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Fascículo 6 - À ESPERA DO PÃO: A PADARIA ESPIRITUAL E O SIMBOLISMO

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f
6
Sânzio de Azevedo
À Espera 
do Pão
a Padaria Espiritual 
e o Simbolismo
l
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u
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CURSO
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a
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n
s
e
Realização
1.
SEGUINDO 
AS MIGALHAS 
D’O PÃO
Rua Formosa, moça bela a passear/
Palmeira verde e uma Lua a pratear/
Um olho vivo, vivo, vivo a procurar/
Mais uma ideia pro padeiro amassar/
Mais uma ideia pro padeiro amassar.
Ednardo, em “Artigo 26”.
o Ceará sempre houve grê-
mios, literários ou não. Para 
não recuar até os Oiteiros 
do tempo do governador 
Sampaio (1813), basta lem-
brar, nos anos 70 do século 
XIX, a Academia Francesa, 
mais voltada para a filoso-
fia e a crítica e, nos anos 80, 
o Clube Literário, onde se iniciou Antônio 
Sales (1868-1940).
82 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
MALACA
CHETAS
“Artigo 26”, composição de Ednardo, 
traz várias referências à Padaria 
Espiritual. A “Rua Formosa”, endereço 
das sedes da Padaria, o “olho vivo”, 
representando o “Olho da Providência”, 
a função de um padeiro que seria 
a de “investigador das coisas e das 
gentes”. A “palmeira”, desde os tempos 
de Gonçalves Dias, exemplo da flora 
nativa brasileira. A “ideia para o padeiro 
amassar” e na fornada se transformar 
n’O Pão, veículo da agremiação. Daí 
também “O padeiro entregando o 
pão” e “O pão na boca é o que te cura” 
(nesse caso, da ignorância “que é 
indigesta para o freguês”). O “Sanhaçu”, 
considerada uma ave (também) 
brasileira, ao mesmo tempo, nome 
de guerra de Antônio de Castro 
(Aurélio Sanhaçu), entre outros. 
Ouça a música na voz de seu autor. 
Acesse: https://www.youtube.com/
watch?v=fyhbVzqaNQY
Já em 1891, reuniam-se vários escritores 
no Café Java (um dos quatro quiosques da 
praça do Ferreira), no centro de Fortaleza. 
Desse grupo o citado Antônio Sales, o único 
que tinha um livro, Versos diversos, publica-
do no ano anterior.
Todos lamentavam o fato de a capital ce-
arense ter pequenos grupos, mas nunca mais 
surgira grêmio de peso, como os citados. Os 
amigos queriam fundar um grêmio, mas Antô-
nio Sales era contra: “Associações pequenas, 
cheias de retórica, havia muitas.” E concluía: 
“Só se fosse uma coisa nova, original, e mes-
mo um tanto escandalosa, que sacudisse o 
nosso meio e tivesse repercussão lá fora!”
Ele, então, que tivera a ideia, que lhe des-
se o nome e as diretrizes, disseram os amigos.
2.
O ORIGINAL 
PROGRAMA 
DE INSTALAÇÃO
oi assim que, depois de pou-
cos dias, Sales voltou com um 
nome: Padaria Espiritual! O 
título foi bem recebido, e An-
tônio Sales encarregou-se de 
redigir não os estatutos, mas 
um Programa de Instalação 
que, depois de dizer que se 
tratava de uma “sociedade de 
rapazes de Letras e Artes”, acrescentava, 
no segundo item: “A Padaria Espiritual se 
comporá de um padeiro-mor (presiden-
te), de dois forneiros (secretários), de um 
gaveta (tesoureiro), de um guarda-livros, 
na acepção intrínseca da palavra (biblio-
tecário), de um Investigador das Cousas 
e das Gentes, que se chamará – Olho da 
Providência, e demais amassadores (só-
cios). Todos os sócios terão a denomina-
ção geral de padeiros.” 
Advirta-se que, na época, “guarda-livros” 
era o nome que se dava ao contador...
E por que “rapazes de Letras e Artes”? 
Porque, além de escritores, como Sales, 
Álvaro Martins (1868-1906), Sabino Ba-
tista (1868-1899) e muitos outros, havia 
um pintor, Luís Sá (1845-1898), e dois mú-
sicos, os irmãos Henrique Jorge (1872-
1928) e Carlos Vítor. Adiante anuncia-se 
um livro especial com todos os dados so-
bre os padeiros, o que infelizmente não 
passou de projeto...
Todos os sócios teriam “um nome de 
guerra único”. Assim é que Antônio Sales era 
“Moacir Jurema”, nome bem cearense, já 
que Moacir era o filho de Iracema, a qual era 
guardiã do segredo da Jurema.
CURSO literatura cearense 83
BOLACHINHAS Voltando ao Programa de Instalação, anuncia ele dissertações biográficas sobre 
“sábios, poetas, artistas e literatos”, sendo 
“designados com a precisa antecedência o 
dissertador e a vítima”...
Outro artigo reza: “Haverá um livro em 
que se registrará o resultado das fornadas 
com o maior laconismo possível.” Esse re-
ferido livro de atas, o autor deste módulo 
considerou desaparecido. Chegou a es-
crever isso e a comentar em programa da 
TV. Um dia, porém, José Augusto Bezerra, 
então presidente do Instituto do Ceará, re-
cebeu de uma funcionária um livro manus-
crito que, com sua experiência, concluiu 
tratar-se de uma raridade: era o livro de 
atas da Padaria Espiritual, que terminou 
sendo publicado. Falemos sobre ele:
A linguagem das atas é cheia de chistes. 
Na primeira fornada, por exemplo, depois 
de informar que “todos saíram então à rua 
acompanhados de violinos, flauta e violão”, 
diz Ulisses Bezerra: “Eu, Frivolino Catavento, 
1º Forneiro interino, que o digo, é porque o vi.”
