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DEMONOLOGIA: OS ESPÍRITOS IMUNDOS NOS SINÓTICOS E A TRADIÇÃO ENOQUIANA Esboço Franklin de Oliveira 11/12/2019 INTRODUÇÃO Nos evangelhos chamados sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) temos relatos e descrições de entidades sobrenaturais, tendo por designação espíritos imundos. Entretanto, diante disto, surge as seguintes inquirições, de onde veio isto? E qual é a sua fonte primária? É um conceito próprio dos escritores? Ou é referências a crenças anteriores? É importante salientarmos que as crenças em seres maléficos não surge já nas páginas do novo testamento, mas, bem antes de desse período. Essas superstições já estavam presente no imaginário do judaísmo do segundo tempo e no intertestamentário. “Para entendermos esse mundo demonizado dos evangelhos, ou do Novo Testamento em geral, é preciso observar as relações intertextual e interdiscursiva com o(s) Judaísmo(s) do segundo templo, os quais, ao mesmo tempo, constroem seu imaginário religioso em diálogo constante com as culturas circunvizinhas.”(TERRA, 2010). TRADIÇÃO ENOQUIANA Para que possamos ter uma leitura compreensiva dos relatos dos espíritos imundos nos sinóticos é necessário entendermos sua menção nas obras extrabíblicas, e em particular, no livro pseudo-epígrafe de Enoque. Está obra foi de suma importância para gerações posteriores, pois a mesma, alcançou forte influência no pensamento judaico antigo, sobre demônios, mundo espiritual, o problema do mal, messias, juízo final e sucessivamente. “A divisão do livro de 1 Enoque é a seguinte: Livro dos Vigilantes (6-36), Parábolas de Enoque (37-71), Livro Astronômico (72-82), Livro dos Sonhos [com apocalipse dos Animais] (83-90) e Epístola de Enoque (91-105). Dentro da Epístola de Enoque encontramos o Apocalipse das Semanas (93, 1-10; 91, 11-17). Em Qumran foram achadas em aramaico partes de todos os livros de 1 Enoque5 - com exceção ao livro das Parábolas. (TERRA, 2010). “I Enoque contém episódios que narram visões, comunicação com seres angelicais, viagens ao além, fala da identidade de anjos, narra a crise dos mesmos despertada por sua lascívia, sua reunião com a finalidade de abrirem mão do seu estado origi- nal para se relacionarem com as mulheres, conhecimentos espirituais que são transmitidos pelos anjos às suas mulheres, o nascimento de uma nova raça fruto da relação anjos-humanos, raça esta de gigantes denominada Nephilins, bem como da ira de Deus que culmina com a punição da raça humana através de um dilúvio e de outras formas de juízo para criaturas celestes. O livro trás a nossa memória a mitologia grega que fala sobre deuses que se relacionavam com mortais gerando semi-deuses, só que no livro de Enoque, os «semi-deuses» são aberrações que afrontam o Criador provocando sua ira.”(Guimarães, 2013). AS ORIGENS DOS ESPÍRITOS IMUNDOS Terra nos informa que, “Os Vigilantes ao terem relações sexuais com as mulheres geraram gigantes. Esses seres híbridos comeram toda a alimentação da terra, e depois os próprios seres humanos (7,1-6). Com o derramamento de sangue a humanidade clamou a Deus (8,4). Ao ver o caos instaurado sobre a terra, os anjos Miguel, Sariel, Rafael e Gabriel, que estavam no céu, intercederam ao Altíssimo a favor da humanidade (I Enoque 9). Em resposta à solicitação dos anjos, Deus envia o anjo Sariel para alertar Noé do iminente julgamento que viria sobre o mundo.[...] Os gigantes são condenados à destruição (14,5). Contudo, com a morte desses, filhos das mulheres com os anjos, seus espíritos são liberados e transformam-se em espíritos malignos gerando uma vasta proliferação de demônios. (Terra, 2011). Conforme o livro de Enoque a origens dos espíritos imundos está na destruição de Deus dos gigantes, a partir da morte deles, seus espíritos transformam-se em espíritos maus. O nascimento dos gigantes provém do relacionamento de seres celestiais com humanos. Segundo o pseudo-epígrafo de Enoque: “Os gigantes que têm nascido de espírito e de carne, serão chamados sobre a terra de maus espíritos, e sua morada será na Tera. Maus espíritos procederão de sua carne, porque eles foram criados de cima; dos santos Sentinelas foi seu princípio e a sua primeira fundação. Maus espíritos eles serão