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A psicologia da educação e a psicologia do ensino_alunos

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1
A psicologia da educação e a
psicologia do ensino
A psicologia do ensino é a parte da psicologia da educação que se refere à educação
escolar. Como se verá mais adiante, ambas têm um mesmo objetivo: estudar, explicar
e compreender os processos de mudança comportamental que se produzem nas
pessoas como uma conseqüência da sua participação em atividades educativas. O
que confere uma entidade própria à psicologia do ensino é a natureza e as caracterís-
ticas das atividades educativas que existem na base dos processos de mudança
comportamental estudados.
A psicologia do ensino designa a parcela da psicologia da educação que estuda
os processos de mudança produzidas nas pessoas como resultado da sua parti-
cipação em atividades educativas escolares.
Até o final dos anos 50, a psicologia da educação e a psicologia do ensino eram
totalmente indissociáveis. A partir desse momento, a psicologia da educação começa
a diversificar-se segundo as atividades educativas com que se relacionam os proces-
sos de mudança comportamental estudados. Entre os diversos tipos de práticas
educativas existentes na nossa sociedade, as de natureza escolar apresentam algumas
características e cumprem algumas funções que as diferenciam originalmente de
outras. A conscientização desse fato conduz gradualmente a identificar na psicologia
da educação um âmbito de conhecimento que passa a ser denominado psicologia do
ensino.
As origens e a evolução da psicologia do ensino são, pois, inseparáveis das
origens e da evolução da psicologia da educação. Ambas as disciplinas são fruto do
esforço ininterrupto da aplicação e da utilização dos princípios, das explicações e dos
métodos da psicologia científica na tentativa de melhorar as práticas educativas em
geral e a educação escolar em particular, como também de elaborar explicações
adequadas e úteis para o planejamento e o desenvolvimento dessas práticas. A
psicologia da educação e, por conseguinte, a psicologia do ensino têm a sua origem
na crença racional e na convicção profunda que a educação e o ensino podem
melhorar sensivelmente como uma conseqüência da utilização correta dos conheci-
mentos psicológicos.
Coll_m_dulo1.p65 27/3/2008, 10:3221
22 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
Psicologia e pedagogia
Atualmente, parece evidente que a educação escolar, a fim de alcançar os seus objetivos, deve
considerar as características dos alunos e das alunas. Da mesma maneira, o seguinte
comentário que Edouard Claparède formula, em 1905, recorda-nos que, no princípio deste
século, a situação era completamente diferente. A importância da psicologia da educação
estava decisivamente centrada na mudança de atitude denunciada por Claparède:
“(...) que a pedagogia deve basear-se no conhecimento da criança da mesma maneira que a
afirmação de que horticultura tem sua base no conhecimento das plantas é uma verdade
aparentemente elementar. Porém, por sua vez, é totalmente desconhecida por parte da
maioria dos pedagogos e por parte de quase todas as autoridades escolares (...) Duvido que,
nas escolas de horticultura, não haja no programa algumas horas dedicadas à botânica e ao
conhecimento das plantas.”
E. Claparède (1972). Psychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale. I. Le développement mental
(11ª edição, p. 71). Neuchâtel et París: Delachaux et Niestlé.
Porém, além dessa convicção, que na atualidade é absolutamente compartilha-
da, existem discrepâncias profundas entre os psicólogos da educação e os psicólogos
do ensino em relação a como se pode e se deve concretizar a utilização e a aplicação
do conhecimento psicológico para obter os efeitos desejados. Essas discrepâncias têm
sido motivo de uma grande variedade de concepções da psicologia do ensino que
podem ser situadas entre dois extremos (Glover & Ronning, 1987).
Atividade 1
Expresse, por escrito, as suas idéias a respeito da utilidade que a psicologia pode ter para a
análise e para a resolução dos problemas da educação escolar. Se você se dedica à docência
e tem experiência com ensino, concretize tal reflexão no sentido de analisar quando e como
lhe foram úteis os conhecimentos psicológicos que você adquiriu no decorrer de sua
formação inicial ou em atividades posteriores de atualização. Se você não é docente, faça
igualmente uma reflexão, tentando explicar os argumentos que sustentam as suas opiniões.
Não deixe esta atividade para mais adiante. Faça-a agora, quando justamente está começan-
do a trabalhar os conteúdos deste módulo.
De um lado, há autores que entendem a psicologia da educação e a psicologia
do ensino como o resultado da seleção, entre o conjunto de princípios e de explicações
que as diferentes áreas ou especialidades da psicologia (psicologia do desenvolvi-
mento, da aprendizagem, social, da personalidade, das diferenças individuais, etc.)
proporcionam, dos que são particularmente relevantes e pertinentes para a educação
e para o ensino. Logicamente, nesse caso, a psicologia da educação e a psicologia do
ensino não constituem âmbitos específicos de conhecimento, vindo a apresentar-se,
mais adiante, como um campo de aplicação da psicologia.
Por outro lado, também são numerosos os autores que, ao compartilharem a
idéia de princípio que a psicologia da educação e a psicologia do ensino têm a ver
basicamente com a aplicação da psicologia à educação, consideram que estamos
diante de alguma coisa mais que um puro e simples campo de aplicação. Segundo
esses autores, longe de se limitar a transferir à educação um conhecimento psicoló-
gico já elaborado, a finalidade principal da psicologia da educação e da psicologia do
ensino consiste em gerar um conhecimento específico sobre os processos educativos,
utilizando como um instrumento de indagação e de análise os princípios e as
explicações da psicologia. Obviamente, nesse caso, a psicologia da educação e a
psicologia do ensino adquirem uma posição epistemológica diferente e configuram-
se como disciplinas específicas com alguns objetivos, alguns conteúdos e alguns
programas de pesquisa que lhes são próprios.
Embora as concepções próximas a ambos os extremos permaneçam atuais, o
desenvolvimento histórico da psicologia da educação e da psicologia do ensino
mostra uma tendência clara a um distanciamento progressivo das proposições em
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PSICOLOGIA DO ENSINO 23
prol de considerá-las como simples campos de aplicação da psicologia, sem que se
possa afirmar, não obstante, que tenham conseguido um consenso suficientemente
amplo em relação aos critérios que devem presidir as relações entre o conhecimento
psicológico e a teoria e a prática educativas; ou, dito de outra forma, em relação ao
lugar que a psicologia da educação e a psicologia do ensino ocupam no conjunto de
disciplinas psicológicas e educativas.
História da psicologia da educação e da psicologia do ensino: trabalhos e pesquisas
Escrever a história da psicologia da educação e da psicologia do ensino é um trabalho em que
ainda há muito a ser feito. Os poucos trabalhos sistemáticos que foram realizados possuem
um caráter limitado, tanto no âmbito geográfico que abrangem quanto no período histórico
que cobrem. Até as pesquisas que aspiram a traçar a história global da disciplina (Watson,
1961; Evans, 1969; Kaur, 1972; Charles, 1976, 1987; Trow, 1977; Genovard & Gotzens, 1981)
apresentam a dupla particularidade de centrar-se quase exclusivamente no mundo anglo-
saxônico e, de maneira mais específica, nos Estados Unidos; e, limitam-se ao período que vai
desde o nascimento da psicologia científica (última década do século XIX, aproximadamen-
te) até os anos posteriores à Segunda Guerra Mundial (década de 50).O panorama é
ligeiramente diferente se observarmos os trabalhos e as pesquisas que, sempre centrando seu
objetivo na tarefa de delinear a história do pensamento educativo, abordam também
informações e análises de interesse relativos à história da psicologia da educação (Avanzini,
1975; Suchodolski, 1979; Bowen, 1979; Wall, 1979; Husén, 1979).Neste caso, os autores
costumam adotar uma visão mais ampla, que inclui outros contextos geográficos e culturais,
somados aos contextos anglo-saxônicos; de qualquer forma, em geral substituem a limitação
que faz referência ao período histórico estudado.
A primeira parte do livro de C. Coll, Conocimiento psicológico y práctica educativa. Introducción
a las relaciones entre psicología y educación (Barcelona: Barcanova, 1988), inclui um resumo
sobre a história da psicologia da educação – e, por conseguinte, da psicologia do ensino –
como uma disciplina científica (p. 5-141), desde o final do século XIX até a década de 80. O
resumo está organizado em três capítulos: no primeiro, delineam-se as grandes tendências
da história da disciplina e enfatiza-se o duplo processo de coordenação e de diferenciação
com a psicologia geral, por um lado, e com a teoria educativa, por outro; o segundo capítulo,
dedicado às tradições particulares, analisa a evolução e o desenvolvimento da psicologia da
educação e da psicologia do ensino nos EUA, na URSS, na França e na Espanha; por fim, no
terceiro capítulo, descrevem-se as principais orientações da psicologia da educação tal como
aparecem na década de 80.
Origens e evolução da psicologia da educação e da psicologia do ensino
A história da psicologia da educação e da psicologia do ensino confunde-se, sobretu-
do em suas origens, com a história da psicologia científica e com a evolução do
pensamento educativo. Até o final do século XIX, aproximadamente, as relações entre
psicologia e educação estiveram totalmente mediadas pela filosofia. Por um lado, a
psicologia é um ingrediente essencial das visões mais ou menos globais do mundo
que a filosofia proporciona; por outro, as propostas educativas costumam buscar seu
fundamento nos princípios básicos dos grandes sistemas filosóficos.
A psicologia filosófica e a teoria educativa (até 1890, aproximadamente)
Dessa maneira, embora não se possa falar em absoluto psicologia de educação e de
psicologia do ensino até o final do século XIX, pode-se indagar as influências que
exerceram sobre o pensamento educativo as explicações psicológicas de natureza
filosófica. Um bom exemplo dessa afirmação é encontrado na teoria das faculdades,
a explicação psicológica hegenômica até o final do século XIX.
