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2019 Edição 1 AfetividAde e SexuAlidAde nA educAção incluSivA Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser Prof.ª Cristiane Theiss Lopes Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser Prof.ª Cristiane Theiss Lopes Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L685a Leyser, Kevin Daniel dos Santos Afetividade e sexualidade na educação inclusiva. / Kevin Daniel dos Santos Leyser; Cristiane Theiss Lopes. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 195 p.; il. ISBN 978-85-515-0269-3 1. Educação inclusiva – Brasil. I. Lopes, Cristiane Theiss. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci CDD 370 III ApreSentAção O presente Livro Didático tem como objetivo sistematizar os elemen- tos básicos da disciplina de Sexualidade e Afetividade na Educação Inclusiva, o qual proporcionará um contato com os principais tópicos, autores, obras, normas e regulamentações da área, além dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a disciplina ofertada, mas também para os estudos autônomos posteriores. Na Unidade 1 veremos, primeiramente, que a educação afetiva envol- ve o conhecimento da emoção, incluindo: intensidade emocional, emoções, gatilhos universais e emoções positivas; consciência emocional para incluir conhecimento lexical e identificação verbal de emoções; expressão verbal e não verbal da emoção, incluindo o conhecimento das regras de exibição. En- tão, vamos explorar vários dos componentes que constituem o que chama- mos de regulação emocional e apresentar as várias influências e contextos onde se torna crítico esta habilidade para o aluno e seu desenvolvimento pessoal, social e acadêmico, incluindo a sua saúde mental e física. Finalizan- do esta primeira Unidade, oferecemos sugestões para o treinamento em três níveis de prevenção/intervenção para desenvolver a alfabetização emocional e a regulação emocional. Na Unidade 2 estudaremos sobre assuntos referentes a saberes que estruturam o campo conceitual da sexualidade e sua relação com a educa- ção, principalmente a educação inclusiva. Comentaremos brevemente sobre o processo histórico da sexualidade, para entendermos como ocorreu a sua construção no desenvolvimento da sociedade segundo cada tempo e espaço. Ampliaremos a discussão para o campo da educação discutindo alguns do- cumentos e referenciais para o trabalho dessa temática nas instituições edu- cativas. E por fim, discutiremos sobre a educação inclusiva no âmbito das relações afetivas e na expressão da sexualidade. Na Unidade 3 iremos refletir sobre a inclusão e seus desafios, apre- sentando dois documentos legais, que se refere a inclusão da pessoa com deficiência; um é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e o outro é o Estatuto da Pessoas com Deficiência, que é a Lei Brasileira de Inclusão. Além de discutir e refletir sobre o que apresentam esses documentos analisaremos também os conceitos referentes à identidade e diferença, bem como, sexualidade e afetividade. Desejamos uma boa jornada a todos, rumo à edificação da educação e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados pelo estudo da Ética e Profissão. Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser e Prof.ª Cristiane Theiss Lopes IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 - AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA....................................................1 TÓPICO 1 - AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO ......................................................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 NÍVEIS DE MODELOS DE PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO ................................................4 2.1 NÍVEL 1: PROGRAMAS UNIVERSAIS .....................................................................................5 2.2 NÍVEL 2: PROGRAMAS SELECIONADOS OU DIRECIONADOS ......................................5 2.3 NÍVEL 3: PROGRAMAS DE INTERVENÇÕES INDICADAS ................................................6 3 EDUCAÇÃO AFETIVA ......................................................................................................................6 4 CONHECIMENTO EMOCIONAL ..................................................................................................8 5 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL E DIFERENÇAS INDIVIDUAIS ...........................................10 5.1 CONHECIMENTO EMOCIONAL: INTENSIDADE ...............................................................12 5.2 CONHECIMENTO EMOCIONAL: EMOÇÕES UNIVERSAIS E GATILHOS .....................12 5.3 CONHECIMENTO EMOCIONAL: EMOÇÕES POSITIVAS ..................................................14 6 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL .......................................................................................................14 6.1 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL: CONHECIMENTO LEXICAL E IDENTIFICAÇÃO VERBAL DA EMOÇÃO ...............................................................................................................14 6.2 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL: VOCABULÁRIO EMOCIONAL ........................................16 7 IDENTIFICAÇÃO E EXPRESSÃO EMOCIONAL: PROCESSAMENTO VISUOESPACIAL ........................................................................................18 7.1 EXPRESSÃO EMOCIONAL: REGRAS DE EXIBIÇÃO ............................................................21 8 EDUCAÇÃO AFETIVA NAS ESCOLAS ........................................................................................23 8.1 EDUCAÇÃO AFETIVA NA PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO ESCOLAR .........................26 8.2 COMPONENTES DO ENTENDIMENTO EMOCIONAL E ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL ..............................................................................................27 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................31 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................33 TÓPICO 2 - A REGULAÇÃO EMOCIONAL ...................................................................................35 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................35 2 A REGULAÇÃO EMOCIONAL ......................................................................................................352.1 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: INFLUÊNCIA DOS PAIS NOS PRIMEIROS ANOS .........37 2.2 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: O PERÍODO PRÉ-ESCOLAR ................................................39 2.3 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: TEMPERAMENTO INFANTIL ..........................................42 2.4 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: ALUNOS COM IDADE ESCOLAR .....................................44 2.5 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: ADOLESCÊNCIA ...................................................................45 3 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: A INFLUÊNCIA DA CULTURA ............................................47 4 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: O REGULAMENTO NEUROBIOLÓGICO DA EMOÇÃO ..............................................................................................48 4.1 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: REGULAÇÃO DE EMOÇÕES E ATENÇÃO ...................50 4.2 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: MUDANÇA DE ATENÇÃO ...............................................51 4.3 REGULAÇÃO EMOCIONAL: MEMÓRIA DE TRABALHO .................................................52 4.4 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: REGULAÇÃO DA EMOÇÃO E HUMOR ........................53 4.5 REGULAÇÃO EMOCIONAL: UM RECURSO LIMITADO ....................................................54 5 DESREGULAÇÃO EMOCIONAL ..................................................................................................55 Sumário VIII 5.1 DESREGULAÇÃO EMOCIONAL: TRANSTORNOS INTERNALIZANTES ......................56 5.2 DESREGULAÇÃO EMOCIONAL: TRANSTORNOS EXTERNALIZANTES ......................57 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................59 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................61 TÓPICO 3 - TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL ................................................63 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................63 2 ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO/INTERVENÇÃO DE TRÊS NÍVEIS.................................63 3 ABORDAGENS E ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O ENTENDIMENTO BÁSICO DO ALUNO SOBRE EMOÇÕES ................................................65 3.1 EMOÇÕES POSITIVAS E NEGATIVAS .....................................................................................66 3.2 EMOÇÕES MÚLTIPLAS E SOCIAIS ..........................................................................................68 4 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR AS EMOÇÕES POSITIVAS ...........................................69 4.1 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O CONHECIMENTO DOS ALUNOS SOBRE FUNÇÕES, CAUSAS E EFEITOS DA EMOÇÃO ......................................70 5 ENTENDENDO AS TENDÊNCIAS DE AÇÃO EMOCIONAL ................................................72 5.1 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O ENTENDIMENTO DOS ALUNOS SOBRE A EMOÇÃO NAS EXPRESSÕES DE OUTRAS PESSOAS .......................73 5.2 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O ENTENDIMENTO DOS ALUNOS SOBRE SUAS PRÓPRIAS EXPRESSÕES EMOCIONAIS ......................................74 5.3 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE CONECTAR SITUAÇÕES/EVENTOS COM EMOÇÕES ..................................................75 5.4 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O ENTENDIMENTO DOS ALUNOS SOBRE REGRAS DE EXIBIÇÃO E MASCARAMENTO .......................................77 5.5 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O VOCABULÁRIO DE EMOÇÕES DOS ALUNOS .....................................................................................................78 5.6 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CONSCIENTIZAÇÃO E O CONTROLE DA INTENSIDADE EMOCIONAL .................................................................81 5.7 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ESTUDANTES DE MUDAR AS EMOÇÕES ..............................................................................82 5.8 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE REGULAREM NEGATIVAMENTE ....................................................................84 5.9 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE REGULAR AS EMOÇÕES ...................................................................................85 5.10 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE USAR ESTRATÉGIAS COGNITIVAS ...............................................................88 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................94 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................97 UNIDADE 2 - SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ..................................................99 TÓPICO 1 - O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DA SEXUALIDADE ......................................................................................................................................101 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................101 2 PROCESSO HISTÓRICO DO CONCEITO DE SEXUALIDADE ............................................101 2.1 A PRODUÇÃO DA SEXUALIDADE ENTRE OS GREGOS ...................................................101 2.2 O ESTOICISMO ROMANO E O CRISTIANISMO MEDIEVAL ............................................102 2.3 SEXUALIDADE NA MODERNIDADE .....................................................................................103 3 A SEXUALIDADE NA ATUALIDADE ..........................................................................................105 3.1 GÊNERO .........................................................................................................................................106 3.2 ORIENTAÇÃO SEXUAL ..............................................................................................................109 3.3 PRÁTICAS SEXUAIS.....................................................................................................................109 IX RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................111 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................112 TÓPICO 2 - SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO ..................................................................................113 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................113 2 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – PCNs ..........................................................113 3 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) ...............................................................114 4 PROPOSTAS PARA TRABALHAR A TEMÁTICA DA SEXUALIDADE ...............................116 4.1 ATIVIDADE: AS DIVERSAS FASES DA VIDA .........................................................................117 4.2 ATIVIDADE: VAMOS FALAR DE SEXUALIDADE? ...............................................................118 4.3 ATIVIDADE: MULHER E HOMEM: QUE DIFERENÇA HÁ? ...............................................119 4.4 ATIVIDADE: SEXUALIDADE E GÊNERO NOS LIVROS DIDÁTICOS ...............................119 4.5. ATIVIDADE: “CHEGANDO JUNTO” ......................................................................................120 4.6. ATIVIDADE: AMOR EM FOTOS ...............................................................................................121 4.7 ATIVIDADE: SEXUALIDADE CANTADA ...............................................................................121 4.8 ATIVIDADE: AIDS, O QUE EU TENHO A VER COM ISSO? ................................................122 4.9 ATIVIDADE: MATERNIDADE E PATERNIDADE ..................................................................123 4.10 ATIVIDADE: SE A HISTÓRIA FOSSE DIFERENTE? .............................................................123RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................125 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................126 TÓPICO 3 - SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ......................................................127 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................127 2 SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO INCLUSIVA ..............................................................................127 2.1 A SEXUALIDADE E A DEFICIÊNCIA: ALGUNS ESTUDOS DE CASO ..............................130 2.1.1 Caso 1: “é assim mesmo”? ...................................................................................................130 2.1.2 Caso 2: família e escola ........................................................................................................132 2.1.3 Caso 3: deficiência física .....................................................................................................134 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................136 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................139 UNIDADE 3 - SEXUALIDADE E AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA .................141 TÓPICO 1 - IDENTIDADE E DIFERENÇA: “O EU E OS OUTROS” .........................................143 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................143 2 CONCEITO DE IDENTIDADE .......................................................................................................143 3 CONCEITO DE DIFERENÇA ..........................................................................................................144 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................148 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................149 TÓPICO 2 - LEGISLAÇÃO E O RECONHECIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ......................................................................................................151 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................151 2 CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E PROTOCOLO FACULTATIVO ........................................................................152 3 ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA...........................................................................153 3.1 DEFICIÊNCIA FÍSICA ..................................................................................................................154 3.2 DEFICIÊNCIA AUDITIVA ..........................................................................................................155 3.3 DEFICIÊNCIA VISUAL ...............................................................................................................156 3.4 DEFICIÊNCIA MENTAL/INTELECTUAL ...............................................................................157 3.5 DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA ..........................................................................................................158 X RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................166 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................167 TÓPICO 3 - AFETO E SEXUALIDADE NOS DOCUMENTOS ...................................................169 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................169 2 O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS SOBRE AFETO E SEXUALIDADE ..............................169 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................172 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................176 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................177 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................179 1 UNIDADE 1 AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • Introduzir os conceitos centrais do afeto e emoção na educação geral e inclusiva. • Descrever a regulação e a desregulação emocional. • Apresentar estratégias de treinamento e intervenção em regulação emo- cional no contexto educacional. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO TÓPICO 2 – A REGULAÇÃO EMOCIONAL TÓPICO 3 – TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 1 INTRODUÇÃO A educação afetiva envolve o conhecimento da emoção, incluindo: intensidade emocional, emoções e gatilhos universais, e emoções positivas; consciência emocional para incluir conhecimento lexical e identificação verbal de emoções; expressão verbal e não verbal da emoção, incluindo o conhecimento das regras de exibição; e regulação emocional que merece discussão separada. Pesquisas que sustentam a necessidade de abordar esses aspectos da educação afetiva nas escolas são descritas neste tópico, assim como serão apresentadas áreas em que houve pesquisa significativa. Além disso, a determinação dos componentes apropriados da educação afetiva, para o que iremos chamar de Níveis 1, 2 e 3, será abordada, juntamente com vários métodos para identificar as necessidades dos alunos para trabalho adicional na área da educação afetiva. Muitas vezes, são os movimentos populares que fornecem o ímpeto para a mudança na educação, ao invés de uma mudança impulsionada pelos avanços da ciência. Um jornalista científico, e não um cientista, popularizou o conceito de inteligência emocional. Daniel Goldman publicou seu livro Inteligência Emocional em 1995, livro que fascinou o público e os educadores, iniciando um movimento popular e até mesmo influenciando políticas públicas em algum grau. No entanto, foi John D. Mayer e Peter Salovey que iniciaram o campo científico da inteligência emocional. A definição original de inteligência emocional de Salovey e Mayer (abreviada como IE) era “a capacidade de monitorar os sentimentos e emoções de si e de outrem, discriminar entre eles e usar essa informação para orientar o pensamento e as ações” (SALOVEY; MAYER, 1990, p. 189). Mayer, Salovey e Caruso (2002, 2008) apontam que o campo da literatura da IE neste ponto foi muito além da pesquisa científica disponível para apoiá-lo. Eles acham que a IE, como é usada hoje, abrange muitos conceitos. As alegações feitas pelo movimento popular da inteligência emocional não se aproximam do suporte de pesquisa necessário para validar o conceito, embora, cada vez mais, alguns aspectos da IE, como o conhecimento emocional, sejam úteis para muitos indivíduos. A publicação Promovendo Aprendizagem Social e Emocional: Diretrizes para Educadores surgiu em 1997 (ELIAS et al., 1997). Os autores aplicaram as ideias da IE à educaçãonesta publicação. O movimento Aprendizagem Social Emocional (Social Emotional Learning – SEL) seguiu e se consolidou nos EUA, Reino Unido, Israel, Cingapura, América Latina, Canadá, Austrália e outros UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 4 lugares. O movimento da Aprendizagem Socioemocional (ASE) gerou centenas de programas com várias bases de evidências e políticas escolares. No entanto, a implementação de conceitos e programas da ASE não tem sido uma prioridade nas escolas. Antes de examinar a ASE e outros programas, é importante considerar várias questões básicas. A ASE inclui educação emocional, ou alfabetização emocional. A alfabetização emocional é um conceito amplo. Por ser uma adição relativamente tardia ao currículo geral de muitas escolas, ainda não está claro, ou acordado, sobre o que, exatamente, constituiria a educação emocional baseada em evidências para crianças em idade escolar. Vale a pena examinar os muitos aspectos da alfabetização emocional, e determinar quais aspectos têm evidências suficientes para considerá-los na programação escolar. Além disso, a relação entre a educação emocional ou afetiva para a saúde mental preventiva (Nível 1), intervenções para crianças identificadas como “em risco” para problemas de saúde mental (Nível 2) e intervenções para crianças que já são identificadas como exibindo transtorno emocional (Nível 3), precisa ser explorada. Isso pode ajudar a esclarecer se a educação afetiva deve ou não ser um componente legítimo do currículo escolar geral. A seguir vamos descrever brevemente estes três níveis de prevenção e intervenção. 2 NÍVEIS DE MODELOS DE PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO Programas de treinamento de habilidades sociais são uma intervenção baseada na escola extremamente popular. No entanto, Elias e Weissberg (2000) apontam que os programas de habilidades sociais de curto prazo, por si só, não resultam em aprendizagem sustentada. Habilidades emocionais e sociais precisam ser praticadas e reforçadas continuamente. Só assim as habilidades serão generalizadas. Habilidades e estratégias precisam ser integradas no currículo regular, na vida da escola como um todo, nas famílias dos alunos e na comunidade em geral. Isso requer uma programação muito abrangente, envolvendo tanto a prevenção quanto a intervenção. Os três níveis bem conhecidos de modelo de intervenção se encaixam nessa conceituação. Em um relatório de 1994, Reduzindo Riscos para Transtornos Mentais, o Instituto de Medicina (IOM) propôs um conjunto de definições relacionadas à saúde comportamental e correlacionou com níveis de risco à saúde (MRAZEK; HAGGERTY, 1994). Essas definições são baseadas em um espectro continuum de cuidado, que engloba três níveis de prevenção/intervenção: universal (Nível 1), seletiva (Nível 2) e indicada (Nível 3) (GORDON, 1983). Em modelos escalonados, a diferenciação no tratamento é fundamentada em componentes baseados em evidências, que aumentam progressivamente em intensidade. Isso aumenta a probabilidade de resultados positivos para todos os alunos. O tempo em que um aluno é exposto ao tratamento pode aumentar à medida que ele avança pelos níveis. As intervenções de Nível 2 não substituem TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 5 intervenções de Nível 1, mas são suplementares. Alguns alunos precisam não apenas de mais tempo, mas também de mais intensidade. A oferta do serviço muda de grande grupo para pequeno grupo e para alguns alunos, também, para intervenções individualizadas. O treinamento se torna mais explícito à medida que os alunos com mais necessidade avançam pelos níveis. 2.1 NÍVEL 1: PROGRAMAS UNIVERSAIS Programas universais são fornecidos a todos os alunos em salas de aula individuais. Eles são apresentados a todos os alunos da turma, simplesmente porque a criança está na classe. Os programas oferecidos a todos os alunos são proativos, preventivos e reduzem o risco de estigma para os alunos que são atendidos (DOMITROVICH et al., 2010). Grande parte da pesquisa disponível centra-se em programas universais; e, em particular, programas para alunos do Ensino Fundamental que possuem transtornos externalizantes. Há, significativamente, menos pesquisas sobre intervenções com alunos do Ensino Fundamental e Médio e para estudantes com sintomas ou distúrbios internalizantes. Tem havido, por exemplo, surpreendentemente, pouca integração de programação abordando as necessidades de saúde mental nos níveis escolares ou entre prevenção e tratamento, embora os pesquisadores estejam caminhando nesta direção. Esta é uma necessidade significativa, uma vez que intervenções, ou programas únicos, podem não abordar adequadamente a complexidade dos problemas que levam a situações de saúde mental. Modelos integrados usam uma linguagem semelhante, e uma estrutura básica que envolve os mesmos processos em diferentes contextos e níveis. Nos modelos integrativos, os alunos que não respondem às intervenções de Nível 1 obtêm um segundo impacto no Nível 2 e novamente no Nível 3, se não progredirem. Assim, os alunos com as necessidades mais significativas estão bem servidos, junto com todos os outros alunos. Pode haver um efeito adicional para os alunos atendidos em todos os três ou pelo menos dois níveis. 2.2 NÍVEL 2: PROGRAMAS SELECIONADOS OU DIRECIONADOS Programas selecionados ou direcionados (Nível 2) são ofertados aos alunos, que são cuidadosamente selecionados, porque apresentam alguns fatores de risco. Os alunos podem ser identificados por exames universais ou por professores que identificam dificuldades sociais, emocionais ou comportamentais em seus alunos. Os subgrupos de alunos, identificados para intervenções selecionadas, correm maior risco de desenvolver distúrbios do que seus pares (DOMITROVICH et al., 2010). UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 6 Intervenções direcionadas estratégicas são projetadas para intervir com crianças em risco, em torno de um problema específico. Essas intervenções usam comumente um formato de grupo. É muito útil identificar os alunos para serviços adicionais, para compilar o máximo possível de informações sobre o conhecimento da criança e o uso de estratégias de regulação de emoções, por exemplo. Sabemos que o uso de estratégias de regulação de emoções varia de acordo com a idade, o gênero e a cultura (HAGA; KRAFT; CORBY, 2009). Também é importante estar ciente das diferenças associadas à idade — e das diferenças de gênero no que se refere ao mundo afetivo e emocional de cada indivíduo. Esses dados serão extremamente úteis para atender às necessidades de intervenções na definição de prioridades e estabelecimento de metas, e na concepção, monitoramento e determinação de medidas de resultados (KOVACS et al., 2006). 2.3 NÍVEL 3: PROGRAMAS DE INTERVENÇÕES INDICADAS Programas de intervenções indicadas visam estudantes que são identificados como portadores de sintomas relacionados a transtornos mentais (DOMITROVICH et al., 2010). Nas escolas, esses alunos podem ter Planos Educacionais Individualizados e podem ou não ser diagnosticados com um distúrbio. Profissionais da educação que atendem a populações maiores de alunos e que identificaram grupos específicos de alunos com status semelhante, para que possam reunir grupos um tanto homogêneos, devem explorar muitos dos programas gerenciados e apoiados em evidências, a fim de determinar se um ou mais desses programas pode ser adequado para sua população. Programas com manuais baseados em evidências estão disponíveis para lidar com ansiedade, depressão, raiva e estresse pós-traumático, por exemplo (BRASIL, 2009c). 3 EDUCAÇÃO AFETIVA Voltemos nossa atenção, agora, à Educação Afetiva. A suposição da educação afetiva é que a alfabetização emocional é composta de habilidades que podem ser aprendidas ou habilidades que podem ser desenvolvidas ou aprimoradas. Saarni (2002) considerou competência emocional um conjunto de habilidades emocionais que poderiam ser aprendidas.Essas habilidades, consideradas amplamente para discussão, incluíam: • Consciência emocional. • Compreender as emoções de outras pessoas com base no contexto e nas su- gestões. • Competência no uso do vocabulário emocional de sua cultura. • Empatia. • Compreender os efeitos ou consequências do comportamento emocional. • Uso de estratégias de regulação emocional. • Expressar e compartilhar exibições apropriadas de emoções em relaciona- mentos interpessoais. TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 7 • Aceitação da experiência emocional pessoal (autoeficácia emocional). Ciarrochi (2006) descreveu processos e comportamentos relevantes à IE para incluir habilidades relacionadas à regulação emocional, comportamento expressivo e consciência socioemocional. Além disso, ele incluiu consciência e compreensão do humor, questões de contexto, percepção emocional, empatia, tomada de decisão e habilidades relacionadas a descrer de pensamentos e emoções inúteis. A capacidade de identificar emoções, expressar emoções, usar emoções, entender emoções e gerenciá-las de maneira eficaz está incluída, também, entre muitos conceitos de IE (CIARROCHI, 2006). O modelo de competências/habilidades da IE, conforme descrito por Matthews, Zeidner e Roberts (2002), pode ser reduzido a: percepção e expressão de emoção; uso de emoção para ajudar a pensar; compreensão emocional; e controle emocional. Por exemplo, o programa RULER de Brackett lista cinco componentes do letramento emocional: reconhecimento, compreensão, rotulação, expressão e reconhecimento de emoção (BRACKETT et al., 2009). Bazon (2002) acrescenta conhecimentos sobre expressões faciais, linguagem corporal, contexto e identificação de sentimentos como componentes psicossociais que devem ser incluídos nas intervenções de Nível 3. Há uma falta de consenso na literatura sobre os componentes da educação afetiva, inteligência emocional e a gama de habilidades que são encontradas nos vários programas hoje oferecidos mundialmente. Portanto, uma organização é necessária para determinar quais aspectos, conceitos e habilidades têm uma base de evidências suficiente para consideração na programação baseada na escola. Um termo genérico usado com frequência na literatura de pesquisa é a compreensão ou entendimento emocional (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). A relevância e importância da compreensão emocional foram abordadas na literatura de pesquisa. O entendimento atrasado ou limitado da emoção pode colocar crianças e adolescentes em risco. Cook, Greenberg e Kuche (1994) descobriram que as crianças com problemas de comportamento nas séries iniciais demonstravam déficits mensuráveis no entendimento da emoção. Em um estudo, as crianças foram convidadas a compartilhar exemplos pessoais de dez emoções diferentes. Elas também foram solicitadas a descrever os sinais utilizados para o reconhecimento de cinco emoções em si e nos outros. A tarefa foi um desafio para esse grupo de crianças. Sua dificuldade não estava associada à capacidade cognitiva, mas sim ao déficit na compreensão emocional. Diferenças na compreensão emocional podem ser complicadas por déficits ou transtornos, como foi encontrado em crianças cujas mães estavam deprimidas, em crianças pequenas com autismo, em crianças com transtornos disruptivos, em crianças e adolescentes identificados com transtornos de ansiedade e em jovens sob estresse moderado a grave por várias razões (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Para fins de discussão, a compreensão ou entendimento emocional pode ser subcategorizada em conhecimento emocional, consciência emocional, expressão emocional e regulação emocional. Certamente, todos estes estão UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 8 relacionados e inter-relacionados. Por exemplo, Eisenberg, Sadovsky e Spinrad (2005) apontam que as habilidades de linguagem e a regulação emocional afetam umas às outras. O entendimento adequado da emoção pode levar ou melhorar a regulação emocional. Na verdade, existem várias habilidades e/ou competências que podem ser desenvolvidas em cada categoria. O conhecimento emocional envolve a compreensão das funções das emoções na vida cotidiana, o papel da informação nas emoções e a normalidade das emoções. Conectar emoções com tendências de comportamento ou ações, gatilhos para emoções específicas e sinais fisiológicos ou corporais, bem como dominar o ajuste contextual para os gatilhos emocionais, também pode ser incluído nessa subcategoria. Considerações para a consciência emocional podem incluir a percepção emocional, a expressão emocional verbal e não verbal e a regulação emocional. A percepção emocional envolve percepção e identificação de emoções em si mesmo e nos outros. A expressão de emoções inclui expressões verbais e não verbais, bem como a decisão de moderar, ou não, essas expressões para se adequar a uma situação específica, e de estar ciente de ajustar as expressões para seguir as regras de exibição da cultura na qual se está inserido. Expressão e comunicação não verbais incluem expressões faciais e linguagem corporal que são associadas com emoções específicas. Já a expressão e a comunicação verbais levam a uma discussão sobre os efeitos da linguagem no conhecimento, na expressão, na compreensão e no desenvolvimento de um vocabulário suficiente para comunicar efetivamente essas emoções. Finalmente, a regulação emocional é um aspecto tão crítico da educação afetiva que merece longas discussões. O desenvolvimento da regulação emocional, sua importância, as questões de desregulação das emoções e a multiplicidade de abordagens para ensinar crianças e adolescentes a tolerar ou manejar emoções negativas, e até aumentar emoções positivas, precisam ser entendidos pelos profissionais que desenvolvem interações, de modo que sejam cuidadosamente ensinados a crianças com déficits. A regulação emocional precisa ser abordada especificamente, e em detalhes, por causa da quantidade impressionante de pesquisas disponíveis, e do fato de que a regulação emocional pode ser uma habilidade de nível superior ao conhecimento, consciência ou expressão emocional, que, por sua vez, podem ser precursores da regulação emocional (MAYER; SALOVEY; CARUSO, 2008). O suporte de pesquisa para cada categoria de conceitos emocionais pode ser examinado, como o faremos, brevemente, a seguir. 