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161-Texto do artigo-256-1-10-20160424

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Thompson/Williams: 
para uma história cultural da comunicação
Marco Antonio Roxo da Silva
Doutor em Comunicação pela UFF e recém-doutor pela ECO/UFRJ. Atualmente, coordena o projeto de pesquisa
“Política e Mercado: a disputa de poder na imprensa na década de 1980”. E-mail: marcoroxo@urbi.com.br
Igor Sacramento
Doutorando em Comunicação pela ECO/UFRJ. Atualmente, está se dedicando à pesquisa para sua tese, provisoriamente
intitulada “Dias Gomes, do PCB à TV: a trajetória de um subversivo”. E-mail: igorsacramento@gmail.com
Resumo
Este artigo sistematiza contribuições de E. P. Thompson e de Raymond Williams para a elaboração
de uma história cultural da comunicação. Para tanto, são detalhadas e articuladas as noções de
processo (Thompson) e de materialismo cultural (Williams) como chaves para uma história da
comunicação que entenda o processo de realização do circuito comunicativo como um conjunto de
múltiplas “experiências sociais vividas” articuladamente, ou seja, enfatizando a agência humana
possibilitada no interior de uma dinâmica histórica específica. Antes disso, é brevemente relatado o
percurso do entendimento da comunicação a partir da cultura, fundamental para a compreensão da
proposição que aqui é feita.
Palavras-chave
Estudos Culturais; E. P. Thompson; Raymond Williams; História da Comunicação. 
Abstract
This article systematizes the contributions of E.P. Thompson and Raymond Williams for the
elaborations of a cultural history of communications. To show that, we detail and relate the concepts
of process (Thompson) and cultural materialism (Williams) as keys for his endeavor. The cultural
history of communications realize the communication circuit as a collection of social lived
experiences. It makes the rebirth of the human agency into a specific history dynamics. To propose
this history, we relate the understanding by studying communications from the culture. 
Key words
1
Culture Studies; E.P. Thompson; Raymond Williams; History of Communications. 
Introdução
Ao lado de Richard Hoggart, E. P. Thompson e Raymond Williams formam a tríade de “pais
fundadores” dos Estudos Culturais. Eles são autores de obras marcantes para a “virada” nos
tradicionais estudos marxistas das relações entre cultura e sociedade, tais como The Uses of
Literacy (1957), de Hoggart, Culture and Society (1958), de Williams, e The Making of the English
Working-Class (1963), de Thompson. Foi Hoggart quem, em 1964, fundou o Centre for
Contemporary Cultural Studies (CCCS). Nessas suas origens, os Estudos Culturais tinham como
objetivo pensar a cultura num sentido amplo, com o objetivo de desfazer a oposição até então
existente entre três níveis culturais. De um lado, o erudito ou popular, vistos como “genuínos” e
símbolos do “nacional”. De outro, o massivo, satanizado porque produzido industrialmente em
larga escala e amplamente consumido. 
Um dos primeiros passos dos “pais fundadores” nesta direção foi abalar as fronteiras das
esferas culturais e econômicas da vida social. Dito em termos marxistas, tinham o objetivo de
mostrar os fortes e intensos entrelaçamentos entre superestrutura e infraestrutura. Para isso,
procuraram: 1) analisar o enraizamento econômico-político do cultural na sociedade capitalista por
meio de uma leitura historicamente orientada; 2) considerar a cultura em sentido antropológico
(como “modo de vida”) para superar a tradicional reflexão centrada sobre o vínculo cultura-nação e
abranger a cultura dos diversos grupos sociais; 3) fixar e destacar a dimensão política da cultura
como meio de demonstrar como a cultura “popular” e/ou “operária” funciona como expressão de
interesses autônomos dos de “baixo”, que às vezes se articulam para contestar a ordem social
vigente, bem como para negociar os termos de sua adesão às relações de poder; 4) entender o
“vivido” como lugar privilegiado da experimentação – da participação – das disputas, tensões e
relações sociais; e 5) compreender a cultura como âmago da atividade humana e como central para
as lutas sociais (Cevasco, 2003; Mattelart e Neveu, 2004).
Nestes termos, cultura é algo que vai além das “necessidades do espírito”, tais como o
conhecimento, o intelecto e a arte, numa visão arnoldianai, e da “essência popular”, como na matriz
românticaii. O conceito também não se limita às determinações da base econômica ou aos
mecanismos de reprodução ideológica vigentes no marxismo estruturalista. A essa postura os
Estudos Culturais responderam com o desenvolvimento da compreensão da cultura na sua
“autonomia relativa”. Ou seja, a cultura ao mesmo tempo influencia e sofre consequências das
relações político-econômicas (Escosteguy, 2001).
Nesse sentido, as relações entre as dimensões super e infraestruturais devem ser enquadradas
pela análise das “ligações indissolúveis” entre produção material, instituições, atividades político-
2
culturais e consciência (Williams, 1979, p. 84). Tal estágio de penetração do capitalismo colocou
para os “pais fundadores” dos Estudos Culturais, especialmente para Thompson e Williams, a
necessidade de reconsideração do cultural na “vizinhança do marxismo”, ou seja, “sobre o
marxismo, contra o marxismo, com ele e para tentar desenvolvê-lo” (Hall, 2003b, p. 203).