A explicação aristotélica ...
... adaptada ao cristianismo pelos
pensadores medievais é objeto de novos
desenvolvimentos feitos por alguns dos
mais importantes pensadores dos
séculos XVI e XVII: Bacon, Descartes e,
sobretudo, John Locke.
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24 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
O ponto de partida dessa teoria é que o conhecimento consiste na pesquisa da
verdade mediante a compreensão dos nexos existentes entre os acontecimentos
temporais. A correspondência entre pensamento e realidade como fonte e origem de
todo conhecimento encontra-se já em Platão, que postula a existência de algumas
idéias inatas às quais se pode chegar mediante um processo denominado noesis.
Aristóteles, por outro lado, afirma, em De memoria et reminiscentia, que o conhecimen-
to tem origem nas evidências proporcionadas pelos sentidos. Nessa mesma obra,
Aristóteles trata da aprendizagem, das leis de associação, da memória e da influência
da experiência sobre o ato de conhecer e identifica as funções cognitivas – sensação,
memória, imaginação, etc. – como um dynamis, termo grego equivalente ao latino
facultas, que significa “poder para fazer alguma coisa”.
John Locke, na sua obra Essay concerning human understanding, publicada em
1690, atualiza e amplia a idéia aristotélica segundo a qual as sensações são a fonte de
todo o conhecimento. Durante o século XVIII, a teoria é objeto de novas formulações
e controvérsias, até que, ao final daquele século, chega-se a um certo acordo a respeito
do tipo de faculdades ou de “poderes para fazer alguma coisa” que configuram o
psiquismo humano: a inteligência, as emoções e a vontade. Em resumo, como destaca
Bowen (1979, p. 308), “a mente considera-se separada da realidade e alcança o
conhecimento quando as suas faculdades inatas, o seu poder criativo de síntese ou a
sua capacidade de integração podem reunir os dados do mundo externo recebidos
pelos sentidos em um mapa mental que corresponde a essa realidade exterior”.
A explicação do psiquismo como faculdades tem, logicamente, a sua correlação
em uma teoria educativa que, dentre as suas idéias essenciais, possui as seguintes:
a) Em primeiro lugar, postula-se que a realidade pode ser reduzida a algumas
estruturas essenciais identificáveis com a observação dessa realidade.
Essas estruturas, que constituem o conhecimento verdadeiro da realida-
de, podem ser descritas com uma linguagem simbólica, a qual pode
adotar diversas formas (discurso lingüístico, equações matemáticas,
fórmulas químicas, etc.). A tarefa dos alunos, cujo psiquismo se caracte-
riza pela faculdade de manipular símbolos e operar adequadamente
com tais símbolos, consiste, precisamente, em aprender essas represen-
tações simbólicas que descrevem as estruturas da realidade.
b) Em segundo lugar, os alunos diferem significativamente entre si, o que
explica, em boa medida, a sua diferença de rendimento na aprendiza-
gem.
c) Em terceiro lugar, e como uma conseqüência dos pontos anteriores, o
currículo está formado por um conjunto de “representações simbólicas da
realidade”, organizadas e ordenadas logicamente para facilitar que os
estudantes apreendam essas representações.
d) Finalmente, a teoria das faculdades proporciona uma justificativa ao méto-
do da disciplina formal: a finalidade principal do ensino deve ser a de
exercitar as faculdades dos alunos, o que conduz a selecionar e priorizar os
conteúdos que supostamente podem contribuir, em grande medida, para
desenvolver a atenção, a concentração, o raciocínio, a memória, etc., ou
quaisquer outras faculdades que se queira exercitar nos alunos.
Atividade 2
Às vezes, continua-se justificando a presença de determinadas matérias ou áreas no currícu-
lo escolar com argumentos que têm as suas raízes na teoria das faculdades e no método da
disciplina formal. Prove isso fazendo uma pequena enquete entre os seus conhecidos:
pergunte-lhes qual é o seu interesse, segundo o seu parecer, em estudar matemática, latim,
filosofia e inglês na escola e no instituto. Não se contente com um simples comentário;
interrogue-os com insistência. É quase certo que entre as respostas, sobretudo as que se
Segundo Locke ...
... a mente humana é uma tábula rasa, a
qual recebe as impressões que chegam
aos sentidos, gerando, mediante uma
atividade interna de reflexão, todo o
conhecimento.
Universidade Autônoma de Madrid
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PSICOLOGIA DO ENSINO 25
referem ao latim e, em alguns casos, provavelmente, à filosofia e até à matemática, encontrará
algumas que lhe lembrarão os argumentos da disciplina formal.
Porém, pode ser no pensamento de Herbart, sem dúvida o autor mais influente
na teoria educativa do século XIX, em que melhor se constata a influência da
psicologia filosófica. Assim como outros pensadores da sua época, Herbart (1776-
1841) é, sobretudo, um filósofo que concebe a educação como uma aplicação
prática da filosofia. A ele se deve a idéia, que tem perdurado até os nossos dias,
de que a filosofia moral tem a responsabilidade de estabelecer os fins da educação
e do ensino, cabendo à psicologia proporcionar os meios necessários para obter
esses fins.
Evidentemente, no caso de Herbart, trata-se de uma psicologia filosófica, isto é,
de uma psicologia construída com o método de análise reflexiva, próprio da filosofia.
A sua contribuição mais destacada é a formulação de uma teoria de aprendizagem,
denominada “teoria da apercepção”, a partir das leis da associação de Locke e da
doutrina das faculdades. Segundo Herbart, a alma, a psique humana, mostra uma
tendência à autoconservação, de maneira que as sensações e as idéias que vão sendo
formadas como fruto da experiência de acordocom as leis da associação permanecem
e influem na aprendizagem posterior. Essas idéias e sensações constituem uma
“massa aperceptiva”, um conjunto de representações que exerce uma influência
sobre as experiências posteriores proporcional ao nível de consciência que a pessoa
tiver sobre essas.
A psicologia científica e as origens da psicologia da educação (1890-1920,
aproximadamente)
Durante o último quarto do século XIX, começa a manifestar-se na psicologia uma
forte tendência a distanciar-se da filosofia; essa tendência culminará com o surgimen-
to da psicologia científica no começo do novo século. A psicologia encontra no
método experimental, próprio das ciências físicas e naturais, o instrumento para
separar-se da filosofia e para transformar-se em uma disciplina científica autônoma.
Entre os protagonistas desse processo, há alguns pensadores, como, por exemplo, J.
M. Cattell, William James e G. Stanley Hall, cujos trabalhos exercem uma influência
decisiva sobre a origem e o desenvolvimento posterior da psicologia da educação e
da psicologia do ensino.
Os precursores da psicologia da educação e da psicologia do ensino
J. M. Cattell (1860-1944) inicia o seu talento profissional no Laboratório de Psicologia
Experimental de Leipzig, fundado por Wundt, em 1879 (data a que é atribuída, habitualmen-
te, ao surgimento da psicologia científica), onde desenvolve uma série de investigações sobre
as diferenças individuais nos tempos de reação. Depois de se incorporar à Universidade de
Pennsylvania, nos Estados Unidos, também dedica boa parte dos seus esforços a explorar
as possíveis aplicações da psicologia às mais diversas áreas da atividade humana, entre elas
a educação. É, mesmo assim, um dos impulsores do Testing Movement, no qual colabora na
construção de diversos testes mentais – expressão precisamente sua –, a fim de medir a
capacidade de estabelecer juízos simples, a memorização, a nitidez sensorial e a rapidez de
movimentos. Cattell foi, além disso, autor de uma proposta para ensinar a ler com palavras
consideradas simples, em vez de proceder por letras de maneira seqüencial como era então
ensinado.
Mesmo sendo médico, as contribuições mais importantes de William James (1842-1910)
situam-se no campo da filosofia e da psicologia. As suas idéias influenciaram decisivamente
na psicologia e na teoria educativa dos Estados Unidos, nos finais do século XIX e no início
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26 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
do século XX. Na obra Principles of Psychology, publicada em 1890, fixa as bases da psicologia
funcional que, posteriormente, foi desenvolvida por John Dewey e Edouard Claparède. O
seu trabalho que teve mais repercurssão foi, sem dúvida, Talks to teachers on psychology and
to students on some of life´s ideals (1899), dedicado às aplicações concretas da psicologia à
educação, que conseguiu uma importante difusão entre os professores.
G. Stanley Hall (1844-1924) destacou-se pelas suas pesquisas sobre a psicologia da criança.
Deve-se a ele a popularização do questionário, nos Estados Unidos, como um instrumento
para explorar o pensamento infantil. Em suas obras, dentre as quais é preciso destacar
Adolescence (1904) e Educational problems (1911), mostra-se como defensor ferrenho da idéia
de que o desenvolvimento pessoal constitui uma recapitulação da evolução biológica; insiste
também no fato de que é conveniente considerar o nível de desenvolvimento infantil e as
características e necessidades das crianças como um ponto de partida da a educação. Stanley
Hall fundou também a revista Pedagogical Seminary – mais tarde chamada de Journal of Genetic
Psychology –, órgão de expressão e de intercâmbio dos seguidores do Child Study Movement
– do qual foi incentivador e representante destacado – e uma verdadeira tribuna para a
difusão e o debate das idéias psicológicas e pedagógicas da época.
