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u4EDU Objetivo do estudo - Analisar alguns aspectos relevantes sobre a educação, pensando junto de autores importantes do século XX e XXI, como Paulo Freire e Pedro Demo. A educação como ato sócio histórico INTRODUÇÃO: Há muitas sugestões de sites que sugerem textos e vídeos que o ajudarão a uma melhor compreensão das discussões em questão, de maneira que são parte necessária de seus estudos. Há palestras, artigos, resumos, sugestões de livros, etc. Aliás, todos os livros citados nessa unidade deveriam ser lidos por você, já que prezamos pela formação de professores que realmente se dedicarão ao ofício de ensinar construindo o saber, e não simplesmente repetindo o que outros já repetem. Nesse sentido, a curta entrevista com o sociólogo Pedro Demo será de crucial importância. Além disso, essa unidade traz à baila outros pensadores da educação que abrirão margem para refletirmos sobre muitos outros aspectos. Fala-se muito em autonomia, em libertação pela educação, mas, não há um real esforço por parte de muitos professores, que por toda a vida estarão em formação, de fazer e promover essa mesma autonomia. Isso porque repetir o que se lê nos livros didáticos, em especial, é muito fácil, mas estudar a obra de um pensador, como os aqui já referidos nessa introdução, são poucos que realmente fazem. 2 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofia da Educação | UNISUAM 4 Esse é o maior objetivo dessa unidade: que você não cometa esse erro, de ser um repetidor, pouco preocupado com a emancipação intelectual de seus alunos. Mas, como ensinar autonomia a alguém? Essa é a grande questão da educação! E espera-se que você, após terminar essa unidade, comece a pensar nela com muito afi nco, para que seja, em um futuro muito breve, um excelente professor! Então, vamos aos estudos! A educação está saturada de professores repetidores, e carente dos professores criadores, que estudam e buscam recriar com o aluno aquilo que ele estudou: a educação carece de professores pensadores. T1 Educação e vida civil Educação e vida civil, primeiro tópico desta unidade, tem ligação estreita com o terceiro e quarto tópicos: educação e democracia e direito à educação e educação dos direitos. Desse modo, iremos trabalhá-los separadamente apenas por uma questão didática. Inicialmente, vamos estabelecer dois pressupostos básicos com os quais iremos trabalhar toda esta unidade. O primeiro pressuposto é o de que a educação, numa visão mais geral, é um ato social, cultural, político e histórico, e a educação formal que acontece nas escolas também o é. Sendo assim, a escola está inserida na sociedade e faz parte dela. Portanto, ela não deve ser analisada como sendo mais virtuosa que a própria sociedade de que faz parte, assim como a educação não pode ser analisada como alguma coisa fora de um contexto social, histórico, cultural, econômico e político. Assista o vídeo do sociólogo Roberto Damatta. https://www.youtube.com/watch?v=Ed84wiOPgbU aprofundando 3 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Roberto Damatta – 1936- O outro pressuposto de que partiremos é o de que a educação é uma variável importante para a mudança social, política, econômica e cultural das pessoas e de um país. Contudo, sozinhas, a educação (em um sentido mais geral) e a educação escolar (em um sentido mais estrito) não podem tudo. Os problemas presentes na atualidade, como o desemprego, a fome, a miséria, a habitação inadequada (ver “mapa da miséria” no Brasil abaixo), a ausência de princípios éticos no comportamento de pessoas públicas e privadas, a relação desigual entre países e pessoas, a concentração de renda e de terra, os problemas do meio ambiente, a falta de saneamento básico, são enormes. Ter a expectativa de que a educação combaterá com sucesso todos eles é ingenuidade de nossa parte e nos coloca em uma posição de “otimismo pedagógico” e de “entusiasmo pela educação” próprios dos Pioneiros da Educação Nova, da década de 1930, no Brasil. Por outro lado, devemos reafirmar a importância da educação escolar como uma das variáveis imprescindíveis ao processo de mudança social, política, econômica e cultural das pessoas e dos países, desde que articulada com outras variáveis. Leia no link a seguir O manifesto dos pioneiros da Educação Nova, documento de 1932. http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/ edicoes/22e/doc1_22e.pdf saiba mais 4 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Philippe Perrenoud Pode, então, a escola ensinar a vida civil, ou seja, a cidadania, principalmente nos ensinos fundamental e médio? O que é Cidadania? Antes de qualquer coisa, o que é cidadania? Pode-se afi rmar, de modo simplifi cado, que cidadania é a condição que toda pessoa pertencente a um Estado-nação tem, de usufruir de direitos e respeitar os deveres do grupo social a que pertence. Porém, alguns autores, como Perrenoud, têm uma visão bem mais ampla do que seja cidadania. Hoje, teoricamente, todos têm direito à cidadania. Contudo, uma análise mais cuidadosa mostra que, na prática, a realidade não é bem assim. Philippe Perrenoud (1955), em seu livro Escola e cidadania: o papel da escola na formação para a democracia, trata da questão da cidadania de maneira interessante e aprofundada. Em sua opinião, a escola não só pode e deve ensinar a cidadania, como também deve possibilitar aos alunos o seu exercício. Conforme Perrenoud, isso se deve porque a escola, historicamente, tem sido uma variável importante para a construção dos Estados democráticos, uma vez que permite a capacidade de entendimento dessa sociedade, assim como oferece instrumentos de julgamento e de análise dela, embora não possamos afi rmar que uma sociedade mais instruída seja necessariamente mais democrática, mais igualitária, mais fraterna ou com mais liberdade. Para entender melhor o conceito de cidadania, leia o texto