Em termos teóricos, os Estudos Culturais e o marxismo nunca se encaixaram perfeitamente,
como lembra Stuart Hall (2003b). Isso provocou um empenho em sofisticar a tão complexa noção
de “determinação” presente nos fundamentos do marxismo, especialmente no Prefácio à
Contribuição à Crítica da Economia Política, de Karl Marx, publicado originalmente em 1859: “O
modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em
geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é
que determina a sua consciência” (Marx, 2003, p. 5).
Pode-se dizer, então, que sob a perspectiva dos Estudos Culturais, uma teoria cultural foi se
moldando na medida em que a ideia de determinação passou a conviver com a de articulação.
“Estudar o cultural” correspondeu a colocá-lo em articulação com o todo social, trazendo à cena, de
um lado, o acachapante peso da estrutura para a experiência humana, mas observando, de outro, que
a própria experiência é o lugar da resistência às forças produtivas determinantes. Sendo assim, na
dialética entre agência e estrutura, passou-se a enfatizar a “energia humana” (Williams, 1965, p. 61)
ou a dialética entre o “ser social” e a “consciência social” (Thompson, 1961). Por isso, tornou-se
necessário estudar as relações sociais de todas as ordens (comerciais, políticas, familiares, escolares,
midiáticas) como ativas e ativadas pela experiência humana e nunca totalmente independentes dela.
Desse modo, o estudo da cultura passou a ser “o estudo da organização geral em caso particular”,
isto é, da presença do cultural nas atividades humanas isoladas e de como as suas inter-relações são
vividas e experimentadas como um todo em dado período: num “interacionismo radical”, que
complexifica a ideia de determinação em direção à determinação mútua (Hall, 2003a, p. 136). 
É preciso destacar a polêmica entre Williams e Thompson, quando este resenhou The Long
Revolution, de Williams. Thompson (1961) combateu, especialmente, a amplitude demasiada da
concepção e do raio de atuação de cultura como “um modo inteiro de vida”. Ele observou que é
preciso em toda teorização considerar a sua oposição: o cultural e o não cultural, no caso.
Thompson acredita que Williams, ao expandir a cultura a todas as práticas humanas, estava
negligenciando a história – o processo histórico. Ou seja, para Thompson, Williams, ao tomar o
cultural (“o complexo das superestruturas”) como explicação da vida social, estavase esquecendo
de considerar a experiência – como as pessoas vivem a cultura, ou melhor, como se dão as lutas, as
tensões e os conflitos intrinsecamente ligados a uma formação cultural (Thompson, 1987).
Respondendo a essas críticas, Williams (1979) formulou uma não menos polêmica e sofisticada
diferenciação entre cultura, linguagem, literatura e ideologia dentro do que ele propõe como sendo o
3
materialismo cultural: “Uma teoria das especificidades da produção cultural e literária material,
dentro do materialismo histórico” (Williams, 1979, p. 12).
Apesar dessas divergências, Hall (2003a, p. 141) comenta que o cerne dos Estudos Culturais
é se opôr ao “papel residual e de mero reflexo” do cultural e conceituar a cultura como “algo que se
entrelaça a todas as práticas sociais”, inclusive as comunicativas. Como já está implícito aqui, o
nosso entendimento de comunicação não é sinônimo de mídia, mas também a ela se refere. Sabendo
dos problemas de considerar um escopo tão amplo para o conceito de comunicação (os sistemas
orais, escritos, visuais e midiáticos), que, assim, poderia se confundir com o de cultura, definimos
comunicação como uma dimensão operativa concreta da cultura, assim como um elemento
transformador da cultura por meio de sua própria “cultura”.iii
Na história do pensamento comunicacional, os Estudos Culturais realizaram um impacto
reformulador que permitiu estudar “a comunicação a partir da cultura” (Martín-Barbero, 1997, p.
289). Tradicionalmente associada a uma teoria – informacional, semiótica ou sociológica –, a
Comunicação passou a abarcar também a culturologia. Nesse sentido, a comunicação não poderia
ser entendida simplesmente como transmissão de informações (paradigma informacional), como
superfície semiótica a partir da qual emanam significados ideológicos (paradigma semiótico) ou
como um conjunto de instituições que reconfiguram a sociedade (paradigma sociológico). Sob
aquele viés, o estudo da comunicação deveria perder o seu “objeto próprio” – as mídias – para,
enfim, recuperar o “movimento social na comunicação, a comunicação em processo”, considerando,
portanto, as mediações (Martín-Barbero, 1997, p. 290). Ou seja, estudar a comunicação a partir da
cultura é procurar desfazer a separação falaciosa do circuito comunicativo entre produção e
recepção, ou entre causas e efeitos, das práticas comunicativas. Assim, poderíamos recuperar a
totalidade do fenômeno comunicacional na sua pluralidade e densidade cultural: a especificidade e
a materialidade dos conflitos, das contradições e das lutas presentes nos processos comunicativos.
