, os 
sobreviventes aprenderam os cuidados que deve­
riam tomar quando a noite viesse. 
De modo semelhante aos maué, os gregos dos tem­
pos homéricos narram o mito de Pandora, a primeira 
mulher. Em uma das muitas versões desse mito, Zeus 
enviou um presente aos humanos, mas com a intenção 
de puni-los por terem recebido o fogo do titã Prometeu, 
que o roubara dos Céus. Pandora levava consigo uma 
caixa, que abriu por curiosidade, deixando escapar todos 
os males que afligem a humanidade. Conseguiu, porém, 
fechá-la a tempo de reter a esperança, única maneira 
de suportarmos as dores e os sofrimentos da vida. 
Nos dois relatos, percebemos situações aparen­
temente diversas, mas que se assemelham, pois 
ambos tratam da origem de algo: entre os indígenas, 
como surgiu a noite; e entre os gregos, a origem dos 
males. E trazem como consequências dificuldades 
que as pessoas devem enfrentar. 
A leitura apressada do mito nos leva a com­
preendê-lo como uma maneira fantasiosa de expli­
car a realidade, quando esta ainda não foi justificada 
pela razão. Sob esse enfoque, os mitos seriam len­
das, fábulas, crendices e, portanto, um tipo inferior 
de conhecimento, a ser superado por explicações 
mais racionais. Tanto é que, na linguagem comum, 
costuma-se identificar o ~ à mentira. 
E ETIMOLOGIA 
Mito. Mythos, em grego, significa "palavra", "o que 
se diz", "narrativa". A consciência mítica é predomi­
nante em culturas de tradição oral, quando ainda 
não há escrita. 
o pintor pernambucano Rego Monteiro é um artista do 
modernismo brasileiro que recorre aos temas dos mitos 
indígenas. Nessa aquarela. vemos o contraste entre as raízes 
arcaicas indígenas e o tratamento contemporâneo da imagem. 
Observe o traço fino. a delicadeza dos gestos - o índio mais 
parece um bailarino - e a moça. que se deixa levar sem 
resistência. Ao fundo. a lua emoldura o casal. 
Que mito está representado na pintura? 
Oboto é um mamífero cetáceo comum nas águas do Rio 
Amazonas. Segundo a lenda do Boto'Cor'de-Rosa, à noite ele 
emerge do rio e se transforma em um belo e irresistivel homem 
que seduz as moças e as engravida. As mães advertem as filhas 
para o perigo que ele representa. Tal como na proposta de Rego 
Monteiro, podemos nos perguntar: o que esse mito tem a nos 
dizer hoje? 
o boto. Vicente do Rego 
Monteiro, 1921 . 
Unidade 1 Descobrindo a filosofia 
No entanto, o mito é mais complexo e muito mais 
expressivo e rico do que supomos quando apenas o 
tomamos como o relato frio de lendas desligadas do 
ambiente que as fez surgir. 
Não só os povos tribais ou as civilizações anti­
gas elaboram mitos. A consciência mítica persiste 
em todos os tempos e culturas como componente 
indissociável da maneira humana de compreender e 
sobretudo sentir a realidade, como veremos adiante. 
fJ O que é mito? 
Como processo de compreensão da realidade, o 
mito não é lenda, pura fantasia, mas verdade. Quando 
pensamos em verdade, é comum nos referirmos à 
coerência lógica, garantida pelo rigor da argumen­
tação e pela apresentação de provas. A verdade do 
mito, porém, resulta de uma intuição compreensiva 
da realidade, cujas raízes se fundam na emoção e 
na afetividade. Nesse sentido, antes de interpretar o 
mundo de maneira argumentativa, o mito expressa 
o que desejamos ou tememos, como somos atraídos 
pelas coisas ou como delas nos afastamos. 
Não se trata, porém, de qualquer intuição. Para 
melhor circunscrever o conceito de mito, precisa­
mos de outro componente - o mistério -, pois 
ele sempre é um enigma a ser decifrado e como tal 
representa nosso espanto diante do mundo. 
U'PARA REFLEtIR 
o mistério éalgo que não podemos compreender, por 
ser inacessível à razão edepender da fé. Um problema 
éalgo que ainda não compreendemos, mas cuja res­
posta nos esforçamos para descobrir. Você poderia 
dar um exemplo de cada um desses conceitos? 