Em outra ata, escrita por Antônio Sales, 
está dito: “A falar francamente, não me lem-
bra do que se passou nesta fornada.”
A ata em que se fala dos 24 anos de 
“Moacir Jurema” revela que “Lúcio Jaguar” 
(nome de guerra de Tibúrcio de Freitas) foi 
designado para falar sobre o aniversariante, 
mas “sentindo alguma dificuldade de arti-
culação começou a molhar a palavra de vez 
em quando, do que resultou ficar dentro em 
pouco fradescamente adormecido à borda 
da mesa, deixando a biografia em meio”. 
Com base em Leonardo Mota, em sua 
A Padaria Espiritual (1938), o autor destas 
linhas afirmou várias vezes que Antônio 
Sales fora padeiro-mor interino apenas 
na inauguração do grêmio e na sua or-
ganização, em 28 de setembro de 1894. A 
leitura das atas, porém, demonstra o que 
ninguém havia dito, que “Moacir Jurema” 
exerceu as funções de padeiro-mor 
interino em várias fornadas durante o 
Álvaro Martins era irmão de Antônio 
Martins, um dos poetas da abolição, 
como vimos no módulo 3.
O paraibano Sabino Batista era marido 
de Ana Nogueira Batista, poetisa que 
conhecemos no módulo anterior. 
O desenhista e pintor Luís Sá, membro 
fundador da Padaria Espiritual, seria avô 
do famoso caricaturista, desenhista e 
quadrinista Luiz Sá (1907-1979), criador 
dos personagens “Reco-Reco, Bolão e 
Azeitona”, estrelas da Tico-Tico, primeira 
revista dedicada ao público infantil e de 
quadrinhos do país.
O maestro Henrique Jorge, 
“embaixador da música” na Padaria, 
seria pai do cronista João Jacques e de 
Paulo Sarasate (1908-1968), advogado, 
redator do jornal O POVO e um dos 
fundadores da revista Maracajá, da qual 
falaremos no módulo 7.
Só da primeira fase (o grêmio teve duas fa-
ses), citam-se Ulisses Bezerra (Frivolino Ca-
tavento), Álvaro Martins (Policarpo Estouro), 
Henrique Jorge (Sarasate Mirim), Carlos Ví-
tor (Alcino Bandolim), Sabino Batista (Sáti-
ro Alegrete), Luís Sá (Corrégio del Sarto), Lí-
vio Barreto (Lucas Bizarro), entre outros.
Estranho é que Raimundo Teófilo de 
Moura é “José Marbri”, quando José Maria 
Brígido, cujo nome se aproxima desse, é 
“Mogar Jandira”.
Na segunda fase do grêmio, citem-se 
Antônio Bezerra (André Carnaúba), José 
Nava (Gil Navarra), Artur Teófilo (Lopo de 
Mendoza) e, entre alguns mais, Cabral de 
Alencar (Abdul Assur). 
Fundada em 30 de maio de 1892, a Pada-
ria teve 3 sedes na rua Formosa (atual Barão 
do Rio Branco), nos números 105, 106 e 11.
84 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
BOLACHINHAS
O artigo 7º do Programa de Instalação 
dizia que “O distintivo da ‘Padaria 
Espiritual’ será uma haste de trigo 
cruzada de uma pena, distintivo que 
será gravado na respectiva bandeira, 
que terá as cores nacionais.”
Talvez agora o cursista entenda o 
porquê da inserção desse símbolo, 
não na bandeira da Padaria – que 
inclusive nem usou as cores nacionais, 
e sim o vermelho –, mas na bateria no 
centro da ilustração da nossa capa 
colecionadora, envolta pela divisa da 
agremiação: “Amor e Trabalho”.
A inspiração é óbvia: a famosa capa dos 
Beatles. E o que os Beatles têm a ver 
com a Padaria? Absolutamente NADA! 
mandato de Jovino Guedes (Venceslau 
Tupiniquim) e até em algumas já do tem-
po do segundopadeiro-mor, José Carlos 
Júnior (Bruno Jaci).
Interessante é que em Leonardo Mota, no 
citado livro, é transcrito um trecho em que se 
diz: “A um gesto expressivo de Moacir Jurema, 
cada qual foi inchando nas apragatas e lendo 
as produções seguintes.” Ao ler a ata de 23 de 
novembro de 1894, porém, o que se vai encon-
trar é isto: “A um gesto expressivo de Moacir 
cada qual foi inchando nas alpercatas e lendo 
sucessivamente as produções seguintes.” 
Considerando que Mota jamais iria alterar 
um texto de outrem, e sabendo-se que An-
tônio Sales ainda era vivo quando o livro foi 
escrito, chega-se à conclusão de que o poeta 
dos Versos diversos fez as modificações...
Voltando ao Programa de Instalação, há 
nele este item: “É proibido o uso de palavras 
estranhas à língua vernácula, sendo porém 
permitido o emprego dos neologismos do 
Dr. Castro Lopes.”
É que Antônio de Castro Lopes (1827-
1901), médico no Rio de Janeiro, versado em 
grego e em latim, tinha horror a galicismos, 
anglicismos e barbarismos. Por isso, no seu 
livro Neologismos indispensáveis e barba-
rismos dispensáveis (1889), propôs várias 
inovações, como nasóculos, em vez de pin-
ce-nez; concião no lugar de meeting; con-
vescote, no lugar de pic-nic etc. Parece que 
de suas propostas a mais feliz foi cardápio, 
para substituir menu. 
Outra passagem do Programa diz: “Os 
padeiros são obrigados a comparecer na 
fornada – de flor na lapela, qualquer que 
seja a flor, com exceção da de chichá.”
