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REPRESENTAÇÕES DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA NA VIAGEM

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REPRESENTAÇÕES DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA NA VIAGEM 
PITORESCA E HISTÓRICA AO BRASIL, DE JEAN BAPTISTE DEBRET 
 
Emilia Maria Ferreira da Silva – UEFS 
emiliamfs@terra.com.br 
 
 
Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir sobre como a Família Real Portuguesa foi 
representada na Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret. Pretendemos 
identificar, a partir de três imagens iconográficas e trechos de suas respectivas descrições textuais 
elaboradas pelo autor, o olhar do viajante sobre a presença da corte no Brasil e a aceitação desta 
pela sociedade brasileira. Acreditamos que o pintor revelar seu comprometimento com o Estado 
português colocando muitas das suas estampas a serviço da imagem que o império buscava 
divulgar e cristalizar, qual seja, a de um país civilizado. 
 
É corrente que a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret, é 
uma importante fonte e objeto de estudo para a produção historiográfica. Esse artigo tem 
como objetivo, refletir sobre representações da Família Real Portuguesa Portuguesa 
presentes na Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret1. Esta obra 
foi publicada pela primeira vez na França, entre 1841 e 1839, como resultado das 
informações coletadas de pessoas e outros autores e de observações feitas em primeira mão 
pelo autor, durante o período em que esteve no Brasil, de 1816 á 1831. A obra é constituída 
de 156 pranchas, acompanhadas de textos descritivos para que, como afirma Debret, “pena 
e pincel suprissem reciprocamente sua insuficiência mútua”. 2 
Buscamos identificar, a partir da iconografia e das descrições textuais que 
acompanham as estampas, o olhar do viajante sobre a Família Real Portuguesa, não tendo a 
preocupação central de realizar uma verificação da fidelidade do artista em relação a um 
suposto real, mas de perceber essas imagens e textos prioritariamente enquanto construções 
discursivas3. O conceito de representação que utilizamos é formulado por Roger Chartier 
como” modos como uma determinada realidade é pensada, construída, dada a ler”. 
Para falarmos da Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil é imprescindível 
considerar alguns elementos da biografia de Debret e da chegada da Missão Artística 
Francesa em terras brasileira, que contribuíram na elaboração da obra. 
Na primeira metade do século XIX configura-se na Europa o império 
napoleônico,que teve uma influência determinante sobre todos os setores e segmentos 
sociais, não ficando a produção artística de fora desse processo. Ao lado do barroco estilo 
 
1 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Tradução e notas de Sérgio Millet / 
apresentação de Lygia da Fonseca F. da Cunha. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia Limitada; São Paulo: Ed. 
Universidade de São Paulo, 1989. (Coleção Reconquista do Brasil. 3ª Série especial vols. 10, 11 e 12). 
2 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica..., 1989, tomo I, p. 24. 
3 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel 1988, p. 23. 
 2
que predominou na Europa desde o século XVII até o final do século XVIII, foi 
destacando-se progressivamente o neoclássico e consolidando-se como arte oficial francesa 
quando Napoleão Bonaparte assumiu o poder no início do século XIX, expressando-se na 
construção dos templos, arcos e nas encomendas, aos pintores, de quadros que registrassem 
os feitos políticos e guerreiros do imperador. O estilo que se impunha primava entre outras 
características, pelo predomínio da cor e do tema histórico, entendido como os feitos 
políticos e guerreiros do imperador. Sugerindo ser esse o estilo que retratava a “ ética da 
Revolução” como uma nova interpretação e significado, entendido como um classicismo 
revolucionário. A arte segundo Arnold Hauser passa a ser concebida como uma “profissão 
de fé política”,voltada para ser mais um meio de sustentação das estruturas sociais.4 
É bem conhecido que, com a expansão napoleônica, ocorreu a invasão de Portugal 
pelas tropas francesas, levando o monarca português D. João VI a refugiar-se na colônia 
brasileira. Enquanto D. João VI permaneceu no Brasil (1808-1821) várias foram as 
medidas que apontam para a tentativa de adequar a colônia aos padrões europeus5. Entre 
elas, estava o incentivo e ações políticas no sentido de selecionar e contratar profissionais 
capazes de fundar uma escola ou instituto teórico-prático de aprendizagem artística e 
técnico-profissional, a Imperial Academia de Belas Artes, que foi fundada em 1829.6 É 
nesse contexto desse esforço que chegou ao Brasil a Missão Artística Francesa composta 
pelos irmãos Taunay, um paisagista e outro estatuário; Jean B.Debret, pintor de história, 
Grandyean de Montigny, arquiteto; Simão de Pradier, abridor; Francisco Ovide, professor 
de mecânica; Joaquim Lebreton, literato e membro do Instituto da França dentre outros, no 
total cerca de quarenta pessoas considerando as famílias que acompanhavam os 
profissionais7. 
Com a derrota de Napoleão em 1815 e a volta ao poder dos Bourbons, a situação 
dos artistas neoclássicos ligados ao ex-imperador ficou extremamente ameaçada. David 
exila-se na Bélgica, um exílio de acordo com Naves inevitável uma vez que “ ... participara 
ativamente da revolução, tendo inclusive votado a execução de Luís XVI...”8; Debret, 
Grandjean de Montigny e outros, a convite de Joaquim Lebreton, aceitam compor a Missão 
Artística Francesa. Além da insegurança de permanecer na França após a queda de 
 