que está no site: http://www.brasilescola.com/sociologia/ cidadania-ou-estadania.htm saiba mais 5 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM No entanto, há difi culdades para que a escola realize a tarefa de ensinar a cidadania. Inicialmente, porque ao mesmo tempo em que a sociedade prescreve valores e comportamentos para as crianças, jovens e adolescentes, ela renega, na prática, esses mesmos valores e comportamentos na família, na rua, nas empresas e nos meios de comunicação. Diz Perrenoud: “É preciso compartilhar, respeitar o outro, ajudar-se mutuamente,” diz o professor: “Mas, então, por que tem gente que morre de fome, que não tem trabalho, que padece na solidão, que vive na miséria ou que vai para a prisão por seus ideais?”, dizem os alunos (Perrenoud, 2005, p. 28). Em seguida, porque o modelo de ensino baseado em disciplinas fragmenta o conhecimento, difi cultando a aprendizagem dos alunos. Perrenoud propõe como alternativa o ensino por competências. Porém, esse ensino exige uma mudança muito grande no sistema de ensino atual, assim como renúncia por parte de muitos professores, uma vez que a tendência destes é achar sua disciplina imprescindível para a sobrevivência dos alunos. Depois, o autor chama a atenção para o fato de que, em uma sociedade pluralista e complexa como a que vivemos, há difi culdade em estabelecer o que ensinar e que seja compartilhado por uma grande maioria da população, ainda que não apresente contradições gritantes em relação ao valor escolhido. Escreve Perrenoud: Sem ter necessariamente vergonha daquilo que ela é, nossa sociedade já não sabe muito bem em que acreditar e o que deve transmitir sem reservas, não por falta de convicção em cada um, mas pela inexistência de convicções compartilhadas em larga escala. Talvez não se tenha percebido com clareza sufi ciente o paradoxo da democracia: ela priva de certezas morais e fi losófi cas simples, que se poderia considerar como ‘evidentes’ (Perrenoud, 2005, p. 26). Partindo,então, do pressuposto de que a escola pode e deve ensinar a cidadania, como é o entendimento de Perrenoud, essa tarefa não pode ser responsabilidade de uma disciplina à parte, compondo o currículo pleno da escola ou apenas de disciplinas como Educação Moral e Cívica, OSPB ou Ciências Sociais. Conforme Antônio Joaquim Severino, ao pensar sobre o ensino de Filosofi a, (...) Essa formação, enquanto responsabilidade parcial da educação, não se resume, obviamente, no domínio de um acervo de conteúdos informativos e de determinadas habilidades. Não deveria ser uma erudição acadêmica, é uma forma de apreensão e vivência da própria condição humana, é o amadurecimento de uma experiência à altura da dignidade dessa condição, experiência a partir da qual as pessoas possam conduzir sua existência histórica (Severino, In: Trentin e Goto, 2009, pp. 18-19). A educação para a cidadania deve ser uma questão de responsabilidade de toda a escola: direção, equipe técnico- pedagógica, funcionários e professores; deve pensar toda a circunstância história a qual seus atores estejam envolvidos, e não somente preocupar-se em ensinar determinados tipos de valores e comportamentos. 6 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Veja a entrevista com Pedro Demo sobre as melhoras possíveis quanto a postura do professor. h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=5M3aTST4yQs aprofundando Por outro lado, para realizar essa tarefa, a escola precisa mudar o currículo, estabelecer uma nova relação de carga horária e buscar desenvolver a tolerância, a autonomia e a solidariedade, “não em detrimento do saber, mas do enciclopedismo” (Perrenoud, 2005, p. 139). Ainda segundo Perrenoud, “a relação com o saber e com a razão está na base da cidadania, mais que de bons sentimentos” (2005, p. 53). Nesse sentido, é necessário que o professor privilegie a qualidade do conhecimento, e não a quantidade, mesmo que isso signifi que trabalhar apenas com o relevante. Por outro lado, é necessário também que o professor problematize o conhecimento por meio de métodos e técnicas que envolvam os alunos na reconstrução do conhecimento: o trabalho com projetos, as situações-problema propostas, as atividades que exijam negociação, estudos de caso, métodos ativos, contextualização de problemas. Perrenoud sugere o ensino das bases do direito, da economia, da ciência política e da psicossociologia nos anos fi nais do ensino fundamental e no ensino médio no sentido de instrumentalizar os alunos para entender a sociedade: Leis, convenções, políticas industriais e financeiras dos Estados e das multinacionais, sistema bancário, seguros, enormes burocracias administrativas, hospitalares, científi cas, escolares, mecanismos de negociação entre parceiros sociais e sindicais, máquinas políticas das quais as eleições e as instituições são apenas a parte mais visível (Perrenoud, 2005, p. 32). Mas que tipo de professor seria desejável para, na escola, desenvolver a cidadania e a autonomia? Perrenoud lista uma série de características desse professor. Iremos destacar algumas. 1. Professores como coordenadores de uma comunidade educacional: uma turma de alunos que convive durante todo o ano não é apenas uma reunião de indivíduos. Os professores podem transformá-la em uma comunidade educativa, promovendo a solidariedade e acabando, aos poucos, com a competição. 2. Professores como fi adores da lei: os professores funcionam como referência para os alunos. O respeito às diferentes opiniões, a discussão de normas a que todos devem obedecer faz de cada professor um exemplo para seus alunos. 3. Professores como condutores intelectuais: a educação para a cidadania exige pensamento crítico e autônomo. Os professores precisam se ver como intelectuais no sentido de favorecer um ambiente de diálogo, de debate, de cultura dos valores. 