No entanto, a tendência apontada não afeta somente a psicologia: durante as
últimas décadas do século XIX, a teoria educativa tende também a desenvolver-se à
margem das grandes correntes do pensamento filosófico e luta para munir-se de uma
fundamentação científica. Esse movimento é reforçado consideravelmente nas pri-
meiras décadas do século XX, com a implantação progressiva, nos países ocidentais
mais desenvolvidos, de uma escolarização generalizada e obrigatória para a maioria
da população. Surge, assim, entre os professores, os responsáveis governamentais da
política educativa, os centros de formação e as instituições dedicadas à pesquisa
educativa, a necessidade urgente de introduzir mudanças qualitativas no ensino. A
psicologia, recém-separada da filosofia, é a disciplina para a qual se dirigem todos os
olhares e sobre a qual se deposita as maiores expectativas como uma fonte de
informação e de idéias para elaborar uma teoria educativa de base científica que
permita melhorar o ensino e abordar os problemas apresentados para a escolarização
generalizada da população infantil. Dessa maneira, no amparo dos primeiros passos
da psicologia científica e, em boa medida, como um resultado das expectativas
depositadas a partir do mundo da educação, surge a psicologia da educação – com a
qual se identifica plenamente neste momento histórico –, cujo nascimento se situa,
habitualmente, por volta da primeira década do século XX.
Aos poucos, vai-se configurando, dessa maneira, no seio da incipiente psicolo-
gia científica, uma área de interesse e de reflexão que, com o nome de psicologia da
educação, inclui trabalhos e pesquisas sobre a aprendizagem, os testes mentais, a
medida do comportamento, a psicologia da criança e a clínica infantil, tudo referido
direta ou indiretamente à problemática educativa e escolar.
As primeiras definições da psicologia da educação
“(A finalidade da psicologia da educação é) oferecer o conhecimento da natureza humana
aos estudiosos da teoria da educação.”
E.L. Thorndike (1903). Educational psychology: vol. I. The original nature of man (p. 11). Nova
York: Teachers College.
“( A finalidade da psicologia da educação é) colocar os professores a par do estudo científico
do desenvolvimento mental.”
C.H. Judd (1903). Genetic psychology for teachers (p. 1). Nova York: Appleton.
“(A finalidade da psicologia da educação é) fornecer os fundamentos psicológicos dos (...)
fatores educativos na civilização e nas suas escolas.”
W.T. Harris (1898). Psychology foundations of education. Nova York: Appleton.
“A psicologia da educação (...) dedica-se à aplicação da psicologia na educação.”
No começo do século XX ...
... nos países ocidentais, foi-se implan-
tando progressivamente uma escolariza-
ção generalizada e obrigatória,
fenômeno que ajudará a reforçar o
movimento de distanciamento da
psicologia e da teoria educativa da
filosofia.
Na realidade, ...
... durante as duas primeiras décadas do
século XX, praticamente todas as
abordagens da pesquisa psicológica são
consideradas potencialmente úteis para
a educação; portanto, de fato, a única
diferença substancial entre a psicologia
geral e a psicologia da educação, nesse
período, reside na preocupação e no
interesse desta segunda em utilizar e
aplicar o conhecimento psicológico no
campo educativo e, muito especialmen-
te, no campo escolar.
Coll_m_dulo1.p65 27/3/2008, 10:3226
PSICOLOGIA DO ENSINO 27
W.H. Pyle (1911). The outlines of educational psychology (p. 7). Baltimore: Warwick & York.
“A psicologia da educação (...) proporciona um guia nos métodos para ajudar os estudantes
a aprenderem.”
J. Welton (1911). The psychology of education (p. 6-7). Londres: Macmillan.
“A psicologia da educação é a aplicação dos métodos e dos f atos conhecidos da psicologia
às questões que surgem em pedagogia.”
K. Gordon (1917). Educational psychology (p. 1). Nova York: Holt.
“O campo de psicologia da educação separa-se em grandes divisões que podemos denomi-
nar: I. O equipamento inato dos seres humanos; II. A psicologia da aprendizagem.”
D. Starch (1919). Educationalpsychology (p. 3). Nova York: Macmillan.
Essa ampla concepção da psicologia da educação manifesta-se claramente na
primeira revista especializada nesta matéria, que começou a ser publicada no ano de
1910, com o título de Journal of Educational Psychology, Including Experimental Pedago-
gy, Child Psychology and Hygiene, and Educational Statistics. O editorial do primeiro
número da revista destaca a necessidade de um especialista que exerça a tarefa de
mediador entre “a ciência da psicologia e a arte do ensino”. Também faz uma ampla
enumeração dos temas e dos problemas que propõe reunir suas páginas e anuncia seu
propósito de estimular “o estudo dos problemas escolares na própria sala de aula com
a ajuda do método experimental”.
A psicologia da educação segundo o Journal of Educational Psychology
A publicação da primeira revista especializada em psicologia da educação, o Journal of
Educational Psychology, data de 1910. O editorial do número 1 da revista mostra a seguinte
descrição dos objetivos e conteúdos dessa área da psicologia científica.
“(...) de acordo com nossos propósitos, interpreta-se o termo “psicologia educacional”, num
sentido amplo, como aquilo que cobre todas as fases de estudo da vida mental relacionadas
à educação. Considera-se, pois, que a psicologia educacional inclui não só o campo bem
conhecido que o livro-texto convencional – a psicologia das sensações, o instinto, a atenção,
os hábitos, a memória, as técnicas e a economia da aprendizagem, os processos conceituais,
etc. –, mas também os seguintes aspectos: os problemas de desenvolvimento mental (a
herança, a adolescência e o inesgotável campo do estudo da criança); o estudo das diferenças
individuais, do “retardo e da precocidade” no desenvolvimento; a psicologia da “classe
especial”; a natureza dos dotes mentais; a medida da capacidade mental; a psicologia
dostestes mentais; a correlação dos hábitos mentais; a psicologia dos métodos especiais nas
diversas etapas escolares; os importantes problemas da higiene mental. Todos esses elemen-
tos – seja do ponto de vista experimental, estatístico ou literário – são temas e problemasa
serem tratados em uma revista de psicologia educacional”.
W.C. Bagley; J.C. Bell; C.E. Seashore; G.M. Whipple (1910). Journal of Educational Psychology
(n. 1-3).
A psicologia da educação no decorrer das duas primeiras décadas do século XX,
identifica-se, com as tentativas de utilizar e aplicar na educação todos os conhecimen-
tos potencialmente relevantes proporcionados pelas pesquisas desenvolvidas no
âmbito da psicologia científica nascente. Contudo, existem três áreas ou campos da
pesquisa psicológica que se sobressaem, entre outros, pelo seu interesse potencial na
educação escolar; chegam a constituir, além da diversidade comentada, o núcleo da
psicologia da educação durante esse período: o estudo e a medida das diferenças
individuais e a elaboração de testes, a análise dos processos de aprendizagem e a
psicologia da criança.
O estudo das diferenças individuais e a elaboração de instrumentos para conseguir
uma medida objetiva dessas diferenças têm um desenvolvimento espetacular duran-
te esses anos. Nos EUA, o Testing Movement experimenta um auge extraordinário a
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28 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
partir das formulações comentadas de Cattell e da publicação, no ano de 1902, do livro
de Thorndike, Theory of mental and social measurement. Enquanto isso, na Europa, o
psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911) faz uma apresentação, que será decisiva,
para demonstrar que é possível medir diretamente os traços psicológicos, sem
necessidade de passar pelo intermediário dos correlatos psicofísicos tal como se fazia
desde os primeiros trabalhos sobre os tempos de reação, no laboratório de Wundt, em
Leipzig. Em 1903, Binet publica o Étude expérimentale de l’intelligence, no qual já se
encontra uma boa parte das provas que seriam incluídas posteriormente na Escala
Mètrica de la Intel-ligència, de Binet- Simon, publicada em 1905, que perdurou até os
nossos dias com revisões e reformulações sucessivas e que continua sendo, 90 anos
após o seu aparecimento, um dos instrumentos de medida da inteligência mais
utilizados pelos psicólogos escolares. Em 1908, Goddard traduz ao inglês a escala
métrica de Binet-Simon, e, em 1916, Terman faz uma versão própria que terá,
posteriormente, uma grande difusão com o nome de Standford-Binet.
A escala métrica da inteligência, de Binet-Simon
No ano de 1904, o Ministério Francês de Educação Pública constitui uma comissão para
elaborar um projeto de educação especial. Binet, que faz parte dessa comissão, recebe o
encargo de elaborar um instrumento que permita distinguir, com o grau mínimo de erro
possível, os atrasos escolares atribuídos a déficits intelectuais, que possam ser devidos a
fatores ambientais ou a uma escolarização prévia deficiente. No ano seguinte, em um artigo
publicado no Année Psychologique, com o título de “Méthodes nouvelles pour le diagnostique
du niveau intellectuel des anormaux”, Binet e Simon dão a conhecer uma primeira versão do
instrumento elaborado. A sua utilização generalizada obriga a fazer duas revisões: uma
substancial, em 1908 (publicada também no Année Psychologique em um artigo conjunto de
Binet e Simon, com o título de “Le développement de l’intelligence chez les enfants” –; a outra
revisão, mais limitada, em 1911) publicada na mesma revista, em um artigo assinado
unicamente por Binet, com o título de “Nouvelles recherches sur la mesure du niveau
intellectuel chez les enfants des écoles”.
O teste de Binet-Simon concebe o desenvolvimento intelectual como a aquisição progressiva
de mecanismos intelectuais básicos, de tal maneira que a criança com atraso é aquela que não
adquiriu os mecanismos intelectuais que correspondem à sua idade cronológica. Comparan-
do a idade mental com a idade cronológica, a escala métrica permite quantificar os anos de
avanço ou de atraso no desenvolvimento intelectual. Em 1912, William Stem enriquece o
teste de Binet-Simon com a introdução do Quociente Intelectual (QI), que é o resultado da
divisão da idade mental pela idade real e da multiplicação do resultado por 100; dessa forma,
proporciona uma medida única da inteligência.