4 CONHECIMENTO EMOCIONAL O conhecimento emocional é importante e está relacionado a um melhor funcionamento social. Temos evidências consideráveis para indicar que crianças e adolescentes com mais conhecimento emocional funcionam melhor que seus pares neste aspecto. O conhecimento das crianças pequenas sobre emoções afeta a qualidade de suas interações sociais, e está ligado à sua competência social. TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 9 Crianças com alto nível de conhecimento emocional tendem a ter mais habilidades verbais do que seus colegas e demonstram um melhor ajuste. Importante ressaltar que existe uma conexão entre conhecimento emocional e desempenho acadêmico (MACHADO et al., 2008; EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). Quando os alunos não são competentes em conhecimento emocional, eles podem experimentar sentimentos e comportamentos em reação a sugestões sociais que não se encaixam adequadamente no contexto (ACKERMAN; IZARD, 2004). Uma vez que o conhecimento emocional é aceito como importante para crianças em idade pré-escolar e em idade escolar, a pergunta que podemos fazer é: o que o aluno precisa saber sobre as emoções? Uma compreensão concreta e simplificada da biologia cerebral é muito útil para os estudantes que estão sendo atendidos, pelo menos nos Níveis 2 e 3. Até as crianças pequenas conseguem entender como a emoção funciona no cérebro, em um nível muito concreto, usando uma linguagem simplificada. Esse tipo de explicação pode dar aos alunos uma imagem visual para entender o que estão vivenciando, uma razão para explicar o que está acontecendo a si mesmose ideias sobre como interferir nos processos biológicos, de modo que eles possam sentir o controle de suas emoções. Portanto, é importante que os profissionais de saúde mental e da educação, em contexto escolar, compreendam a biologia da emoção e como o cérebro funciona. Houve uma explosão de estudos no campo da neurociência afetiva nos últimos anos. Pesquisadores têm utilizado novas ferramentas, como a fMRI (ressonância magnética funcional), que lhes permitiu explorar a atividade cerebral, enquanto os sujeitos de pesquisa estão cientes, e podem cooperar com eles, completando várias tarefas. Os pesquisadores podem apresentar todos os tipos de estímulos aos sujeitos da pesquisa e observar como esse input é processado no cérebro vivo. Embora muito tenha sido aprendido, há, sem dúvida, muito mais a aprender à medida que as tecnologias melhoram. Os circuitos cerebrais emocionais interessam particularmente aos pesquisadores. A estrutura cerebral que tem sido o foco de muitas pesquisas é a amígdala, uma estrutura que parece uma amêndoa. A amígdala demonstrou ser indispensável para interpretar sinais emocionais e sociais, que são importantes para o indivíduo (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). A amígdala é particularmente sensível às expressões faciais dos outros. Curiosamente, as crianças com autismo que também têm pouca cognição social têm amígdala maior. Isso, possivelmente, pode torná-las mais sensíveis e reativas às expressões faciais, especialmente ao redor dos olhos. Consequentemente, crianças com transtornos do espectro do autismo tendem a evitar o olhar fixo. Existem diferenças individuais consideráveis em como os indivíduos reagem ao input emocional. LeDoux (2001) descreveu duas rotas por onde as informações entram no cérebro. A rota mais lenta transporta as informações na forma de impulsos nervosos do ouvido ao tálamo, outra estrutura cerebral. O tálamo é como uma estação de rotas. Por sua vez, envia as informações para outro centro de processamento, onde são analisadas para determinar se é necessária UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 10 uma reação. Os sinais, cuidadosamente, considerados apropriados são, então, entregues à amígdala. Este é o caminho lento. A via rápida, por outro lado, envia informações diretamente para a amígdala, sem julgar as informações ou incomodar com quaisquer detalhes. Isto é importante e necessário, porque se um carro em alta velocidade está vindo em direção a uma pessoa, esse indivíduo reage sem pensar conscientemente e sai em segurança do caminho. No entanto, a rota lenta pode ser preferida em certas situações sociais. Por exemplo, quando outro aluno chega rapidamente em direção a uma criança e a assusta, diminuir o ritmo e aproveitar o tempo extra para avaliar a possível ameaça impediria comportamentos reativos inadequados, como golpear e machucar a criança, que pode não ter intenções agressivas. Ao longo de muitos séculos, tem sido fundamental para nossos cérebros nos proteger dos muitos perigos do meio ambiente, como de animais selvagens, além de inundações repentinas, queda de árvores e outras ameaças. LeDoux (2001) explica que há muito mais circuitos cerebrais da amígdala para a parte pensante de nossos cérebros do que ao contrário. O córtex pré-frontal é a parte do pensamento, raciocínio e planejamento de nossos cérebros. O desafio que temos hoje é exercer controle consciente sobre o rápido caminho de sobrevivência quando isso não é relevante, para que possamos controlar comportamentos culturalmente inadequados ou perigosos, bem como pensamentos e interpretações inúteis. O caminho lento nos permite reduzir a intensidade de nossas emoções, como raiva e medo, a níveis administráveis, para que possamos funcionar bem. Na prática, ensinar os alunos sobre o cérebro e as emoções cai sob o aspecto “psicoeducacional” das intervenções. A psicoeducação, no caso de crianças com transtornos de ansiedade, por exemplo, proporcionaria, às crianças e seus pais, uma compreensão biológica da ansiedade e dos transtornos que ela causa, que podem ser de grande ajuda para lidar com a mesma. Marina Bazon (2002) fornece detalhes sobre aspectos da psicoeducação para ensinar, que podem incluir: a natureza das emoções; o fato de que as emoções são inofensivas, naturais e necessárias; o fato de que a evitação mantém a ansiedade; bem como esforços para reduzir o medo de sentir ansiedade intensa ou outras emoções. Ela recomenda falar sobre pensamentos emocionais “quentes” ou intensos e pensamentos “frios” ou racionais, e como gerar emoções positivas. É importante considerar cada um dos vários aspectos da educação emocional, ou literacia emocional, para incluir no nosso trabalho com as crianças (STEINER; PERRY, 1997). 5 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL E DIFERENÇAS INDIVIDUAIS Uma discussão sobre o fato de que não somos todos iguais é particularmente importante na educação emocional. Nós diferimos em vários aspectos um do outro em relação às nossas emoções (EKMAN, 2011). O tempo que leva para cada pessoa perceber que está experimentando uma emoção pode variar. Isso tem a ver com a velocidade do início emocional ou “tempo do surgimento”. O TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 11 tempo do surgimento pode ser muito lento ou muito rápido. Não apenas o tempo do surgimento, mas a altura da emoção ou o nível de intensidade com que os indivíduos experimentam várias emoções, podem variar muito de aluno para aluno. Algumas crianças e adolescentes podem atingir um nível de intensidade da emoção que os coloca em alto risco de reagir de forma a se arrependerem posteriormente, ou os colocarão em apuros. O período, ou duração temporal, que os indivíduos experimentam uma emoção, também varia. Alguns alunos atingem altos níveis de emoção e permanecem lá por mais tempo que seus pares. Não só eles estão em risco de tendências de ação inadequadas, mas, também, não podem pensar bem durante a intensidade emocional de pico. Estes alunos podem sentir muita emoção quando estão em festas, em brincadeiras no recesso ou quando estão em parques de diversões. Depois de experimentar uma emoção intensa, precisamos nos recuperar fisiologicamente, pois nosso coração, e corpo, não podem manter, com segurança, níveis muito altos de estimulação. Além disso, existem diferenças individuais no tempo de recuperação, o tempo necessário para se acalmar e retornar à linha de base. Alguns alunos se recuperam rapidamente e outros acham a recuperação bastante desafiadora. Muitas das diferenças individuais que vemos nos alunos estão relacionadas à sua biologia, temperamentos ou experiências iniciais de aprendizado. Ganhar controle sobre alguns aspectos de sua biologia é muito mais fácil para algumas crianças do que para outras. Alunos e funcionários da escola precisam avaliar essas diferenças (BAZON, 2002). Um conceito crítico para os alunos entenderem é que as emoções não são nem boas nem ruins. Tendemos a pensar em emoções que nos colocam em problemas, como “ruins”. A raiva, por exemplo, pode nos causar problemas, especialmente se formos agressivos com outra pessoa, assim as crianças podem pensar na raiva como uma emoção “ruim”. Certamente, se um aluno atacar outro porque está zangado, ele pode machucar o outro aluno, ou entrar em dificuldades com o professor e colegas, ou ser punido. Mas, quando um irmão mais velho protege um irmão mais novo de um valentão ou quando um adolescente descobre que alguém está roubando de sua mochila, a raiva pode fornecer motivação e coragem para fazer algo a respeito dessas injustiças. Quando o medo deixa o aluno tão ansioso que ele não consegue ter um bom desempenho em um teste, ou falar na frente da turma, ou ter iniciativa de ir em direção a um pequeno grupo de alunos, certamente não é útil. Mas, quando o medo nos impede de correr riscos desnecessários, ou tolos, quando nos atrevemos a fazer algo perigoso, porque colegas nos desafiaram, o medo é uma emoção útil. Omedo nos ajuda a recuar quando precisamos fazê-lo para nossa própria segurança; a raiva facilita nossa capacidade de nos proteger e aos outros. A raiva nos ajuda a deixar que os outros saibam que houve uma violação. Quando nossas emoções não estão funcionando beneficamente para nós, isto é, nos causam problemas, nos impedem de ter um bom desempenho na escola, interferem no estabelecimento de amizades ou na manutenção de amizades, elas UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 12 recebem um rótulo de “inútil” ou “negativa”. Todavia, é importante ter em mente que as chamadas emoções negativas são apenas inúteis se nos impedem de viver uma vida plena. O rótulo geral “negativo”, aplicado a estados emocionais ou a emoções específicas, nem sempre indica um problema. Alguns alunos podem desfrutar de um bom choro ao assistir a filmes tristes. Alguns alunos adoram um bom argumento, mesmo que seja alto e soe emocional ou irritado (EKMAN, 2011). Também precisamos conversar com os alunos sobre emoções injustificadas (IZARD, 2002). Se sentimos ódio quando interagimos com outras pessoas que são diferentes de nós, nossas emoções podem ser mais do que simplesmente inúteis e podem machucar os outros. 5.1 CONHECIMENTO EMOCIONAL: INTENSIDADE Os alunos precisam perceber que as emoções ocorrem em graus ou intensidades. Podemos nos sentirmos “um pouco” tristes, “um pouco” preocupados, ou, até mesmo, “um pouco” zangados. No outro extremo, podemos nos sentirmos tão zangados que experimentamos um episódio fora de controle e nos tornamos agressivos ou mesmo violentos. Quando as emoções são experimentadas ao extremo, os indivíduos podem encontrar-se em uma zona de perigo, onde é extremamente difícil pensar racionalmente ou resistir a tendências de ação associadas à emoção específica vivenciada. Crianças com tempos de surgimento ou ascensão rápida, que atingem picos mais elevados de intensidade emocional, terão dificuldade em recuperar o controle (EKMAN, 2011). Nós não somos todos iguais. Precisamos ajudar os alunos que têm dificuldade com raiva ou ansiedade, a desenvolver hierarquias de situações ou eventos que desencadeiem emoções (STALLARD, 2010). As hierarquias organizam os eventos problemáticos, desde o menos perturbador até o mais perturbador. Desenvolver hierarquias leva ao próximo passo: anexar estratégias para lidar com cada passo de intensidade crescente, pois as estratégias diferem dependendo da intensidade da emoção experimentada. Alta intensidade emocional pode interferir no pensamento, e uma estratégia precisará ser automática quando a intensidade emocional for muito alta. 5.2 CONHECIMENTO EMOCIONAL: EMOÇÕES UNIVERSAIS E GATILHOS Há sete emoções (raiva, desprezo, repulsa, medo, alegria, tristeza e surpresa) que os pesquisadores sugerem serem universais, pois há evidências que sugerem que são experimentadas por todas as pessoas em todas as culturas. Ekman (2011) postula que os gatilhos para essas emoções são universais também. Várias emoções são desencadeadas por eventos específicos. A raiva é desencadeada pela interferência física quando estamos tentando alcançar uma meta. Também é desencadeada por ameaça de dano. A frustração, a raiva de TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 13 outra pessoa, a repentina perda de apoio, algo que se aproxima de nós a grande velocidade, e percebemos o perigo e somos incapazes de fazer algo a respeito, são gatilhos adicionais para a raiva. A tristeza é desencadeada por perdas como a rejeição, quando a nossa autoestima é atacada ou quando sentimos uma perda de saúde. A perda específica, em vez da perda em si mesma, pode diferir de pessoa para pessoa, situação para situação e cultura para cultura. Curiosamente, as emoções não apenas têm gatilhos universais, mas também aprendemos a reagir a gatilhos que estão “próximos” dos gatilhos universais, especialmente quando fazemos essas associações em uma idade jovem, ou durante um evento altamente emocional, de acordo com Paul Ekman (2011). Os alunos precisam identificar seus gatilhos aprendidos, pois pode ser mais fácil se desassociar dessas emoções do que aquelas associadas aos gatilhos universais. Uma emoção pode ser desencadeada pelo próprio indivíduo, por pensamentos ou por alguém com quem estamos interagindo. Uma vez desencadeada, a emoção inicia uma expressão facial específica dela própria, e reações corporais ou fisiológicas associadas (HOLODYNSKI; FRIEDLMEIER, 2006). Quando experimentamos a raiva intensamente, também experimentamos reações corporais, e nossa tendência de ação será a de avançar em direção ao que pensamos estar causando nossa raiva. A tristeza é desencadeada pela perda e é sentida em nossos corpos, não apenas com sintomas físicos, mas também uma tendência a se afastar. A tristeza é uma das emoções mais duradouras. O medo é experimentado em nossos corpos, e nossa tendência de ação é de nos afastar ou paralisar. Há mais pesquisas sobre o medo do que sobre qualquer outra emoção. Tentamos controlar as emoções desde o momento em que somos crianças. Tentamos impedir que nos sintamos perturbados, sentindo-nos muito zangados, tristes demais ou com muito medo. Em nossos esforços para prevenir ou “evitar” intensas emoções negativas e experiências emocionais, desenvolvemos comportamentos, e pensamos em formas particulares de nos proteger. No caso da ansiedade, podemos tentar evitar situações que desencadeiem o medo, ou podemos nos preocupar muito com a esperança de que isso manterá nosso medo sob controle ou, até mesmo, impedir que algo “ruim” aconteça. Infelizmente, isso poderia resultar na perda de muitas experiências positivas ou poderíamos usar muita energia nos preocupando desnecessariamente. Os alunos que entendem que podem aprender estratégias para interferir nos ciclos emocionais tendem a funcionar melhor. Estratégias com maior probabilidade de sucesso tendem a mudar nossa interpretação dos gatilhos, e nosso controle das tendências de ações associadas à emoção. Os processos de avaliação desempenham um papel fundamental na regulação da emoção (ACKERMAN; IZARD, 2004). As avaliações determinam como os alunos estressados se sentem em situações emocionalmente carregadas e como a interpretação de um estudante pode ameaçar a situação, o que pode levar a respostas inadequadas, além de influenciarem nosso humor (STALLARD, 2010). UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 14 Ao trabalhar com crianças mais velhas e adolescentes, há emoções adicionais para serem discutidas, como culpa, inveja, vergonha e constrangimento. Os alunos também precisam explorar essas emoções e aprender algo sobre elas. Isso é importante porque a culpa, a vergonha, a inveja e o constrangimento não têm expressões faciais únicas ou sinais claros. Sentir-se responsável por nosso próprio comportamento, quando é discordante com nossos padrões pessoais, desencadeia emoções mais complexas, como vergonha e culpa. 