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1 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS AUTORIA Tatyana Léllis da Matta e Silva 32 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS S586s Silva, Tatyana Léllis da Matta. Sociologia, relações étnico-culturais e direitos humanos / Tatyana Léllis da Matta Silva. - Vitoria : Multivix, 2016. 103 f. ; 30 cm Inclui referências. 1. Sociologia 2. Direitos humanos 3. Relações étnico-culturais I. Faculdade Multivix. II. Título. CDD: 301 EDITORIAL Catalogação: Biblioteca Central Anisio Teixeira – Multivix 2017 • Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. As imagens e ilustrações utilizadas nesta apostila foram obtidas no site: http://br.freepik.com R E I T O R A Faculdade Multivix está presente de norte a sul do Estado do Espírito Santo, com unidades em Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999 atua no mercado capixaba, desta- cando-se pela oferta de cursos de graduação, técnico, pós-graduação e extensão, com quali- dade nas quatro áreas do conhecimento: Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, sempre primando pela qualidade de seu ensino e pela formação de profissionais com consciência cidadã para o mercado de trabalho. Atualmente, a Multivix está entre o seleto grupo de Instituições de Ensino Superior que possuem conceito de excelência junto ao Ministério da Educação (MEC). Das 2109 instituições avaliadas no Brasil, apenas 15% conquistaram notas 4 e 5, que são consideradas conceitos de excelência em ensino. Estes resultados acadêmicos colocam todas as unidades da Multivix entre as melhores do Estado do Espírito Santo e entre as 50 melhores do país. MISSÃO Formar profissionais com consciência cidadã para o mercado de trabalho, com elevado padrão de qualidade, sempre mantendo a credibilidade, segurança e modernidade, visando à satisfação dos clientes e colabora- dores. VISÃO Ser uma Instituição de Ensino Superior reconhecida nacionalmente como referên- cia em qualidade educacional. GRUPO MULTIVIX BIBLIOTECA MULTIVIX (DADOS DE PUBLICAÇÃO NA FONTE) FACULDADE MULTIVIX Diretor Executivo Tadeu Antônio de Oliveira Penina Diretora Acadêmica Eliene Maria Gava Ferrão Penina Diretor Administrativo Financeiro Fernando Bom Costalonga Conselho Editorial Eliene Maria Gava Ferrão Penina (presidente do Conselho Editorial) Kessya Penitente Fabiano Costalonga Carina Sabadim Veloso Patrícia de Oliveira Penina Roberta Caldas Simões Revisão Técnica Alexandra Oliveira Alessandro Ventorin Graziela Vieira Carneiro Design Editorial e Controle de Produção de Conteúdo Carina Sabadim Veloso Maico Pagani Roncatto Ednilson José Roncatto Aline Ximenes Fragoso Genivaldo Félix Soares Multivix Educação a Distância Gestão Acadêmica - Coord. Didático Pedagógico Gestão Acadêmica - Coord. Didático Semipresencial Gestão de Materiais Pedagógicos e Metodologia Direção EaD Coordenação Acadêmica EaD 54 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS R E I T O R APRESENTAÇÃO DA DIREÇÃO EXECUTIVA Prof. Tadeu Antônio de Oliveira Penina Diretor Executivo do Grupo Multivix Aluno (a) Multivix, Estamos muito felizes por você agora fazer parte do maior grupo educacional de Ensino Superior do Espírito Santo e principalmente por ter escolhido a Multivix para fazer parte da sua trajetória profissional. A Faculdade Multivix possui unidades em Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999, no mercado capixaba, destaca-se pela oferta de cursos de graduação, pós-graduação e extensão de quali- dade nas quatro áreas do conhecimento: Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, tanto na modalidade presencial quanto a distância. Além da qualidade de ensino já comprovada pelo MEC, que coloca todas as unidades do Grupo Multivix como parte do seleto grupo das Institu- ições de Ensino Superior de excelência no Brasil, contando com sete unidades do Grupo entre as 100 melhores do País, a Multivix preocupa-se bastante com o contexto da realidade local e com o desenvolvimento do país. E para isso, procura fazer a sua parte, investindo em projetos sociais, ambientais e na promoção de oportuni- dades para os que sonham em fazer uma facul- dade de qualidade mas que precisam superar alguns obstáculos. Buscamos a cada dia cumprir nossa missão que é: “Formar profissionais com consciência cidadã para o mercado de trabalho, com elevado padrão de qualidade, sempre man- tendo a credibilidade, segurança e moderni- dade, visando à satisfação dos clientes e colaboradores.” Entendemos que a educação de qualidade sempre foi a melhor resposta para um país crescer. Para a Multivix, educar é mais que ensinar. É transformar o mundo à sua volta. Seja bem-vindo! SUMÁRIO INTRODUÇÃO 7 NOÇÕES GERAIS DE SOCIOLOGIA 9 2.1 SENSO COMUM X CONHECIMENTO CIENTÍFICO 10 2.1.1 O SENSO COMUM 10 2.1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO 11 2.2 O OLHAR SOCIOLÓGICO 13 SOCIOLOGIA CLÁSSICA 15 3.1 O POSITIVISMO E A ORIGEM DA SOCIOLOGIA 15 3.2 ÉMILE DURKHEIM 16 3.3 MAX WEBER 19 3.4 KARL MARX 22 SOCIOLOGIA NO SÉCULO XX 26 4.1 GEORG SIMMEL E A VIDA NA CIDADE MODERNA 26 4.2 A ESCOLA DE CHICAGO E A SOCIOLOGIA URBANA 29 4.3 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA 31 4.4 PIERRE BOURDIEU: PODER SIMBÓLICO E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA 34 SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA 38 5.1 A CRISE DOS PARADIGMAS SOCIOLOGICOS E A PÓS-MODERNIDADE 38 5.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS MODERNIDADE 39 RELAÇÕES ÉTNICAS E RELAÇÕES CULTURAIS 43 6.1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA 43 6.2 ETNOCENTRISMO 45 6.3 RELATIVISMO CULTURAL 49 6.4 ETNIA X RAÇA 51 6.5 MULTICULTURALISMO 56 6.6 INTERCULTURALIDADE 57 1 2 3 4 5 6 76 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS 1 INTRODUÇÃO A Sociologia tem sua origem no Século XIX. Três acontecimentos são considerados fundamentais para a origem dessa ciência: O primeiro é de ordem econômica: a re- volução industrial. O segundo é de ordem política: a revolução francesa, e o terceiro, de ordem cultural, são na verdade dois: o iluminismo e o renascimento. Esses acon- tecimentos mudaram o rumo da história da Humanidade, alterando seus aspectos econômicos, políticos e culturais, dando origem a estrutura do mundo atual. Essas transformações geraram inúmeras dúvidas e questionamentos sobre o motivo delas ocorrerem, as causas e consequências delas, e como agir diante de tudo o que esta- va acontecendo. Essa necessidade de compreensão da sociedade e de saber como proceder neste grande momento de crise foi o que fomentou a criação da Sociologia. Concebida inicialmente na Europa, para resolver problemas de uma Modernidade industrial localizada, durante muito tempo, embora oficialmente a Sociologia tivesse por objeto as relações sociais em geral, desenvolveu-se ao redor dos problema das grandes capitais europeias, a vida na cidade e o mundo do trabalho/consumo, bem como as relações de poder neles desenvolvidas, deixando em segundo plano outras questões igualmente graves e contemporâneas daquele meio social, seja pela retirada da mulher de casa para compor a força de trabalho, ou pela colonização e descoberta de novos continentes e culturas, retomando a perspectiva globalizante das navega- ções do Século XV e consequentemente seus discursos sobre a divisão da Humanida- de não apenas em raças, bem como em estágios de evolução e de civilização distintos. A globalização e o advento das transformações sofridas no Século XX, mormente com a Segunda Guerra Mundial, no entanto, trouxeram à tona novas questões que a socio- logia clássica não tinha ferramentas para avaliar. Talvez a maior, a questãoda identida- de e da subjetividade dos indivíduos, que levaria a rediscussão de conceitos até então intocados como modernidade, civilização, cultura, raça e gênero, abrindo novas ques- tões principalmente nos chamados Estados Democráticos que adotam a perspectiva dos Direitos Humanos, onde o acesso aos direitos e o respeito às subjetividades são condição para a cidadania e a própria condição humana. É assim que, sobretudo no Século XXI, somam-se às perguntas centrais da sociologia clássica temáticas sobre o lugar e os direitos que cabem àqueles que não eram re- CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS 59 7.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 60 7.1.1 A MAGNA CARTA (1215) 60 7.1.2 A PETIÇÃO DE DIREITO (BILL OF RIGHTS - 1628) 61 7.1.3 A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (1776) 62 7.1.4 A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO (1789) 63 7.1.5 A PRIMEIRA CONVENÇÃO DE GENEBRA (1864) 63 7.1.6 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU - 1945) 64 7.1.7 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948) 65 7.2 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA 66 7.2.1 A CIDADANIA SEGUNDO A TEORIA CLÁSSICA DE T. H. MARSHALL 68 7.2.2. NOVAS CONFIGURAÇÕES DO CONCEITO DE CIDADANIA 71 DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES ETNICO-CULTURAIS NA SOCIEDADE 75 8.1 A IDEIA DE MINORIA 75 8.2 GÊNERO E SUBJETIVIDADE 78 8.3 AÇÕES AFIRMATIVAS E AÇÕES TRANSFORMATIVAS 84 REFERÊNCIAS 89 7 8 9 98 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS presentados pelo homem europeu da Era Industrial. Nesse contexto, esta disciplina via ampliar o escopo do estudante para uma compreensão maior e, portanto, mais próxima da realidade social das questões sociais mais relevantes acerca das relações culturais étnicas e dos Direitos Humanos no contexto de nossa sociedade, a fim de permitir um olhar crítico dos mesmo sobre os atuais problemas sociais. 