Nem todos sabem o que vem a ser a flor 
de chichá. O autor deste comentário per-
guntou a sua mãe o que seria isso, e ela, nas-
cida em 1902, respondeu-lhe que se tratava 
de uma flor de odor insuportável. A informa-
ção se completou com o nome científico da 
planta onde nasce a flor: Sterculia chicha St. 
Hil., o que lembra fatalmente esterco.
CURSO literatura cearense 85
BOLACHINHAS
Sânzio nos conta que Joaquim 
Vitoriano (Paulo Kandalaskaia) 
“não sendo escritor, nem músico, 
nem pintor, entrou para o grêmio, 
segundo Leonardo Mota, ‘não 
em virtude do cérebro e, sim, do 
braço e da coragem de que era 
dono’ Fazia, assim, o papel de 
guarda-costas dos ‘padeiros’. [...] 
Morreu assassinado em plena 
praça do Ferreira.”
Há itens encarecendo o uso do humo-
rismo e a pilhéria de espírito, bem como a 
condenação do plágio. Mas é interessante 
este: “É proibido fazer qualquer referência à 
rosa de Malherbe e escrever nas folhas mais 
ou menos perfumadas dos álbuns.”
Fica claro que a Padaria Espiritual era 
contra os lugares-comuns, os clichês ou 
chapas, como se dizia. A alusão ao famoso 
poema de François Malherbe (1555-1628), já 
no tempo da fundação do grêmio cearense, 
era recurso bastante surrado para se falar 
de coisas efêmeras...
Reforçando o aspecto bem-humorado e 
irreverente de seu Programa, encontramos 
“Aquele que durante uma semana não dis-
ser uma pilhéria de espírito, pelo menos, 
fica obrigado a pagar no sábado café para 
todos os colegas. Quem disser uma pilhéria 
superiormente fina, pode ser dispensado 
da multa da semana seguinte.”
Outro item permitia conservar o cha-
péu na cabeça durante as fornadas, “ex-
ceto quando se falar em Homero, Shakes-
peare, Dante, Hugo, Goethe, Camões e 
José de Alencar”, pois neste caso, todos 
teriam que se descobrir.
Vemos que, apesar de inovadores, os 
padeiros não faziam tábua rasa dos valores 
consagrados, o que mostra seriedade ao 
lado do espírito de pilhéria.
Vem agora um dos itens mais importan-
tes do Programa: “Será julgada indigna de 
publicidade qualquer peça literária em que 
se falar de animais ou plantas estranhas à 
Fauna e à Flora Brasileira, como – cotovia. 
olmeiro, rouxinol, carvalho etc.”
Em 1970, no opúsculo A Padaria Espi-
ritual, o autor deste módulo assinalou a 
importância desse artigo do Programa de 
Instalação do grêmio, lembrando que esse 
espírito nacionalista seria uma das preo-
cupações de Monteiro Lobato e, trinta anos 
depois da fundação da Padaria Espiritual, 
uma das bandeiras da Semana de Arte 
Moderna de São Paulo. Tanto bastou para 
que mais de uma pessoa qualificasse de 
“modernistas” os componentes da Padaria 
Espiritual. Na verdade, eles, com sua irreve-
rência e seu espírito crítico, prenunciaram 
os novos tempos, mas o que o grêmio trou-
xe de realmente novo foi o Simbolismo, 
como oportunamente veremos.
Continuando com o Programa, há um 
trecho que diz: “Será dada a alcunha – de 
medonho – a todo sujeito que atentar pu-
blicamente contra o bom senso e o bom 
gosto artísticos.”
Ao chamar de “medonhos” os que aten-
tassem contra “o bom senso e o bom gos-
to”, estavam os padeiros aludindo àqueles 
pseudoescritores (numerosos ontem como 
hoje), ou seja, aos não preparados ou não 
vocacionados para as letras, mas que 
assim mesmo se arvoravam em inte-
lectuais. Os que eles chamavam de 
“ignaros”, pelo menos, não enten-
diam de arte literária, mas não ti-
nham a pretensão de ser escritores.
86 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
Curiosa a maneira como pensavam em 
fazer uma biblioteca: “Trabalhar-se-á por 
organizar uma biblioteca, empregando para 
isso todos os meios lícitos e ilícitos.”
Um item que teve alguma repercussão 
foi este: “São considerados desde já inimi-
gos naturais dos padeiros – os padres, os 
alfaiates e a polícia. Nenhum Padeiro deve 
perder ocasião de patentear o seu desagra-
do a essa gente.”
A inimizade aos padres certamente se 
originou no anticlericalismo que, com a 
onda cientificista da segunda metade do 
século XIX, se refletia nas letras. Quanto aos 
alfaiates, disse Pedro Nava, em Baú de ossos 
(1972): “É evidente que a palavra alfaiate aí 
está em sentido simbólico, como exemplo 
de extorsão, que é preciso combater.” 
A nota humorística reaparece no item que 
diz: “Encarregar-se-á um dos padeiros de es-
crever uma monografia a respeito do incansá-
vel educador professor Sobreira e suas obras.”
É que João Gonçalves Dias Sobreira, 
nascido no Crato em 1847, publicou um Tra-
tado de pronúncia francesa (1873), uma Geo-
grafia especial do Ceará (1887), uma Sim-
plificação da gramática portuguesa, com 
várias edições, e ainda cultivou a música, a 
literatura e outros ramos do conhecimento, 
sendo ainda autor, em 1892, de uns Apon-
tamentos para a carta topográfica do Cea-
rá. Claro que se trata de uma brincadeira, 
uma vez que os padeiros implicavam com 
o enciclopedismo do educador. Em 1894, 
no Retrospecto dos feitos do grêmio, “Moa-
cir Jurema” irá revelar que esse artigo “não 
foi possível levar a cabo porque não houve 
meio de adquirir dados precisos sobre a ca-
maleônica pessoa do professor Sobreira”.