5.3 CONHECIMENTO EMOCIONAL: EMOÇÕES POSITIVAS É importante falar sobre emoções positivas e emoções negativas ao forne- cer educação afetiva. Pode haver mais de uma dúzia de emoções positivas, mas não temos rótulos para todas elas, embora tenhamos alguns rótulos, incluindo: di- versão, contentamento, excitação, alívio e êxtase. As emoções positivas podem nos motivar e ajudar a aliviar as emoções negativas. Ekman (2011) nos lembra que o sinal de emoções positivas está na voz e não nas expressões faciais. Os alunos preci- sam aprender a rotular as emoções positivas quando as experimentam, e precisam aprender a gerar emoções positivas para lidar com suas emoções negativas. 6 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL Os alunos precisam aprender a processar, efetivamente, as emoções para: identificá-las em si mesmos e nas outras pessoas; comunicar necessidades; exibir emoção ou optar por não o fazer; rotular emoção para obter ajuda para lidar com o estresse; e sinalizar aos outros que eles podem estar atingindo intensidades críticasde emoção. A expressão emocional serve como um sinal destes modos (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Pesquisadores recentemente propuseram, e realmente forneceram, algumas evidências para apoiar a ideia de que o processamento de emoções em crianças ocorre ao longo de duas vias: léxico-semântico e visuoespacial. Esses caminhos exploram diferentes habilidades cognitivas (HERBA et al., 2006). Um padrão processa informação lexical ou conhecimento verbal, e o outro processa aspectos visuoespaciais de expressões faciais. Ambas as vias têm a ver com identificação emocional e expressão. 6.1 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL: CONHECIMENTO LEXICAL E IDENTIFICAÇÃO VERBAL DA EMOÇÃO Sabemos que a capacidade verbal é importante. Está relacionada à nossa vida emocional e é importante na consciência emocional, particularmente no que diz respeito à identificação e rotulação da emoção. A capacidade verbal está relacionada ao desempenho das crianças em tarefas que medem o conhecimento da emoção (ACKERMAN; IZARD, 2004). Infelizmente, não tem havido muitas TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 15 pesquisas examinando o vocabulário que os alunos usam para se referir às emoções. No entanto, há alguns dados apontando que as crianças que usam uma grande variedade de palavras emocionais, em comparação com seus pares, também tendem a falar mais sobre as emoções de outras pessoas; elas usam o vocabulário emocional socialmente e são mais apreciadas pelos colegas (FABES et al., 2001). Nós tendemos a categorizar e rotular nosso sentimento atual das emoções usando nosso conhecimento das emoções, assim como podemos rotular cores ou eventos. Quando um sentimento atual de emoção é rotulado, nós experimentamos “ter uma emoção” (LEDOUX, 2001). À medida que as crianças crescem e usam a linguagem, elas usam palavras emocionais cada vez mais complexas (FABES et al., 2001). Crianças melhor reguladas eliciam uma linguagem mais complexa e rotulam seus estados internos com mais facilidade do que seus pares. A capacidade de falar sobre as emoções contribui para a autorregulação, especialmente quando as crianças são jovens (EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). Além disso, as crianças diferem em quão fácil, ou difícil, é identificar e rotular as emoções entre e no interior dos grupos etários. Quando somos capazes de identificar emoções com sucesso, podemos ativar esforços para diminuir a intensidade dos estados afetados (CIARROCHI, 2006). As diferenças podem estar relacionadas ao trauma precoce, é a evitação que faz com que as crianças fiquem separadas dos sentimentos e não consigam rotular os mesmos, e quando os métodos/estilos parentais não envolvem falar de emoções. Existem benefícios em poder identificar emoções e descrever como nos sentimos. As competências linguísticas estão relacionadas com a capacidade das crianças de se distraírem quando estão frustradas. A capacidade de identificar e rotular sinais emocionais mostrou facilitar as interações sociais. Crianças que são menos competentes em rotulação emocional são mais propensas a ter problemas comportamentais e de aprendizagem (IZARD, 2002). Por exemplo, no caso de alunos na adolescência, que podem identificar e descrever sentimentos, mostraram-se mais otimistas, menos deprimidos e menos ansiosos. No início e no meio da adolescência, os alunos com transtornos emocionais encontram dificuldade em desenvolver a capacidade de distinguir entre tristeza e raiva, e usar os referentes a essas emoções com facilidade. Adolescentes com problemas de oposição e conduta também têm dificuldade nessa área. Esses alunos evidenciam déficits na fluência, complexidade e especificação do vocabulário emocional. A linguagem emocional também parece ser influenciada de maneira diferente em adolescentes com deficiências externalizantes versus internalizantes. Crianças mais extrovertidas usam uma gama mais ampla de palavras emocionais, possivelmente porque são menos ansiosas, têm menos medo de punição, têm menos medo de cometer erros e podem estar mais confiantes (FRIEDBERG; MCCLURE, 2007). UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 16 6.2 CONSCIÊNCIA EMOCIONAL: VOCABULÁRIO EMOCIONAL Crianças com menos de oito anos de idade tendem a ter um vocabulário limitado de palavras emocionais. Mesmo jovens de 11 anos ainda não desenvolveram o repertório de vocabulário de adultos (FRIEDBERG; MCCLURE, 2007). Existem regras relacionadas a gênero para falar sobre emoções e suas causas (SANTROCK, 2014). Os meninos têm mais dificuldade com a regulação emocional do que as meninas, o que pode estar relacionado à linguagem emocional (EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). Os meninos preferem referências expressivas ou comportamentais para a emoção, enquanto as meninas tendem a ser mais voltadas para o interior. A linguagem emocional em adolescentes é dependente da idade. Em um estudo citado por Doost et al. (1999), alunos do Ensino Fundamental e Médio foram solicitados a gerar palavras para expressar sentimentos. Os alunos do Ensino Médio geraram mais palavras para se encaixarem em várias categorias, como adjetivos negativos, sentimentos tristes, etc. Os alunos com 14 anos de idade produziram significativamente mais vocabulário individual e as meninas produziram mais palavras do que os meninos, exceto palavras de alegria e de medo. Para crianças com desenvolvimento típico, as habilidades de vocabulário emocional preveem a realização em melhores desempenhos acadêmicos até quatro anos depois, e essas habilidades também apoiam a competência social (MACHADO et al., 2008; IZARD, 2002). Schrauf e Sanhez (2004) determinaram que os indivíduos conhecem mais palavras de emoção negativa do que emoção positiva, ou palavras de emoção neutra. As emoções positivas são processadas superficialmente, enquanto as emoções negativas são processadas lentamente. Emoções negativas exigem mais atenção e detalhes e, como resultado, exigem mais palavras. Isso foi encontrado em diferentes culturas. Curiosamente, a amígdala aumenta a sensibilidade perceptual para palavras negativas (BARRETT et al., 2007). Em um estudo recente, os pesquisadores consideraram a possibilidade de estímulos emocionais serem processados automaticamente, com pouca ou nenhuma consciência emocional. Nasrallah, Carmel e Lavie (2009) descobriram que as palavras negativas, em geral, têm preferência no acesso a recursos necessários para o processamento. A valência negativa parece ser processada automaticamente, em comparação com itens neutros. Palavras negativas têm uma vantagem de processamento. De fato, os pesquisadores sugerem que palavras negativas podem capturar a atenção mesmo quando o indivíduo não está ciente da valência das palavras. Em um esforço para explicar por que esse pode ser o caso, os pesquisadores propuseram uma variedade de explicações. Eles sugerem que palavras negativas podem ter mais propriedades informativas do que palavras positivas ou neutras; ou elas podem exigir menos informações para serem categorizadas; ou podem concentrar a atenção porque requerem processamento semântico versus fonológico; ou as palavras negativas são consolidadas na memória de trabalho mais rapidamente e possuem traços de memória mais fortes (HUANG; JANCZURA, 2013). TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 17 A questão das palavras emocionais para os alunos de uma segunda língua também deve ser considerada, tendo em conta que a Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, alterou o §5º do Art. 26 da LDB de 1996 e instituiu a obrigatoriedade do inglês no currículo do Ensino Fundamental a partir do sexto ano. Desta forma, temos que levar em consideração aqueles alunos que têm a Língua Brasileira de Sinais como primeira língua e a Língua Portuguesa, como segunda. As palavras emocionais na primeira língua do aluno nem sempre são idênticas na segunda língua. A capacidade de processar palavras emocionais em uma segunda língua é menos automática (SEGALOWITZ et al., 2008). Importante entenderque isso não é devido ao reconhecimento mais fraco de palavras no segundo idioma. Vocabulários fracos de emoções não estão ligados a outros déficits de vocabulário em aprendizes de uma segunda língua. Vano e Pennebaker (1997) determinaram que comportamentos problemáticos foram encontrados, com maior frequência, em alunos que apresentaram maiores disparidades nos vocabulários das palavras emocionais entre o segundo e o primeiro idioma. Além disso, os estudantes que ingressavam na escola, tendo a sua primeira língua diferente daquela oficial (alunos estrangeiros, alunos que têm Libras como primeira língua) e que apresentavam um vocabulário emocional mais fraco na segunda língua, evidenciavam passividade e “sonhavam acordados” em sala de aula. Pesquisadores recomendam o treinamento do vocabulário oral geral para alunos de uma segunda língua. Curiosamente, indivíduos com baixa consciência emocional e vocabulários emocionais fracos não usam termos específicos para explicar sentimentos. Em vez disso, eles usam termos cognitivos. Então, ao invés de dizer que eles se sentem mal, eles dizem “eu me sinto confuso” ou “eu me sinto cansado”. Cansado é uma sensação do corpo. Comumente, esses alunos podem usar um estado emocional indiferenciado para explicar como se sentem quando estão se sentindo mal (CIARROCHI, 2006). Esse uso da linguagem pode nos ajudar a identificar alunos que precisam trabalhar para aumentar seu vocabulário emocional. Para beneficiar-se ao máximo das intervenções socioemocionais e terapias específicas, os alunos precisam de um conhecimento de trabalho apropriado para a idade das palavras do vocabulário emocional. Isso é especialmente importante para alunos com dificuldades emocionais. Técnicas terapêuticas, como modificações cognitivo-comportamentais, pressupõem que a fala interior medeia comportamentos ou ações. Usar a autofala pode mudar a cognição e, assim, também mudar o comportamento (MAYER; LOCHMAN; VAN ACKER, 2005). O vocabulário emocional limitado de um aluno é um impedimento importante no aconselhamento e psicoterapia em grupo (PETERSEN et al., 2011). Os profissionais de saúde mental pensam que ajudar os alunos com problemas de expressar sua angústia, colocando seus sentimentos em palavras, é importante no processamento de experiências emocionais. Nas escolas, devemos claramente aumentar os esforços para um vocabulário emocional maior e mais rico. UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 18 Não havia muita evidência disponível para indicar porque um vocabulário emocional adequado poderia ser útil, até recentemente. Eisenberger, Lieberman e Williams (2003) pediram aos participantes de uma pesquisa que jogassem um jogo de computador. Como parte deste jogo, o jogador sofreu rejeição. Experimentadores usaram fMRI para determinar quais partes do cérebro mostraram atividade em resposta à rejeição. Os participantes que relataram menos sofrimento à rejeição mostraram atividade em seu córtex pré-frontal (CPF). Experimentadores hipotetizaram que pensamentos verbalizadores em seus CPFs suprimiram a atividade na amígdala. Lieberman et al. (2007) também usaram ressonância magnética funcional em adultos, e conseguiram demonstrar que a simples rotulação das imagens diminuía a experiência emocional subjetiva de olhar para elas. Os participantes da pesquisa foram convidados a olhar para fotos de rostos com expressões positivas e negativas. Os rostos expressando emoções negativas desencadearam um aumento de atividade na amígdala, mesmo quando as imagens foram apresentadas muito rapidamente. Quando o sujeito rotulava a foto como raivosa, a atividade na amígdala e nas regiões límbicas relacionadas diminuía. Em um segundo estudo, os participantes conectaram a expressão facial apresentada com um nome masculino ou feminino, ou o nome da emoção sendo expressa. Novamente, rotular a emoção regulou, negativamente, a intensidade da emoção negativa que os participantes experimentaram. Ao mesmo tempo em que a atividade na amígdala diminuía, a atividade no CPF aumentava. Rotular emoções coloca uma “quebra” na resposta emocional a estímulos negativos. É importante ressaltar que a rotulação emocional, em vez da rotulação em geral, teve o efeito de amortecer o ciclo emocional. Lieberman et al. (2007) acham que rotular, falar ou escrever por si só diminui o estresse das emoções negativas, mesmo que esses atos não mudem o pensamento. O ato de rotular quebra o ciclo da emoção. O simples fato de nomear faz toda a diferença. As palavras emocionais são claramente muito importantes e não podem ser contornadas ou negligenciadas nas intervenções para os alunos nos três níveis. 7 IDENTIFICAÇÃO E EXPRESSÃO EMOCIONAL: PROCESSAMENTO VISUOESPACIAL A consciência emocional e a expressão emocional estão intimamente relacionadas na literatura e em pesquisas. O processamento visuoespacial de emoções tem sido pesquisado em estudos envolvendo o desenvolvimento da expressão de emoções, e no reconhecimento e identificação de expressões faciais. As pistas faciais são o principal meio de comunicação das emoções, são um componente importante da interação social, pois nos permitem interpretar a maneira como os outros podem estar se sentindo (YUKI et al., 2007). O desenvolvimento do reconhecimento da emoção (expressão) se desenvolve por um longo período, desde uma idade muito jovem até o início da idade adulta. TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 19 Tanto a precisão, quanto a velocidade do processamento, melhoraram ao longo do período de desenvolvimento, mas a taxa de desenvolvimento varia de acordo com: a categoria de emoções em discussão, gênero, status socioeconômico e capacidade verbal (HERBA et al., 2006). A cultura também faz diferença, pois somos mais precisos ao julgar expressões de membros de nossa própria cultura. Quanto mais familiares os indivíduos estão com uma determinada cultura, mais precisos eles são em julgar as emoções das pessoas dessa cultura (YUKI et al., 2007). As pistas faciais são avaliadas de maneira diferente quando um indivíduo interpreta emoções de acordo com sua própria cultura. Por exemplo, é importante controlar as expressões emocionais nas culturas do leste asiático. Os membros das culturas do leste asiático reconhecem atentamente as expressões que são evidentes nos olhos da outra pessoa, e não na boca, o que é uma indicação essencial para os norte- americanos. O contexto também é importante quando tentamos identificar e compreender emoções, especialmente quando as emoções expressas são bastante semelhantes. Por exemplo, representações faciais de nojo são muito semelhantes às expressões faciais de raiva e, portanto, essas duas emoções podem ser mais desafiadoras para distinguir, enquanto expressões faciais de medo e repulsa são bem diferentes e mais fáceis de serem distinguidas. Não é apenas a expressão facial que está sendo exibida que é importante para identificar a emoção vivenciada, mas os alunos também devem estar cientes da expressão que é esperada na situação ou contexto particular, pois isso faz a diferença (AVIEZER et al., 2008). Isso desafia, seriamente, nossos esforços para ensinar os alunos a identificar expressões faciais de emoção, especialmente para aquelas crianças que evidenciam dificuldades nessa área. Pesquisadores que estudam a identificação de expressões faciais tendem a usar expressões intensas em seus estudos. Pesquisas que usam expressões intensas sugerem que a progressão do desenvolvimento do reconhecimento das expressões faciais é, primeiramente, de alegria, depois tristeza ou raiva e, finalmente, surpresa ou medo. A velocidade de processamento é outro foco de pesquisa, e há evidências que sugerem que faces de medo são processadas mais rapidamente do que faces tristes ou neutras (DENNIS; CHEN, 2007a, 