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TEXTO COMPLEMENTAR DE CIÊNCIA POLÍTICA (DIREITO) E COMUNICAÇÃO E POLÍTICA (JORNALISMO E PUBLICIDADE E PROPAGANDA) ACERCA DO ESTADO MODERNO SOB A ÓTICA RENASCENTISTA E ILUMINISTA PROFº ANDRÉ SANTOS EXTRAÍDO DE FRAGMENTOS DA PARTE 2 DA OBRA: SANTOS, André Luiz. MÜLLER, Elvis Daniel. PITZ, Gelazio. Ab Origine: Introdução a História do Pensamento Jurídico e a Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. CAPÍTULO 1 – ORIGENS HISTÓRICAS, ECONÔMICO- JURÍDICAS E FUNDAMENTOS MORAIS, POLÍTICOS E FILOSÓFICOS DA FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO 1.1 ELEMENTOS CONSTITUINTES DO ESTADO Na modernidade, diferentemente de épocas antigas, viver sob um Estado é uma condição indispensável à vida de qualquer cidadão. Qualquer indivíduo que existe na modernidade, encontra-se sob a tutela de algum Estado. Só não estão submissos a esta realidade aqueles indivíduos que ainda vivem em condições de isolamento, sem que tenham tido qualquer contato com qualquer civilização ou aqueles que muito pouco contato tenham tido, embora sem que muitas vezes saibam compõem um Estado. No Brasil, por exemplo, Mesmo as tribos amazônicas e outras, eventualmente, de menor contato, de alguma forma, já sentiram a presença do Estado brasileiro e nele estão inseridos. Para o homem moderno a existência e o pertencimento ao Estado é praticamente uma fatalidade. Muito difícil é imaginar alguém na dinâmica de vida moderna, especialmente na atualidade conseguir ter um cotidiano normal e ser bem sucedido, particularmente em sua vida profissional de negócios e social, sem que constantemente sinta necessidade de recorrer aos seus vínculos com o Estado ou ser cobrado em suas obrigações com ele. Isso é fato, é uma realidade; estamos envoltos pelo Estado. Em linguagem de senso comum poderíamos dizer que estamos cercados de Estado por todos os lados. A pertença ao Estado é de tamanha fatalidade que ninguém de nós e de muitas de nossas gerações passadas escolheu pertencer ou deixar de pertencer a um Estado. Simplesmente, cada um pertence. Nenhum de nós e de nossos antepassados mais próximos escolheu constituir um Estado e também não participou do processo que nele culminou. É, para nós, na atualidade, praticamente uma imposição. Não que dele não possamos participar e de alguma forma nele interferir. Ao participarmos dele, contudo, sempre o fizemos para aprimorá-lo e ratificar ainda mais a sua existência. A respeito dele nos comportamos com sentimento e em atitude praticamente religiosa. Segundo Strayer “(...) Um Estado existe, sobretudo no coração e no espírito do seu povo; se este não acreditar na existência do Estado, nenhum exercício de lógica poderá lhe dar vida (...)”1 Arriscaríamos dizer que possivelmente o Estado em si, seja menos contestado ou descartado que a própria religião, o que não significa dizer que não sejam contestados aqueles que o comandam ou o seu modelo ou forma de atuação. Podemos até escolher trocar de Estado, no entanto, para isso precisamos atestar, obviamente, que pertencemos a algum. E conforme for a identidade do Estado de origem do indivíduo, terá ele maior ou menor facilidade de efetuar e efetivar sua escolha por outro. Contudo, sempre será possível trocar de Estado, no entanto, desfazer-se de qualquer vínculo com qualquer um dos que aí estão, isto nos parece, atualmente, impossível. Difícil seria identificar “por aí” um sujeito apátrida. Ao afirmarmos isso sobre o Estado não queremos, necessariamente, exaltá-lo, tampouco contestá-lo. Estamos apenas fazendo uma constatação de um fato, afirmando que para o bem ou para o mal, mas, a realidade é essa, ele aí está, portanto, ele existe e que dificilmente deixaremos de ser afetados por ele. Trata-se de uma constatação histórica de um processo histórico de evolução da organização dos grupos sociais que foram se constituindo em sociedades cada vez mais complexas e organizadas, e que culminou por 1. STRAYER, Joseph R. As origens medievais do Estado Moderno. Gradiva Publicações: Lisboa, Portugal, 1986, p. 11. nos envolver nisso que hoje denominamos de Estado. É um fato, uma realidade com existência concreta e materialmente equipado para ser notado e para atuar. Diante dessa realidade fatal cabe nos perguntarmos se de fato sabemos o que é um Estado, como ele se caracteriza, como ele se formou, quais são suas características e se sempre foram as mesmas. Pretendemos a partir de agora estudar de que forma e em que condições se realizou o processo de formação do Estado Moderno, a partir desse modelo e com as características que podemos de um modo geral identificar em todos, na modernidade. Evidentemente, cada povo tem suas maneiras de determinar suas peculiaridades que o seu Estado deve contemplar. No entanto, na modernidade, certamente temos muito mais características em comum entre os Estado que profundas divergências. Comecemos por entender, por exemplo, que toda organização estatal moderna é composta de no mínimo três elementos fundamentais: um povo, um território e um governo, isto é uma nítida autoridade ou autoridades. Para dar vida e funcionalidade a esta autoridade responsável por dar existência e ação concreta ao Estado, sabemos também ser é imprescindível a cada Estado Moderno (civilizado), para não entrarmos em discussão sobre outros, uma burocracia estatal com agentes públicos incumbidos dos negócios de governo ou públicos e pelo menos de autoridade que possa fazer uso de força por meios materiais, se a necessidade o exigir, sendo normalmente os exércitos responsáveis por guardar a segurança externa e a organização oficial de polícia responsável pela segurança interna. E, para prover a tudo isso, um organizado sistema de tributação. Fora do campo do funcionamento e da organização política do Estado em si, podemos falar em organização econômica como a instituição de moeda própria, em sentimento ou uma crença no sentido de uma filiação nacional comum identificada entre determinados indivíduos que se veem como semelhantes, além dos símbolos nacionais como hino, bandeira e armas que todo Estado Moderno tem.2 Dos três elementos fundantes e essenciais que consideramos a verdadeira espinha dorsal do Estado, os dois primeiros, povo e território são praticamente inerentes um ao outro quando se pretende que eles componham um Estado. Para que se constitua 2 . Todos os elementos mencionados neste parágrafo serão abordados a partir do primeiro subtítulo desta obra, exceto os símbolos nacionais. um povo com verdadeiras características de povo, capaz de criar uma organização superior e mais complexa como o é um Estado, faz-se necessário um longo percurso de convivência no tempo e num determinado espaço geográfico. É possível que determinados grupos consigam encontrar identidades mesmo vivendo afastados, mas, certamente não desenvolverão laços de afinidade suficientes a ponto de se entrelaçarem e se firmarem em vínculos definitivamente fortalecidos para a formação de um povo capaz de instituir uma organização social e política solidamente estruturada e capaz de pela força de sua identidade constituir uma instituição como entendemos ser o Estado na modernidade. A história nos ensina, como veremos adiante, que o processo que culminou na formação dos Estados soberanos modernos, foi bastante duradouro e ocorreu por exaustiva convivência, com o constante compartilhamento dos espaços, do território e, sobretudo, de sentimentos que foram sendo formatados dentro do grupo. Nada se compartilha efetivamente quando se está segregado. Segundo Joseph Strayer “(...) Um grupo de pessoas só pode desenvolver os modelos de organização essenciais para a construção de um Estado se viver e trabalhar em conjunto em uma dada região, ao longo de muitasgerações (...)”3 Certamente, um povo não se forma por justaposição de indivíduos em grande número como também não se forma um povo pela simples reunião de diferentes pessoas, por um cálculo lógico de supostas afinidades, mas, sim, pelo estabelecimento de laços, pelo fortalecimento de identidades e, sobretudo, quando há partilha de problemas e angústias e busca compartilhada de soluções. Segundo Cícero, povo “(...) é a reunião da multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da utilidade(...)”4 O terceiro elemento necessário à formação do Estado relaciona-se à formação das instituições políticas. Este processo vai ocorrendo à medida em que as relações sociais que se desenvolvem entre os indivíduos do grupo social vão se complexificando e na medida em que dentro do próprio grupo há uma percepção da necessidade de que determinados recursos ou instrumentos de atuação, sejam estabelecidas para dar conta de questões não apenas quando os fatos acontecem, mas que sejam permanentes e que atuem 3. STRAYER, Joseph R. As origens medievais do Estado Moderno. Gradiva Publicações: Lisboa, Portugal, 1986, p. 11. 4. CÍCERO, apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª. Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2004. p.74. de forma imparcial, a partir de critérios estabelecidos para o todo. Estamos nos referindo às instituições políticas que fundam o Estado e dão a ele a dinâmica e funcionalidade. Estas instituições podem ser hoje identificadas como o poder legislativo que estabelece o conjunto de normas jurídicas que orientarão a conduta humana em uma determinada sociedade, o poder judiciário que determina a aplicação de penas e a medida do uso dos mecanismos de coação e coerção e, por fim o poder executivo, instituição política diretamente relacionada com governo, ou seja, a condução dos destinos de um povo em seu território. É nas mãos dele que todo o povo confia o seu destino. O modo como se forma um governo é variável, nos Estados modernos e na atualidade. Ele é normalmente o resultado da evolução cultural e organizacional que o povo processou ao longo de sua história até que se constituísse em um grupo capaz de se organizar em instrumentos e criar recursos capazes de viabilizar as necessidades que se tem em comum. É importante ressaltar que a forma de um Estado de poder tripartido como foi acima exemplificado não é o modelo de Estado moderno em suas origens. Como veremos mais adiante, o Estado Moderno surgiu em um modelo absolutista, sustentado muito mais pela força de uma crença que produziu a coesão do povo e sua sujeição ao poder do que pelo consentimento esclarecido em busca do consenso que produzisse um determinado Estado e sua forma de governo. Tudo o que expusemos acima a respeito de todos os aspectos referentes aos laços que unem um povo e que lhe dão solidez, identidade e coesão social a ponto de cada um do povo se ver um no outro, recebe na modernidade o nome de soberania. 1.2 BREVE RELATO DA FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO Como sabemos pela história, na antiguidade, o Estado não se formava necessariamente por meio de um sentimento comum que se cultivava entre os integrantes que formavam o seu povo e que hoje identificamos sob o valor de soberania. Não havia o sagrado respeito à soberania dos povos como o temos hoje, pelo menos teoricamente. As guerras e os regimes de escravidão eram constantes. Era pois normal que um povo subjugasse outro por meio do emprego da força do Estado. Segundo Bonavides, duas situações normalmente ocorriam: de um lado, a formação e manutenção de Estados por meio de recursos militares, ou seja, pela uso da força. Diferentes indivíduos eram a ele incorporados, sem que com ele estabelecessem relação de afinidade. Esse modelo de Estado efetivou-se mais particularmente no Oriente; de outro lado tivemos estados fundados em certas bases do Direito, formado com base nos princípios da república (res publica) como foi o caso de Roma e, ainda, o exemplo também da supremacia da vontade comum originária da sociedade participante da política, caso da Pólis Grega. Percebia-se ali, especialmente no primeiro caso, a frequente confusão entre a autoridade secular e a divina. De acordo com Bonavides, Eis aí a que se reduzia, pois, o Estado Antigo: numa extremidade, a força bruta das tiranias imperiais típicas do Oriente; noutra, a onipotência consuetudinária do Direito ao fazer suprema, em certa maneira, a vontade do corpo social, qualitativamente cifrado na ética teológica da polis grega ou no zelo sagrado da coisa pública, a res publica da civitas romana.5 Já na Idade Média, após a franca desintegração do Império Romano, desaparece o Estado tanto em sua estrutura organizacional dos modelos antigos, seja do Oriente com os grandes impérios, ou de Ocidente entendidos a partir dos modelos gregos ou dos romanos ou sob o conceito que temos na modernidade. Contudo, houve situações em que esse conceito e essa figura foi resgatada, particularmente por ocasião da constituição do Sacro Império Império Romano- germânico ou pela atuação da autoridade espiritual dos papas. Sobre isso, sustenta Bonavides que, 5 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Editora Malheiros. 5ª. edição, 2004. p.28. De uma parte, a autoridade temporal ressuscitada na imagem do Santo Império Romano-Germânico; doutra, a autoridade espiritual dos papas, em toda a sua majestade, rodeada da aura divina com porfiar uma supremacia jamais lograda nem consumada ao longo de tantos séculos de rivalidades do Sumo Pontífice com os Imperadores da Coroa Romano-Germânica.6 A partir da desintegração do Império romano, passa a ganhar importância uma nova organização social de características essencialmente agrárias, cuja principal atividade econômica desenvolvia-se, mais propriamente dentro dos limites dos feudos. O poder político em sua forma de grande estrutura praticamente desaparece, retornando as pequenas formas de organização social e de organização do poder. Isso dura por aproximadamente mil anos até que uma nova forma de organização política, tipicamente moderna se define por completo. O principal combustível alimentador dessa nova forma de organização política passa e ser conhecido sob o nome de soberania. Veremos a partir de agora qual é a dimensão da soberania e como ela foi se formando por um processo longo que foi consistentemente identificando os povos soberanos ao longo da história que por terem tal característica foram se identificando em seus primeiros Estados e se submetendo às suas autoridades por eles reconhecidas como soberanas, tendo sido pelo povo escolhidas ou não. 1.3 A INDISPENSABILIDADE DA IDEIA DE SOBERANIA E DA FORMAÇÃO DO SENTIMENTO DE NACIONALIDADE PARA A COMPREENSÃO DA ORIGEM DO ESTADO MODERNO O contexto que nos permite a compreensão do surgimento do Estado Moderno é longo e não está restrito ao período histórico que precede imediatamente a era moderna. Para esta compreensão há a necessidade de retornarmos a um significativo período 6 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Editora Malheiros. 5ª. edição, 2004. p.29. histórico da Europa da Idade Média e termos presente o processo de estabilização política e social e as mudanças econômicas ocorridas no continente, particularmente a partir dos séculos X e XI. Não é nosso objetivo aqui aprofundarmos, sob o ponto de vista histórico, todos os fatos e contextos que de um modo ou de outro convergiram para a formação do Estado Moderno. Contudo, pretendemos, sim, fazer uma contextualização, embora breve e eventualmente superficial, considerando aqueles fatos e eventos significativos e determinantes para essa compreensão, para, após isto, melhor acompanharmos as reflexões e informações que aqui apresentaremos a respeito do Estado7 e de algumas vertentes da teoria política queo explicam. Determinante para a compreensão das bases do surgimento do Estado Moderno foi a formulação do conceito de soberania a partir das necessidades econômicas e da evolução de um sentimento nacionalista. Este conceito, que se manifesta e se materializa com a instituição do Estado Moderno, está relacionado a um pano de fundo bastante significativo, qual seja, o processo de estabilidade política e social ocorrido na Europa e que permitiu diferentes grupos humanos reconhecerem-se como pertencentes uns aos outros e que compartilhavam espaços geográficos, tinham interesses comuns, conviviam com problemas semelhantes e para os quais compartilhavam soluções, além de certas crenças, ganhando espaço, sobretudo, com o passar dos anos, a aceitação da necessidade de uma autoridade soberana. Não pretendemos determinar aqui que essa gradual aceitação da ideia de soberania e, consequentemente, de uma autoridade soberana tenha fluído natural e livremente pelas mentes e nos comportamentos dos indivíduos de então. Evidentemente haviam diferentes interesses que sustentaram esse gradual processo e, consequentemente, os interessados em fazer estabelecer uma soberania ao gosto e à maneira de cada grupo de interesse. A Igreja Católica e os senhores feudais, obviamente, ao perceberem o movimento de constituição de um novo poder, marcadamente temporal, inicialmente através das ideias nacionalistas, certamente opuseram toda resistência possível, afinal 7 . Embora estejamos focados em apontar e elucidar brevemente as razões que levaram ao surgimento do Estado Moderno, este nosso texto aborda também uma reflexão filosófica elaborada por Rouseau, com base em uma dedução hipotética sobre o processo de formação do Estado em si, a partir da sua origem. sentiam nessa ideia a ameaça de um novo poder em formação. Um poder concorrente, justamente por ter dimensão mais abrangente, a dimensão nacional. Lemos em Huberman: Bernard Shaw, em sua Santa Joana, excelente peça sobre a donzela, tem um trecho importante sobre os efeitos desse nascente espírito do nacionalismo. Um clérigo e um senhor feudal ingleses estão discutindo as habilidades militares de um senhor francês: ‘O capelão: ele é apenas um francês, meu senhor. ‘O nobre: um francês! Onde arranjou você essa expressão? Então esses borgonheses, bretões, picardos e gascões começam a se intitular franceses, tal como nossos companheiros estão começando a se chamar ingleses? Falam da França e da Inglaterra como de seus países. Imagine, país deles! Que vai ser de nós, se essas ideias se generalizarem? ‘O capelão: Por que, senhor? Poderá isso nos prejudicar? ‘O nobre: O homem não pode servir a dois senhores. Se essa ideia de servir ao país tomar conta do povo, adeus autoridade dos senhores feudais, e adeus autoridade da Igreja.8 Sobre o novo poder nascente, a Igreja, estrategicamente soube aliar-se, quando o percebia imbatível, valendo-se da máxima que tanto conhecemos: “se não podes com o teu inimigo, alia-te a ele”. Assim, por resistência ou por adesão, a Igreja jamais se ausentaria e se isentaria de participar do processo e de exercer suas influências em questões que envolvessem poder. 8 . HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 21ª. edição, revista 1986. p. 78. A esse respeito, Bonavides ao referir-se ao fato do Estado Moderno inaugurar- se sob bases absolutista, ressalta duas fases da teorização da sua soberania, apontando como justamente em sua primeira fase estão presentes as influências do poder teológico. A citar: “O Estado moderno do absolutismo passa por duas fases consecutivas de teorização da soberania. Na primeira avulta o regime da monarquia absoluta de direito divino, cuja legitimidade, em termos abstratos, é ministrada grandemente, em seus fundamentos teóricos, pela doutrina dos teólogos, que põem o altar ao lado do trono para dar-lhe arrimo e sustentação...”9. 