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Disciplina Estudos Estudos Estudos Estudos SócioSócioSócioSócio----HistóricoHistóricoHistóricoHistórico e e e e CCCCulturais da ulturais da ulturais da ulturais da EducaçãoEducaçãoEducaçãoEducação Coordenador da Disciplina Prof.Prof.Prof.Prof. Nidia Maria BaroneNidia Maria BaroneNidia Maria BaroneNidia Maria Barone 5ª Edição Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores. Créditos desta disciplina Coordenação Coordenador UAB Prof. Mauro Pequeno Coordenador Adjunto UAB Prof. Henrique Pequeno Coordenador do Curso Profª. Claudete Lima Coordenador de Tutoria Prof.ª Pollyanne Bicalho Ribeiro Coordenador da Disciplina Prof. Nidia Maria Barone Conteúdo Autor da Disciplina Prof. Maria Neyara de Oliveira Araujo Setor TecnologiasDigitais - STD Coordenador do Setor Prof. Henrique Sergio Lima Pequeno Centro de Produção I - (Material Didático) Gerente: Nídia Maria Barone Subgerente: Paulo André Lima / José André Loureiro Transição Didática Dayse Martins Pereira Elen Cristina S. Bezerra Elicélia Lima Gomes Fátima Silva e Souza José Adriano de Oliveira Karla Colares Kamille de Oliveira Formatação Camilo Cavalcante Elilia Rocha Emerson Oliveira Francisco Ribeiro Givanildo Pereira Sued de Deus Publicação João Ciro Saraiva Design, Impressão e 3D André Lima Vieira Eduardo Ferreira Iranilson Pereira Luiz Fernando Soares Marllon Lima Programação Andrei Bosco Damis Iuri Garcia Gerentes Audiovisual: Andrea Pinheiro Desenvolvimento: Wellington Wagner Sarmento Suporte: Paulo de Tarso Cavalcante SumárioSumárioSumárioSumário Aula 01: Educação, História, Complexidade .......................................................................................... 01 Tópico 01: Uma Conversa Inicial .......................................................................................................... 01 Tópico 02: Educação e/é História. História e/é Complexidade ............................................................. 04 Tópico 03: Educação e Solidariedade: Célula de Estudos e Pesquisas - CEPs...................................... 10 Aula 02: Abordagens Teóricas da Educação .......................................................................................... 14 Tópico 01: Ciência, Docência e Política ................................................................................................ 14 Tópico 02: Educação e Capital ............................................................................................................... 18 Tópico 03: Educação e Trabalho ............................................................................................................ 23 Aula 03: Formação Social e Econômica do Brasil ................................................................................. 31 Tópico 01: Colônia Versus Trabalho Escravo ........................................................................................ 31 Tópico 02: República Versus Trabalho Livre ....................................................................................... 40 Tópico 03: Limites e Possibilidades da Construção Republicana ......................................................... 43 Tópico 04: Políticas Públicas de Educação no Brasil ........................................................................... 47 Aula 04: O Dilema Educacional Brasileiro ............................................................................................. 53 Tópico 01: Uma Perspectiva Histórica ................................................................................................... 53 Tópico 02: Uma Perspectiva Sociológica .............................................................................................. 58 Tópico 03: Uma Perspectiva Política ..................................................................................................... 62 TÓPICO 01: UMA CONVERSA INICIAL VERSÃO TEXTUAL Queremos começar dizendo alguma coisa sobre a nossa disciplina. Veja o que ela traz, já, no título: "estudos" "sociais", "históricos" e "culturais" da "educação"! "Brasil" fica implícito. Veja quantos campos do conhecimento ela reivindica. Você poderia até perguntar: "E por que um professor de língua portuguesa precisa estudar os aspectos sociais, históricos e culturais da educação?". Nossa disciplina não é mais que um pequeno roteiro para esses estudos e pretende muito mais ajudá-lo a responder a esta pergunta do que adentrar sistematicamente todos aqueles campos do conhecimento, o que seria impossível. O mais é com você. E que a vida profissional para a qual você se prepara o recompense: com alegrias, com boa consciência, e auto-respeito. E com melhores condições de trabalho, claro! Não negamos, porém, que temos a pretensão de convencê-lo a que dê continuidade a tais estudos, pela vida afora, como é da natureza do trabalho de professor. Não esqueça que você está se preparando para ser professor. E professor precisa estudar muito, o tempo todo. Você deve ter ouvido o que professores dizem sobre o que se espera deles. Tem-se falado em “professor-educador” como um modo de expressar melhor a abrangência da responsabilidade de que é investido o campo profissional da docência. A definição de tal responsabilidade está também nas leis da educação nacional: “Preparar as novas gerações para o trabalho, para a prática social e para o exercício da cidadania”. Trabalharemos com uma metodologia bem diferente, mas muito eficiente e prazerosa. É a metodologia do trabalho em célula de aprendizagem coletiva – CEPs (Células de Estudos e Pesquisa). A disciplina será desenvolvida tendo por base os estudos teóricos e a pesquisa, sendo a participação nas atividades da CEP o instrumento principal de aprendizagem e de avaliação, conforme você verá no Tópico 03 desta aula. SOCIOLOGIA EDUCACIONAL Querer, saber e poder são requisitos da ação racional. Para o saber, apenas, dirige-se o nosso trabalho; e nem tudo que se pode conhecer, a respeito da educação, nos concerne. Ao lado da sociologia educacional marcham tanto a filosofia, como outras ciências empíricas e, ainda, investigações diretamente voltadas para a prática. A filosofia, como pensamento puro, define as nossas decisões e revela os fundamentos mais gerais dos nossos objetivos concretos. O que queremos, a qualquer momento, é um dado isolado e sem sentido, enquanto não o entendermos como faceta da orientação dada à nossa vida inteira. Essa orientação, por sua vez, decorre da nossa visão do mundo e da posição do homem ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO AULA 01: EDUCAÇÃO, HISTÓRIA, COMPLEXIDADE 1 nela e brota, portanto, em última análise, de concepções metafísicas. Esclarecer a estas, deduzir delas o modelo ideal do homem perfeito e das suas ações, é filosofar. Interpretar a realidade da educação e das circunstâncias em que se educa, à luz de tal compreensão de fins últimos, é filosofia da educação. Este pensamento puro visa, no entanto, a modificar a realidade. Pedimos a luz da razão para podermos melhorá-la e, querendo ser eficazes, precisamos traduzir a filosofia numa pedagogia. A esta, como a uma ‘teoria prática’ (Durkheim), cabe elaborar um sistema coerente de medidas, pelas quais os objetivos filosoficamente estabelecidos possam ser atingidoscom a maior perfeição possível. Normas de ação devem ser deduzidas dos postulados absolutos e dos propósitos deles decorrentes numa situação concreta. A arte de educar sempre envolve uma consciência vaga, pelo menos, de objetivos e meios. Ela pode passar-se sem reflexão sistemática numa sociedade estável, cuja cultura contém todos os padrões de procedimentos necessários, aprovados pela experiência de gerações. Numa sociedade em mudança, a experiência passada não resolve todos os problemas do dia, presente, mas a intuição pode bastar para nortear a ação de educadores perspicazes; quando, porém, a mudança se acelera e, mormente, quando a sociedade é tão complexa que nenhum educador pode ter uma visão completa dela, uma grande massa de educadores e, mesmo, aqueles indivíduos privilegiados procuram diretrizes que somente a reflexão pedagógica, lúcida e sistemática, pode proporcionar. Às ciências empíricas recorrem tanto a filosofia da educação como a pedagogia. Aquela necessita de conhecimentos comprovados da realidade ao procurar interpretá-la. Os objetivos absolutos, que ela deduz de pressupostos metafísicos, manifestam-se em metas concretas, variáveis, segundo o estado atual de cada sociedade, o qual deve ser observado e analisado objetivamente; só o que se conhece, tal como realmente é, pode ser julgado diante daquilo que deveria ser. A pedagogia, por sua vez, depende da compreensão dos processos psíquicos e sociais para orientá- los. Normas, por ela estabelecidas, serão operantes, na medida em que se refiram a comportamento real ou possível de educadores e educandos. A sociologia investiga a ordem que rege as relações humanas. Avizinha- se de duas outras disciplinas, relevantes para os estudos da educação: da história e da psicologia. Aquela procura compreender o desenrolar dos acontecimentos passados em determinada sociedade, na sua individualidade única, contribuindo, se for o caso, para a interpretação do seu estado atual. A sociologia distingue-se dela pela tendência sistematizadora e generalizadora; na medida em que utiliza fatos passados, busca neles as regularidades, verificáveis mediante comparação, e