Segundo alguns intérpretes, o "falar sobre o 
mundo" simbolizado pelo mito está impregnado do 
desejo humano de afugentar a insegurança, os temo­
res e a angústia diante do desconhecido, do perigo e 
da morte. Para tanto, os relatos míticos se sustentam 
na crença, na fé em forças superiores que protegem 
ou ameaçam, recompensam ou castigam. 
Entre as comunidades tribais, os mitos consti­
tuem um discurso de tal força que se estende por 
todas as esferas da realidade vivida. Desse modo, o 
sagrado (ou seja, a relação entre a pessoa e o divino) 
permeia todos os campos da atividade humana. Por 
isso, os modelos de construção mítica são de natu­
reza sobrenatural, isto é, recorre-se aos deuses para 
essa compreensão do real. 
li Os rituais 
Segundo Mircea Eliade, historiador romeno estu­
dioso das religiões, uma das características do mito 
é fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de 
todas as atividades humanas significativas. Desse 
modo, os gestos dos deuses são imitados nos rituais. 
Essa é a justificativa dada pelos teólogos e ritualis­
tas hindus: "Devemos fazer o que os deuses fizeram 
no princípio"; ''Assim fizeram os deuses, assim fazem 
os homens". 
Eliade exemplifica com a resposta dada pelos 
arunta, povos nativos da Austrália, a respeito 
da maneira pela qual celebravam as cerimônias: 
"Porque os ancestrais assim o prescreveram". Em 
seus rituais, porém, os arunta não se limitavam a 
representar ou imitar a vida, os feitos e as aventuras 
dos ancestrais: tudo se passava como se os antepas­
sados aparecessem de fato nas cerimônias. 
O tempo sagrado é, portanto, reversível, ou seja, 
a festa religiosa não é simples comemoração, mas a 
ocasião pela qual o evento sagrado, que teve lugar 
no passado mítico, acontece novamente. Caso con­
trário, a semente não brotará da terra, a mulher 
não será fecundada, a árvore não dará frutos, o dia não 
sucederá à noite. Sem os ritos, é como se os fatos 
naturais descritos não pudessem se concretizar . 
• Exemplos de rituais 
A maneira mágica pela qual os povos tribais agem 
sobre o mundo pode ser exemplificada pelos inúme­
ros ritos de passagem: do nascimento, da infância 
para a idade adulta, do casamento, da morte. 
Assim diz Mircea Eliade: 
... quando acaba de nascer, a criança só dispõe de 
uma existência física, não é ainda reconhecida pela 
família nem recebida pela comunidade. São os 
ritos que se efetuam imediatamente após o parto 
que conferem ao recém-nascido o estatuto de 'vivo' 
propria mente dito; é somente graças a estes ritos 
que ele fica integrado na comunidade dos vivos. 
[...] Para certos povos, [...] a morte de uma pessoa 
só é reconhecida como válida depois da realização 
das cerimõnias funerárias, ou quando a alma do 
defunto foi ritual mente conduzida à sua nova 
morada, no outro mundo, e lá embaixo, foi aceito 
pela comunidade dos mortos 2 
ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano. Lisboa: Livros do Brasil, s. d. p. 143-144. 
Aconsciência mítica Capítulo 2 
Ainda hoje, a maioria das religiões contemporâ­
neas mantém os ritos próprios de sua crença: cul­
tos, cerimônias, oferendas,preces, templos, festas e 
objetos religiosos. 
• Transgressão do tabu 
No ambiente da tribo, o equilfbrio pessoal depende 
da preponderância do coletivo, o que facilita a adap­
tação do individuo à tradição. Ora, no universo em 
que predomina a consciência coletiva, a desobe­
diência ultrapassa quem violou a proibição, podendo 
atingir a familia, os amigos e, às vezes, toda a tribo. 
É o caso do tabu, termo que significa proibição, 
interdito, e que entre os povos tribais assume cará­
ter sagrado. O mais primitivo tabu é o do incesto, 
mas há inúmeros outros, como o impedimento de 
tocar em algum objeto, animal ou em alguém. Por 
exemplo: em algumas tribos indígenas as mulheres 
menstruadas não devem tocar nos utensílios mas­
culinos porque, contaminados, provocariam males 
e desgraças; a vaca é ainda hoje um animal sagrado 
na Índia e não deve ser molestada. 