Tal como a Teoria Crítica, os Estudos Culturais (herdeiros dos trabalhos de Hoggart,
Thompson e Williams) admitiram a existência de um “sistema cultural dominante” no qual os meios
de comunicação têm uma função central. No entanto, mesmo reconhecendo que atitudes, usos e
costumes de inúmeros indivíduos são afetados por aquele sistema, consideram a existência de outras
mediações – classe social, formação intelectual, família, religião, engajamento político – que
também conformam os modos de negociação dos indivíduos com a realidade. É por isso que a
comunicação, como cultura, deve ser entendida como processo, isto é, na sua “natureza complexa e
elástica, dinâmica e ativa, não puramente residual e mecânica” (Wolf, 2005, p. 105). Nessa
perspectiva, o objeto da Comunicação é estudar tanto a especificidade das diversas práticas
comunicacionais quanto as articulações delas com as formas do sistema cultural ao qual essas
práticas dão vida num determinado período. A abordagem da comunicação pelos Estudos Culturais,
4
então, remontam a uma ideia de história como processo, entendo-a como “acontecer inacabado e
indeterminado”, mas que não é destituído de lógica racional ou de pressões determinantes
(Thompson, 1978, p. 97).
Pensando nisso, neste artigo sistematizaremos contribuições de E. P. Thompson e de
Raymond Williams para a elaboração de uma história cultural da comunicação. Para tanto,
detalhamos e articulamos as noções de processo (Thompson) e de materialismo cultural (Williams)
como chaves para uma história da comunicação que entenda o processo de realização do circuito
comunicativo como um conjunto de múltiplas “experiências sociais vividas” articuladamente, ou
seja, enfatizando a agência humana possibilitada no interior de uma dinâmica histórica específica.
Por fim, sintetizaremos a nossa proposta.
 
Thompson e a ideia de processo
E. P. Thompson abre o seu famoso livro A formação da classe operária inglesa afirmando
que a classe operária não surgiu de uma ora para outra. “Ela estava presente no seu próprio fazer-
se”. A classe não é, então, nem uma “estrutura” e nem uma categoria abstrata, mas algo que decorre
das próprias relações sociais. É um fenômeno histórico, dos padrões que adquirem as experiências
de parte dos homens quando estes experimentam e sofrem as mudanças impactantes das grandes
estruturas sociais, denominadas por Marx de relações de produção. A questão da identidade de
classe aparece quando o conjunto disperso de experiências dos vários setores que compõem o
operariado fabril por um sentido de luta atravessa o próprio corpo social. Nesse sentido, a classe
acontece quando indivíduos sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si e em
oposição a outros cujos interesses diferem e geralmente se opõem aos seus.
No interior do marxismo, a ênfase na dimensão estrutural do conceito subestimou as
experiências antigas e recentes das camadas populares. A explicação para a falta de consciência de
classe do operariado moderno passou, em grande parte, a ser dada por duas teorias. Uma, leninista,
na qual a consciência de classe teria de ser impulsionada por elementos externos à própria classe.
Daí, a necessidade do operariado ter sua ação induzida por uma vanguarda portadora dos
verdadeiros interesses desse conjunto, refletindo o dilema entre a ação espontânea e consciente. A
outra, althusseriana, na qual a complexa presença dos aparelhos ideológicos garantiria o domínio
absoluto da reprodução da ideologia burguesa sobre os agentes históricos, tornando-os portadores
permanentes de uma falsa consciência.
Para Thompson, resgatar a dimensão histórica do conceito significa poder empregá-lo em
experiências históricas reais e observáveis empiricamente, ou seja, para tratar de um conjunto de
atores que, em função da solidificação de suas experiências, se identificam como classe em seu
sentido maduro. Por outro lado, o conceito de classe pode ser usado também como categoria
5
analítica para organizar e dar sentido a um acontecimento histórico de agentes com as ações que
têm correspondência muito menos direta com as do operariado fabril. 
Neste sentido, o conceito nos permite entender do comportamento coletivo de agentes
históricos existentes em sociedades anteriores à emergência da sociedade industrial, como, por
exemplo, para entender a “economia moral dos pobres” e as tensas relações de convivência entre
“patrícios e plebeus”, ambas situadas na Inglaterra no início do século XVIII, bem como analisar as
ações de grupos sociais com valores, experiências, formas de sociabilidade e tradições distintas das
do operariado fabril (Thompson, 1977, p. 34-39). 
Para essas categorias que não possuem uma cultura de classe madura, o uso do conceito é
inseparável do de luta de classes. Segundo Thompson, é vivendo numa sociedade estruturada que os
atores sociais experimentam a exploração, identificam pontos de interesses antagônicos e começam
a lutar por seus interesses. A antecedência do conceito de luta de classes implica repor a dinâmica, o
movimento, recuperar a dimensão histórica do protagonismo dos agentes históricos. Daío peso que
tem a ideia de processo na obra de Thompson. É no processo de luta que os agentes se descobram
como classe. A classe e a sua consciência são sempre as últimas e não as primeiras fases desse
processo desse tipo de formação cultural.