1.3.1 A SOBERANIA Partindo do fato de que o Estado Moderno funda-se sobre o princípio da soberania, cuja ideia (na atualidade) está relacionada à autonomia das nações e é praticamente entendida como uma crença, como algo sagrado, a qual nenhum povo deveria abrir mão, cabe, pois, inicialmente, formularmos um entendimento a esse respeito. Para isto, nos apoiaremos vez primeira em Paulo Bonavides, em busca de uma legitimação ou iluminação maior sobre o conceito que pensamos ser possível formular a esse respeito . Assim, considerando a contribuição de Bonavides, entendemos ser fundamental para a compreensão do significado de soberania em duas dimensões: a das relações externas, e a dos assuntos ou relações internas. Do ponto de vista externo, entendemos haver no seu significado uma proximidade do conceito de soberania com o conceito de autonomia e independência de um povo, com seu território, capaz de estruturar seus aparelhos, organizar sua vida, entender-se como nação e de governar-se sem a interferência de outro poder estatal. Em linguagem simples e cotidiana, trata-se do respeito que cada povo e Estado merece independente do modo como escolhe auto-conduzir-se e o respeito que cada povo e 9 . BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 5ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2004. P. 32. Estado deve a outro. Para Bonavides, “Do ponto de vista externo, a soberania é apenas a qualidade do poder, que a organização estatal poderá ostentar ou deixar de ostentar”10. Sob o ponto de vista interno, a se considerar o Estado liberal burguês, a soberania relaciona-se à supremacia do poder do Estado como organização (superior) ao qual todos os demais poderes se subordinam. Sobre isso, assim afirma Bonavides: Do ponto de vista interno, porém, a soberania, como conceito jurídico e social, se apresenta menos controvertida, visto que é da essência do ordenamento estatal uma superioridade e supremacia, a qual, resumindo já a noção de soberania, faz que o poder do Estado se sobreponha incontrastavelmente aos demais poderes sociais, que lhes ficam subordinados. A soberania assim entendida como soberania interna fixa a noção de predomínio que o ordenamento estatal exerce num território e numa determinada população sobre os demais ordenamentos sociais11. Percebe-se que essa formulação sobre tal conceito liga umbilicalmente a soberania ao (poder do) Estado sendo, pois, indispensável uma estrutura ou aparelho de Estado, devendo quem está no comando ser o responsável soberano pela condução dos interesses comuns, tendo a soberana prerrogativa do uso dos instrumentos que dispõe o Estado para tal condução. Da outra parte há um povo ou uma nação que acata tal soberania porque lhe foi imposto, imposição admissível ou vista como mal menor, ou um povo ou nação que confere por delegação ao soberano tais prerrogativas e responsabilidades. É o entendimento que considera estas duas dimensões (a externa e a interna) que aqui elegemos e com o qual nos ocuparemos ao longo deste texto, nesta unidade da obra. Antes ainda queremos registrar que tal conceito sobre o termo está longe de ser unanimidade. 10 . BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª. Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2004. p.122. 11. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª. Edição. São Paulo: São Paulo. Editora Malheiros. 1986. p.122. Para os marxistas certamente não faltariam ponderações necessárias a esse respeito, uma vez que a essência marxista revela-se na negação do Estado como objetivo maior ou final. No entanto, no próprio marxismo podemos admitir de algum modo este conceito de soberania do Estado, uma vez haver a necessidade de instrumentalizá-lo em fase inicial da revolução, no período da instituição da ditadura do proletariado. Diga-se, inclusive, instrumentalizá-lo radicalmente em vista do andamento do processo que conduzirá à soberania do proletariado, soberania identificadacom a igualdade social, para então, sim, definitivamente eliminar o conceito que aqui adotamos de soberania, identificado com o nome “Estado”, inclusive na sua primeira dimensão, a do ponto de vista das relações externas, visto que o marxismo almeja o comunismo, entendido universalmente e não nos limites da cada nação. Aos anarquistas e socialistas utópicos mais ainda este conceito de soberania torna-se dispensável. Para eles soberana é a nação, o povo livre da opressão das leis e de qualquer instituição, muitas como viciadas, controladas a partir de determinados grupos ou sistemas que nada mais produzem que o sufocamento da liberdade dos indivíduos. Para estes, soberania significa supremacia da liberdade, uma liberdade natural e não construída artificialmente por determinados indivíduos no exercício de poderes institucionalizados. Por fim, fazemos referência a Rousseau, autor a ser predominantemente explorado nesta obra. Seu conceito de soberania diverge, sob certos aspectos, ainda mais radicalmente daquele que aqui tomamos como referência, uma vez que para ele não é o Estado o soberano, mas o próprio povo, enquanto tudo se conduz segundo a essência comum que ele denominou de vontade geral. Voltaremos ao tema Rousseau mais adiante. Comecemos, pois, a analisar o processo que permitiu à formação do nacionalismo, do surgimento de ideia de soberania que se colocará como um valor inerente ao Estado Moderno em seu momento inicial para, consequentemente, compreendermos em que bases ocorreu a formação do Estado Moderno (nacional e soberano), se não tal como o temos em seu conceito totalizante em nossos dias, mas em uma compreensão suficiente, base para um posterior aprofundamento sobre as particularidades de um ou de outro (estado nacional específico) e, sobretudo, da sua evolução e complexidades de conceituação e organização. 1.4 RAZÕES ECONÔMICAS DO SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO Para entendermos como as atividades econômicas influenciaram no processo que lenta e gradativamente culminou na formação do sentimento nacionalista e na aceitação da soberania e na formação do Estado (nacional), é indispensável que compreendamos a importância e o papel das cidades, umas já estabelecidas por volta do século X e outras em processo de estabilização, em busca de seu “lugar ao sol”, durante um período que ainda se sucederia até o século XV, mais propriamente (e XVI) o seu auge, e das classes de comerciantes que praticamente permanentemente existiram durante o período medieval, mas, “discretamente vão perdendo a discrição” em meio a um poderio feudal e eclesiástico e vão dando o “ar de sua graça”,sendo da mesma forma o século XV e XIV. Sabemos da importância do clero, portanto da Igreja e dos senhores feudais durante todo o período da Idade Média. A Igreja com seu poder supremo, abrangente e universal12 e os senhores feudais com seus poderes localizados e bem definidos. Sabemos também da importância dos reis durante esse período. Portanto, três poderes nitidamente estabelecidos, porém, de forma alguma estáticos, indiferentes ou conformados em seus domínios e limites. Destacamos para a nossa análise, sobretudo, as articulações promovidas pelos reis em busca do fortalecimento de suas influências e na ampliação dos seus domínios. Voltemos à importância das cidades. Com o fortalecimento das cidades, fortalecem-se também aqueles que nelas exercem suas atividades, basicamente 12 É importante ressaltar que durante praticamente toda a Idade Média (europeia e ocidental), nosso foco aqui, não é possível falar de nacionalidade, nação ou nacionalismo. Estes conceitos irão se incorporando ao contexto da Idade Média e se tornam explícitos ao seu final, mais nitidamente no séc. XV, o que pretendemos demonstrar no decorrer desta unidade. Poderíamos afirmar , considerando uma linguagem atual que o poder da Igreja era supranacional ou transnacional, ressaltando, no entanto, que tais expressões não se identificam com a cultura medieval, pelo fato de tais conceitos, como já afirmamos, não estarem incorporados a ela, durante maior parte desse período . relacionadas a determinados ofícios, algumas atividades “industriais”13 e às atividades comerciais. Que mais de significativo poderia se ter num ambiente urbano por essas épocas? Pois bem, são exatamente os movimentos desempenhados pelos comerciantes, no sentido de aperfeiçoarem suas atividades comerciais e de encorparem seu poder de influência e a na necessidade que tinham os reis de serem subsidiados e ou financiados que podemos encontrar um dos caminhos, via economia, que nos levará à compreensão do processo de formação do Estado Moderno. A convergência de interesses desses dois setores é determinante. As atividades industriais aperfeiçoaram-se nas cidades e contribuem para o desenvolvimento delas. Como consequência, o comércio citadino vai ganhando sutilmente vigor, embora permaneça ainda durante muito tempo limitado aos próprios domínios urbanos. Em muitos casos por autoproteção, como na Alemanha e Itália, especialmente. Vejamos o que diz Leo Huberman sobre isso: Para os comerciantes de Chester, na Inglaterra, as mercadorias londrinas que pudessem interferir no seu monopólio eram tão ‘estrangeiras’ como as precedentes de Paris. O mercado, em grande escala, sentia o mundo como sua província e tentava com o mesmo interesse fincar pé onde pudesse”. E em outro trecho retoma o autor: “Não foi tarefa pequena reduzir os privilégios monopolistas de cidades poderosas. Nos países em que elas eram realmente fortes como na Alemanha e Itália, somente séculos depois se estabelecia uma autoridade central com poder bastante para controlar tais monopólios14. 