Há um artigo dizendo que a Padaria 
vai organizar brevemente “um Cancioneiro 
popular genuinamente cearense”. Não foi 
organizado o cancioneiro, mas o jornal dos 
padeiros (do qual tratamos a seguir) publi-
cou trinta e cinco trovas nos números 33, 34 
e 36, coletadas por um Padeiro da segunda 
fase, José Carvalho (Cariri Braúna), sendo 
“inédita a quase totalidade da contribuição 
da Padaria Espiritual aos estudos folclóricos 
do Brasil”, como afirmou Leonardo Mota, 
com a autoridade de estudioso de nossos 
versos populares, no seu citado livro.
O certo é que os padeiros cultivavam a 
boêmia de espírito, mas se vestiam apura-
damente, o que se comprova com os poucos 
retratos que ficaram do grupo. Sendo assim, 
conclui-se que eles gastavam muito com 
os alfaiates. Polícia é que, segundo ainda 
Pedro Nava, “é polícia mesmo, símbolo odio-
so do poder”. Em Leonardo Mota – atenção, 
pesquisadores –, em vez de “os padres” está, 
estranha e incorretamente, “o Clero”.
E, corroborando o cuidado com que os 
escritores do grêmio se vestiam, o artigo se-
guinte diz: “Será registrado o fato de apare-
cer algum padeiro com colarinho de nitidez 
e alvura contestáveis.”
Depois de um item em que se pune 
“com expulsão imediata e sem apelo o pa-
deiro que recitar ao piano”, costume que 
vinha do Romantismo, senão do Arcadis-
mo, fala-se de “um calendário com os 
nomes de todos os grandeshomens 
mortos”, e alude-se ao “nome do 
santo do dia”. Isso acontecia somen-
te nos primeiros tempos. Houve os 
dias de Camilo Castelo Branco, Émile 
Littré, Sócrates, Castro Alves, Joana 
d’Arc (ainda não canonizada 
pela Igreja), Canova, Weber, 
Fídias e Zêuxis.
CURSO literatura cearense 87
3.
À ESPERA 
D’O PÃO... 
QUE CHEGOU!
Entre um vendedor d’O Pão e um cego:
– Meu bem, me dê um pão, pelo amor de Deus.
– Qual, você não enxerga, e este 
 PÃO come-se é pelos olhos...
Moacir Jurema, em O Pão nº 2
nunciado em um dos ar-
tigos do Programa, O Pão 
surgiu em 10 de julho de 
1892. Sobre o jornal, disse 
“Moacir Jurema” no men-
cionado Retrospecto: “De-
vemos confessar aqui: essa 
folha era menos o veículo 
literário da Padaria do que 
uma válvula para a pilhéria 
petulante que se fazia lá dentro.”
Saíram seis números em 1892, mas, 
por engano, o nº 3 trazia a repetição do nº 
2, o que acarretaria engano na numeração 
até o número 6, que foi numerado como 5, 
em 24 de dezembro.
88 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
MALACA
CHETAS
Adolfo Caminha (1867-1897), 
o “Félix Guanabarino”, autor de 
romances célebres, embora tenha sido 
membro da Padaria Espiritual, teve 
pouquíssima participação nela. Chegou 
a ser expulso em 1896 após críticas ao 
seu “oficialismo, sem os ideais de outros 
tempos”, entre outras, publicadas em 
suas Cartas literárias (1895).
É, no entanto, considerado um 
dos principais autores naturalistas 
da Literatura Cearense e, portanto, 
da Brasileira.
em 3 de janeiro de 1803, e falecido em For-
taleza, no dia 17 de janeiro de 1872, Verdei-
xa redigiu na capital da província os jornais 
Juiz do Povo, Sete de Setembro, O Coelho e A 
Liberdade, tendo sido deputado provincial, 
sempre metido em lutas políticas.
Outro item que não foi cumprido dizia: 
“Publicar-se-á no começo de cada ano um 
almanaque ilustrado do Ceará, contendo 
indicações úteis e inúteis, primores literá-
rios e anúncios de bacalhau.” O poeta Lívio 
Barreto chegou a falar, em carta a Antônio 
Sales, de um poema que desejava enviar 
para esse almanaque. 
Há o desejo de que o grêmio tenha “cor-
respondentes em todas as capitais dos pa-
íses civilizados”, mas pelo menos no Brasil 
teve a Padaria correspondentes ilustres, 
como Araripe Júnior, Olavo Bilac e Coelho 
Netto, no Rio de Janeiro; Garcia Redondo 
em São Paulo; Augusto de Lima e Raimun-
do Correia em Minas Gerais, e ainda Clóvis 
Beviláqua em Pernambuco.
Curioso é este item: “As mulheres, como 
entes frágeis que são, merecerão todo o 
nosso apoio, excetuadas: as fumistas, as 
freiras e as professoras ignorantes.”
Se até os anos vinte do século passado as 
mulheres que fumavam eram as femmes fa-
tales do cinema, imagine-se o que seria isso 
na Fortaleza do fim do século XIX. A alusão 
às freiras segue a antipatia que os padeiros 
tinham aos padres. Quanto às professoras ig-
norantes, nem é preciso comentário algum...
Suspensas as edições do seu jornal, 
passaram os padeiros a escrever n’A Repú-
blica, periódico que nascera da fusão de 
dois outros (Libertador e Estado do Ceará). 
E O Pão reapareceria somente em 1º de ja-
neiro de 1895, com o nº 7, já na segunda 
fase do grêmio, da qual ainda falaremos. 