Porém, a elaboração de provas psicométricas não se limita ao âmbito do desen-
volvimento intelectual, abrangendo, também, campo da personalidade e do
rendimento escolar. Assim, por exemplo, Thorndike constrói provas para medir
o rendimento em matemática e na escrita; e Claparède, em diversas áreas
escolares. Em resumo, até 1920, uma parte considerável dos trabalhos e das
pesquisas em psicologia da educação direcionam-se à construção e ao aperfeiço-
amento de instrumentos de medida objetiva das capacidades intelectuais, dos
traços de personalidade e do rendimento escolar.
Em relação à análise dos processos de aprendizagem, outro dos núcleos cons-
titutivos da psicologia da educação durante esse período, é preciso destacar as
formulações decisivas dos autores que foram considerados, freqüentemente, como os
primeiros psicólogos da educação, em sentido estrito: Edward L. Thorndike e Charles
H. Judd.
A lei do efeito, de Edward L. Thorndike
Entre as leis de aprendizagem formula-
das por Thorndike, a lei do efeito é
talvez a que teve maior repercussão para
o desenvolvimento posterior da
psicologia da aprendizagem. Segundo
essa lei, as condutas aprendidas são as
que satisfazem um determinado
impulso, positivo ou negativo – isto é, as
que satisfazem uma necessidade ou
evitam um perigo –, enquanto que as
condutas que impedem a satisfação de
uma necessidade do organismo ou que o
atemorizam não se aprendem. As leis de
aprendizagem, enunciadas por
Thorndike e em especial a lei do efeito,
estão na origem da psicologia condutis-
ta, tanto nas primeiras formulações de
Watson, quanto nas posteriores, de Hull
e Skinner.
Devemos a Thorndike a primeira
sistematização consistente do estudo da
aprendizagem.Em 1905, publica
Elements of psychology, obra em que
formula uma série de leis de aprendiza-
gem que são fruto das pesquisas
realizadas no laboratório, tanto com
seres humanos como com animais. O seu
livro Educational psychology, publicado
no ano de 1903, é uma das primeiras
tentativas de definir e delimitar o campo
de trabalho da psicologia da educação.
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PSICOLOGIA DO ENSINO 29
Nesse trabalho, Thorndike destaca a necessidade de fundamentar as propostas
educativas sobre os resultados da pesquisa psicológica de natureza experimental
e aconselha que se desconfie profundamente das opiniões e das propostas que
não cumprem tal condição.
Posteriormente, e em grande parte como um resultado das suas próprias
pesquisas, publica uma nova edição de Educational psychology em três volumes
intitulados, respectivamente, The original nature of man (1913), The psychology of
learning (1913) e Work and fatigue and individual differences (1914), que reúnem a maioria
dos conhecimentos psicológicos da época com uma base quantitativa. Em 1910, no
primeiro número do Journal of Educational Psychology, publica um artigo, “The
contribution of psychology to education”, que marcou, juntamente com o manual
Educational psychology, briefer course (1920), toda uma época da psicologia do ensino.
Apesar de serem contemporâneos e de compartilharem o reconhecimento de
serem os dois psicólogos da educação mais representativos desse período, o pensa-
mento e as pesquisas de Judd (1873-1946) representam um enfoque sensivelmente
diferente ao de Thorndike no seio da psicologia da educação e da psicologia do
ensino. Toda a sua obra é marcada pela preocupação de conseguir que o conhecimen-
to psicológico seja relevante e útil na educação escolar. Nem a experimentação com
animais, nem os esforços para elaborar uma teoria geral da aprendizagem parecem
a Judd empreendimentos prioritários da psicologia da educação. Segundo ele, a
prioridade está determinada pelos grandes problemas e dificuldades com que se
deparam as tentativas para melhorar a educação escolar e, por meio dessa, a condição
humana.
A utilidade da psicologia para o ensino
A reflexão crítica sobre a utilidade real dos conhecimentos psicológicos para melhorar a
educação tem sido uma das armas fundamentais para o desenvolvimento da psicologia da
educação e da psicologia do ensino, como demonstra o seguinte acontecimento, relatado por
Charles H. Judd, um dos primeiros e mais influentes psicólogos educativos dos EUA:
“Lembro-me bem uma vez em que fazia uma conferência bastante entusiasta da lei de Weber
para um grupo de professores, da cidade de Nova York, que queriam incrementar seus
conhecimentos escutando-me, quando um dos meus ouvintes, de cabelos brancos, interrom-
pe-me com esta pergunta: “Professor, explica-nos como podemos usar este princípio para
melhorar o nosso ensino para a meninada?”. Lembro-me dessa pergunta, à qual não tive uma
resposta. Decidi, então, que deveria dedicar-me a aprender mais sobre as escolas.”
C.H. Judd, citado por A.A. Van Fleet (1976). “Charles Judd’s psychology of schooling”.
Elementary School Journal (n. 76, p. 455-463).
Em coerência com esta proposição, os trabalhos e as pesquisas de Judd giram em
torno de duas grandes temáticas que, de acordo com o seu parecer, são decisivas para
melhorar a educação de sua época: o currículo e a organização escolar. Assim, os seus
livros mais representativos – Genetic psychology for teachers (1909), Psychology of high
school subjects (1915), Psychology of secondary education (1927), Educational psychology
(1934), Education as cultivation of the higher mental processes (1936) – incluem, sistema-
ticamente, capítulos dedicados à aprendizagem dos principais conteúdos escolares:
matemáticas, linguagem, ciências naturais, ciências sociais, etc. Segundo Judd, os
conteúdos escolares constituem uma série de conhecimentos que a sociedade foi
acumulando no decorrer da história, e o currículo deve incluir tudo aquilo que a
sociedade exige que a criança conheça.
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30 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
Dessa maneira, a verdadeira finalidade da psicologia da educação – e, portanto
da psicologia do ensino – é, segundo esse autor, analisar os processos mentais
mediante os quais a criança assimila esse sistema de experiência social acumula-
da, que são as disciplinas incluídas no currículo escolar.
Além do mais, esses processos – e novamente encontramos aqui uma diferença
com o pensamento de Thorndike – não podem ser entendidos unicamente como uma
série de associações de estímulos e de respostas, mas sim que fazem intervir a
capacidade para organizar, sintetizar e transformar a experiência.
Finalmente, o lugar destacado da psicologia da criança como um núcleo
constituinte da psicologia da educação durante este período é devido, em grande
medida, à aceitação crescente entre os educadores e os teóricos da educação do
postulado segundo o qual é preciso conhecer melhor o aluno para poder educá-lo
melhor.
O suíço Edouard Claparède (1873-1940), teórico e incentivador entusiasta da
renovação pedagógica, é, provavelmente, um dos mais ardorosos defensores desse
postulado no contexto europeu. Os trabalhos e as pesquisas que desenvolveu no
laboratório de psicologia experimental em Genebra conduziram-no progressivamen-
te a uma concepção funcional da psicologia, que “tenta, sobretudo, considerar os
fenômenos psíquicos desde o ponto de vista da sua função na vida, do seu lugar no
conjunto da conduta em um dado momento” (Claparède, 1972, p. 39). Em 1906,
organiza, no seu laboratório, um seminário de Psychologie pédagogique, com a finali-
dade de iniciar os futuros docentes nos métodos da psicologia experimental e da
psicologia da criança. Alguns anos depois, em 1912, cria, com um grupo de amigos,
um instituto de psicologia aplicada à educação, que recebe o nome de Instituto Jean-
Jaques Rousseau, em reconhecimento ao autor de Émile, que Claparède considera o
precursor da psicologia funcional. Esse instituto é o local em que trabalharam
posteriormente psicólogos tão destacados como, por exemplo, André Rey, Jean
Piaget e Bärbel Inhelder.
A psicologia funcional de Claparède, exposta com detalhe nas suas obras
L’education fonctionnelle e Psychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale –, que
são, em realidade, recompilações de trabalhos realizados e publicados entre 1900
e 1930, aproximadamente – proporciona um fundamento e uma justificativa às
propostas pedagógicas do movimento renovador em educação, conhecido como
“escola nova”, que se espalha na Europa nas primeiras décadas do século XX.
Assim, por exemplo, a base do processo educativo não deve ser nem a de
castigar, nem a de recompensar, mas sim o interesse profundo por uma matéria ou um
conteúdo de aprendizagem; a criança deve sentir o trabalho escolar desejável em si
mesmo; a educação terá de propor, fundamentalmente, o desenvolvimento das
funções intelectuais e morais e deverá abandonar os objetivos puramente memorís-
ticos sem relação com a vida da criança; a escola deverá ser ativa, quer dizer, há de
impor a obrigação de mobilizar a atividade do aluno; a tarefa principal do professor
deverá constituir-se em estimular os interesses da criança e em despertar os seus
interesses intelectuais, afetivos e morais; a educação deverá ser personalizada e
atender às necessidades e aos interesses de cada aluno, etc.
Porém, os ares renovadores não se limitam ao continente europeu; nos EUA,
também se assiste a uma importante mudança na maneira de entender a educação
escolar; nessa mudança, a psicologia da criança tem igualmente um papel de primeira
ordem. A concepção funcional, que irrompe na psicologia e na teoria educativa sob
o impulso de William James e de G. Stanley Hall, a quem fizemos referência em
Exemplo de aula ativa ...
... em uma das escolas da Catalúnia que
segue as propostas educativas da “escola
nova” no começo do século. Escola
municipal Casal dels Nens (método
Montessori),dirigida por Maria Dolors
Canals.
Coll_m_dulo1.p65 27/3/2008, 10:3230
PSICOLOGIA DO ENSINO 31
páginas anteriores, alcançam a sua expressão máxima com a obra de John Dewey
(1859-1952), situada na encruzilhada da filosofia, da educação e da psicologia.