2 NOÇÕES GERAIS DE SOCIOLOGIA A Sociologia surgiu como disciplina no século XVIII, como resposta acadêmica para um desafio que estava surgindo: o início da sociedade moderna. Com a Revolução Industrial e posteriormente com a Revolução Francesa (1789), iniciou-se uma nova era no mundo, com as quedas das monarquias e a constituição dos Estados nacionais no Ocidente. A Sociologia surge então para compreender as novas formas das socieda- des, suas estruturas e organizações. Atualmente, além de suas aplicações no planejamento social, na condução de progra- mas de intervenção social e no planejamento de programas sociais e governamentais, o conhecimento sociológico é também um meio possível de aperfeiçoamento do conhecimento social, na medida em que auxilia os interessados a compreender mais claramente o comportamento dos grupos sociais, assim como a sociedade com um todo. Sendo uma disciplina humanística, a Sociologia é uma forma significativa de consciência social e de formação de espírito crítico. Sociólogos fazem uso frequente de técnicas quantitativas de pesquisa social (como a estatística) para descrever padrões generalizados nas relações sociais. Isto ajuda a desenvolver modelos que possam entender mudanças sociais e como os indivíduos responderão a essas mudanças. Em alguns campos de estudo da Sociologia, as téc- nicas qualitativas — como entrevistas dirigidas, discussões em grupo e métodos etno- gráficos — permitem um melhor entendimento dos processos sociais de acordo com o objetivo explicativo. Mais que sua aplicação em planejamentos, pesquisas e programas de intervenção, o co- nhecimento sociológico funciona também como uma disciplina humanística, no senti- do de aperfeiçoamento do espírito, na medida em que compreende melhor o compor- tamento dos outros, a sua própria situação e a sociedade como um todo. Sendo uma disciplina humanística, a Sociologia é uma forma significativa de consciência social. Assim, a Sociologia nasce da própria sociedade, e por isso mesmo essa disciplina pode refletir interesses de alguma categoria social ou ser usado como função ideológica, contrariando o ideal de objetividade e neutralidade da ciência. Nesse sentido, se ex- põe o paradoxo das Ciências Sociais, que ao contrário das ciências da natureza (como 1110 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS a biologia, física, química etc.), as ciências da sociedade estão dentro do seu próprio objeto de estudo, pois todo conhecimento é um produto social. Se isso a priori é uma desvantagem para a Sociologia, num segundo momento percebemos que a Sociolo- gia é a única ciência que pode ter a si mesma como objeto de indagação crítica. 2.1 SENSO COMUM X CONHECIMENTO CIENTÍFICO 2.1.1 O SENSO COMUM No seu dia-a-dia, o homem adquire espontaneamente um modo de entender e atuar so- bre a realidade. Algumas pessoas, por exemplo, não passam por baixo de escadas, porque acreditam que dá azar; se quebrarem um espelho, sete anos de azar. Algumas confeitei- ras sabem que o forno não pode ser aberto enquanto o bolo está assando, senão ele “sola”. Como aprenderam estas informações? Elas foram sendo passadas de geração a gera- ção. Elas não só foram assimiladas, mas também transformadas, contribuindo assim para a compreensão da realidade. Assim, se o conhecimento é produto de uma práti- ca que se faz social e historicamente, todas as explicações para a vida, para as regras de comportamento social, para o trabalho, para os fenômenos da natureza, etc., passam a fazer parte das explicações para tudo o que observamos e experimentamos. Todos estes elementos são assimilados ou transformados de forma espontânea. Por isso, raramente há questionamentos sobre outras possibilidades de explicações para a realidade. Acostumamo-nos a uma determinada compreensão de mundo e não mais questionamos; tornamo-nos “conformistas de algum conformismo”. São inúmeros os exemplos presentes na vida social, construídos pelo “ouvi dizer”, que formam uma vi- são de mundo fragmentada e assistemática. Mesmo assim, é uma forma usada pelo homem para tentar resolver seus problemas da vida cotidiana. Isso tudo é denomina- do de senso comum ou conhecimento espontâneo. Portanto, podemos dizer que o senso comum é o conhecimento acumulado pelos homens, de forma empírica, porque se baseia apenas na experiência cotidiana, sem se preocupar com o rigor que a experiência científica exige e sem questionar os proble- mas colocados justamente pelo cotidiano. Contudo, o senso comum é também um saber ingênuo, vez que não possui uma postura crítica. Em geral, as pessoas percebem que existe uma diferença entre o conhecimento do homem do povo, às vezes até cheio de experiências, mas que não estudou, e o conheci- mento daquele que estudou determinado assunto. E a diferença é que o conhecimen- to do homem do povo foi adquirido espontaneamente, sem muita preocupação com método, com crítica ou com sistematização. Ao passo que o conhecimento daquele que estudou algo foi obtido com esforço, usando-se um método, uma crítica mais pen- sada e uma organização mais elaborada dos conhecimentos. (LARA, p. 56, 1983). Porém, é importante destacar que o senso comum é uma forma válida de conhe- cimento, pois o homem precisa dele para encaminhar, resolver ou superar suas ne- cessidades do dia-a-dia. Os pais, por exemplo, educam seus filhos mesmo não sendo psicólogos ou pedagogos, e nem sempre os filhos de pedagogos ou psicólogos são educados melhor. O senso comum é ainda subjetivo ao permitir a expressão de sen- timentos, opiniões e de valores pessoais quando observamos as coisas à nossa volta. Por exemplo: a) se uma determinada pessoa não nos agrada, mesmo que ela tenha um grande valor profissional, torna-se difícil reconhecer este valor. Neste caso, a anti- patia por esta determinada pessoa nos impede de reconhecer a sua capacidade; b) os hindus consideram a vaca um animal sagrado, enquanto nós, ocidentais, concebemos este animal apenas como um fornecedor de carne, leite, entre outros.Por essa razão os consideramos ignorantes, pois tendemos a julgar os povos, que possuem uma cul- tura diferente da nossa, a partir do nosso entendimento valorativo. Levando-se em conta a reflexão feita até aqui, podemos considerar o senso comum como sendo uma visão de mundo precária e fragmentada. Mesmo possuindo o seu valor enquanto processo de construção do conhecimento, ele deve ser superado por um conhecimento que o incorpore, que se estenda a uma concepção crítica e co- erente e que possibilite, até mesmo, o acesso a um saber mais elaborado, como as ciências sociais. 2.1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO Os Gregos, na Antiguidade, buscavam através do uso da razão, a superação do mito ou do saber comum. O avanço na produção do conhecimento, conseguido por esses pen- sadores, foi estabelecer vínculo entre ciência e pensamento sistematizado (filosofia, socio- logia...), que perdurou até o início da Idade Moderna. A partir daí, as relações dos homens tornaram-se mais complexas bem como toda a forma de produzir a sua sobrevivência. 1312 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS Gradativamente, houve um avanço técnico e científico, como a utilização da pólvora, a invenção da imprensa, a Física de Newton, a Astronomia de Galileu, etc. Foi no início do século XVII, quando o mundo europeu passava por profundas transformações, que o homem se tornou o centro da natureza (antropocentrismo). Acompanhando o movimento histórico, ele mudou toda a estrutura do pensamento e rompeu com as concepções de Aristóteles, ainda vigentes e defendidas pela Igreja, segundo as quais tudo era hierarquizado e imóvel, desde as instituições e até mes- mo o planeta Terra. O homem passou, então, a ver a natureza como objeto de sua ação e de seu conheci- mento, podendo nela interferir. Portanto, podia formular hipóteses e experimentá-las para verificar a sua veracidade, superando assim as explicações metafísicas e teológi- cas que até então predominavam. O mundo imóvel foi substituído por um universo aberto e infinito, ligado a uma unidade de leis. Era o nascimento da ciência enquanto um objeto específico de investigação, com um método próprio para o controle da produção do conhecimento. Portanto, podemos afirmar que o conhecimento científico é uma conquista recente da humanidade, pois tem apenas trezentos anos. Ele transformou-se numa prática constante, procurando afastar crenças supersticiosas e ignorância, através de métodos rigorosos, para produzir um conhecimento sistemático, preciso e objetivo que garanta prever acontecimento e agir de forma mais segura. Sendo assim, o que diferencia o senso comum do conhecimento científico é o rigor. Enquanto o senso comum é acrítico, fragmentado, preso a preconceitos e a tradições conservadoras, a ciência preocupa-se com as pesquisas sistemáticas que produzam teorias que revelem a verdade sobre a realidade, uma vez que a ciência produz o co- nhecimento a partir da razão. Desta forma, o cientista, para realizar uma pesquisa e torná-la científica, deve seguir determinados passos. Em primeiro lugar, o pesquisador deve estar motivado a resolver uma determinada situação-problema que, normalmente, é seguida, por algumas hi- póteses. Usando sua criatividade, o pesquisador deve observar os fatos, coletar dados e então testar suas hipóteses, que poderão se transformar em leis e, posteriormente, ser incorporadas às teorias que possam explicar e prever os fenômenos. Porém, é fundamental registrar que a ciência não é somente acumulação de verda- des prontas e acabadas. Neste caso, estaríamos refletindo sobre cientificismo e não ci- ência, mas tê-la como um campo sempre aberto às novas concepções e contestações sem perder de vista os dados, o rigor e a coerência e aceitando, que, o que prova que uma teoria é científica é o fato de ela ser falível e aceitar ser refutada. 