Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA EMERSON DOS SANTOS BRAGA ELIENE COTRIM DANIELLE VITORIA BARBOSA EUGENIA E O PROJETO NACIONALISTA: A SEGREGAÇÃO RACIAL EM PROL DO AVANÇO REPUBLICANO SÃO PAULO 2019 1 EMERSON DOS SANTOS BRAGA ELIENE COTRIM DANIELLE VITORIA BARBOSA EUGENIA E O PROJETO NACIONALISTA: A SEGREGAÇÃO RACIAL EM PROL DO AVANÇO REPUBLICANO Artigo apresentado como requisito parcial à obtenção do título de licenciado em História pela Universidade Nove de Julho sob a orientação da Prof.(a) Dra. Enidelce Bertin. SÃO PAULO 2019 2 EUGENIA E O PROJETO NACIONALISTA: A Segregação racial em prol do avanço republicano. Emerson dos Santos Braga 1 Eliene Cotrim 2 Daniele Vitoria barbosa 3 RESUMO: Este presente artigo tem com objetivo analisar a inserção dos recém libertos na sociedade republicana. Tendo em vista que o racismo e preconceito racial ainda são pautas na sociedade atual, buscamos entender a narrativa da construção social Brasileira, analisando as políticas de segregação, e a concepção de um ideia de superioridade racial, assim como as mentalidades criadas a partir dessas práticas. Partindo desse contexto, utilizaremos como base deste artigo, uma revisão historiográfica que visa uma discussão crítica sobre o assunto. PALAVRAS- CHAVE: Eugenia, História do Brasil Republicano, Estereótipos, Racismo. ABSTRACT: This article aims to analyze the insertion of the newly freed in republican society. Given that racism and racial prejudice are still guidelines in today's society, we seek to understand the narrative of Brazilian social construction, analyzing the policies of segregation, and the conception of an idea of racial superiority, as well as the mentalities created from these practices. From this context, we will use as base of this article, a historiographical revision that aims a critical discussion about the subject. KEY-WORDS: Eugenics, History of republican Brazil, Stereotypes, Racism. Introdução: A constituição da sociedade brasileira iniciou-se a partir de um sistema colonial e escravocrata. Em meio a esse processo, a inserção do escravizado contribuiu para construção de uma cultura pluralizada e rica em diversidade 1 Discente do curso de Licenciatura plena em História, da Universidade Nove de Julho. 2 Discente do curso de Licenciatura plena em História, da Universidade Nove de julho. 3 Discente do curso de Licenciatura plena em História, da Universidade Nove de Julho. 3 composta por uma sociedade miscigenada, pautada na submissão e na superioridade de um grupo sobre o outro. Subjugados como um mero produto mercantil, os escravizados tornaram -se peças na engrenagem do sistema colonial, vistos apenas como “máquinas de trabalho” braçal, sendo uma moeda valiosa para a elite. Sem percepção própria, sem humanidade, sem história, e por esses motivos passíveis de escravização. Indolente, problemático, Incapaz, o termo africano ganha um novo termo “Negro”, atribuindo um ar de inferioridade. (Hernandez, 2005) 4 Após a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, os exs cativos não conquistaram de fato sua emancipação, eram livres perante a lei, porém sem qualquer respaldo governamental. O preconceito e racismo tornaram-se frequentes, o que acabará por os deixar -los à margem da sociedade , uma vez que para a elite eram vistos como seres inferiores, essa mentalidade influenciou diversas ações de exclusão, dentre elas a aplicação da eugenia, nosso objeto de pesquisa neste trabalho. Seguindo o modelo de sociedade europeu, visava- se uma modernização rápida, o que desempenhou no imaginário nacional, o conceito de um ideal de progresso pautado na narrativa europeia. Algo inviável se considerar a composição da sociedade brasileira, porém amplamente disseminada por uma elite, que pouco representa a massa populacional. A eugenia ganhou popularidade na europa, justamente por ir de acordo com os ideais burgueses, era uma forma de legitimar cientificamente a superioridade hereditária. Para os europeus, a miscigenação era um fator negativo, que impedia o pleno desenvolvimento da sociedade. De acordo com seu criador, o médico inglês Francis Galton , a eugenia seria o estudo dos 5 aspectos físicos que poderiam aprimorar ou piorar a raça humana. A teoria foi amplamente adotada pela elite intelectual brasileira, justamente por seu contexto de aprimoração, que juntamente com a higienização e o sanitarismo serviriam para uma divisão da sociedade, selecionando os aptos, no geral os bem nascidos, e 4 HERNANDEZ, Leila. A África na sala de aula: Visita à história contemporânea. São Paulo:Selo Negro, 2005. 5Francis Galton, médico inglês. Nasceu em Birmingham, Inglaterra. É Conhecido como pai da eugenia, estudou Medicina em Cambridge (Inglaterra). Após a morte de seu pai, herdou sua fortuna o que possibilitou o investimento total em sua teoria. IN “Biography of Francis Galton, <www. galton.org> 4 excluindo os não aptos, no geral escravos e mestiços, visando atingir a superioridade social. O objetivo deste artigo parte da intenção de entender o processo eugênico aplicado ao Brasil, compreendendo o funcionamento e sua influência sobre um grupo social. Para tanto, partimos de uma revisão bibliográfica estabelecida como base para traçar um panorama sobre o assunto, constituindo uma pesquisa crítica sobre a eugenia. Dentre as fontes utilizadas para base teórica deste artigo, estão o trabalho da Historiadora Pietra Diwan , que visa em seu livro “Raça pura”, destrinchar a 6 história da eugenia no mundo e principalmente no Brasil, também questionando os motivos pelo qual o Brasil aderiu a uma teoria tão contraditória ao seu passado histórico. Em complemento ao trabalho de Diwan, usaremos os livros “Espetáculo das raças” e “Nem Preto, Nem Branco”, da historiadora Lilia Moritz Schwarcz , no 7 primeiro livro Lilia define o Brasil como um grande “Laboratório racial” constituído por uma terra pluralizada, uma raça híbrida e uma rica diversidade cultural, porém essa mesma sociedade exclui uma parcela da população, usando as ideias eugênicas para legitimar -las como uma ameaça ao progresso republicano. Ainda para contribuir com a base teoria, temos a visão da historiadora Nancy Stepan , que 8 discorre em seu livro “Hora da Eugenia, sobre a aplicação da eugenia na América Latina como todo, explicitando as políticas de exclusão direcionadas aos negros, indígenas e pobres, estabelecendo um controle racial e social, e dificultando a imigração. Por fim, temos o trabalho do sociólogo Paulo Ricardo Bomfim , explicitando em seu 9 livro “Educar, Higienizar e Regenerar”, a aplicação da eugenia voltada para a educação pública, usada para “Moldar” o cidadão desde sua base de acordo com pensamento republicano, expressando pela superioridade e a mentalidade do progresso. 6 Pietra Diwan, Historiadora. Possui mestrado e doutorado em História Socialpela PUC- SP, especialista no século XX, trabalha as relações entre o corpo e a história. 7 Lilia Moritz Schwarcz, Historiadora. Possui mestrado em Antropologia Social pela Unicamp e doutorado em Antropologia Social pela USP. Atualmente é professora titular do departamento de Antropologia da USP. 8 Nancy Stepan, Historiadora. Professora de História na Universidade Columbia, EUA. Conhecida por sua pesquisas em História, eugenia e saúde pública. 9 Paulo Ricardo Bonfim, Sociólogo. Mestre em educação pela USF, Especialista em História,Sociedade e cultura pela PUC-SP. Pesquisador na área de educação focado no estudo relativos a educação brasileira, política educacional e gestão escolar. 5 O Conceito da Eugenia Purificar a raça. Aperfeiçoar o homem. Evoluir a cada geração. Se superar. Ser saudável. Ser belo. Ser forte. Todas as afirmativas anteriores estão contidas na concepção de eugenia. Para ser melhor, o mais apto, o mais adaptado é necessário competir e derrotar o mais fraco pela concorrência. Lutas de raças. Para a política, lutas de classes. A teoria da eugenia nasceu como a salvação de uma sociedade 10 em crise, era preciso legitimar a ideia do escolhido por deus, mentalidade que se mantinha, desde a era medieval, pautado na ideia de superioridade hereditária. A eugenia pode ser definida de acordo com a historiadora Nancy Stepan, como um movimento pelo “Aprimoramento” da raça humana, pela preservação da “Pureza” de determinados grupos.(STEPAN,2005). A eugenia baseou -se na mentalidade 11 construída desde a antiguidade, e que já estava enraizada no pensamento ocidental, os ideais eugênicos estão pautados no padrão de perfeição grega, nas concepções de força do exércitos romanos, sempre próximos a imagem de deuses. Usado para legitimar a teoria, a “Árvore da eugenia”, era o símbolo que representava a evolução humana,como uma árvore, a eugenia extrai sua matéria- prima de diversas fontes e as organiza em uma entidade harmoniosa. 