13 . Nada ou muito pouco remete a ideia que temos atualmente a esse respeito. Sequer poderá ser aproximada a ideia relacionada a esse tipo de atividade do século XVIII. Mencionamos, grosso modo, apenas para diferenciar das atividades identificadamente agrárias. 14. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 21ª. Edição, revista 1986. p. 70 e 75. Com o passar de anos, ou melhor, de séculos, emerge uma nova classe econômica e social, cuja base é formada pela classe dos comerciantes, no entanto, não limitada a eles, visto que os industriais, (e os banqueiros mais tarde), entre outros, paulatinamente também vão se firmando. Eis, pois, o que mais adiante denominar-se-à, com toda nitidez, de burguesia15, uma nova classe econômica e social que joga importantíssimo papel no processo de compreensão da nova ordem e organização política que surgirá, o chamado Estado Moderno. A nova classe, como dito, econômica e social, que vai se formando em um longo processo entre os séculos X e XV e já apresentando uma “cara” neste último, embora o processo continue em evolução nos séculos subsequentes, passa a desempenhar destacado papel tornando-se cada vez mais o mais importante ator em todo o processo de formação de uma nova mentalidade, sob todos os aspectos, políticos, econômicos, sociais e na fundamentação dos novos valores, interessando-nos particularmente em nossa abordagem aqui, e mais adiante os aspectos políticos. Pois bem, para compreendermos a importância dessa nova classe e, sobretudo na formação da nova ordem política (o Estado Moderno), é necessário que retomemos a questão da importância das cidades e o papel dos comerciantes e as novas necessidades que foram surgindo, justamente a partir da nova ordem econômica e social, a partir do século XV. As atividades comerciais que antes estavam restritas a pequenas regiões geográficas (cidades e outros pontos mais localizados), aos poucos extrapolam esses limites e começam a expandir-se, ampliando as regiões geográficas, até, em alguns casos mais notáveis, ganhar o mundo, clássico exemplo das cidades de Gênova e Veneza. Antes disso,no entanto, as atividades comerciais ambulantes, os intercâmbios comerciais entre um lugar a outro eram consideradas perigosas e, além disso, custosas, uma vez que não faltavam cobranças de pedágios ou taxas. Os comerciantes reclamavam segurança. Para Huberman: 15 . Aliada de primeira hora (1ª. Fase) da monarquia absoluta, volta-se contra os reis absolutistas posteriormente ( 2ª. Fase), tendo como consequência desta ruptura, a Revolução Francesa. O mais rico é quem mais se preocupa com o número de guardas que há em seu quarteirão. Os que se utilizam das estradas para enviar suas mercadorias ou dinheiro a outros lugares são os que mais reclamam proteção contra assaltos e isenção de taxas de pedágio. A confusão e a insegurança não são boas para os negócios. A classe média queria ordem e segurança.16 Onde então refugiar-se em busca de segurança? Quem tinha estrutura capaz de oferecer os recursos de segurança necessários eram os nobres e os senhores feudais. No entanto, o descontentamento de quem morava nas cidades, particularmente dos comerciantes, e outros, em relação aos senhores feudais e a nobreza já vinha de muito tempo, devido aos pedágios e taxas que os comerciantes, por exemplo, para poderem transitar com suas mercadorias eram obrigados a pagar. Assim, à medida em que as cidades iam ganhando em número, em importância econômica, mas, sobretudo, em poder, por outro lado, os senhores iam perdendo, de alguma forma o seu poder. Para piorar ainda mais a situação dos barões feudais, o rei não tinha nenhum interesse em vê-los fortes e ele muitas vezes enfrentavam problemas com seus vassalos que se indispunham com seus soberanos, principalmente em virtude de problemas de falta de pagamentos. Portanto, não faltavam razões para que o rei visse com frequência uma boa saída firmar alianças com as cidades. Segundo Huberman: Os senhores começaram a enfraquecer por terem perdido grande parte de seus bens em terras e servos. Sua força havia sido desafiada e parcialmente controlada pelas cidades. E em certas regiões, em constantes guerras interiores, processava-se o extermínio mútuo. O rei fora um aliado forte das cidades na luta contra os senhores. Tudo o que reduzia a força dos barões fortalecia o poder real. Em recompensa pela sua ajuda, os cidadãos estavam prontos a auxiliá-lo com empréstimos em dinheiro. Isso era importante, porque com dinheiro o rei podia 16. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. 21ª Edição, revista. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 1986. P. 71. dispensar a ajuda militar de seus vassalos. Podia contratar e pagar um exército pronto, sempre a seu serviço, sem depender da lealdade de um senhor. Seria também um exército melhor, porque tinha uma única ocupação: lutar. Os soldados feudais não tinham preparo, nem organização regular que lhes permitisse atuar em conjunto, com harmonia. Por isso, um exército pago para combater, bem treinado e disciplinado, e sempre pronto quando dele se necessitava, constituía um grande avanço.17 Formava-se, em um processo gradual, o exército de abrangência nacional, primeiro sinal evidente da constituição de poder central, com jurisprudência nacional. Ao mesmo tempo e cada vez mais ganhava corpo a ideia da necessidade se instituir um poder nacional e central. Esse processo se alastrou durante séculos, conforme aqui já foi registrado. Percebemos, naturalmente, que após ser constituído o poder das armas, isto é, o poder militar, um largo passo foi dado no sentido de reforçar a autoridade do rei, agora não mais estabelecido nos limites das cercanias dos feudos, mas visivelmente, com lastros de poder que se estendem cada vez mais sobre um território nacional. 1.5 RAZÕES JURÍDICAS DO SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO Diante da decadência dos senhores feudais, o rei, aliado da nova classe em ascensão, vê-se fortalecido, uma vez que recupera sua credibilidade em termos de autoridade que havia perdido frente a anterior imponência dos barões feudais. O rei passa a ter outras incumbências e delas faz uso para exercer seu poder. Demonstrando fidelidade à parceria com os comerciantes e industriais, sobretudo, e atendendo as queixas destes que reclamavam dos comportamentos de determinados bandos que praticavam pilhagens 17 . HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 21ª. Edição, revista 1986. pp. 71 e 72. e saques, incluindo-se entre eles muitas vezes exércitos feudais, o rei passa também a estabelecer leis de abrangência nacional, determinadas por uma autoridade central. Os comerciantes (e industriais = burgueses), por sua vez, exigiam da autoridade central, cujo poder passavam a perceber, a reconhecer, a aceitar e no final das contas a estimular, pois, nele já reconheciam nele um aliado fiel sempre que as relações de interesses recíprocos não fossem abaladas, que se utilizasse da autoridade restabelecida, agora em âmbito ainda mais abrangente, para criar as regulamentações que pudessem padronizar determinadas práticas e, sobretudo controlar as desordens, fossem de natureza econômica, política ou social. Assim, por exemplo, em troca de empréstimos feitos ao rei, os comerciantes exigiam a criação de determinadas leis, como, por exemplo a lei de pesos e medidas. Vejamos a seguinte, mencionada por Huberman e aprovada em 1389: “Determinamos que uma medida e um peso sejam aceitos em todo o reino da Inglaterra... e todo aquele que usar qualquer outro peso e medida será aprisionado por metade de um ano.”18 E, mais diante, Huberman menciona outra lei aprovada na França, também pela autoridade do rei, em 1439, formulada em termos a dar ao rei, o monopólio do poder de decisão sobre o uso das armas e aos comerciantes livre trânsito para suas atividades de mercado entre diferentes locais . Vejamos a citação de Huberman: Para eliminar e remediar e pôr fim aos grandes excessos e pilhagens feitas e cometidas por bandos armados, que há muito vivem e continuam vivendo do povo... O rei proíbe, sob pena de acusação de lesa-majestade e perda para sempre, para si e sua posteridade, de todas as honras e perdas de cargos públicos, e o confisco de sua pessoa e de suas posses, a qualquer pessoa, de qualquer condição, que organize, conduza, chefie ou receba uma companhia de homens em armas, sem permissão, licença e consentimento do rei... 18 . The Status of the realm from original Records and authentic manuscripts, vol. II, Londres, 1816, p. 63. apud HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 21ª. Edição, revista 1986. pp. 73. Sob as mesmas penalidades, o rei proíbe a todos os capitães e homens de guerra que ataquem mercadores, trabalhadores, gado ou cavalos ou bestas de carga, seja nos pastos ou em carroças, e não perturbem nem as carruagens, mercadorias e artigos que estiverem transportando, não exigindo deles resgate de qualquer forma; mas, sim, tolerando que trabalhem, andem de uma parte a outra e levem suas mercadorias e artigos em paz e segurança, sem nada lhes pedir, sem criar-lhes obstáculos ou perturbá-los de qualquer forma.19 A legislação aos poucos ia sendo organizada em forma de sistema, sendo constituída com validade suprarregional (nacional), nas diversas áreas. Por exemplo, em relação à cobrança de impostos, era comum em épocas anteriores pagamentos em terras ou até produtos. Muitos reinos, no entanto, mais organizados, cuja autoridade do rei já era reconhecida de forma suprarregional, aos poucos passaram a regular a possibilidade de cobrança de impostos por meio de moeda com validade transcendente a domínios locais, ou seja, com dinheiro. A instituição de moeda com valor e aceitação, mesmo que por imposição do rei, que ultrapassasse os limites de cada feudo, deve ser considerado outro elemento determinante que leva a formaçãode uma nova organização estatal. Temos a essa altura do processo uma autoridade central estabelecida e reconhecida, claro que majoritariamente pela confluência dos interesses dos grupos dominantes20 num processo que não nos permite perceber nitidamente a participação decisiva das classes mais baixas. Já temos os elementos que conferem à autoridade central poder de coação e de coerção, uma vez que vai ganhando corpo um sistema legal, ou seja, vai se instituindo o Direito, caracterizado como um conjunto de leis concatenadas que tem seu sentido próprio e aplicado a um todo, em abrangência nacional, evoluindo na direção, ainda que lenta, da imparcialidade e impessoalidade. 