4. Professores mediadores interculturais: no sentido de promover o respeito mútuo pelo diálogo em relação ao outro. “Essa coexistência e essa compreensão do outro, se estiverem presentes durante todo o percurso escolar, serão progressivamente interiorizadas e aplicadas em outras esferas da vida” (Perrenoud, 2005, p. 140, grifo nosso). 7 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM T2 Educação e transformação social: elementos centrais do pensamento de Paulo Freire Em seu livro Educação e mudança, Paulo Freire (1921-1997) trata da questão da transformação social, assim como do papel do trabalhador social no processo de mudança. Retomando algumas de suas teses já desenvolvidas em algumas de suas obras, Freire afirma que o homem é um ser inconcluso, inacabado, e por isso mesmo possui ímpeto criador e deve ser sujeito de sua educação, e não objeto. Nesse sentido é que ele diz que “ninguém educa ninguém” (Freire, 1979, p. 28). Paulo Freire 8 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofia da Educação | UNISUAM Paulo Freire é, sem dúvidas, um dos intelectuais mais importantes do Brasil no século XX. Para saber mais de sua obra e pensamento, leio o texto no site a seguir: http://www.paulofreire.org/ Saiba mAIS O conceito de ser mais, cunhado por Paulo Freire, deve ser melhor esclarecido. Para isso, é importante que você leia o texto a seguir: http://www.gper.com.br/documentos/pos_ graduacao/projeto_fi nal.pdf aprofundando A educação se dá, então, na medida em que o homem dialoga com outros homens, ou seja, com outras consciências, uma vez que nenhuma busca na direção do ser mais se dá de maneira solitária. O homem é um ser de relações com o mundo e com outros homens. Isso se torna ainda mais claro na medida em que, para Freire, não existe alguém que detém o saber e que ensina a ignorantes; o que existe é alguém que detém um saber relativo e que comunica esse saber relativo a outros homens que detêm outro saber relativo. O saber, então, não é estático; ele é dinâmico; ele muda. Paulo Freire sempre insiste na tese do homem como um ser de relações com o mundo e com outros homens. Essas relações devem estar baseadas no amor e na esperança e têm algumas características. A primeira característica dessas relações é o poder que o homem possui de refl etir sobre elas próprias e sobre seus atos. Nesse sentido, ele pode captar uma realidade e torná- la objeto de seu conhecimento; e essa capacidade não é privilégio de alguns homens, mas de todos. Diz Paulo Freire: Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafi o dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias (Freire, 1979, p. 30). A outra característica dessas relações é sua consequência: o poder criador e recriador que o homem tem e que o assemelha a Deus. A partir dessa posição de Paulo Freire, não tem como ver a educação como “um processo de adaptação do indivíduo à sociedade. O homem deve transformar a realidade para ser mais” (Freire, 1979, p. 31). Diferentemente do homem, os outros animais não têm relações nem entre si nem com os homens, uma vez que lhes falta a consciência de sua situação no mundo, com o mundo e com os outros animais. Os animais têm contato. Analisando as sociedades latino-americanas, Paulo Freire fala de suas características colonialistas. São sociedades- objeto, uma vez que o poder de decisão sobre elas se encontra fora, nas matrizes: no caso da América Latina, Portugal e Espanha, que são analisados como sociedades- sujeito ou “para si”. As sociedades coloniais são periféricas e não refl exivas. Seu comércio é organizado para atender às necessidades das metrópoles: fornecem matéria-prima para elas a preços baixos e compram delas produtos manufaturados a preços altos. Nessas sociedades coloniais se instala uma elite que governa de acordo com as orientações da metrópole e o faz de maneira rígida e autoritária, tendo como objetivo manter o status quo.O saber, então, não é estático; ele é dinâmico; ele muda. 9 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM A possibilidade de mobilidade social ascendente inexiste e o sistema educacional é organizado no sentido de manter esse estado de coisas. Trata-se de sociedades em que o trabalho manual é desvalorizado, em contraposição à dignidade do trabalho intelectual; o analfabetismo é grande e a alfabetização de adultos é descuidada. As sociedades coloniais fechadas começam a transição para uma sociedade aberta à medida que procuram construir seu próprio processo de desenvolvimento e não copiam, apenas, as soluções vindas das metrópoles; o povo participa do poder e descobre que a educação é um instrumento para uma nova situação que vai se instalando. E essa educação ajuda no processo de transição da consciência ingênua para uma consciência crítica. E qual é o papel do trabalhador ou do educador social no processo de mudança? Em primeiro lugar, é necessário que o trabalhador decida se ele quer trabalhar para a mudança ou para a manutenção do status quo. Em seguida, uma vez que o trabalhador social opte pela mudança, é necessário que ele entenda que ela não se efetivará apenas pelo seu discurso, ou seja, no plano intelectual, mas, sim, pela ação e pela reflexão contínuas. Nesse sentido, “o papel do trabalhador social que optou pela mudança não pode ser outro senão o de atuar e refletir com os indivíduos com quem trabalha para conscientizar-se junto com eles das reais dificuldades da sua sociedade” (Freire, 1979, p. 56). A pedagogia do oprimido: o sentido do trabalho de Paulo Freire Paulo Freire, em 1963, pôs em prática um programa de alfabetização de adultos em Angicos, no Rio Grande do Norte, em que trezentos camponeses foram alfabetizados em quarenta e cinco dias. Seu método de alfabetização aliava a aprendizagem da escrita, da leitura e do cálculo à conscientização dos alfabetizandos sobre sua condição econômica, social, política e cultural, desvelando-lhes a opressão, as injustiças e a exploração a que estavam submetidos. Desse modo, ao mesmo