Ao colocar o processo como central na história, Thompson coloca no motor da história a
ação humana. E, sendo assim, a história é algo inacabado, em processo de acabamento, permeado
por conflitos e pressões determinantes, bem como por agenciamentos coletivos ativos que não
sucumbem aos determinismos estruturais e que, por isso, podem lhe oferecer resistências. A
história, para Thompson, portanto, é irremediavelmente dinâmica, uma sucessão de acontecimento,
mesmo que sem a superação de todos eles. É a experiência humana que coloca em cena o presente,
o passado e o futuro da existência. Não se trata de uma história linear ou etapista, mas sistêmica e
processual. Nas palavras de Thompson: “A investigação da história como processo, como sucessão
de acontecimentos ou 'desordem racional', acarreta noções de causação, contradição, de mediação e
da organização (por vezes estruturação) sistêmica da vida social, política, econômica e intelectual”
(2001, p. 53).
Se de um lado, a formação das classes não acontece de forma independente dos chamados
determinismos estruturais, de outro, os agentes não abdicam dos seus valores e tradições para
vivenciarem as transformações sociais que muitas vezes lhes são impostas. As diferentes
experiências de trabalhadores espalhados pelos diversos países nos permitem compreender que
nenhuma formação da classe propriamente dita é mais verdadeira ou real que outras. As classes
definem a si mesmas no seu acontecer, ou seja, no seu processo. Elas são, nesse sentido, casos
especiais de formações históricas particulares que surgem da luta de classes (Thompson, 1977, p.
34-39). Assumindo isso, a definição de cultura passa a ser a de “arena de lutas”:
6
[U]ma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre
uma troca entre o escrito e o oral, do dominante e o subordinado, a aldeia e a
metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob uma pressão
imperiosa – por exemplo, o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia
religiosa predominante – assume a forma de um sistema. E na verdade o próprio
termo cultura, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa
atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes
dentro de um conjunto (Thompson, 1998, p. 17).
A concepção da cultura como uma arena de elementos conflitivos nos lembra as concepções
de polifonia e dialogismo de Mikhail Bakthin. O confronto entre diferentes visões de mundo
engendra uma luta política que se expressa e ganha sentido nas práticas sociais e formas culturais
que estas adquirem. Segundo Thompson (1998, p. 18), cultura é um termo emaranhado que ao
reunir diversas atividades e atributos num só feixe pode confundir e ocultar as distinções que devem
ser efetuadas. Observar a cultura como uma arena é entendê-la como um campo de forças
assimétricas, no qual devemos tentar revelar a variedade de gradações ideológicas existentes entre
os agentes, identificar os diferentes posicionamentos destes, seus conflitos, polarizações diversas,
mas também negociações, influxos recíprocos e circularidade de valores e práticas. 
Para Thompson (1998, p. 25-85), a relação assimétrica de poder entre os diferentes grupos
sociais (dominantes e dominados) diz respeito à questão da hegemonia cultural. Isto permite
Thompson estabelecer uma crítica aos intelectuais marxistas e estruturalistas que superestimavam a
capacidade das elites de impor uma hegemonia cultural aos de “baixo” e, consequentemente,
duvidavam da capacidade destes últimos agirem como “classe”, limitando e até mesmo
reformulando as imposições culturais vindas de “cima”. Esta crítica se estende ao próprio Gramsci,
que, ao elaborar o conceito de hegemonia, atribui um papel fundamental ao intelectual orgânico na
articulação entre a infra e a superestrutura, que ganha uma formatação política ao designar um
bloco histórico, formado por classes distintas e/ou frações destas. A liderança moral e intelectual
desta aliança cabe aos intelectuais orgânicos. 
Para Thompson, no entanto, a experiência se tornou um conceito-chave para superar as
contradições presentes no marxismo entre a determinação e a agência, metáforas que designam a
tensa e complicada relação entre a infra e a superestrutura. É com base em suas experiências de vida
em comum, que os setores “subordinados” nessa aliança preservam a autonomia dos seus interesses
e de suas visões de mundo em meio às relações de subordinação ao poder político.
Isto nos leva a uma importante distinção entre cultura e ideologia. Para Gramsci, é
fundamental que os grupos populares consigam sistematizar e organizar melhor suas ideias e
concepções de vida para que possam dar expressão e identidade política aos seus interesses. Daí a
importância do partido político. Segundo Gramsci, é no âmbito do partido que determinados grupos
sociais, em virtude de suas condições gerais de vida, formação e desenvolvimento, formam seus
7
intelectuais orgânicos “diretamente no campo político e filosófico e não da técnica produtiva”
(Gramsci, 2002, p. 24). Agindo no âmbito da sociedade civil, o partido tem de formar quadros
oriundos de grupos sociais fincados na estrutura econômica e transformá-los em dirigentes
(intelectuais) capazes de organizar atividades inerentes ao desenvolvimento integral da sociedade.
As tarefas de constituição de um bloco de poder e, consequentemente o exercício da hegemonia,
implica a ênfase desse agente nas funções diretivas e organizativas, combinando aprendizado
político e cultural, entenda-se ideológico (Gramsci, 2002, p. 24-25).
