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amazonialatitude com-O Impacto da Cargill nas comunidades de pescadores do Rio Tapajós (2)

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Da Redação March 26, 2019
O Impacto da Cargill nas comunidades de pescadores do Rio
Tapajós
amazonialatitude.com/2019/03/26/impacto-da-cargill-nas-comunidades-de-pescadores-do-rio-tapajos/
Em relato à Amazônia Latitude, César fala sobre as mudanças decorrentes do porto
da empresa norte-americana em Santarém
No ano de 1999, a Cargill comemorava o sucesso da licitação que lhe dava o direito de
construir um porto na praia de Vera-Paz, em Santarém (PA). Naquele momento, a
chegada do investimento externo era bem vista pela sociedade santarena, que
acreditava que o empreendimento traria renda e desenvolvimento para a cidade. O
porto, que começou a operar efetivamente em 2003, se mostrou uma promessa vazia –
o astronômico desenvolvimento econômico que a região esperava não aconteceu. A
empresa chegou aenfrentar acusações de omissão de estudos de impacto ambiental e
social a partir do o ano 2000. E ao publicar o Relatório de Impacto Ambiental ( RIMA),
em 2010, foi acusada de fraudar o estudo por trazer informações inverídicas com a
intenção de mascarar efeitos negativos inerentes à produção de soja.
Aproximadamente duas décadas depois, o pescador César* fala sobre os impactos da
Cargill na sociedade santarena. Segundo ele, a transformação mais expressiva foi a
perda da praia de Vera-Paz, antigo ponto turístico e fonte de lazer para os moradores da
cidade. “Depois que a Cargill veio para cá, essa praia acabou, sumiu”, relata César, que
conduz um pequeno barco enquanto mostra a margem abandonada que costumava ser
uma das principais praias da cidade.
O pescador também fala sobre o resíduo da soja, que se transforma em grandes cortinas
de poeira tóxica nos embarques e desembarques dos grãos nos portos da Cargill, o que
afeta não apenas os pescadores como ele, que dependem do Tapajós para retirar seu
sustento, mas também as famílias que vivem próximas à região portuária. “As pessoas
deviam estudar bem o impacto que uma empresa dessas traz para a cidade, né? Porque
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https://amazonialatitude.com/2019/03/26/impacto-da-cargill-nas-comunidades-de-pescadores-do-rio-tapajos/
http://g1.globo.com/natureza/noticia/2011/09/mp-denuncia-fraude-em-estudo-ambiental-do-porto-da-cargill-no-para.html
de benefício mesmo para nossa região ela não trouxe nada. Até principalmente, os
funcionários dali – a maioria é de fora, não tem funcionário da região. Os funcionários
da região são só aqueles para abrir portão, fechar portão, mas de alto escalão aí dentro
não tem. Vem tudo de fora”.
Meio ambiente
Em mais de uma ocasião a Cargill foi pressionada por órgãos ambientais, como o
Ibama, para que encerrasse as atividades do porto de escoamento de soja por conta do
alto impacto social e ambiental. A empresa, que demorou a apresentar um estudo de
impacto para a região, foi impedida de operar em várias ocasiões em decorrência dessa
irregularidade – a primeira vez em 2007, quando foi condenada pelo Tribunal Regional
Federal da 1ª região a paralisar suas atividades até que o EIA-RIMA, desde então
omisso, fosse apresentado e executado; em 2010 foi punida pelo Ministério Público por
fraudar o mesmo relatório; e em 2018 foi multada pelo Ibama junto de outras empresas
por fomentar o desmatamento no Cerrado através da colaboração com a produção ilegal
de soja na região. Entre outras questões, a multinacional promoveu um êxodo de
produtores sulistas em direção à região de Santarém em uma corrida pelo mercado da
soja. Dessas questões surgiram outros problemas, como a expropriação de terras de
pequenos produtores para dar lugar a campos de soja. Essa atividade muitas vezes é
feita sob ameaças de morte e outras consequências para quem se recusar a abandonar
sua terra, prática conhecida com grilagem.