12 Representação da árvore pode ser entendida como uma alusão ao ciclo da vida , nascemos com uma semente que germina, cresce e morre, deixando na terra outras sementes, que então darão continuidade ao ciclo. Essa noção de linearidade está inserida na sociedade ocidental, pautada, em sua grande parte, nas narrativas religiosas e científicas. A árvore expressava a narrativa eugênica de superioridade, o quão saudável ela esta, maiores as chances de longevidade, isso liga a vida humana, a perfeição está ligada ao êxito. A ideia de longevidade não é exclusividade dos eugenistas,e tão pouco nasceu com a teoria, a Santa Inquisição 13 10 DIWAN, Pietra. A Eugenia e sua genética histórica: A gênese de uma pseudociência. IN.Raça Pura: Uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto, 2007. P.21. 11 STEPAN, Nancy. Ciência e conhecimento social. IN. A Hora da Eugenia: Raça, Gênero e nação na América latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. P.9. 12 DIWAN, Pietra. Eugenia, o último tabu do século XX. IN. Raça Pura: Uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto, 2007. P.14. 13 Chamada também de Santo Ofício. Era uma Instituição formada pela tribunais da Igreja Católica, que perseguia, julgava e punia as pessoas acusadas de desviar-se das normas de conduta, condenados à decapitação ou a morte em fogueiras. 6 também foi uma forma de exterminar em busca da superioridade, porém ligada a ideia de “Vontade divina”, uma vez que ser diferente em tempos medievais era sinônimo de possessão, bruxarias ou heresia, passíveis sempre de condenações, muitas vezes em fogueiras. A inquisição em termos de extermínio, é quão ou mais cruel que o Nazismo , esse pautado de fato na ideia eugênica, se pensarmos que 14 na era medieval tudo era pautado em uma superioridade, ou seja, pela “Vontade divina”, ou pela hereditariedade, o poder de um grupo sobre o outro, só ajudou legitimar o que viria a ser a ideia eugênica. Francis Galton e a Eugenia Eugenia, deriva do grego “eugen-s” (Bem - nascido), palavra inventada por Francis Galton em 1883, para representar as possíveis aplicações sociais do conhecimento da hereditariedade para obter -se uma desejada “Melhor reprodução”. (Stepan, 2005). Galton foi fundamental para formulação da eugenia, que buscava melhorar o estoque humano e impedir a degeneração do potencial genético, introduzindo a própria palavra eugenia na Faculdade humana, e foi fundamental para popularizar a noção entre os cientistas e intelectuais de sua época . 15 Francis Galton (1822 -1911), era um legítimo homem vitoriano, de origem aristocrata, membro de uma família burguesa próspera da cidade de Birmingham (Inglaterra), suas ideias estavam de acordo com pensamento da época, pautavam -se no Darwinismo Social que ganhava notoriedade na sociedade inglesa do fim do século XIX, especialmente após o lançamento do livro em “A Origem das Espécies” de Charles Darwin, primo de Galton . O parentesco de Darwin e Galton, ajudou na 16 elaboração da teoria, amplamente apoiado por seu primo, buscando legitimar a melhoria da raça humana, empenhado em provar seu dever com a ciência, Galton pautou boa parte de seu currículo na missão de melhorar o gene humano, para 14 O Partido Nacional - Socialista, ou Nazismo, surgiu na Alemanha após o final da Primeira Guerra Mundial, com a chegada de Adolf Hitler ao poder. 15 Trecho da revista “American Journal of Sociology”. volume X, Junho de 1904: Número 1. IN “Eugenicist”, <www.galton.org> 16 Francis Galton era filho de Samuel Tertius Galton (1783 - 1844) e Frances Ann Violeta Darwin (1783 - 1874). Sua mãe era neta Erasmus Darwin,que por sua vez era avô de Charles Darwin, estabelecendo o parentesco entre Galton e Darwin. IN. “Ancestry of Francis Galton”, <www.galton.org> 7 http://www.galton.org/ http://www.galton.org/ Galton, a teoria poderia se converter em uma espécie de religião. Trazer para o mundo social as características da natureza e da vida animal a fim de aperfeiçoar a humanidade como se fossemos “Cavalos”, era uma teoria bem aceita na época. 17 Aproximação de Darwin e Galton não foi duradoura, uma vez que a interferência de Galton nas teorias de Darwin, causou a separação dos primos. Galton, criou uma técnica de análise chamada “Retratos Compostos”, que tinha como objetivo definir os padrões da personalidade através da características fisionômicas para entender a população. 18 Contra o Casamento originados “por gosto” ou seja, pelo amor, Galton defende no manifesto “Hereditary Improvement” de 1873, que o valor de uma raça é mais importante que sua educação e o meio ambiente, legitimando a ideia de que os não aptos não poderiam se reproduzir, pois poderiam pôr em risco a evolução da sociedade. Para a historiadora Nancy Stepan, a eugenia encorajou a administração científica e “racional” da composição hereditária da espécies humana. Introduziu também novas ideias sociais e políticas inovadoras potencialmente explosivas - com a seleção socialdeliberada contra os indivíduos supostamente “inadequados”, incluindo-se aí cirurgias esterilizadoras involuntárias e racismo genético. (Stepan, 2005) É inegável que Francis Galton tornou -se o pai da eugenia, porém somente após sua morte em 1912, a teoria foi verdadeiramente levada em consideração na Inglaterra, já sendo amplamente adotada em terras norte americanas, atingindo status de ciência, ou de praticamente de uma religião, como Galton já esboçava o desejo de ser,porém,ainda não transformado em lei, como exemplo dos Estados unidos, que já em 1907, criou sua primeira lei de esterilização. A Inglaterra não via a necessidade de usar a teoria em forma de lei, apesar de já ser amplamente adotada por biólogos para resolver os problemas da sociedade. A eugenia chegou ao poder e foi usada como arma política de disseminação social e limpeza étnica. Alemanha,Estados Unidos e Escandinávia, seu maiores executores, 17 DIWAN, Pietra. Raça Pura: Uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo:Contexto, 2007. P.47. 18 DIWAN, Pietra. Raça Pura: Uma história de eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto, 2007. P.43. 8 mas os cinco continentes se renderiam à ciência da boa linhagem. (DIWAN, 2007). 19 “A eugenia pode ser definida como ciência que trata daquelas agências sociais que influenciam, mental ou fisicamente, as qualidades raciais das futuras gerações” (Galton, 1906. P.3. Nota) A genética e a eugenia, por exemplo, criaram e deram significado científico e social a novos objetos de estudo, como os indivíduos ou grupos supostamente inadequados hereditariamente (ou “disgênicos”) que constituíam populações humanas particulares. Nesse sentido, a ciência é vista como uma força produtiva que gera conhecimento e práticas que conforma o mundo que vivemos (Nancy, 2005) . Ao criar a eugenia, Galton procurou estabelecer um método científico de 20 controle das médias populacionais e sociais, com ele visava -se uma política de esterilização, restrição e limpeza, que seria usada como base, posteriormente, no governo extremista de Hitler e no Brasil como parte da construção de uma nova 21 nação, o que trataremos com maior profundidade nas próximas páginas. As condições de saúde provocadas pelo crescimento urbano, a industrialização, as péssimas condições de bairros operários e a proliferação de doenças, contribuíram para que a teoria de Francis Galton, fosse aceita por biólogos e intelectuais , a busca pelo “Melhor do ser humano”, faria a eugenia torna-se grande trunfo da sociedade moderna. Eugenia como arma ideológica, política e social. A eugenia tornou -se uma poderosa arma a favor da ideologia. “Hereditarizar” os comportamentos negativos tornou-se uma norma entre biólogos para resolver todos os problemas sociais em diversos países. O que se pode perceber, é que apesar 22 de amplamente defendida, a teoria não foi usada de forma homogênea em todos os 19 Raça Pura: Uma história de eugenia no Brasil e no mundo. P. 46 20 Hora da Eugenia: Raça, Gênero e nação na América Latina. P.17 21 Adolf Hitler (1889 -1945), Chanceler da Alemanha, chegou ao poder através do Partido Nacional Nazista, estabelecendo um governo ditatorial. 22 “Super Homem” no poder. IN Raça Pura: Uma história de eugenia no Brasil e no mundo. P.47. 