2.2 O OLHAR SOCIOLÓGICO O olhar sociológico é um olhar de estranhamento e de desnaturalização das relações sociais. Pressupõe um afastamento do objeto de estudo social para que se consiga uma análise crítica, profunda, não-imediatista e isenta de preconceitos da realidade social observada. Problema: como estudar a nossa própria sociedade estando inseri- dos nela? Nossas crenças e valores não corromperiam a nossa análise, tirando-lhe a objetividade Segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens (2005), um sociólogo é alguém capaz de se libertar do quadro das suas circunstâncias pessoais e pensar as coisas num contexto mais abrangente. A imaginação so- ciológica implica, acima de tudo, abstrair-mo-nos das rotinas familiares da vida quotidiana de maneira a poder olhá-las de forma diferente. O olhar sociológico permite-nos tomar consciência de que o mundo não é assim porque sempre foi; que as pessoas não são como são porque assim nasceram, mas porque assim se tornaram. Isso nos permite ter a chamada consciência sócio-histórica, isto é, saber que somos fortemente influenciados pelas condições sócio-históricas em que vivemos. É um olhar que pode nos ajudar a compreender as diferenças culturais, a avaliar efeitos de políticas e a desenvolver uma consciência crítica e racional. Estamos acostumados a encarar tudo como natural, inclusive as relações sociais; como se o mundo, as sociedades e as culturas fossem “naturais”. Tendemos a imaginar que sempre foram da forma como são e, portanto, sempre serão dessa forma. Para desen- volver um olhar sociológico é preciso quebrar tal forma de encarar a realidade e ad- mitir a racionalidade e o relativismo nas questões sociais. Através do olhar sociológico podemos perceber a verdadeira intenção ou a essências das relações sociais que se mostram apenas na aparência. andreiasouza Highlight andreiasouza Highlight andreiasouza Highlight andreiasouza Highlight andreiasouza Highlight 1514 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS 3 SOCIOLOGIA CLÁSSICA 3.1 O POSITIVISMO E A ORIGEM DA SOCIOLOGIA A primeira corrente de pensamento sociológico propriamente dita foi o Positivismo, que inicialmente organizou em termos de teoria alguns princípios a respeito do ho- mem e da sociedade tentando explicá-los de maneira científica. Coube a ela definir de forma clara e precisa o objeto dessa nova ciência social que surgia, estabelecendo conceitos e uma metodologia de investigação própria e capaz de explicar a especi- ficidade do estudo científico da sociedade. Seu primeiro representante e principal sistematizador foi o pensador francês Auguste Comte. O nome positivismo tem origem no adjetivo “positivo”, que significa certo, seguro, de- finitivo. Como escola filosófica, derivou do “cientificismo”, isto é, da crença no poder dominante e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob forma de leis, que seriam a base regulamentação da vida do homem, da natureza e do próprio universo. O positivismo reconhecia que os princípios reguladores do mundo físico e do mundo social diferiam quanto à sua essência: os primeiros diziam respeito a acontecimentos e aos homens; os outros, à questões humanas. Entretanto, a crença na origem natural de ambos teve o poder de aproximá-los. Além disso, a rápida evolução dos conheci- mentos das ciências naturais – física, química, biologia - e o sucesso de suas descober- Auguste Comte nasceu em Montpellier, França, de uma família católica e monarquista. Viveu a infância na França napoleônica. Es- tudou na Escola Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint Simon, de quem sofreu enorme influência. Devotou seus estudos à filo- sofia positivista, considerada por ele como uma religião da qual era pregador. Segundo sua filosofia política, existiam na história três estados: um teológico, outro metafísico e finalmente o posi- tivo. Este último representava o coroamento do progresso da hu- manidade. Sobre as ciências, distinguia as abstratas das concretas,sendo que a ciência mais complexa e profunda seria a Sociologia. Publicou Curso de filosofia positiva, Discurso sobre o espírito posi- tivo, Discurso sobre o conjunto do positivismo, Sistema de política positivista, Sistema de política positivista e Síntese subjetiva. tas atraíram os primeiros cientistas sociais para seu método de investigação. O próprio Comte, antes de criar o termo “Sociologia”, chamou de “Física Social”. A filosofia social positivista se inspirava no método de investigação das ciências natu- reza, assim como procurava identificar na vida social as mesmas relações e procurava identificar na vida social as mesmas relações e princípios com as quais os cientistas explicavam a vida natural. A própria sociedade foi concebida como um organismo constituído de partes integradas e coesas, que funcionavam harmonicamente segun- do um modelo físico ou mecânico. Nas palavras do autor O positivismo se compõe essencialmente de uma filosofia e de uma política, necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta de um mesmo sistema universal, onde a inteligência e a sociabilidade se encontram intimamente combinados. De uma parte, a ciência social não é somente a mais importante de todas, mas fornece, sobretudo, o único elo, ao mesmo tempo lógico e cientifico, que de agora em diante comporta o conjunto de nossas contemplações [...] (COMTE, 2000, p.71) Ao propor uma reforma intelectual da sociedade, Comte sustenta que o desenvolvi- mento do conhecimento humano se desenrolou num movimento histórico dividido em três etapas. No primeiro estágio, o teológico, conhecimento ancorava-se nas cren- ças e superstições. No segundo, denominado metafísico, baseava-se na lógica filosó- fica, já no terceiro, o positivo, ao qual vivia, o conhecimento seria baseado na ciência. A maioria dos primeiros pensadores sociais positivistas permaneceu presa a uma re- flexão de natureza filosófica sobre a história e a ação humanas. Procedimentos de natureza científica, análises sociológicas baseadas em fatos observados, com maior sistematização teórica e metodologia de pesquisa, só seriam introduzidos por Émile Durkheim, que estudaremos a seguir. 3.2 ÉMILE DURKHEIM Émile Durkheim foi um dos pensadores que mais contribuiu para a consolidação da Sociologia como ciência empírica e para sua instauração no meio acadêmico, tornan- andreiasouza Highlight 1716 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS do-se primeiro professor universitário da disciplina. O Sociólogo francês viveu numa Europa conturbada por guerras e em vias de modernização, e sua produção reflete a tensão entre valores e instituições que estavam sendo corroídos e formas emergente cujo perfil ainda não se encontrava totalmente configurado. Por isso, a retomada do estudo científico da sociedade foi favorecida por este momento histórico pelo qual atravessava a Europa e principalmente a França. Motivado por essas mudanças Durkheim dedicou-se a um vasto repertório de temas que vão da emergência do indivíduo à origem da ordem social, da moral ao estudo da religião, da vida econômica à análise divisão social do trabalho, chegando à educa- ção. Herdeiro também do positivismo, dedicou-se a constituir o objeto da sociologia e as regras para desvendá-lo. A obra mais importante nesse sentido foi “As regras do método sociológico”, na qual o autor procurou instituir a fronteira entre a sociologia e as demais ciências, dando-lhe autonomia e objetividade. No referido trabalho, definiu o que entendi por fatos sociais, que de acordo com o autor constituiriam o objeto da sociologia. A Sociologia pode ser definida, segundo Durkheim, como a ciência “das instituições, da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de “toda crença, todo comportamen- to instituído pela coletividade” Na fase positivista que marca o início de sua produção, considera que, para tornar-se uma ciência autônoma, essa esfera do conhecimento precisava delimitar seu objeto próprio: os fatos sociais. Conservador, seguidor do positivismo de Augusto Comte, tinha como teoria sociológi- ca a Sociologia funcionalista, criada por ele mesmo. Durkheim parte da ideia de que a sociedade (objeto) é superior ao indivíduo (sujeito), pois as estruturas sociais são cria- Émile Durkheim nasceu em Épinal, na França, descendente de uma família de rabinos. Iniciou seus estudos filósofos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para a Alemanha. Lecionou Sociologia em Bordéus, primeira cátedra dessa ciência criada na França. Transferiu-se em 1902 para Sorbonne, reunindo-se num grupo que ficou conhecido como escola sociológica francesa. Suas principais obras foram: Da divisão do trabalho social, As regras do método sociológico, Formas elementares da vida religiosa, edu- cação e sociologia, Sociologia e filosofia de Lições de sociologia. das pelos homens, mas passam a funcionar independentemente deles, controlando suas ações. Seu método funcionalista tem como primeira regra fundamental considerar os fatos sociais como coisas, que parte do princípio de que a realidade social é idêntica a reali- dade da natureza, pois as “coisas” da natureza funcionam de modo independente das ações humanas (assim como a sociedade). Os fatos sociais são o seu objeto de estudo. Eles são de caráter exterior (provém da sociedade e não do indivíduo), objetivo (Existe independentemente do indivíduo) e coercitivo (são impostos pela sociedade ao indivíduo). Sendo assim, eles são produtos da sociedade. Esses fatos sociais existem porque cumprem uma função, explicá-los seria demonstrar a função que eles exercem. Durkheim comparava a sociedade como um corpo vivo, no qual cada órgão cumpre uma função. Esses órgãos podem ser: o governo, a escola, a religião, a família, o exército, as leis, empresas, lazer, etc. Além da criação do método