Com a publicação do nº 30, em 15 de de-
zembro desse ano de 1895, faz-se um hia-
to de oito meses, e o nº 31 vai aparecer em 
15 de agosto de 1896. Saem mais cinco 
números, e o periódico encerra suas ativi-
dades com o nº 36, em 31 de outubro.
Mas ainda não terminou nosso passeio 
pelo Programa de Instalação. Um item que 
não foi cumprido dizia: “A Padaria trata-
rá de angariar documentos para um livro 
contendo as aventuras do célebre e extra-
ordinário Padre Verdeixa.”
O Padre Verdeixa, o qual dizia chamar-
-se Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa, 
deu desde muito jovem “provas de completo 
desequilíbrio mental, que a idade não modi-
ficou para melhor”, segundo observação do 
Barão de Studart, no seu Dicionário biobiblio-
gráfico cearense (1910). Nascido no Crato, 
CURSO literatura cearense 89
4.
OS NEFELIBATAS 
CABEÇAS-CHATAS
primeira fase do grêmio, 
que data de 1892, deu ori-
gem a apenas um livro, 
Phantos (1893), de Lopes 
Filho. Houve quem estra-
nhasse esse título, mas tal-
vez haja algum parentesco 
com “fantasia”... Os outros 
livros da entidade são da 
sua segunda fase.
O certo é que, não havendo uma só 
ata relativa ao ano de 1893, o que não é 
referido por Leonardo Mota, encontra-se 
no livro de atas uma página assinada por 
“Moacir Jurema” e intitulada “À Posterida-
de”. Nela, entre outras coisas, diz o escritor:
“Ao cair-vos nas mãos o presente livro 
de atas da Padaria Espiritual, afirmaríeis 
sem pestanejar que esta benemérita e ori-
ginal associação de rapazes de letras havia 
existido até o dia 5 de julho de 1892, data da 
última ata inserida neste livro.
“Estais enganada, Posteridade amiga! A 
despeito da ausência de atas posteriores a 
essa, a Padaria continuou a trabalhar, mui-
to embora não tivesse prédio próprio para 
as suas reuniões e estas não assumissem 
o caráter de fornadas propriamente ditas. 
Certo é, porém, que os padeiros conti-
nuaram ligados pelos laços de camarada-
gem espiritual e – cada qual na sua casa 
– amassando com o suor do rosto como 
do corpo inteiro o pão do espírito – comido 
pelos olhos e digerido pelo cérebro.”
Esse texto, datado de 27 de setembro 
de 1894, fala dos Phantos e de livros que 
vieram depois.
No dia seguinte, 28 de setembro de 1894, 
Antônio Sales reuniu os padeiros restantes 
e com mais treze membros fez a reorganiza-
ção do grêmio. Entre outros, entraram José 
Carlos Júnior (Bruno Jaci), Rodolfo Teófi-
lo (Marcos Serrano), Valdemiro Cavalcanti 
(Ivan d’Azof), José Carvalho (Cariri Braú-
na), X. de Castro (Bento Pesqueiro), José 
Nava (Gil Navarra), Artur Teófilo (Lopo de 
Mendoza) e Eduardo Saboia (Brás Tubiba).
90 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
Houve quem achasse que o Centro Li-
terário (fundado com a ajuda dos ex-pa-
deiros Álvaro Martins e Temístocles Macha-
do) era inimigo da Padaria, mas entre seus 
fundadores está Jovino Guedes, que fora 
padeiro-mor. Também foram do Centro 
Literário Rodolfo Teófilo, Almeida Braga, 
Antônio Bezerra e até padeiros da primeira 
fase, como Ulisses Bezerra e Lopes Filho.
Pelas atas do final de 1894, do ano de 
1895 e parte de 1896, sabe-se que as for-
nadas passaram a ocorrer nas casas dos 
padeiros, sendo que a última, de 20 de de-
zembro de 1898, ocorreu na casa de Ro-
dolfo Teófilo, estando Antônio Sales, há 
muito, no Rio de Janeiro.
Exceto os Phantos (1893), de Lopes 
Filho, da primeira fase, todas as demais 
obras da Biblioteca da Padaria Espiri-
tual, selo da agremiação, são da segunda 
fase: Versos (1894), de Antônio de Castro; 
Flocos (1894), de Sabino Batista; Contos 
do Ceará (1894), de Eduardo Saboia; Cro-
mos (1895), de X. de Castro; Trovas do Nor-
te (1895), de Antônio Sales; Os Brilhantes 
(1895), de Rodolfo Teófilo; Vagas (1896), 
de Sabino Batista; Dolentes (1897), de Lí-
vio Barreto; Marinhas (1897), de Antônio de 
Castro; Maria Rita (1897), de Rodolfo Teófi-
lo; Perfis sertanejos (1897), de José Carva-
lho; e Violação (1898), de Rodolfo Teófilo.
CURSO literatura cearense 91
Acrescente-se que O Paroara, romance 
de Rodolfo Teófilo, editado em 1899, mes-
mo quando já extinta a agremiação, traz a 
indicação “Biblioteca da Padaria Espiritual”. 
Quanto a estilos de época, ou escolas lite-
rárias, ao tempo da fundação da Padaria Espi-
ritual havia ainda no Ceará reminiscências do 
Romantismo, presença do Realismo, tanto 
na ficção quanto no verso, e anseios ainda 
vagos de um Parnasianismo que só viriam 
bem depois. Por fim, o Simbolismo, que é 
uma retomada do subjetivismo romântico, 
mas com características próprias, como a sin-
gular musicalidade, além de notas de misticis-
mo. É interessante assinalar no Simbolismo 
a quebra deliberada do ritmo habitual, 
principalmente no verso alexandrino (de 12 
sílabas), assim como o uso das maiúsculasalegorizadoras e a repetição constante de 
alguns vocábulos ou grupos de palavras.
