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Olimpíada de Física e Astronomia - IFCE - 2019 - Nível Universitário

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Olimṕıada de F́ısica e Astronomia do IFCE 2019
Nı́vel C
Sábado, 04 de maio de 2019
Por favor, leia as instruções antes de iniciar a prova:
1. O tempo dispońıvel para a prova é de 04 horas. A prova tem 03 problemas dissertativos.
2. O estudante deve permanecer na sala de aplicação por, no mı́nimo, 90 minutos.
3. Utilizar apenas caneta na solução dos problemas.
4. Na resolução do problema dissertativo:
• Utilize apenas o lado da frente das folhas de papel fornecidas. O verso é destinado
a uso como rascunho.
• Se houver resultados numéricos, estes devem ser escritos com o número de algarismos
significativos apropriado, conforme indicado no problema. Não se esqueça de
indicar as unidades.
• Escreva tudo o que considerar relevante para a resolução da questão. Utilize o
mı́nimo de texto posśıvel, devendo exprimir-se, sobretudo com equações, números,
figuras e gráficos.
5. Nas folhas de rascunho e nas folhas que você não quiser levar em consideração na correção,
faça um grande X na sua face.
6. Os estudantes deverão devolver todo o material da prova, incluindo folhas de problemas
e de respostas.
7. É permitido o uso de calculadora não programável.
Prolema 01
Nı́vel C P1-1
Instabilidade de Rayleigh - Plateau1 (10 pontos)
Leia a página de instruções gerais antes de começar este problema.
Introdução
A instabilidade de Plateau-Rayleigh, muitas vezes chamada de instabilidade de Rayleigh, ex-
plica porque e como um fluxo de fluido se divide em pacotes menores com o mesmo volume,
mas com menor área de superf́ıcie. A explicação dessa instabilidade começa com a existência
de pequenas perturbações no fluxo.
Metas
Na parte A vamos investigar como o formato de um jato de água se altera com a altura de queda
do jato. Já na parte B iremos investigar a própria instabilidade e a explicação do fenômeno.
As duas partes desse problema não são dependentes.
Parte A - Formato do jato de água (2 pontos)
Assim, vamos começar o problema investigando como o formato de um jato de fluido varia com
a altura. Considere um orif́ıcio circular de raio a ejetando um fluxo de água cont́ınuo Q de
densidade ρ para baixo, conforme a figura abaixo:
Figura 1: Esquema do jato de água caindo.
Assuma que no ponto A, temos uma velocidade de fluxo U0, uma pressão interna PA, e um
raio de curvatura a. Já no ponto B temos uma velocidade de fluxo U(z), uma pressão PB e
um raio de curvatura r. Considere que a diferença de altura entre esses pontos é z. Assuma
1Proposto por @Thomas Bergamaschi (IPhO 2018), da série problemas da piranha
2
Prolema 01
Nı́vel C P1-2
que efeitos de viscosidade são despreźıveis, que a componente radial da velocidade do fluido é
insignificante, e que a velocidade da água U(z) independe de r.
A.1 Comece relacionando os parâmetros em A, U0 e Pa, com os em B, U(z)
e PB e a diferença de altura z.
0,4pt
Perceba que devido à curvatura do jato de água a pressão no interior do jato é levemente maior
que a pressão atmosférica, onde essa diferença ∆P é dada pela equação de Young-Laplace:
∆P = σ
(
1
R1
+
1
R2
)
(1)
em que R1 e R2 são os dois raios de curvatura principais do jato de água e σ é a tensão superficial
da água.
A.2 Ache a pressão aproximada em A e B, em função de P0, σ, a e r.
Considere que o jato caiu uma distancia z pequena de modo que a
inclinação da superficie seja pequena.
0,4pt
A.3 Com os resultados de A.1 e A.2, ache a razão U(z)/U0. 0,4pt
A.4 Encontre uma equação para r(z) e resolva ela no limite em que r = a−�,
onde �� a. Expresse seu resultado em função de σ, ρ, U0, a, g e z.