19 . Ordennances des Roys de France de La Troisième Race, op. Cit., v. XI, 1782, apud HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 21ª. Edição, revista 1986. p. 73. 20 . Grupo praticamente formado pelo rei, os comerciantes e industriais, formando os dois últimos a chamada burguesia, some-se a isso, embora com mais nitidez mais tarde as influências banqueiros. Além do Direito como instrumento de coerção e coação legal com a estrutura que dele decorre, para a execução, os tribunais, ou seja, os recursos para fazer valer a lei, percebe-se também uma definição de um aparelho capaz de executar poder de polícia, ou seja, as forças de coerção física como, por exemplo, os exércitos que foram ganhando identidade como tal e inicialmente pagos pelo rei, com as contribuições ou empréstimos da burguesia (comerciantes e industriais) mas posteriormente, mantidos por meio de contribuições, tributos, enfim, os impostos21, a partir de legislação, e recolhidos com a anuência inicial dos comerciantes e industriais que viram, num primeiro momento, seu problema resolvido ou no mínimo amenizado pelas forças de segurança pegas pelos reis, uma vez que a burguesia naquele momento entendia ser vantajoso e até econômico e ligar- se e de alguma forma contribuir para a manutenção desse chefe (o rei) forte, ou autoridade central, visto que eram capazes de restabelecer a ordem em meio ao caos na segurança existente durante o período de domínio dos senhores feudais, quando, a autoridade do rei estava enfraquecida, figurando, em muitos casos, praticamente como uma decoração. Com a instituição de um sistema de cobranças de impostos em dinheiro, foi sendo constituída também de forma gradativa uma estrutura de funcionários assalariados que atuavam em todo o território em nome do “governo”, diga-se, do rei. Havia uma aceitação generalizada de que tal estrutura seria do interesse de todos. Haviam aqueles especificamente encarregados da cobrança de impostos, como havia também aqueles que desempenhavam outros serviços, que em termos atuais denominamos de atividades de governo. Assim, ia-se estabelecendo uma estrutura de funcionários públicos nacionais. Desta forma Huberman descreve a situação: Anteriormente, a renda do soberano consistia de proventos oriundos de seus domínios pessoais. Não havia sistema nacional de impostos. Em 1439, na França, o rei introduziu a taille, 21 . Evidentemente, todos pagavam tributos: comerciantes, industriais, camponeses e outros cidadãos. No entanto, os maiores beneficiados e privilegiados foram os burgueses, que de fato recebiam a real contrapartida (certamente com muitos acréscimos) do que tinham pago e que, inicialmente, o faziam de alguma forma até por adesão, uma vez que visualizam os claros benefícios de tal ato. Para os burgueses, visto a lógica do sistema, tal ordenamento era de fato um bom negócio. O que não era verdade, na mesma proporção para as classes mais baixas, praticamente excluídas ou relegadas quanto aos benefícios que retornariam. imposto regular em dinheiro. No passado, como o leitor se lembrará, os serviços dos vassalos haviam sido pagos com a doação de terras. Com o crescimento da economia monetária, isso deixou de ser necessário. Os impostos podiam ser recolhidos em dinheiro, em todo o reino, por funcionários reais pagos não em terras, mas em dinheiro. Funcionários assalariados distribuídos por todo o país, podiam realizar a tarefa de governar em nome do rei – coisa que no período feudal tinha de ser feita pela nobreza, paga em terras. A diferença era importante.22 Toda a estrutura do funcionalismo público era mantida basicamente a partir da arrecadação de impostos, agora em dinheiro, advindo do progresso das atividades industriais e comerciais. Consequentemente, também o poder do soberano dependia do sucesso e do progresso da indústria e do comércio. Desta forma, o rei empenhava-se para torná-lo mais abrangente e vigoroso. Normas eram criadas para quebrar os monopólios locais de algumas cidades. Outra contrapartida do rei à burguesia foi preencher os quadros do funcionalismo, particularmente, juízes, ministros e outros, de mais alto escalão, com recursos humanos buscados entre as pessoas qualificadas (ou indicadas) da burguesia, até porque, muitas vezes, eram eles os mais preparados e conhecedores dos trâmites necessários para que o sistema se mantivesse e progredisse. A esse respeito Huberman nos informa que, Os reis sustentavam-se com dinheiro recolhido da burguesia, e dependiam, cada vez mais, de seu conselho e ajuda no governo de seus crescentes reinos. Os juízes, ministros e funcionários vinham, em geral, dessa classe. Na França do século XV, Jacques Coeur, banqueiro de Lion e um dos mais ricos da época, tornou- 22 . HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 21ª. Edição, revista 1986. pp. 73 e 74. se conselheiro real. Na Inglaterra dos Tudor, Thomas Cromwell, advogado, e Thomas Gresham, merceeiro, chegaram a ministros da Coroa.23 No mesmo trecho, ao fazer referência a um trecho da obra de Boissonnade, Le Socialisme d’État, Huberman acrescenta: Um pacto tácito foi concluído entre ela [a realeza] e a burguesia industrial de empreendedores e empregadores. Colocavam a serviço do Estado monárquico sua influência política e social os recursos de sua inteligência e de sua riqueza. Em troca o Estado multiplicava seus privilégios econômicos e sociais. Subordinava a ela os trabalhadores comuns, mantidos nessa posição e obrigados a uma obediência rigorosa.24 Talvez não seja nenhum exagero afirmar a partir da citação acima que o Estado Moderno, em sua origem, apresenta, características patrimoniais, estudado nos meios acadêmicos como modelo patrimonial de Estado. Certamente, difere do patrimonialismo que tivemos no Brasil, no final do século XIX e nas três primeiras décadas do século XIX. Nesse modelo certas elites nacionais se acercam do Estado (e seu poder) para fazerem valer os seus interesses, utilizando-se da estrutura (administrativa e legal, principalmente) do Estado no sentido de influenciarem as decisões políticas e, inclusive, objetivamente, ocuparem os espaços decisórios da administração e do poder, quando não, simplesmente, em vista de apenas garantirem sua renda ocupando um espaço público, caso notório, no Brasil, no final do século XIX e início do século XX. Ocorre, pois, a privatização do 23. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. 21ª. Edição, revista 1986. p 75. 18. BOISSONNADE, apud HUBERMAN, op. cit. p. 76. Estado. Segundo Bresser Pereira, “patrimonialismo significa a incapacidade ou a relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio público e seus bens privados”25. Acrescentamos: não somente o príncipe, inclua-se nesse sentido a burguesia, a nova elite. Segundo Joseph Strayer alguns critérios são elementares para a constituição de um Estado, quais sejam, nas palavras do próprio Strayer: “O aparecimento de unidades políticas persistentes no tempo e geograficamente estáveis, o desenvolvimento de instituições permanentes eestáveis, o consenso em relação à necessidade de uma autoridade suprema e a aceitação da ideia de que esta unidade deve ser objeto da lealdade básica dos seus súdito”26. Grosso modo, considerando tais critérios, podemos afirmar que a figura (estrutura) do Estado Moderno (e burguês), a partir do que temos explanado até agora, está colocada em suas exigências fundamentais. Poder-se-ía, evidentemente, questionar se os fundamentos da constituição do Estado da forma como ocorreu, de fato garantiu seu funcionamento imparcial, além de questionar como se deu o consenso estabelecido. Certamente, muitas reflexões despertariam. Porém, aprofundar isso não é nossa preocupação agora. Uma vez constituída a autoridade soberana nacional, com a estrutura necessária para o seu funcionamento como: a existência de um sistema de tributação, um quadro de funcionários (públicos), um sistema legal, o Direito e um exército definido como tal. Ou seja, temos o poder estatal formado pelo soberano, o judiciário e as forças policiais ou exército. Some-se a isso ainda a definição de uma moeda única, uma estrutura funcional (o funcionalismo público), um povo que se percebe semelhante em um determinado limite territorial e, portanto, com o sentimento nacional e uma autoridade que se estabelece para atuar dentro de determinadas fronteiras e, portanto, temos também um território, limite dentro do qual um determinado Estado pode atuar. 25 . BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Administração pública gerencial: estratégia e estrutura para um novo Estado. Brasília: ENAP, texto 9. 1996. p. 7. 