Quando nas tribos a proibição é transgredida, 
são feitos ritos de purificação, como abster-se de 
alimentos, retirar-se para local isolado, submeter­
-se a cerimônias de ablução, em que se lava o corpo 
ou parte dele. Outros procedimentos são os rituais 
do "bode expiatório': após a transgressão ter provo­
cado doença em um individuo ou o mal ter atingido 
toda a tribo, o sacrifício de animais ou de pessoas é 
um processo de "expiação', ou seja, de purificação. 
++ 
PARA SABER MAIS 
Ai nda hoje o termo tabu é usado no sentido sagrado, 
mas também no não religioso: a proibição de pro­
nunciar algumas palavras, como as referentes a cer­
tas partes do corpo, ou evitar dizer"câncer" ou "aids", 
substituindo os nomes por"aquela doença". Q"tabu" 
da virgindade feminina foi imposição severa até a 
década de 1960, quando ocorreu a chamada revolu­
ção sexual. E ainda se costuma dizer nos jogos que 
um time"quebrou um tabu" ao vencer outro do qual 
há muito perdia. 
· Teorias sobre o mito 
Entre as inúmeras teorias sobre o mito, citamos 
as de antropólogos, como Bronislaw Malinowski 
e Claude Lévi-Strauss; de filósofos, como Ernst 
Cassirer, Georges Gusdorf, Roland Barthes e Michel 
Foucault; de psicanalistas, como Sigmund Freud e 
seu discípulo dissidente CarlJung; de historiadores, 
como Mircea Eliade e tantos outros. 
Unidade 1 Descobrindo a filosofia 
.. As funções do mito 
Alguns teóricos explicam o mito pela função que 
desempenha no cotidiano da tribo, garantindo a tra­
dição e a sobrevivência do grupo. 
Vejamos alguns exemplos . 
o A origem da agricultura: segundo o mito 
indígena tupi, a mandioca, alimento básico da 
tribo, nasce do túmulo de uma criança cha­
mada Mandi; no mito grego, Perséfone é levada 
por Hades para seu castelo tenebroso, mas, a 
pedido de sua mãe, Deméter, retorna em certos 
períodos: esse mito simboliza o trigo enterrado 
como semente e renascendo como planta. 
o A fertilidade das mulheres: para os arunta, os 
espíritos dos mortos esperam a hora de renas­
cer e penetram no ventre das mulheres quando 
elas passam por certos locais. 
o O caráter mágico das danças e desenhos: 
quando os homens pré-históricos faziam pin­
turas nas paredes das cavernas, representando 
a captura de renas, talvez não pretendessem 
enfeitá-las nem apenas mostrar suas habili­
dades pictóricas, mas agir magicamente, para 
garantir de antemão o sucesso das caçadas; 
essa suposição se deve ao fato de que geral­
mente os desenhos eram feitos nas partes 
mais escuras da caverna. 
Pintura rupestre em Lascaux, 
França, C.15 mil anos atrás. 
Incesto. Relação sexual entre parentes 
consanguíneos ou afins. 
• o caráter inconsciente do mito 
Outros intérpretes da linha psicológica, como 
Sigmund Freud, fundador da psicanálise, e seu 
discípulo dissidente Carl Jung, acentuam o cará­
ter existencial e inconsciente do mito, como reve­
lador do sonho, da fantasia, dos desejos mais pro­
fundos do ser humano. Por exemplo, ao analisar 
o mito de Édipo, Freud realça o amor e o ódio 
inconscientes que permeiam a relação familiar. E 
Jung se refere ao inconsciente coletivo, que seria 
encontrável nos grupos e nas pessoas em qual­
quer época ou lugar. 
• O mito como estrutura 
Outra linha de interpretação do mito é a do 
antropólogo Lévi-Strauss, representante da corrente 
estruturalista. Como o nome diz, trata-se de procu­
rar a estrutura básica que explica os mais diversos 
mitos, procedimento que valoriza mais o sistema do 
que os elementos que o compõem. Os elementos, 
por serem relativos, só têm valor de acordo com a 
posição que encontram na estrutura a que perten­
cem. Ou seja, um fato isolado ou um mito isolado 
não possuem significado em si. 