0,8pt
Parte B - Instabilidade de Rayleigh Plateau (8 pontos)
Agora, vamos começar a analisar a instabilidade de jatos ciĺındricos de água limitados por
tensão superficial. É precisamente esse efeito que causa o fenômeno representado abaixo:
Figura 2: Um feixe ciĺındrico de água se aglomerando em gotas.
3
Prolema 01
Nı́vel C P1-3
Vamos investigar como uma pequena perturbação radial no cilindro de água leva a ocorrência
de uma instabilidade capaz de romper o cilindro, gerando gotas de água.
Considere que o estado de equiĺıbrio consiste em um cilindro infinitamente longo de fluido com
raio R0, densidade ρ, e tensão superficial σ, que está caindo com velocidade U0 na direção ẑ.
A partir de agora considere a pressão externa P0, e por simplicidade, despreze os efeitos da
gravidade.
B.1 Qual a pressão P na interface interior do cilindro? 0,2pt
A partir de agora, considere que o cilindro de água é levemente perturbado por uma variação
de raio �, de modo que o raio da superf́ıcie obedeça a equação:
R(z, t) = R0 + � · eωt+ikz (2)
em que � � R0, ω é a taxa de crescimento da instabilidade e k o número de onda referente à
perturbação ao longo da direção vertical z do cilindro. Assuma que o eixo z é definido de modo
que a origem (z = 0) é o topo do cilindro em t = 0.
Considere que ur é a componente radial da velocidade do fluido (após a perturbação), uz a
componente vertical da velocidade, e δp a perturbação na pressão.
Expresse todos os seus resultados em primeira ordem em �.
B.2 Ache a aceleração radial dur
dt
e a vertical duz
dt
, em função de ρ e derivadas
de δp.
0,3pt
B.3 Aplique a equação da continuidade para achar uma relação entre
ur, uz, r e suas derivadas.
0,5pt
É esperado que as perturbações em velocidade e pressão sejam do mesmo formato que a per-
turbação no raio da superf́ıcie, dada pela equação 2. Ou seja, ur, uz e δp, podem ser escritos
da seguinte forma:
ur(r, z, t) = f(r)e
ωt+ikz, (3)
uz(r, z, t) = U0 + g(r)e
ωt+ikz, (4)
δp(r, z, t) = h(r)e
ωt+ikz (5)
Nas quais f(r), g(r) e h(r), são funções que podem ser descobertas com os resultados acima.
B.4 Com os resultados de B.2 e B.3, ache três equações que relacionam
f(r), g(r) e h(r) em função delas e suas derivadas, e em seguida, ache
uma equação diferencial somente para f(r).
1,5pt
4
Prolema 01
Nı́vel C P1-4
Essa equação, é uma equação modificada de Bessel de ordem 1, cujas soluções podem ser escritas
com as funções modificadas de Bessel de primeiro e segundo tipo, I1(x) e K1(x) respectivamente.
Não é preciso conhecimento prévio dessas funções para a resolução deste problema.
Considere que a solução dessa equação pode ser escrita como:
f(r) = C1I1(kr) + C2K1(kr) (6)
Em que C1 e C2 são constantes arbitrárias. Note que os gráficos de I1(x) e K1(x) estão
representados na fig. 3, para melhor entender o fenômeno.
I1(x)
K1(x)
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
x
I 1
(x
),
K
1
(x
)
Figura 3: Gráfico de K1(x) e I1(x).
Note que I1(0) = 0, lim
x→∞
I1(x)→∞ e K1(0)→∞, lim
x→∞
K1(x)→ 0.
B.5 Com o gráfico da fig. 3, e uma condição de contorno, encontre C1 e
C2.
1pt
B.6 Encontre g(r) e h(r). Você pode precisar saber que I1(x) =
dI0(x)
dx
, que
K1(x) = −dK0(x)dx e também da propriedade que
d(rI1(kr))
dr
= krI0(kr).
Aqui, I0(x) e K0(x) são também funções modificadas de Bessel de pri-
meiro e segundo tipo.
0,5pt
Devido a essa perturbação, a pressão na superf́ıcie interior da coluna de água irá crescer para
P + δp(r, z, t), com δp(r, z, t) dada pela equação 5, e pelo resultado de B.7 e P é dado pela
resposta do item B.1.