2007b). Quando expressões menos intensas são investigadas, a progressão pode ser diferente. Os pesquisadores investigaram a capacidade das criançasde combinar expressões faciais que eram sutis em vez de intensas (HERBA et al., 2006). Neste caso, os efeitos da idade foram mais fortes para combinar expressões faciais de medo e desgosto. A idade também tem algum efeito em combinar expressões de tristeza e alegria, mas não afeta as expressões de raiva. Gao e Maurer (2009) descobriram que crianças de cinco anos de idade poderiam identificar expressões mais sutis de alegria, mas, mesmo aos 10 anos de idade, as crianças tendem a rotular expressões sutis de tristeza como sendo de medo. No entanto, aos 10 anos, as crianças puderam identificar o medo mesmo que as expressões fossem sutis. UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 20 A decodificação precisa de expressões sutis parece se desenvolver mais lentamente. Curiosamente, imagens de expressões de alta intensidade são difíceis de combinar para todas as emoções, exceto para expressões faciais tristes (HERBA et al., 2006). Os alunos são mais precisos quando as expressões são exibidas em intensidades mais baixas. Esse achado é importante porque os pesquisadores não usaram a linguagem. Ao usar principalmente tarefas visuoespaciais, os pesqui- sadores descobriram que a capacidade dos meninos de combinar as expressões emocionais era mais rápida que das meninas; enquanto os estudos que envol- vem a linguagem descrevem mais frequentemente meninas como mais capazes. Outros estudos descobriram que adolescentes mais velhos interpretam de forma mais negativa expressões faciais mais sutis e complexas do que estudantes mais jovens (VAN BEEK; DUBAS, 2008; ROCHA AGUIAR et al., 2016). Também deve- mos reconhecer que os ambientes em que as crianças crescem podem influenciar os estudantes em relação a emoções específicas (HERBA et al., 2006). A capacidade de reconhecer formas não verbais de expressões emocionais é muito importante para uma interação social bem-sucedida. Habilidades deficientes nessa área podem afetar o comportamento social e colocar os alunos em risco de ajustes empobrecidos (IZARD, 2002). O reconhecimento facial acurado da emoção requer aprendizado perceptivo, incluindo atenção espacial e memória, e requer conhecimento e experiência com as emoções, que podem ser aprimorados. Crianças com vários distúrbios, que desenvolvem vieses na identificação de expressões faciais, também apresentam dificuldades sociais (PAVARINI; LOUREIRO; SOUZA, 2010). Crianças que foram maltratadas têm dificuldade em reconhecer a emoção do input facial, e indivíduos que demonstram relutância em expressar emoção tendem a ter sintomas psicológicos mais intensos. Pesquisas também indicam que meninas adolescentes mostram um viés mais negativo na interpretação de expressões faciais complexas, em comparação aos meninos. As adolescentes deprimidas tendem a perceber altas intensidades de raiva em expressões mais sutis. Estudantes mais deprimidos expressam baixos níveis de emoções positivas e regulam a tristeza de forma ineficaz (CRUVINEL; BORUCHOVITCH, 2011). Algumas crianças com deficiências precisam ver expressões mais intensas para identificá-las com precisão. Meninas não sintomáticas, cujas mães estavam deprimidas, precisavam ver expressões tristes mais intensas para identificar com precisão a emoção apresentada em comparação com os controles. Meninas assim, em uma pesquisa, cometeram consideravelmente mais erros quando solicitadas a identificar expressões faciais de raiva (JOORMANN; GILBERT; GOTLIB, 2009). Há evidências associando a percepção acurada de expressões faciais com o comportamento pró-social. Demonstrou-se que a capacidade de identificar expressões faciais de medo prediz tendências e comportamentos pró-sociais e é um melhor preditor de comportamento pró-social do que o gênero, o humor ou pontuação em uma escala de empatia (MARSH; KOZAK; AMBADY, 2007). O comportamento pró-social parece estar relacionado às expressões faciais de aflição, medo e possibilidade de tristeza também. Indivíduos com pouca capacidade de TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 21 reconhecer expressões de medo mostraram tendências antissociais. Mas sabemos que o desenvolvimento do reconhecimento da expressão emocional, e as regiões do cérebro que sustentam esse desenvolvimento, melhoram continuamente ao longo dos anos escolares (HERBA et al., 2006). Deste modo, nas escolas, precisamos trabalhar com crianças com deficiências, por exemplo, para melhorar suas habilidades para interpretar com mais precisão as expressões faciais. O humor atual de um aluno também precisa ser levado em consideração, pois o humor afeta os preconceitos de atenção e exerce fortes efeitos sobre o processamento de informações. Pesquisas recentes indicam que os indivíduos de bom humor atendem aos componentes globais das informações recebidas, enquanto os indivíduos de humor negativo tendem a restringir seu campo visual e a atender aos detalhes que são altamente relevantes. Isso pode ser adaptativo em certas ocupações, que requerem intensa atenção aos detalhes (SCHMITZ; DE ROSA; ANDERSON, 2009). No entanto, as crianças distorcem sua interpretação de uma expressão facial de acordo com seu humor no momento. Indivíduos de mau humor são mais propensos a utilizar processamento analítico esforçado e analítico detalhista (MARSH; KOZAK; AMBADY, 2007). Além disso, o cérebro analisa expressões faciais em fases muito precoces do processamento da atenção e, como resultado, algumas crianças e adolescentes demonstram atenção automática às informações negativas. Isso pode predizer a dificuldade na capacidade do aluno de, mais tarde, regular a excitação emocional (DENNIS; MALONE; CHEN, 2009). 7.1 EXPRESSÃO EMOCIONAL: REGRAS DE EXIBIÇÃO Aprender a expressão apropriada da emoção, de acordo com a cultura, é complicado, dadas as diferenças biológicas e temperamentais individuais e as diferenças ambientais, como práticas e estilos parentais, influências de pares e graus de aculturação. O interesse da pesquisa sobre agressividade, juntamente com o interesse sobre a expressão emocional social, levou ao conceito de "regras de exibição". Essas regras ou diretrizes têm a ver com o controle de comportamento impulsionado por emoções e regras culturais, que condizem com o que é, e não é, aceitável em uma dada cultura (EKMAN, 2011). As regras de exibição envolvem a decisão de um aluno de expressar a emoção que ele está vivenciando ou de ocultar ou “mascarar” a demonstração de emoção. Se um aluno decide mascarar a emoção que ele ou ela está experimentando, há uma opção de não mostrar nenhuma emoção, ou demonstrar uma emoção culturalmente apropriada ou mais aceitável do que a que se está sentindo no momento. Ao interpretar o conhecimento de um aluno sobre as regras de exibição, os pesquisadores usam situações experimentais projetadas para provocar emoções como: tristeza, constrangimento ou desapontamento. As primeiras pesquisas sugeriram que as regras de exibição aumentaram nos alunos até o 5º ano escolar (UNDERWOOD; COIE; HERBSMAN, 1992). Os pesquisadores descobriram que as meninas eram mais competentes para lidar com o desapontamento. Também foram apresentadas vinhetas a estudantes de terceiro, quinto e sétimo UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 22 ano para explorar o uso de regras de exibição da raiva pelos alunos. Aos dez anos, os alunos costumavam usar regras de exibição mais do que os estudantes mais jovens. As meninas usavam regras de exibição para a raiva mais do que os meninos, embora os meninos aumentassem o uso de regras de exibição à medida que cresciam. As meninas afrodescendentes, no início da adolescência, usavam menos regras de exibição do que as meninas mais jovens e eram mais diretas e assertivas em situações sociais. Houve uma tendência de os estudantes agressivos usarem menos regras de exibição que seus pares. Os alunos usaram mais regras de exibição ao interagir com os professores do que com os colegas. Em vez de expressar raiva contra os professores,alguns alunos não demonstraram nenhuma emoção, ou disseram que ficaram tristes. Pesquisadores sugeriram que quando as crianças mascaram as emoções, elas tendem a mascarar mais de uma emoção negativa. As crianças acham mais fácil aprender a mascarar o comportamento do que expressões faciais. As crianças aprendem a usar regras de exibição logo aos dois ou três anos de idade (PARKER et al., 2001). Josephs (1994) investigou o uso e a compreensão das regras de exibição em crianças de quatro a seis anos. Aquelas com seis anos de idade foram mais capazes de identificar a diferença entre emoção real e exibida. Curiosamente, em um estudo de acompanhamento, pré-escolares foram capazes de usar regras de exibição antes que pudessem distinguir a diferença entre emoções reais e exibidas. Mais recentemente, pesquisadores investigaram o conhecimento de crianças do segundo ano escolar e o uso de regras de exibição para a raiva. Os pesquisadores descobriram que medidas mais válidas de uso de regras de exibição são obtidas quando as crianças são observadas diretamente, em vez de confiar no que as crianças relatam sobre o que fazem. Quando observadas nas situações ao vivo, as crianças expressaram menos raiva do que disseram, ao responder às vinhetas. Nas situações ao vivo, os alunos da segunda série também usavam mais técnicas cognitivas para esconder a raiva. As meninas geraram mais estratégias de como esconder sua raiva ao responder às vinhetas. No entanto, nas situações ao vivo, elas demonstraram comportamentos semelhantes aos meninos (PARKER et al., 2001). Nem todas as crianças acham as regras de exibição fáceis de dominar. Crianças com comprometimentos específicos de linguagem ficam atrás de seus colegas na compreensão do impacto da expressão emocional nos relacionamentos (BRINTON et al., 2007). Os garotos delinquentes, frequentemente, interpretam mal as expressões faciais de desgosto como raiva. Pesquisadores hipotetizam que esta pode ser uma causa possível para seu comportamento agressivo (SATO et al., 2009). No caso de indivíduos que estão deprimidos há tendência a ter um viés negativo ao julgar os rostos dos outros e, quando isso ocorre, há um resultado diminuído do tratamento. Isso pode estar relacionado à ruminação autocentrada em indivíduos deprimidos. Também sabemos que o afeto positivo e o controle dos pais estão relacionados com o uso de regras de exibição pelas crianças (MCDOWELL; PARKE, 2005). Deste modo, as intervenções destinadas a ensinar TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 23 os alunos a exibir regras são importantes. Quando as crianças conhecem regras de exibição pró-sociais, e praticam assumir papéis emocionais em sessões de grupo de aconselhamento, por exemplo, elas tendem a se comportar de maneira pró-social. Ekman (2011) descreveu cinco tipos de exibição que as crianças utilizam para se adequar a contextos sociais: simulação, inibição, intensificação, desinten- sificação e mascaramento. Os alunos podem simular ou agir como se estivessem experimentando uma emoção, quando na verdade eles não estão. Um aluno pode simular surpresa quando ele ou ela realmente já sabiam de um segredo antes do tempo. Uma adolescente pode simular um entusiasmo feliz para agradar seu namorado quando ela realmente não está interessada no resultado de um jogo de futebol. Um estudante pode dar a impressão de que ele não tem uma resposta emocional a uma situação (inibição) para se apresentar aos colegas como se ele fosse “legal”. Um estudante pode demonstrar emoção muito mais forte do que ele realmente sente para agradar a pessoa que dá um presente indesejado. A de- sintensificação pode ser uma habilidade crítica para dominar quando um aluno está sendo provocado e quer esconder a raiva crescente. Mascaramento envolve exibir uma emoção que é diferente da emoção que está sendo experimentada, tais como: quando o aluno sorri mesmo, ele ou ela, estando realmente chateado ou com raiva, ou um aluno que apresenta uma expressão estoica quando assus- tado ou quando recebe elogios excessivos e torna-se o centro das atenções. Uma expressão estoica é valorizada como humilde e culturalmente apropriada nas cul- turas ocidentais. As crianças aprendem regras de exibição culturalmente apropriadas em suas famílias e em grupos de pares. A motivação para aprender é um desejo de obter uma resposta desejada de outros, como a aceitação. As crianças mais velhas são menos propensas a mostrar emoções negativas em situações de pa- res. Elas entendem que o controle de suas manifestações emocionais é muito importante para o sucesso social. Elas sabem que demonstrações emocionais intensas não serão aceitas ou apoiadas pelo grupo de pares. Quando as crianças mais jovens usam expressões inadequadas de emoções, elas são recebidas com insatisfação verbal ou críticas. Isso as ajuda a aprender, pois as crianças que não são aceitas pelo grupo de pares podem não ser expostas às mesmas oportuni- dades de aprender. 8 EDUCAÇÃO AFETIVA NAS ESCOLAS Recentemente, tem havido considerável interesse em trazer educação afetiva para o currículo escolar. No entanto, tem sido um desafio convencer as partes interessadas de que a educação afetiva tem lugar nos currículos escolares gerais. Um grande desafio, mesmo diante da consciência aguda da necessidade de prevenir dificuldades emocionais, e da necessidade de intervenções para facilitar a saúde mental de alunos em risco e em estudantes que já estão demonstrando desregulação ou inabilidades emocionais (ESTANISLAU; BRESSAN, 2014). UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 24 O principal foco das escolas continua sendo o desempenho, em vez da prevenção de inabilidades emocionais. Ao invés da infusão programática coordenada de suportes emocionais nas escolas, uma infinidade de pequenos e isolados programas de prevenção e intervenção foram introduzidos, resultando em serviços fragmentados que, frequentemente, apresentam resultados decepcionantes. Esforços fragmentados apresentam falhas que garantem resultados inadequados, pois tais intervenções comumente não estão ligadas à missão central da escola. Elas não abordam as metas de ensino, que são usadas para medir o sucesso acadêmico. O desenvolvimento dos profissionais da educação envolvidos, e o seu apoio, são comumente mal concebidos. Assim como a coordenação, o monitoramento e a avaliação são frequentemente negligenciados em relação à prevenção e intervenção em saúde mental (ESTANISLAU; BRESSAN, 2014; KRESS; ELIAS, 2006). Em 1994, o Instituto Fetzer facilitou uma reunião que introduziu um termo bem conhecido, “aprendizagem socioemocional” (social and emotional learning - SEL), e gerou uma nova organização, a Colaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL), que serviu como um braço organizacional e uma ferramenta de disseminação para pesquisadores. A CASEL tentou identificar áreas de habilidades e competências que são válidas e que promovem o funcionamento saudável de crianças e adolescentes (TACLA et al., 2014). Durante esse período, começando nos EUA, mas proliferando-se para diversos países da Europa, da Ásia, Oceania, África e América Latina, tanto os campos educacionais quanto os de terapia foram impulsionados pela responsabilidade e pelo custo-efetividade e deram início a fortes diretrizes para intervenções baseadas em evidências. Isso resultou em mudanças nos manuais de terapia, de uma estrutura mais solta para o tratamento programado e intervenções padronizadas. Na educação, apareceram planos de reforma, e na pesquisa, o “padrão ouro” tornou-se ensaios clínicos randomizados para melhorar os esforços de avaliação e demonstrar a eficácia dos programas (KRESS; ELIAS, 2006). Isso levou a uma extensa coleta de dados pela CASEL e outras agências, como nas análises internacionais sobre educação socioemocional coordenadas pelo pesquisador Christopher Clouder (2015), fornecendo revisões detalhadas da eficácia dos programas e a identificaçãodos fatores de implementação, incluindo: • A necessidade de instrução direta. • Prática com feedback guiado, avisos ou dicas e generalização por infusão de habilidades em todas as áreas da experiência de um aluno. • Extensão de habilidades para funcionários da escola, administradores e política escolar. • Programação multianual, multicomponente e multinível. • Envolvimento das famílias. • Suporte e treinamento para os profissionais da escola. • Interligar as intervenções com o desempenho acadêmico (KRESS; ELIAS, 2006, p. 595-596). TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 25 Apesar da pesquisa em constante expansão, e da disponibilidade de programas baseados em evidências, muitas escolas não estão implementando práticas. Tem havido uma implementação limitada de currículos baseados em pesquisa nas escolas e, quando isto foi tentado, tem havido dificuldades consideráveis na implementação de programas fortes (SANTOS; PRIMI, 2014). Quando os fatores relacionados às decisões de adotar práticas baseadas em evidências foram considerados pelas escolas, os problemas incluíram falta de tempo da equipe, necessidade de dados de avaliação local e pesquisa