26 . STRAYER, Joseph R. As origens medievais do Estado Moderno. Gradiva Publicações: Lisboa, Portugal, 1986, p. 16. CAPÍTULO 2. O ESTADO MODERNO: DO ABSOLUTISMO À DEMOCRACIA REPRESENTATIVA 2.1 DO ABSOLUTISMO DO DIREITO DIVINO À DEMOCRACIA PARLAMENTAR REPRESENTATIVA Visto no capítulo anterior o resgate histórico das condições e razões que nos permitiram formar um entendimento a respeito da formação do Estado Moderno, passaremos agora a fazer algumas considerações a respeito de diferentes e divergentes abordagens teórico-filosóficas que o explicam e, mais que isso, colocam-se como propostas a serem adotadas. Certamente, cada autor que aqui contemplamos desejou ver um Estado a seu modo. Uns mais, outros menos, porém, cada um deles deixou suas influências que interferiram diretamente em modelos (de políticas) de Estado posteriores ou que até hoje conhecemos. Vejamos o que escreve Bonavides sobre o modelo de Estado de Hobbes: “O Estado absoluto secularizado por Hobbes em esferas teóricas parece ter haver logrado em Portugal do século XVIII sua expressão mais acabada.”27 Já as influências de John Locke nos são ainda muito mais perceptíveis, na verdade, flagrantes, uma vez ser visível o modelo de democracia representativa (e parlamentar) adotada pela maioria dos países ocidentais. Convidamos o leitor a nos acompanhar em apenas uma etapa de uma longa viagem que percorre a teoria política moderna. Delimitamos este percurso entre o período que abrange o Renascimento e o início do iluminismo, analisando brevemente as teorias de Maquiavel, Hobbes, e Locke. No capítulo sobsequente nos ocuparemos particularmente da proposta política de Jean- Jacques Rousseau. Nosso “pano de fundo” ou “fio condutor” nessa análise é buscar nesses diferentes teóricos o significado para dois elementos fundamentais: a concepção de Estado (ou de soberano e o seu papel) e o lugar do povo (do indivíduo, do cidadão) nele. 27 . BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Editora Malheiros. 5ª. edição, 2004. P.33. Pretendemos avaliar como cada um dos autores importa-se com um e/ou com outro. Se há em cada teoria lugar exclusivo para o Estado (soberano, governante) ou se a centralidade do pensamento é o povo seja sob esta denominação ou sob denominação particular de indivíduo ou cidadão, ou, um possível equilíbrio de poder e importância entre os dois (Estado ou soberano e o povo termo que sintetiza outros dois: indivíduo e/ou cidadão) . Pretendemos avaliar se o Estado é concebido e funciona de cima para baixo, de baixo para cima ou se há proposta que objetiva uma equidade entre os dois elementos fundamentais. Portanto, faremos nossa análise sempre procurando entender (explicar) em cada autor os fundamentos da sua concepção de Estado e conceitos a ele relacionados e como entende o lugar do povo (indivíduo ou cidadão) em sua proposta de Estado (e governo). Antecipamos desde já que nossa interpretação caminhará numa linha “evolutiva”28 de propostas políticas (de governo e Estado) que inicia no absolutismo, com Maquiavel e vai caminhando na direção da democracia que pretenderá demonstrar como as propostas se formulam saindo de um ponto inicial, com o florentino29, cuja proposta, ora relega o povo (indivíduo e cidadão) a um papel insignificante, ora o valoriza quando reconhece nele, sabedoria e poder determinante para a obtenção, manutenção e destituição do soberano do “seu” poder. Chegaremos na sequência em Hobbes que, inicialmente, abre ao povo (indivíduo/cidadão) a possibilidade de uma participação na realização inicial de uma proposta de Estado, ao defender que o Estado se legitima por um contrato no qual o povo deve compreender a importância e a necessidade de, pelo instrumento do contrato social, delegar todo seu poder e liberdade ao soberano. Por fim, chegaremos a Locke, cuja proposta coloca o cidadão (indivíduo) como razão do Estado e não o Estado razão máxima do indivíduo. Locke, leva o indivíduo para junto do Estado e este a zelar, sobretudo, pelo indivíduo e cidadão. 28 Neste caso isento de qualquer juízo de valor que queira ver neste conceito, obrigatoriamente, um processo de aprimoramento, desenvolvimento ou progresso. Deixamos isso por conta das conclusões do leitor. 29 . Refere-se a Maquiavel, nascido em Florença. Vemos em Locke, uma proposta de Estado que aproxima o cidadão do Estado (e governo). O Estado zela pelas liberdades individuais e o indivíduo cidadão reconhece no Estado um aliado para garantir seus interesses individuais. Com Locke, encerramos esta pequena viagem, chegando ao modelo inicial de soberania, povo e democracia que temos atualmente, na maioria dos Estados ocidentais. Naturalmente, depois de Locke muita coisa ainda “evoluiu”. Em síntese, o que se tentará demonstrar, é o encurtamento da distância entre o povo (indivíduo, cidadão), e o Estado (soberano). Distante em muito Maquiavel, menos um pouco em Hobbes e já significativamente próximo em Locke. Ou seja, inicialmente, em Maquiavel, a razão do Estado é o poder político, isto é, o poder do soberano, existindo, sobretudo para esse fim. Assim, em Maquiavel, o Estado é algo separado do indivíduo, o qual o mantém apenas mantém sob seu jugo. O indivíduo crê na importância do Estado, uma vez que o vê como seu tutor. Em Hobbes a razão do Estado é a segurança do indivíduo, compreendido como mau por natureza e desprovido de qualquer sociabilidade e, por esta razão deve preferir aniquilar-se diante do poder estatal, submetendo-se à tutela do soberano, cuja responsabilidade máxima é a sua proteção posto ser indefeso devido sua própria natureza má. Neste caso, contudo, o indivíduo já dispõe de uma liberdade inicial, e paradoxal ao significado inerente a seu próprio conceito, uma vez que só lhe resta escolher que se aliene. Em Locke a liberdade do indivíduo é delegativa ao Estado, seu representante, no entanto, como valor que reside essencialmente no indivíduo cidadão e não no Estado. 2.2 O ABSOLUTISMO NA ORIGEM DO ESTADO MODERNO Os principais teóricos do absolutismo de Estado do início da era moderna são Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes. Dizemos, principais, em virtude de terem exercido forte influência em regimes políticos que foram se constituindo numa Europavarrida por instabilidades sociais e políticas, especialmente. Certamente, tal situação social e política do continente, ajude-nos a compreender as razões que levaram estes dois clássicos da teoria política a fundamentarem suas propostas e modelos políticos de Estado (governo e soberania) em bases absolutistas. Precipitado seria afirmar que ambos deram aos seus textos esse teor, apenas por convicções pessoais, embora não as excluamos, evidentemente. Podemos seguramente afirmar que suas ideias exerceram seu papel, uma vez que muitos Estados e governos delas certamente receberam influências. Ousamos ainda afirmar que de alguma forma produziram seus resultados, questionáveis, evidentemente, dependendo do ponto de vista da análise que se faz. Vimos no capítulo anterior o processo de formação dos Estados Nacionais. Identificamos ali como a instabilidade política era percebida e sentida como um problema, particularmente para os negócios. Para evoluir nos negócios, tanto o rei, interessado no aumento de seus poderes frente aos senhores feudais (além do aumento na arrecadação de impostos em dinheiro) quanto a burguesia (comerciantes, industriais) perceberam desde mais cedo o quanto seria importante a estabilidade social e política30. Passaram então, a estimular uma cultura de orientação nacionalista, estimularam novos valores, particularmente, os valores referentes à necessidade de uma autoridade central soberana que protegesse a todos. A partir da manipulação ideológica produzida pelas classes dominantes, tais ideias e valores prosperaram e assim, todo o ambiente para o surgimento e florescimento das ideias absolutistas, que constituiriam os primeiros Estados e governos absolutistas (inclusive locais), estava posto. Enfim, as ideias absolutistas se anteciparam às democráticas, provavelmente porque o ambiente a elas foi mais propício do que à democracia, sobretudo no final do 30 . Certamente o equilíbrio econômico também o era, no entanto, não se esperaria isso nem do rei e muito menos da burguesia em ascensão nos negócios. período medieval e no início da era moderna, conforme procuramos demonstrar no capítulo anterior. Veremos a partir de agora como Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes elaboram suas teorias absolutistas e como em cada um deles se delimita a atuação do indivíduo e do cidadão (povo) e qual a importância que tem frente o Estado (e o soberano). Comecemos, pois, por analisar a fundamentação teórica da proposta política e, consequentemente, de governo e de Estado e o conceito de soberania (soberano), segundo Maquiavel, para em seguida analisarmos Hobbes, estabelecendo condições para que o leitor possa, comparando tirar suas conclusões. 