Thompson afirma que o conceito de hegemonia é muito valioso, mas lembra que a
hegemonia só pode ser exercida e sustentada pelas lideranças políticas pelo exercício constante da
habilidade, do teatro e da concessão. Mesmo quando imposta com sucesso, o exercício da
hegemonia não impõe uma visão abrangente da vida, tema que em Gramsci se relaciona com a
formação de uma cultura nacional-popular, mas relaciona-se a “uma cultura muito vigorosa e
autônoma do povo, derivada da sua própria experiência e recursos,” e que “pode ser resistente a
toda forma de dominação externa, constituindo uma ameaça sempre presente às descrições oficiais
da realidade” (Thompson, 1998, p. 79).
Qual a relação destas concepções com uma história cultural da comunicação? Uma delas
envolve o exame do papel de determinadas instâncias comunicativas, como o jornalismo, como
“gerenciadoras” do senso comum. O exame de tal papel envolve, por exemplo, investigar a cultura
profissional dos jornalistas brasileiros e verificar até que ponto eles compartilham de referenciais
comuns no exercício da profissão, quais são os seus padrões de sociabilidade e que tipos de valores
e práticas ancora o seu senso de pertencimento a uma comunidade de profissionais e qual o tipo de
relação que eles estabelecem com o público (Silva, 2007). É possível que esta comunidade seja tão
dividida que suas práticas comunicativas não tenham a centralidade e referencialidade que julgamos
ter na vida das pessoas comuns. É fundamental, acima de tudo, não tomarmos as práticas
jornalísticas como algo dado, mas como construídas historicamente e que os jornalistas, assim como
outros agentes históricos, apesar de viverem imersos em novos aparatos tecnológicos, convivem
com formas de se autorrepresentar e de entender o seu papel que remetem a tradições e formas de
representações antigas ainda capazes de dar sentido ao jornalismo enquantoprática social. 
Além dessa possibilidade, é importante destacar que, ao contrário, o trabalho de Thompson,
por valorizar a experiência dos de “baixo”, foi usado para consolidar os estudos do consumo dos
produtos midiáticos pelas classes populares e/ou operárias. Assim, passou a ser valorizado como no
cotidiano da “cultura do pobre” (Mattelart e Mattelart, 1999, p. 102) se deram os usos daqueles
produtos, suas reelaborações e ressignificações dentro de uma determinada experiência coletiva,
notadamente classista. No Brasil, foram pioneiros os estudos de recepção dos produtos televisivos
que, por um lado, tomaram a comparação entre classes (dominantes e dominados) como mote para a
8
análise dos diferentes “universos simbólicos” por meio dos quais os membros de classe vivenciam e
valoram aqueles produtos culturais que consomem (Leal, 1986) e que, por outro, compararam os
“modos de representação da realidade” por duas comunidades de trabalhadores, diante do impacto
da notícia televisiva (Silva, 1985). Essas abordagens, no entanto, têm como um de seus nós a
desconsideração do “modo inteiro” de realização do circuito comunicativo; são impasses que
também estão presentes nas análises centradas no texto e fincadas na produção, seja na dimensão
das rotinas produtivas, seja na das políticas institucionais. Em todos os casos, convencionalmente, a
comunicação aparece fragmentada.
Williams e o materialismo cultural
O materialismo cultural, teoria forjada por Raymond Williams em resposta ao
econominismo e ao estruturalismo dominantes nas teorias marxistas, não se baseia simplesmente na
inserção das determinações econômicas nos estudos culturais, mas no estabelecimento da produção
cultural como social e material (Williams, 1979, p. 140). Assim, o que está em xeque é a separação
entre “infraestrutura” e “superestrutura” como “áreas” distintas e hierarquizadas de baixo para cima,
em que a primeira – material – age sobre a segunda – simbólica – como instância determinante e
conformadora. No entanto, Williams reconhece que essa perspectiva implica um reducionismo
extremo que só pode existir como um “determinismo abstrato”, visto que simplifica a realidade
social num sistema de determinação dicotômica e unilateral. Embora reconhecendo que esta tenha
sido uma estratégia crucial de derrubada do idealismo – das ideias (o espírito ou a consciência)
como criador do material – em direção da afirmação do materialismo – a consciência como
propriedade de matérias organizadas, interconectadas e contextualizadas –, não se deve, na desculpa
do combate, perder a dimensão da totalidade: das articulações que constituem o todo social. Por
isso, é necessário trabalhar na chave de um “determinismo concreto”. Isso significa atentar para o
fato de que toda prática é simultaneamente material e simbólica, ou seja, para a unidade qualitativa
do político, do econômico e do cultural que se forma nas sociedades contemporâneas (Williams,
2000). Enfocando as “ligações indissolúveis” entre o social e o cultural, recupera-se a contradição
como motor da história.
Por outro lado, o materialismo cultural rechaça qualquer tentativa de excluir a experiência
humana na história. Nesse ponto, Williams está criticando a leitura althusseriana do marxismo, na
qual a ação humana é reduzida ou até mesmo desconsiderada diante da atividade acachapante da
estrutura social. Atento a isso, ele afirma: “[A] sociedade não é apenas a casa morta que limita a
realização social e individual. É sempre também um processo constitutivo com pressões muito
poderosas, que são internalizadas e se tornam vontades individuais” (Williams, 1979, p. 91). Ainda
9
mais certeiramente, ele propõe: 
O que o sociólogo cultural ou o historiador da cultura estudam são as práticas
sociais e as relações culturais que produzem não só “uma cultura” ou “uma
ideologia” mas, coisa muito mais significativa, aqueles modos de ser e aquelas
obras dinâmicas e concretas em cujo interior não há apenas continuidades e
determinações constantes, mas também tensões, conflitos, resoluções e
irresoluções, inovações e mudanças reais (Williams, 2000, p. 29).