Antônio Sales se dizia parnasiano, mas 
somente depois de sua longa estada no 
Rio de Janeiro, onde conviveu com poetas 
como Alberto de Oliveira (1857-1937), é 
que chegou a fazer versos dentro dos câno-
nes da escola de Bilac.
Lopes Filho publicou Phantos, um mês an-
tes de Broquéis, de Cruz e Sousa (1861-1898), 
que juntamente com Missal é marco do Sim-
bolismo no país. O que deve ser assinalado 
é o fato de o poeta cearense não se ter espe-
lhado no livro do maior simbolista brasileiro. 
Quanto ao valor dos poetas, claro que não se 
deve comparar, do ponto de vista literário, os 
poemas de Lopes Filho aos de Cruz e Sousa, 
um dos maiores da literatura brasileira.
Quanto à importância histórica, aí, sim, 
o Simbolismo do Ceará, cujos modelos 
não estão no Paraná nem no Rio de Janei-
ro, foi influenciado pela escola de Por-
tugal, não tendo nascido por geração es-
pontânea, mas sem dúvida não deve nada 
à escola que pontificava no Rio de Janeiro, 
com origem no Paraná.
Na “Carta-prefácio” dos Phantos, Antô-
nio Sales afirma que os versos de Lopes 
Filho são oriundos de uma psicologia 
mórbida, e observa: “Bem se vê que leste 
Verlaine, Mallarmé, Moréas, Nobre e Eugê-
nio de Castro, esses alucinados vates do 
fim do século, apóstolos da escola estra-
nha do Decadismo...”
Decadismo, explique-se, foi a primeira 
designação do Simbolismo, juntamente 
com Decadentismo e que, com o tempo, 
ficaria circunscrita aos aspectos mais profa-
nos do Simbolismo. 
É sintomática, nessa “Carta-prefácio”, a 
ausência de qualquer alusão a um nome 
sequer de poeta brasileiro, o que demonstra 
que em 1893, no Ceará, não haviam reper-
cutido ainda os ecos do movimento que 
havia eclodido na então capital federal.
Os simbolistas, com seu tédio e sua apatia, 
sentiam-se deslocados no seu mundo, e mer-
gulhavam dentro de si mesmos, numa atitu-
de voluntária de insulamento. Em suma: 
habitavam o que se convencionou chamar 
de “torre de marfim”. No livro Decadentismo e 
Simbolismo na poesia portuguesa (1975), José 
Carlos Seabra Pereira estudou bem essas ca-
racterísticas em poetas de sua terra. 
Insulamento
Ato ou efeito de insular 
(-se), isolar-se; solidão.
92 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
BOLACHINHAS
Antônio Nobre definia a sua obra 
Só como “o livro mais triste que 
há em Portugal”.
Típico da corrente é, nos Phantos, o so-
neto intitulado “A Álvaro Martins”, em ale-
xandrinos (versos de doze sílabas): 
Ó Nirvana! Repouso absoluto e completo!
Sonha, Espírito meu, eleva-te às alturas,
Onde as águias do Céu, no seu mundo dileto,
Olham, cheias de horror, as pobres criaturas!
Ó Ideal do Amor imaterial e casto,
Harmonias dos Sons, combinação da Cor:
Encantado País, Mundo mais que este vasto,
Ó região que eu sonho! Ó região do Amor!
Poetas! Meus irmãos! Febris adoradores
Do Luar e do Sol que morre quando desce
A noite sob o pálio auricolor dos Astros!
De joelhos, irmãos! Rezemos nossa prece!
Amigos, a rezar! Nós que vamos de rastros
Por este mundo vil de mágoas e negrores...
Datado de 1892, esse soneto é um aca-
bado exemplo de poesia decadentis-
ta ou simbolista, com seu sonho de um 
Nirvana, que tanto influiu no Simbolismo 
através da filosofia de Schopenhauer: essa 
busca de um paraíso, que seria o Nada, 
opõe-se à vida em um mundo que, para 
o poeta, é cheio de mágoas e negrores. 
Notem-se as maiúsculas alegorizado-
ras dos substantivos: Espírito, Águias do 
Céu, Ideal do Amor, Sons, Cor, País, Mun-
do, Luar, Sol e Astros, bem como a nota de 
misticismo, na exortação às preces, não 
faltando a rima Astros/rastros, quase epi-
dêmica na vigência do Simbolismo. 
Exemplo da influência do poeta portu-
guês Antônio Nobre (1867-1900) em Lopes 
Filho: “Os Vencidos da vida”, de 1893, em 
versos de dez sílabas (decassílabos):
De nosso lábio triste e descorado
Murchou a flor vermelha da Alegria;
E o nosso rir é um rir contrariado,
Sempre amarelo e cheio de Ironia...
Vinte anos! Já velhice! Quem diria
Que chegasse (tão cedo) tal estado,
Em que é o coração supliciado
Um claustro cheio de Melancolia!...
Schopenhauer! Lusbel, tu semeaste
A dúvida cruel em nossos peitos,
E a Fé e o Amor de nós arrebatastes!
Vamos, pois, meus amigos, no abandono!
Resta-nos hoje o derradeiro Sono!...
 - Coveiros! Onde estão os nossos Leitos?
No soneto 13 do Só, única obra de Antô-
nio Nobre, há estes versos: “Ó meus amigos! 
Todos nós falhamos... / Nada nos resta. So-
mos uns perdidos.” Para adiante, acrescen-
ta: “Jesus! Jesus! Resignação... Formamos / 
No Mundo, o claustro-pleno dos Vencidos!”
O final do soneto de Lopes Filho lembra 
ainda outro soneto de Nobre, o de nº 18, que 
diz: “Ai quem me dera entrar nesse convento / 
Que há além da Morte e que se chama A Paz!” 