4 HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, tomo II, 1980-1982, p. 
796-797. 
5 SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A fundação de uma Europa possível. In: Anais do Seminário 
Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000. 
6 TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983, p. 256. 
7 SCHWARCZ, Lilia Mortiz. O Sol do Brasil: Nicolas-AntoineTaunay e as desventuras dos artistas 
franceses na corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.197. 
8 NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora Ática ,1996, p. 58. 
 3
Napoleão, a morte o único filho de Debret teria sido a outra grande razão da sua saída do 
país. 
É importante situar ainda que brevemente, os fatores que favoreceram às origens e a 
vinda da Missão. Com base no estudo de Naves, sua organização oi resultante de uma 
combinação de fatores, sendo a princípio iniciativa dos artistas franceses isolados no novo 
governo, e contando posteriormente com a aceitação das autoridades portuguesas. Embora 
o governo português no Brasil tenha demonstrado todo interesse em “acolher” os viajantes, 
até a “a paz européia de 1815”, com a derrota de Napoleão foi desenvolvida, através da 
Intendência Geral da Polícia, uma política rigorosa de intolerância em relação à literatura 
francesa e aos franceses, para impedir a penetração, em terras brasileiras, os princípios do 
século das luzes.9 Segundo Taunay, o Marquês de Marialva, embaixador extraordinário de 
Portugal junto à Corte de Luís XVIII e Estreiro-mor, ao ser comunicado por Lebreton, em 
agosto de 1815, que artistas desejavam estabelecer-se no Brasil, respondeu que “... seriam 
todos bem acolhidos; e alcançariam terras de sesmarias. Não estava, porém, autorizado a 
lhes pagar a passagem...”10 Ainda segundo esse autor, em ofício datado de 27 de dezembro 
de 1815, o Marquês de Aguiar, encarregado de negócios, respondeu a Lebreton sobre o 
projeto que “ S.A.R. o príncipe regente viu o projeto referente aos artistas e artífices com 
especial agrado”11. 
Quanto ao governo francês, Taunay aponta que o governo de Luís XVIII não se 
envolveu no caso. Entretanto, segundo esse autor, o Cônsul-Geral Maler, representante daFrança no Brasil, teria perseguido Lebreton sem tréguas, oficiando ao Duque de Richelieu 
a chegada da Missão e suas impressões sobre a recepção por parte do governo português. 
Em resposta a um dos ofícios enviados por Maler respondeu Richelieu, ministro de 
Estrangeiros da Restauração: “... durante a sua estada no Rio, deveis, Sr., considerá-los 
como franceses e conceder-lhes toda a assistência a que tem direito qualquer súdito de sua 
Majestade...”12. Debret afirma que a missão foi organizada por solicitação do governo 
português, não se referindo em nenhum momento à situação política da França13. 
 