9 lugares onde foi aplicada, se desenhando de diferentes formas de acordo com o país ou a época, alguns de forma mais amena, outros de modo radical. A ideia eugênica moderna se baseia em modelos políticos e filosóficos, legalizada em diversos países, por ir de acordo ao seus sistemas democráticos tradicionais. A eugenia estava ligada a conjunto de diferenças de sexo e gênero, a história frequentemente mencionam as relações da eugenia com as mulheres, mas consideram que esta relação era, geralmente, mais de passagem que um tema central. (STEPAN, 2005. P.17) A primeira lei de esterilização foi implantada no Estados unidos em 1907, seguindo o ideal de melhoria da raça, sob o pretexto de ser necessário a busca pelo ser humano perfeito. O modelo eugênico norte americano serviu como exemplo para Alemanha nazista, o difundindo de em uma escala jamais vista antes na história, a proposta incluía não sou a melhoria da raça, como o extermínio de qualquer um considerado não apto, dentre elas a deliberidade mental, esquizofrenia, psicopatia, epilepsia, cegueira e a surdez hereditária, assim como as posições políticas e crenças religiosas. As ideias eugênicas já estavam enraizadas na Alemanha, bem antes do Nazismo, passando por momentos distintos de sua história, porém somente com a chegada de Hitler ao poder, que ela ganhou proporções de atrocidade, a experiência do Nazismo serviu como exemplo histórico de onde a teoria eugênica pode chegar, em prol de uma melhoria racial, fazendo com que a teoria entrasse em declínio. Em meio a esse contexto, a teoria eugênica chegou ao Brasil recebida com grande entusiasmo por ir de acordo com o pensamento progressista republicano. Pensamento que já vinha sendo construído desde a entrada da república, a premissa era repetir o modelo de sucesso europeu em terras tupiniquins. De outro lado, porém, devido a sua interpretação pessimista de mestiçagem, tais teorias acabavam por inviabilizar um projeto que mal começara a se montar. 23 23 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo da miscigenação. IN. O espetáculo das Raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870/ 1930. São Paulo: Cia das Letras, 1993. P. 24. 10 Era inviável para um país como o Brasil aderir a tal teoria, visto que sua mestiçagem iria de desencontro com a ideia de “Embranquecimento” defendida pela elite dominante. Raça no Brasil nunca foi um termo concreto, variando de acordo com a imagem expressada pela época, em certos momentos positivamente , em outros momentos negativamente, segundo o pensamento republicano, a miscigenação brasileira fadava o país ao fracasso. Foi no final do século do XIX, que os teóricos do darwinismo racial fizeram dos atributos externos e fenótipos elementos essenciais, definidores de moralidade e do devir dos povos. Vinculados e legitimados pela biologia, a grande ciência deste século , os modelos darwinistas sociais constituíram -se em instrumentos eficazes para julgar povos e culturas a partir de critérios deterministas. (Moritz, 2012. P. 20) 24 Apesar de estar em declínio em boa parte da Europa, a eugenia parecia viável para Brasil. Era preciso algo que viesse de encontro ao pensamento progressista, seria preciso salvar o país do fracasso, cenário hereditário de anos de mestiçagem. Com a entrada da república, a ideia era que o Brasil se desligasse do passado colonial rumo a modernização, imprimindo um modelo europeu de sociedade. Para Nancy Stepan, eventual entusiasmo pela eugenia manifestados por médicos, cientistas e higienistas tem de ser visto como o apogeu de um longo processo de transformação intelectual e social que se desenhou ao longo do século XIX . 2524 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O laboratório Racial Brasileiro. IN. Nem preto, Nem Branco, muito pelo contrário: Cor e Raça na sociedade Brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012. P. 20 25 STEPAN, Nancy. Hora da Eugenia: Raça, gênero e nação na América Latina. P. 29. 11 Eugenia no Brasil A historiadora Nancy Leys Stepan, dedicou -se a estudar a relação da América latina com a eugenia. Sobre o Brasil, a autora aponta que o clima tropical predominante e sua população mestiça, seria de acordo com pensamento europeu uma terra disgênica, porém mesmo com esse cenário inviável, o país não ficaria de fora do movimento eugênico. Já em 1870, os jornais produzidos pelas Faculdades de Medicina, já pregavam uma higienização para sociedade brasileira, porém não havia de fato o contato com essa narrativa, que ainda se restringia aos setores acadêmicos onde a ideia eugênica já começava a ser difundida,porém conhecida sob o nome de Higienização. “Conflitos familiares, educação sexual, exames e atestados pré nupciais parecem ser assuntos que mais interessam aos eugenistas brasileiros, enquanto a genética,a seleção natural e social são bastante negligenciadas. A abordagem é mais sociológica que biológica”. (TROUNSON, 1931,apud, STEPAN,2004. p. 345 ) 26 A década de 70 é entendida com um marco para a história das idéias no Brasil, uma vez que Representa o momento de entrada de todo um novo ideário positivo- evolucionista em que os modelos raciais de análise cumprem um papel fundamental. Era um período de fortalecimento dos centros de ensino, surgimento 27 de faculdades, museus e institutos de pesquisas, estabelecendo novos modelos de análise, por outro lado a escravidão entrava em declínio, com a Lei do Ventre livre assinada 1871 , que viria culminar o surgimento dos movimentos abolicionistas, 28 que posteriormente influenciaram a abolição da escravidão no Brasil. 26 STEPAN,Nancy. Eugenia no Brasil, 1917 - 1940. IN. HOCHMAN,G., ARMUS, D. orgs. Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América latina e Caribe. Coleção História e Saúde. Rio de janeiro: Fiocruz,2004. P.345. 27 SCHWARCZ,Lilia Moritz. O Espetáculo da Miscigenação. IN. O Espetáculo das Raças: São Paulo: Cia das Letras, 1993. P. 19 28 Assinada em 28 de setembro de 1871, A Lei do Ventre Livre é considerada um marco no processo de abolição da escravidão no Brasil. Qualquer gestão a partir daquela data, o bebê nasceria livre, a lei em questão não se aplicava às crianças, essa ainda continuariam sob a condição de cativo. IN. <Arquivonacional.gov.br/736-lei-do-ventre-livre> 12 Em meio a esse turbilhão, as teorias raciais ganharam força com uma elite que via o progresso de acordo com sua ótica, direcionando - as favor de seus interesses. O pensamento republicano quanto a nossa identidade eram baseadas em interpretações racistas do Brasil vindas de fora, o país era fortemente influenciado por essas narrativas. A visão europeia sobre o Brasil, era de um país degenerado, decorrente de um cruzamento promíscuo, produzindo assim um povo instável e incapaz de chegar a um progresso. A autora Nancy Stepan, disserta em seu trabalho “Eugenia no Brasil” (2004), as palavras do eugenista Britânico K. E. Trounson sobre o movimento eugênico Brasileiro: “Aparentemente os brasileiros interpretam a palavra [eugenia] de forma menos estrita que nós e fazem -na cobrir muitas coisas que chamariamos de higiene e sexologia elementar (Sic), e não se traça uma distinção muito clara entre as condições congênita devidas a acidentes pré natais e doenças estritamente genéticas” (TROUNSON,1931, apud, STEPAN, 2004. P. 345 ) 29 As expectativas de progresso nacional inspirada pelo advento da República frustravam -se num regime que em muitos aspectos pouco representou de mudança a maioria da população, alijada, como sempre, dos espaços de articulação política, não obstante o caráter “Livre” e “democrático". Sérgio Buarque de 30 Holanda, discute em Raízes do Brasil, os moldes que nos tornaram, um país onde a democracia era vista como um “lamentável mal entendido”, indo de encontro aos interesses de uma aristocracia focada apenas na manutenção dos privilégios. Não por mera coincidência, o hino da república, criado em 1890, ecoava orgulhosamente: “Nós nem cremos que escravos outrora, tenha havido em tão nobre país” , apesar de recente, já acreditava- se que a escravidão seria passível 31 de esquecimento. 29 STEPAN,Nancy. Eugenia no Brasil, 1917 - 1940. IN. HOCHMAN,G., ARMUS, D. orgs. Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América latina e Caribe. Coleção História e Saúde. Rio de janeiro: Fiocruz,2004. P.345. 30BONFIM,Paulo Ricardo. Educar, Higienizar e Regenerar: Uma História da Eugenia no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2017. P. 35. 