sobre a terra, e de espíritos da maldade eles serão chamados. A habitação dos espíritos do céu será no céu, mas sobre a terra estará a habitação dos espíritos terrestres, os quais são nascidos na terra. Os espíritos dos gigantes serão semelhantes às nuvens, os quais oprimem, corrompem, caem, contendem e confundem sobre a terra. Eles causarão lamentação. Nenhuma comida eles comerão; e terão sede; eles se esconderão e não se levantarão contra os filhos dos homens, e contra as mulheres. Pois eles virão durante os dias da matança e da destruição. E quanto à morte dos gigantes, onde quer que seus espíritos se apartem de seus corpos; e sua carne será destruída antes do julgamento. (I Enoque 15:9-16:1)(Guimarães, 2011). Em razão da bíblia hebraica não ser notória no assunto da origem do mal e das personalidades maléficas, escritos posteriores foram desenvolvidos para tentar preencher essas lacunas, e conceder respostas sobre a gênese do mal no mundo, e a obra de Enoque é uma delas. OS ESPÍRITOS IMUNDOS NOS SINÓTICOS Nos evangelhos chamados sinóticos tempo com muita freqüências aparições de espíritos denominados imundos, como causadores de diversos males no ser humano, como, cegueira, surdez, enfermidades, e assim por diante. Esses espíritos imundos são diferentes dos demônios? Ou são as mesmas entidades? Terra, na sua obra dissertativa, elabora uma profunda investigação para responder a essas perguntas, simplificarmos suas conclusões: “O que Marcos chama de espíritos imundos, Mateus e Lucas chamam de demônios. [..] Os demônios, o próprio Satã e os espíritos surdos e mudos, são considerados como espíritos imundos, não havendo um ser autônomo com essa nomenclatura. Por isso, a idéia que aparece nos sinóticos não é de duas entidades diferentes.” (Terra, 2011). Teriam os escritores bíblicos do evangelhos herdando a esta tradição de Enoque? Sim, não seria nenhum absurdo, pois Judas faz citação direta a esse escrito(cf. Jd 14,15), e indiretamente (cf. Jd 6). Não existe problema nenhum nisto. Mostraremos paralelamente a relação dos espíritos imundos em Enoque e nos evangelhos sinóticos: Tabela Tradição Judaica (Enoque-Qumran) Sinóticos espíritos sem corpos espíritos sem corpos podem possuir corpos entram em corpos humanos ou não- humanos livres para vagar livres para vagar fortes e violentos os possuídos ficam fortes; imagens violentas caráter de exército/são muitos são muitos, tratados no plural causam males causam males possuem um líder possuem um líder possuem conhecimentos possuem conhecimentos podem ser afastados são exorcizados (Terra, 2011). Sendo assim, percebemos a familiaridade dos compositores bíblicos com a tradição pseudo-epígrafe de Enoque, de anjos caídos que coabitaram com mulheres gerando seres hídricos (gigantes), os quais mortos pelo dilúvio, transformaram-se em espíritos maus. CONCLUSÃO O nosso foco não foi discorrermos exaustivamente ou meticulosamente do assunto, mas sim lançamos luz sobre a temática, a fim de trazer um entendimento correto do tópico estudado. Buscamos em poucas palavras explicar o pensamento da tradição enoquiana no judaico do segundo templo, e como sua influência foi vivida nos tempos de Jesus e nos evangelhos sinóticos, com a ação dos espíritos imundos. Respondendo as perguntas iniciais do nosso estudo: Primeiro, a fonte usada pelos nos evangelhos sobre espíritos imundos, vem de Enoque; Segundo, eles passaram o que já foram formuladono passado ( período pré-novo testamento). Bibliografia: Os espíritos imundos nos sinóticos e o Mito dos Vigilantes, Kenner R. K. Terra, 2010; Crenças angelológicas no Cristianismo primitivo : reflexões à luz do livro : I Enoque, Guimarães, Filipe de Oliveira, 2013; TERRA, Kenner Roger Cazotto. DE GUARDIÕES A DEMÔNIOS. A HISTÓRIA DO IMAGINÁRIO DO PNEUMA AKATHARTON E SUA RELAÇÃO COM O MITO DOS VIGILANTES. 2011. 155 f. Dissertação (Mestrado em 1. Ciências Sociais e Religião 2. Literatura e Religião no Mundo Bíblico 3. Práxis Religiosa e Socie) - Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2011. GUIMARÃES, Filipe de Oliveira. Enoque: nos bastidores de crenças angelologicas do cristianismo primitivo. 2011. 91 f. Dissertação (Mestrado em Ciência das Religiões) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2011.