Com esses resultados, é posśıvel relacionar parâmetros de ω com k. Você pode precisar apro-
ximar que a inclinação da superf́ıcie é sempre muito pequena.
5
Prolema 01
Nı́vel C P1-5
B.7 Com os seus resultados anteriores, encontre o valor da nova pressão
da coluna de água P + δp(z, t) na superf́ıcie, e encontre δp(z, t) na su-
perf́ıcie.
1.5pt
Agora, pode-se usar o resultado de B.7 para achar a relação de dispersão do sistema ω2(k).
B.8 Use o resultado de B.7 e B.8 para achar ω(k). 0,5pt
Com essa equação vemos que instabilidade só ocorre em certos casos de k e R0.
B.9 Para quais valores de k e R0 existem modos instáveis? Explique. 1pt
Para facilitaro entendimento numérico, você pode precisar de um gráfico da razão I1(x)/I0(x)
conforme fornecido na fig. 4.
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
x
I 1
(x
)/
I 0
(x
)
Figura 4: Gráfico de I1(x)/I0(x).
Com o gráfico, e a função encontrada previamente, é posśıvel achar pontos notáveis no gráfico
de ω(k), afim de esboçar este gráfico futuramente.
B.10 Encontre a posição aproximada de todos os pontos notáveis de ω(k) na
região de instabilidade.
Observação: Estes pontos notáveis incluem mı́nimos, máximos, e
também ráızes desta função.
0,3pt
Agora, você está em condições de esboçar ω(kR0).
6
Prolema 01
Nı́vel C P1-6
B.11 Esboce ω(kR0) na região de instabilidade, lembrando de indicar todos
os pontos notáveis da função que você encontrou no item anterior.
0,5pt
Com o seu esboço do item anterior, e os pontos notáveis da função calculado no item B.10,
pode-se estimar o tempo caracteŕıstico τc para que o cilindro de água se rompa.
B.12 Estime esse tempo caracteŕıstico τc. 0,2pt
7
Problema 02
Nı́vel C P2-1
Rattleback1 (10 pontos)
Leia a página de instruções gerais antes de começar este problema.
Introdução
A “Rattleback” é um objeto bastante curioso. Ela tem um formato ligeiramente assimétrico
(pense num semi-elipsoide ou semi-paraboloide ligeiramente deformado), e isso a dá proprieda-
des f́ısicas bastante complexas e intrigantes. Se girada em um sentido na vertical (ilustrado na
Figura 1, onde a velocidade angular ~ω aponta para cima), nada de interessante ocorre: é um
movimento estável, e por isso a Rattleback continua girando nessa direção. Porém, se girada
no outro sentido (com ~ω apontando para baixo), o movimento é instável: aos poucos, ela para
de rodar (Figura 2(a), com as velocidades demarcadas diminuindo), começa a oscilar (Figura
2(b). Para mais detalhes desse ponto, ver Figura 3), até que eventualmente para de oscilar e
volta a rodar, mas com sentido oposto ao da rotação inicial! (Figura 2(c), onde ~ω agora aponta
para cima). Assim como na Figura 1, essa nova direção agora é estável, e portanto a Rattleback
continuará se movendo nela.
Dessa forma, vemos que girar a Rattleback com ~ω em diferentes sentidos da direção vertical
nos dá differentes resultados: em nossa descrição, ~ω apontando para cima corresponde a um
movimento estável, mas ~ω apontando para baixo corresponde a um movimento instável (e que,
eventualmente, migra para o movimento estável).
Isso implica que a Rattleback, devido a somente o seu formato, possui uma direção preferencial
de rotação!
Ao longo dessa questão, analisaremos uma versão simplificada do sistema, mas que ainda assim
contém e explica a reversão de direção! (denominaremos “spin” a velocidade angular de rotação
das Figuras 1, 2(a) e 2(c), em que a velocidade angular aponta na direção vertical. Portanto,
utilizaremos a expressão “reversão de spin” para se referir ao fenômeno da Rattleback)
Parte 0: Premissas gerais e resultados matemáticos
Como sistema f́ısico, assumiremos uma Rattleback em uma superf́ıcie plana, conforme mostra
a Figura 1. A superf́ıcie possui atrito, mas há conservação de energia. Ignoraremos a diferença
entre coeficientes estático e dinâmico de atrito. A Rattleback é perfeitamente ŕıgida, de forma
que o ponto de contato entre ela e a superf́ıcie é um ponto matemático. O sistema de coorde-
nadas x, y, z será o sistema de coordenadas da Rattleback em si, não do sistema (inercial) do
laboratório.