A filosofia de Dewey, uma variante do pragmatismo, dá lugar no campo psico-
lógico a uma concepção funcional de comportamento, muito próxima à de
Edouard Claparède. Segundo a sua opinião, o valor de uma teoria psicológica
somente pode ser avalaida com as suas aplicações práticas; a adoção do pragma-
tismo conduz inevitavelmente à postulação da primazia do método experimental
na pesquisa psicológica.
O pensamento educativo de Dewey foi caracterizado por Claparède, com quem
manteve uma fluida relação de idéias, como a genética, a funcional e a social.
Genética, porque, para Dewey, a finalidade da educação é assegurar o desenvolvi-
mento humano e favorecer a realização plena das pessoas mediante uma reserva
inesgotável de atividade; funcional, porque as suas propostas pedagógicas tomam
como ponto de partida as necessidades e os interresses dos alunos; e social, porque
concebe a escola como um meio social com a missão de preparar os alunos para que
possam exercer uma função útil na sociedade. As formulações de Dewey, assim como
as de Claparède, em relação à escola nova, estão na origem do movimento renovador
da educação progressiva – Progressive education – nos EUA; exercerão, dessa maneira,
uma influência enorme nas escolas públicas norte-americanas durante as primeiras
décadas do século XX.
A psicologia da educação: disciplina nuclear da teoria educativa (1920-
1955, aproximadamente)
Nas décadas seguintes, a psicologia da educação mostra-se, na expressão de Wall
(1979, p. 376), a “rainha das ciências da educação”. No âmbito educativo, está
amplamente entendida a convicção de que as contribuições da psicologia da educa-
ção, entendendo por essa basicamente, os três campos de estudo e de pesquisa que
fizemos referência no item anterior – a medida das diferenças individuais e do
rendimento escolar, a psicologia da aprendizagem e a psicologia do desenvolvimento
infantil –, permitem que a pedagogia adquira definitivamente um status científico.
A medida das diferenças individuais, mais concretamente, a construção e o
aperfeiçamento de provas psicométricas, continua ocupando uma boa parte dos
esforços dos psicólogos da educação. Continuam os trabalhos de revisão da escala
métrica de Binet-Simon; o seu uso, sobretudo com a forma Standford-Binet, torna-
se popular nos EUA. Spearman anuncia, em 1927, a hipótese de um fator “g” que
interpreta como uma inteligência geral; e Otis e Thurstone ensaiam os primeiros
testes coletivos de inteligência, que, posteriormente, passaram a ser utizados na
escola como os testes de rendimento escolar. Os esforços alcançam logo a esfera
da personalidade e estendem-se à elaboração de questionários e de inventários.
Durante os anos 30, inicia, nos EUA, a produção comercial e massiva de testes, que
terão tanta presença na sociedade norte-americana nas décadas posteriores.
O progresso é espetacular em relação à análise dos processos de aprendiza-
gem e ao estudo do desenvolvimento infantil. No ano de 1942, o volume que a
National Society for the Study of Education publica anualmente para dar conta das
novidades e dos desenvolvimentos da educação é dedicado monograficamente às
teorias da aprendizagem. O volume reúne, na primeira parte, a exposição das
principais teorias da aprendizagem elaborada pelos próprios autores – Guthrie, Hull,
Lewin, Gates, Standford, etc. –; na segunda parte, as suas aplicações educativas e
escolares em termos de motivação, de métodos de ensino, de organização do
currículo escolar, etc.
A filosofia de Dewey ...
... apresenta-se em diversas publicações,
entre as quais é preciso destacar os
artigos “Significance of emotion” (1895),
“The reflex arc concept in psychology of
effort” (1897) e os livros The psychology of
number (1895) e How we think (1910).
A formação de professores ...
... da época (1920-1955) era basicamente
norteada na história da educação e da
psicologia (Husén, 1979); e as pesquisas
educativas adotam, de maneira quase
generalizada, a metodologia própria da
psicologia experimental.
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32 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
Porém, o fato possivelmente mais significativo sobre esse tema é a polêmica que
começa a estabelecer-se entre, por um lado, os psicólogos da educação que estudam
os processos de aprendizagem no laboratório, e por outro, os que buscam um objetivo
similar na sala de aula. Enquanto os primeiros propõem uma transposição à prática
escolar dos resultados obtidos no laboratório, os segundos sustentam que somente os
resultados obtidos diretamente a partir do estudo dos processos de aprendizagem em
situações reais de sala de aula são generalizáveis à prática educativa. Ambas as
posturas, já latentes nas propostas de Thorndike e Judd, a quem fizemos referências
no item anterior, serão reforçadas nas décadas seguintes até se cristalizarem em duas
concepções significativamente diferentes da psicologia da educação e da psicologia
do ensino ainda vigentes na atualidade.
Atividade 3
Resuma os pontos fundamentais de discrepância entre as proposições de Edward L.
Thorndike e Charles H. Judd quanto às prioridades da psicologia da educação. Exercite a sua
capacidade de antecipação e formule uma hipótese sobre as idéias essenciais das concepções
da psicologia da educação que essas formulações proporcionaram nas décadas seguintes.
A psicologia do desenvolvimento infantil, o terceiro dos núcleos básicos que
configuram a psicologia da educação, também experimenta um notável crescimento
em ambos os lados do Atlântico durante esse período. Nos EUA, Arnold Gessell faz
valiosas referências ao conhecimento do desenvolvimento físico e psicológico da
criança e, em 1911, põe em funcionamento, sob os auspícios da Universidade de Yale,
uma clínica infantil, a Yale Clinic of Child Development, na qual realiza um ambicioso
programa assistencial e de pesquisa sobre o desenvolvimento. Dessa época datam
igualmente os inícios de outras pesquisas longitudinais de grande envergadura –
como, por exemplo, a desenvolvida por B.T. Baldwin, na Iowa Child Welfare Station; o
Harvard Growth Study; a Fels Research; ou o Berkeley Growth Study –, pesquisas que
apresentam dados de grande interesse sobre as práticas escolares e familiares.
Dessa forma, em 1935, cria-se a Society for Research in Child Development, que
publica três revistas especializadas em psicologia do desenvolvimento – Child Deve-
lopment, Monographs of the Society for Research in Child Development e Child Development
Abstracts and Bibliography – e continuam tendo um grande prestígio na atualidade e
acolhem, nas suas páginas, trabalhos e pesquisas em psicologia da educação e em
psicologia do ensino.
Enquanto isso, na Europa, a psicologia da educação, seguindo Alfred Binet e
Edouard Claparède, identifica-se praticamente com a psicologia do desenvolvimento
infantil e continua direcionando os movimentos de renovação pedagógica da “escola
nova”, ou “escola ativa”. Dessa maneira, e contrariamente ao que ocorreu nos EUA
e no mundo anglo-saxônico, onde as figuras mais destacadas da psicologia da
educação são quase sempre figuras destacadas da psicologia da aprendizagem, na
Europa e sobretudo na França e nos países da sua área de influência, os autores mais
destacados em psicologia da educação são, em geral, figuras relevantes da psicologia
infantil, da psicologia do desenvolvimento ou da psicologia genética.
Um exemplo destacado dessa afirmação é a figura de Henri Wallon, um dos
psicólogos mais importantes de todos os tempos, autor de um plano de reforma
do ensino na França, o qual previu, entre outras medidas, a criação de um serviço
de psicologia escolar para as escolas – o Pla Langevin-Wallon, tornado público em
1944 – que serviu depois como modelo em muitos outros países.
Algo similar épreciso dizer dos sucessores de Wallon, especialmente de René
Zazzo e de Hélène Gratiot-Alphandéry, que continuaram conjugando harmoniosa-
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PSICOLOGIA DO ENSINO 33
mente a sua dedicação à psicologia do desenvolvimento e à psicologia genética com
os trabalhos e as pesquisas sobre a educação.
Menção à parte merece o caso de Jean Piaget e os seus principais colaboradores
da escola de Genebra – Bärbel Inhelder, Hermine Sinclair e Vinh Bamg, entre outros
–, responsáveis por um dos sistemas explicativos do desenvolvimento humano mais
potentes e compreensivos de todos os tempos, as aplicações educativas atualmente
vigentes. E também o caso de Lev S. Vigotsky, que integra as explicações do
desenvolvimento humano, da educação e do ensino, oferecendo um marco teórico
único para a psicologia da educação e para a psicologia do ensino. Para a sua
relevância e atualidade, as formulações de Jean Piaget e Lev S. Vigotsky são objeto de
estudo no Módulo Didático 4 e no Módulo Didático 6 que exclui uma referência mais
detalhada às suas idéias neste capítulo.
Três considerações são ainda necessárias para completar o panorama que a
psicologia da educação apresenta durante essas décadas:
Em primeiro lugar, como destacam Genovard e Gotzens (1981, p. 350), o
conceito de medida psicológica está sendo gradualmente substituído pelo de avalia-
ção, para aludir ao progresso educativo e ao rendimento escolar, o que abre um novo
e importante capítulo dentro da psicologia da educação e da psicologia do ensino.
Em segundo lugar, produz-se uma aproximação entre a psicologia da educação
e a psicologia social, que até aquele momento haviam-se ignorado mutuamente. A
psicologia da educação, centrada no estudo das diferenças individuais, do desenvol-
vimento infantil e dos processos de aprendizagem, orienta-se claramente ao estudo
do comportamento individual. Essa situação começa a mudar a partir dos anos 30,
graças aos trabalhos, entre outros, de Kurt Lewin e de seus colaboradores; eles
desenvolvem um ambicioso projeto de pesquisa sobre o clima social e as suas
repercussões na aprendizagem, ponto de partida de toda uma linha de pesquisa sobre
os estilos de ensino dos professores e a interação educativa.