Como bem se sabe, Williams define a cultura como “experiência ordinária” (Williams,
1989). Sendo assim, ela não é restrita a artistas e ilustrados ou a obras de arte e livros, mas pertence
a todos, porque é uma imaginação social que organiza e interconecta todas as práticas sociais num
determinado momento histórico. Partindo disso, o materialismo cultural não procura reconhecer
exclusivamente um estatuto especial para as obras literárias, mas colocar como questão o exame das
relações entre “as condições materiais de produção e de recepção das obras sem colocar nenhuma
condição que as coloque à parte, em um domínio separado da vida social, mesmo que for para
elevá-la como promessa de liberação humana”. O trabalho, portanto, é “descrever e interpretar as
relações entre uma 'multiplicidade de escrituras' (...) e a sociedade onde adquirem, e conferem,
valores e significados” (Cevasco, 2001, p. 179). Nesse sentido, o entendimento de “artes” engloba
toda atividade humana ligada a manifestações estéticas e não unicamente do que é legitimado como
sendo “artístico”. Somente sendo possíveis pela ação humana, as “artes” formalizam experiências
vividas, ao mesmo tempo que participam ativamente do processo de incorporação e atualização de
modos de vida. Cabe ao materialismo cultural identificar dentro de cada produção cultural os
sentimentos, experiências, representações e práticas vividas individual e coletivamente numa
determinada sociedade. Cabe também analisar o modo de organização da produção de significados
e valores em diferentes atividades humanas, na estruturação das formas, das instituições, das
relações e das artes que se encontram, todas, em constante transformação. Williams adverte (1979)
que, para haver uma análise cultural eficaz, é preciso dar voz aos movimentos ativos e dinâmicos
produtores de mudanças. Isto, todavia, não impede que se estude o sistema que constrange o que
pode e não pode ser realizado, impondo limites e possibilidades para a produção cultural e
produzindo efeitos materiais na cultura.
Ao considerar que a cultura não pode ser trabalhada como um conceito abstrato, mas como
uma prática social concreta, Williams (2000) ensina que não podem ser excluídos de qualquer
análise desse tipo os indivíduos, suas produções e as suas posições diante das transformações do
mundo. A imaginação, o pensamento e a criação artística não podem ser reduzidos a meros meios
técnicos de uma vida abstrata, mas devem ser vistos como numa articulação constante e conflituosa,
formando um todo, impossível de ser tomado em separado. Williams, enfim, resume que a cultura
nunca está à parte das mudanças sociais. Nesse sentido, não se pode conceber uma teoria que trate
10
os fenômenos como um “sempre passado”, como imóveis, estáveis e já conhecidos, mas devem ser
considerados os acontecimentos que escapam do formal, do hegemônico, mesmo que sejam
possíveis por ele ao mesmo tempo em que são responsáveis por revigorá-lo.
Tomar essa posição permite que sejam percebidos os valores e significados dominantes, bem
como os emergentes, que impregnam o todo social e que estão mais misturados do que faz supor a
descrição de uma ideologia monolítica a dominar tudo e todos. A falta de ênfase no emergente, ou
até mesmo no meramente alternativo ao dominante, presente tanto nas definições de uma “ideologia
totalitária” quanto nas de uma “superestrutura determinada” leva a uma indiferença à complexidade
social (Cevasco, 2001, p. 150). De fato, também é problemática a ênfase exclusiva no emergente ou
no alternativo. A compreensão mais contundente é aquela capaz de articular essas ações como
“partes” deum mesmo processo. 
Na prática do materialismo cultural, Williams se dedicou ao estudo das formas – o romance
e a televisão –, das formações culturais – o Grupo de Bloomsbury – e das organizações culturais
(Cevasco, 2001, p. 181-277). Aqui, nos deteremos nos estudos midiáticos dele. Em Comunications
(1962), o autor estrutura o seu entendimento da comunicação como um sistema articulado de
tecnologias e ações humanas inscrito dentro de uma sociedade, que é constituída por outras
instituições que também impõem limites e exercem pressões à práxis dos indivíduos. O objetivo é,
portanto, definir a comunicação como uma instituição social que não supera e silencia o individual,
mas que está diretamente relacionada a ele e com ele se transforma. O impacto da comunicação no
desenvolvimento tecno-humano fez com que a própria definição de sociedade tivesse de ser
alterada: “o que chamamos de sociedade não é somente uma estrutura de elementos políticos e
econômicos, mas também um processo por meio do qual se aprendem e comunicam coisas”
(Williams, 1962, p. 15). Sendo assim, as práticas comunicativas estão fundamentalmente
imbricadas nas realizações sociais, visto que “o aprendizado da cultura e dos valores humanos e
sociais” tornou-se mais importante que os interesses por poderes “puramente” materiais (Souza,
2004, p. 52). Para perceber isso, é necessário tomar a comunicação no seu processo histórico,
mostrando como ela passou a se tornar legítima e disputada tanto para a manutenção quanto para a
mudança social. 