9 Sobre a ingerência do governo de D. João VI na entrada de estrangeiros ver, entre outros estudos, NEVES, 
Lúcia Maria Bastos P. “O privado e o público nas relações culturais do Brasil com a França e Espanha no 
governo Joanino ( 1808-1821) .IN: Anais do Seminário Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na 
América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000, p. 189-200. 
10 TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983, p.14. 
11 TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística ..., 1983, p.17 
12 TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística ..., 1983, p. 21-27. 
13 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica...,1989, tomo I, p. 23. 
 4
Antes de apresentarmos três representações iconográficas e trechos textuais sobre a 
Família Real Portuguesa14, elaboradas por Debret, consideramos relevante pontuar alguns 
aspectos da sua biografia que sugerem seu comprometimento artístico político. Filho de 
um escrivão do parlamento francês e primo de David, o famoso chefe da escola 
neoclássica, Debret sempre esteve ligado ao Estado Francês, não só em decorrência de sua 
filiação, mas sobretudo devido a sua formação artística, que lhe proporcionava realizar 
trabalhos voltados a homenagear a nação e a corte francesa, considerados por Rodrigo 
Naves, de excelente qualidade para o estilo da época.15 
É lícita a afirmativa de Iara Lis Carvalho, de que Debret bem sabia que a arte 
poderia enobrecer a política. Afinal, ele tinha trabalhado e convivido com David na 
produção de quadros históricos do império napoleônico, sem contar que um de seus 
melhores amigos, Nicolas Antoine Taunay, produziu cinqüenta quadros napoleônicos e 
revolucionários16. 
Quando a Missão Artística chegou ao Brasil, ficou estabelecido por decreto real que 
os membros receberiam pensão anual pelos serviços prestados, sendo a de Debret de 
oitocentos mil réis, que correspondiam a cinco mil francos pelo câmbio da época. Ou seja, 
equivalia a aproximadamente o preço de uma pipa de aguardente (62$000réis) principal 
mercadoria para escambo; ou ainda metade do valor de uma mulher escrava com ofício em 
Salvador, no período de 1811 a 1830 (145$110 réis).17 
Como já afirmamos, enquanto esteve na França Debret passou boa parte de sua vida 
fazendo trabalhos sob encomenda para o governo napoleônico. No Brasil, Debret 
continuou a ser um pintor ligado ao governo. Sua principal meta, sua “missão” era fundar a 
Academia, considerada como importante meio de civilizar um povo considerado pelo o 
autor “... ainda na infância”.18 
A própria organização da obra aponta para uma visão evolucionista e eurocentrica 
de Debret, assim como para a divulgação e defesa do Estado, quando afirma na introdução 
do tomo III que após ter descrito no tomo I a situação dos índios brasileiros e no tomo II 
 
14 Como já afirmamos anteriormente a obra é composta de aproximadamente 156 pranchas. No tomo III, 
composto basicamente de 53 estampas de natureza política e religiosa., 25 destas são de caráter político, ou 
seja, 43% do total. 
15 NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora Ática ,1996, p.47. 
16 SOUZA, IARA Lis Carvalho. Pátria Coroada. O Brasil como corpo político autônomo – 1780-1831. São 
Paulo:Fundação Editora da UNESP,1999, p.56. 
17 FLORENTINO, Manolo . Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de 
Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997,p.125-169. ANDRANDE, Maria José de Souza. A mão de 
obra escrava em Salvador (1811-1860). São Paulo: Corrupio, Brasília, DF: CNPQ, 1988,p. 175. 
18 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo I, p.24. 
 5
“... detalhes mais raros e quase ignorados da atividade do povo civilizado do Brasil, sujeito 
ao jugo português...”19; se ocupará finalmente da 
 
... história política e religiosa sujeita ao reflexo das combinações 
diplomáticas da Europa, continuamente agitada desde 89, constitui um 
quadro interessante, rico de episódios colhidos in loco e cujo 
encadeamento contribuirá para estabelecer os traços já quase apagados 
dos primeiros passos que trouxeram à civilização esse povo recém-
regenerado20. 
 
Curioso que a reflexão de Debret a respeito da regeneração do povo constitui-se em 
um paradoxo se pensarmos na França pós Napoleão, com o retorno dos Bourbons e como 
já apontamos a complicada e perigosa situação dos artistas neoclássicos. Para ele com a 
sua chegada o rei de Portugal 
... acordou o brasileiro depois de três séculos de apatia, quando fugindo 
da Europa, veio erguer seu trono à sombra tranqüila das palmeiras, 
embora abandonasse mais tarde essa obra de regeneração, inspirada pela 
necessidade. Mas a civilização germinara, e o Brasil, compreendendo seu 
futuro, conservou o filho primogênito do inconstante protetor, 
transformando-o em imperador independente cuja autoridade soberana 
anulou definitivamente as pretensões de Portugal sobre as antigas 
colônias da América...21 
 
É possível perceber um Debret redefinindo e reelaborando o estilo e a “profissão”, 
“pintor de história” para a nova realidade. Como observa Carelli, “É indubitável que o 
choque da nova realidade transfigurou a produção de Debret...”.22 De acordo com Naves, “ 
Jean Baptiste Debret foi o primeiro pintor estrangeiro a se dar conta do que havia de 
postiço e enganoso em simplesmente aplicar um sistema formal preestabelecido – o 
neoclassicismo, por exemplo- à realidade brasileira23. 
Além da pensão paga pelo governo outro meio de sobrevivência de Debret foram as 
encomendas e aulas particulares e principalmente os trabalhos que fez sob encomenda para 
a família real portuguesa. Como o “Retrato do Rei D. João VI e do Imperador Dom Pedro 
I” (Prancha 9), em tamanho natural e em trajes majestáticos. 
 