tempo em que aprendiam a ler, a escrever e a contar, os camponeses aprendiam a ler o mundo. Painel Paulo Freire no CEFORTEPE - Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional da Secretaria Municipal de Educação de Campinas-SP 10 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofia da Educação | UNISUAM Em 1964, quando o golpe militar depôs o presidente João Goulart e instalou uma ditadura no país, Paulo Freire foi preso e mantido setenta e dois dias na prisão, quando então foi exilado. Foi inicialmente para o Chile, onde trabalhou no Instituto Chileno para a Reforma Agrária e escreveu sua obra principal: Pedagogia do Oprimido. Regressou ao país em 1980 por força da Lei de Anistia. Em sua Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire constata, logo de início, que o homem, ao se colocar como objeto de investigação, percebe o quão pouco conhece a si mesmo e que o problema de sua humanização assume caráter de profunda preocupação para ele nos dias de hoje. Freire analisa as sociedades partindo do pressuposto de que elas estão divididas em classes sociais: os opressores que detêm o poder e acham que a humanização deve ser privilégio deles e o povo que é dominado e oprimido pelos que detêm o poder e que pensam que a humanização consiste em ter bens materiais. Nesse sentido, “ser mais” para os opressores é ter mais, uma vez que acham que podem comprar tudo com seu dinheiro, sendo o lucro seu objetivo principal. Entretanto, esse povo oprimido tem dentro de si a centelha da liberdade e da justiça e do “ser mais” e cedo ou tarde lutará pela sua humanização. Inicialmente, os oprimidos devem se conscientizar de que “hospedam” dentro de si a fi gura do opressor. Tanto é assim que no primeiro momento de libertação dos oprimidos eles tenderão a ser opressores, condicionados que estão pela situação anterior de “aderência” ao opressor, assim como de sua “imersão” na realidade opressora. Prova disso é que camponeses que, ao serem promovidos a capatazes, se tornam muitas vezes mais cruéis do que os próprios patrões. Conseguir chegar à consciência crítica da opressão é uma das tarefas mais difíceis para a libertação, porque o ambiente opressor é domesticador. O processo de libertação dos oprimidos exige, então, que eles tomem a situação opressora como objeto de análise numa inserção crítica nessa realidade e tentem superá-la numa práxis libertadora, que se faz com ação e refl exão em movimento contínuo. A refl exão e a ação não são momentos dicotomizados; eles vão se dando simultaneamente e devem ser feitos pelo povo. Para chegar a essa inserção crítica das massas na realidade é preciso dialogar com elas sobre sua ação, tomando o cuidado de não torná-las objeto de atos humanitários. Como é possível estabelecer uma pedagogia do oprimido sem o poder político nas mãos? Para responder a esta pergunta, Paulo Freire estabelece uma distinção entre a educação formal, sistemática, e trabalhos educativos. Se a educação sistemática é para mudar, é preciso que mude o poder; os trabalhos educativos vão conduzir os oprimidos a desvelar a realidade que os cerca para, em seguida, tentar modifi cá-la. Uma vez modifi cada a realidade, o homem passará a viver um permanente processo de libertação. Esse processo não pode ser realizado por alguém em nome do oprimido, mas, sim, com ele. Uma das características marcantes do verdadeiro revolucionário é a confi ança que ele tem no povo, além de não se sentir proprietário do saber. Nesse sentido, o verdadeiro revolucionário respeita o saber do povo. Assim, usar slogans e propagandas para convencer o povo da necessidade de sua libertação é usar estratégias do opressor. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire fala do caráter narrativo da educação. O professor narra conteúdos distantes da vida dos alunos e estes se tornam recipientes https://catracalivre.com.br/ wp-content/uploads/2014/03/ golpe_militar1.jpg 11 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Para entender melhor a concepção de educação bancária de Paulo Freire, deve-se ler o seguinte texto: http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/ autonomia/3.6.html aprofundando que recebem esses conteúdos. Muitas vezes decoram esses conteúdos de maneira mecânica, sem entender o signifi cado deles. Nesse tipo de educação, os professores não se comunicam; ao contrário, fazem “comunicados” que os alunos têm de guardar e arquivar. A esse tipo de educação, baseada na exposição oral do professor que se coloca na posição de quem detém o saber e do aluno que passivamente recebe esses ensinamentos e valores, Paulo Freire dá o nome de “educação bancária” ou concepção bancária da educação. A educação bancária está baseada em uma visão dicotomizada do mundo: há quem educa e quem é educado; há quem sabe e quem não sabe; há alguém que pensa e outros que não pensam; há os que falam e os que ouvem docilmente; há quem seja o sujeito do processo ensino- aprendizagem e há os objetos desse processo. A educação assim entendida cerceia a criatividade dos alunos, tornando- os passivos no processo de construção do conhecimento e alienados em relação a esse mesmo processo. A concepção da educação bancária parte do pressuposto sociológico de que a sociedade é boa, é justa e igualitária e compete aos educandos se adaptar a ela. O aluno fruto dessa educação interessa aos opressores, uma vez que se trata de alguém domesticado, dócil e sem espírito crítico; alguém incapaz de desvelar as injustiças do mundo e as mazelas do sistema que o oprime. No plano da teoria do conhecimento, a concepção bancária da educação parte do pressuposto de que o conhecimento é estático, absoluto, a-histórico e, portanto, não muda. Sendo assim, compete ao professor passar esses conteúdos aos educandos, mantendo-os acomodados à opressão. Uma educação assim concebida e praticada não é uma variávelà mudança social e política. Já a educação problematizadora