suscetíveis de serem tidas como supratemporais. A psicologia, por sua vez, focaliza o indivíduo; estuda a estrutura dos organismos no que se refere ao seu comportamento e à ação exercida sobre ele, por influências ambientais; indica ao pedagogo os meios pelos quais a educação pode beneficiar o desenvolvimento da personalidade. As componentes sociais do ambiente interessam-lhe como fatores do 2 comportamento individual, enquanto que para a sociologia constituem o próprio campo de pesquisa. O termo ‘educação’ é daqueles usados correntemente com significado algo vago. Precisá-lo implica em definir e circunscrever o objeto das nossas cogitações e deve, por conseguinte, ser a nossa primeira preocupação. Ao tentar fazê-lo, não pretendemos negar a validade de outras definições, quando estabelecidas para finalidades diferentes das nossas. As palavras não possuem significado intrínseco; são símbolos convencionais; e como o pensamento científico frequentemente avança em áreas ainda não exploradas pelo idioma, ocorrem-lhe distinções novas, às quais um rótulo deve ser posto, tomado, à falta de alternativa, do acervo já existente do vocabulário. Nestas condições, algumas palavras vêm a adquirir significados múltiplos, sendo importante que o sentido, pretendido num determinado contexto, seja claramente enunciado. Tanto a sociologia como a pedagogia vêem-se constantemente diante de tais situações, lamentáveis, porque as variações de significado de uma mesma palavra provocam mal-entendidos, mas assim mesmo inevitáveis. TOSI, Alberto. Sociologia Educacional. Rio de Janeiro, DP&A, 2004 5ª Ed. Enfim, caro/a aluno/a e futuro/a professor/a, o desafio está lançado. Com uma ‘pulga atrás da orelha’ você irá, ao longo de sua vida acadêmica e profissional, deparar-se com termos tais como educação, profissionalização, escolarização, docência, ensino, socialização, especialização, aprendizagem, qualificação etc. Fique atento/a para saber exatamente qual deve ser a natureza de sua intervenção naquele preciso momento do seu trabalho. Está na lei – e você já sabe – que o seu papel, além de “dar aulas de português” é “preparar as novas gerações para o trabalho, para a prática social e para o exercício da cidadania”. Para que trabalho? Para que prática social? E para que cidadania? São questões de longo alcance, mas diante das quais cada um de nós precisa se posicionar de imediato. Como? É uma decisão que fica inteiramente com você. Os estudos aqui propostos podem apenas oferecer-lhe a necessária luz para que a sua decisão seja a mais acertada possível. FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.adobe.com/go/getflashplayer Responsável: Profª. Nidia Maria Barone Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 3 TÓPICO 02: EDUCAÇÃO E/É HISTÓRIA. HISTÓRIA E/É COMPLEXIDADE Quantas perguntas poderiam ser feitas ao nos determos em uma reflexão, mesmo que superficial, a respeito da educação!!! Vamos ver? O que é, por exemplo, uma “criança mal educada”? E “falta de educação”? E “educação especial”? E “educação bancária”? E “educação do trabalhador”? Seria a educação do trabalhador diferente da educação do patrão? E “educação do campo”? Educação do campo seria diferente de educação no campo? E “educação profissional”? E “educação pública”? Haveria diferença entre a educação pública e a educação privada? E “educação científica”? E “educação escolar”? E “educação cidadã”? Educação é o mesmo que “escolarização”? Ou seria o mesmo que “socialização”? Você mesmo/a poderia ampliar muito mais essa lista, não é verdade? Os múltiplos significados da palavra educação apontam a diversidade de interesses a que os processos educativos atendem em determinada sociedade. Assim, podemos compreender porque nossa disciplina se apresenta com um título tão sobrecarregado: estudos sócio-históricos e culturais da educação. Diversas áreas do conhecimento científico convergem para a explicação do fenômeno, entre as quais, poderíamos citar a história, a antropologia, a sociologia, a economia, a política e a filosofia. Nossos estudos necessitarão puxar conceitos de uma e outra dessas áreas. Contudo, só poderemos compreender efetivamente aquele rol de significados atribuídos ao termo educação situando-o nas dimensões do tempo e do espaço e analisando-o à luz das relações de poder existentes na sociedade sob estudo. Tais categorias (tempo, espaço e poder), por sua vez, são elementos indispensáveis para compreendermos a sociedade quanto à tensão permanente em que vive entre, de um lado, os processos constitutivos, e de outro, os processos disruptivos; ou seja, entre as formas de manutenção e de mudança social; ou ainda, entre os interesses daqueles que desejam manter o status quo e as pretensões daqueles que desejam modificá-lo. Três questões básicas devem ser ressaltadas antes de iniciarmos o estudo dos aspectos sócio-históricos e culturais da educação no Brasil. • A primeira questão diz respeito à geração e transmissão dos valores sociais, ou aos processos educativos. Trata-se, portanto, de uma reflexão inicial sobre a Educação. • A segunda questão diz respeito à passagem do tempo na vida das pessoas e dos povos, à ação dos indivíduos em seus cotidianos e à sedimentação das instituições nas estruturas sociais. Trata-se, portanto, de uma reflexão inicial sobre a História. • A terceira questão diz respeito à complexidade do real e a um modo de pensar que possibilite melhor a apreensão dessa qualidade intrínseca ao mundosocial e natural, o chamado pensamento complexo. ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO AULA 01: EDUCAÇÃO, HISTÓRIA, COMPLEXIDADE 4 Fonte [1] A sociedade primitiva é caracterizada pelo fato de, nela, a educação estar voltada a garantir a imutabilidade das técnicas de que dispõe; este é o tipo de sociedade que tende a reconhecer em tais técnicas um caráter sacro que permite interdizer como ímpia toda inovação ou correção. A sociedade civilizada, por sua vez, está, acima de tudo, aparelhada para enfrentar situações novas ou em mudança; é o tipo de sociedade que tende a tornar flexíveis e corrigíveis as técnicas de que dispõe, de modo a conferir à educação a tarefa, não só de transmiti-las, mas também de corrigi-las e aperfeiçoá-las. REFLETINDO SOBRE A EDUCAÇÃO Em sentido muito amplo, entende-se pelo termo educação a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, isto é, de uso, de produção e de comportamento mediante as quais os grupos sociais são capazes de satisfazer suas necessidades, trabalhando conjuntamente de forma ordenada e pacífica, de modo a proteger-se contra a hostilidade do ambiente e preservar sua existência como grupo. Como o conjunto dessas técnicas compõe o que chamamos de cultura, temos que nenhuma sociedade humana pode sobreviver se a sua cultura não é transmitida de geração a geração. Educação, portanto, é o processo pelo qual os grupos efetuam e garantem essa transmissão, realizando-se sempre de forma tensa, dada a dialética entre manutenção e transformação presente em toda vida social. É a partir desse conceito que se considera o fenômeno da educação, tanto nas sociedades chamadas de primitivas (ou tradicionais), quanto nas sociedades ditas civilizadas (ou modernas). A diferença entre os dois tipos de sociedade não é no grau de desenvolvimento da educação, como comumente se acredita, mas de orientação das sociedades no que diz respeito aos processos de transmissão das técnicas culturais. A primeira forma de educação consiste na transmissão pura e simples das técnicas consideradas válidas e na transmissão simultânea da crença no caráter sagrado, portanto, imutável de tais técnicas. Quanto à segunda forma, a transmissão das técnicas já adquiridas tem, sobretudo, a finalidade de tornar possível, por meio da iniciativa dos indivíduos, o aperfeiçoamento dessas técnicas. Desse ponto de vista a educação é definida, não na perspectiva da sociedade, mas na perspectiva do indivíduo. Segundo esta diretriz, a formação do indivíduo e a sua cultura tornam-se o fim da educação; ou seja, a educação é definida como a formação do homem, ou o amadurecimento do indivíduo, a consecução de sua forma completa ou perfeita. PARADA OBRIGATÓRIA Mas ATENÇÃO! Não podemos esquecer que estamos falando de “tipos ideais” de sociedades, ou melhor, de esquemas mentais formulados para analisar as diversas sociedades. Na realidade, essas duas diretrizes não se acham, nunca, em estado puro; ou seja, não existem sociedades absolutamente primitivas a ponto de não permitirem modificações em suas técnicas culturais, assim como também não existem sociedades absolutamente civilizadas que aceitem a rápida e incessante mudança de 5 suas técnicas, sobretudo, as mais delicadas, ou aquelas que regulam a conduta dos indivíduos e os seus comportamentos recíprocos. O IMPORTANTE é que saibamos distinguir os interesses aos quais serve a educação a fim de realizarmos as escolhas sobre o que, como e porque mudar esta ou aquela técnica. A quem interessa a mudança? As duas formas de educação apresentadas só podem ser compreendidas a partir dessa configuração prática. Fonte [2] REFLETINDO SOBRE A HISTÓRIA O que é o tempo? O vento tem seu tempo de correr... A célula tem seu tempo de morrer... O corpo humano tem seu tempo de crescer... A pedra tem seu tempo de enrijecer... Não seria o tempo o próprio movimento? Bem sabemos que o tempo não para, não para! Mas é preciso organizar o tempo e imprimir-lhe