31 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem Preto,Nem Branco, muito pelo contrário. P.22 13 O palimpsesto social brasileiro: Deixando passado colonial rumo ao futuro cosmopolita. “O Brasil quer crescer, quer progredir, quer desenvolver-se, quer multiplicar -se , quer expandir -se, quer ocupar o lugar de destaque no convívio internacional. Isto é quer ocupar posição de real prestígio, de grande validade e notória capacidade no concerto das nações.” (Olegario de Moura. Vice - Presidente da Sociedade Eugênica de São Paulo - 1919) 32 A tentativa de apagar seu passado, renegar anos de escravidão e aqui construir uma nova terra, essa agora, pautada em um modelo europeu, fez com a eugenia ganha-se adeptos entre a elite intelectual brasileira. Identificados pela ideia de progresso e envoltos nas promessas expressadas pelo discursos eugênicos sobre um melhoramento racial, que seria perfeito para um país sem identidade e que precisava urgentemente evoluir, mesmo que fosse às custas de uma reformulação incompatível com a grande massa. A apropriação da eugenia por intelectuais brasileiros, face ao contexto apresentado, e a maneira como a educação foi aquilatada e ressignificada pelo adeptos dessa novidade científica , eram 33 perfeitamente compreensíveis com a mentalidade progressista da época. Com as concepções dos europeus acerca do empecilho do desenvolvimento do Brasil, a intelectualidade brasileira percebeu a necessidade de criar-se uma concepção sobre o Brasil. Com inspiração em Augusto Comte e sua ideia de sociedade organicista, buscavam sempre o melhor funcionamento da sociedade baseado na racionalidade, a partir de uma visão “laica, disciplinar e anticlerical”. Essa concepção é perceptível na frase “Ordem e Progresso” que até hoje (2019) estampa a bandeira nacional. O Brasil precisava se modernizar, para entrar no 34 mapa do mundo contemporâneo, precisava ser visto e reconhecido como uma nação, deixando o status de colônia para tornar-se uma terra cosmopolita. 32 MOURA, Olegário. Saneamento, Eugenia e Civilização. IN Annaes de Eugenia. Sociedade Eugênica de São Paulo, 1919. P. 82 -90. 33 BONFIM,Paulo Ricardo. Educar, Higienizar e Regenerar. P. 58. 34 DIWAN, Pietra. Raça Pura: Uma História de Eugenia noBrasil e no mundo. São Paulo, Contexto, 2007. 14 Com a abolição revolucionou-se cenário nacional, sendo a primeira decisão governamental em prol do bem da população. Assinada em 13 de maio de 1888, pela então regente, princesa Isabel, a lei dava tão sonhada liberdade para cerca de 700 mil escravos, que se viram livres de sua servidão. Jornais louvavam a lei, Muitas páginas foram escritas em sua comemoração. Nas ruas, a população celebrou ruidosamente a emancipação dos escravos . O Brasil tornava -se uma 35 país de pessoas livres, a escravidão havia sido abolida e a princesa Isabel ovacionada com a heroína do povo. Na manhã do 14 de maio, o jornal Diário Popular estampava em sua capa em grandes letras garrafais , a manchete “A Lei Áurea” seguida de trechos da lei e um texto que explicava o leitor as causa que o que mudaria com entrada da lei: “Desde ontem nos transmitiu o telegrapho a íntegra do decreto que sancionou a lei da extinção do escravos: Decreto n. 9353, de 13 de maio de 1888, que extingue a escravidão no brasil. A princesa Isabel regente, em nome do imperador o sr. D. Pedro II, há por bem sancionar e mandar que se execute a seguinte resolução da Assembleia Geral: Art 1: É declarada, da data presente em lei, a extinta a escravidão no Brasil. Art 2: Revogam -se as disposições em contrário - Rodrigo Augusto da Silva, do conselho de sua magestade o imperador [...] assim tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em treze de maio de 1988 - por Isabel Princesa Imperial Regente. Bem raro, em nossa terra, o poder executivo é como agora, mero executor de um poder do povo. E trata -se da Lei Áurea, a grande lei regeneradora, a que a um tempo resgatar do cativeiro a raça malsinada, e ergue o país da aviltante ignomínia. (Américo Campos. Jornal Diário Popular. São Paulo, 14 de maio de 1888. Ano. IV. N. 1048 ) 36 35 COSTA, Emília Viotti. A Abolição. 9 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2010. P.10 36 Capa do jornal Diário Popular, Hoje Diário de S. Paulo. CAMPOS, Américo. A Lei Áurea. Diário Popular. São Paulo, 14. Maio. 1888. Ano. IV. N. 1048. 15 Dessa forma, por simples ato legislativo endossado pela coroa e aclamado pela grande maioria da população, eliminava -se uma instituição que vigorava por mais de três séculos . Acreditava -se que com o fim da abolição, a mesma seria 37 facilmente esquecida, o negro tornou -se “ livre” mas esta liberdade veio com o nascimento de um discurso etnológico que o encaixava em um “novo rótulo”, passava de escravo para alcunha de negro, isto é, uma nova denominação que apenas serviria para continuar o inferiorizado perante ao restante da sociedade. As antigas “máquinas de trabalho”, passaram a “objetos de ciência” de uma sociedade que os via como uma ameaça ao progresso, sua presença era sinônimo de um retrocesso inviável aos planos de elite, que desejava ser aceita em meio ao mundo cosmopolita. Parte da sociedade, principalmente para fazendeiros e donos de terras, a abolição não foi recebida positivamente. O fim da escravidão, foi sinônimo de ruína para os donos de terras, perdendo sua principal fonte de lucro, o que causou revoltas contra o governo, esperavam ressarcimento pela perda da mão de obra escrava. Os ex escravos foram abandonados à sua própria sorte. Caberia a eles, daí por diante, converter sua emancipação em realidade. Se a lei lhes garantia status de homens livres, ela não fornecia meios para tornar sua liberdade efetiva (Viotti, 2010) Largados à própria sorte, sem educação ou recompensa, os ex cativos juntaram se as correntes migratórias dos pobres sem profissão que fugiram para as cidades. Porém, com os planos de modernização urbana, facilitou -se a entrada de imigrantes europeus, em sua grande maioria italianos, a partir de 1890, o que tornava ainda mais difícil a inserção dos ex cativos no cenário industrial que nascia com a abertura da republica. Como o caso de São Paulo, o principal destino dos imigrantes italianos, que pulou de 129 mil habitantes em 1883, para 240 mil em 1900, um aumento de quase 100% em 7 anos . Na abertura da republica, as 38 cidades ganham status de metrópole, se despedindo do passado colonial e monárquico. São Paulo, passa a concentrar o capital econômico, enquanto o Rio se concentrar a reforçar o status de capital, algo que já vinha desde 1808 quando passou a sediar o império português. O Brasil se abriu para uma revolução, 37 COSTA, Emília Viotti. A Abolição. P. 11. 38STEPAN, NL. Eugenia no Brasil, 1917-1940. P. 336 16 favorável a elite, uma vez que a modernização trouxe aos grande centros, iluminação nas ruas, avenidas arborizadas, saneamento básico e transporte de ponta, já para os pobres e ex cativos sobrou apenas moradias de condições insalubres, empregos com baixos salários e nenhuma condição de acesso à educação e saúde. Enquanto para elite, o acesso a educação era facilitado, aos pobres, o abismo era imenso, estudar no brasil na época era apenas para quem tinha posses. Com o intuito de segregar a educação de acordo com suas posses, surgiram no Brasil as primeiras instituições de ensino, a Escola Normal da Praça em São Paulo e o colégio Dom Pedro II no Rio de Janeiro, dois exemplos de um modelo de ensino que prezaria a posse em prol de criar uma geração educada a partir de um abismo social, que separaria a criança pobre e/ou negra, da criança branca de classe média. Surgiram assim as primeiras cartilhas com cunho eugênico, que ensinavam as crianças que ser branco era o certo, ser negro não. Higienizar ou eugenizar a população já era nos primeiros anos do século XX prioridade governamental apoiada pela elite intelectual republicana. “Concebido como célula mater do aparelho escolar paulista, e por extensão, da própria sociedade, o edifício da Escola Normal da Praça torna -se o padrão a ser adotado na construção dos grupos escolares e escolas normais do estado de São Paulo, na virada do XIX para o XX” (Monarcha, 2016. P. 98 ) 39 Antes mesmo de considerar o fator financeiro aliado a cor da pele para segregar a população, a miscigenação, já era pauta entre os intelectuais brasileiros, a prova disso é o quadro do pintor espanhol Modestos Brocos, ”A Redenção de Cam” retratando o embranquecimento através das gerações,expressando a ideia que já vinha sendo construída, de que a parcela negra da população seria nociva para brasil. Observado com cuidado pelo viajantes estrangeiros, analisado com ceticismo por cientistas americanos e europeus interessados na questão racial, temido por 39 MONARCHA,Carlos. Arquitetura escolar republicana: A escola normal da praça e a construção de uma imagem de criança. IN: FREITAS, Marcos Cezar (org) História social da infância no Brasil. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2016. 17 boa parte da elite pensante local, o cruzamento de raças era entendido, como efeito, como uma questão central paraa compreensão dos destinos da nação . 