Em terceiro lugar, durante essa época, configuram-se e expandem-se uma série
de escolas em psicologia, que oferecem explicações totalmente diferentes, e freqüen-
temente contrapostas, do comportamento humano; essas escolas têm, como é lógico,
os seus seguidores em psicologia da educação. Assim, o condutismo exerce uma
influência considerável sobre a psicologia da educação, especialmente com as diver-
sas teorias da aprendizagem – Thorndike, Hull, Tolman, Guthrie, etc. –, utilizadas
para explicar a aprendizagem escolar. A psicologia da forma, de outro lado, engloba
os trabalhos de Lewin, já comentados, além dos de Guillaume, Decroly e outros
autores e os utiliza para elaborar todo um conjunto de materiais pedagógicos e de
propostas didáticas – os denominados métodos globais – para o ensino da leitura, da
aritmética e para a resolução de problemas. A psicanálise introduz novas temáticas
na psicologia, destacando o papel do inconsciente na gênese das relações objetais,
questionando as relações professor-aluno, adotando uma perspectiva crítica sobre as
metas e as finalidades da educação e do ensino, além de chamar a atenção sobre a
importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento posterior.
Dessa maneira, até a metade da década de 50, um pouco mais de 30 anos depois
da data que se costuma marcar o seu nascimento, o panorama que a psicologia da
educação apresenta é extraordinariamente complexo e um pouco contraditório. De
um lado e como conseqüência do protagonismo que se atribuiu a essa disciplina na
tarefa de elaborar uma teoria educativa e de fundamentar uma prática de ensino que
responda a critérios científicos, vê-se obrigada a abordar praticamente todos os
aspectos, todas as dimensões e todos os fatores presentes nos processos educativos;
ou seja, vê-se impulsionada a ampliar consideravelmente os seus conteúdos e o seu
foco de atenção muito mais além das três áreas de trabalho e de pesquisa – as
diferenças individuais, os processos de aprendizagem e o desenvolvimento infantil
A escola Decroly, de Brussel-les, Ermitage.
Os limites da psicologia da educação
Nenhum tema, nenhum problema
relacionado com a educação e o ensino
parece ficar fora do campo de estudo da
psicologia da educação: os processos de
aprendizagem individual e de grupo, o
clima de sala de aula, a organização
escolar, o currículo, a metodologia de
ensino, os materiais didáticos, a medida
das diferenças individuais, o desenvolvi-
mento infantil, os instrumentos de
avaliação das aprendizagens, as metas e
as finalidades da educação, etc.
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34 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
– que configuraram tradicionalmente o seu núcleo essencial de atuação. Por outro
lado, como conseqüência dessa ampliação dos conteúdos e das temáticas que estuda,
os seus limites vão delineando-se e torna-se cada vez mais difícil precisar em que
consiste a sua especificidade em relação às outras áreas da psicologia e às outras
ciências da educação.
Tal heterogeneidade de temáticas e de conteúdos reflete o protagonismo que se
atribui à psicologia da educação durante esse período – e que a própria psicologia da
educação atribui a si mesma –, na pesquisa de soluções práticas para satisfazer as
necessidades e as demandas educativas; impossibilita, de fato, a elaboração de teorias
e de explicações próprias, já que a falta de limites do objeto de estudo e dos fenômenos
que a explicação deve incluir tornam essa tarefa praticamente impossível, pelo menos
a partir de uma perspectiva científica.
A psicologia da educação aparece, sobretudo, como um espaço de trabalho e de
atuação científica e profissional que se nutre de proposições de praticamente todas as
áreas da psicologia – e também das outras áreas e disciplinas não estritamente
psicológicas –, com a finalidade de contribuir para elaborar uma teoria educativa de
base científica e para melhorar a educação e o ensino. A sua especificidade, se
podemos denominá-la assim, reside, portanto, na vontade de aplicação e de utiliza-
ção do conhecimento psicológico para uma compreensão, uma explicação, um
planejamento e um desenvolvimento melhores dos processos educativos. Contudo,
o problema de fundo, que somente se manifesta esporadicamente nesse período,
porém que condicionará o futuro da psicologia da educação e da psicologia do ensino
nas décadas posteriores, é a debilidade epistemológica que fundamenta tal vontade.
O que está em questão não é o caráter aplicado da psicologia da educação e da
psicologia do ensino, mas em que consiste essa aplicação e quais são as exigências
que deverão atender para alcançar a meta que se busca: contribuir para a
elaboração de uma teoria educativa fundamentada cientificamente e melhorar,
de acordo com essa teoria, a educação e o ensino.
Atividade 4
Selecione cinco características que lhe pareçam especialmente significativas para caracteri-
zar a evolução experimentada pela psicologia da educação durante este período (entre 1920
e 1955, aproximadamente). Escreva-os. Quais constituem uma novidade e quais são um
reforço, ou um aprofundamento de tendências que aparecem no período anterior (1890-1920,
aproximadamente)?
A psicologia da educação e a do ensino e a aproximação multidisciplinar
ao estudo dos fenômenos educativos (desde 1955, aproximadamente)
No decorrer dos anos 50, ocorre uma série de fatos que modificam substancialmente
o panorama descrito no capítulo anterior e que serão decisivos no futuro das relações
entre o conhecimento psicológico e a teoria e a prática educativas; também o serão,
logicamente, no futuro da psicologia da educação e do ensino. Enunciados brevemen-
te, esses fatos podem ser sintetizados da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, produz-se uma conscientização cada vez mais críticadas
dificuldades apresentadas na integração dos resultados, nem sempre conscientes,
das pesquisas que, a partir de diferentes âmbitos, nutrem a psicologia da educação.
Tais dificuldades têm sua origem não somente na diversidade de temas e de aspectos
pesquisados, mas também na consolidação das escolas de pensamento em psicologia,
que oferecem explicações alternativas e freqüentemente confrontadas dos próprios
fatos empíricos. Um exemplo ilustrativo é a dúvida crescente em relação à verdadeira
utilidade para a educação escolar das grandes teorias explicativas da aprendizagem
A contradição na psicologia ...
... da educação é evidente. O fulgurante
desenvolvimento que a psicologia da
educação experimenta, durante a
primeira metade do século XX, repousa,
em último caso, sobre uma dependência
total, a partir do ponto de vista
epistemológico, em relação às outras
áreas de trabalho e da pesquisa da
psicologia científica.
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PSICOLOGIA DO ENSINO 35
elaboradas nas épocas anteriores; outro exemplo é a reativação da velha polêmica,
iniciada por Thorndike e Judd nos anos 30, sobre a escassa pertinência educativa dos
conhecimentos psicológicos obtidos com uma experimentação de laboratório que
ignora o contexto real em que ocorrem os processos escolares de ensino e de
aprendizagem.
Atividade 5
Faça uma pequena enquete com seus conhecidos que se dedicam ao ensino. Pergunte-lhes
qual é a sua opinião sobre a utilidade potencial da pesquisa psicológica de laboratório para
o seu trabalho. Não se contente em obter somente a sua opinião; solicite que ilustrem com
alguns exemplos. Talvez você se surpreenda quando constatar que, às vezes, as opiniões
mais absolutas em um ou outro sentido não podem apoiar-se sobre exemplos concretos.
Em segundo lugar, no decorrer dos anos 50 e 60, começa a surgir uma série de
disciplinas que, como a psicologia da educação e o do ensino, tem também como
objeto de estudo os fenômenos educativos. É o caso, por exemplo, da educação
comparada e também da economia da educação, da sociologia da educação, da
tecnologia educativa e do planejamento educativo. O aparecimento e o desenvolvi-
mento posterior dessas disciplinas questionarão o protagonismo que até agora a
psicologia da educação tinha e enfatizarão as insuficiências e as limitações da análise
psicológica para chegar a uma compreensão global dos fenômenos educativos.
Em terceiro lugar, ao final da década de 50, ocorre uma série de acontecimentos
políticos, econômicos e culturais que alteram radicalmente as coordenadas da educa-
ção escolar nas sociedades desenvolvidas da Europa; também terão algumas claras
repercussões sobre o desenvolvimento futuro da psicologia da educação e da psico-
logia do ensino. Entre esses acontecimentos é preciso destacar o início de uma época
de prosperidade econômica sem precedentes; o começo de um período de distensão
na guerra fria que mantém, a partir da metade da década de 40, nos EUA e nos países
do bloco comunista, o deslocamento progressivo da confrontação entre estes dois
blocos até o terreno do desenvolvimento científico e tecnológico; o impacto da
doutrina igualitária em educação, e a crença, cada vez mais generalizada, de que a
educação é um instrumento eficaz de mudança e de progresso social; a ativação de
políticas orientadas para escolarizar a totalidade da população infantil; a extensão da
escolaridade obrigatória até aos 14, 15 e até 16 anos; e a ativação de reformas
educativas em profundidade em quase todos os países avançados.
Nesse ambiente, caracterizado pelo bem-estar econômico e pelo otimismo sobre
a função social da educação, produz-se, na maior parte dos países ocidentais, um
incremento espetacular dos investimentos destinados à promoção da pesquisa
educativa, e os processos de reforma e de inovação nesse campo. A psicologia da
educação, pela posição privilegiada que tem ocupado historicamente na disposição
das disciplinas dedicadas ao estudo dos fenômenos educativos, beneficia-se especi-
almente da nova situação e da contribuição de recursos econômicos e humanos. A
participação de psicólogos educacionais em projetos de pesquisa educativa, nos
processos de formação dos futuros professores e nos seus serviços de psicologia
escolar e de orientação escolar cresce significativamente; ao mesmo tempo, criam-se
novas associações profissionais e constituem-se centros de pesquisa e departamentos
de psicologia da educação em muitas universidades. Com o amparo deste movimen-
to mais geral, a psicologia da educação pode ser, como destacou Wall (1979), um dos
motores que mais contribuem para impulsionar o desenvolvimento da psicologia
científica entre 1950 e 1975, aproximadamente.