funcionalista, Durkheim trabalhou como teoria da mo- dernidade, a análise da função que a divisão social do trabalho (1893) exercia nas sociedades modernas. Neste período, a sociedade passava por um processo de evo- lução caracterizado pela diferenciação social. Esse processo se inicia na solidariedade mecânica e termina na solidariedade orgânica. Durkheim constrói sua teoria interpre- tando esses dois tipos de sociedade a partir de três componentes básicos: Os laços de solidariedade existentes na comunidade, a sua organização e as suas leis. Assim temos referente a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica: A consciência coletiva X divisão social do trabalho; Sociedades segmentadas X so- ciedades diferenciadas; o Direito repressivo X Direito restitutivo. São três os fatores que Durkheim utiliza para analisar e explicar o processo de evolução da sociedade: o volume, a densidade material e a densidade moral. Com a análise, Émile chega a conclusão de que a sociedade orgânica dá lugar a mecânica quando há um cresci- mento populacional (volume), fazendo com que aja uma maior ocupação do espaço demográfico (densidade material). Ocorre então uma necessidade de distribuição e especialização de funções. Esse processo é chamado por Durkheim de divisão social do trabalho. Nessa sociedade orgânica que surge, devido a especialização de funções, os indivíduos passam a depender mais uns dos outros, fazendo com que aja a coleti- vidade. Durkheim afirma que a função primordial da divisão social do trabalho é uma função moral, que está acima da intenção do aumento de produção da indústria. Essa 1918 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS função é a de criar um sentimento de solidariedade entre as pessoas. Além da divisão social do trabalho, Durkheim fez outros estudos importantes da mo- dernidade, como o suicídio e as formas elementares da vida religiosa. A partir desses estudos, Durkheim pôde ressaltar elementos importantes do mundo moderno como o crescimento do individualismono ocidente e a complexidade da sociedade. E são essas as suas principais contribuições para o pensamento sociológico. O projeto político de Durkheim é conservador/positivista e a favor da sociedade mo- derna (capitalista). A sua função era apontar os problemas passageiros e normalizar a situação. O lema dos teóricos do positivismo, era “ordem e progresso” e seu objetivo, como diz Sell (2001): era “a integração da sociedade em um todo ordenado e coeren- te, fundado em valores sólidos e eternos”. Sua política coloca toda ênfase no equilíbrio (das partes do corpo) e na integração social, e todas as formas de conflito ou de con- testação são vistos como desvios e anomalias que precisam ser eliminados. 3.3 MAX WEBER As ciências sociais ganham um novo rumo com o advento da proposta da Sociologia Compreensiva de Max Weber , sobretudo na releitura da relação indivíduo -socieda- de. Nesse capítulo, conheceremos os principais aspectos de sal teoria s, usa proposta metodológica para a Sociologia e sua crítica à produção do conhecimento sobre a sociedade no modelo positivista, enfatizando a importância de se compreender as transformações da racionalidade do capitalismo moderno. A compreensão das formas de dominação que permeiam as relações sociais é fundamental para a compreensão Max Weber nasceu na cidade de Erfurt (Alemanha), numa família de burgueses liberais. Desenvolveu seus estudos de direito, filoso- fia, história e sociologia, constantemente interrompidos por uma doença que o acompanhou por toda a vida. Iniciou a carreira de professor em Berlim e em 1895, foi catedrático da Universidade de Heidelberg. Na política, defendeu com afinco seus pontos de vista liberais e parlamentaristas. Sua maior influência nos ramos espe- cializados da sociologia foi o estudo das religiões, estabelecendo relações entre formações políticas e crenças religiosas. Suas princi- pais obras foram: Artigos reunidos de teoria da ciência: Economia e Sociedade (obra póstuma) e A ética protestante e o espírito do capitalismo. do modelo educacional que Weber apresenta, modelo este que atenta para a racio- nalização e burocratização do ensino na modernidade. À época de Max Weber, travava-se na Alemanha um acirrado debate entre a corrente até então dominante no pensamento social e filosófico, o positivismo, e seus críticos. O objeto da polêmica eram as especificidades das ciências da natureza e do espírito e, no interior destas, o papel dos valores e a possibilidade da formulação de leis. Wilhelm Dilthey (1833-1911), um dos mais importantes representantes da ala antipositivista, contrapôs à razão científica dos positivistas a razão histórica, isto é, a ideia de que a compreensão do fenômeno social pressupõe a recuperação do sentido, sempre arrai- gado temporalmente e adscrito a uma weltanschauung1 (relativismo) e a um ponto de vista (perspectivismo). Obra humana, a experiência histórica é também uma reali- dade múltipla se inesgotável. Grande crítico da teoria positivista, influenciado pela filosofia neo-kantiana, Weber bus- ca distinguir as ciências sociais das ciências humanas e delimitar a sua especificidade. Ao contrário de Comte e Durkheim, o objeto é o indivíduo, que é objeto e sujeito ao mesmo tempo. A sua teoria sociológica é a teoria sociológica compreensiva, que tem como objetivo compreender o significado da ação social. Sendo assim, seu objeto de estudo é a ação social, explicada por Sell (2001): “É na ação dos indivíduos, quando orientada em relação a outros indivíduos (portanto, quando ela é social) que a sociologia tem o seu ponto de partida [...]”. Como as ações humanas são infinitas, Weber constrói a teoria dos tipos de ação. São elas: Ação social referente a fins, ação social referente a valores, ação social afetiva, e a ação social tradicional. Elas podem ser em caráter comunitário (pessoais) ou societárias (impessoais) e devem ser legitimadas por uma ordem legítima. Weber, não só expõe esses seus conceitos (os quais ele chama de tipos ideais), como também se preocupa em esclarecer a função lógica e a estrutura deles. Para Max Weber o conhecimento humano não é uma reprodução da realidade e sim uma cap- tação de coisas (ou relações) existentes no contexto em que o indivíduo (portador do conhecimento) está inserido e de acordo com a capacidade da sua mente. Portanto, o sociólogo também não pode tratar os seus conceitos como se fossem uma captação da realidade, pois o tipo ideal não se encontra de forma “pura” na realidade. É apenas uma construção teórica elaborada pelo sociólogo para uma aproximação 2120 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS mais objetiva da realidade e que está presente na sociedade de acordo com seu con- texto (social, político, religioso, etc.). Não encontramos, por exemplo, uma sociedade que tenha apenas o tipo de ação social tradicional ou o tipo de ação referente a fins. Todos esses tipos de ações estabelecidas por Weber, na verdade, aparecem todas jun- tas no grupo social. O objetivo dos conceitos, como esclarece Sell (2001): é “[...] permitir às suas pesquisas clareza conceitual quanto aos objetos estudados, bem como um entendimento dos traços típicos que permitem entendê-los.” O conceito de modernidade em Weber parte da ideia de que a modernidade se dá pelo processo de racionalização do ser humano. Por isso ele vai estudar a religião para entender a modernização. Para Weber, a razão trouxe vantagens e desvantagens para a sociedade. Se por um lado ela trouxe a ciência e a técnica, do outro ela trouxe a perda de sentido e a perda de liberdade. De acordo com ele, a ciência não pode substituir a religião. Weber então vai analisar a influência que a religião exerce na economia. Primeira- mente ele estuda o protestantismo X capitalismo, depois ele vai estudar as diversas outras religiões de diferentes países, chegando a conclusão de que a racionalidade está presente em todas elas, mas não houve um progresso dela como no ocidente. Então surge a questão que passa a orientar a sua pesquisa: Qual é o motivo específico da evolução da racionalização no ocidente? O sociólogo alemão então vai chegar a conclusão de que o protestantismo, não é a única, mas a principal causa, a “mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida” que é o capitalismo. A primeira contribuição para esse processo parte da igre- ja Luterana com a sua concepção de “vocação”. Para Lutero, a vocação é o chamado de Deus para determinadas práticas profissionais, por isso elas devem ser cumpridas com determinação e disciplina para que possa alcançar a salvação. Além dessa concepção luterana, algumas seitas como o calvinismo, pietismo, meto- dismo e seitas batistas, que foram estudadas por Weber, também contribuíram para o avanço do capitalismo devido a doutrina de predestinação, a qual os homens são predestinados por Deus para a salvação ou condenação, e a maneira de obter indícios sobre a sua predestinação é obtendo sucesso no trabalho. Mais do que a origem do capitalismo, Weber notou também que o protestantismo favoreceu a racionalização da vida, pois, Sell explica: “A partir deste processo, a vida das pessoas passou a ser movida pelo sistema econômico [...]”. Uma vida metódica, dedicada ao trabalho, de forma disciplinada e ordenada: é neste sentido que o comportamento do protestante representa uma forma ex- tremamente racionalizada de vida. Quando a motivação religiosa do trabalho em busca da riqueza desaparece, mas esta forma ordenada de vida se perpe- tua por força própria, a sociedade atingiu seu nível máximo de racionalização. A origem do capitalismo, portanto, faz parte de um processo mais amplo, cha- mado por Weber de” desencantamento do mundo”. A racionalização da vida, representada pela influência do protestantismo e pela origem do capitalismo, é uma de suas etapas finais. (SELL, 2001) Além do ocidente, Weber também estudou sobre quais os motivosdo oriente não ter atingido a racionalização como nós, do ocidente. A posição política de Max Weber é neutra. Para ele, o sociólogo não deve apontar um projeto político como sendo melhor ou pior. A sua função é indicar as consequências da adoção de determinado sistema. 