para mostrar quais currículos eram eficazes. Um relatório técnico foi elaborado para o CASEL com os resultados de três revisões científicas (PAYTON et al., 2008). Essas revisões, de um espectro de estudos, examinaram o impacto dos programas da ASE nas habilidades que os vários programas tentaram ensinar, bem como em atitudes, comportamento, problemas emocionais e acadêmicos. Os revisores concluíram que os programas eram eficazes para os alunos: na escola e depois da escola; em ambientes urbanos, suburbanos e rurais; com estudantes racial e etnicamente diversificados; e para alunos com e sem problemas comportamentais/emocionais. Este relatório também deixou claro que adicionar uma programação de aprendizagem socioemocional (ASE) aos currículos escolares não diminui o desempenho escolar. Uma segunda consideração crítica para as escolas foi a constatação de que os funcionários da escola poderiam oferecer programas tão eficazmente quanto os pesquisadores e, em alguns casos, melhor do que os próprios especialistas. Os programas de ASE são programas universais de Nível 1. No que diz respeito às intervenções dos Níveis 2 e 3, a CASEL também delineou estratégias para profissionais de apoio ao aluno situados na escola, incluindo psicólogos escolares, conselheiros escolares, assistentes sociais escolares e enfermeiros. Essas estratégias incluem: coaching, coleta de dados, colaboração, conexões entre os serviços fragmentados que já existem, cofacilitação de tarefas, fornecimento de suporte de reforço e fornecimento de recursos para as famílias (CASEL Update, 2011). A ASE não está sem seus críticos, pois é, na verdade, um termo que abrange uma ampla gama de programas com abordagens e focos divergentes. Hoffman (2009) relatou que existem mais de 200 tipos de programas em uso nos EUA. A implementação de programas da ASE varia muito. Os programas variam de complementos, há intervenções escolares completas que afetam o clima de todos os membros da comunidade escolar (TACLA et al., 2014). Hoffman (2009) argumenta que os ideais de cuidado, comunidade e diversidade são difíceis de encontrar quando a programação se concentra em estratégias de controle e modelos individualistas. Existem problemas adicionais em torno da programação da ASE. Apesar do extenso trabalho da CASEL, há poucas avaliações independentes e sistemáticas em larga escala de muitos dos programas, com a exceção das análises de Christopher Clauder (2015). Contudo, ainda é necessário mais trabalho para ligar os ideais às práticas, além de haver UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 26 uma necessidade de mudança de foco, da busca por encontrar déficits nas crianças para mudar contextos sociais e culturais, para que climas emocionais positivos possam ser obtidos. Existem vários problemas que ainda precisam ser resolvidos em relação à programação da ASE. Um deles tem a ver com efeitos de dosagem, que está começando a ser explorado. Rosenblatt e Elias (2008), por exemplo, estavam interessados na transição do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, o que muitas vezes resulta em um declínio nas médias de notas dos alunos. Eles compararam a queda na média geral entre dois grupos de estudantes urbanos. Os estudantes que receberam maiores dosagens de uma intervenção socioemocional tiveram uma diminuição dos efeitos da transição nas médias gerais em comparação aos outros. Os pesquisadores não diferenciaram efeitos de dosagem por gênero, níveis socioeconômicos ou raciais/étnicos neste estudo, portanto, mais trabalho é necessário neste ponto. 8.1 EDUCAÇÃO AFETIVA NA PREVENÇÃO E INTERVENÇÃO ESCOLAR A ideia de implementar intervenções focadas, principalmente, na educação afetiva ou o letramento emocional é nova. Ainda não temos disponíveis intervenções afetivas bem pesquisadas, baseadas em evidências, que também foram implementadas nas escolas como intervenções de Nível 1, 2 ou 3. A abordagem primária de Nível 1 atualmente envolve a programação da ASE. Há duas questões a serem consideradas, ao explorar os programas da ASE, para determinar quais programas podem ter um forte enfoque no letramento emocional. A primeira questão é se um programa tem foco suficiente na educação afetiva. Nossa sociedade está fortemente focada na prevenção da violência, na medida em que a maioria dos programas enfatiza a educação do caráter, a tomada de decisões pró-sociais, a resolução de problemas sociais ou o desenvolvimento de habilidades sociais. Isto é obviamente importante, e é certamente apropriado concentrar-se nos interesses e preocupações da sociedade. Todos os alunos precisam desenvolver habilidades para prevenir a violência, a agressão e o bullying, à medida que essas preocupações aumentam. No entanto, aqui estamos interessados em uma consideração mais básica, ou seja, até que ponto os programas universais de prevenção e intervenção têm um forte enfoque na educação afetiva, ou têm um grande componente que aborda a educação afetiva, ou têm um efeito sobre o conhecimento ou a educação emocional. A segunda preocupação é encontrar programas com apoio de pesquisa, particularmente para programas que foram implementados com sucesso no ambiente escolar. Dadas estas preocupações, alguns programas são revisados abaixo, têm pelo menos alguns componentes da educação afetiva. TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 27 Quando consideramos os três níveis de prevenção/intervenção nas escolas, podemos observar os diferentes níveis como diferentes em força e possivelmente também em foco de intervenção. A intensidade pode ser encarada como um foco em componentes específicos ou em termos de tempo exposto ao tratamento, ou no tamanho do grupo ou outros fatores. Intervenções universais de Nível 1 normalmente têm objetivos em torno da interação social apropriada e ensinam algumas habilidades para melhorar a interação social ou o funcionamento geral da escola, o que pode incluir o funcio- namento acadêmico. Intervenções de Nível 2 tendem a envolver componentes iguais ou similares à intervenção universal, possivelmente com alguns acrésci- mos, como uma mudança no tamanho do grupo ou uma mudança na abordagem instrucional. Intervenções de Nível 3 tendem a ser muito mais focadas. No caso da educação afetiva, a intervenção universal pode incluir o entendimento emocional e várias habilidades de regulação emocional. A intervenção Nível 2 pode incluir mais prática, instrução direta e foco nas habilidades não dominadas na intervenção Nível 1. Enquanto as intervenções Nível 3 podem incluir um foco muito específico na redução da ansiedade, redução da depressão, autorregulação ou controle da raiva. 8.2 COMPONENTES DO ENTENDIMENTO EMOCIONAL E ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL É importante pensar nos muitos conceitos, estratégias e habilidadesque poderiam caber sob o guarda-chuva da alfabetização emocional (ANTUNES, 1999, 2000). Pesquisadores e teóricos tentaram isolar os componentes gerais que poderiam ser abordados em programas de alfabetização emocional, mas não há um acordo geral neste momento. É útil olhar para as várias propostas, a fim de chegar a alguma determinação sobre o que pode ser coberto em um amplo programa escolar. Nos três níveis, Greenberg e Pascual-Leone (2006) consideram que quatro tipos de processos emocionais são importantes. Estes incluem: consciência emocional, regulação emocional, interpretar emoções — e conectá-las com o pensamento racional — e transformação ou mudança emocional. Um exemplo de um esforço para promover a alfabetização emocional é o Programa de Alfabetização Emocional que segue o modelo RULER (BRACKETT et al. 2009). O modelo RULER é baseado em cinco aspectos do letramento emocional, incluindo: reconhecimento, entendimento, rotulagem, expressão e regulação emocional. O objetivo deste modelo é ensinar um rico vocabulário de emoções. As lições são integradas nos currículos escolares existentes. A habilidade mais sofisticada da educação emocional é a regulação emocional, ela é considerada uma importante conquista do desenvolvimento da infância. Holodynski e Friedlmeier (2006, p. 87) afirmam que “a aquisição de UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 28 estratégias para modificar a qualidade, intensidade, duração e frequência das emoções é uma importante tarefa do desenvolvimento”. Pesquisas indicam que todos os estudantes que podem usar uma variedade de estratégias de regulação emocional melhoram seu funcionamento adaptativo e saúde mental em geral, e para aqueles com estratégias mal adaptativas identificadas, o treinamento é particularmente importante. O ensino de estratégias de regulação emocional demonstrou ser importante e benéfico em intervenções de grupo de tratamento, em escrita expressiva e em programas universais baseados na escola. Ensinar estratégias de regulação de emoções não é fácil, uma vez que o uso de estratégias varia de acordo com a idade, o gênero e a cultura (HAGA; KRAFT; CORBY, 2009). Devido à complexidade da regulação emocional, pode ser útil examinar as tentativas de categorizar as estratégias de regulação emocional, em um esforço para simplificar o planejamento. Koole (2009) discutiu a categorização em detalhes, apontando que a variedade de estratégias para a regulação emocional é extremamente grande, dificultando bastante a tarefa. Alguns pesquisadores, como Mikolajczak e Desseilles (2014), descreveram oito categorias de habilidades ou estratégias de regulação: • Expressão não verbal. • Expressão verbal ou escrita de sentimentos para os outros, que pode ser direta ou indireta. • Tentativas de alterar a situação verbalmente ou reformular o próprio pensamento. • Recolher informações ou tomar o ponto de vista de outra pessoa. • Deixar a situação ou evitar eventos e situações. • Estratégias passivas ou indiretas, como ignorar emoções ou conversas negativas. • Distração que pode ser positiva ou negativa. • Buscar conforto da família, amigos ou prece. Alguns pesquisadores separaram estratégias em categorias pessoais e interpessoais. Outros olham para o nível de processamento que seria necessário para usar uma estratégia tal, que aquelas autocalmantes estariam em um nível básico e as autoinstrutivas estariam em um nível mais elevado (HOLODYNSKI; FRIEDLMEIER, 2006). As estratégias também foram categorizadas como automáticas ou deliberadas. Mikolajczak e Desseilles (2014) listam quatro classes de estratégias a serem incluídas: regulação da atenção, estratégias autocalmantes, estratégias interativas e estratégias simbólicas ou verbais. O trabalho com adultos sugere três categorias de estratégias: estratégias de reparo, manutenção e amortecimento. Finalmente, as estratégias de regulação emocional foram categorizadas pelos alvos de regulação, como atenção, conhecimento (avaliações) e expressões somáticas de emoção (expressões faciais, posturas, reações corporais internas e movimentos motores). Infelizmente, isso resulta em agrupamentos confusos (KOOLE, 2009). TÓPICO 1 | AFETO E EMOÇÃO NA EDUCAÇÃO 29 Uma proposta muito interessante sugere olhar para as funções psicológicas da regulação emocional (KOOLE, 2009). Deste ponto de vista, nós observaríamos a emoção orientada por necessidades, a função orientada por metas, e a regulação emocional orientada à pessoa. Estratégias orientadas para a necessidade podem incluir redirecionar a atenção do input negativo para o input positivo. Também está incluso nesta categoria abordar vieses na interpretação emocional e lidar com tentativas de regular a emoção pelo comer, fumar ou o uso de outras drogas. Estratégias orientadas por metas incluem distração em atividades que exigem muita atividade cognitiva, incluindo reformulação de eventos e situações emocionais, supressão de emoções, respostas exageradas e “deixar extravasar”. Estratégias orientadas à pessoa incluem contrarregulação da atenção, escrita expressiva, lembrar de eventos passados e relaxamento, tal como o relaxamento muscular progressivo e a respiração controlada. Cada função aborda a atenção, o conhecimento emocional e as reações físicas. Curiosamente, Koole (2009) indica que, ao lidar com cada uma das três categorias, certas estratégias funcionam melhor que outras. Por exemplo, se a orientação por metas é crítica, as estratégias de atenção e de reformulação funcionam melhor do que a supressão das emoções. Se as necessidades são críticas, as estratégias cognitivas não funcionam bem. Evitação da atenção pode resultar em aumento do pensamento negativo. O relaxamento muscular progressivo funciona quando a regulação da emoção orientada à pessoa é o problema. A vantagem das estratégias cognitivas, tão importantes nos tratamentos para ansiedade e depressão, está especificamente relacionada à regulação da emoção orientada por metas. Kovacs et al. (2006) sugeriram que pensamos em dificuldades de regulação emocional em termos de lidar com o estresse. Existe um método simples e bem conhecido de categorizar as estratégias de regulação emocional usando a literatura de estratégias de enfrentamento (coping). Isso envolve estratégias focadas na emoção, como desviar a atenção de algo que está perturbando, evitando ou procurando os pontos positivos. A outra categoria envolve estratégias focadas no problema, nas quais o indivíduo tenta melhorar a situação, gera soluções alternativas ou pondera opções (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Importante entender é que as estratégias focadas no problema nem sempre podem ser preferidas, pois funcionam melhor para a raiva do que para o medo. No Ensino Fundamental, os alunos entendem que ambas as categorias regulatórias podem ser usadas para lidar com o estresse, tanto no que tange a envolver-se ou desengajar-se de eventos. Alunos do Ensino Fundamental preferem estratégias de ação direta e de busca de apoio. As estratégias de reformulação/reenquadramento e tomada de decisão aumentam desde o Ensino Fundamental até a transição para o Ensino Médio. Estratégias focadas no problema são usadas frequentemente em estudantes de 10 a 14 anos de idade (HAMPLE; PETERMANN, 2005). UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 30 Algumas estratégias de enfrentamento funcionam melhor para determi- nados alunos com questões específicas. Como visto acima, as estratégias ativas de enfrentamento parecem resultar em um melhor ajuste para crianças pequenas. Mas o enfrentamento ativo, a distração e a busca de apoio social não funcionam quando os estressores são incontroláveis ou crônicos, como ocorre em alguns am- bientes, e podem levar à desesperança. Adolescentes do sexo masculino, nesses ambientes, tentam lidar com estressores incontroláveis usando estratégias ativas, eles se sentem pior. O enfrentamento ruminativo foi associado à desesperançapara adolescentes do sexo feminino de baixa renda (ZANON, 2012). Naturalmente, existem muitas estratégias de enfrentamento com uma variedade tão ampla quanto a gama de estratégias de regulação emocional. Pes- quisadores identificaram até 107 estratégias de enfrentamento (SABISTON et al., 2007). Zeidner e Matthews (2002) relacionam seis “tipos” de enfrentamentos: re- pressivo, envolvendo a supressão de sentimentos e repressão de emoções nega- tivas; focado em emoções, onde os alunos podem olhar positivamente para uma situação difícil; focado no problema, com esforços ativos para resolver situações; evitativo, com os esforços para se distrair; reparação de emoções negativas, como quando um estudante está tentando fazer algo divertido; e de divulgação, com esforços para escrever sobre tensões, rotular emoções ou reestruturar a própria visão dos eventos. É importante ressaltar que esses pesquisadores apontam que todas as estratégias são adaptativas em situações particulares. Finalmente, Gross (1998) distinguiu entre a regulação emocional centrada no antecedente e a focada na resposta, e determinou que elas têm diferentes resultados adaptativos. A regulação focada no antecedente ocorre antes que as avaliações resultem em emoção máxima. Estratégias nesta categoria envolveriam: selecionar uma situação em detrimento de outra; evitar certas situações; tentar modificar ou mudar a situação e a ao que se presta atenção na mesma (como atender a apenas um de seus aspectos). Além disso, se encaixa nessa categoria o ato de modificar o que você pensa quando está em uma situação desafiadora, ou seja, fazer uma reavaliação cognitiva. A reavaliação cognitiva é uma estratégia focada em antecedentes. Funciona porque reduz a emoção e as experiências corporais sem prejudicar o pensamento. A regulação emocional focada na resposta ocorre depois que a pessoa já está lidando com a emoção. Por exemplo, suprimindo pensamentos, sentimentos ou comportamento. A inibição não funciona para modular a raiva ou a tristeza. Embora não saibamos muito sobre regular a tristeza, falar sobre sentimentos ajuda a regular a tristeza. As tentativas de mudar a situação também são úteis, pois as estratégias passivas não aliviam nem a raiva nem a tristeza. Assim como deixar uma situação problemática não regula a raiva. Em suma, diferentes estratégias são necessárias para diferentes emoções (GROSS, 1998). 