faz parte do processo de humanização do homem. Ela não pode ser dada por alguém ao outro. “Não é uma palavra a mais, oca, mitifi cante. É práxis, que implica a ação e a refl exão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (Freire, 1978, p. 77). Desse modo, a educação que tem a intenção de transformar o mundo é libertadora, e não domesticadora. A educação problematizadora ou libertadora exige a superação da dicotomia educador-educando e professor- aluno. Essa superação possibilita o diálogo entre ambos na tarefa de conhecer. “Dessa maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa” (Freire, 1978, p. 78). há quem sabe e quem não sabe; há alguém que pensa e outros que não pensam; há os que falam e os que ouvem docilmente 12 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM T3 Na educação problematizadora o educador busca, junto com os educandos, criar as condições propícias para a superação do conhecimento ao nível da doxa, isto é, da opinião, para o conhecimento ao nível do logos, isto é, do conhecimento verdadeiro. A prática da educação problematizadora é desveladora da realidade social, econômica, política e cultural de uma determinada sociedade. Já a educação bancária é mistifi cadora da realidade; ela não dá conta da maneira como os homens estão organizados no mundo. A prática da educação problematizadora parte do pressuposto de que os homens são históricos e, por isso mesmo, são seres inacabados, estando, portanto em constante processo em seu “ser mais”. Acabamos mais um tópico! Mas, não vamos desanimar! Educação e democracia: direito à educação e a educação dos direitos Neste tópico buscaremos estabelecer as relações entre educação e democracia. A palavra democracia signifi ca, do ponto de vista etimológico, governo do povo: “demo”, em grego, signifi ca povo; “cracia”, também em grego, signifi ca governo. Como estudamos na terceira unidade, que tratou de ética, na Grécia, no auge da democracia ateniense, apenas cerca de dez por cento dos habitantes eram cidadãos, uma vez que as mulheres, as crianças, os escravos e os estrangeiros não eram considerados como tais. Pode-se perguntar, a exemplo do que fez Perrenoud, se haveria uma escola ideal em que o aluno pudesse viver plenamente o ofício de aluno como preparação para o ofício de cidadão (Perrenoud, 2005, p. 35)? Para responder a essa pergunta, precisaríamos voltar à questão já colocada anteriormente sobre os pressupostos básicos da visão de educação que norteiam este texto. Luchesi, em seu livro Filosofi a da Educação, ao tratar desse tema, afi rma que, dependendo da visão sociológico-fi losófi ca que temos sobre a sociedade e da posição político-fi losófi ca que temos da educação, podemos organizar os autores em três grupos quanto à sua posição sobre o papel da educação na sociedade: Para entender melhor a temática veja a entrevista de Paulo Freire comentando sobre o tema: h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=60c1RapBN7U Saiba mAIS 13 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM há um grupo que vê a educação como redenção da sociedade; há outro grupo que vê a educação como reprodução da sociedade e, fi nalmente, há um terceiro grupo que vê a educação como transformação da sociedade (Luchesi, 1994, p. 37-52). O primeiro grupo é de opinião que a educação redime a sociedade. Para esses autores, o papel da educação seria adaptar o indivíduo à sociedade existente, uma vez que ela é considerada boa, equilibrada, harmoniosa e justa. Sendo assim, nada precisaria ser mudado nela, e os indivíduos que a ela não se adaptassem precisariam ser corrigidos. Segundo Luchesi, o grande representante dessa visão de educação é João Amós Comênio, considerado um dos grandes pedagogos do século XVII. Filho de uma família protestante, ele nasceu em 28 de março de 1592 na Morávia, região da antiga Tchecoslováquia, e morreu em 15 de novembro de 1670, em Amsterdã. Além de Comênio, Luchesi coloca os enciclopedistas franceses, no século XVIII, e os seguidores da Escola Nova, no fi nal do século XIX e início do século XX, dentro dessa perspectiva. No Brasil, Anísio Teixeira (1900-1971), um dos pioneiros da Escola Nova, em seu livro Educação é um direito, afi rma que o homem é um ser social e não individual e que a educação de todos é condição sine qua non para a democracia. Ele chama a atenção para o fato de que a educação como um bem público e dever do Estado é alguma coisa recente no Brasil e critica a escola dualista, ou seja, uma escola para os ricos e outra para os pobres. Ele propõe, então, uma escola una que ensine todos os conhecimentos a todos (Teixeira, 1967, p. 13-50). Para Saviani, trata-se de uma visão ingênua da sociedade e da educação e ele classifi ca essa corrente teórica como sendo não-crítica. Para saber mais sobre a Escola Nova, leia o seguinte site: h t t p : / / w w w . e d u c a c i o n a l . c o m . b r / g l o s s a r i o p e d a g o g i c o / v e r b e t e . asp? idPubWik i=9577 saiba mais Anísio Teixeira João Amós Comênio 14 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Ve j a e s t e t r e c h o d e p a l e s t r a p a r a e n t e n d e r a d i f e r e n ç a e n t r e e s c o l a t rad ic iona l e Esco la Nova. h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=v0KY-s25_GU saiba mais O segundo grupo é de opinião que a educação só faz reproduzir a sociedade em que vivemos tal como ela está organizada. Desse grupo fazem parte autores franceses como Louis Althusser, Pierre Bourdieu e Claude Passeron, Christian Baudelot e Roger Establet. Luchesi prioriza a análise das contribuições de Louis Althusser a partir do livro Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, em que ele afi rma ser a escola um lugar privilegiado para a reprodução e manutenção da sociedade tal qual ela se encontra, tanto no sentido de ensinar às pessoas alguns afazeres práticos quanto ensiná-las a se comportar de