uma duração. Como fazer? Com que critério? Com que significado? Consideremos um esquema mental para pensar a vida humana em relação ao tempo, ou à história, a partir de três perspectivas: • O HOMEM EM FACE DO AMBIENTE FÍSICO (NATUREZA), • O HOMEM EM FACE DOS DEMAIS (SOCIEDADE) E • O HOMEM EM RELAÇÃO A SI MESMO (SUBJETIVIDADE). NATUREZA O primeiro, o tempo do ser humano em suas relações com o meio natural que o cerca, põe em questão uma história quase imóvel, quase fora do tempo. Uma “história lenta”, feita de retornos insistentes, de ciclos incessantemente recomeçados. Uma história profundamente justa e que tem cobrado aos homens que reponham as coisas aparentemente inanimadas em seus devidos lugares. SOCIEDADE O segundo é o tempo do ser humano em relação às estruturas sociais, uma história lentamente ritmada, acima daquela história aparentemente imóvel da natureza inanimada, uma história social, por assim dizer, a história dos grupos e dos agrupamentos. Como é que essas ondas de fundo levantam o conjunto da vida dos indivíduos em cada lugar da terra? Eis a pergunta do historiador que precisamos, nós, professores, ouvir e prestar atenção. Trata-se da história dos Estados, das sociedades, das civilizações, essas forças de profundidade que agem no domínio complexo das guerras as mais diversas. Sim, pois que as guerras, todas elas, não são do puro domínio das responsabilidades individuais. SUBJETIVIDADE Finalmente, o tempo do ser humano em relação a si mesmo, tempo da vida privada, tempo do indivíduo, de sua biografia. Trata-se de uma história ocorrencial, com oscilações breves, uma agitação de superfície, ondas que as marés elevam em seu poderoso movimento. Ultra-sensível por definição, o menor passo põe em alerta todos os seus instrumentos de medida e, sendo assim, é também a mais apaixonante, a mais rica em humanidade e a mais perigosa, diz Fernand Braudel. História de vida dos 6 sujeitos, que tem a dimensão de suas cóleras, de seus sonhos e de suas ilusões. PARADA OBRIGATÓRIA Outra vez ATENÇÃO. Embora tenhamos feito uma decomposição da história em planos escalonados (ou seja, procedendo à separação, no tempo da história, entre um tempo geofísico, um tempo social e um tempo individual), estas distinções não são mais do que meios de exposição aos quais recorre o historiador em seu trabalho de pesquisa. A realidade é toda ela uma complexidade em que se abraçam simultaneamente todas aquelas dimensões. Como dissemos no início, o problema da civilização humana é ordenar o tempo, ou seja, mensurá-lo, a partir de medidas razoáveis. Mas razoáveis para quem? A quem interessa medir o tempo? Talvez se faça necessário à vida contemporânea, muito mais do que a qualquer outra época histórica, que os homens possam fazer a articulação entre essas dimensões do tempo. Concordamos com a análise de Wright Mills segundo a qual MILLS, Wright. A imaginação Sociológica. Rio de Janeiro, Zahaar, 1982. • as realidades da história contemporânea constituem também realidades para o êxito e o fracasso de homens e mulheres, individualmente; • a história, a qual, hoje, atinge todo homem, é a história mundial; • os homens, apesar disso, habitualmente, não definem suas ansiedades em termos de transformação histórica e contradição institucional; • raramente, os indivíduos têm consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial, vivendo sem saber o que esta ligação significa para os tipos de pessoas em que estão se transformando e para o tipo de evolução histórica de que podem participar. Não que lhes falte informação, nesta “idade do fato”, diz o nosso autor.Para ele, o que os indivíduos precisam desenvolver é uma qualidade do espírito que os ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos. A esta qualidade intelectual, que capacita seu possuidor a compreender e a sentir o jogo que se processa entre o indivíduo e a sociedade, entre o eu e o mundo, enfim, entre a biografia e a história, Wright Mills denomina de imaginação sociológica. REFLETINDO SOBRE A COMPLEXIDADE O senso comum costuma nos apresentar o termo ‘simples’ como sinônimo de fácil e o termo ‘complexo’ como sinônimo de difícil. O senso comum também atribui ao termo um significado muitas vezes pejorativo, que revela algo de menor perfeição, como quando se diz, por exemplo, que uma determinada pessoa é “uma complexada”, ou “é uma pessoa muito complicada”. Mas esses significados serão adequados? Não estaríamos sendo 7 treinados para uma forma de pensamento redutor que se manifesta rotineiramente em nossas vidas por meio de expressões do tipo “contra fatos não há argumentos”, ou “dois mais dois são igual a quatro”? Fonte [3] Talvez, estejamos pensando que é complexo aquilo que não pode resumir-se numa palavra mestra, o que não pode reduzir-se a uma lei de complexidade ou a uma ideia de complexidade. A quem poderia interessar, e por que interessaria, uma forma de pensar que exclui de imediato o “meio termo”, a ambiguidade, a incerteza, a mudança, a mediação? O termo complexo vem do latim plecto, plexi, complector, plexus e quer dizer: tecido, trançado, enroscado. Na área científica o seu emprego pode ser visto, por exemplo, no campo da matemática (números complexos, imaginários, impossíveis, algoritmos que não podem ser simplificados e cuja inteligibilidade supõe o encadeamento de todas as operações constitutivas), no campo da química (corpos ou substâncias nas quais elementos diferentes, heterogêneos, porém, ligados entre si, são reconhecidos como associados), no campo da cibernética (com as teorias da informação e da comunicação) e mesmo no campo das ciências sociais (dando abertura para a compreensão do fenômeno do multiculturalismo, entre outros). O sentimento quanto à complexidade que compõe o real, seja na dimensão da natureza ou da sociedade, porém, nunca esteve ausente da percepção artística. No filme Sonhos, de Akira Kurosawa, por exemplo, um homem velho enuncia a um homem jovem, as quatro lições do saber fundamental: Ouvir. Tudo se relaciona com tudo. Tudo se transforma. A terra não é nossa, nós é que somos da terra. O pensamento complexo aspira ao pensamento multidimensional, não ao pensamento completo, pois este é impossível do ponto de vista da consciência humana. Ele comporta o reconhecimento de um princípio de incompletude e de incerteza. Costumamos dizer que “ninguém é dono da verdade”, mas é comum nos comportarmos como se o fôssemos. Diz Edgar Morin, pai da discussão contemporânea sobre a complexidade: MORIN, Edgar. Introduction à La Pensée complexe. Paris, ESF Editeur, 1990. Durante toda a minha vida, nunca pude resignar-me ao saber parcelado, nunca pude isolar um objeto de estudo de seu contexto, de seus antecedentes, de sua evolução. Nunca pude eliminar a contradição interior. Sempre senti que verdades profundas, antagônicas umas às outras, eram para mim complementares, sem deixarem de ser antagônicas. Nunca quis esforçar-me para reduzir à força a incerteza e a ambiguidade. 8 E assim conclui suas notas de prefácio: Se a complexidade não é a chave do mundo, mas o desafio a enfrentar, o pensamento complexo não é o que evita ou suprime o desafio, mas o que ajuda a relevá-lo e, por vezes, mesmo a ultrapassá-lo. Enfim, caro(a) aluno(a), ao trazermos para nossa primeira aula a discussão sobre estas três questões/noções/conceitos (Educação, História e Complexidade) é para que você se ponha em permanente estado de alerta (tal como nosso autor confessa ter vivido) em vista da futura profissão para a qual você, hoje, se prepara e se licencia. O trabalho de professor – permita a comparação um pouco cafona – requer os ingredientes Educação, História e Complexidade, de modo tão fundamental para formar um aluno, como o trigo requer o trabalho do padeiro para transformar-se em pão. FONTES DAS IMAGENS 1. http://3.bp.blogspot.com/-KRVP7GuHjP0/Ts0y_4lqFUI/AAAAAAAAA hU/h_zvwBgcxv4/s320/paulo_freire-245x245.jpg 2. http://www.unicentro.br/graduacao/dehis/historia.jpg 3. http://4.bp.blogspot.com/_NfNHO2cCn9g/SlX_HtEaEQI/AAAAAAAA AFg/8o6OW3Jt4sQ/s400/TRAMA+COBRE.jpg Responsável: Profª. Nidia Maria Barone Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 9 TÓPICO 03: EDUCAÇÃO E SOLIDARIEDADE: CÉLULA DE ESTUDOS E PESQUISAS- CEPS VERSÃO TEXTUAL CARO/A ALUNO/A, Em grande parte do tempo, nós iremos nos encontrar pela mediação de uma máquina, não é verdade? Mas para todos nós, professores e tutores da UFC, você é um aluno presente. Por todos os sentidos que a palavra presente possa significar! Presente porque é uma surpresa (e a educação, para merecer este nome, será sempre um ato de surpreender); presente porque cada um de vocês é para nós uma entrega, um mimo, uma dádiva (e quem não gosta de receber presente?); presente porque, amanhã, serão vocês o futuro de nosso país; e presente porque a educação a distância, no fundo, é uma “educação sem distância”. Nosso lema é: "aprender pela pesquisa e na partilha de conhecimentos". Leia com atenção o texto abaixo sobre o processo de construção do conhecimento cientifico, assim como a Tabela de Atividades, em que são dadas todas as instruções para o desenvolvimento da disciplina. A realidade, nem sempre, é o que parece ser. Por sinal, a sabedoria popular já traduziu isso em poucas palavras, ao dizer que “nem tudo que reluz é ouro”. O papel da ciência é justamente desvendar (tirar o véu) do real, ajudar a distinguir o que é verdadeiramente ouro daquilo outro que reluz. Nesse sentido, a ciência exerce igualmente um papel ético e moral, porque também é capaz de ajudar a distinguir o joio do trigo. Isto quer dizer que aqueles que acessam o conhecimento científico são obrigados a partilhá-lo com outros. Ou seja, uma obrigação que se auto-determina por duas razões: • Primeiro, porque todo conhecimento é social, carrega em si um patrimônio constituído ao longo do tempo e a partir da contribuição de muitos seres; • Segundo porque, quando essa ‘correia de transmissão’ se quebra, ou em seu percurso é aprisionada por alguém, privadamente, a história humana tropeça, a sociedade se desequilibra, uns se tornam mais poderosos que os outros. Vemos, deste modo, que: 1º. A função do conhecimento científico é desvendar o real, é descobrir a matéria, seja ela natural ou social; 2º. O conhecimento científico é socialmente produzido e representa, assim, um patrimônio público. ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO AULA 01: EDUCAÇÃO, HISTÓRIA, COMPLEXIDADE 10 3º. O conhecimento científico não é neutro em relação à política, ele cumpre um papel no seio da sociedade que o produz. 4º. O conhecimento científico estabelece a vinculação do ser humano com sua espécie e com a natureza, ajudando o indivíduo a descobrir e compreender o lugar que ocupa no mundo. 5º. O conhecimento científico implica, por parte daquele que o detém, em maior responsabilidade em relação aos demais e à natureza. Mesmo assim, o conhecimento científico não é tudo. Porém, dificilmente, uma nação poderá ser chamada de democrática se grande parte de seus filhos não tiverem acesso às informações básicas sobre os descobrimentosda ciência. E mais ainda: se forem tratados apenas como ‘joãos-teimosos’, inflados de fora para dentro com fórmulas prontas para mantê-los, sempre, na mesma posição. Trata-se de uma questão tão séria, que o grande Albert Einstein não se cansava de dizer que não bastava o simples conhecimento da verdade. Para ele, o conhecimento deve ser continuamente renovado por um esforço incessante, sob pena de se perder. E dizia: O conhecimento assemelha-se a uma estátua de mármore erguida no deserto e sob a permanente ameaça de ser soterrada pelo deslocamento da areia. As mãos dos zeladores têm que trabalhar incessantemente para que o mármore continue a brilhar para sempre sob o sol. Minhas mãos também devem estar entre elas. E as suas próprias mãos? Que destino quer você dar a elas? Sendo a produção científica o resultado de um trabalho coletivo, que se acumula por superação, ao longo do tempo e do desenvolvimento da humanidade, nada mais natural perceber que, embora se tratando, na perspectiva individual do aluno, de um curso de graduação a distância, a presença do coletivo está ali diante dele, necessariamente. A máquina não é mais que uma mediação, um instrumento para facilitar a comunicação. Ou seja, não se trata de um processo mecânico pelo qual um emissor (tutor), de um lado da linha, envia a mensagem ao receptor (você, aluno da UFC/UAB), postado do outro lado da linha. No entanto, precisamos saber que não deixamos de correr o risco de uma relação mecânica! Todo cuidado é pouco, inclusive, porque este tipo de relação acerba bastante o padrão individualista que a cultura do capital nos ensina e impõe. Toda atenção! A fim de nos defendermos do problema, digamos assim, trabalharemos por meio das Células de Estudos e Pesquisas (CEPs). Não por acaso, o CEP é um código que nos situa precisamente em um dado ponto do mundo, ali, onde construímos nosso ninho, de onde podemos voar e, sobretudo, para onde podemos retornar em carne e osso, para nossa realidade mais cotidiana, mais íntima e pessoal! Precisamos considerar que a natureza fundamental da célula é ser intrinsecamente colaborativa, solidária e produtiva! Ela agrupa e combina os 11 elementos necessários à vida e assim se multiplica e constitui diferentes seres. Nas Células de Estudos e Pesquisas, cada aluno oferecerá aos demais os materiais e os conhecimentos de que dispõe, recebendo dos mesmos os materiais e os conhecimentos de que não dispõe. Cada Célula, portanto, será responsável pelo novo conhecimento produzido. Cada uma elaborará imediatamente sua agenda de trabalho, incluindo encontros presenciais. Outro aspecto importante de nossa proposta de estudo é a aprendizagem pela pesquisa. Este aspecto se coaduna perfeitamente com o primeiro, são como que as duas faces da mesma moeda. E qual moeda? Esta que queremos que você adquira e a faça circular em favor da solidariedade, da democracia e da competência profissional e ética. Trata-se da ‘educação emancipatória’! Aliás, esta expressão seria redundante se não tivéssemos que combater a bem cunhada ‘educação bancária’, responsável, em grande medida, pela manutenção de uma sociedade hierarquizada e excludente, onde medra a cultura do utilitarismo e da instrumentalização de seres humanos. Nossa proposta de aprendizagem em célula e pela pesquisa, portanto, é muito mais que um ‘instrumento didático-pedagógico’ para os estudos a distância! Seu ponto de partida será, sempre, a pergunta que o indivíduo formula inevitavelmente quando se depara com o outro, e o reconhecimento de que muitas respostas já foram dadas pelo sujeito coletivo que o antecedeu. Resta-lhe ouvir e reconstituir, sendo esta a tarefa científica e ética que cabe a cada um de nós, professor ou aluno. Claro, muitos de nós não seremos ‘pesquisadores profissionais’, mas qualquer que seja o lugar que venhamos a ocupar na divisão do trabalho social, o imperativo teórico-prático a que nos submetemos é um só. Nas palavras de Pedro Demo (Educar pela pesquisa, Campinas, Autores Associados, 1996), trata-se do diferencial da pesquisa como sendo um “questionamento reconstrutivo”, o qual, do ponto de vista da educação, refere-se à ética da competência – que jamais pode ser reduzida à competitividade, é bom que se diga; e do ponto de vista da inovação, trata- se do conhecimento crítico e criativo. Esta perspectiva torna parceiros os alunos e o professor, ao mesmo tempo trazendo para o centro da relação, toda a tradição do conhecimento socialmente acumulado. Estas questões irão sendo retomadas ao longo da disciplina, juntamente com as ‘instruções’ sobre os procedimentos para a construção do trabalho de pesquisa. Os estudos das demais unidades darão suporte lógico e teórico para que as atividades de pesquisa nas Células possam prosseguir. Ao trabalho! Para finalizar, é indispensável dizer que a “metodologia CEP” com a qual trabalharemos a disciplina foi inspirada em um programa de extensão da UFC, coordenado pelo Prof. Manoel Andrade Neto, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC, conhecido pela simbólica sigla de 12 PRECE (Programa de Educação em Células), no âmbito do qual circula a certeza de que Educação e Cidadania dão o tom da transformação social que tantos desejam. Conheça um pouco da história do PRECE. Acesse http://www.prece.ufc.br/ [2]. Para levantar uma tonelada um homem não tem força suficiente, dez homens precisam fazer força e cem conseguem fazê-lo com um dedo apenas. John Bellers-1696 Vamos experimentar trabalhar assim também? Dando certo, você até poderá levar a ideia para outros grupos de seu convívio. Para nós, a Metodologia-CEP também é importante porque ela é perfeitamente adequada a uma concepção de avaliação que adotaremos em nossos estudos. Acreditamos que o processo avaliativo deve conter a dimensão do que chamamos de “conteúdo disciplinar”, mas também deve oferecer condições para que o aprendente (professor e/ou aluno) seja capaz de exercer a crítica (o julgamento) daquilo que diz e faz na relação pedagógica que mantém com os demais. Para nós, esse é um processo permanente que nos faz estudar cotidianamente, que nos faz rever conceitos, posições políticas etc. Trata-se do que chamamos de avaliação em processo, que não objetiva apenas “medir conhecimentos adquiridos” (mesmo considerando fundamental a aquisição de novos conhecimentos), mas também qualificar os futuros professores para a importante tarefa que os espera. OLHANDO DE PERTO Acesse no Material de Apoio o arquivo “Tabela de Atividades” no item 4. PARADA OBRIGATÓRIA Avaliação Progressiva e Cumulativa. Clique aqui (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) para visualizar a tabela das atividades. FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.adobe.com/go/getflashplayer 2. http://www.prece.ufc.br/ Responsável: Profª. Nidia Maria Barone Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 13 TÓPICO 01: CIÊNCIA, DOCÊNCIA E POLÍTICA Recapitulando. Lembra que, na primeira aula, quisemos alertá-lo para a natureza inarredável e imediatamente política de nossa profissão? Releia a seguinte passagem: VERSÃO TEXTUAL Na casa das máquinas um engenheiro poderia expressar livremente seus próprios pensamentos perante os demais, fazer julgamentos pessoais da forma que quisesse, enfim, comportar-se politicamente segundo seus valores, sem qualquer constrangimento. Não poderia fazer o mesmo um professor diante de seus alunos, no espaço escolar. Aí terá que medir as palavras, pois a posição que ocupa na sala de aula não lhe dá o direito de transformá-la em um palanque e os alunos em um público cativo obrigadoa ouvir a fala parcial do professor. Um professor em sala de aula fala de ciência e não de opinião e, como sabemos, o conhecimento científico, embora não sendo neutro, não pode deixar de ser objetivo. Enfim, caro/a