QUEMF:1 
Claude Lévi-Strauss (1908­
-2009), antropólogo e filó­
sofo, nasceu na Bélgica e 
viveu na França. Na década 
de 1930, foi professor da 
Universidade de São Paulo 
e pesquisou tribos indíge­
nas do Brasil Central. Suas 
principais obras: A vida 
familiar e social dos índios 
nhambiquaras, Tristes tró­
picos, Antropologia estru­
turai, O pensamento selva­
gem, entre outras. 
Claude Lévi-Strauss, 
199°· 
Mandala pintada por 
Adelina Gomes (1966). 
Nise da Silveira (1906-1999) , pioneira 
da psicologia junguiana no Brasil, dirigiu 
o Centro Psiquiátrico Pedro lI, no Rio de 
Janeiro. No tratamento da esquizofrenia, 
recusou as práticas agressivas, usando 
recursos diversos, inclusive a pintura, e a 
partir dela analisava os mitos e os arq.uétipos 
expressos inconscientemente pelos seus 
pacientes, como nessa mandala. Para ela, 
"a configuração de mandalas harmoniosas 
denotará intensa mobilização de forças 
autocuratlvas para compensar a desordem 
interna". No caso de sua paciente Adelina 
Gomes, a mandala "apresenta notáveis 
melhoras clinicas. A flor vermelha indica que 
afetos intensos tendem a organizar-se em 
torno de um centro. Mas a perigosa serpente 
de duas cabeças ronda na periferia ainda 
não incorporada ao circulo".3 
Inconsciente coletivo. Para Jung, o inconsciente 
coletivo é hered itá rio, "idêntico em todos os homens, 
e constitui um substrato psíquico comum, de natureza 
suprapessoal, que está presente em cada um de nós". 
Arquétipo. Segundo Jung, imagens ancestra is e 
simbólicas que se exprimem por meio do inconsciente 
pessoal e coletivo, de sonhos, de delírios e em 
manifestações artí sticas. 
Mandala. Do sânscrito, "círculo". Segundo Jung, as 
mandalas são imagens circulares desenhadas, 
pintadas, modeladas e dançadas que sugerem ordenação, 
recuperação do equilíbrio, renovação da personalidade. 
SILVEIRA, Nise da. As imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981. p. 65. 
A consdênda mítica Capítulo 2 
Enquanto outros teóricos interpretam os rrútos pela 
sua funcionalidade e se baseiam nos elementos particu­
lares, na pura subjetividade ou na história de um deter­
minado povo, Lévi-Strauss busca os elementos inva­
riantes, que persistem sob diferenças superficiais. 
Para tanto, interessam-lhe os sistemas de rela­
ções de parentesco, filiação, comunicação lin­
guistica, troca econômica etc., comuns a todas as 
sociedades. Por exemplo, uma regra universal é a 
proibição do incesto. Esse interdito tem o lado posi­
tivo de garantir a exogamia. ou seja, a união com 
pessoas de outro grupo. 
ETIMOLOGIA 
Exogamia. Palavra composta por dois termos gregos: 
exo, "fora de", e gamos, "casa mento". 
Segundo Lévi-Strauss, o mito não é, como se cos­
tuma dizer, o lugar da fantasia e do arbitrário, mas 
pode ser compreendido a partir de uma estrutura 
lógico-formal subjacente, pelo lugar que cada ele­
mento ocupa em determinada estrutura. Assim ele 
explica: 
Não pretendemos mostrar como os homens pensam 
nos mitos, mas como os mitos [através das estruturas] 
se pensam nos homens, e à sua revelia. q 
mO mito nas civilizações antigas 
Até aqui, tudo o que dissemos sobre os mitos nos 
remete aos povos tribais, cujas relações permane­
cem igualitárias. Nas sociedades mais complexas, 
com novas técnicas e ofícios especializados, desen­
volvimento da agricultura, pastoreio e comércio de 
excedentes, começaram a se estabelecer hierarquias 
entre segmentossociais, inclusive introduzindo a 
escravidão. 
Assim floresceram as primeiras grandes civili­
zações, como na Mesopotâmia, no Egito, na Índia, 
na China e em Israel. As duas primeiras são as 
mais antigas e teriam surgido por volta do final 
do quarto milênio a.C. É bom lembrar que essas 
datas são aproximativas, uma vez que dependem 
de interpretações históricas muitas vezes diver­
gentes entre si. 