40 A definição de cor pode variar de acordo com seu grau de instrução ou de onde você vem, isso já era visto desde meados do século XIX. Segundo a Historiadora Enidelce Bertin , um problema comum antes da abolição era a variedade de termos 41 para definição da cor da pele, podendo ser norteada pela condição social, uma vez que tonalidade da pele poderia definir uma maior ou menor proximidade com a condição de liberto. Quanto maior era a aproximação com uma condição social favorável, mais o tom de pele poderia ser definido como pardo, algo que poderia em tese “retirar” alguém da condição de escravo. Já para a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, assim que constatou -se que o brasil era de fato um país mestiço e negro, preferiu-se simplificar os termos relacionados a cor no censo demográfico, retirando a denominação nas pesquisas realizadas , mesmo que censos tenha 42 sido realizados periodicamente, o item “Cor” não era levado em consideração. “Historicamente, a formação na nação se constituiu em problema para os segmentos dominantes, sobretudo, a partir do século XIX, período de formação do Estado Nacional e após a República em 1889. A forte presença dos africanos escravizados no interior da sociedade brasileira de então se chocava com os preceitos ditados pelos pensamentos eugenistas que vigorava no Brasil em formação. (MENEZES, 2018. P. 35) Eugenia e a Regeneração Nacional Quatro fatores fizeram com que a elite republicana embriaga-se com as ideias eugênicas. O primeiro fator era aliado ao ideal de patriotismo e a tentativa de modernização das cidades, o que fez com que o Brasil estivesse mais próximo dos assuntos internacionais, despertando entre a elite intelectual republicana o interesse pelos ideais eugênicos. A imagem de “limpeza racial” expressadas na teorias de 40 SCHWARCZ,Lilia Mortiz. O espetáculo das raças. P. 18. 41 BERTIN, Enidelce. Relações escravistas, relações de gênero e as cartas de liberdade. IN. Alforrias na São Paulo do século XIX: Liberdade e dominação. P. 113. 42 SCHWARCZ, Lilia Mortiz. Nem Preto, Nem Branco, muito pelo contrário. P; 97. 18 Francis Galton e difundida massivamente pela europa, era viável ao pensamento republicano brasileiro como solução as mazelas trazidas pela miscigenação, a tal limpeza sócio - racial remete também ao modo como deveriam agir os eugenistas, esfregando, torcendo e branqueando os corpos do povo brasileiro, como se fossem roupas sujas . 43 O segundo fator é era o imaginário internacional sobre o Brasil. A situação racial do Brasil no início do século XX, era de uma nação racialmente híbrida composta pela mistura de negros, indígenas e imigrantes europeus, que ao ver estrangeiro tornava o país uma terra de degenerados, socialmente instável e incapaz de progressão . 44 O terceiro fator, era a situação da ciência brasileira, éramos uma nação subdesenvolvida percorrendo o caminho de uma possível modernização, composta por uma população massivamente analfabeta e pobre, detentora de uma economia instável, e uma elite que que vivia em paradoxo fora da realidade nacional, tudo isso era aliado um fraco mercado de pesquisa científica, que se restringia em grande parte as escolas de medicina. O quarto e último fator, foi a adesão brasileira a primeira guerra mundial, que em tese trouxe valores antes não imprimidos na sociedade. O patriotismo, a ordem, a disciplina e a supremacia racial passaram a fazer parte do imaginário da elite brasileira. Para Nancy Stepan, a Eugenia brasileira se difere cientificamente e ideologicamente da Eugenia Nazista, norte americana e britânica. A variante brasileira, e que se espalhou também por toda a América Latina é derivada das concepções neolamarckianas . (STEPAN, 2004). 45 A ciência brasileira deriva da francesa, e na aplicação do aspectos eugênicos não houve diferenças entre as duas. Isso fica claro durante a primeira reunião da Sociedade eugênica de São Paulo , onde a pauta do ato foi inspirado 46 massivamente no modelo de sociedade francesa, assim como em outros aspectos da sociedade, se pensarmos que a reformulação urbana também inspirou -se no 43 DIWAN, Pietra. O Paradoxo Tupiniquim. IN. Raça Pura: uma história de eugenia no Brasil e no mundo. P.87. 44 STEPAN, Nancy. Eugenia no Brasil, 1917 - 1940. Rio de Janeiro: FioCruz, 2004) 45 A teoria neolamarckista de Edward Cope operava com um mecanismo alternativo à seleção natural. Acréscimos ou decréscimos dos estágios ontogênicos produziram características que poderiam ser geradas e integradas ao organismo por meio da herança de caracteres adquiridos. 46 Fundada em 1918, a Sociedade Eugênica de São Paulo, foi a primeira do gênero da América Latina. Sob a liderança de Renato Kehl, o principal propagandista da eugenia no Brasil, a Sociedade reuniu mais de uma centena de associados, a maioria formada por médicos de São Paulo e Rio de Janeiro. 19 https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeiro_(estado) modelo de sociedade francês. O modelo de sociedade francês iria de acordo com a moralidade da elite republicana, enxergando na regeneração racial uma aliada a doutrina católica praticada e pregada na sociedade da época. Sendo o primeiro, e maior propagandista da eugenia no brasil, Renato Kehl começou a organizar 47 reuniões, já em meado da década de 10, com médicos e cientistas objetivando discutir as teorias eugênicas de Francis Galton, assim criou em 1918, a primeira sociedade eugênica brasileira. Além de Kehl, diversos médicos foram inspirados pelo movimento internacional eugênico, passando a se envolver fervorosamente em defesa de uma pureza de raça no Brasil. Em meados da primeira década do século XX, o Rio de Janeiro passava por um período de turbulência. A então capital federativa, vivia sua primeira revolta contra as políticas públicas de Reformulação Urbana, a chamada Revolta da vacina era 48 uma resposta do povo para a campanha de vacinação compulsória contra proliferação varíola, proposta pelo médico e sanitarista Oswaldo Cruz e aprovada 49 pelo governo de Pereira Passos , Vacinar -se era visto com uma violação, porém 50 apesar das revoltas, para os médicos e sanitaristas uma coisa era certa: a emergência em curar um país enfermo. Para tornar o estado saudável, seria necessário extirpar todos os resquícios de nossa miscigenação. Civilizar nossa herança indígena, roubada pelos portugueses, e branquear nossa herança negra, desprezada após abolição da escravidão, em 1888 . Segundo o historiador Nicolau 51 Sevcenko, o regulamento proposto pela campanha de vacinação compulsória, era rígido impondo vacinações obrigatórias desde recém nascidos até idosos, ameaçando quem não às tomasse com demissões e multas. O objetivo era uma 47 Renato Ferraz Kehl foi farmacêutico, médico, escritor e um influente eugenista brasileiro de início do século XX, o principal disseminador das teorias eugenista no Brasil. 48 Revolta popular em resposta a campanha de vacinação compulsória contra varíola,proposta porOswaldo Cruz e aprovado pelo Prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos em novembro de 1904. Entre os dia 10 e 16 de novembro a cidade do Rio de Janeiro foi tomada por uma guerra generalizada com barricadas,saques e incêndios. 49 Oswaldo Cruz, médico e sanitarista. Liderou campanhas sanitaristas entre 1903 -1909, tornando -se responsável pela direção do instituto Oswaldo Cruz, onde ficou até 1916. Idealizou a campanha de vacinação compulsória contra a varíola em 1904, durante a reformulação urbana do governo do prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos. Oswaldo Cruz foi um dos disseminadores das ideias eugênicas no Brasil. 50 Pereira Passo, foi prefeito do Rio Janeiro entre 1903 e 1906. Responsável pelo transformação urbana do Rio de Janeiro. 51 DIWAN, Pietra. O paradoxo tupiniquim. IN. Raça Pura: Uma história de eugenia no Brasil e no mundo. P.92. 20 aderência massiva e rápida, sem qualquer preocupação com psicológico da população, a ordem era submissão total a decisão do governo . A ideias eugenistas 52 surgiram em meio aos conflitos, propondo a solução de cura para o Brasil, muitos seriam os caminhos da cura, desde o branqueamento por cruzamento até o controle da imigração. A ideia de sociedade e o progresso nesse contexto não levava em conta nosso passado histórico, apenas se pautava em modelos universais, que para os intelectuais da época, era visto com uma lei natural de evolução, ou seja, algo que permitiria classificar o êxito de uma sociedade a partir de seu gene positivo, legitimando uma sociedade promissora, a que tivesse uma raça pura e digna de progresso. Foi com a popularidade que ganhou entre elite intelectual, que o movimento sanitarista pautou- se na eugenia, para legitimar a preocupação com o problema da regeneração nacional. Com isso, o desenvolvimento das ideias eugênicas no Brasil se favoreceu da perspectiva que via nas condições ambientais a responsabilidade pelas modificações dos seres humanos. Vale ressaltar que, o Brasil passava por uma massiva movimentação política e social, ações de caráter modernizante que visava uma espécie de evolução. Toda sociedade elabora seus próprios marcadores de diferença. Ou seja, transforma diferenças físicas em estereótipos sociais, em geral de inferioridade, e assim produz preconceito, discriminação e violência. 