3.4 KARL MARX Mesmo sem a pretensão de ser sociólogo, Karl Marx empreendeu uma das mais rele- vantes análises sobre a sociedade industrial moderna, cujo reflexo se vê nas obras de pensadores das mais diversas áreas até hoje. Nessa unidade, conheceremos o método utilizado pelo autor para desenvolver uma análise social baseada na existência e luta de classes, baseada nas relações materiais de produção personificadas no seu concei- to de trabalho. Karl Marx nasceu na Alemanha, em 1836, matriculou-se na Uni- versidade de Berlim, doutorando-se em filosofia, em Iena. Foi reda- tor de uma gazeta liberal em Colônia. Mudou-se em 1842 para Paris, onde conheceu Friedrich Engels, seu companheiro de ideias e publicações por toda a vida. Expulso da França em 1845, foi para Bruxelas, onde participou da recém-fundada Liga dos Comunistas. Com o Malogro das revoluções sócias de 1848, Marx mudou-se para Londres, onde se dedicou a um grandioso estudo crítico da economia política. Foi um dos fundadores da Associação Interna- cional dos Operários ou Primeira Internacional. Morreu em 1883, após intensa vida política e intelectual. Suas principais obras foram: A ideologia Alemã, Miséria da filosofia, O manifesto Comunista, Para a crítica da economia política e a luta de classe em O capital. 2322 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS Para Marx, o homem, principal elemento das forças produtivas é o responsável por fazer a ligação entre a natureza e a técnica e os instrumentos. O desenvolvimento da produção vai determinar a combinação e o uso desses diversos elementos: recursos naturais, mão de obra disponível, instrumentos e técnicas produtivas. A cada forma de organização das forças produtivas corresponde uma determinada forma de relação de produção. As relações de produções são as formas pelas quais os homens se organizam para executar a atividade produtiva. Elas se referem às diversas maneiras pelas quais são apropriados e distribuídos os elementos envolvidos no processo de trabalho: matérias- -primas, os instrumentos e a técnica, os próprios trabalhadores e o produto final. As- sim, as relações de produção podem ser num determinado momento, cooperativistas (como um mutirão), escravistas (como na Antiguidade), servis (como na Europa feudal) ou capitalistas (como na indústria moderna). Forças produtivas e relações de produção são frutos das condições naturais e históricas de toda atividade produtiva que ocorre em sociedade. A forma pela qual ambas exis- tem e são produzidas numa determinada sociedade constitui o que Marx denominou “modo de produção”. Influenciado pelo idealismo dialético de Hegel, Marx cria o materialismo dialético, que é fielmente igual ao método do primeiro, porém o seu conteúdo é, na realidade, contrário ao Hegelianismo. Enquanto para Hegel a Tese (afirmação) era o pensamento e a Antítese (negação) era a matéria, para Marx, a Tese era a matéria e a Antítese era o pensamento. O elemento central para entender o desenvolvimento da sociedade, no materialismo dialético, é o trabalho (a ação do homem sobre a matéria). “[...] De acordo com o esquema dialético de Marx, é pelo trabalho que o ho- mem supera sua condição de ser apenas natural e cria uma nova realidade: a sociedade. Assim, se a matéria (mundo natural) representa a tese, temos que o trabalho representa a antítese da matéria, que uma vez modificada pelo homem gera a sociedade, que é a síntese. A sociedade é justamente a síntese do eterno processo dialético pelo qual o homem atua sobre a natureza e a transforma.” (Sell, 2001) O trabalho é o conceito fundamental de toda a teoria marxista, porque sem ele não existiria vida social, não existiria nem ser humano. O método dialético também permitiu a Marx repensar a relação entre indivíduo e so- ciedade, como aponta Sell: “Na teoria marxista, a relação do homem com a sociedade não é reduzida a um ou outro dos pólos, como faziam as teorias anteriores. Ou seja, o homem não é fruto exclusivo da sociedade, nem esta resulta apenas da ação humana. Na perspectiva dialética, existe uma eterna relação entre indivíduo e sociedade, que faz com que tanto a sociedade quanto o homem se modifiquem, desencadeando o processo histórico-social.” No materialismo dialético a história é fruto do trabalho humano (enquanto do idealis- mo dialético é o espírito), pois é o trabalho, que como meio de sobrevivência e satisfa- ção de desejos e necessidades, estimula o processo histórico. A infraestrutura (economia) condiciona a superestrutura (política e cultura). Então, para explicar a sociedade, Marx vai analisar a economia, que é a base material, para saber como ela estipula a vida política e ideológica da sociedade. Os dois elementos da in- fraestrutura são as forças produtivas e as relações de produção, e os dois elementos da superestrutura são o Estado e a ideologia. Para Marx, a infraestrutura e a superestrutura compõem o modo de produção. É quando se altera esse modo de produção, que a sociedade se transforma. Mas o seu maior interesse era estudar os modos de produção capitalista para enten- der o seu surgimento e criar um novo modo de produção que o supere. Abaixo vere- mos os principais conceitos formulados por Marx. • Mercadoria e dinheiro: A mercadoria tem seu valor de uso (conteúdo da mer- cadoria) e seu valor de troca (capacidade de troca por outra mercadoria). Mas o que determina o valor de cada mercadoria? Marx diz que esse valor é o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir o valor de uso, e o dinheiro é o que intermedia a troca das mercadorias. No entanto, enfatiza Marx, o segredo de sua teoria está no fato de que ela demonstra que dinheiro é mercadoria, logo mercadoria é trabalho. Quando o dinheiro perde sua relação com o trabalho e parece ganhar vida própria, Marx chama este fenômeno de “fetichismo de mercadoria”. O capital desvinculado do trabalho aliena o ser humano da produção de sua existência social. A alie- nação inverte o sentido das relações sociais: o homem (sujeito) se torna objeto, enquanto o objeto (mercadoria) se torna sujeito. (SELL, 2001) 2524 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS • A exploração e a mais valia: Uma característica do capitalismo é o lucro. Para Marx, a troca de mercadorias não tem mais como objetivo o valor de uso da mercado- ria. O seu objetivo é o lucro que será gerado com a troca das mercadorias. Mas de onde vem o lucro? Marx diz que a origem do lucro ocorre no processo de produção e não no processo de circulação (troca) das mercadorias. O lucro vem do tempo de trabalho não pago ao trabalhador, isso é chamado por Marx de Mais Valia. Sendo assim, o lucro se origina da exploração do trabalhador. É por isso que Marx dedica a sua vida a denunciar o sistema capitalista, um sistema que favorece a burguesia e explora os trabalhadores. A sociedade sempre esteve segmentada em classes sociais, e de acordo com Marx, a sociedade vai se dividindo cada vez mais em dois campos inimigos: Burguesia e Prole- tariado. Ele diz que a burguesia foi importante para dissolver o feudalismo, mas agora, é a vez do proletariado destruir o capitalismo. Para superar o capitalismo, Karl Marx cria um projeto político revolucionário: O Co- munismo. Marx Indica as fases do desenvolvimento comunista: “No início combate as próprias máquinas; Depois passa a defender seus direitos (sindicalismo); Após, se organiza enquanto classe social (partido político); Finalmente, desencadeia uma luta que termina com a revolução contra a burguesia.” A abolição das classes sociais e a abolição do Estadosão características fundamentais do comunismo. Mas antes de derrubar o Estado, é preciso derrubar a burguesia, então Marx diz que é necessário um momento de transição do capitalismo para o comunis- mo, e este momento é chamado de socialismo, no qual o proletariado irá utilizar do Estado para derrubar a burguesia. Depois que Karl Marx morreu, o movimento socialista se dividiu. Surgiram então os Socialistas Revolucionários (O socialismo deveria ser implantado por meio de uma revolução) e os Socialistas Reformistas (O socialismo deve ser alcançado inicialmente pela eleição, seguido gradualmente de diversos conjuntos de reformas). Os Socialistas Revolucionários criaram a Revolução Russa. Já os Socialistas Reformistas ainda não conseguiram implantar definitivamente o Socialismo, mas conseguiram reali- zar profundas mudanças (na Europa, por exemplo) melhorando a vida dos trabalhadores. 