acordo com os interesses das classes dominantes. Segundo Saviani, trata-se de uma visão crítico-reprodutivista da sociedade. Devemos ressaltar que essa visão de educação, além de pessimista, provoca imobilismo nos profi ssionais de educação, que poderiam se perguntar: então para que educação? E, fi nalmente, o terceiro grupo; este vê a educação como transformação da sociedade. Nesse caso, a educação funcionaria como mediação para o desenvolvimento de um projeto de sociedade, seja ele conservador ou transformador. Para esse grupo, a educação, articulada a outros fatores, pode ser uma variável importante para a transformação da sociedade. Essa visão supera tanto o entusiasmo do primeiro grupo quanto o pessimismo do segundo sobre o que a educação pode e o que ela não pode fazer. Pierre Bourdieu Voltando à pergunta feita por Perrenoud, ele responde que sim. É úti l , evidentemente, desenvolver a democracia participativa na escola, instituindo todo tipo de conselhos e espaços de discussão. É particularmente acertado estabelecer conselhos de alunos, na escala de sala de aula ou do estabelecimento escolar, na tradição de Freinet e da pedagogia institucional (Perrenoud, 2005, p. 53). Sendo assim, Perrenoud valoriza a participação dos alunos, incluindo os de nível superior, em mecanismos de decisão da escola/universidade, como conselhos de classe, grêmios estudantis, representantes de turmas, conselhos de ensino, conselhos escola-comunidade. Segundo Saviani, essas experiências da Escola Nova, como as citadas por Perrenoud, surgiram em função do fato de que a Escola Nova, contrariando seu discurso de democratização da educação, operacionalizou suas propostas para uma elite que já tinha acesso a ela. Então, alguns autores, como Freinet, na França, e Paulo Freire,no Brasil, em sua primeira fase como autor, tentaram popularizar as propostas da Escola Nova. Seria um tipo de Escola Nova Popular. Perrenoud chama a atenção para o fato de que a experiência democrática exige tempo, uma vez que a tomada de decisão é mais lenta; há mais atores envolvidos no processo de discussão; a busca do consenso exige paciência. Com a escola voltada só para trabalhar conteúdos com os alunos, essa tarefa fi ca ainda mais difícil. Os professores reclamam do tempo que lhes é “roubado” para atividades relacionadas ao processo de democratização da gestão da escola (Perrenoud, 2005, p. 36-37). 15 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM T4 Como, então, resolver esse problema do tempo? Segundo Perrenoud, “transportando a aprendizagem da democracia ao campo do saber propriamente dito” (Perrenoud, 2005, p. 37). Esse autor, em momentos diferentes, insiste no ponto de que a educação para a cidadania e para a democracia passa pela democratização do acesso aos saberes e às competências. O que se pode, então, negociar no processo ensino-aprendizagem? Nas palavras de Perrenoud: “a organização da vida na sala de aula: horários, espaços, regras e sanções, modos de cooperação e de regulação da coexistência” (Perrenoud, 2005, p. 38). Para trabalhar nessa direção, os professores precisam ser organizadores de uma vida democrática. Seu saber não pode ser justifi cativa para oprimir e humilhar os alunos. Além disso, exige-se dele uma postura diferente frente ao conhecimento, à avaliação e ao seu papel em sala de aula. Ele deve “negociar tudo o que pode ser negociado sem comprometer seus próprios direitos e sua missão” (Perrenoud, 2005, p. 141). Os direitos humanos e a educação Anísio Teixeira, em Educação é um direito, afi rma que a educação é um direito público e não privado, e que o cidadão tem direito a ela. Quando escreveu seu livro, em 1967, o analfabetismo no Brasil ainda era muito grande. Da proclamação da República, em 1889, até o fi nal da República Velha, em 1930, o percentual de eleitores em relação à população do país oscilou entre 1% e 3%, sendo que apenas uma vez ultrapassou 5%, em 1930, com a vitória de Júlio Prestes, impedido de assumir o cargo de presidente pelo movimento que levou Getúlio Vargas ao poder. Esses baixos percentuais se explicam, dentre outros fatores, pelo fato de que a Constituição de 1891 proibia o voto do analfabeto. Lembremos que, por volta de 1920, apenas 16,6% dos brasileiros residiam em cidades com vinte mil habitantes ou mais e que a taxa de analfabetismo girava em torno de 70% (Luca, 2008, p. 469-493). A história da educação brasileira é um indicador de como as elites dirigentes do país descuidaram da educação básica para a população. Mesmo dados mais recentes comprovam essa realidade: em 1998, 14,2% das crianças de 9 anos não sabiam ler nem escrever. Em 2008, esse percentual caiu para 7,8%. Embora tenha havido melhora sensível no espaço de dez anos, o percentual é ainda muito alto para os padrões internacionais (IBGE, em O Globo, 10 de outubro de 2009, p. 4). A taxa de analfabetismo atual no Brasil entre as crianças em idade escolar gira em torno de 10%. Quando analisamos o conceito de alfabetizado com mais rigor, isto é, como aquele que sabe escrever seu nome, ler um pequeno texto e interpretá-lo e escrever um bilhete, a taxa dos chamados analfabetos funcionais aumenta muito. Ve j a a r e a l i d a d e d a e d u c a ç ã o n o campo e o d i re i to à educação: h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=Y7-ksByde5w saiba mais 16 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM A classe social a que o indivíduo pertence interfere também na educação. Em 1998, enquanto a média de anos de escolaridade de pessoas de 25 anos ou mais entre os 20% mais pobres da população era de 2,5 anos, entre os 20% mais ricos era de 9,5 anos. Em 2008 esses dados passaram a ser de 4,3 anos e de 10,3 anos, respectivamente (IBGE, em O Globo, 10 de outubro de 2009, p. 4). Embora tenha havido melhora acentuada entre os 20% mais pobres no espaço de dez anos, contudo, a diferença de anos de estudo para os 20% mais ricos da população ainda é muito grande. A base legal que garante aos cidadãos o direito à educação é boa, embora Anísio Teixeira, já citado anteriormente, lembre que a educação como um bem público é dever do Estado é coisa recente no Brasil. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 6º, estabelece a educação como um direito social (Brasil, 1988). Mais adiante, em seu art. 205, diz que: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988). A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, ratifi ca o estabelecido pela Constituição Federal de 1988, assim como detalha o direito à educação das crianças e dos adolescentes. Assim ela se explicita: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualifi cação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da defi nição das propostas educacionais (Brasil, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, sancionada pelo presidente da República em 20 de dezembro de 1996) ratifi ca o estabelecido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim diz o texto da lei: 17 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Art. 4º O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - universalização do ensino médio gratuito (redação dada pela Lei nº 12.061, de 2009); III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular adequado às condições do educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, defi nidos como a variedade e a quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem; X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade. (incluído pela Lei nº 11.700, de 2008). Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmenteconstituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo (Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996). Ve ja o v ídeo para conhecer me lhor a p ropos ta da LDB: h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=St tYi3BBBzw saiba mais Como podemos constatar, não é por falta de base legal que os direitos das crianças, adolescentes, jovens e adultos não são respeitados. A educação para os direitos humanos é algo muito recente no Brasil. Dallari, em seu texto Um breve histórico dos direitos humanos, afi rma que o conceito de direitos humanos começou a ser abordado no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, por infl uência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, logo após o mundo ter saído da Segunda Guerra Mundial. Em seu primeiro artigo está escrito: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (ONU. Resolução nº 217 A (III) - Declaração Universal dos Direitos Humanos). 18 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Em 1966, a ONU – Organização das Nações Unidas – promulgou dois tratados: O primeiro foi o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que trata dos direitos que povos têm de se autodeterminar; dos direitos dos indivíduos, inclusive dos presos; estabelece mecanismos para resolver questões entre os Estados partes do Pacto e constituiu um Comitê de Direitos Humanos composto de dezoito membros eleitos em reuniões convocadas pelo secretário-geral da ONU para tal fi m. O segundo foi o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que trata dos direitos à saúde, à educação, à cultura e ao trabalho; em sua primeira parte, ele ratifi ca o direito dos povos de estabelecer seu estatuto político e econômico, usando suas riquezas naturais, desde que respeitando o interesse mútuo e o direito internacional. O Brasil é signatário de todos esses tratados, isto é, assinou todos esses documentos. 19 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM T5 Dallari é de opinião que: os professores podem desempenhar importante papel na discussão e efetivação dos direitos humanos, pela influência que exercem sobre os alunos no que diz respeito à fixação de valores e padrões de convivência, importante para a construção de uma sociedade justa, igualitária e em que a pessoa humana seja efetivamente promovida. Contudo, para o professor desempenhar esse papel político é necessário que domine conceitos de democracia, direitos humanos e cidadania, além de ter convicção arraigada do valor da pessoa humana. Benevides, em seu texto Educação, democracia e direitos humanos, trata essas temáticas dentro da formação dos cidadãos para o exercício das virtudes republicanas e democráticas. O que se deve entender por virtudes republicanas? É a formação dos cidadãos para o respeito às leis, acima da vontade individual de cada um; o respeito ao bem público acima do bem privado; e o sentido de responsabilidade no exercício do poder. E o que se deve entender por virtudes democráticas? É o amor à igualdade e a repulsa a todo tipo de privilégio; a aceitação da vontade da maioria, tendo sensibilidade para os direitos das minorias e respeito aos direitos humanos. E qual é o espaço privilegiado para se dar essa formação? Segundo Benevides, é a escola. É a única instituição que tem por finalidade exclusiva educar, embora não seja o único espaço de educação. a educação é o caminho para a democracia. não há paz sem evolução dos direitos humanos Práxis educativa libertadora O conceito de práxis, elaborado por Marx, compreende uma ação transformadora realizada pelo ser humano, pela qual transforma o mundo e também se transforma: “o ser humano existe elaborando o novo, através da sua atividade vital, e com isso vai assumindo sempre, ele mesmo, novas características” (KONDER, 1992, p. 106). É o trabalho, na concepção de Marx, que torna o ser humano sujeito diante do objeto, e é essa capacidade de transformação (do mundo e de si mesmo) que faz a sua história (a história mundial). Freire, fundamentando-se em Marx, dirá: 20 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofia da Educação | UNISUAM Os homens, pelo contrário, ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que propõem e se propõem, ao terem o ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações com o mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separar-se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica (FREIRE, 2009, p. 103-104). Karl Marx 1818 - 1883 A partir dessa concepção, Freire afirma que “a desumanização é realidade histórica e negação de nossa vocação ontológica [...]