31 Neste tópico você aprendeu que: • Os programas de habilidades sociais de curto prazo, por si só, não resultam em aprendizagem sustentada, as habilidades emocionais e sociais precisam ser praticadas e reforçadas continuamente. • Os programas oferecidos a todos os alunos são proativos, preventivos e reduzem o risco de estigma para os alunos que são atendidos. • Programas selecionados ou direcionados (Nível 2) são ofertados aos alunos que são cuidadosamente selecionados porque apresentam alguns fatores de risco. • Programas de intervenções indicadas visam estudantes que são identificados como portadores de sintomas relacionados a transtornos mentais. • A compreensão ou entendimento emocional pode ser subcategorizada em conhecimento emocional, consciência emocional, expressão emocional e regulação emocional. • O conhecimento emocional envolve a compreensão das funções das emoções na vida cotidiana, o papel da informação nas emoções e a normalidade das emoções. • A percepção emocional envolve percepção e identificação de emoções em si mesmo e nos outros. • A regulação emocional envolve tolerar ou manejar emoções negativas e até aumentar emoções positivas. • Ensinar os alunos sobre o cérebro e as emoções cai sob o aspecto “psicoeducacional” das intervenções. • Existem diferenças individuais no tempo de recuperação, o tempo necessário para se acalmar e retornar à linha de base. • Os alunos precisam perceber que as emoções ocorrem em graus ou intensidades. • Há sete emoções (raiva, desprezo, repulsa, medo, alegria, tristeza e surpresa), que os pesquisadores sugerem serem universais. RESUMO DO TÓPICO 1 32 • Os alunos que entendem que podem aprender estratégias para interferir nos ciclos emocionais tendem a funcionar melhor. • Os alunos precisam aprender a processar efetivamente as emoções para: identificá-las em si mesmos e nas outras pessoas; comunicar necessidades; exibir emoção ou optar por não o fazer; rotular emoção para obter ajuda para lidar com o estresse; e sinalizar aos outros que eles podem estar atingindo intensidades críticas de emoção. • Indivíduos com baixa consciência emocional e vocabulários emocionais fracos não usam termos específicos para explicar sentimentos. • O processamento visuoespacial de emoções tem sido pesquisado em estudos envolvendo o desenvolvimento da expressão de emoções e no reconhecimento e identificação de expressões faciais. • A capacidade de reconhecer formas não verbais de expressões emocionais é muito importante para uma interação social bem-sucedida. • O humor atual de um aluno também precisa ser levado em consideração, pois o humor afeta os preconceitos de atenção e exerce fortes efeitos sobre o processamento de informações. • A habilidade mais sofisticada da educação emocional é a regulação emocional. 33 1 Podemos usar o modelo de intervenção em três níveis nas escolas visando a prevenção/intervenção no desenvolvimento afetivo dos alunos. Descreva brevemente o que ocorre em cada um destes níveis. R.: 2 Na prática, ensinar os alunos sobre o cérebro e as emoções cai sob o aspecto “psicoeducacional” das intervenções. O que a psicoeducação proporcionaria às crianças com transtornos de ansiedade? R.: 3 Pesquisadores das emoções sugerem que há pelo menos sete emoções que são universais, que são experimentadas por todas as pessoas em todas as culturas. Quais sãos estas emoções? R.: AUTOATIVIDADE 34 35 TÓPICO 2 A REGULAÇÃO EMOCIONAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A regulação emocional continua sendo um tema central e é suficientemente importante para merecer consideração separada. O conceito é complexo, com muitos componentes. Esta regulação se desenvolve dependendo dos fatores ambientais em cada estágio do desenvolvimento e de fatores intrínsecos, como o temperamento infantil, que são responsáveis pelas diferenças individuais. Além disso, a cultura desempenha um papel dominante. A neurobiologia da regulação emocional também nos ajuda a entender a interconectividade da cognição, atenção, memória operacional, humor e a regulação das emoções. Uma regulação emocional seriamente limitada, ou pobre, se encaixa na maioria, senão, em todos os transtornos da infância. Distúrbios como déficit de atenção e hiperatividade, transtorno bipolar e transtorno de personalidade limítrofe têm sido descritos como, principalmente, transtornos da regulação emocional. A incapacidade de regular a emoção e a regulação emocional pobre interferem no sucesso acadêmico e no sucesso social de formas dramáticas. Assim, a falta de treinamento em regulação emocional, por exemplo, pode explicar por que as intervenções têm sucesso limitado em algumas das crianças que participam de aconselhamento em saúde mental. Neste tópico vamos explorar vários destes componentes, que constituem o que chamamos de regulação emocional. Assim como, apresentar as várias influências e contextos onde essa habilidade se torna crítica para o aluno e seu desenvolvimento pessoal, social e acadêmico, incluindo a sua saúde mental e física. 2 A REGULAÇÃO EMOCIONAL A regulação emocional é um componente crítico da educação afetiva e atraiu uma quantidade significativa de pesquisa e interesse clínico. Esse aspecto da educação emocional não tem sido negligenciado, uma vez que estratégias para regular negativamente a emoção excessiva e mal-adaptativa estão incluídas em uma ampla variedade de intervenções de Nível 1, 2 e 3. A regulação emocional é um conceito complexo, no entanto, até mesmo o desenvolvimento de uma definição gerou discussões edebates, que resultaram em definições sem consenso homogêneo (MIKOLAJCZAK; DESSEILLES, 2014). Alguns dos diferentes aspectos deste conceito complexo incluem: UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 36 • Explorar diferentes tipos de regulação emocional, determinar o sequenciamento temporal do uso de estratégia e descobrir formas de medir a regulação emocional. • Diferenciar a regulação emocional que é implementada por adultos significativos versus regulação controlada por alunos, e se a regulação emocional é direcionada ou não intencional. • Quando a regulação emocional é necessária, quais são os objetivos e como a regulação é alcançada. • Se os processos automáticos de regulação de emoções podem ou não ser modificados e como isso ocorre. • Em que medida a linguagem está relacionada com a regulação emocional. • Se existem ou não diferenças individuais na regulação emocional e o que isso pode significar. Esta é apenas uma representação dos tópicos associados à regulação emocional na literatura, e não inclui as bases cerebrais da regulação emocional, ou como a regulação emocional está relacionada aos vários déficits e desabilidades nos quais os profissionais de saúde mental da escola estão interessados. O ritmo das pesquisas sobre a regulação emocional é intenso, o que resultou em considerável empolgação entre os médicos e pesquisadores que acham que os processos de regulação emocional são críticos para o funcionamento adaptativo e para a saúde física (NJAINE; ASSIS; CONSTANTINO, 2007; LYAHY; TIRCH; NAPOLITANO, 2013). A regulação emocional é fortemente afetada pela cultura, entretanto, dados indicam que é fundamental para o sucesso escolar e para a saúde mental aprender a regular as emoções de maneiras específicas (TACLA et al., 2014; CLAUDER, 2015). É, portanto, uma força essencial necessária para um crescimento cognitivo e emocional saudável do aluno. Pesquisas apontam que a boa regulação de todas as emoções, exceto o medo, está associada ao comportamento pró-social (MIKOLAJCZAK; DESSEILLES, 2014). Gumora e Arsenio (2002) forneceram resultados de pesquisa para indicar que a regulação das emoções desempenha um papel importante nas médias de notas dos alunos. Além disso, sabe-se que a progressão da regulação emocional dos pais, ou de outros adultos, para uma autorregulação é considerada uma das tarefas mais críticas do crescimento. No início da adolescência, os estudantes que conseguem controlar as exibições emocionais apresentam melhores relacionamentos com os colegas, e são mais pró-sociais e menos agressivos. Na adolescência, o controle emocional é uma variável fundamental na manutenção de bons relacionamentos. O domínio da regulação emocional pode promover a resiliência, ajudar a moderar o humor, contribuir para a motivação intrínseca e ajudar a reparar as emoções negativas (SILVA; FREIRE, 2014). Sendo assim, a regulação emocional é um aspecto básico do desenvolvimento saudável, e juntamente com as disposições afetivas e a emoção acadêmica, contribui para as médias das notas dos alunos (GUMORA; ARSENIO, 2002). Podemos até considerar que a regulação emocional é a capacidade mais crucial no desenvolvimento emocional dos alunos. TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 37 Faz-se necessário saber regular as emoções quando experimentamos um conflito entre como nos sentimos em um dado momento e como precisamos agir em uma situação particular, como quando um aluno se sente irritado, mas expressar essa raiva pode custar caro. Expressar raiva intensa pode deixar um aluno em apuros. A regulação da emoção é necessária quando o aluno precisa se forçar a se apresentar de forma diferente do que ele ou ela está sentindo no momento, como no caso de experimentar um medo considerável, mas precisar parecer calmo. Quando se depara com um grande cão rosnando ou um grupo assustador de valentões, o aluno pode precisar diminuir a emoção. Tal regulação emocional é necessária quando um adolescente precisa mudar a carga informacional que está sentindo para controlar seu comportamento, como desviar o olhar de alguém que está ameaçando. Os alunos podem usar estratégias para evitar que as emoções cheguem ao pico em muitas situações, e voltar ao controle, mas para isso o input do sistema emocional precisa ser alterado (MIKOLAJCZAK; DESSEILLES, 2014). A regulação emocional é um subconjunto do conceito mais geral de autorregulação. Tanto a regulação emocional, quanto a autorregulação, se desenvolvem de maneira um tanto independente, apesar da extensão com que estão relacionadas. A autorregulação pode ser aprendida, assim como qualquer outra habilidade. É claro que aqueles que trabalham nas escolas sabem que não é igualmente fácil para todas as crianças dominarem a autorregulação ou a regulação emocional. Holodynski e Friedlemeier (2006) sugeriram cinco estágios de desenvolvimento e regulação emocional. A primeira fase ocorre nos primeiros dois anos de vida. A segunda fase envolve os anos pré-escolares. A terceira fase é a infância e a quarta fase abrange a adolescência. A fase final é a idade adulta. Há influências ambientais e biológicas no desenvolvimento da regulação emocional de uma criança. As influências ambientais incluem estilo parental, vínculo parental e interação com o filho, influências de pares, incluindo regras de exibição e expectativas culturais. Influências biológicas incluem temperamento infantil, neurobiologia e atenção (FOX; CALKINS, 2003). 2.1 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: INFLUÊNCIA DOS PAIS NOS PRIMEIROS ANOS O estilo parental e a interação com os filhos durante os dois primeiros anos de vida ensinam a regulação emocional infantil através da modelagem e do referenciamento social. Além disso, a regulação emocional é influenciada pelo clima emocional do lar, que é comunicado ao bebê e à criança através do estilo parental e da relação de apego com a criança. A expressividade emocional da família e a relação mãe-pai para famílias intactas também são influentes. Os pais também influenciam a capacidade das crianças de controlar suas emoções, incentivando a expressão emocional, expressando emoções, reconfortando o filho e falando sobre emoções. A reação dos pais às emoções negativas, que o filho UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 38 expressa, faz toda a diferença. As crianças que têm boa regulação fisiológica têm algumas proteções contra ambientes parentais adversos (SCHARFE, 2002). Durante os primeiros dois anos de vida, os bebês aprendem sobre emoção por meio de interações entre pais e filhos. Estratégias precursoras da regulação emocional podem ser observadas no comportamento de sucção de bebês, no desamparo de bebês quando estão aflitos ou quando bebês são estimulados em excesso. Os pais que estão em sintonia com seus bebês reagem assim que percebem que seu filho está expressando uma emoção. Eles espelham a emoção de seu bebê para ajudar o pequeno a começar a entender emoções, e os bebês, por sua vez, aprendem a imitar as expressões faciais de seus pais. A criança está aprendendo que as expressões faciais fornecem informações importantes. Por exemplo, o sorriso da mãe sugere que tudo está bem. Crianças aprendem a demonstrar emoções enquanto os seus pais usam a distração para ajudá-las a mudar a intensidade das emoções que estão experimentando, ou a mudar para um estado mais calmo. Os pais também incentivam a conformidade às normas culturais (HOLODYNSKI; FRIEDLEMEIER, 2006). Normalmente, o desenvolvimento de crianças de dois anos exige ajuda com a regulação emocional de seus pais. Pais sensíveis com crianças pequenas proporcionam contato físico ou proximal, um brinquedo ou uma reinterpretação verbal de situações emocionais quando seus filhos os procuram para obter apoio. As crianças também podem proporcionar conforto emocional para si mesmas, sugando seus polegares ou chupeta, ou segurando um cobertor (SCHARFE, 2002). A interação entre mãe e bebê é uma relação de influênciamútua. As tentativas da mãe de ensinar a regulação emocional são complicadas pelo temperamento da criança. A mãe pode não ter sucesso com crianças que exibem excitação emocional altamente negativa. Mães com crianças menos reativas são mais bem-sucedidas quando usam contato físico para acalmar seus filhos. Com crianças menos reativas, as mães são capazes de ensinar técnicas de distração e estratégias interativas, e as crianças menos reativas serão capazes de usá-las, mais tarde, quando estiverem frustradas ou estressadas (MIRABILE et al., 2009). A habilidade da criança de usar a distração, quando frustrada, está positivamente relacionada à capacidade de cooperar com os colegas, enquanto o desabafo ou o foco em objetos, quando frustrada, está relacionado ao conflito entre pares. O desenvolvimento inicial da capacidade de regular a si mesma, pelo menos no nível da fisiologia, é extremamente útil para as crianças posteriormente, quando precisam dominar estratégias de regulação de emoções mais desafiadoras (KOVACS et al., 2006). Normalmente, crianças de dois anos reconhecem expressões faciais, usam rótulos verbais e falam sobre temas emocionais. Discriminar tristeza e raiva é mais difícil para elas. Mais uma vez, pais sensíveis com crianças pequenas manipulam o ambiente, de modo que as demandas da situação em questão são administráveis. Os pais também fazem sugestões, que as crianças podem usar para ajudar a regular suas reações sob condições estressantes. À medida que as TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 39 crianças se tornam mais capazes de usar estratégias por conta própria, as mães não mais intervêm diretamente (SCHARFE, 2002). Mães que negligenciam os sentimentos de seus bebês não entendem as emoções de seus filhos. Elas tendem a não perceber as expressões emocionais de seus filhos ou a interpretar as emoções como tristes, quando não são. Os comportamentos negativos e controladores da mãe parecem inibir o desenvolvimento do autocontrole em seus filhos quando a mãe não está disponível porque seus filhos estão contando com o apoio externo da mãe (FOX; CALKINS, 2003). Crianças de dois anos têm consciência do que querem e o que os pais esperam. Isso permite que elas comecem a funcionar de forma independente e se autorregulem em situações difíceis, usando estratégias para acalmar-se, distração e até reinterpretação em algum grau (HOLODYNSKI; FRIEDLEMEIER, 2006). 