aluno/a e futuro/a professor/a, o desafio está lançado. Com uma ‘pulga atrás da orelha’ você irá, ao longo de sua vida acadêmica e profissional, deparar-se com termos tais como educação, profissionalização, escolarização, docência, ensino, socialização, especialização, aprendizagem, qualificação etc. Fique atento/a para saber exatamente qual deve ser a natureza de sua intervenção naquele preciso momento do seu trabalho. Está na lei – e você já sabe – que o seu papel, além de “dar aulas de português” é “preparar as novas gerações para o trabalho, para a prática social e para o exercício da cidadania.". REFLEXÃO Para qual forma de trabalho? Para que tipo de prática social? E para que cidadania? São questões de longo alcance, mas diante das quais cada um de nós precisa se posicionar de imediato. Como? É uma decisão que fica inteiramente com você. Os estudos aqui propostos podem apenas oferecer-lhe a necessária luz para que a sua decisão seja a mais acertada possível. A segunda aula tem o objetivo de oferecer uma base teórica mínima, porém, indispensável para que você possa compreender a natureza do desafio que nos impõe a profissão docente. É claro que não será você, individualmente, que irá preencher a ficha, digamos assim, do teor e significado do trabalho, da cidadania e da prática social, conforme a lei brasileira. Sabemos que os homens fazem a história, porém, segundo determinações históricas e não apenas em função de sua própria vontade ou desejo, não é verdade? O importante é termos a consciência de que o ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO AULA 02: ABORDAGENS TEÓRICAS DA EDUCAÇÃO 14 exercício de nossa profissão, jamais e em momento algum, poderá ser neutro. Este é um tipo de trabalho inteiramente carregado de política! Você dirá: “O português está acima da política!” Certamente. Mas não está o professor de português! CASO Pense na seguinte situação: atualmente, em nosso país, em vista do aumento de vagas nas universidades públicas, estamos correndo o risco de tê-las ociosas porque os jovens das classes populares trazem em seu imaginário a ideia de que terminam os estudos ao final do ensino médio. Tal imaginário se constituiu, obviamente, diante da impossibilidade real de que estas classes tivessem acesso ao ensino superior. Agora, imagine um mesmo professor dando aula de português em duas situações distintas: para alunos de uma escola pública de ensino médio e para alunos de um desses grandes colégios da rede particular, os quais nunca tiveram dúvida de que o seu lugar no mundo produtivo incluía a passagem pelo ensino superior. As demandas dessas turmas são bem diferentes, não é verdade? Como então irá o professor trabalhar em cada uma das situações, mesmo sabendo que o português é o mesmo? Não residirá aí sua escolha individual? O professor confirmará, ou não, diante daqueles jovens o entendimento de que o lugar que, respectivamente, ocupam na sociedade – de um lado, os que vão diretamente para o chão do sistema produtivo, de outro lado, aqueles que se apropriarão do conhecimento científico e da alta tecnologia – é um lugar natural, uma vez que uns precisam trabalhar ao passo que outros podem continuar os estudos; que é assim mesmo, pois sempre foi assim; enfim, que não há como mudar? A polêmica sobre cotas que vem ocorrendo no Brasil é outra situação que evidencia a presença inarredável e imediata da política na educação. Fonte [2] Se você, caro/a aluno/a estivesse se preparando para ser um/a engenheiro/a e não um/a professor/a, certamente a política também o/a estaria rondando na casa das máquinas, digamos assim, mas não na dimensão imediata de seu trabalho, como ocorre em uma sala de aula, em plena interação entre sujeitos. Podemos então concluir que a escola não é algo absoluto, como ainda pensam, e como sentem muitos de nós, professores, alunos, pais. A escola 15 não pode ter objetivos absolutos de formação, objetivos perenemente dados de criação da personalidade harmônica abstrata, pois a escola sempre foi, e não poderia deixar de ser, o reflexo do seu século, do seu mundo, e sempre respondeu às exigências que um determinado regime político-social colocou para ela. Ou seja, a escola se constitui como um espaço de vivo tensionamento, pois ali, como em nenhuma outra instituição, se deparam sem trégua as forças objetivas do sistema e os desejos de mudança e criação dos sujeitos. Pois que ali é o lugar do conhecimento. A análise sociológica da escola/educação, portanto, deverá evidenciar o quanto, o como e o porquê aquelas forças se direcionam, seja para os processos constitutivos, seja para os processos disruptivos da sociedade em questão. E esta análise, necessariamente, terá que ter base histórica, de modo a também evidenciar o caráter único e ao mesmo tempo diverso da escola/educação. Único no sentido de que congrega uma determinada visão geral do mundo; diverso porque, examinando do ponto de vista histórico, a análise perceberá que há diferentes escolas para alunos de diferentes classes sociais, assim como há, no interior de um mesmo segmento de classe, necessidades específicas que demandam à escola ações e conhecimentos diferenciados. Veja você a complexidade do fenômeno educacional e escolar, no sentido de que ele é enlaçado por diversos fatores, exigindo assim um trato teórico muito cuidadoso. OBSERVAÇÃO Não gostaríamos que você se aproximasse dos autores como se uns representassem “o bem” e outros representassem “o mal”, o que tem ocorrido com muita frequência nos estudos sobre a educação no Brasil, dividindo a produção teórica de forma simplista entre aquela que é própria dos “educadores conservadores” e aquela que serve aos “educadores progressistas”. O que importa é que o professor conheça as últimas consequências, para a sociedade de seu tempo, da ciência e da técnica. Ou seja, que ele saiba que a ciência e a técnica não são neutras, mas precisam ser produzidas com competente objetividade. Neste sentido, é preciso que o professor seja uma pessoa, ou um profissional formado cientificamente. Chegamos aqui à tarefa precípua da escola, que é a educação científica dos alunos. É preciso considerar que esta aula (Abordagens Teóricas da Educação) ficará muito longe de esgotar a discussão teórica sobre a educação. Essa discussão é inesgotável também porque a dinâmica das sociedades é inesgotável. Nosso objetivo é alertar você para a necessidade de estudar, estudar sempre, e jamais considerar-se um professor formado. Nesta disciplina você terá um contato rápido com autores que se dedicaram a estudar, sobretudo, a sociedade de tipo capitalista, a brasileira inclusive, e que se arriscaram a vislumbrar possibilidade de mudança. Um deles, Karl Marx, expressou claramente sua intenção, segundo a qual, mais do que estudar o mundo, seria necessário transformá-lo. E não há como 16 transformar aquilo que não conhecemos bem, não é verdade? Mãos à obra, então! FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.adobe.com/go/getflashplayer 2. http://2.bp.blogspot.com/_E8A1LD- hroc/SdkKg_63ZNI/AAAAAAAAG_4/inJtSJmgpvo/s320/s0,,161349,00.jpg Responsável: Profª. Nidia Maria Barone Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 17 TÓPICO 02: EDUCAÇÃO E CAPITAL Pierre Bourdieu Fonte [1] Comecemos pela análise de Pierre Bourdieu, elaborada a partir da realidade francesa, no período que vai da metadedos anos sessenta ao início dos anos noventa. A França, como sabemos, é um dos países mais ricos da Europa e que consolidou mais fortemente o chamado Estado-de-bem-estar, o qual, estruturado com base nas relações capitalistas de produção, constituiu uma sociedade bem protegida, oferecendo bastante segurança social ao cidadão francês. Também não podemos esquecer que a França inaugurou (com a Revolução Francesa) a construção histórica da democracia burguesa, tornando-se o carro chefe do regime republicano no mundo ocidental. Em razão de tudo isso a França é, podemos dizer assim, o berço do pensamento sociológico. As pesquisas de Pierre Bourdieu medraram neste solo. Sua obra é como um corte transversal neste sistema, havendo o autor, como um excelente anatomista, identificado cada vaso, os mais recônditos, aqueles por onde a seiva passa despercebida, evidenciando suas ligações invisíveis aos grandes canais da vida. É bastante extensa a obra de Pierre Bourdieu, em vista de sua intensa atividade de pesquisa durante, praticamente, toda a segunda metade do século XX. Aqui, lançamos mão diretamente da coletânea organizada por NOGUEIRA Maria Alice CATANI Afrânio: Pierre Bourdieu – escritos de educação, Petrópolis, Vozes, 2003. Na expressão de Pierre Bourdieu trata-se de um “sistema de estratégias de reprodução” o qual pode ser definido como “sequências ordenadas e orientadas de práticas que todo grupo produz para reproduzir-se enquanto grupo”. Entre as estratégias o autor destaca: as estratégias de fecundidade (limitando-se o número de filhos, realizando-se o casamento tardio ou até adotando o celibato, como formas de reduzir o total de pretendentes ao patrimônio); as estratégias sucessórias (que têm a finalidade de transmitir o patrimônio de uma geração a outra, com a menor possibilidade de degradação); as estratégias matrimoniais (realizadas para assegurar a reprodução biológica do grupo, tratando-se de evitar o “casamento desigual” e de prover a manutenção do patrimônio material e social, por meio da aliança com um grupo equivalente); as estratégias ideológicas (que visam legitimar os privilégios, naturalizando-os); as estratégias econômicas (de investimento, de acesso ao crédito etc.); as estratégias educativas (que consciente ou inconscientemente, são investimentos de longo prazo que, em geral, não são percebidas como tais pelos agentes). ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO AULA 02: ABORDAGENS TEÓRICAS DA EDUCAÇÃO 18 O “sistema de estratégias de reprodução” opera por meio de uma dinâmica de “reconversões”, ou seja, o futuro de classe é determinado pela relação entre o patrimônio (considerado em seu volume e composição) e os sistemas dos instrumentos de reprodução. Deste modo, os detentores de capital (material e simbólico), a fim de manterem sua posição na estrutura social, necessitam realizar incessantemente a conversão das espécies de capital que detêm, em outras espécies mais rentáveis e/ou mais legítimas no estado considerado dos instrumentos de reprodução. OLHANDO DE PERTO Essas “operações” são bastante comuns em nossa sociedade. Você pode perceber uma representação das mesmas nas telenovelas brasileiras. Pierre Bourdieu formulou os conceitos de “capital cultural” e “capital social” para explicar as relações sociais nas sociedades capitalistas, digamos assim, no paralelo, dos conceitos econômicos que explicam a reprodução do capital nestas sociedades. Para a economia política, o capital não é, em princípio, a coisa em si, mas a relação que institui a coisa. Melhor dizendo, o capital é o resultado de um modo específico de relação entre os homens na tarefa de produção dos bens materiais para manutenção da vida. O estranho é que, neste tipo de sociedade, a coisa é ressaltada em detrimento da relação que a constitui. Fonte [2] PARADA OBRIGATÓRIA Karl Marx foi o pensador que desvendou esse “mistério” ao analisar a mercadoria e observar aquela inversão, o que chamou de fetichismo da mercadoria. Tal fenômeno tem origem na alienação do trabalho como forma fundamental de relação social na sociedade do capital. Neste tipo de sociedade o trabalho é uma mercadoria e nesta condição é alienado – como, por exemplo, um carro é também alienado pela financeira. A diferença é que o cliente, um dia, quando liquidar o empréstimo, poderá vir a ser o proprietário do veículo, ao contrário do trabalhador que sempre será alienado a quem lhe compra a força de trabalho. Sua saída é des- empregar-se (ou seja, recusar-se a vender sua força de trabalho) ou tornar-se, ele também, um empresário. No primeiro caso, irá para a mendicância; no segundo caso, irá alienar a força de trabalho de outros. Ou seja, no regime de capital, a saída para o indivíduo sempre se dá em 19 nível individual, ou melhor, sob a responsabilidade particular das pessoas. Na rejeição à indigência e na impotência para se tornar mais um capitalista, o indivíduo procura qualificar-se a fim de encontrar uma melhor posição no mercado, o que traduzimos como melhorar de vida. O século XXI, talvez, esteja construindo uma alternativa a isto por meio da economia solidária. O trabalho de pesquisa de Bourdieu pretendeu desnaturalizar essa inversão, tão bem escondida no tecido social da sociedade francesa, e mais, no padrão geral da sociabilidade capitalista. Observe: CAPITAL CULTURAL O conceito de "capital cultural" foi formulado para explicar a ocorrência da desigualdade de desempenho escolar de crianças oriundas de diferentes classes sociais, relacionando o sucesso escolar, ou melhor, os benefícios específicos que as crianças das diferentes classes podem obter no mercado escolar, com a distribuição desse capital específico entre as classes ou frações de classe. O "capital cultural" se apresenta sob três formas: Incorporado No estado incorporado, em que sua acumulação está ligada ao corpo (incorporação) pressupondo um trabalho de inculcação e assimilação e exigindo tempo, tempo este que deve ser investido pessoalmente pelo indivíduo receptor; ou seja, como uma espécie de "bronzeamento", a incorporação não pode efetuar-se por procuração. Objetivado No estado objetivado, sob a forma de bens culturais (quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas) cuja propriedade pode ser transferida de modo instantâneo como em qualquer troca amparada pelo sistema jurídico, embora sua apropriação específica tenha de submeter-se às mesmas leis de transmissão do capital cultural em estado incorporado (assim como o bronzeamento, a alfabetização não pode ser adquirida por procuração). Institucionalizado No estado institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que, da mesma maneira que o dinheiro, guardam relativa independência em relação ao portador do título, ocorrendo, inclusive, de poderem ser adquiridos no mercado, como é o caso da compra ilícita de monografias nos cursos de pós-graduação, entre outros. O estado institucionalizado do capital cultural nos possibilita refletir sobre as funções sociais do sistema de ensino e apreender as relações que o mesmo mantém com o sistema econômico. CAPITAL SOCIAL 20 Já o conceito de "capital social" refere-se ao conjunto de recursos (atuais ou potenciais) que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas, em que os agentes se reconhecem como pares ou como vinculados a determinados grupos. Tais agentes são dotados de propriedades comuns e se encontram unidos por meio de ligações permanentes e úteis. Desta forma, o volume de capital social que um agente individual possui depende da extensão da rede derelações que pode ou consegue mobilizar, assim como do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. A reprodução do "capital social" se estende ao trabalho de sociabilidade, exigindo do portador uma competência específica (conhecimento das relações genealógicas e das ligações reais, assim como da arte de utilizá-las), um dispêndio de tempo e de esforços para mantê-la produzindo, além do capital propriamente econômico. Entretanto, é por meio diretamente das instituições que se dá a reprodução desse tipo de capital. Conforme Bourdieu, as instituições visam favorecer as trocas legítimas e a excluir as trocas ilegítimas, produzindo ocasiões (rallyes, cruzeiros, caçadas, saraus, recepções etc.), lugares (bairros chiques, escolas seletas, clubes etc.) e práticas (esportes de elite, jogos de sociedade, cerimônias culturais etc.) que reúnem, de maneira aparentemente fortuita, indivíduos tão homogêneos quanto possível, sob todos os aspectos pertinentes do ponto de vista da existência e pertinência do grupo. No centro da teoria de Pierre Bourdieu está a ideia de que a escola/educação permanece uma das instituições principais de manutenção dos privilégios, ressaltando o peso da instituição escolar na vida dos indivíduos, notadamente, o papel que podem ter seus veredictos nos processos de transmissão da herança familiar, e o fato de que seus efeitos de mudança nas posições e disposições dos agentes incidem poderosamente sobre a construção das identidades individuais. Para o autor, a escola segue excluindo, haja vista as novas formas de desigualdade escolar. Olhando para a França dos anos cinquenta, diz que a grande clivagem se fazia entre, de um lado, os escolarizados, e de outro, os excluídos da escola; hoje, entretanto, a escola opera a exclusão de modo menos simples, utilizando-se de um mecanismo de segregação interno ao próprio sistema educacional, o qual separa os educandos segundo o itinerário escolar, o tipo de estudos, o estabelecimento de ensino, a sala de aula, as opções curriculares, os métodos de avaliação. Para o autor, trata-se, 21 agora, de uma exclusão branda, contínua, insensível, despercebida; ou seja, a escola prossegue excluindo, mas, hoje, ela o faz de modo bem mais dissimulado, conservando em seu interior os excluídos, postergando sua eliminação e reservando a eles os setores escolares mais desvalorizados. FONTES DAS IMAGENS 1. http://ensaiosdegenero.files.wordpress.com/2012/05/pierre- bourdieu.jpg 2. http://escspchistoriablog.blogspot.com/2009_12_01_archive.html Responsável: Profª. Nidia Maria Barone Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 22 TÓPICO 03: EDUCAÇÃO E TRABALHO QUADRO DA REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 VERSÃO TEXTUAL Vamos agora nos aproximar das ideias desenvolvidas no calor da construção do socialismo na Rússia, após a revolução bolchevique, ocorrida em outubro de 1917. A situação russa à época era extremamente precária, a fome e a destruição se espalhavam por todo o país, iniciando-se a guerra civil que prosseguiria pelos próximos quatro anos. Parte da classe do magistério, liderada pelo Sindicato dos Professores da Rússia, ainda ligado às forças czaristas, entrara em greve. Diante desse quadro, os revolucionários que atuavam no campo educacional tomam as primeiras medidas para organizar um novo sistema educacional e uma nova escola. Estas medidas são publicadas pelo Comitê Central do Partido Comunista (bolchevique) em dois documentos oficiais: “DELIBERAÇÃO SOBRE A ESCOLA ÚNICA DO TRABALHO” e “PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ESCOLA ÚNICA DO TRABALHO”. PARADA OBRIGATÓRIA Para os revolucionários, então no poder do Estado soviético, a nova escola socialista teria de constituir-se, necessariamente, com base na experiência coletiva do magistério. Foram então criadas as escolas- comunas, cuja finalidade era conceber e executar, coletivamente, na prática e em face das próprias dificuldades que