Nessas civilizações tão antigas o mito era com­
ponente importante da cultura, mas as instituições 
religiosas, por se tornarem mais elaboradas, pro­
vocaram a separação entre o espaço sagrado dos 
santuários e o espaço profano da vida cotidiana, 
O poder era exercido pela classe sacerdotal ou por 
seu representante máximo, como o faraó, soberano 
considerado um deus. Esse poder, em alguns casos, 
tor~ava-se teocrático. O culto exigia monumentos 
grandiosos, como os templos e as pirâmides, onde 
eram sepultados os reis. 
• Os deuses gregos 
A civilização grega teve início por volta do sécu­
lo XX a.C. (entre 2000 e 1900 a.C), quando invasores 
de origem indo-europeia ocuparam o continente, 
dando início à civilização a ueia (ou micênica). 
Nessa época a Grécia ainda se chamava Hélade e 
era constituída por diversas regiões autônomas, 
mas que mant~veram a língua e a unidade cultural. 
A religião dos gregos era politeísta, Os deu­
ses, habitantes do monte Olimpo, eram imortais, 
embora tivessem comportamentos semelhantes aos 
dos homens, sendo às vezes benevolentes e também 
agindo por inveja ou vingança. Entre as obrigações 
a eles devidas, como oferendas, preces e sacrifícios, 
destacam-se as peregrinações aos grandes santuá­
rios, tais como Delfos, onde se consultava o oráculo, 
como vimos no capítulo anterior. 
a) Homero 
Os mitos gregos surgiram quando ainda não havia 
escrita e eram transmitidos por poetas ambulantes 
chamados aedos e rapsodos, que os recitavam de cor 
em praça pública. Nem sempre é possível identificar 
a autoria desses poemas, por serem produção cole­
tiva e anônima. 
++ 
PARA SABER MAIS 
Você sabe como identificar datas tão remotas? 
Vamos dar um exemplo: o ano de 3500 a.c. per­
tence a que milênio? Para saber, dividimos 3-500 
por 1.000. O resultado é 3 (despreza-se a fração). 
Acrescentamos 1 e temos 4, ou seja, o ano de 3500 
pertence ao 4° milênio. Para saber a que século cor­
responde este ano, dividimos 3-5°0 por 100 e acres­
centamos 1. Temos 36, portanto, século XXXVI a.c. 
Teocracia. Do grego theo, "deus", e kratia, "poder". 
Poder político que se funda no poder religioso. 
Aqueu. Oriundo da Acaia. região do norte da 
Península do Peloponeso. 
LÉVI-STRAUSS, Claude. ocru e o cozido. São Paulo: Cosac & Nai.fy, 2004. p. 31. 
Unidade 1 Descobrindo a filosofia 
Atribuem-se a Homero, um desses poetas, dois 
poemas épicos, as epopeias JUada e Odisseia. 
Existem, no entanto, controvérsias a respeito da 
época em que Homero teria vivido - século IX ou 
VIII a.C.? - e até se ele realmente existiu. Segundo 
alguns intérpretes, as epopeias representam fatos 
e mitos recolhidos por diversos autores, o que se 
verifica pela diversidade de estilos dos dois poe­
mas e pelas passagens indicativas de períodos his­
tóricos diferentes. 
•• PARA SABER MAIS 
A llíada trata da guerra de Troia (que em grego é 
ílion) e a Odisseia, do retorno a ítaca, terra natal 
de Ulisses (Odisseus é o nome grego de Ulisses). 
Essa viagem foi cheia de peripécias, por isso cos­
tumamos chamar de odisseia uma aventura 
mirabolante. 
Na vida dos gregos, as epopeias desempenharam 
um papel pedagógico significativo. Descreviam a 
história grega - o período da civilização micênica­
e transmitiam os valores culturais mediante o 
relato das realizações dos deuses e dos antepas­
sados. Por expressarem uma concepção de vida, 
desde cedo as crianças decoravam passagens des­
ses poemas. 
As ações heroicas relatadas nas epopeias mos­
tram a constante intervenção dos deuses, ora para 
auxiliar o protegido, ora para perseguir o inimigo. 
O indivíduo é presa do Destino, que é fixo, imutável. 