Ao longo dessa questão, você pode querer usar que:
• ~a · (~b× ~c) = ~c · (~a×~b)
• ~a× (~b× ~c) = ~b(~a · ~c)− ~c(~a ·~b)
As três partes desse problema são independentes.
Parte A: Análise geral das equações de movimento (5,2 pontos)
Antes de mais nada, devemos definir os parâmetros do sistema e as variáveis que utilizaremos:
1Proposto por @Henrique Zanarella (IPhO 2016), da série problemas do ursinho
8
Problema 02
Nı́vel C P2-2
v̂v̂
ω̂
Figura 1: Rotação estável da Rattleback
v̂ v̂
ω̂
v̂ v̂
ω̂
Figura 2: (a) Rotação instável da Rattleback, (b) Oscilação após rotação instável, (c) Rotação
estável após a reversão do spin
• ~s = posição do centro de massa da Rattleback;
• ~v = d~s
dt
;
• ~r = vetor do centro de massa ao ponto de contato;
• ~F = força exercida, pela superf́ıcie de contato, na Rattleback;
• ~ω = velocidade angular da Rattleback;
• ~h = momento angular da Rattleback;
• M = massa da Rattleback;
• ~u = versor perpendicular à superf́ıcie, apontando para cima;
• g = aceleração da gravidade, que aponta na direção de −~u.
9
Problema 02
Nı́vel C P2-3
Figura 3: Detalhamento da oscilação da Figura 2(b)
A.1 Utilizando somente os parâmetros definidos acima, escreva as
equações (vetoriais) de movimento da Rattleback.
1,0pt
A.2 Mostre que
d~h
dt
= M~r ×
[
d~v
dt
+ g~u
]
(1)
0,5pt
A.3 Mostre que, no sistema de coordenadas do laboratório,
d
dt
(~u · ~h) = M (~u× ~r) · d~v
dt
(2)
0,5pt
Com essas equações escritas, podemos começar a levar em consideração o formato da Rattleback.
Pensaremos nela como um objeto simétrico nas direções x′, y′ (no sentido que z se mantém nas
trocas x′ → −x′ e/ou y′ → −y′), e que sofre uma perturbação não necessariamente pequena.
Tal perturbação roda x′ e y′ (de tal forma que eles não são mais perpendiculares) e faz com
que os eixos principais x e y de rotação da Rattleback não coincidam mais com x′ e y′.
A equação que define seu formato é
z = z(x, y) = a
[
1− 1
2
p
(x
a
)2
− qxy
a2
− 1
2
s
(y
a
)2]
(3)
onde a é a distância do centro de massa ao ponto de contato, quando há equiĺıbrio estático do
10
Problema 02
Nı́vel C P2-4
sistema (ver Figura 4), e o termo de q é o termo da perturbação detalhada acima.
r z
y
u
a
δ
^
^^
Figura 4: Sistema de coordenadas da Rattleback
Neste sistema de coordenadas x̂, ŷ, ẑ, definiremos que o ponto de contato está na posição ~r =
(x, y, z).
Há algumas restrições sobre os parâmetros p,q, e s. Primeiramente, a Rattleback deve ser
côncava em toda a região que pode entrar em contato com o solo. Isso implica que p > 0, s > 0,
e ps > q2.
A segunda restrição é que, para que as oscilações das Figuras 2(b) e 3 sejam posśıveis, a posição
de equiĺıbrio da Rattleback deve ser estável.
A.4 Com aproximação de pequenas oscilações, encontre a condição sobre
p e q para que o equiĺıbrio seja estável no caso particular p = s.
Dica: você pode querer usar as equações (4) e (6) abaixo na sua re-
solução.