. A superação desta condição é possibilidade histórica da qual se ocupa todo homem e toda mulher revolucionária” (SCHNORR, 2005, p. 71). Por isso, constrói-se uma práxis revolucionária que incorpora a educação como elemento fundamental. No entanto, não se trata de qualquer forma de educação, mas de uma educação que incorpora e se compromete com a libertação das pessoas que estão nela envolvidas, dos seus sujeitos educando-educadores. Para Freire, trata-se de uma educação humanizadora, libertadora, crítica, que não existe sem conflitos, pois é seu papel também desmitificar a opressão que existe mesmo dentro do oprimido, nas relações nas quais ele se identifica como “menos”. O Papel de tal práxis educativa é a realização do ser mais, da humanização dos homens e mulheres envolvidos nessa práxis. Parte-se também do fundamento de educação também como prática sociocultural, “formas vivas e comunitárias de ensinar-e-aprender” (BRANDÃO, 2007, p. 23). A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum como saber, como ideia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber o e controle sobre o saber como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos (BRANDÃO, 2007, p. 10). Portanto, como prática sociocultural, a educação envolve teoria e prática: “Afirmar como ideia o que nega como prática é o que move o mecanismo da educação autoritária na sociedade desigual” (BRANDÃO, 2007, p. 97). No entanto, é possível reinventar a educação, como prática que pode “servir ao trabalho de construir um outro tipo de mundo” (BRANDÃO, 2007, p. 99). 21 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofia da Educação | UNISUAM E assim, chega-se, portanto, ao conceito de práxis educativa libertadora, ou seja, a ação de ensinar-e-aprender coletivamente com a fi nalidade de transformar uma condição desumana. Ação e refl exão são componentes do que se chama práxis e, para Paulo Freire, tornam-se uma palavra única, pois que evidenciam uma reciprocidade e complementaridade. O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais oca, mitifi cante. É práxis, que implica a ação e a refl exão dos homens sobre o mundo para transformá-lo (FREIRE, 2009, p. 77). O pensamento de Freire sobre práxis educativa libertadora, ou problematizadora, ou ainda de educação popular, evidencia a necessidade desses dois momentos: ação–refl exão. E esta práxis está intrínseca na relação entre teoria e prática da educação, que se realiza por meiodo diálogo entre os sujeitos envolvidos. http://www.papodeesteira.com.br/wp-content/uploads/2015/01/ transforma%C3%A7%C3%A3o-social.jpg "Ninguém começa a ser professor numa certa terça-feira às 4 horas da tarde... Ninguém nasce professor ou marcado para ser professor. A gente se forma como educador permanentemente na prática e na reflexão sobre a prática." (Paulo Freire) 22 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Ve ja ao Documentá r io Pau lo F re i re Contemporâneo a segu i r : h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=Ez jY0x37E88 Veja ao t recho da pa lest ra do f i lósofo M a r i o S é r g i o C o r t e l l a c o m e n t a n d o sobre o que é um bom pro fessor. h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=se iw4gwsfYA saiba mais saiba mais É por meio do diálogo que as visões de mundo se manifestam e podem ser questionadas, desmitifi cadas, podendo, assim, abrir espaço para um novo conhecimento que leve a uma nova ação. Em sua obra Extensão ou comunicação?, publicada em 1977, Freire (2010) aponta como fundamental para uma prática educativa libertadora, dentro de uma perspectiva humanista, o conceito de comunicação, contraposto ao de extensão, este no sentido de transferir, entregar, depositar. Para Freire, é a comunicação que possibilita aos sujeitos a coparticipação no ato de pensar, o que se dá por meio da reciprocidade, da intencionalidade e da não passividade. A comunicação é, pois, diálogo, “assim como o diálogo é comunicativo” (FREIRE, 2010, p. 67). Nesse sentido, diálogo pressupõe ouvir e falar. Saber escutar é um dos saberes necessários aos educadores, conforme a obra Pedagogia da Autonomia. No entanto, não deve o educador desconsiderar seu papel, nessa relação dialógica, de intervenção também crítica que ajude a superar visões fatalistas, deterministas, opressoras. Não se trata de um ouvir e de um falar sem o compromisso com a libertação e com a humanização das pessoas. Pelo contrário, procurar ouvir e compreender quem diz a palavra, considerando também a linguagem, as imagens e os símbolos presentes, leva, de forma criativa, a se posicionar e mesmo discordar e se opor, mas nunca de forma autoritária, porque ouviu atentamente quem tinha a palavra. Assim encerramos esta disciplina, tão importante para a compreensão do mundo em que vivemos. Esperamos que você tenha se aventurado por este mundo da fi losofi a. procurar ouvir e compreender quem diz a palavra, considerando também a linguagem, as imagens e os símbolos presentes 23 A Educação Como Ato Sócio Histórico Filosofi a da Educação | UNISUAM Bibliografia ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 2000. BENEVIDES, Maria Victoria. Educação, democracia e direitos humanos. Disponível em: www. dhnet.org.br/educar/redeedh/bib/benevid.htm. Acesso em 10 de maio de 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Câmara dos Deputados, 1988. BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991. 3ª ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. DALLARI, Dalmo de Abreu. Um breve histórico dos direitos humanos. 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