A prosperidade econômica ...
... do final dos anos 50 influi muito na
mudança de coordenadas da educação
escolar na Europa e nos EUA.
A extensão da escolaridade ...
...aos 14 anos e em alguns países até os
15 ou 16 é um exemplo da mudança de
direção que a educação escolar vai
realizar no final dos anos 50.
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36 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
Porém, não se pode atribuir à psicologia da educação a responsabilidade de
proporcionar à teoria e à prática educativas uma fundamentação científica. Como se
destacou antes, a existência de outras disciplinas que foram surgindo com força no
decurso dos anos 50 obrigam-na, por um lado, a situar as suas contribuições no marco
de uma aproximação multidisciplinar ao estudo dos fenômenos educativos e, por
outro, e como correlato ao anterior, a precisar e delimitar o seu objeto de estudo.
Justamente este esforço para precisar a sua identidade, para definir o que lhe é
próprio e específico em contraposição às outras disciplinas psicológicas e educativas,
leva amplos setores de psicologias educacionais a optarem por um enfoque educaci-
onal centrado no estudo dos processos de aprendizagem dos conteúdos escolares e
dos fatores que intervêm nesses processos.
O deslocamento progressivo da psicologia da educação até um enfoque instrucio-
nal é uma tendência visível já no final dos anos 60. Há dois fatores que contribuem
para reforçá-la: em primeiro lugar, a importância atribuída à educação escolar na
nossa sociedade, muito superior a que se costuma atribuir a outros tipos de
práticas e de atividades educativas, e também, o interesse e a urgência social para
encontrar respostas e soluções satisfatórias aos problemas que se apresentam; em
segundo lugar, o auge crescente da psicologia cognitiva na explicação dos
processos subjacentes à aprendizagem, às diferenças individuais e, em menor
grau, também às explicações dos processos de desenvolvimento.
A psicologia da aprendizagem aparece dominada, ainda nos anos 50, pelas
teorias condutistas que explicam a aprendizagem como uma mudança na probabili-
dade do aparecimento da conduta. A teoria do condicionamento operante de Skinner,
estendida amplamente nos anos 50, 60 e em parte dos 70, gera no campo educativo
um modelo de ensino – Educational Technology, ou Technology of Teaching –, que é a
origem do ensino programado e das máquinas de ensinar que alcançam tanta
popularidade naquele período. De qualquer forma, já durante os anos 70, e sob a
influência das propostas cognitivistas, a aprendizagem começa a ser analisada, mais
especificamente, como o resultado de uma série de mudanças nos estados de
conhecimento do sujeito que aprende. Esse é o ponto de partida do estudo das
estruturas de conhecimento mediante a utilização de linguagens formais inspiradas
na inteligência artificial, próprio dos trabalhos inscritos em um enfoque de processa-
mento humano da informação, que conduzem, no decorrer dos anos 70, a explicar a
aprendizagem como um processo de aquisição, de reestruturação e de mudança de
estruturas cognitivas.
A evolução na explicação da aprendizagem, à qual contribuem de maneira
decisiva numerosos psicólogos da educação – Bruner, Greeno, Ausubel, etc. –,
produz uma aproximação entre a psicologia da aprendizagem e a psicologia do
ensino;reforça, de forma considerável, a tendência da psicologia da educação, já
presente nas propostas da tecnologia educativa de Skinner e de seus seguidores, em
adotar um enfoque educacional. Efetivamente, o auge do modelo cognitivo e o seu
interesse pelas formas complexas de atividade intelectual levam, com freqüência, os
pesquisadores a selecionarem, como objeto de estudo, tarefas, conteúdos e situações
que fazem parte do currículo escolar – leitura, escrita, aritmética, resolução de
problemas, noções de físicas e de ciências sociais, etc. –; ao mesmo tempo, os
psicólogos da educação encontram também no modelo cognitivo um marco teórico
apropriado para explicar a aprendizagem dos conteúdos complexos, como são, em
geral, as aprendizagens escolares. Chega-se assim, pelo menos nos EUA e no mundo
anglo-saxônico, a identificar a psicologia da educação com a psicologia do ensino e
essa última com a psicologia cognitiva das aprendizagens escolares. A “psicologia
cognitiva e do ensino”, nas palavras de Resnick (1981), representa a culminação desse
processo.
Nos anos 50 ...
... a psicologia da aprendizagem
comumente está dominada pelas teorias
condutistas de Skinner.
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PSICOLOGIA DO ENSINO 37
Enquanto a evolução do estudo das diferenças individuais e do rendimento
escolar seguem algumas pautas similares às indicadas no caso da aprendizagem, com
um predomínio evidente das explicações cognitivas inspiradas de uma maneira ou de
outra no enfoque do processamento humano da informação, não se pode dizer o
mesmo daquilo que faz à psicologia do desenvolvimento. Como se pode comprovar
nos Módulos Didáticos 4 e 6, as duas teorias do desenvolvimento humano que
continuam tendo mais influência sobre a educação e que proporcionam mais pontos-
chave para compreender e explicar os fenômenos educativos – a teoria genética de
Piaget e a teoria sociocultural de Lev S. Vigotsky –, não respondem exatamente ao
cenário delineado anteriormente. Por um lado, embora possam ser qualificadas em
certo sentido como teorias cognitivas – no caso de Piaget – ou sociocognitivas – no
caso de Vigotsky –, não compartilham alguns postulados essenciais dos modelos
cognitivos inspirados no enfoque do processamento humano da informação. Por
outro lado, mesmo com ênfase e implicações diferentes, a partir de ambas as teorias
tende-se a situar a educação escolar em um contexto mais amplo e a chamar atenção
sobre a importância de outras práticas e experiências educativas para o desenvolvi-
mento humano; com isso, oferece-se resistência à redução da psicologia da educação
à psicologia do ensino.
Destacamos ainda, para finalizar que, paralelamente, à tal evolução, voltou-se
a sentir, cada vez com mais insistência, as vozes que evidenciam que a riqueza das
elaborações teóricas e dos resultados proporcionados pela pesquisa psicoeducativa
e psicoinstrucional não correspondem com a capacidade mostrada para modificar
realmente as práticas educativas e melhorar a educação. A adoção progressiva de um
enfoque instrucional, implicando uma delimitação maior do objeto de estudo, não
parece que tenha servido para corrigir essa situação. O fato inquestionável é que a
psicologia da educação, depois de quase 100 anos de história, não tenha satisfeito
adequadamente as expectativas que desde o começo foram depositadas nessa disci-
plina e que, de alguma maneira, continuam vigentes: proporcionar uma base cientí-
fica à teoria educativa e oferecer propostas concretas para melhorar a educação e o
ensino.
Atividade 6
Revise suas antoções da Atividade 1. Que tipos de expectativa refletem quanto à capacidade
da psicologia da educação em proporcionar uma base científica à teoria educativa e oferecer
respostas concretas para melhorar a educação e o ensino? A sua visão inicial foi reforçada ou
você experimentou alguma mudança?
É evidente que existe a possibilidade de argumentar que a psicologia da
educação e do ensino são disciplinas bastante jovens, que estão iniciando, e que, à
medida que vão incrementando o seu caudal de conhecimentos, poderão dar resposta
às expectativas que foram criadas. Muitos autores, porém, pensam que tal explicação
é excessivamente simples e que os problemas de fundo são outros.
Em primeiro lugar, a psicologia da educação e a psicologia do ensino devem
assumir, com todas as conseqüências, que a enorme complexidade dos fenômenos
educativos exige uma aproximação multidisciplinar e que, portanto, as suas propo-
sições, embora sejam sem dúvida essenciais, devem articular-se com as outras
disciplinas que estudam esses mesmos fenômenos a partir de perspectivas, por sua
vez, diferentes e complementares à sua.
Em segundo lugar, como já foi manifestado no esboço histórico traçado, a
aplicação e a utilização do conhecimento psicológico na educação e no ensino têm
sido feito quase sempre de uma maneira excessivamente unidirecional, que consiste
em selecionar, entre os conhecimentos psicológicos disponíveis em um determinado
momento, os que se consideram potencialmente úteis e relevantes para a educação e
o ensino. Não é essa, como veremos mais adiante, a única maneira de entender o
caráter aplicado da psicologia da educação e da psicologia do ensino, nem de utilizar
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38 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
o conhecimento psicológico na tentativa de melhorar a educação e de alcançar uma
compreensão melhor dos processos educativos.
Atividade 7
Dessas duas interpretações, qual lhe parece mais acertada? Argumente a sua opinião por
escrito. Repita o exercício quando tiver trabalhado os seis módulos do livro. Sua opinião
mudou? Compare os argumentos utilizados nos dois momentos.
A psicologia da educação e a psicologia do ensino na Catalúnia e na
Espanha
Como nos outros países do nosso meio, as primeiras tentativas dirigidas a funda-
mentar cientificamente a educação a partir da psicologia são produzidas na Espa-
nha nas últimas décadas do século XIX e prosseguem com força até serem brusca-
mente interrompidas, a partir de 1936, pelo traumático acontecimento da Guerra
Civil e do estancamento científico e cultural que isso representou. No início, o
protagonismo corresponde à Instituição Livre de Ensino, fundada por Giner de los
Ríos, em 1876; seus membros compartilham o objetivo da renovação social e política
da Espanha mediante a renovação pedagógica, isto é, por meio de um ensino
científico e livre.