Por considerar que o materialismo cultural dedica-se, em última análise, ao estudo das
instituições culturais, os meios de produção, os processos de reprodução da cultura e a sua
organização, o que está em destaque são as transformações socioformais ocorridas ao longo da
história. Nesse sentido, o estudo dos meios de comunicação massivos deve se dar por meio de
análise múltipla – política, econômica, cultural, tecnológica e estética. Em Television: technology
and cultural form, esta perspectiva está bastante explícita. Williams (1974) enfatiza a necessidade
de se considerar a televisão como um conjunto de práticas socioculturais particulares, nas quais
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estão envolvidos produtores, telespectadores e outros agentes e instituições sociais. A televisão
como tecnologia dotada de específicas formas culturais socialmente construídas e determinadas não
é um conjunto de “condicionantes naturais ao meio”, mas de intensas negociações dos que
participam tanto da sua produção quanto do seu uso. É por isso que Williams execra qualquer tipo
de “análise imanentista” que negligencie as variáveis sociais, políticas e econômicas, retirando,
assim, a historicidade das mídias. Desse modo, não se considera a inscrição das mídias em seu
tempo, mas cria-se a ilusão de que é capaz de existir algo fora do espaço e do tempo, ou pior, de que
se pode decantar as mídias de determinada sociedade. Ao contrário disso, o autor procurou, dentro
de uma concepção materialista da história, destrinchar os entrelaçamentos (ou “as ligações
indissolúveis”, em seus termos) das mídias – notadamente, da televisão – com a totalidade da vida
social. 
Enfim, sob o materialismo cultural, o foco da análise recai sobre os entrelaçamentos entre as
partes e o todo, isto é, entre as produções culturais e a sociedade de um determinado período,
observando a mútua constituição na relação entre elas e não a mecânica reprodução cultural do
social como já sendo um dado. Esse tipo de análise explicita, portanto, a relação inextrincável do
continuum simbólico-prático. E, assim, a cultura passa a ser entendida como uma atividade social
total em forma particular. 
Para uma história cultural da comunicação
Convencionou-se que a abordagem da comunicação pelos Estudos Culturais centra-se em,
basicamente, dois polos: de um lado, os estudos da produção midiática como “sistema complexo de
práticas determinantes para a elaboração da cultura e da imagem da realidade social”, e, de outro,
que ganhou mais destaque, os trabalhos acerca do consumo midiático como “lugar de negociação”
entre diferenciadas práticas comunicativas (Wolf, 2005, p. 104). O que se perdeu com essa
polarização não foi apenas a articulação, a percepção acurada de que o estudo cultural não é o
estudo de uma prática ou de um somatório delas, mas é o estudo da cultura como aquilo que
atravessa todas as práticas e constitui as inter-relações. O que se perdeu, fundamentalmente, foi a
ideia de história como processo: o “verdadeiro movimento histórico”, do processo histórico em seu
conjunto, ultrapassando quaisquer tentativas de distinção entre as instâncias e os elementos (Hall,
2003a, p. 143). Negligenciou-se, assim, a “experiência” como lugar de interação entre todas as
práticas, ainda que de forma desigual e mutuamente determinante. Quando a experiência é
considerada, é cindida: a experiência de produzir e a experiência de consumir.
A noção de experiência é cara tanto para Thompson quanto para Williams em suas
teorizações. Ela não significa meramente a consideração do acúmulo de conhecimentos, valores e
atividades, mas o fazer articulado deles. Muito longe de considerem-na como abstração, os autores
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tomam a experiência como lugar de atuação das relações de produção, das tradições, dos sistemas
de valores, das ideias e formas institucionais. Nesse sentido, a transformação histórica não acontece
pelo fato de a “infraestrutura” ter dado vida à “superestrutura”, mas pelo fato de a alteração ser
vivenciada na vida social e ser questionada nas ações, escolhas e crenças humanas. Por não ser
nunca dada, a experiência se faz num processo ativo e em relação a uma realidade material
específica. 
Para uma história cultural da comunicação midiática, acreditamos ser necessário considerar
o modo como homens e mulheres realizaram produtos midiáticos, e como também homens e
mulheres consumiram tais produtos. Para isso, deve-se analisar: 1) a posição que ocupam no
processo; 2) as condições de produção e recepção dos produtos midiáticos; 3) os usos sociais que
podem fazer das mídias e dos que conseguem conquistar por meio de luta; 4) o modo como
realizam e experimentam articuladamente suas funções; 5) o impacto tecnológico nas práticas
comunicativas e as negociações envolvidas; 6) as formas e valores que produzem e quais as suas
repercussões; 7) a imaginação e as imagens que os realizadores e os consumidores fazem e
constroem de si e mutuamente entre si; e 8) as inter-relações com as demais instituições sociais.