 
19 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13 
20 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13 
21 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13. 
22 CARELLI, M. Culturas Cruzadas: intercâmbios entre França e Brasil. Tradução Nicia Adan Bonatti. 
Campinas, São Paulo: Papirus, 1994. 
23 NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil:.., 1996, p.44. 
 
 6
 
Prancha 9: “Retrato do Rei Dom João VI e do Imperador Dom Pedro I”, Viagem Pitoresca 
e Histórica, tomo III. 
 
É interessante algumas trechos da descrição da prancha, primeiro referindo à Dom 
João VI e depois à D. Pedro I onde a descrição das características físicas dos soberanos 
quase que remetem às suas prováveis competências como governantes.Não devemos nos 
esquecer que o que foi encomendado foram os quadros e não as descrições dos mesmos. O 
que efetivamente, o que é mais curioso ainda, só foi feito em solo francês. 
 
Esse soberano só usou o seu uniforme real de gala no dia da aclamação, 
ainda assim sem a coroa, em virtude do costume estabelecido desde a 
morte do Rei Dom Sebastião, na África, em 1580. Dom Sebastião,dizem, 
foi levado ao céu com a coroa à cabeça e deve trazê-la novamente a 
Lisboa. 
O rei, bom cavaleiro na mocidade, tornando-se obeso o no Brasil, 
abandonou a equitação. Era de temperamentosanguíneo e de pequena 
estatura; tinha as coxas e as pernas extremamente gordas e as mãos e os 
pés muitos pequenos. 24 
 
Quanto a D. Pedro Debret afirma que: 
 
 
24 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p.152. 
 7
O imperador usava seu grande uniforme anualmente na abertura das 
Câmaras, e, de acordo com o cerimonial adotado, pronunciava seus 
discursos com a coroa na cabeça; tanto na entrada como na saída 
comportavam certo aparato. 
Criou a Ordem do Cruzeiro no dia da sua coroação; mais tarde, a do 
Dragão, unicamente usada por sua família, e, por ocasião de seu segundo 
casamento, a da Rosa, que mal teve tempo de ser posta em vigor. 
Dom Pedro I, forte e de grande estatura, era de um temperamento bilioso 
e sanguíneo; já em fins de sua estada no Brasil começava a engordar 
excessivamente, principalmente nas coxas e nas pernas, espécie de 
deformidade comum aos descendentes da família da casa de Bragança. 
Mas, sempre espartilhado com arte, era de aparência nobre e 
extraordinariamente asseado. 
(...) 
Deu o exemplo das privações durante a sua regência e no começo de seu 
reinado, tempo difíceis em que revelou todas a s qualidades dignas de um 
soberano regenerador, conservando todavia uma paixão marcada pelo 
fausto exterior do trono.... 25 
 
Um outro quadro sob encomenda da corte que escolhemos para este trabalho é a 
‘Aclamação do Rei Dom João VI’ (Prancha 37) , representando a união das províncias do 
Brasil ao reino Portugal. 
 
Prancha 37: “Aclamação do Rei Dom João VI”, Viagem Pitoresca e Histórica, tomo III. 
 
 
 
25DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 153. 
 8
 
Na descrição de Debret e na representação iconográfica é possível perceber que o 
autor destina o espaço privado prioritariamente para a elite, nobreza e o clero (grupos 
sociais dominantes na sociedade da época) como o lugar adequado para que estes grupos 
manifestassem o apoio e reconhecimento ao novo soberano e a nova condição da então 
colônia. 
 