a realidade educacional impunha à ação docente, a nova escola, fundamentada nos princípios básicos da escola única do trabalho. Karl Max Fonte [2] Seguindo a proposição de Marx, segundo a qual, não basta estudar a realidade, mas transformá-la, as escolas-comunas reuniram experientes e reconhecidos educadores russos que se dedicaram à tarefa de criar formas e conteúdos escolares sob o socialismo nascente, a fim de transferir tais conhecimentos para as escolas regulares, sendo assim tratadas como escolas experimentais-demonstrativas. Os trabalhadores da escola-comuna partiram de Marx e Lênin sobre o desenvolvimento multilateral da personalidade no comunismo, sobre a necessidade de combinar o ensino com o trabalho produtivo, com a vida, sobre a formação do coletivismo e a relação criativa do trabalho com o estudo. A construção pedagógica da escola-comuna é aqui apresentada a partir do relato sistematizado por Moisey Pistrak, cobrindo um percurso de trabalho coletivo que vai de 1917 a 1937. Como disse Viktor N Shulgin, outro pedagogo do grupo, autor do livro “Questões fundamentais da educação social”, este texto não lhe pertence, em termos das ideias fundamentais ali ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E CULTURAIS DA EDUCAÇÃO AULA 02: ABORDAGENS TEÓRICAS DA EDUCAÇÃO 23 desenvolvidas, as quais só se tornaram possíveis pelo fato de haver, pessoalmente, observado e tomado parte na construção da Escola-Comuna do NarKomPros. Moisey Pistrak fez parte desse grupo de educadores e foi o responsável pela Escola-Comuna P. N. Lepeshinskiy, a que mais se destacou, também chamada Escola-Comuna do NarKomPros. (NarKomPros é a abreviatura de Comissariado Nacional da Educação, órgão criado com a finalidade de cuidar de toda a vida cultural da Rússia, e não apenas da educação, em 26 de outubro de 1917, em substituição ao Ministério da Educação da época tsarista). Pistrak, em face dos conflitos internos e da perseguição estalinista dos anos de 1930, foi preso e três meses depois fuzilado, no dia 25 de dezembro de 1937. A publicação dos programas oficiais da educação na república dos sovietes foi determinada em nível internacional, pelo Secretariado Pedagógico Internacional dos Trabalhadores do Ensino, reunidos em Paris, em abril de 1925. No Brasil, o documento foi publicado somente em 1935, pela Companhia Editora Nacional. A publicação internacional das ideias socialistas a respeito da educação era uma necessidade fundamental para aqueles que acreditavam ser impossível a vitória da revolução socialista ocorrida na Rússia se a mesma não se estendesse ao restante das nações, revelando, assim, a convicção dos revolucionários quanto à força da ação educativa nos processos de transformação social e, o que é mais importante, estando tal ação assentada no significado do trabalho como princípio pedagógico. A disputa no campo das ideias entre o que se chamou de “bloco socialista” e “bloco capitalista”, como sabemos, atravessou toda a história mundial durante o século XX (teria, hoje, desaparecido?), tendo ficado conhecida como guerra fria. OLHANDO DE PERTO No espaço desta disciplina seria impossível aprofundar muito a discussão a respeito do “trabalho como princípio pedagógico”. Portanto, caro/a aluno/a – e por favor – não se dê por satisfeito, fique aberto a pensar sempre sobre o assunto, dada a importância fundamental do trabalho na constituição das sociedades humanas, ou melhor, na vida dos humanos. Lembra você o enunciado da lei brasileira que expusemos acima, segundo o qual, é obrigação do professor “preparar as novas gerações para o mundo do trabalho, para a práticasocial e para o exercício da cidadania”? E que indagávamos: Qual trabalho? Qual prática social? E qual cidadania? Vejamos como o modo socialista de educar, digamos assim, poderia nos oferecer respostas a estas questões. Não se trata de um modelo a ser seguido, e sim do que resultou como vivência prática, historicamente possível naquela época e naquela região europeia, da aplicação do “princípio pedagógico do trabalho”. 24 Diziam os pedagogos soviéticos que, em face da revolução socialista, seria preciso introduzir conteúdo novo no ensino, ligar fortemente a escola com a vida, aproximar a escola da população, organizar uma autêntica educação comunista das crianças, e assim mudá-las radicalmente, desenvolvendo nelas a capacidade de trabalhar, estudar e viver coletivamente. Tratava-se de ligar o trabalho pedagógico com a produção, ou seja, estabelecer a prática do ensino politécnico, não em bases teóricas, mas práticas mesmo. Como? Dizia-se que, na escola-comuna, os estudantes não estavam sendo preparados para a vida (para quando crescessem), mas que estavam vivendo, naquele momento, sua (grande) vida. Não se tratava, portanto, apenas de introduzir conteúdo crítico, como costumamos fazer entre nós, mas de criar uma nova relação entre trabalho e ensino, a rigor, entre a teoria e a prática. Para isso, a experiência da escola-comuna baseou-se em três princípios, articulados entre si de forma prática e cotidiana, que podem ser representados pelas seguintes categorias: “ATUALIDADE”, “AUTOGESTÃO” e “TRABALHO”. Vejamos mais de perto cada uma dessas categorias: ATUALIDADE O professor não deve transmitir às nossas crianças apenas a história antiga, as leis de Deus, a alfabetização elementar, mas introduzi-las na atualidade, ensinar a compreender e assimilá-la, ensinar a examinar e participar dela; mas para isso ele mesmo deve saber o que é a atualidade, deve conhecer os ideais da classe trabalhadora, conhecer as formas de lutar por eles. Ele deve conhecer, portanto, as últimas consequências da ciência e da técnica, deve ser uma pessoa formada cientificamente. Assim se expressava Viktor N Shulgin a respeito da noção de atualidade. Veja você caro/a aluno/a, que o termo é empregado em sentido bem diferente daquele empregado por nós. No nosso caso, seria mais adequado falarmos em "atualidades", no plural, como um conjunto de informações que, embora desarticuladas, todo cidadão deve receber/possuir a fim de manter-se atualizado. Qual seria a utilidade prática para o indivíduo atualizado, no nosso caso? Para os pedagogos revolucionários da Rússia o termo atualidade remete à condição presente da luta do povo russo contra o imperialismo, cuja origem e natureza todos precisariam conhecer bem a fim de poder combater. Não entendendo isso seria impossível ao professor responder corretamente a questão a respeito de quais são os objetivos da educação; seria impossível entender qual material escolher para trabalhar com os alunos; e, sobretudo, seria impossível entender o que se apresenta como atualidade para as crianças e os jovens. E assim falavam aos professores: "se você sustenta sinceramente a posição de que a escola deve educar lutadores pelos ideais da classe trabalhadora, construtores da sociedade comunista, então mais você sustenta que a escola deve ajudar a criança a compreender e estudar a atualidade; precisamos, portanto, de um professor-construtor-lutador cientificamente preparado". 25 Podemos assim afirmar que a noção de atualidade não conduz apenas ao conteúdo do ensino, mas a outra forma de organização da escola, de modo que a atualidade seja efetivamente vivenciada e o aluno seja uma pessoa ativa não apenas quanto ao processo de ensino. Trata-se, assim, de vivenciar a atualidade entendida como compromisso com os interesses e anseios da classe trabalhadora no processo de transição, de construção de uma nova sociedade sem classes. Nas palavras de Luiz Carlos de Freitas FREITAS Luiz Carlos de – "A luta por uma pedagogia do meio: revisitando o conceito", capítulo introdutório do livro A Escola- Comuna, organizado por Moisey M Pistrak, São Paulo, Expressão Popular, 2009. A escola não é o preparatório para a prática social a ser revisitada. A criança tem, ela mesma, marcas da atualidade, da prática social. Ela é parte desta atualidade. Ela está inserida em seu meio e esta materialidade com suas particularidades e sua cultura também educa e faz parte da ação formativo-educativa. A função da escola não será a de sobrepor à formação inicial da criança uma segunda natureza, mas construir na prática social, no meio e a partir do meio, um sujeito histórico – lutador e construtor – onde a ciência e a técnica entram como elemento importante da luta e da construção. Lutadores-construtores são sujeitos em luta (luta que também ensina: alunos transformados em sujeitos) e necessitam se autodirigir e se auto-organizar na batalha. Neste sentido o autor conclui que a concepção de educação (expressa no que se chamou de pedagogia do meio, conforme formulada por V N Shulgin) tem como fundo a concepção de um socialismo que precisa ser construído e não simplesmente aplicado. AUTOGESTÃO Autogestão é a segunda categoria que demarca a prática pedagógica socialista. Sendo os objetivos da escola-comuna formar os lutadores pelos ideais da classe trabalhadora e construtores da sociedade comunista, dizem os pedagogos russos, é preciso aprender, não de imediato, mas desde a mais tenra idade, o caminho do trabalho independente, a construção do coletivo independente, pelo caminho do desenvolvimento de hábitos e habilidades de organização – nisto se constitui o fundamento da tarefa da autogestão. A estrutura de administração da autogestão tem como fundação o fato de que a vida da comuna está nas mãos dos estudantes. As tarefas são concretas e