1,2pt
Dadas essas condições, podemos usar a equação (3) para analisar o movimento utilizando o
sistema de coordenadas da Rattleback.
Nesse sistema de coordenadas, podemos escrever ~u como:
~u = w
(
fx√
x2 + y2
,
fy√
x2 + y2
,−1
)
(4)
onde
f := −(px
2 + sy2 + 2qxy)
a
√
x2 + y2
(5)
e onde w é uma constante de normalização dada por
11
Problema 02
Nı́vel C P2-5
w =
1√
1 + f 2
(6)
Sabemos que ~u é o versor na direção vertical e, portanto, é constante no sistema de coordenadas
do laboratório.
A.5 Sendo ~̇u a variação temporal de ~u no sistema de coordenadas da Rat-
tleback, mostre que
0 = ~̇u+ ~ω × ~u (7)
1,0pt
A.6 Mostre que
~ω = ~̇u× ~u+ n~u (8)
onde n é o “spin” citado no ińıcio da questão, que corresponde à com-
ponente vertical da velocidade angular (ou seja, a componente de ~ω na
direção de ~u).
0,5pt
Com aproximação de pequenos valores de x e y (já que analisaremos o sistema ao redor do
equiĺıbrio x = y = 0), podemos usar a equação (8) para escrever os componentes de ~ω:
ωx =
nfx√
x2 + y2
− d
dt
(
fy√
x2 + y2
)
ωy =
nfy√
x2 + y2
+
d
dt
(
fx√
x2 + y2
)
(9)
ωz =
fy√
x2 + y2
· d
dt
(
fx√
x2 + y2
)
− fx√
x2 + y2
· d
dt
(
fy√
x2 + y2
)
− n
Como podemos ver, ωx e ωy somente possuem termos em primeira ordem em x e y, enquanto
ωz possui termos de zerésima (o termo “−n”) e de segunda ordem em x e y.
A.7 Com as equações (9), calcule, em aproximaçãode primeira or-
dem em x e y, as componentes vx, vy e vz da velocidade do
centro de massa da Rattleback. Não é necessário expandir as deri-
vadas contidas na equação (9), e não é necessário substituir f por sua
definição f = −px2+sy2+2qxy
a
√
x2+y2
.
0,5pt
Com isso, e sabendo que os momentos de inércia em x, y, e z são tais que
hx = Aωx
hy = Bωy (10)
hz = Cωz
12
Problema 02
Nı́vel C P2-6
podemos usar os resultados da A.7 reescrever a equação (1) para então finalizar as equações de
movimento.
Após reescrever (1), assumimos uma resposta da forma x = eσt e y = αeσt para o movimento
(com σ e α sendo parâmetros a determinar). Após realizar os cálculos, podemos chegar às
seguintes equações:
nσ − ασ2 = −M
A
[
−(αg + σna) a(1 + α
2)
p+ sα2 + 2αq
+ a2nσ − a2ασ2 + agα
]
− (B − C)n(nα + σ)
e (11)
nασ + σ2 =
M
B
[
−(g − anσ) a(1 + α
2)
p+ sα2 + 2αq
− a2nασ + a2σ2 + ag
]
− (C − A)n(n− ασ)
Não nos preocuparemos em resolver essas equações. Porém, notaremos que, para uma mesma
configuração da Rattleback (α mantido constante) caso a direção de spin seja invertida (n →
−n), o valor de σ também se altera da mesma forma: σ → −σ.
Como a parte real de σ é, em geral, não-nula, isso significa que, para uma determinada direção
de spin, a resposta oscilatória aumenta (o que significa que a energia está sendo passada da
rotação de spin para a oscilação), enquanto que, na outra direção de spin, o a oscilação diminui
(o que significa que a energia está sendo passada da oscilação para a rotação de spin). Isso é
completamente consistente com comportamento da Rattleback, já que (conforme as Figuras 1
e 2), a mudança de direção só ocorre em uma direção de spin!
Parte B - A reversão de spin (1,8 pontos)
Por mais que a análise acima explique a reversão, queremos entendê-la de forma um pouco mais
clara.