53 A relação entre os intelectuais e a Eugenia Muitos intelectuais da época, foram adeptos da eugenia, não há documentos que prove que tal autor foi eugenista, claro é preciso entender que o pensamento eugenista era algo da época, e muitos que aderiram a eugenia só expressavam o pensamento da elite republicana em relação ao Brasil. Ser eugenista não é uma condenação,mas sim uma constatação que muitos intelectuais do período compartilhavam e defendiam essas ideias . Apesar de Renato Kehl ter sido o maior 54 52 SEVCENKO,Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Scipione, 1993. P. 17. 53 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Raça e gênero. IN. Sobre o Autoritarismo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. P. 174. 54 DIWAN, Pietra. Raça Pura. P. 92 21 divulgador das idéias eugênicas no Brasil, outros pensadores tiveram ligação direta ou indiretamente com a eugenia, dentre eles Roquette Pinto, Oliveira Vianna, Vieira de Carvalho e Monteiro Lobato, todos tiveram sumariamente as menções a eugenia apagadas de suas biografias. Monteiro Lobato,em especial,teve sua obra editada para que algumas menções a um suposto discurso eugenista não constasse em seu currículo,principalmente as direcionadas ao público infantil, já trabalhos como Presidente Negro, seu único romance, foram propositalmente esquecidas ao longo dos anos, não ganhando poucas reedições (até o momento). “Os admiráveis processos hoje em emprego na criação dos belos cavalos puro sangue passaram a reger a criação do homem na América [...] Desaparecem os peludos - os surdos mudos, os aleijados, os loucos, os morféticos, os histéricos, os criminosos natos, os fanáticos, os gramáticos, os místicos,os vigaristas, os corruptores de donzelas, as prostitutas, a legião inteira de mal formados no físico e no moral, causadores de todas as perturbações da sociedade humana.” (Trecho de “O presidente Negro” - Choque de Raças, Monteiro Lobato. ) 55 O trecho de presidente negro acima, mostra a ideia eugenista contida na obra de Lobato, que direta ou indiretamente legitimam a necessidade de eugenizar a população. A defesa literária de Lobato a teoria eugenica não fica somente em “Presidente Negro”, outro exemplo claro é o personagem Jeca Tatu, que seria a expressão do pobre mestiço, o estereótipo de que seria um cidadão não privilegiado da época, sinônimo de indolência e debilidade física. Os aspectos imortalizados por Monteiro Lobato na figura estigmatizada do pobre mestiço Jeca Tatu, problemas sociais que assolavam as camadas populares não apenas no campo , seriam buscadas no domínio da raça. 56 55Trecho de “Presidente Negro” ou “Choque das Raças”, único romance escrito por Monteiro Lobato, lançado especialmente para o público Americano, o livro tratava de um futuro onde a eugenia dado certo, que a população negra seria mínima. O livro não foi bem aceito na época e até hoje é um livro esquecido na biografia do autor. O livro na época foi recebido como uma clara defesa as teoria de Kehl, era uma espécie de manifesto literário a favor da teoria eugênica. 56 BONFIM, Paulo Ricardo. Educar, Higienizar e Regenerar. P. 36. 22 A ideia eugênica no Brasil data -se do início do século XX, em especial após a primeira reunião da Sociedade Eugênica de São Paulo, porém o racismo e a ideia de regeneração racial já estavam no imaginário intelectual, desde bem antes da abertura da Republica. Difundidas por aqui pelo contato com pensadores e intelectuais europeus, o Brasil tornou -se objeto de estudo de estrangeiros, que vinham ao país através de expedições visando registrar a fauna, flora e a sociedade, propagando internacionalmente a ideia de uma terra degenerada, composta por uma mistura racial massificada, sendo assim impossível a atingir o êxito social. A escolas de medicina tiveram um papel fundamental na propagação da ideia eugênica. Uma das figuras notáveis nesse campo, foi o médico e antropólogo Nina Rodrigues, precursor da medicina no Brasil e disseminador da eugenia, ele acreditava que a miscigenação era a única causadora do não progresso do país, já que seria o motivo da criminalidade, da loucura e proliferação de doenças. Segundo Paulo Ricardo Bonfim, Nina Rodrigues esforçou -se em estabelecer critérios rigorosos para a classificação da diversidade étnica na população brasileira.(BONFIM, 2017). “Pode -se exigir que todas estas raças distintas respondam por seus atos perante a lei com igual plenitude de responsabilidade penal? [..] por ventura pode -se conceber que a consciência do direito e do dever que tem essas raças inferiores , seja a mesma que possui a raça branca civilizada?”(RODRIGUES, Nina. 1894. p. 106. apud Bonfim, 2017. p.38 ) 57 A Sociedade Eugênica de São Paulo e a Liga Brasileira de Higiene Mental Para elite republicana essa condição de “doente” da sociedade brasileira demandava uma busca urgente por uma cura para de mal que impedia o progresso da nação. Para Pietra Diwan, o nascimento de um projeto de nação para o século XX deveria ser lento e gradual para ocorrer uma transição “Saudável” (2007). Renato Kehl, já em 1917 discutia os benefícios da “nova ciência”, como era 57 BONFIM, Paulo Ricardo. Educar, Higienizar e Regenerar. P. 38 23 denominada a eugenia, para sociedade, seu discurso daria origem um ano depois a Sociedade Eugênica de São Paulo - SESP que priorizaria a discussão do avanço nacional através de um olhar que primava pelas questões biológicas e sociais. Com 140 membros ativos, a SESP, visava disseminar entre médicos e intelectuais as ideias eugênicas, e discutir como aplicá -las na sociedade republicana. Sua efetiva fundação é datada de 15 de janeiro de 1918, sediada no Salão Nobre da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde também aconteciam as sessões da Sociedade de Medicina e Cirurgia . A SESP foi considerada a primeira associação 58 dedicada a eugenia da América latina, seu exemplo foi posteriormente seguido pela Argentina com Sociedade Eugênica Argentina e no Peru com a Sociedade Eugênica do Peru, a SESP foi criada poucos anos após a criação das sociedades eugênicas na Inglaterra e França, seguindo no Brasil o mesmo modelo já realizado nas demais associações. A importância da SESP na esfera pública vai de encontro com a credibilidade passada pelas ideias expressas na associação, obtendo uma repercussão positiva na imprensa da época, consolidando sua existência. Os discursos eram reproduzidos em grande jornais, disseminando as ideias em diferentes esferas da sociedade, não ficando restrito somente a elite, essa repercussão fez com a ideias eugênicas ganha -se rapida popularidade e aderencia da sociedade. O corpo administrativo da SESP era composto por Arnaldo Vieira de Carvalho (Presidente), Olegario de Moura (Vice - presidente), Renato Kehl ( Secretário Geral), Argemiro Siqueira (Tesoureiro) e no conselho consultivo seguia o trio Arthur Neiva, Franco da Rocha e Rubião Meira. SESP tinha de acordo com seu estatuto interno o seguinte objetivo: “Estudar as leis de hereditariedade, a regulamentação do meretrício dos casamentos e da imigração, a técnicas de esterilização, o exame pré nupcial, a divulgação da eugenia, estudo e a aplicação das questões relativas à influência do meio, do estado económico, da legislação, dos costumes, do valor das gerações sucessivas e sobre aptidões físicas, intelectuais e morais” (DIWAN, 2007. P.100) 58 DIWAN, Pietra. Raça Pura. P. 97. O Paradoxo Tupiniquim. 24 Foi a partir da publicação no Annales da Eugenia, que a SESP, teve sua primeira grande realização, nele foram publicada as conferências com os associados junto a artigos produzidos, sempre pautando -se no tema eugênico usado como base para legitimar ações de intervenção na sociedade republicana. A durabilidade da SESP não foi longa, primeiro pelo decorrer do falecimento de Vieira de Carvalho, então presidente da associação, e por conta da mudança de Kehl para o Rio de Janeiro, apesar de uma vida curta, sua representatividade contribuiu para construção de uma mentalidade em relação a eugenia, mobilizando médicos e intelectuais e disseminando a ideia de melhoria da sociedade através do combate aos males causados pela miscigenação. A militância de Kehl em prol da eugenia, o tornou uma personalidade pública, requisitado pela imprensa e bem articulado no meio científico, o eugenia adquiriu grande prestígio social aproximando das duas principais frentes da época, as reformas sanitárias e as educacionais . 