Para César, a Cargill responde por mudanças drásticas e irreversíveis em seu modo de
vida. Pescador no Tapajós por décadas, relata que isso se tornou inviável depois das
transformações promovidas pelo porto. Primeiramente, pela escavação das margens do
que costumava ser a praia de Vera-Paz, que precisavam de mais profundidade para que
os navios pudessem atracar, o que levou os peixes que circulavam por aquela região
deixassem o local. Outro fator determinante é o impacto do resíduo da soja nos
pescadores que ali trabalham sem o uso da proteção necessária para minimizar os
efeitos dos agrotóxicos na atmosfera. “Porque não usa óculos, não usa proteção, e aquilo
quando vem no olho…. Conheço um rapaz que, esses dias mesmo, tava me dizendo
“rapaz eu não enxergo mais nada aqui”. Não tem como. Baque do resíduo da soja”,
revela César.
Pesca no Tapajós
Antes da instalação da Cargill, César lembra como era simples a vida de pescador. Ele
fala que a uma década atrás havia muita fartura, que em apenas um dia podia garantir o
sustento da semana. “Dez anos atrás, você descia aqui na beira do rio para pegar um
peixe, bastava trazer uma redinha de cinquenta metros, vendia peixe igual vendia”.
Hoje em dia é cada vez mais difícil para o pescador sobreviver sem assistência social, a
pesca já não basta. Se antes contava com certa estabilidade em sua profissão, agora sai
todo dia em busca do peixe cada vez mais escasso e, quando consegue, recebe apenas
100R$ dos mercados da cidade por tudo o que consegue pescar durante a semana.
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https://www.greenpeace.org/archive-brasil/pt/Noticias/porto-da-cargill-em-santarem-e/
https://www.greenpeace.org/brasil/blog/operacao-do-ibama-multa-empresas-e-produtores-por-soja-ilegal-no-cerrado/
O caso de César é apenas um nó no emaranhado de problemas pelos quais passam os
povos tradicionais de Santarém. Como outros, viu seu modo de vida ser solapado aos
poucos pela Cargill, viu os peixes deixarem os leitos de Santarém e seus colegas de
profissão amargarem com complicações financeiras e de saúde com o passar dos anos.
“O nosso sindicato está meio desorganizado nessa área, mas os pescadores, as pessoas
que pescam mesmo, que são envolvidas diretamente, estão pensando como é que vai
ser. Porque eles fechando lá, a água do Amazonas, a tendência é ela entrar aqui dentro
do Tapajós. Então vai acabar com toda essa região aí – praia, hotéis do chão, tudo isso
aí vai atingir. Mas a gente espera que haja solução, principalmente esse resíduo da
Cargill aí, ele é muito forte, eu vou te dizer uma coisa”.
Apesar dos impactos causados no ecossistema, no estilo de vida e saúde dos povos
tradicionais, os governantes de Santarém estudam a construção de mais um porto de
escoamento de soja, dessa vez da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps),
alicerçada nas mesmas promessas trazidas pela Cargill em 1999. A Embraps visa a
construção de seu porto na região do Lago do Maicá, onde vivem 1.500 famílias de
ribeirinhos e uma vasta gama de espécies de peixes, aves e microrganismos ameaçados
pelo puro interesse econômico.
*César – a Amazônia Latitude, em respeito ao pescador, manteve seu nome e outras
informações ocultas para preservar sua integridade física e moral.
A Amazônia Latitude é um projeto independente, sem fins lucrativos, que visa ampliar o
debate crítico a respeito da região amazônica e expor sua diversidade cultural, sua
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	O Impacto da Cargill nas comunidades de pescadores do Rio Tapajós
	Em relato à Amazônia Latitude, César fala sobre as mudanças decorrentes do porto da empresa norte-americana em Santarém
	Meio ambiente
	Pesca no Tapajós
	*César – a Amazônia Latitude, em respeito ao pescador, manteve seu nome e outras informações ocultas para preservar sua integridade físicae moral.

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