Considere o momento exato em que a reversão ocorre. Nesse instante, toda a energia da Rat-
tleback está na oscilação demonstrada nas Figuras 2(b) e 3. Aproximaremos que tal oscilação
é periódica, e que a velocidade de spin é despreźıvel durante vários peŕıodos de oscilação.
Com essa suposição, calcularemos o torque vertical médio que age sobre o centro de massa da
Rattleback.
B.1 Por que devemos esperar um torque vertical médio não-nulo? 0,8pt
Instantaneamente, podemos usar seu resultado da questão A.3 para escrever que
τv = ~u ·
d~h
dt
= M~u ·
(
~r × d~v
dt
)
= M(~u× ~r) · d~v
dt
(12)
B.2 Integrando por partes, e sendo T o peŕıodo de oscilação e ~τv a média
de ~̄τv num peŕıodo, mostre que
T
M
τ̄v = −
∫
T
~v · (~u× d~r + d~u× ~r) (13)
onde
∫
T
indica a integração ao longo de um peŕıodo de oscilação.
1,0pt
13
Problema 02
Nı́vel C P2-7
Reescrevendo essa equação, podemos montar uma equação matricial descrevendo a variação
temporal do vetor [ωx ωy ux uy]. Calculando os autovalores e autovetores e aplicando os
resultados na equação acima, podemos encontrar o torque médio nos dois modos distintos
permitidos:
τ̄ ev =
1
4
Ma2α
(
1
φ
− 1
θ
)(
1
α
− 1
β
)√
1− ψ2(e′)2{e(e′ + f)− dg}ve2
e
¯
τ fv =
1
4
Ma2β
(
1
φ
− 1
θ
)(
1
α
− 1
β
)√
1− ψ2(f ′)2{f(f + e)− dg}vf 2
para determinados parâmetros α, β, φ, θ, ψ, e′, e, f, d e g (e com ve e vf sendo fatores de escala).
Não analisaremos essas equações em detalhe. Porém, vale a pena ressaltar que ψ está relacio-
nado à perturbação dada por q e que, caso não haja perturbação, ψ = 1. Pelas equações acima,
ψ = 1 implica que os torques são nulos, o que é esperado e, além disso, é uma confirmação
matemática de que a reversão de spin ocorre devido à perturbação do formato da Rattleback.
Parte C - Sobre a condição de não-deslizamento (3,0 pontos)
Por fim, devemos entender se a condição de não-deslizamento é ou não razoável na realidade.
A situação cŕıtica para o não-deslizamento é, mais uma vez, a situação em que toda a energia
do objeto está na oscilação da Figura 2(b).
Assumiremos que o movimento é harmônico:
δ = δ0 sen(ωnt) (14)
onde δ é o ângulo de inclinação da Rattleback (como na figura 3), e ωn é a frequência de
oscilação.
C.1 Argumente por que assumir não-deslizamento pode não ser
válido, dependendo dos parâmetros δ0 e wn.
1,0pt
C.2 Aproximando que o ponto de contato da Rattleback com a superf́ıcie é
fixo e que δ0 � 1 rad, calcule a força máxima de atrito ao longo de
um peŕıodo (0,3 pt). Com isso, calcule o coeficiente mı́nimo de
atrito para que a condição de não-deslizamento seja mantida
(0,2 pt).
0,5pt
Queremos evitar usar os parâmetros δ0 e ωn em nossas expressões. Afinal, não sabemos, a
priori, seus valores.
14
Problema 02
Nı́vel C P2-8
C.3 Calcule a energia máxima de oscilação E0 com a condição de
não-deslizamento. Deixe a sua resposta em função do coeficiente de
atrito calculado no item anterior e de outros parâmetros do sistema,
exceto δ0. Utilize que I0 é o momento de inércia ao redor do centro de
massa na direção em que a oscilação está acontecendo.
0,5pt
C.4 Sendo ρ o raio de curvatura da superf́ıcie no ponto de equiĺıbrio, calcule
ωn.
1,0pt
(Nota: no nosso modelo da equação (3), ρ e I0 dependem do eixo de oscilação, já que diferentes
direções no plano xy não são equivalentes)
Pode ser provado que o eixo relevante a essas equações é o eixo que maximiza ωn. Com isso,
temos uma equação para o coeficiente de atrito mı́nimo necessário para o não-deslizamento que
assumimos ao longo dessa questão!