59 “A solução [..] é a política eugênica com o saneamento, e a com o combate ao descaramento dos dirigentes e a politicagem, é a criação de escolas de civismo para os que sabem ler e escolas de a.b.c. para os analfabetos. O ensino de preceitos elementares de higiene, em suma, a implantação no espirito publico da consciencia sanitaria e da consciência cívica.” (KEHL, 1923. apud, BONFIM, 2017. P.121) A liga Brasileira de Higiene Mental foi criada por Gustavo Riedel , com a intenção 60 de aperfeiçoar a assistência e os cuidados aos doentes mentais. Faziam parte da liga, médicos, psiquiatras, educadores e intelectuais. Seu alcance ia desde de uma revista própria da liga intitulada “Arquivos Brasileiros de Hygiene Mental ”, até uso 61 da imprensa, com pronunciamentos radiofônicos e panfletos. Como pretendia oferecer serviços à população, a liga também foi abrangente, incluindo um 59 BONFIM, Paulo Ricardo. Educar, Higienizar e Regenerar . P.119. 60 Gustavo Riedel, foi psiquiatra responsável pelo primeiro consultório psiquiátrico do Brasil. Foi membro titular da Academia Nacional de Medicina e médico no Hospício Nacional dos Alienados, sua gestão causou uma série de mudanças na instituição, influencia na ideia de assistência psiquiátrica na época. Foi presidente e fundador da Liga Brasileira de Higiene Mental em 1922. 61 Principal meio de disseminação das ideias da Liga Brasileira de Higiene Mental, editada de 1925 a 1947. 25 consultório gratuito de psicanálise, montagem de laboratório de psicologia avançada e aplicação de teste em escolas. (REIS, 1994). A LBHM se aproxima das ideias eugênicas, uma vez que a questão dos não aptos era tratada com uma patologia mental. A eugenia foi a justificativa para que a liga chegasse ao êxito em sua missão, o que interessava ao LBHM era prevenção e não cura, o que em tese não deixa livre da característica eugênica, pois seu alvo era o indivíduo comum. Sendo assim, o programa promovido pela liga era direcionado ao pobres, visto como criminalmente insanos, de onde viriam as patologias como crime, delinquência e prostituição. (BONFIM, 2017) Compreender -se que o objetivo a ser atingido na aplicação dos meios terapêuticos e higiênicos tenha aumentado consideravelmente. De fato, não estamos diante de um homem isolado, mas sim na presença de uma sociedade, e o poderio dos meios de ação deverá ser proporcional à importância do objetivo. O pensamento eugênico se aproveita da biologia para legitimar 62 preconceitos, caráter torna-se ideológico a científico. Legitimar suas ações, uma vez que o alvo era sempre o pobre, mestiço e negro. Eugenia e a Educação Outra esfera influenciada pela eugenia foi a educação. Através do “Boletim da Eugenia” , propagava- se as ações voltadas para educação pautadas na eugenia 63 positiva , procurando favorecer ao fomento de uma geração “eugenizada”. Renato 64 Kehl defendia que as características herdadas eram mais decisivas do que o meio que se habita, sendo assim a educação deveria servir como instrumento aprimoração de qualidades e aptidões. Acreditava - se que as características positivas não poderiam ser alteradas,uma vez que o indivíduo nascia ou não com ela, a partir dessa ideia usaria a educação para desenvolver uma consciência eugênica, ou seja, era ensinado que não deveria haver consumar relações ou 62 REIS, José Roberto Franco. Higiene Mental e a eugenia: Projeto de regeneração nacional da Liga Brasileira de higiene mental (1920- 1930) 1994. P.19 63 O Boletim da Eugenia era uma espécie de periódico sobre disseminação das ideias eugênicas. Idealizada por Renato Kehl, era algo voltada aos intelectuais, a publicação foi financiada com recurso próprios de Kehl, vinculando pequenos artigos, geralmente de médicos voltadas a intenção de popularizar as ideia da teoria Galteana. 64 A eugenia positiva tinha como objetivos centrais propiciar a seleção eugênica na orientação aos casamentos e estimular a procriação dos casais considerados eugenicamente aptos para tal. 26 matrimônio com raças diferentes (ou inferiores). As características não aptas de indivíduo os denunciavam com disgênicos ou eugênicos, acreditava -se que ações educativas não poderia mudar essas características, mas eram necessárias para se entender os perigos da miscigenação. Já para o indivíduo considerado apto, era direcionado a uma educação que priorizaria suas características e o ajudaria a aprimorar sua linhagem. O uso da educação física era um meio encontrado para o ideal eugênico, uma vez que com ela priorizaria e aprimorar o condicionamento físico, além de ensinar a disciplina e a moral. “A instrução e a educação podem engrandecer pelo cultivo de algumas qualidades e restringir outras, poderão dar um verniz mediante o qual são disfarçados em parte ao feio moral, porém não lograram crear um caráter que em estado rudimentar se se trasmitta por hereditariedade” (KEHL, 1929. apud, BOMFIM, 2017. P.141 ) 65 Tendo em vista sua aplicação relacionada a eugenia, a educação foi fortemente influenciada pela teoria. Suas práticas e medidas, tiveram exemplos com o ensino obrigatório de educação física nas escolas, que aplicado até hoje no sistema educacional. Pretendia -se criar um sistema que buscava desenvolver uma nação evoluída e saudável, esse modelo foi amplamente aceito na sociedade da época por de encontro com a mentalidade construída com a abertura da republica e legitimava a imaginário da elite sobre os perigos de seguirmos em uma nação mestiça. “Tem os leitores o primeiro número do Boletim da Eugenia. Aparece modestamente: pequeno formato, poucas páginas. Promette pouco, deseja apenas, auxiliar a campanha em prol da Eugenia entre os elementos cultos e entre os elementos, que, embora de mediana cultura, desejam, também orientar -se sobre o momento assumpto” ( Apresentação do Boletim da Eugenia - jan. KEHL,1929.apud, BOMFIM, 2017. P.148) 65 BONFIM, Paulo Ricardo. Educar, Higienizar e Regenerar. Boletim da Eugenia P. 141 e 148 27 O esquecimento da Eugenia Sabe -se que quando a eugenia foi efetivamente aplicada no Brasil, a teoria já encontrava -se em processo de desuso em outros países. Um dos motivos que levou ao processo de desuso da eugenia, foi a ascensão de Hitler ao poder, e sua campanha de extermínio, o exemplo deixado pelo nazismo de onde a eugenia pode chegar, se usada para legitimar uma ideia extremista, fez com os especialistas re considerassem a então concepção de “ciência” da eugenia. Em contraponto ao cenário europeu, o Brasil mostrava -se cada vez mais encantado pelas ideias eugênicas, disseminado a necessidade de eugenizar a população para um êxito nacional, Preservar o futuro racial do Brasil, sua unidade nacional e sua homogeneização ao longo de toda a década de 1920, e sendo intensificada na era vargas (DIWAN, 2007). Todo o contexto político e as ações governamentais adotadas pelo governo Vargas mantinham em tese as ideias eugênicas, uma vez que a proposta nacionalista do 66 governo se inspirava na ideial nazifacista. Pregando a radicalização das políticas nacionalistas, aproximavam- se do discurso eugênico, ou seja, era segregar em prol do nacionalismo. A ordem era que nenhum país precisava tanto melhorar sua raça, quanto o Brasil. O cruzamento prol melhoramento disseminado por Kehl, era ideal para o brasileiro entender a importância de se interessar pelos “problemas vitais de toda a ordem”. (DIWAN, 2007) O livro “Lições de Eugenia”, escrito por Renato Kehl em 1929, se resumia em um livro sobre patriotismo, e disseminador das ideias eugênicas em um discurso positivista sobre os benefício que eugênia trás para uma nação. O discurso de KEHL apesar de em tese estar de acordo com ideia nacionalista de Vargas, entrou em declínio após o acordo da política da “Boa Vizinhança ”, ação governamental em prol da construção de uma identidade 67 66 Líder da Revolução de 1930, responsável pelo fim da chamada Primeira república. Presidente do Brasil e dois períodos, de 1930 a 1945, primeiramente com o chamado “Estado Provisório” e posteriormente no chamado “Estado Novo”, ou Ditadura Varguista. Voltando à presidência em 1951, ficando até 1954 quando cometeu suicídio com um tiro no coração. Conhecido como Pai do Povo, foi responsável pela primeira legislação trabalhista Brasileira. Seu governo é conhecido com Getulismo ou Varguismo. 