Escolhi o momento em que o primeiro-ministro terminou a leitura do 
voto formulado pelas províncias do Brasil, chamando ao trono do novo 
reino unido o príncipe regente de Portugal. O rei acaba de responder: 
“Aceito”, e o entusiasmo geral dos espectadores se manifesta pela 
aclamação “Viva el-rei, nosso senhor” e o gesto português de agitar o 
lenço.(...) 
Tal foi a cerimônia que consagrou a resolução real transportando para o 
Brasil a sede da realeza portuguesa...26 
 
E na tentativa de salvar do esquecimento feito tão solene, Debret representou a 
possível aceitação dos “brasileiros”, do “povo” ao novo rei e a nova condição do Brasil, no 
espaço público através da prancha “Vista do Largo do Palácio no dia da aclamação de 
Dom João VI” (Prancha 38). 
 
 
 
26 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p.231. 
 9
Prancha 38: “Vista do Largo do Palácio no dia da aclamação de Dom João VI”, Viagem 
Pitoresca e Histórica, tomo III. 
 
O momento escolhido é do da partida do rei, em que aparece ao 
balcão central do edifício para mostrar-se ao povo e receber as 
primeiras homenagens, antes de descer para a Capela Real a fim de 
assistir ao Te Deum com que termina a cerimônia da aclamação...27 
 
Ao retratar tanto representações do espaço privado quanto do espaço público da 
aclamação do novo rei, simbolicamente Debret sugere portanto, a aceitação e exaltação da 
sociedade civil, política e religiosa à casa dos Braganças. É relevante ressaltar que esses 
quadros encomendados pela família real, funcionavam como divulgadores da imagem que 
o império queira imortalizar ou 
cristalizar 28. 
 
Para finalizar gostaríamos de destacar que já é corrente a utilização dos relatos de 
viagens enquanto fonte. E como todo e qualquer fonte muito ainda se tem a investigar nas 
obras dos viajantes e em especial na Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean B. 
Debret. Diversos aspectos da sociedade brasileira do período foram contemplados pelo 
autor: festa, hábitos alimentares, religião, vestuário, atividades econômicas, entre outras. 
 
 
Referências bibliográficas: 
 
 ANDRANDE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em Salvador (1811-1860). 
São Paulo: Corrupio, Brasília, DF: CNPQ, 1988. 
 
CARELLI, M. Culturas Cruzadas: intercâmbios entre França e Brasil. Tradução Nicia 
Adan Bonatti. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994. 
 
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel 
1988. 
 
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Tradução e notas de 
Sérgio Millet. Apresentação de Lygia da Fonseca F. da Cunha. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia 
 
27 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 232 
28 A respeito da construção da imagem do império são importantes, entre outros estudos, SCHWRACZ, Lilia 
Mortiz. As barbas do imperador. D. Pedro II, um monarca no trópicos.São Paulo: Companhia das 
Letras,1999; MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio. Civilização e poder no Brasil às vésperas da 
independência (1808 a 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000; e SANTOS, Afonso Carlos Marques 
dos Santos. “A fundação de uma Europa possível” In: Anais Seminário Internacional D.João VI: Um rei na 
América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000, p.189-200. 
 10
Limitada; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1989. (Coleção Reconquista do 
Brasil. 3ª Série especial vols. 10, 11 e 12). 
 
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos entre a 
África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 
 
HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da arte. São Paulo: Editora Mestre Jou, 
tomo II, 1980-1982. 
 
MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio. Civilização e poder no Brasil às vésperas da 
independência (1808 a 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 
 
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora 
Ática ,1996. 
 
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. O privado e o público nas relações culturais do Brasil com 
a França e Espanha no governo Joanino (1808-1821). Em: Anais do Seminário 
Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro : Museu Histórico 
Nacional, 2000, p. 189-200. 
 
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A fundação de uma Europa possível. Em: Anais do 
Seminário Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro : 
Museu Histórico Nacional, 2000. 
 
 SANTOS, Afonso Carlos Marques dos Santos. A fundação de uma Europa possível. Em: 
Anais Seminário Internacional D. João VI: Um rei na América. Rio de Janeiro: Museu 
Histórico Nacional, 2000, p.189-200. 
 
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. O Sol do Brasil: Nicolas-AntoineTaunay e as desventuras dos 
artistas franceses na corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 
 
SCHWRACZ, Lilia Mortiz. As barbas do imperador. D. Pedro II, um monarca no 
trópicos.São Paulo: Companhia das Letras,1999. 
 
SOUZA, IARA Lis Carvalho. Pátria Coroada. O Brasil como corpo político autônomo – 
1780-1831. São Paulo:Fundação Editora da UNESP,1999. 
 
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Editora Universidade de 
Brasília, 1983

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