2.3 MAQUIAVEL – RAZÕES PARA UM ESTADO ABSOLUTO E FUNDADO NO DIREITO DIVINO Sempre que realizamos algum estudo sobre a teoria política de Maquiavel, alguns cuidados devem ser tomados. Primeiro, é necessário isenção quanto a qualquer juízo moral. Não se trata de avaliar a teoria do autor florentino como do bem ou do mal. Seria incorrer em grave erro ter tal juízo como sustentação nessa compreensão. Bem ao estilo e entendimento de Maquiavel, podermos afirmar com “frieza” que, afinal de contas, trata-se de uma obra de conteúdo político e “maquiaveliano”. Segundo, sua teoria, não tinha a pretensão, necessariamente, de justificar ou criticar qualquer procedimento político em particular, nem qualquer sistema que fosse, mas tão somente, a partir de fatos que, certamente, durante longo tempo observou, analisou e sobre os quais concluiu, explicar a política como ela é, evidentemente nos limites do contexto em que escreveu suas conclusões. Terceiro, embora muito relacionado ao primeiro ponto que acabamos de mencionar, Maquiavel de forma alguma vê a política como um campo de espaço para o desenvolvimento ético do indivíduo e muito menos para a prática obrigatória da ética. Portanto, não é o bem comum o valor máximo e a preocupação do seu príncipe, como também não é a da preservação do interesse individual de cada um a responsabilidade e o fim que orienta as ações do soberano. Em última instância, há, em Maquiavel, duas únicas motivações para suas ações ou movimentos políticos: a conquista do poder e sua manutenção, sempre tendo presente a necessidade da busca da ordem ou a sua manutenção, supondo que isso seja bom para o povo e, sobretudo, porque é bom para o príncipe (soberano). Qual o método? Qualquer um que conduza a tal ou tais objetivos. Podendo passar pela fortuna, ou pela virtú.31 Quarto, ressaltamos que não se deve ler o Príncipe de Maquiavel como um manual político destinado a orientar o governante apenas. Não faltam interpretações que vão na linha exatamente contrária, afirmando que nesta obra Maquiavel, ao escrever ao príncipe orientava também o povo. Portanto tenhamos presentes estas duas possibilidades de olhar. Por fim, é necessário dizer ainda que nenhuma obra deve ser lida, desprezando- se o contexto (histórico, político, social e econômico) em que surgiu, para o qual foi pensado ou do qual recebeu ou se buscou influências. No caso de Maquiavel, certamente o contexto de uma Itália mergulhada em divisões e conflitos internos e “externos”32 deve ser avaliado, particularmente em vista de uma melhor compreensão dos seus escritos políticos que tanto associamos à ideia de uma proposta absolutista, o que não deixa de ser verdade. Contudo, compreendendo seu ambiente de vida, o contexto histórico da Itália da sua época, encontraremos razões claras para compreendermos sua proposta, sem o julgarmos com tanta avidez moral. . Arriscamos afirmar aqui que seria deveras ousado um líder político da época e do contexto de Maquiavel obter sucesso em suas estratégias, se elas se sustentassem em princípios democráticos. Contextos históricos, realidades econômicas e sociais, assim como os entendimentos políticos, isto é, a cultura política e as disputas por espaços e poder, como sabemos, também jogam importante, se não fundamental papel na maneira de conceber e, sobretudo, na necessidade de aplicação deste ou daquele método político. Segundo Carlos Estevam Martins, 31 . Conforme Maquiavel, a fortuna é a ocasião, o momento histórico propício para uma grande ação e a virtú representa a capacidade, a habilidade e, sobretudo, a astúcia do soberano ao praticar a melhor das ações, em ocasião de sorte ou de natural oportunidade. 32 . As aspas referem-se ao fato de não haver ainda uma Itália com uma unidade nacional definida que a identificasse como uma nação unificada, como um Estado Nacional. Na Itália do Renascimento reina grande confusão. A tirania impera em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise e instabilidade permanente. Somente o cálculo político, a astúcia, a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos da força, é previsível e natural que pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião, nem a tradição, nem a vontade popular legitimam o soberano e ele tem que contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades capacitam-se a ocupar33. Certamente, é improvável nos convencermos de optarmos por uma democracia quando vivemos em ambientes conturbados socialmente. Em uma verdadeira democracia, subentende-se, diálogo, igualdade, inclusive econômica ou material, ambiente de paz ou de mínima estabilidade social econsenso ou aceitação de uma das partes como legitimamente vencedora ao final do processo ou de cada etapa específica de um processo democrático. São importantes elementos que funcionam como combustível alimentador de uma democracia. Doutra parte, em ambientes de caos social, agitação, violência ou conflitos, necessidades extremas e ou de falta de liberdade, como o foi na Itália de Maquiavel, por experiência histórica sabemos que sempre tem sido pouco provável florescerem ideias 33 . MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 7. políticas democráticas como a melhor saída para os problemas. Até a época do florentino a única experiência democrática havia sido Atenas, contudo, sob outras bases e em outro contexto. Em situações sociais e políticas como as do período de Maquiavel, a história tem nos demonstrado que o desfecho, majoritariamente, tem sido, o do endurecimento do método e da intensificação da resistência em forma de revolução e da aplicação da força, isto é, a radicalização de alguma forma. Não pretendemos, a partir dessa exposição concluir, ou fazer concluir que fatalmente, diante de tais situações sociais em análise o processo sempre deva desenhar- se para um desfecho desta forma, qual seja, a da concentração do poder e da imposição da força ou de algum tipo de radicalização. Fizemos muito mais uma constatação sobre o passado que uma certeza para o presente ou para o futuro. Entendendo o contexto histórico, social e político em que Maquiavel viveu e escreveu as páginas do Príncipe, não incorreremos, provavelmente, no erro de ignorar as imediações da vida do autor, em nossa análise sobre as suas ideias políticas. Não se trata de afirmar que em outro contexto histórico, democrático e pacificado, a formulação teórica de Maquiavel seria outra. Não, não se trata disso, como também não se trata de fazer suposições hipotéticas, ainda que possam ser prováveis. Igualmente não queremos afirmar que Maquiavel foi um escritor vulnerável e influenciável por um único meio ou ambiente, incapaz de formular convicções que extrapolassem a sua época ou o seu meio. Tudo isso seriam meras especulações. Por isso preferimos nos ater à realidade concreta e refletir como outros tantos e, mais que isso, entender que Maquiavel, sendo amante das questões políticas, não há dúvidas, preocupou-se em compreender, explicar a realidade política da sua época da forma mais realista, abordando-a como ela é e não como deveria ser. Por isso reforçamos aqui o que de certa forma já mencionamos antes: é pouco provável que Maquiavel tenha escrito sob alguma intenção moral, para o bem ou para o mal. Daí considerarmos injusta a reputação que o entendimento popular lhe atribui, qual seja, de crueldade, popularizada pela expressão “maquiavélico”. Como é inerente à sua teoria a análise “fria”, “calculista”, como muitos o queiram entender, entendendo-o como um realista, é provavelmente correto que se afirme que antes de ser influenciável, Maquiavel vasculhou o contexto em sua volta, nele mergulhou a ponto de incorporarem-se ambos (Maquiavel e a história do seu tempo), um no outro, obrigando-o, por um compromisso racional a tal análise. O que de concreto temos para compreender o florentino, é isso: a sua obra, a sua biografia e os conhecimentos sobre a história do seu tempo e lugar, produzida no contexto que conhecemos. Portanto, vamos de forma realista compreender sua teoria absolutista de Direito Divino. Maquiavel fundamentou suas ideias políticas em bases teológicos, na teoria do Direito Divino, a partir dos quais o príncipe é uma espécie de eleito de Deus. Assim, em nome de Deus o príncipe age para o bem do seu povo. Justifica ao príncipe que o seu poder não é originário do povo, mas de sua vocação messiânica, de sua capacidade suprema de conduzir um povo rumo à salvação. Sobre isso, afirma Bonavides: O florentino seculariza o messianismo teológico para levantar frente ao edifício do poder a estátua do príncipe todo-poderoso, desembaraçado de escrúpulos, vinculado unicamente aos fins que lhe justificavam os meios no exercício de uma autoridade sem limites e que, por isso mesmo, atravessava as fronteiras da moral, dos bons costumes, da obediência cristã, estabelecendo entre a pessoa do governante e a res pública uma promiscuidade que desembocava no arbítrio e nas demasias do tirano ungido pela filosofia do oportunismo. A ideia de grandeza, majestade e sacralidade da soberania coroava a cabeça do príncipe e levantava as colunas de sustentação de sustentação do Estado Moderno, que era Estado da soberania ou do soberano, antes de ser Estado da nação ou do povo. E o era porque o Estado como instituição ainda não se despersonalizara de todo. Mas lograra já exprimir o grau de força e intensidade de seu poder na vontade – a um tempo, coercitiva e agregativa - do príncipe do direito divino. 34 34 . BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Editora Malheiros. 5ª. edição, 2004. P.30. Reconhecendo no povo a sabedoria, preocupou-se em buscar fundamentos para o poder do soberano. Assim, em um ambiente ainda marcadamente religioso, não haveria melhor justificativa para fundar um poder absoluto que não o de que alguns são eleitos por Deus, e não pelos homens, para colocarem sua sabedoria (divina) a serviço do bem de uma nação. Aos demais, cabe aceitar os desígnios do supremo criador que com sua sabedoria escolhe alguns homens entre os homens. 