4 SOCIOLOGIA NO SÉCULO XX 4.1 GEORG SIMMEL E A VIDA NA CIDADE MODERNA Na virada do Século XX, o modo de vida da Europa Ocidental industrializada e cienti- ficista já tinha se tornado a referência não só de modernidade, mas de contempora- neidade, tornando-se o paradigma dos estudos sociológicos. Em 1902, quando escreve, “A metrópole e a vida mental”, Georg Simmel afirma que os problemas mais graves da vida moderna nascem na tentativa do indivíduo de pre- servar sua autonomia e individualidade em face das esmagadoras forças sociais. Esta seria a mais recente transformação da luta do homem com a natureza para sua exis- tência física. Segundo o autor, o século XVIII exigiu a especialização do homem e de seu trabalho, e conclamou que se libertasse de suas dependências históricas quanto ao Estado e à religião, à moral e a economia. Dentre todas essas posições, o homem resistiria a ser nivelado e uniformizado por mecanismos sócio-tecnológicos. O autor pergunta então, como a personalidade se acomoda no ajustamento às forças externas. Segundo Simmel, há um profundo contraste entre a vida na cidade e a vida no cam- po. O autor afirma que a metrópole extrai do homem uma quantidade diferente de consciência, sendo que a vida da pequena cidade descansa mais sobre relacio- namentos profundamente sentidos e emocionais, ou seja, o homem metropolitano reagiria com a cabeça em lugar do coração: “A reação aos fenômenos metropolitanos é transferida àquele órgão que é menos sensível e bastante afastado da zona mais profunda da personalidade. A intelectuali- dade, assim se destina a preservar a vida subjetiva contra o poder avassalador da vida metropolitana”. (SIMMEL, 1984) Entende-se, dessa forma, que a pessoa intelectualmente sofisticada é indiferente a toda a individualidade genuína que resulta em relacionamentos e reações que não 2726 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS podem ser exauridos com operações lógicas. Essa razão que dá lugar às emoções é expressa no exercício de transformação de indivíduos em números, reduzindo assim toda qualidade e individualidade à questão: quanto? Este aspecto contrasta profundamente com a natureza da pequena cidade, em que o inevitável conhecimento da individualidade produz diferentes tons de comporta- mento que vão além do mero balanceamento objetivo de serviços e retribuição. A metrópole, em contraste, é provida quase que inteiramente pela produção para o mercado, ou seja, para compradores desconhecidos que nunca entram pessoalmente em contato com o produtor. Simmel ainda afirma que “através dessa anonimidade, os interesses de cada parte adquirem um caráter impiedosamente prosaico; e os egoísmos econômicos intelectu- almente calculistas de ambas as partes não precisam temer qualquer falha devida aos imponderáveis das relações pessoais”. Esse caráter assumido pelas relações metropo- litanas estaria intrinsecamente ligado à economia do dinheiro. Como exemplo dessa conjuntura Simmel cita um historiador inglês: “ao longo de todo o curso da história inglesa, Londres nunca funcionou como o coração da Inglaterra, mas frequentemente como seu intelecto e sempre como sua bolsa de dinheiro!”. “A mente do homem moderno se tornou mais e mais calculista”, afirma o autor. A economia do dinheiro criou uma exatidão na vida prática – através da matematização da natureza – que nunca tanto se pesou, calculou, ou se reduziu tanto os valores quali- tativos a valores quantitativos. Através da difusão dos relógios de bolso, desenvolveu-se um tamanho controle do tempo sobre os indivíduos, que seria impossível realizar os afazeres típicos dos homens metropolitanos sem essa mais estreita pontualidade. “As- sim, a técnica da vida metropolitana é inimaginável sem a mais pontual integração de todas as atividades e relações mútuas em um calendário estável e impessoal”. Todo esse controle, expresso pela pontualidade, calculabilidade e exatidão são intro- duzidos à força na vida pela complexidade e extensão da existência metropolitana. São instrumentos que favorecem a exclusão de traços e impulsos irracionais e instin- tivos que visam determinar o modo de vida de dentro, em lugar de receber a forma de vida geral vinda de fora. Dessa forma, Simmel torna possível entender o ódio de homens como Ruskin e Nietzsche pela metrópole, pois descobriram o valor da vida fora de esquemas, passando então, a odiar também a economia do dinheiro e o inte- lectualismo da existência moderna. Dessa forma entende-se a atitude blasé de determinados indivíduos e em especial das crianças metropolitanas – quando apresentam comportamento indiferente em relação às novidades do mundo sempre que comparadas às crianças de meios mais tranquilos. Essa atitude, segundo Simmel, é um dos dois extremos do comportamen- to humano influenciado pela vida moderna, no qual a pessoa, em meio à economia do dinheiro e controle rígido do tempo, mergulha em sua própria subjetividade sem se envolver com o ambiente externo. Além disso, há que se ressaltar o distanciamento cada vez maior dos concidadãos, muitas vezes através de uma espécie de desconfiança excessiva e de uma atitude de reserva em face às superficialidades da vida metropolitana. Essa reserva seria o fator que, aos olhos de pessoas de cidades pequenas, nos faz parecer frios e até mesmo um pouco antipáticos. Simmel ainda apresenta a ideia de metrópole como ilustração do princípio da união em grupos sociais (partidos políticos, governos etc.). Esses grupos, inicialmente peque- nos e coesos, por natureza, necessitam de regras para se manterem, diminuindo assim as liberdades individuais. Com o crescimento do grupo, a tendência observada em todos os casos é das regras ficarem menos rígidas, dando uma maior liberdade aos indivíduos que compõem o grupo. A antiga polis é um exemplo que parece ter o próprio caráter de uma cidade peque- na. Eram constantes as ameaças externas, fazendo com que se desenvolvesse uma estrita coerência quanto aos aspectos políticos e militares, uma supervisão de cidadão pelo cidadão, um ciúme do todo contra o individual, tendo, por fim, a vida individual suprimida. Segundo o autor “isto produziu uma atmosfera tensa, em que os indivídu- os mais fracos eram suprimidos e aqueles de naturezas mais fortes eram incitados a pôr-se à prova de maneira mais apaixonada”. Simmel ainda faz uma comparação interessante entre cultura objetiva, que seria a cul- tura ligada a objetos, coisas, conhecimento, instituições; e a cultura subjetiva, que esta- ria ligada ao indivíduo. Para o autor há uma diferença grande no ritmo de crescimento das duas culturas. Enquanto a objetiva cresceu grandemente, motivada pela divisão do trabalho e sua crescente especialização – como em “O trabalho alienado” de Karl Marx – a cultura subjetiva cresceu lentamente ou pode até mesmo ter regredido em certos pontos como ética, idealismo, etc. “Não é preciso mais do que apontar que a metrópo- le é o genuíno cenário dessa cultura que extravasa de toda vida pessoal”, afirma.2928 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS 4.2 A ESCOLA DE CHICAGO E A SOCIOLOGIA URBANA A Escola Sociológica de Chicago, ou Escola de Chicago, surgiu nos Estados Unidos, na década de 1910, por iniciativa de sociólogos americanos que integravam o corpo docente do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, fundado pelo historiador e sociólogo Albion W. Small. Tanto o Departamento de Sociologia como a Universidade de Chicago receberam inestimável ajuda financeira do empresário norte-americano John Davison Rockefel- ler. Entre 1915 e 1940, a Escola de Chicago produziu um vasto e variado conjunto de pesquisas sociais, direcionado à investigação dos fenômenos sociais que ocorriam es- pecificamente no meio urbano da grande metrópole norte-americana. Com a formação da Escola de Chicago inaugura-se um novo campo de pesquisa so- ciológica, centrado exclusivamente nos fenômenos urbanos, que levará à constituição da chamada Sociologia Urbana como ramo de estudos especializados . O surgimento da Escola de Chicago está diretamente ligado ao processo de expansão urbana e crescimento demográfico da cidade de Chicago no início do século 20, re- sultado do acelerado desenvolvimento industrial das metrópoles do Meio-Oeste nor- te-americano. Como decorrência desse processo, Chicago presenciou o aparecimento de fenômenos sociais urbanos que foram concebidos como problemas sociais: o cres- cimento da criminalidade, da delinquência juvenil, o aparecimento de gangues de marginais, os bolsões de pobreza e desemprego, a imigração e, com ela, a formação de várias comunidades segregadas (os guetos). Todos esses problemas sociais (na época se utilizava o termo “patologia social”) se conver- teram nos principais objetos de pesquisa para os sociólogos da Escola de Chicago. O mais importante a destacar é que os estudos dos problemas sociais estimularam a elaboração de novas teorias e conceitos sociológicos, além de novos procedimentos metodológicos. Robert Ezra Park , considerado o grande ícone e precursor dos estudos urbanos, Ernest Watson Burgess e Roderick Duncan McKenzie elaboraram o conceito de “ecologia hu- mana”, a fim de sustentar teoricamente os estudos de sociologia urbana. O conceito de ecologia humana serviu de base para o estudo do comportamento hu- mano, tendo como referência a posição dos indivíduos no meio social urbano. A abordagem ecológica questiona se o habitat social (ou seja, o espaço físico e as re- lações sociais) determina ou influencia o modo e o estilo de vida dos indivíduos. Em outras palavras, a questão central é saber até que ponto os comportamentos desvian- tes (por exemplo, as várias formas de criminalidade) são produtos do meio social em que o indivíduo está inserido. O conceito de ecologia humana e a concepção ecológica da sociedade foram muito influenciados pelas abordagens teóricas do “evolucionismo social” - marcante na so- ciologia em seu estágio inicial de desenvolvimento -, ao sustentarem uma analogia entre os mundos vegetal e animal, de um lado, e o meio social integrado pelos seres humanos (neste caso, a cidade), de outro. Considerando, então, a cidade como um amplo e complexo “laboratório social”, as pesquisas sociológicas foram marcadas pelo uso sistemático dos métodos empíricos (para coleta de dados e informações sobre as condições e os modos de vida urbanos). A teoria de Robert Park sobre a ecologia humana e as áreas naturais pressupõe uma analogia entre o mundo vegetal e animal, de um lado, e o mundo dos homens, de ou- tro. Utiliza os conceitos de competição, processo de dominação e processo de suces- são, para explicar tal similaridade. A cidade é apreendida por meio de um referencial de análise analógico que tem por base a ecologia animal, daí identificar a Escola de Chicago como Escola Ecológica. Louis Wirth , outro autor de destaque da Escola, afirma que a cidade produz uma cultura urbana que transcende os limites espaciais da cidade, afirmação totalmente inovadora. A cidade atua e se desdobra para além de seus limites físicos, através da propagação do estilo de vida urbano, e torna-se o locus do surgimento do urbanismo como modo de vida. O empirismo que marca a abordagem da Escola - que transforma a cidade de Chica- go em um “laboratório social”- resulta do interesse de buscar soluções concretas para uma cidade caótica marcada por intenso processo de industrialização e de urbaniza- ção, que ocorre na virada do século XIX para o XX. Seu crescimento demográfico espantoso, seu imenso contingente imigratório, seus 3130 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS guetos de diferentes nacionalidades geradores de segregação urbana, sua concentra- ção populacional excessiva e suas condições de vida e de infraestrutura precaríssimas, favorecem a formulação pela Escola da ideia da cidade como problema, que dificulta a articulação de um pensamento com maior grau de abstração acerca da cidade. 