Ao que se saiba, os poemas de Lopes Fi-
lho figuram apenas em Literatura Cearense 
(1976), do autor deste trabalho, além, natu-
ralmente, no perfil biográfico do autor escrito 
por Túlio Monteiro para as Edições Demócri-
to Rocha, em sua coleção Terra Bárbara.
Menos desconhecido, Lívio Barreto 
(1870-1895) tem poemas em O Simbolismo 
(1959), de Fernando Góes, e até no Pano-
rama do movimento simbolista brasileiro 
(1952), de Andrade Muricy, sendo sua po-
esia superior à de Lopes Filho, cuja impor-
tância é mais histórica.
No poema de abertura do seu livro 
Dolentes (1897), de publicação póstuma, 
“Credencial” reflete o Simbolismo do po-
eta, não somente pela sua concepção de 
arte, mas também por meio das maiúscu-
las alegorizadoras, dos vocábulos litúrgi-
cos (termos ligados à religião), e da repe-
tição em cada estrofe do vocábulo “Arte”. 
Dirigindo-se à “Arte! suprema, incompará-
vel Arte!”, que é “prenhe de luares”, diz o 
poeta na terceira estrofe: 
Arte do Verso, Arte das harmonias
Vibrantes, doudas, cálidas, inquietas,
Elétrica centelha dos Poetas,
Que esfolhas rosas sobre as agonias.
Essa Arte, que é “nevada de dolências 
meigas”, e a que o poeta chama de “Pulcra 
santa de beijos dolorosos”, atinge o máximo 
da sacralização nas estrofes finais:
Arte, monja de idílica piedade,
Que tens, eterna, angélica visão,
No olhar o Angelus nobre do perdão
E a paz augusta da maternidade;
Arte! Ideal, ó sacrossanto viático!
Ó Arte! Mater de consolações!
Com os meus sonhos e amores e ilusões
Fiz-te um missal de Dor! – sou teu fanático!
CURSO literatura cearense 93
SABATINA
Houve em nossos dias quem pensas-
se que esse “missal de Dor” teria origem 
no título de um dos livros de Cruz e Sousa 
(Missal, de prosa poética). É bom lembrar, 
porém, que Lívio Barreto não precisaria 
ler o poeta brasileiro, já que o soneto 1 do 
Só, de Antônio Nobre, diz, em seu segundo 
quarteto: “E depois, com a mão firme e se-
rena, / Compus este Missal dum torturado.” 
Um dos mais belos e originais poemas 
dos Dolentes intitula-se “Os Cravos bran-
cos”, e figura no livro de Andrade Muricy. 
Sua musicalidade é estranha e o poema 
possui algumas irregularidades que não fo-
ram entendidas na época. Datado de março 
de 1893, tem o poema sete estrofes, mas a 
leitura das duas primeiras, da quinta e da 
última dá uma ideia desses versos, um dos 
pontos altos do Simbolismo cearense:
Cravos brancos, cravos brancos como o leite,
Que as noivas levam para a Igreja ao ir casar,
Cravos da cor das escumilhas do corpete,
Brancos de espumas atiradas pelo mar.
Cravos brancos invejados pelos goivos,
Cravos brancos que de brancos dão vertigens;
Cravos que são como hálitos de noivos,
Beijos de noivos embaciando mãos de virgens!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Flores dormentes de volúpia e de desejos,
Sempre a sonhar presas aos seios das donzelas,
Amarrotadas pelo fogo de seus beijos
E sempre brancas, sempre puras, sempre belas! 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Cravos brancos como as mãos da minha amada,
Quando eu descer à terra fria, n’um caixão,
Desabrochai, brancos soluços d’alvorada,Ó cravos brancos que plantei no coração.
As seções “Sabatina”, “Malacachetas”, 
“Confeitos” e “Bolachinhas” são 
homônimas daquelas que deliciavam 
os leitores d’O Pão. Nossa homenagem 
aos memoráveis padeiros e as suas 
fornadas: Amor e Trabalho!
94 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
REFERÊNCIAS 
BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual (1892-
1898). Fortaleza; UFC, Casa de José de Alencar, 1970.
______ . Breve história da Padaria Espiritual. 
Fortaleza: Edições UFC, 2011.
BARRETO, Lívio. Dolentes. 3.ed. Fortaleza: 
Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, 2010.
CAMINHA, Adolfo. Cartas literárias. 2. ed. 
Fortaleza: UFC Edições, 1999.
JUREMA. Moacir. Retrospecto dos feitos da Padaria 
Espiritual. In: AZEVEDO, Sânzio de. Breve história 
da Padaria Espiritual. Fortaleza: Edições UFC, 2011. 
LOPES FILHO. Phantos. Fortaleza: Tip. Moderna, 1893.
MOTA, Leonardo. A Padaria Espiritual. 2. ed. UFC, 
Casa de José de Alencar, 1994.
MURICY, Andrade. Panorama do movimento 
simbolista brasileiro. 2. ed. Brasília: INL, 1973.
NAVA, Pedro. Baú de ossos. 2. ed. Rio de Janeiro: 
J. Olympio, 1972.
NOBRE, Antônio. Só. 12. ed. Porto: Tavares 
Martins, 1962.
PEREIRA, José Carlos Seabra. Decadentismo e 
Simbolismo na poesia portuguesa. Coimbra: 
Coimbra Editora, 1975.
PROGRAMA de instalação da Padaria Espiritual. 
Fortaleza: Tip. D’O Operário, 1892.
SALES, Antônio. Versos diversos. Fortaleza: 
José Lino, 1890. 
______ . Poesias. Rio de Janeiro: Garnier, 1902.
STUDART, Guilherme. Dicionário biobibliográfico 
cearense. Fortaleza: Tipolitografia a Vapor, v. 1, 1910.