Muito mais do que ser uma “totalidade ideal”, essa perspectiva impõe a necessidade de
consideração do agenciamento humano no seu processo histórico, ou seja, colocando a ação e a
experiência culturais como o centro da análise da práxis humana. Nesse sentido, entender a
comunicação como cultura é observar como ela faz parte e está presente nas mais diferentes
mediações e como ela atua e é usada em conjunto na existência humana (Gay et al., 1997). Com
isso, pode-se evitar uma história da comunicação midiática calcada ora na centralidade da ação
individual, ora na institucional, ora na desconsideração da “dimensão interna” das mídias (aspectos
empresariais, técnicos, discursivos, deontológicos e profissionais, bem como as rotinas de produção,
as tensões e as disputas dentro do campo), ora na da “dimensão externa” às mídias (as causalidades
institucionais, as condições de produção histórico-sociais mais amplas, assim como as estéticas e
lógicas de recepção) (Ribeiro e Herschmann, 2008). Assim, pode-se produzir uma história da
comunicação que não decante a mídia da sociedade, mas que perceba tanto a mídia na sociedade
como a sociedadena mídia, porque resultados de práticas concretas estruturadas e realizadas por
determinados indivíduos (Sacramento, 2008). Ao não se fazer isso, o que se perde é a dialética: a
consideração de que as ações funcionam interligadas num mesmo processo histórico. 
Para recuperar isso, devem ser identificadas as diversas forças atuantes no terreno de lutas
em que o processo de comunicação midiática se insere e como eles se constituem mutuamente.
Além disso, podem ser ressaltadas as formas como tal entrelaçamento se materializa de modo
específico em obras concretas. Pode-se perceber como se relacionaram os sujeitos envolvidos com o
processo e as múltiplas pressões a que estavam submetidos no cotidiano de planejamento e
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realização da obra e do seu reconhecimento em dado momento. Desse modo, não se pode esquecer
do contexto histórico. A consideração do contexto nos permite enfocar a ambiência sociocultural na
qual a comunicação midiática se dá e dá sentido aos diversos modos de como indivíduos participam
dela, estruturando-a ou, até, por vezes, desconstruindo-a. Uma história cultural da comunicação é,
ao fim e ao cabo, a história do modo como os indivíduos se comunicam (realizam, transmitem,
aprendem e contestam) numa sociedade marcada pelo desenvolvimento tecnológico.
Considerações finais
Apesar de serem profícuos os “estudos culturais da comunicação”, tanto em relação ao
estudo da produção quanto ao da recepção midiáticas, o que se perdeu em sua caminhada foi a
conexão com o projeto político e com a ideia de história que norteou a fundação dessa complexa
disciplina chamada Estudos Culturais. Neste artigo, ao propormos uma história cultural da
comunicação, identificamos não só a necessidade de se recuperar a noção de “circuito
comunicativo” em seu “modo inteiro”, mas também enfatizar a experiência humana como presente
em todo o processo. E isso não significa a centralidade no individual em detrimento do social, mas
que o individual é o lugar de atravessamentos e de mudanças culturais e comunicativas. 
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i Num conhecido ensaio, Culture and Anarchy [Cultura e Anarquia], publicado em 1869, o poeta e escritor inglês
Matthew Arnold defendeu a ideia de que o estudo da cultura é o “estudo da perfeição” – da cultura erudita burguesa, no
seu entender. Sendo assim, as práticas populares (de baixa, nula ou, até mesmo, retardante elevação cultural, na sua
acepção conservadora) não tinham como ser estudadas devido à sua natureza anárquica, bárbara e irracional. A cultura,
o “saber intelectual” (the highbrow) – o “melhor do que já tivermos pensado ou dito” –, pelo contrário, é realizada por
um conjunto de operações racionais próprias e direcionadas para o progresso do pensamento e da sociedade. Trata-se de
uma visão tributária do Iluminismo, tomando o significado de cultura como o de civilização, ou seja, como o processo
para se tornar “civilizado” ou “cultivado” e como fundadora da secularização do desenvolvimento humano (Williams,
2007, p. 119). 
ii É no Romantismo que a cultura passou a ser tida não só mais como “conhecimento” ou “arte”, mas como “modos de
vida”, como “culturas” no plural. Em contraposição ao ortodoxo e dominante sentido de “civilização”, a cultura pôde
também ser usada para enfatizar as culturas nacionais e tradicionais, forjando, portanto, um novo conceito de cultura
popular (Williams, 2007, p. 120), bem como, noutras palavras, uma “descoberta” do povo (Martín-Barbero, 1997, p.
38). Além disso, a acepção romântica de cultura passou a ser usada para acusar a emergência de uma “civilização”
burguesa de causar a “inumanidade” diante do desenvolvimento industrial, obscurecendo o crescimento humano em
detrimento do material e, assim, enfraquecendo – ou dizimando – as culturas populares tradicionais. Para uma trajetória
da ideia de cultura na sociedade industrial moderna, consultar Williams (1969). 
iii Sobre tal noção de comunicação, ler Williams (1992), para quem o que interessa é historicizar a comunicação
humana, enfatizando a ação de homens e mulheres no desenvolvimento e na utilização de linguagens, técnicas e
tecnologias comunicacionais. Sobre a dialética da comunicação midiática (comooperativa e como transformadora da
cultura), é interessante ver Keller (2001), que se filia aos Estudos Culturais britânicos, bem como a Teoria Crítica, para
conceituar a “cultura da mídia”.

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