4.3 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA Qual é a influência de meios de comunicação de massa, como a TV, sobre uma so- ciedade? Como as pessoas são mobilizadas a acompanharem um noticiário como se estivessem assistindo a uma telenovela, como ocorreu no recente caso da morte da menina Isabella? Os primeiros filósofos que detectarem a dissolução das fronteiras entre informação, consumo, entretenimento e política, ocasionada pela mídia, bem como seus efeitos nocivos na formação crítica de uma sociedade, foram os pensado- res da Escola de Frankfurt . Os estudos dos filósofos de Frankfurt ficaram conhecidos como Teoria Crítica, que se contrapõe à Teoria Tradicional. A diferença é que enquanto a tradicional é “neutra” em seu uso, a crítica busca analisar as condições sociopolíticas e econômicas de sua apli- cação, visando à transformação da realidade. Um exemplo de como isso funciona é a análise dos meios de comunicação caracterizados como indústria cultural. O pensamento crítico dos filósofos da Escola de Frankfurt tem em comum o direcio- namento de suas críticas à ordem política e econômica do “mundo administrado”. Essa ordem vigora aos moldes de um aparato tecnológico que, de certa forma, incide na sociedade o seu condicionamento padronizado, homogêneo e, sobretudo, sem a perspectiva de empreender a vida de cada indivíduo de forma autônoma. Com isso, cada pensador dessa linha contribuiu para o fomento da Teoria Crítica. Das obras marcantes restritas a cada autor tem-se: Max Horkheimer concentrou seu pen- samento em “Eclipse da Razão”, onde uma coletânea de textos perpetua assaz a sua bagagem teórica, embora o filósofo sempre se encontrou produzindo artigos e outros textos que o identificou como um árduo intelectual engajado em âmbito acadêmico. Teodor W. Adorno, que embora tenha se inserido na Teoria Crítica após o seu exílio, comprometeu-se em expor seu pensamento crítico na mesma perspectiva que os demais, porém devem ser pontuadas, em sua reflexão, algumas divergências ou disto- nâncias. Em sua obra “Dialética Negativa”, Adorno enfrenta toda uma tradição históri- co-filosófica, incidindo nela a desconstrução da concepção de “dialética”. Em um texto clássico escrito em 1947, “Dialética do Iluminismo”, Adorno e Horkhei- mer definiram indústria cultural como um sistema político e econômico que tem por finalidade produzir bens de cultura - filmes, livros, música popular, programas de TV etc. - como mercadorias e como estratégia de controle social. A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais e por- tais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesse em obter lucros e manter o sistema econômico vigente que as permitem continuarem lu- crando. Portanto, vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas e novelas não como bens artísticos ou culturais, mas como produtos de consumo que, neste aspecto,em nada se diferenciariam de sapatos ou sabão em pó. Com isso, ao invés de contribu- írem para formar cidadãos críticos, manteriam as pessoas “alienadas” da realidade. Como afirmam no texto: “Filmes e rádio não têm mais necessidade de serem empa- cotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. Esta deverá legitimar os refugos que de propósito produzem. Filme e rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos.” Para Adorno, os receptores das mensagens dos meios de comunicação seriam vítimas dessa indústria. Eles teriam o gosto padronizado e seriam induzidos a consumir pro- dutos de baixa qualidade. Por essa razão, indústria cultural substitui o termo cultura de massa, pois não se trata de uma cultura popular representada em novelas da Rede Globo, por exemplo, mas de uma ideologia imposta às pessoas. E como a indústria cultural torna-se mecanismo de dominação política? Adorno e Horkheimer vislumbraram os meios de comunicação de massa como uma perversão dos ideais iluministas do século 18. Para o Iluminismo, o progresso da razão e da tec- nologia iria libertar o homem das crenças mitológicas e superstições, resultando numa sociedade mais livre e democrática. Mas os pensadores da Escola de Frankfurt, que eram judeus, se viram alvos da cam- panha nazista com a chegada de Hitler ao poder nos anos 30, na Alemanha. Com apoio de uma máquina de propaganda que pela primeira vez usou em larga escala 3332 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS os meios de comunicação como instrumentos ideológicos, o nazismo era uma prova de como a racionalidade técnica, que no Iluminismo serviria para libertar o homem, estava escravizando o indivíduo na sociedade moderna. Nas mãos de um poder econômico e político, a tecnologia e a ciência seriam em- pregadas para impedir que as pessoas tomassem consciência de suas condições de desigualdade. Um trabalhador que em seu horário de lazer deveria ler bons livros, ir ao teatro ou a concertos musicais, tornando-se uma pessoa mais culta, questionadora e engajada politicamente, chega em casa e senta-se à frente da TV para esquecer seus problemas, absorvendo a mesmos valores que predominam em sua rotina de traba- lho. É desta forma que a indústria cultural exerceria controle sobre a massa. Como resultado, ao invés de cidadãos conscientes, teríamos apenas consumidores passivos. Herbert Marcuse, assim como Adorno, passou a contribuir com a Teoria Crítica após seu exílio nos Estados Unidos. Sua fundamentação crítica preserva a base da negação dialética, porém distancia-se de Adorno naquilo que julga, pela filosofia, uma forma ideal de sociabilidade, uma vez que para Adorno, a barbárie já está posta, pois não há como fugir do sistema da ordem estabelecida. Nesse sentido, Marcuse é mais ameno, confiando à tecnicidade de um progresso hu- manitário, ressaltando a necessidade de conscientizar a massa trabalhadora e torná-la omissa à ordem vigente. Para ele, a emancipação já está dada, contudo não ocorre em razão do aprisionamento da condição humana no “reino da necessidade”. Este reino, segundo o autor, abarca a situação social de um progresso técnico equivalente ao suprimento das necessidades vitais do homem. Portanto, não caberia ao aparato do mundo administrado condicionar a sociedade a dar um passo à frente e inserir-se no “reino da liberdade”. Isso não ocorre, devidamente por não condizer com a lógica do aparato da sociedade industrial. Marcuse escreveu, além de artigos, sua obra de referência “Razão e Revolução”, em que condensa grande parte de seu pensamento crítico. Editou também “Eros e Civi- lização”, uma interpretação filosófica de Freud, cujo teor conceitual ilustra a noção de progresso, apontando o seu caráter retificador ou emancipatório da dominação social e, por outro lado, a sua perpetuação. Walter Benjamim, também exilado nos Estados Unidos, contribuiu fielmente para a propagação da TC. Benjamim escreveu inúmeros artigos que refletem a condição temporal humanitária, partindo de sua reflexão acerca da arte e da sociedade. No que concerne a sua crítica da arte, ele analisa o drama do século XVII, buscando nele uma concepção de História. Diante da crítica social, buscou na arte a situcionalidade histó- rica para proferi-la, uma vez que sua ênfase à concepção de arte lhe permite elaborar tal analogia. Seus ensaios estão sempre sintonizados a este viés, ou seja, através da arte de poder discursar sobre o conceito de História. Posteriormente, entre os anos 70 e 80, os frankfurtianos foram muito criticados por uma visão reducionista dos receptores, graças a pesquisas que demonstraram que as pessoas não são tão manipuláveis quanto Adorno pensava na época, sob o argumento de que nem toda produção cultural se resume à indústria. Apesar disso, Adorno e Horkheimer tiveram o mérito de serem os precursores da de- núncia de um “totalitarismo eletrônico”, em que diversão e assuntos importantes são “mixados” num só produto; em que representantes políticos são escolhidos como se fossem sabonetes. Neste sentido, a crítica permanece atual. 