Porém, ocorre que tal mı́nimo é grande demais: a condição de não-deslizamento não é uma
suposição viável para explicar Rattlebacks “reais”. Sendo assim, por mais que o nosso mo-
delo explique a reversão de spin, um modelo mais próximo à realidade necessariamente inclui
dissipação de energia.
Parte D - Referências e curiosidade! (0 pontos)
Essa questão foi baseada nos seguintes artigos:
(1) Franti, L, “On the rotational dynamics of the Rattleback”, arXiv:1202.6506;
(2) Garcia A., Hubbard M., “Spin reversal of the rattleback: theory and experiment”,
418 Proceedings of the Royal Society of London. A. Mathematical and Physical Sciences
http://doi.org/10.1098/rspa.1988.0078
Analisamos somente uma parte da discussão contida nesses artigos, então recomendo bastante
ler caso queira saber mais! (por exemplo, o modelo geral prevê três classificações diferentes de
Rattleback, dependendo do comportamento de σ - acontece que a nossa é a Tipo 1. As de Tipo
0 são ainda mais peculiares que a nossa, porque têm rotações instáveis nos dois sentidos. Isso
implica que, caso a energia do movimento não seja dissipada, elas fazem infinitas reversões de
spin!)
Nota: Só tome cuidado que há uma incorreção no primeiro artigo: a expressão dele de ~u(x, y, z)
não reduz como deveria caso uma das coordenadas seja nula, e portanto não pode estar correta.
Isso ocorre porque o artigo calcula ~u simplesmente como o gradiente de z - o que não é, em
geral, verdade.
15
Problema 03
Nı́vel C P3-1
Força entre part́ıculas carregadas1 (10 pontos)
Leia a página de instruções gerais antes de começar este problema.
Introdução
Neste problema iremos estudar como part́ıculas carregadas interagem através da força eletro-
magnética. Essa força pode ser escrita usando uma expressão devido a Lorentz, que relaciona
a força sobre uma part́ıcula carregada com carga q quando sujeita à ação de um campo elétrico
~E e um campo magnético ~B:
~F = q ~E + q~v × ~B (1)
Pode-se observar da equação 1 que o campo magnético ~B só irá produzir uma força ~F sobre a
carga q se a mesma estiver se movendo com velocidade ~v não paralela a ~B.
Parte A - Caso Clássico (1,5 pontos)
A Lei de Coulomb relaciona a força elétrica entre duas part́ıculas carregadas. Suponha que
uma part́ıcula com carga Q esteja na posição ~r′ = x′x̂ e que uma carga q esteja na posição
~r = xx̂+ yŷ + zẑ.
A.1 Determine o campoelétrico ~E sobre a carga q devido à carga Q como
função de ~r, ~r′ e da permissividade elétrica do vácuo ε0.
0,7pt
Se a carga Q estiver em movimento com velocidade ~v ela irá, de acordo com a teoria clássica
do eletromagnetismo, gerar um campo magnético dado pela expressão
~B =
µ0
4π
Q~v × R̂
R2
(2)
em que µ0 é a permeabilidade magnética do vácuo, e ~R = ~r − ~r′ é a posição onde se calcula o
campo magnético ~B com relação à carga Q.
A.2 Determine o campo magnético ~B sobre a carga q devido à carga Q
como função de ~r, ~r′, da velocidade ~v e da permeabilidade magnética
do vácuo µ0.
0,3pt
A.3 Utilizando a equação de Lorentz, determine a força eletromagnética que
a carga Q exerce sobre a carga q.
0,5pt
1Proposto por @Fernando Sobreira (IPhO 2006)
16
Problema 03
Nı́vel C P3-2
Parte B - Caso Relativ́ıstico (8,5 pontos)
No caso relativ́ıstico, isto é, quando uma das part́ıculas está se movendo com velocidade v ∼ c,
é posśıvel obter a força realizada sobre uma part́ıcula carregada em repouso no referencial S
do laboratório. Neste caso, a força calculada já inclui o efeito de propagação da informação da
posição relativa correta entre as part́ıculas no instante em que a força está atuando.