67 Política criada durante o governo Vargas para a criação de uma identidade nacional Brasileira. Trava -se de um acordo de interesse de ambas as partes, que visava o livre comércio entre Brasil e EUA, Além da ampla divulgação das beleza brasileira incentivando o turismo ao país. 28 nacional Brasileira , dentre elas a produção do personagem Zé Carioca pelo 68 estúdios Walt Disney. O alinhamento do Brasil com os Estados Unidos foi uma moeda de troca favorável para ambas as parte, para os Estados Unidos o país era um aliado durante a Segunda Guerra Mundial, para o Brasil os norte americanos tornaram-se financiadores da modernização nacional. O eugenismo caiu em desuso no Brasil em meio ao contexto do acordo comercial entre o Brasil e Estados Unidos, e a política da Boa Vizinhança. Nesse contexto a ideia eugênica ganhou status de intolerante e violenta, passando a ser considerado reacionários os adeptos a teorias, assim a legião de apoiadores da eugenia desaparecem da cena política ou mudam o discurso com a intenção de apagar qualquer ligação com o movimento eugênico. Hoje é difícil encontrar na biografia de qualquer um dos intelectuais e pensadores eugênicos algum ponto que os liguem com a eugenia, historicamente somente Renato Kehl carregou o estigma de ser eugenista. “Apesar de Renato Kehl não ser o único eugenista brasileiro, sem dúvida foi ele que melhor planificou e expressou os desejos e anseios de todos os eugenistas em nosso país” (DIWAN,2007. P. 123) “Os eugenistas brasileiros, fizeram dessas teorias uma arranjo único, sem , contudo, produzir consensos, singularizando a experiência brasileira na apropriação e desenvolvimento da ciência eugenica” (STEPAN, 2005. apud, BONFIM, 2017. P.26) 68 Personagemcriado para o filme “Alô amigos, Zé Carioca foi criado para expressar a imagem do brasileiro, pautada na narrativa do malandro e cordial. 29 Considerações Finais. No brasil, o sistema escravocrata transformou - se num modelo tão enraizado que acabou se convertendo numa linguagem, com graves consequências. Gravou -se por aqui, do século XVI ao XIX, uma escandalosa injustiça amparada pela artimanha da legalidade . A escravidão teve seu fim 1888, apresentando -se como uma 69 solução a questão dos cativos, representando uma reparação social por anos de liberdade perdida, inaugurando no Brasil um período de “pós emancipação” que teve data protocolada de início, mas sem previsão de término. Em meio a esse contexto as teorias pautadas no darwinismo social, ganharam força no continente europeu e chegando até o Brasil, rapidamente disseminadas por uma elite que se via ameaçada pelo passado escravista, e miscigenação decorrente dele. O período pós abolição não significou a chegada de uma sociedade igualitária, muito pelo contrário, em tese o ex cativo era livre, mas na prática a liberdade não significava direitos, uma vez que não havia respaldo governamental que facilita -se sua inserção no mercado de trabalho. Os avanços decorrentes das reformas urbanas, beneficiaram apenas a elite, que continuavam a dominar o meios de produção. Estigmatizados como ser inferiores, foi construído uma imagem estereotipada em relação a população ex cativa, reservando um espaço secundarista na história, que ainda reflete -se na atualidade. A ideia eugênica foi amparada pela ciência, ganhando um status de quase religião. Se via nela, a solução para todas as mazelas que miscigenação pode causar em uma sociedade. Legitimando a superioridade de uma raça sobre a outra, eugenizar seria o caminho ideal para uma sociedade desesperada por uma identidade nacional, porém pautada na construção de padrão incompatível com sua realidade. A solução seria “Limpar” todo e qualquer ser que fosse contra o pensamento progressista. É inegável que a eugenia foi um projeto sem êxito, uma vez que apesar do que acreditava -se, não houve embranquecimento, não nos tornamos uma sociedade pura, e muito menos europeia. A mentalidade eugenista prevaleceu na sociedade mesmo após o declínio da teoria, podendo ser vista quando se estuda mais a 69 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Escravidão e racismo. IN. Sobre o autoritarismo no brasil. P.27. 30 fundo as questões das políticas sociais e inserção da população pobre e negra em universidades, no mercado de trabalho e assim como sua representatividade nos meios de comunicação (Tv, Cinema e teatro). Estigmatizado como o historicamente excluído, pouco se vê negros em cargos de poder, ou profissões elitistas (Medicina, direito, engenharia). Sua imagem na tv é sempre limitada a pequenos papéis, quase sempre reduzidos ao elenco secundário como empregadas domésticas, motoristas e porteiros, ou caindo em personagens caricatos quando o assunto são programas de humor, já que para programas do estilo o negro é sempre visto como alguém com de má índole ou facilmente enganado. Segundo Joan ferres, os estereótipos são representações sociais, institucionalizadas, reiteradas e reducionistas, são representações sociais porque se pressupõe uma visão compartilhada que um coletivo social possui sobre outro coletivo social (FERRES, 1998 ), este estereótipo ajuda a legitimar a imagem do 70 negro e pobre perante a sociedade, pautada na herança histórica deixada pela segregação racial, que nada mais é do que a retirada de direitos de grupo social, para super valorizar outro grupo social. Em contraponto, no Brasil nasceu a negação ao seu tom de pele. Do mesmo modo que os eugenista no meados da primeira década do século XX, usavam as teorias eugênicas para legitimar o ideal de uma raça pura, construi -se a longo dos anos a mentalidade embranquecimento social, causado por uma espécie de ascensão do negro na sociedade, ou seja, a medida que o negro conquista um novo status, ele deixa gradualmente de ser visto como negro. Estamos falando de um certo “Uso social” da cor, que não só leva a terminologia a se mostrar subjetiva com torna seu uso, um objeto de disputa. (SCHWARCZ, 2012 ). 71 A história social é composta de uma organização e sucessão de processos, ou seja, transformações sociais, étnicas e políticas que ajudam o entender o contexto do fato histórico estudado. Dentro desse âmbito, do historiador dedica um estudo específico para compreender determinado grupo ou época , traçar um panorama crítico sobre a questão (Barros, 2009 ). 72 70 FERRÉS, Joan. Os estereótipos como inversão da sedução. IN. Televisão Subliminar: Socializando através da comunicação despercebida. P. 135) 71 SCHWARCZ,LILIA Moritz. Nem Preto, Nem Branco, muito pelo contrário. P104 72 Barros, José D’assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. P.112 31 A visão do historiador é analisar o passado de forma documental, onde todos os fatores envolvem o que se deve estudar, quando se trata de tema voltado às classes sociais, partimos do pressuposto que as diferenças são apenas físicas, porém ao ver em suma verdade, a mentalidade da elite reduz, e esse grupo social, um estereótipo que o coloca em uma “visão mesquinha”, mas mesmo tem uma a capacidade muito além das teorias. Ao estudar a construção da sociedade, e as influências que a segregação sócio - racial pode causar sobre determinado grupo, nos ajuda a compreender o quadro social de nosso tempo, objetivando uma discussão sobre as linearidades, continuidades e rupturas da história. É inegável que a abolição não representou de fato uma libertação ao negro, é como se vivêssemos um eterno 14 de maio, onde processo de inserção na sociedade é contínuo, onde a luta por “um lugar ao sol”, está inserida no dia a dia do negro estigmatizado, assim como seus ancestrais, a sempre estar como antagonista da história.(SCHWARCZ, 2019 ) Vivemos uma em sociedade que diz plural, mas que 73 reprime as pessoas de acordo com tom de sua pele ou de suas posses, a mesma sociedade que em época de carnaval coloca como “identidade nacional”, uma cultura apropriada de um grupo que é “diminuído” durante todo o resto do ano. Podemos dizer que vivemos uma espécie de “neo - eugenia”, não tão radical quanto o movimento eugênico do início do século XX, mas que em termos de segregação, exclusão e intolerância está equiparado. Legitimado por ideias conservadoras, figuras políticas populistas e uma mentalidade pautada em discurso social em prol da família e dos bons costumes, onde todos que fogem desse do “Modelo” são automaticamente visto como ameaça para avanço da nação. 73 SCHWARCZ, Lilia Mortiz. História não é bula de remédio. IN. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2019. 32 Referências Bibliográficas Livros: BARROS, José D’ assunção. O campo da História: especialidade e abordagens. ed. 6. Rio de Janeiro: Vozes, 2009 BERTIN,
Compartilhar