Assim diz o troiano Heitor: 
Nenhum homem me fará descer à casa de Hades 
contrariando o meu destino. Nenhum homem, 
afirmo, jamais escapou de seu destino, seja covarde 
ou bravo, depois de haver nascidoS 
O herói VlVla, portanto, na dependência dos 
deuses e do destino, faltando a ele a noção de von­
tade pessoal, de liberdade. Mas isso não o diminuía 
diante das pessoas comuns, ao contrário, ter sido 
escolhido pelos deuses era sinal de valor e em nada 
essa ajuda desmerecia a virtude do guerreiro belo e 
bom, que se manifestava pela coragem e pela força, 
sobretudo no campo de batalha. 
E ETIMOLOGIA 
Virtude. Vem do latim vir, virtus; primitivamente, 
vir significa o homem viril, forte, corajoso. 
Hades. Éo nome do Deus do Mundo Subterrâneo, 
que entre os romanos chamava-se Plutão. Também 
designa o Mundo dos Mortos. 
Hércules e a Hydra. Antonio di 
Jacopo Pollaiuolo, 1475. 
Hércules é o nome romano do semideus grego Héracles, 
filho de Zeus e de uma mortal. Conhecido por sua força 
fisica, enfrentou inúmeros desafios, principalmente devido à 
cólera e vingança da deusa Hera, esposa de Zeus, enciumada 
pela traição do marido. Na imagem Hércules se cobre com a 
cabeça e a pele do Leão de Némea, um monstro que matou 
no primeiro de seus doze trabalhos. Na tela do pintor italiano 
renascentista, o herói enfrenta a Hidra de Lema, espécie de 
serpente de várias cabeças que voltavam a crescer depois de 
cortadas. Segundo intérpretes, a hidra seria o pãntano de 
Lema - que Hércules conseguira secar - e as cabeças, 
as nascentes"d'água que até então não paravam de jorrar. 
Outros comparam a hidra ao delta dos rios, com suas 
enchentes. Não por acaso, a palavra hidra vem do grego e 
significa "água". Há nesse relato várias referências ao que 
vimos até aqui sobre os mitos. Procure identificá-las. Além 
disso, faça uma interpretação atual do mito, destacando 
algum acontecimento ou sentimento que poderia ser 
simbolizado pelo mito da Hidra de Lema. 
HOMERO.llíada (em forma de prosa). 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. p. 72. 
A consciência mítica Capítulo 2 
Diferentemente do que hoje entendemos por vir­
tude, para os gregos esse valor correspondia àexcelência 
e à superioridade, objetivo supremo do herói guerreiro. 
Essa virtude se destacava igualmente na assembleia 
dos guerreiros, pelo poder de persuasão do discurso. 
PARA REFLETIR 
o conceito de virtude variou entre os filósofos, mas 
em geral designa uma disposição ética para realizar 
o bem, o que supõe autonomia e não mais imposi­
ção do destino. Você saberia indicar algumas virtu­
des desejáveis para o convívio humano? 
b) Hesíodo 
Hesíodo, outro poeta que teria vivido por volta do 
final do século VIII e princípios do VII a.c., produziu 
uma obra com particularidades que tendem a supe­
rar a poesia impessoal e coletiva das epopeias. Essas 
características novas são indicativas do período 
arcaico, que então se iniciava. 
Mesmo assim, suas obras ainda refletem o inte­
resse pela crença nos mitos. Em Teogonia, Hesíodo 
relata as origens do mundo e dos deuses, em que 
as forças emergentes da natureza vão se transfor­
mando nas próprias divindades. Por isso a teogo­
nia é também uma cosmogonia, na medida em que 
narra como todas as coisas surgiram do ~ para 
compor a ordem do Cosmo. 
liiY ETIMOLOGIA 
Teogonia. Do grego théas, "deus", e ganas, "origem", 
Cosmogonia. Do grego kósmas, "mundo", "ordem", 
"beleza". 
Caos. Para os gregos, o vazio inicial. 
Por exemplo, do Caos surgiu Gaia, ou Geia (a 
Terra, elemento primordial), que, sozinha, deu ori­
gem a Urano (o Céu). Em seguida, uniu-se a Urano, 
gerando os deuses e as divindades femininas. Um de 
seus filhos é Cronos (Tempo), que toma o poder do 
pai e é destronado pelo filho Zeus. 
Os deuses gregos permaneceram por muito 
tempo na cultura ocidental da Antiguidade e foram 
assimilados pelos romanos, com outros nomes. Por 
exemplo, Cronos é Saturno, Zeus é Júpiter, Atena é 
Minerva,

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