4.4 PIERRE BOURDIEU: PODER SIMBÓLICO E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA Considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas, Pier- re Bourdieu é um dos mais importantes pensadores do século 20. Sua produção in- telectual, desde a década de 1960, estende-se por uma extensa variedade de objetos e temas de estudo. Embora contemporâneo, é tão respeitado quanto um clássico. Crítico mordaz dos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais, construiu um importante referencial no campo das ciências humanas. No entanto, mesmo sendo reconhecida pela originalidade, a obra de Bourdieu é ob- jeto de grande controvérsia. A maior parte de seus críticos, numa leitura parcial de seus trabalhos, classifica-o como um teórico da reprodução das desigualdades sociais. Não obstante, a reflexão de Bourdieu se destaca por uma singularidade. Para ele, os condicionamentos materiais e simbólicos agem sobre nós (sociedade e indivíduos) numa complexa relação de interdependência. Ou seja, a posição social ou o poder que detemos na sociedade não dependem apenas do volume de dinheiro que acu- mulamos ou de uma situação de prestígio que desfrutamos por possuir escolaridade ou qualquer outra particularidade de destaque, mas está na articulação de sentidos 3534 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS que esses aspectos podem assumir em cada momento histórico. Para o autor, a sociologia deve aproveitar sua vasta herança acadêmica, apoiar-se nas teorias sociais desenvolvidas pelos grandes pensadores das ciências humanas, fazer uso de técnicas estatísticas e etnográficas e utilizar procedimentos metodológicos sé- rios e vigilantes para se fortalecer como ciência. Bourdieu fez de sua vida acadêmica e intelectual uma arma política e de sua sociologia uma sociologia engajada, profun- damente comprometida com a denúncia dos mecanismos de dominação em uma sociedade injusta. De acordo com sua perspectiva, a sociedade ocidental capitalista é uma sociedade hierarquizada, organizada segundo uma divisão de poderes extrema- mente desigual. Embora a reflexão sobre o sistema de ensino ocupe uma posição destacada no con- junto dos trabalhos deste sociólogo, principalmente em sua fase inicial, a sua intenção não é de construir uma sociologia do sistema escolar. Seu projeto científico foca-se mais para a elucidação dos mecanismos de funcionamento dos diferentes espaços sociais, tais como o Estado, a Igreja, o esporte, a moda, a linguagem, a literatura, o siste- ma de ensino, etc. Entendemos assim que sua principal preocupação está em analisar a relação indivíduo –sociedade de forma mais concreta nos diferentesespaços sociais. Ao analisar a mediação entre estrutura e ator social, o autor introduz a noção de habi- tus, que se origina na filosofia escolástica, como um sistema de disposições duráveis, trata, portanto do resultado de um processo de aprendizagem social, produzido pelo contato dos agentes em diversas estruturas sociais. As condições materiais caracterís- ticas de uma determinada classe social e a incidência destas condições de existência no contexto familiar constituem, uma mediação fundamental na produção do habitus. De acordo com Bourdieu (1980) o habitus pode ser entendido como um sistema de disposições duráveis e transferíveis, estruturas estruturadas dispostas a fun- cionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizado- res de práticas de representações que podem ser objetivamente adaptados a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações ne- cessárias para atingi-lo, objetivamente reguladas e reguladoras, sem ser o produto da obediência de regras, sendo coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente (p. 88-89) De forma prática podemos entender que esse modelo pode induzir a esquematizações simplistas. Frequentar, por exemplo, um determinado estabelecimento, degustar um prato, beber de um vinho raro, possuir um carro fora-de-série ou praticar uma modalida- de de esporte não significa uma distinção automática. Por exemplo, a virada de costume de um “novo-rico” pode ser vista mais como ostentação do que um sinal de distinção. O campo esportivo é rico em exemplos de distinção. Um mesmo esporte pode ser praticado e assistido de modos diferentes. No riquíssimo circo da “Fórmula l” o ingresso mais barato custa próximo de um salário-mínimo, enquadrando-se, talvez, dentro do padrão de consumo de funcionários públicos, pequenos comerciantes e trabalhado- res qualificados. A entrada mais cara atinge cifras superiores a três mil dólares. Com este ticket pode-se frequentar locais com serviços de buffet, transporte aéreo (helicóp- teros), serviço de atendimento médico com urgência e, importantíssimo, livre acesso aos carros e pilotos oficiais. O paddock é o espaço dos profissionais liberais bem-su- cedidos, das manequins internacionais, dos altos políticos, dos grandes industriais e dos comandantes das finanças. Isso mostra, de pronto, que o mesmo esporte destina lugares na plateia totalmente distintos. As fronteiras, não seria necessário dizer, são guardadas por rígidos esquemas de segurança. Deste modo, o habitus então funcionaria como um esquema de ação, de percepção e de reflexão, que está presente no corpo e na mente – como em posturas e gestos (hexis), maneiras de ver e classificar da coletividade de um determinado campo, ope- rando distinções. As disposições presentes no habitus são plásticas e flexíveis, podendo ser fortes ou fracas e são adquiridas pela interiorização das estruturas sociais. Se o habitus orienta a prática dos agentes, esta somente se realiza na medida em que as disposições duráveis dos atores entram em contato com a situação. Desta forma, a prática é entendida por Bourdieu como uma relação dialética entre situação e ha- bitus. Em seus trabalhos mais recentes, o que ele dedignava como situação, passou a designar como campo. Tal noção consiste no espaço em que ocorrem as relações entre os indivíduos, grupos e estruturas sociais, espaço este sempre dinâmico e com uma dinâmica que obedece a leis próprias, animada sempre pelas disputas ocorridas em seu interior, e cujo móvel é invariavelmente o interesse em ser bem-sucedido nas relações estabelecidas entre os seus componentes (seja no nível dos agentes, seja no nível das estruturas). Tomemos como exemplo o campo do esporte, no qual as lutas travadas pelos atletas para se afirmarem não é o mesmo tipo de luta que o professor deve realizar para se afirmar no Campo Acadêmico. Tais lutas seguem regras diferentes devido ao fato de 3736 SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS serem campos diferentes. Bourdieu postula ainda, a existência de diferentes tipos de capital, tal conceito discu- te a quantidade de acúmulo de forças dos agentes em suas posições no campo. Os capitais possuem volume (quantidade) e estrutura (tipo de capital) se dividindo em quatro tipos principais: a) Econômico: ligado aos meios de produção e renda. b) Cultural: se subdivide em 3 tipos – a saber: institucionalizado (diplomas e títulos), incorporado (expressão oral) e objetivo (posse de quadros ou obras de arte). c) Social: é o conjunto das relações sociais de que dispõe um indivíduo, sendo que, é necessária a manutenção das relações sociais, das redes (convites recíprocos). d) Simbólico: está ligado à honra, ao reconhecimento e corresponde ao conjunto de rituais (etiquetas, protocolo) Outro conceito de vital importância dentro da vasta obra de Bourdieu, trata da Vio- lência Simbólica, que descreve o processo pelo qual a classe que domina economica- mente impõe sua cultura aos dominados. Juntamente com o sociólogo Jean-Claude Passeron, partem do princípio de que a cultura, ou o sistema simbólico, é arbitrária, uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural. O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e sua manutenção é funda- mental para a perpetuação de uma determinada sociedade, através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma. Assim, a violência simbólica expressa-se na imposição “legítima” e dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável. A violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade: o Estado, a mídia, a escola, etc. O Estado age desta maneira, por exemplo, ao propor leis que naturalizam a disparidade educacional entre brancos e negros, como a Lei de Cotas para Negros nas Universidades Públicas. A mídia, ao impor a indústria cultural como cultura, massificando a cultura popular por um lado e restringindo cada vez mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, “elitizada”. 5 SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA 5.1 A CRISE DOS PARADIGMAS SOCIOLOGICOS E A PÓS-MODERNIDADE As múltiplas maneiras das quais o termo pós-modernidade tem sido usado tornam impossível a tarefa de destacar alguns poucos ensaios, ou um livro específico, como exemplos inquestionáveis do pós-modernidade na sociologia. Reconhecendo que a variedade de significados associados aos termos pós-modernidade e pós-moderno tem suas raízes na polissemia do conceito de Modernidade, é mais frutífero destacar uma série de questões colocadas pelos autores eventualmente classificados como pós-modernos à teoria e à pesquisa social. Embora os pós-modernos insistam numa proposta de desconstrução da Sociologia, na verdade, existem pontos que aproximam os diversos elementos da análise pós-mo- derna dos principais constituintes da tradição sociológica. Em muitas de suas mani- festações, aquela se direciona ao mesmo tipo de questões que inquietaram a ima- ginação sociológica, desde o surgimento da disciplina no século XIX. Essas questões incluem as referentes à natureza e extensão das transformações em larga escala nas sociedades ocidentais, aos seus efeitos correspondentes sobre a natureza da interação e a construção das identidades, e à necessidade de novas estratégias metodológicas. Assim, é possível destacar como algumas das principais mudanças estruturais enfati- zadas nas abordagens pós-modernas as seguintes: o declínio da eficácia política dos Estados-Nação que apareceram na modernidade (tanto internamente quanto exter- namente), as transformações econômicas nos processos de produção e na organiza- ção das relações de produção, e, no campo da cultura,
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