Não é possível deixar de ressaltar uma 
afinidade entre Barreto e Nobre: “Ao Can-
to do lume”, do Só, lembra, principalmen-
te pelo ritmo, a estrofe final de “Os Cravos 
brancos”. Nos versos do poeta português, 
lê-se: “Faz tanto frio. (Só de a ver, me gela, 
a cama...) / Que frio! Olá, Joseph! Deita 
mais carvão! / E quando todo se extinguir 
na áurea chama, / Eu deitarei (para que 
serve! Já não ama) / Às cinzas frias o meu 
pobre coração!”
O poeta chega a empregar mais irregu-
laridades do que o próprio Antônio Nobre, 
havendo versos de 11 e até de 10 sílabas 
nesse poema, quando a maioria é compos-
ta de alexandrinos (12). Alguns não obede-
cem à cesura (ou corte) medial, como estes: 
“Cravos da cor das escumilhas do corpete / 
Brancos de espumas atiradas pelo mar.” 
Isso, sem falar nas rimas imperfeitas (leite/
corpete e vertigens/virgens), muito comuns 
nos poetas românticos brasileiros.
O poeta Liberato Nogueira, apesar de 
elogiar o poeta, afirmou na revista A Janga-
da, de novembro de 1909, que Lívio Barreto 
apresentava “alguns defeitos de metrifica-
ção, irregularidade da cesura e deslocação 
do hemistíquio”. Hemistíquio, lembre-se, é 
o corte medial do verso alexandrino. Isso 
indica que o crítico, apegado aos tratados 
de versificação, não compreendeu as li-
berdades do poeta.
Prova de que Lívio Barreto dominava 
totalmente os segredos da metrificação 
é o belo soneto “Lágrimas”, talvez o mais 
conhecido de seus poemas. Note-se o re-
quinte formal de o poeta fazer repetições de 
palavras no início de cada estrofe. Também 
está no livro de Andrade Muricy:
Lágrimas tristes, lágrimas doridas,
Podeis rolar desconsoladamente!
Vindes da ruína dolorosa e ardente
Das minhas torres de luar vestidas!
Órfãs trementes, órfãs desvalidas,
Não tenho um seio carinhoso e quente, 
Frouxel de ninho, cálix rescendente
Onde abrigar-vos, pérolas sentidas.
Vindes da noite, vindes da amargura,
Desabrochastes sobre a dura frágoa
Do coração ao sol da desventura!
Vindes de um seio, vindes de uma mágoa
E não achastes uma urna pura
Para abrigar-vos, frias gotas d’água!
Houve dois padeiros que praticaram 
Simbolismo em prosa: Tibúrcio de Freitas, 
quando se transferiu para o Rio de Janeiro, 
e Cabral de Alencar, na segunda fase do 
grêmio. Ambos, portanto, já depois da esco-
la do Rio de Janeiro.
Penso que essa amostra da poesia de 
Lopes Filho e de Lívio Barreto já deu para 
apresentar o que foi o Simbolismo na Pada-
ria Espiritual.
CONCLUSÃO
A Padaria Espiritual foi a mais importante 
e original agremiação do Ceará no sécu-
lo XIX, e foi nela que surgiu o Simbolismo 
no nosso estado, não oriundo do grupo do 
Rio de Janeiro, mas bebido diretamente de 
Portugal, principalmente por intermédio do 
livro Só, de Antônio Nobre.
Esse Simbolismo cearense seria contem-
porâneo, mas não seguidor da escola do Rio 
de Janeiro. Interessante é que chegou a ser, 
no Ceará, anterior ao Parnasianismo, ao 
contrário do que ocorreu em plano nacional.
FAÇA 
ACONTECER
O Programa de Instalação 
está disponível, na íntegra, entre 
outras surpresas, na Biblioteca 
Virtual do AVA.
Não deixe de, após a leitura do 
módulo, pegar o seu escafandro e 
mergulhar em águas passadas, estas 
que movem moinhos... de pãos.
CURSO literatura cearense 95
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e Fabrícia Góis Analistas de Projetos
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Editorial e Estabelecimento de Texto
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ISBN: 978-65-86094-17-6 (Fascículo 6)
Este curso é parte integrante do programa 
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AUTOR
Sânzio de Azevedo
É licenciado em Letras pela Faculdade de Filosofia 
do Ceará e doutor em Letras pela Universidade 
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob a orientação 
de Afrânio Coutinho. Atuou como revisor do 
jornal Estado de S. Paulo, professor da Faculdade 
de Filosofia e, por 30 anos, exerceu o magistério 
como professor do Departamento de Literatura 
da UFC, lecionando Literatura Cearense e Teoria 
do Verso. É colaborador especial da Enciclopédia 
de Literatura Brasileira (2001), dirigida por Afrânio 
Coutinho e J. Galante de Sousa. É autor de mais de 
vinte obras, sendo a maioria de ensaios, como o 
referencial Literatura Cearense, A Padaria Espiritual 
e o Simbolismo, Aspectos da Literatura Cearense, 
Dez Ensaios da Literatura Cearense, Novos Ensaios 
da Literatura Cearense e Breve História da Padaria 
Espiritual. É membro da Cadeira nº 1 da Academia 
Cearense de Letras, cujo patrono é Adolfo 
Caminha, do qual é biógrafo.
ILUSTRADOR
Carlus Campos 
Artista gráfico, pintor e gravador, começou 
a carreira em 1987 como ilustrador no jornal O POVO. 
Na construção do seu trabalho, aborda várias 
técnicas como: xilogravura, pintura, infogravura, 
aquarelas e desenho. Ilustrou revistas nacionais 
importantes como a Caros Amigos e a Bravo. Dentro 
da produção gráfica ganhou prêmios em salões de 
Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

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