Para os participantes da Instituição, seguidores do pensamento liberal e pro-
gressista do krausismo introduzido na Espanha por Julián Sanz del Río, um ensino
livre é aquele que não está submetido às pressões e ao ditado da ortodoxia católica e
do poder estatal; e um ensino científico é aquele que está baseado na ciência positiva,
da qual faz parte, evidentemente, a nova psicologia, que está começando a dar os seus
primeiros passos.
Dessa forma, a afirmação de Carpintero (1980), segundo a qual o início da
psicologia científica na Espanha está marcado por uma forte saturação ideológi-
ca, pode ser entendida, sem forçá-la em absoluto, como o início das relações entre
a psicologia e o ensino, entre a psicologia e a educação.
O interesse da Instituição pela pedagogia e pelos seus fundamentos psicológi-
cos manifesta-se com clareza na revista publicada entre 1887 e 1936, com o título de
Boletín de la Institución Libre de Enseñanza, que inclui somente trabalhos sobre esses
temas (Peiró e Carpintero, 1981). Nessa revista, há publicações de diversos autores
espanhóis como, por exemplo, Luis Simarro, Julián Sanz del Río, Giner de los Ríos,
Julián Besteiro, Concepción Arenal, Domingo Barnes, José Mallart e Juan Vaqueira.
São particularmente interessantes as colaborações de autores estrangeiros, entre os
quais se destacam John Dewey, Edouard Claparède e G. Stanley Hall, três reconhe-
cidos pesquisadores da psicologia da criança e pioneiros da psicologia da educação.
A influência da psicologia da criança e a psicologia do desenvolvimento sobre
a renovação pedagógica que impulsionaa Instituição Livre de Ensino é evidenciada
também na Revista de Pedagogía, fundada por Lorenzo Luzuriaga; no comitê de
redação da revista, aparecem dois nomes-chave da história da psicologia espanhola:
Gonzalo Rodríguez Lafora e Emili Mira López. Também neste caso se destacam, entre
as colaborações estrangeiras, as de Claparède, de Montessori e de Piaget, o que se
pode interpretar como um indicador da influência da psicologia do desenvolvimento
sobre a renovação pedagógica espanhola e, ao mesmo tempo, como um testemunho
da presença da psicologia de fala francesa no nosso país. Os dados que dão suporte
a esta interpretação são numerosos. Assim, por exemplo, quando é criado o Instituto
de Reeducación Profesional de Inválidos de Carabanchel, entre os seus membros figuram
Pedro Rosselló e Mercedes Rodrigo, dois psicólogos que fizeram cursos de formação
Giner de los Ríos
Fundador da Instituição Livre de Ensino,
dá um dos primeiros passos na Espanha
para tentar fundamentar cientificamente
a educação a partir da psicologia.
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PSICOLOGIA DO ENSINO 39
com Claparède no Instituto Jean-Jacques Rousseau, de Genebra. A influência de
Claparède é igualmente manifestada nos trabalhos do Instituto Nacional de Psicotec-
nia, criado em Madrid, em 1928, e dirigido por José Germain.
A história da psicologia da educação e da psicologia do ensino na Espanha e na
Catalúnia: leituras recomendadas
A história da psicologia da educação na Espanha e na Catalúnia é uma tarefa na qual ainda
há muito a ser feito. Apesar disso, alguns trabalhos publicados nos últimos 15 anos oferecem
elementos sumamente interessantes para compreender como se propõem entre nós as
relações entre a psicologia e a educação e como essas relações como foram evoluindo desde
o final do século XIX até a atualidade. Os trabalhos de Yela (1976), Siguán (1977) e Carpintero
(1980) proporcionam perspectivas globais sobre a história da psicologia na Espanha. Menção
especial merece o artigo de Siguán, publicado em 1981, “Testemunho pessoal”; nesse
documento, faz um exame detalhado processo de recuperação seguido pela psicologia
espanhola desde a Guerra Civil até o começo da década de 80. Em relação ao que foi feito na
Catalúnia, a obra de referência básica é o livro, também publicado por Siguán, em 1981, La
psicología a Catalunya. Os capítulos VI – O movimento de renovação pedagógica e a sua
repercussão na psicologia – e VII – A orientação profissional, Emili Mira e Joaquim Xirau –
tratam especificamente das relações entre a psicologia da educação na Catalúnia durante o
primeiro terço do séulo XX. A sua leitura é particularmente apropriada para ampliar e
aprofundar esse ponto.
O outro grande centro de desenvolvimento das idéias psicológicas e pedagógi-
cas durante essa época é Barcelona. Em 1908, cria-se o Museu Social, dependente da
Diputación* da Província de Barcelona, presidida, na ocasião, por E. Prat de la Riba;
o objetivo era “estimular e fomentar toda iniciativa em favor das classes trabalhado-
ras e colocar, gratuitamente, à disposição dos trabalhadores os documentos, os
planos, os estatutos e outros elementos de informação científica das instituições que
tenham por objetivo a melhora moral e material das classes populares” (Kirchner,
1979, p. 7). Em 1914, e outra vez com o apoio de Prat de la Riba, reorganiza-se o Museu
e cria-se a Secretaria de Aprendizagem, encarregada de organizar e desenvolver
atividades de orientação profissional. Finalmente, em 1918, como resultado da
iniciativa conjunta do governo provincial e municipal de Barcelona, o Secretariado
torna-se Institut d’ Orientaçó Profesional. Lluís Trias de Bes e Emili Mira López
encarregam-se de dirigir, respectivamente, as seções médico-antropométrica e psico-
métrica do Instituto. Uma boa prova do prestígio alcançado pelo Instituto de
Orientação Profissional, nos anos seguintes, é o encargo que recebe para organizar,
como proposta de Claparède, a Segunda Conferência Internacional de Psicotecnia,
sediada em Barcelona, em 1921; constituiu-se em um grande evento na atividade da
instituição (Siguán, 1981b).
Depois do golpe de estado de Primo de Rivera e da supressão da Mancomuni-
tat**, verdadeiro organismo incentivador do auge cultural e científico que se viveu
durante aqueles anos, na Catalúnia, o Instituto de Orientação Profissional entra numa
prolongada fase de decadência. A situação modifica-se com a aprovação do Estatuto
de Formação Profissional, incentivado por César de Madariaga e no qual colaboram
intensamente José Germain e Emili Mira i López; reconhece a existência de dois
institutos, um em Madrid e outro em Barcelona. Finalmente, com a chegada da
República e a consecução da autonomia para a Catalúnia, o Instituto Psicotécnico de
Barcelona torna-se Institut Psicotècnic de la Generalitat***. Além das tarefas de orienta-
ção e de seleção profissional e as de psicotecnia comercial e industrial que realizava
na fase anterior, o Instituto apresenta a novidade de uma seção de psicopedagogia,
*N. de T. Entre outras atribuições, significa conjunto de deputados.
**N. de T. União; associação. “Corporação constituída pelo agrupamento de municípios ou províncias.”
Associação de vários conjuntos residenciais com serviços comuns para a administração dos interesses
coletivos. (Fonte: Pequeno Larousse Ilustrado, Buenos Aires: Larousse, 1995.)
***N. de T. Nome antigo das Cortes catalanas, adotado pelo Governo Autônomo da Catalunya (1931-
1939), sendo restabelecido em 1977.
Um símbolo importante ...
... da renovação pedagógica na Catalúnia
é o Instituto de Estudos Catalanes,
criado pela Mancomunidade da
Catalúnia com o objetivo de superar a
apatia dos setores universitários da
época.
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40 CÉSAR COLL SALVADOR & Cols.
com o objetivo de prestar assistência às crianças com dificuldades escolares e de
colaborar com o movimento de renovação pedagógica, que, naquele momento, tem
forte presença na Catalúnia.
Efetivamente, sob o incentivo da Mancomunitat primeiro, e com o apoio da
Generalitat depois, a renovação pedagógica na Catalúnia conhece momentos de
enorme interesse e intensidade. O protagonismo corresponde, nesse caso, ao Institut
d’ Estudis Catalans, criado também pela Mancomunitat com o fim, pelo menos em
parte, de contrastar a apatia e a inibição que prevalecem em amplos os setores da
universidade. Por outro lado, o desenvolvimento das idéias pedagógicas na Catalú-
nia apresenta bastante semelhança com o protagonizado, naquela mesma época, pela
Instituição Livre de Ensino, em Madrid: a base psicológica da criança e a psicotecnia
são as áreas mais influentes na pesquisa de propostas pedagógicas renovadoras; a
relação com os psicólogos e pedagogos franceses – Claparède, Decroly, Piaget, etc. –
é particularmente intensa; finalmente, as idéias pedagógicas renovadoras têm um
forte componente de ideologia liberal, progressista, leiga e, no caso da Catalúnia,
nacionalista.
O Laboratório de Psicologia Experimental, incentivado mais uma vez pela Manco-
munitat, é o instrumento de pesquisa do qual se dá a renovação pedagógica da
Catalúnia, para dar suporte e fundamentar as suas idéias com os resultados de
pesquisas empíricas. Apesar disso, o Laboratório, criado em 1921, desaparece em
1924 com a ditadura de Primo de Rivera, sem ter cumprido seus objetivos. Mais tarde,
com a criação do Institut Psicotécnic de la Generalitat, depois da proclamação da
República e a consecução da autonomia da Catalúnia, os objetivos do Laboratório são
assumidos pela nova Seção de Psicopedagogia do Instituto, que, assim, garante a
continuidade do projeto inicial. Produz-se, dessa maneira, a confluência, em uma
mesma instituição, do interesse pelas idéias pedagógicas renovadoras e pela pesquisa
educativa e do interesse pelas novas proposições psicológicas e pela pesquisa
psicológica. Fruto de tudo isso é o aparecimento de uma revista nova, a Revista de
Psicologia i Pedagogia; torna-se, entre 1933 e 1937, um fórum

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