imediatas, ou seja, trata-se do trabalho real e não de brincadeira, digamos assim. Ao contrário da expectativa que temos de que nossas crianças e nossos jovens aprendam brincando, na pedagogia da escola-comuna os estudantes aprendem trabalhando. Isto significa dizer que as consequências do trabalho e do não trabalho são igualmente concretas e afetam o dia a dia de todos. As comissões, a assembleia, os órgãos coletivos são palco de vivência e grandes mediadores. A escola 26 inteira ensina. E é uma escola de tempo-integral. Pelo trabalho, pelos jogos coletivos, os estudantes vão se envolvendo cada vez mais nas várias esferas da vida social, pedagógica e econômica, as quais vão colocando ante eles novas exigências de desenvolvimento, introduzindo-os na ampla vida social, ligando sua auto-organização com os outros, com os movimentos sociais, com as associações juvenis em outras esferas que não a escolar propriamente dita A administração na escola-comuna é feita por cinco setores: parte econômica, do internato, do estudo, do social científico e do secretariado. Cada uma das partes se subdivide em outras. Ex: o pessoal da administração da parte econômica organiza o trabalho da cozinha, da papelaria, da lenha, da iluminação etc.; o pessoal da administração do estudo faz balanço da frequência aos exercícios etc. Cada grupo tem seu monitor que é responsável pelo balanço. Cada gabinete (de física, química, biologia etc.) tem seus auxiliares de ensino e plantonistas constantes (escolhidos por um determinado tempo). O mesmo se dá nas oficinas. Nestas os estudantes trabalham em turmas. Cada turma tem seu monitor que leva um balanço de todos os trabalhos sob responsabilidade do chefe da oficina. Os alunos ocupam posições intercambiáveis nas comissões, oracomo responsáveis que comandam, ora como comandados. A estrutura da vida da escola se apresenta em relação dinâmica com o meio como uma instância formadora à qual se integra o conteúdo escolar. TRABALHO O trabalho marca a continuidade entre a escola e o meio; o trabalho torna a escola viva, inserida na atualidade e, ao mesmo tempo, fornece as bases para se praticar a autogestão, a autodireção. O trabalho é um princípio educativo, uma fonte formativa. Isto significa dizer que na escola-comuna não existem as tradicionais salas de aula. Os estudantes são divididos entre os grupos dos mais velhos e os grupos dos mais novos. O trabalho é praticado segundo as condições de uns e de outros. Dizia Vicktor Shulgin quanto à pedagogia do meio: "É preciso que a criança se aproxime da classe-edificadora, assimile melhor sua ideologia, viva com ela, forje hábitos de luta, aprenda a construir – esta é a tarefa do trabalho. Nós falamos sobre o trabalho como objeto de estudo, sobre o trabalho como método, sobre o trabalho como fundamento da vida". Para os grupos mais novos predomina o trabalho na forma de auto- serviço e nas oficinas escolares; para os grupos mais velhos, além dessa forma, há o trabalho produtivo nas fábricas, base do ensino politécnico, muito valorizado na Rússia de então em vista da necessidade de industrialização, conforme o ideário adotado pelos bolcheviques. Importante notar que, qualquer que seja a forma que tome o trabalho, ele tem uma característica comum: trata-se do trabalho socialmente útil. O trabalho socialmente útil é a conexão entre teoria e prática (o elo perdido da escola capitalista...). É pelo trabalho que esta relação se materializa, pois "não basta compreender o mundo, é preciso transformá-lo", como enunciavam os construtores da revolução. Neste sentido, a escola é um 27 instrumento de luta no sentido de que permite compreender melhor o mundo (domínio da ciência e da técnica) com a finalidade de transformá- lo, segundo os interesses e anseios da classe trabalhadora (do campo e da cidade), pelo trabalho. O trabalho, tendo como exigência ser socialmente útil, não pode limitar-se ao interior da escola. Ele ocorre na prática social, no meio social, sendo a escola a continuidade desse meio e não o "lugar de preparação" para esse meio. A escola está conectada ao seu meio, às suas contradições e lutas, as quais necessitam da contribuição da ciência e da técnica – não, porém, como uma simples formadora de "quadros técnicos". Para a pedagogia do meio as contradições e as lutas nele (no meio) inseridas, não são as mesmas em todos os lugares. Em vista disso, a escola deve ter seus programas operacionalizados localmente, entretanto, a partir de diretrizes genéricas e comuns. Ou seja, embora a escola seja unitária em sua concepção, há uma escola para a população camponesa e uma escola para a população urbana, as quais são desenvolvidas segundo suas ligações com o meio específico que cada uma tem. Portanto, o sentido que o termo "trabalho" toma está materializado em cada meio, por sua cultura específica. Os programas escolares gerais, únicos, são implementados localmente, segundo o meio em questão, marcados pelas características do trabalho do local. Enfim, o trabalho como princípio pedagógico, na escola-comuna significa que, ali, os estudantes não estão sendo preparados para a vida (para quando crescer), mas estão vivendo, naquele momento, sua (grande) vida. ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DA ESCOLA-COMUNA A fim de viabilizar, na prática, a articulação daquelas três categorias, a organização curricular da escola-comuna lançou mão do que ficou sendo conhecido como “complexo de estudo”. Para o Comissariado Nacional da Educação (NarKomPros): Por complexo devia-se entender a complexidade concreta dos fenômenos, tomada da realidade e unificada ao redor de um determinado tema ou ideia central, uma vez que a complexidade concreta dos fenômenos remete à vida e esta ao trabalho. Podemos dizer que a construção pedagógica do “complexo de estudo” é uma tentativa (a partir do olhar do materialismo histórico-dialético) de superar o conteúdo verbalista da escola clássica, rompendo com a visão dicotômica entre teoria e prática, o que se obtém a partir da centralidade do trabalho das pessoas no complexo. Desse ponto de vista, o trabalho é a base da vida para as pessoas, seguindo-se disso que a atividade de trabalho das mesmas está no centro do estudo. Vale lembrar que, na realidade russa, o trabalho já não é assalariado, ou seja, é trabalho não alienado, sendo aqui tomado em seu sentido geral, 28 ATUALIDADE Luta pelo conhecimento e transformação da sociedade e da natureza, ou seja, a prática social. AUTO-ORGANIZAÇÃO Forma de se construírem sujeitos históricos. como forma de transformar e adequar a natureza às necessidades dos seres humanos. A proposta contida no “complexo de estudo” é que se estude a natureza e a sociedade em conexão com o trabalho. Cada ideia central articuladora de um complexo reúne essas dimensões, as quais, em conjunto, devem refletir a complexidade daquela parte da realidade escolhida para estudo – sua dialética e sua atualidade, ou seja, suas contradições e lutas – seu desenvolvimento enquanto natureza e enquanto sociedade, a partir do trabalho das pessoas. Ou melhor, o complexo é uma construção teórica da didática socialista como um espaço onde se pratica a articulação (que tanto desejamos!) entre teoria e prática, pela via do trabalho socialmente útil. Sendo trabalho socialmente útil, acontece no meio, em contato com a natureza e com a sociedade, e assim se articula com as duas outras categorias: Como podemos perceber, não há separação entre atualidade, auto- organização, trabalho e complexo de estudo, ou seja, o complexo não é apenas um “tema”, mas um espaço articulador dos três primeiros (atualidade, auto-organização e trabalho). Conforme Pistrak ( PISTRAK Moisey – <b>Fundamentos da escola do trabalho</b>, São Paulo, Expressão Popular, 2000.) , O trabalho (socialmente útil) será um solo básico, no qual organicamente crescerá todo trabalho formativo-educativo da escola, como um todo único inseparável. Então a própria questão sobre o que é o determinante no sistema de ensino – (o trabalho? ou o curso de disciplinas?) – torna-se sem sentido, deixa de ter conteúdo. Na apropriação, por parte do estudante, das ferramentas intelectuais para dominar e lidar com a atualidade, a pedagogia do meio pretende estabelecer o desenvolvimento da auto-direção e o acesso às bases da ciência. O complexo de estudo parte da aspiração de ligar a ciência com a vida, de estudar os fenômenos vitais em toda sua complexidade, tal qual ela existe na realidade. Quando o objetivo da escola torna-se, não o estudo da disciplina, mas sim o estudo da realidade viva, é natural que as fronteiras entre as disciplinas tornem-se mais móveis e que a ligação entre elas seja mais forte, exigindo trabalho coletivo dos professores. Não se trata de contrapor o estudo das disciplinas escolares, separadas entre si, ao estudo da realidade viva; a questão é como definir o conteúdo disciplina, ou a estrutura da matéria. Deve-se estudar a vida, a realidade, não fora das disciplinas: estas constituem as bases da ciência e devem ser instrumentos para o estudo ativo da vida em sua transformação. 29 Enfim, a essência do complexo está na interligação dos fenômenos e na elevação até a consciência dos alunos de que os fenômenos examinados não existem independentemente uns dos outros, mas entrelaçam-se uns com os outros, interagem uns com os outros, transformam-se uns nos outros. FONTES
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