2.3.1 MAQUIAVEL: UMA PROPOSTA POLÍTICA AMORAL Maquiavel inaugura uma nova abordagem na teoria política, muito diferente daquilo que se tinha até aquele tempo histórico. Ultrapassa os limites que até então sustentavam-se pela especulação filosófica ou se justificavam moralmente, pondo, particularmente, os ensinamentos da Igreja na base. Vê a primazia da política sobre a moral35 e a religião, separando esses campos. Faz uma espécie de depuração. Discrimina a política como um campo próprio do saber e do agir. Perpasse em sua obra o alicerce da política real desvinculando-a de propósitos ideais, mais que isso, utópicos, que vinham sendo apresentados até então. Assim escreve Carlos Estevam Martins: O universo mental de Maquiavel é completamente diverso. Em San Casciano, tem plena consciência de sua originalidade e trilha 35 . Leia a nota de número 27 e confira o que afirmou Bonavides a esse respeito. um novo caminho. Deliberadamente distancia-se dos tratados sistemáticos da escolástica medieval e, à semelhança dos renascentistas preocupados com fundar uma nova ciência física, rompe com o pensamento anterior, através da defesa do método de investigação empírica (...). (...) Maquiavel propõe estudar a sociedade pela análise da realidade efetiva dos fatos humanos, sem perder-se em vãs especulações. O objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada como prática humana concreta, e o centro maior de seu interesse é o fenômeno do poder, formalizado na instituição do Estado. Não se trata de estudar o tipo ideal de Estado, mas compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.36 O florentino desliga-se da necessidade de ser a política uma atividade de bases humanistas. A Filosofia (abstrata), a religião e moral (ética), muito pouco contribuem para embasar o pensamento político de Maquiavel. Ainda em outra passagem, escreve Carlos Estevam Martins: “Maquiavel, simplesmente fez da prática uma teoria”37 2.3.2 MAQUIAVEL: O LUGAR DO POVO (INDIVÍDUO OU CIDADÃO) Châtelet, Duhamel e Pisier-kouchner, professores da Universidade de Paris, na obra História das ideias políticas, definem, segundo Maquiavel o Estado como o que é 36. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 16 . 37 MARTINS, Carlos Estevam. In Os Pensadores (Maquiavel ou o Príncipe)MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 27. e como poder central soberano. Vejamos, na íntegra, o trecho do texto em que os autores mencionam tal definição: Quaisquer que sejam as continuidades (ou filiações) ideais entre a Antiguidade e a Idade Média, por um lado, e os Tempos Modernos, por outro, o ‘secretário florentino’ introduziu uma ruptura decisiva; contra as teorias da sociabilidade natural, contra os ensinamentos da revelação e os da teologia, ele afirma – porque constata – que, no que se refere as atividades coletivas, o que é é o Estado. Foi ele quem deu a esse último termo sua significação de poder central soberano legiferante e capaz de decidir, sem compartilhar esse poder com ninguém, sobre as questões, tanto exteriores quanto internas de uma coletividade; ou seja, de poder que realiza a laicização da plenitudo potestas.38 Disso tiramos que em Maquiavel o Estado é o que é, como está escrito acima, e é “poder central soberano”, e, absoluto, o que significa, conforme igualmente acima mencionado, um “poder central do soberano” que não se compartilha com ninguém. É um poder estruturado e aparelhado cujo método de uso fica a encargo do soberano, o que significa que não há lugar para o povo39 (os indivíduos, os cidadãos) na sua elaboração, sua formatação e muito menos na aplicação dos métodos e instrumentos de ações por ele promovidas. A esse respeito escreveu Bonavides: 38 . CHÂTELET, Francois; DUHAMEL, Olivier; PISIER-KOUCHNER, Evelyne. História das ideias políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. p. 38. 39 . Utilizaremos com mais frequência este termo, justamente, para nos conformarmos mais com o entendimento de Maquiavel que “fala” de povo, destacando sua importância. O indivíduo e/ou cidadão não tem importância isoladamente no seu entendimento. Pelo menos não destaca preocupação quanto as interferências que cada um individualmente possa exercer sobre o Estado e o soberano. Muito diferente do que pensa sobre o povo. Sobre opovo e seu poder frente ao soberano, segundo Maquiavel, releia também a nota 27 acima. Estava assentada na intuição genial do fundador da moderna Ciência Política, na frieza dos raciocínios que desenvolveu ao serviço de um realismo liberticida e cínico, a teorização completa da soberania como instrumento político de um poder absoluto que se incorporava no príncipe como se o príncipe fora o próprio Estado.40 Significa isso afirmar que fica então o povo por ele ignorado, cuja importância é vista com desprezo? Seguramente não e, certamente o contrário. Para ele é o povo o maior e em última instância o verdadeiro sustentáculo do poder político. Do povo pode o príncipe ser investido no poder. Em O Príncipe afirma: “Também o povo percebendo que não pode resistir aos grandes, cria a reputação de um cidadão e o elege príncipe, para manter-se seguro com a vontade deste”41. Por outro lado, além da possibilidade investir o soberano no poder, o povo é a condição fundamental de garantia de sustentação e manutenção do poder. Assim disse: “concluirei apenas que, a um príncipe, é necessário que o povo devote amizade; senão, irá fracassar nas adversidades”42. Entende, pois, que da mesma forma que o príncipe pelo povo é instituído no poder, pode por ele também ser dele destituído. Como ele próprio afirmou “O príncipe nunca estará seguro contra a hostilidade do povo, porque ele é composto de muitos.”43 É frequente, em sua obra, sua demonstração de preocupação quanto ao cuidado que deve ter o príncipe para não cair na desgraça do povo. Vejamos o que ele afirmou em outra passagem do O príncipe: Assim, deve o príncipe tornar-se temido, de sorte que, se não for amado, ao menos evite o ódio, pois é fácil ser, a um só tempo, 40. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Editora Malheiros. 5ª. edição, 2004. P.30. 41 . MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 74. 42 . MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 75. 43 . MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 74. temido e não odiado, o que ocorrerá uma vez que se prive da posse dos bens e das mulheres dos cidadãos e dos súditos, e, mesmo quando forçado a derramar o sangue de alguém, poderá fazê-lo apenas se houver justificativa apropriada e causa manifesta. Deve, em especial, impedir-se de aproveitar os bens alheios, uma vez que os homens se esquecem mais rapidamente da morte do pai do que da perda do patrimônio.44 O pensador florentino, quando escreve aos governantes da época, certamente não parte do princípio de que o poder deve emanar do povo, porém, entende que há momentos em que tal feito acontece, não havendo, então, outra possibilidade senão, tendo recebido do povo o poder, tomá-lo, pois, todo do povo pela sua conivência, sem que ele o perceba. Assim, no povo está sempre sua atenção central, não pelo bem dele, mas pelo bem do poder (do) soberano e do (poder do próprio) Estado, pois desse bem decorreria também o bem do povo em última instância. O bem de natureza protetora, de natureza ordenadora e não um bem que considere uma das essências da natureza humana: a liberdade. Escrevendo ao príncipe, não concebe, portanto, lugar ao indivíduo ou cidadão enquanto povo, e nem individualizadamente, muito menos considera que sua participação seja importante e necessária. No entanto, teme o poder do povo, por isso, constantemente contra ele se previne. O povo garante o soberano em “seu” poder, mas o soberano e “seu” poder não lhe devem possibilitar a soberania. Assim como o príncipe deve ser temido pelo povo e não necessariamente amado, também o príncipe deve temer o povo, embora não necessariamente o ame. Ao dirigir-se aos detentores do poder da época e, desejando aconselhá-los a respeito do papel do indivíduo (cidadão ou povo), trata-o como súdito (do soberano). Há em Maquiavel um povo soberano enquanto pertencente a um Estado, a um território a um governo próprio, e enquanto se reconhece como povo, nos laços que unem a todos e propicia a identificação de todos em uma nação, identificado com aquela 44. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 107.. dimensão anteriormente mencionada, segundo Bonavides, como soberania externa, no aspecto em que um Estado, soberano e povo estão relacionados a outras nações. No entanto, não há soberania interna para o povo, não é soberano em relação aos seus próprios assuntos, pois deve ser, nos moldes do autor de O príncipe, essencialmente, conduzido pelo soberano detentor absoluto do poder. Este tipo de cidadania, a da dimensão externa, é uma instituição quase inerente e concomitante à instituição do Estado, Nela o povo de fato pouco tem a reivindicar e normalmente importa-se em dela participar, uma vez que sendo soberano o seu Estado e sendo temido o seu chefe soberano, já se supõe que seja reconhecido também um povo como soberano. Aqui aqui o entendimento que, se há um Estado e um governante forte e soberano, há também um povo forte e soberano. De alguma forma, mesmo nas modernas democracias, não há tanta reivindicação popular almejando maior participação nesse tipo de formulação de Estado e soberania. Os espaços para manifestações já satisfazem, os anseios populares, normalmente. Pode-se imaginar que Maquiavel também concederia aos seus súditos esse tipo de soberania, uma vez que esta reforçaria a sua, excluídas os espaços de manifestações nos moldes que temos nos Estados soberanos modernos. Para Maquiavel o príncipe deve manter no povo sempre a sensação e mais que isso, a certeza de que sua figura (soberena) o representa muito bem, ou seja, mantê-lo de certa forma nessa ilusão. Eis algumas formas de dizer que Maquiavel ao escrever aos governantes,
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