Para obter esta força, é preciso levar em conta que o quadrivetor Ai = (φ/c, ~A) se transforma
da mesma forma que o quadrivetor xi = (ct, ~r), isto é através das transformações de Lorentz.
Neste caso, φ é o potencial elétrico e ~A é o potencial vetor magnético.
Suponha que um sistema de referência S ′ se move com velocidade ~v = vx̂ com relação ao
sistema de referência do laboratório S.
B.1 Escreva as relações entre os quadrivetores Ai no referencial S como
função das componentes do quadrivetor A′i, da velocidade v e da velo-
cidade da luz c.
1,0pt
Suponha que no sistema S ′ há uma part́ıcula com carga elétrica Q, fixa na origem do sistema
de coordenadas.
B.2 Determine os valores do potencial elétrico φ′ e do potencial vetor ~A′
numa posição ~r′ = x′x̂ + y′ŷ + z′ẑ do sistema de referência S ′, em
função das coordenadas de ~r′, da carga Q e da permissividade elétrica
do vácuo ε0.
0,3pt
Há ainda, no sistema de referência S uma part́ıcula fixa na posição ~r = xx̂+ yŷ + zẑ.
B.3 Determine a distância R′ entre as part́ıculas no referencial S ′, em função
das coordenadas de ~r, da velocidade v e da velocidade da luz c.
0,8pt
B.4 Determine os valores do potencial elétrico φ e do potencial vetor ~A
numa posição ~r do sistema de referência S, em função das coordenadas
de ~r, da carga Q e da permissividade elétrica do vácuo ε0.
1,2pt
Com os valores de potencial elétrico φ e potencial vetor magnético ~A é posśıvel determinar as
componentes dos campos elétrico ( ~E) e magnético ( ~B) gerados pela carga Q, fixa na origem do
referencial S ′ sobre a part́ıcula de carga q fixa na posição ~r do referencial S.
B.5 Determine o campo elétrico sobre a part́ıcula q. Você pode querer usar
o vetor posição ~R = (x − vt)x̂ + yŷ + zẑ que localiza a carga q com
relação à carga Q.
0,7pt
O campo elétrico ~E obtido no item B.5 pode ser escrito como função do ângulo θ entre o vetor
~R e a velocidade ~v = vx̂. No caso clássico, o campo elétrico ~E é independente do ângulo θ, mas
no caso relativ́ıstico isso não ocorre. O campo elétrico relativ́ıstico pode ser escrito em função
do fator f(θ) como
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Problema 03
Nı́vel C P3-3
~Erel = ~Eclass · f(θ), (3)
em que ~Erel e ~Eclass representam o campo elétrico nos casos relativ́ıstico e clássico, respectiva-
mente, e f(θ) depende do ângulo θ e da velocidade v da part́ıcula carregada.
B.6 Determine qual o fator f(θ). 1,0pt
B.7 Para quais valores de θ o módulo do campo elétrico ~E tem seu maior e
menor valor? Quais os valores das componentes do campo elétrico na
direção de movimento da carga Q (E‖) e na direção perpendicular (E⊥)
nestas situações?
0,5pt
B.8 Faça um diagrama esboçando as linhas de campo elétrico para uma
part́ıcula em movimento.
0,5pt
Além do campo elétrico, a carga Q em movimento é responsável por um campo magnético ~B
sobre a q.
B.9 Mostre que mesmo no caso relativ́ıstico os campos elétrico e magnético
estão relacionados por:
~B =
1
c
~v × ~E
1,0pt
Suponha agora que ambas as cargas estão em movimento no eixo x e com a mesma velocidade
v no referencial S. No caso relativ́ıstico, a expressão de Lorentz dada pela equação 1 continua
válida.
B.10 Determine a força eletromagnética sobre a carga q devido à carga Q.
Você pode expressar as componentes F‖ e F⊥ nas direções paralela e
perpendicular ao movimento das cargas, respectivamente.
1,0pt
B.11 Compare as expressões obtidas para a força eletromagnética para os
casos clássico e relativ́ıstico. Discuta os resultados obtidos.
0,5pt
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