2.2 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: O PERÍODO PRÉ-ESCOLAR As crianças aprendem estratégias de regulação emocional, por interação com pais competentes, que ensinam estratégias ou demandam diretamente seus filhos. Os pais podem reinterpretar situações e eventos para seus filhos, a fim de ajudá-los a aprender a mudar a forma como se sentem em relação a uma situação. Eles modelam como eles próprios regulam a emoção para que seus filhos imitem esses esforços. Podem, também, conversar com as crianças sobre como elas exibem emoções, a causa e as consequências das emoções e como o seu filho pode influenciar as suas próprias emoções e as dos outros (MIKOLAJCZAK; DESSEILLES, 2014). As práticas dos pais podem ter um efeito poderoso na regulação emocional das crianças. Os pais variam, de várias maneiras, enquanto trabalham para obter a conformidade. Uma dimensão tem a ver com a aproximação e evitação parental. A aproximação parental envolve falar sobre recompensas em potencial e que coisas boas podem acontecer. A aproximação parental facilita a persistência, embora também possa resultar em frustração, quando as crianças não conseguem atingir os objetivos, ou pode concentrar a criança em sempre ter a necessidade de “vencer” e desenvolver uma grande necessidade de obter recompensas. A evitação parental envolve aviso sobre problemas ou segurança, ou fazer ameaças. Um foco nas declarações ameaçadoras dos pais tende a ter o efeito de as crianças se afastarem quando as tarefas são desafiadoras. Além disso, a evitação parental estimula a evitação em crianças, e pode resultar em mais transtornos quando as crianças são desafiadas. A parentalidade interage com o temperamento da criança de maneiras complexas. Quando uma criança está ansiosa e a mãe usa pouco controle, crianças com medo consentem porque se sentem muito desconfortáveis. As crianças sem medo respondem bem à parentalidade dos pais que apoiam a motivação para se comportar (LYAHY; TIRCH; NAPOLITANO, 2013). Quando os pais fornecem estrutura e orientação racional em situações emocionais, eles estão afetando a compreensão emocional e a regulação emocional. Eles podem fornecer roteiros verbais para crianças. As crianças usarão esses UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 40 roteiros mais tarde, quando precisarem se autorregular sem a ajuda dos pais. Este tipo de estrutura de suporte, chamada de scaffolding (que significa, literalmente, andaime) parental, facilita a compreensão e a regulação da emoção (SOUTHAM- GEROW; KENDALL, 2002). Os pais que são mais sensíveis incentivam os pré- escolares a regular suas emoções da mesma forma que estimulam os controles comportamentais. Pais e cuidadores podem assim ajudar seus filhos a falar sobre emoções, para que as crianças façam a conexão entre as causas e consequências das emoções e do comportamento. Os pais modelam maneiras diferentes de exibir emoções, e falam e treinam diretamente as crianças com essas estratégias para controlar as emoções. Podem reinterpretar eventos para seus pré-escolares, modelar estratégias, encorajar as crianças a imitar estratégias e ensinar que essas emoções que elas sentem e aquelas que os outros sentem podem ser influenciadas (LYAHY; TIRCH; NAPOLITANO, 2013). Além disso, os pais podem demandar que seus filhos reduzam, isto é, regulem negativamente a intensidade de suas exibições emocionais. Aos quatro anos de idade, os pré-escolares são capazes de usar estratégias de distração que se encaixam no contexto das situações (HOLODYNSKI; FRIEDLEMEIER, 2006). Uma estratégia de regulação emocional, que alguns acreditam que funciona bem para crianças em idade pré-escolar, tem sido descrita como cronestesia, ou viagem mental no tempo. Essa estratégia envolve lembrar os motivos passados e futuros e pensar neles ao decidir se deve agir ou não. As crianças que dominam essa estratégia são mais capazes de esperar de maneira descontraída. Para aquelas crianças em idade pré-escolar e iniciando na idade escolar que não têm pais sensíveis ou próximos, ou que têm pais que sofrem de alguma psicopatologia, aprender a regular as emoções pode ser uma tarefa mais desafiadora. Em crianças de quatro a sete anos de idade, a regulação emocional pode ser comprometida quando as mães relatam sintomas de depressão (LOPES; LOUREIRO, 2007). Quando as mães exibem sintomatologia depressiva, pré- escolares e crianças em idade escolar demonstram estratégias imaturas para regular a emoção e parecem não aprender as estratégias complexas para gerenciar as emoções negativas. Isto é particularmente evidente em crianças fisiologicamente mais reativas. Essas crianças altamente reativas são mais sensíveis a ambientes familiares negativos, suporte reduzido e negatividade expressa na família. Como as mães expressam mais negatividade, suas crianças mais reativas não mostram o mesmo declínio na negatividade que as crianças menos reativas demonstram durante este período de desenvolvimento. O tipo negativo de parentalidade das mães também está associado à diminuição mais lenta do comportamento emocional de seus filhos ao longo do tempo, mas essa relação é menos forte (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Quando as mães são menos habilidosas em oferecer o scaffolding, a estrutura de suporte, seus filhos ficam desregulados e exibem controle comportamental deprimido aos quatro anos de idade. Quando as mães estão deprimidas, há um impacto particularmente alto no desenvolvimento da regulação emocional, já que o comportamento das crianças não diminui o comportamento emocional negativo,TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 41 tão rapidamente quanto os pares (LOPES; LOUREIRO, 2007). Portanto, sabemos que a depressão materna é claramente um fator de risco para a desregulação. A parentalidade também é especialmente importante no caso de crian- ças que têm ansiedade alta. Os pais de crianças ansiosas temem que seus filhos inibidos não consigam lidar com situações estressoras. Eles tendem a reagir su- perprotegendo-os ou descartando o sofrimento da criança, o que torna a crian- ça mais insegura (BAZON, 2002). Pré-escolares com dificuldades emocionais tendem a hiperidentificar a tristeza nas expressões dos outros, e esse tipo de erro está associado ao aumento das dificuldades comportamentais. A labilida- de emocional (estado caracterizado por grande flutuação de humor) negativa também está associada a dificuldades comportamentais, e os pré-escolares inex- pressivos e reticentes tendem a ter mais sintomas de ansiedade e depressão (PETERSEN et al., 2011). A influência dos pais na regulação emocional de seus filhos tem atraído pouca atenção dos pesquisadores. Existem alguns dados para indicar que os pais mascaram a expressão emocional. Quando os pais mostram aos filhos expressões claras, os filhos são mais hábeis em reconhecer expressões emocionais (FRANCO; SANTOS, 2105). Bruedigam (2004) explorou ainda mais a expressão emocional dos pais na forma de “enquadramento”. Os pais tendem a usar um enquadramento moderado ou neutro ao brincar ou ler para seus filhos. Isso é pensado em ajudar as crianças a aprenderem sobre as emoções sem sobrecarregá- las. Um enquadramento dos pais altamente positivo, ou negativo, não facilita a compreensão da emoção, enquanto o enquadramento moderado tem um impacto positivo na compreensão das emoções. Durante o período pré-escolar, as crianças expressam menos emoções negativas à medida que aprendem estratégias para controlar estas emoções (SCHARFE, 2002). Contudo, existem diferenças etárias na busca pelo controle das emoções negativas. Crianças de três e quatro anos buscam apoio social dos pais e membros da família, quando sentem emoções negativas. À medida que se tornam mais confiantes, elas aprendem que podem tolerar uma experiência emocional por conta própria. Como seria de esperar, as crianças preferem as estratégias de regulação emocional ensinadas pelas mães. Com o tempo, a capacidade dos pré- escolares de regular suas emoções aumenta enquanto a negatividade diminui, mas os profissionais precisam ter em mente que existem diferenças individuais consideráveis (HOLODYNSKI; FRIEDLEMEIER, 2006). Pois, as mudanças nas estratégias de regulação emocional estão também relacionadas ao aumento da linguagem e habilidades cognitivas, bem como a maturação do cérebro (KALPIDOU et al., 2004). Crianças em idade pré-escolar são capazes de planejar e usar estratégias ativas de regulação emocional. Elas podem se distrair e reinterpretar eventos frustrantes ou decepcionantes até certo ponto (KALPIDOU et al., 2004). Embora suas estratégias de regulação possam não ser bem-sucedidas o tempo todo, o aumento da linguagem e das habilidades cognitivas, além da maturação UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 42 do cérebro, fornecem o ímpeto para o desenvolvimento de competências. O conhecimento das emoções básicas está presente na maioria das crianças de três anos de idade (ACKERMAN; IZARD, 2004). No entanto, crianças de três anos não sabem controlar as emoções, embora percebam que é possível controlar as emoções, elas ainda não têm as estratégias para fazê-lo (SCHARFE, 2002). Somente quando atingem quatro e cinco anos de idade as crianças têm as estratégias necessárias para regular as emoções. Neste ponto, elas podem planejar e usar a distração e reinterpretar situações. Embora suas estratégias de regulação possam não ser bem-sucedidas o tempo todo, o aumento de suas habilidades cognitivas e de linguagem, e a maturação do cérebro, fornecem a capacidade de desenvolver competência (KALPIDOU et al., 2004). As crianças pequenas experimentam diferentes estratégias e aprendem a mudar sua atenção quando os comportamentos não ajudam. Elas podem associar raiva e tristeza para situações apropriadas. A raiva tende a gerar mais tentativas de lidar com situações, especialmente quando combinadas com a capacidade de desviar a atenção quando frustradas. Isso ajuda a regular a intensidade das emoções que elas estão experimentando. A tristeza tende a gerar estratégias de distração ou desistência, em crianças pequenas, o que as ajuda a se recuperar do estresse (KALPIDOU et al., 2004). As crianças pré-escolares tendem a favorecer estratégias, como o desabafar e a ruminação, que são relativamente ineficazes (DENNIS; MALONE; CHEN, 2009). Mas aos cinco anos, as crianças aprendem a conversar consigo mesmas. Eles passam a dominar algumas estratégias para inibir suas emoções, e tendem a sentir e exibir as emoções apropriadas esperadas em sua cultura. Normalmente, crianças de cinco anos de idade entendem que os sentimentos que exibem não precisam ser as emoções que sentem e percebem que têm algum controle sobre isso. Crianças com maior capacidade e competência no uso de estratégias de regulação emocional estão em uma posição para um melhor desempenho acadêmico e social. No entanto, a conexão entre o controle comportamental fraco e a rejeição pelos pares começa muito cedo (HOLODYNSKI; FRIEDLEMEIER, 2006). 2.3 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: TEMPERAMENTO INFANTIL O temperamento é considerado um fenômeno biológico ou fisiológico, que é mais importante nos primeiros anos e pode ser moderado pela parentalidade mais sensível (FOX; CALKINS, 2003). Embora existam muitas variáveis temperamentais diferentes, que foram exploradas na literatura, várias parecem estar particularmente relacionadas à regulação emocional. Afetividade negativa é a probabilidade de que uma criança se torne facilmente irritada, ansiosa, temerosa ou facilmente entristecida em situações novas. A irritabilidade está relacionada tanto a comportamentos mais internalizantes e externalizantes quanto à competência social deprimida. A baixa regulação emocional e alta negatividade, TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 43 ao expressar emoções, estão associadas a mais problemas com comportamento, interações entre pares problemáticas e psicopatologias posteriores (EISENBERG; LIEBERMAN; WILLIAMS, 2003). Deste modo, as crianças que são bem-sucedidas em seus relacionamentos tendem a ter uma regulação da atenção mais forte e uma baixa emotividade negativa (EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). Pesquisadores têm se interessado pela relação entre o temperamento precoce e o posterior esforço de controle. Existem precursores temperamentais precoces relacionados à regulação emocional. A reatividade precoce ao medo, por exemplo, está relacionada ao esforço de controle (HILL-SODERLUND; BRAUNGART-REIKER, 2008). Outros pesquisadores demonstraram que a inibição precoce e a irritabilidade constituem risco para distúrbios internalizantes, mais tarde, especialmente para meninas (LETCHER et al., 2009). A reatividade emocional negativa está relacionada à regulação emocional, pois tem a ver com o limiar, a intensidade e a duração da excitação emocional. As crianças devem aprender a controlar a reatividade emocional negativa para evitar dificuldades emocionais (FOX; CALKINS, 2003). Crianças reativas/inibidas, com pouca regulação da atenção, apresentam maiores níveis de problemas comportamentais (SANSON et al., 2009). A chance mais significativa de um desempenho acadêmico ruim ocorre quando os alunos são altamente reativos em situações emocionais, expressam emoções negativas e não possuem estratégias adaptativas para regulá-las (FABES et al., 2001). A alta emotividade da raiva e a fraca regulação das emoções positivas predizem problemas de externalização, mas também de comportamentos pró-sociais (RYDELL; BERLIN; BOHLIN, 2003). Quando as condições são estressantes,uma criança com reatividade significativa pode ter dificuldades que não seriam observadas em condições de baixo estresse. O esforço de controle é importante em relação à regulação emocional, pois é a capacidade de controlar a reação de uma pessoa a um input para que uma meta possa ser alcançada. Desenvolve-se pelos quatro anos de idade. Crianças com forte esforço de controle podem se concentrar e desviar a atenção, podem ter reações emocionais positivas e negativas, e são menos propensas a ficarem frustradas em algumas situações (FOX; CALKINS, 2003). O esforço de controle também está associado ao desenvolvimento de consciência ou conscienciosidade. Meninos com esforço de controle alto são mais simpáticos que os pares (EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). Tubbs (2007) descobriu que as crianças que têm dificuldades com as transições são propensas a explosões de raiva, têm dificuldade em expressar seus sentimentos, são facilmente frustradas, tristes e têm dificuldade em se acalmar depois de ficarem chateadas. Essas crianças estão exibindo desregulação emocional, devido a uma combinação de temperamento, e regulação emocional fraca. Isso por vezes é diagnosticado erroneamente como déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A capacidade de lidar ativamente, e com sucesso, com a emoção, é mais importante do que o temperamento por si só. UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 44 2.4 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: ALUNOS COM IDADE ESCOLAR Crianças em idade escolar desenvolvem mais conhecimentos conceituais sobre emoções e regulação emocional. Nessa idade, as emoções são sentidas mais rapidamente e com maior complexidade. Uma grande conquista emocional da primeira infância é a internalização de comportamentos culturalmente esperados, que geram as emoções do orgulho e da vergonha. A essa altura, os pais, ou responsáveis, não precisam mais estar presentes para que a criança em idade escolar regule a emoção (HOLODYNSKI; FRIEDLEMEIER, 2006). Os profissionais da escola precisam entender que a regulação emocional, o humor geral ou a disposição, e o afeto acadêmico, contribuem de forma singular para as médias de notas dos alunos. As crianças praticam e melhoram as estratégias de regulação emocional enquanto brincam com irmãos e colegas. Os colegas e irmãos modelam a regulação exatamente como os modelos dos pais. As crianças também podem direcionar, umas às outras, o uso de estratégias (HOLODYNSKI; FRIEDLEMEIER, 2006). Elas se tornam mais conscientes e mais conformes com as normas culturais para exibir emoções. Aprendem a “mascarar” ou esconder as emoções que sentem, para evitar ferir os outros, evitar constrangimentos, chamar a atenção, fazer com que outras pessoas sintam pena delas e obtenham ajuda. Raiva, tristeza e medo possuem regras de exibição que são dominadas em diferentes idades. A raiva é socializada cedo pela pressão dos pais. A tristeza e o medo são socializados depois dos oito anos de idade. Diferenças de papéis de gênero, para exibições emocionais, são comumente reforçadas no início do Ensino Fundamental, com o pai do mesmo sexo assumindo o papel principal no treinamento. Embora as regras de exibição para a raiva possam ser abordadas desde o início, elas são mais complicadas do que para outras emoções. A provocação é uma maneira de pais, irmãos e colegas ensinarem as regras de exibição. As crianças costumam usar regras de exibição antes de perceberem que as conhecem (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Contudo, a prática com regras de exibição ocorre, de fato, no contexto de interações com os pares, e a maior prática é obtida no contexto escolar (FOX; CALKINS, 2003). A regulação emocional está também relacionada à competência social. Os pares, para alunos em idade escolar, são uma fonte de apoio emocional. Eles modelam o controle emocional um do outro. Crianças que são rejeitadas pelo grupo de pares são impedidas de praticar o desenvolvimento do controle emocional, o que é muito importante durante esse período (FOX; CALKINS, 2003). Aos 10 anos, as crianças já usam estratégias de enfrentamento focadas no problema. A reestruturação cognitiva e as estratégias de tomada de decisão aumentam do início ao final do Ensino Fundamental e expandem-se em variedade. Normalmente, crianças em idade escolar sabem quando exibir ou mascarar emoções. Elas também interpretam com precisão as próprias emoções e as emoções dos outros. Essas habilidades facilitam a competência social (EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 45 As estratégias de distração e recuperação mais sofisticadas são dominadas na meia infância (HAMPLE; PETERMANN, 2005). Embora a ação direta e a busca de apoio sejam normalmente usadas por alunos do Ensino Fundamental, as estratégias de enfrentamento cognitivo, incluindo a reestruturação cognitiva, aumentam à medida que os alunos passam dos primeiros anos aos últimos anos do Ensino Fundamental. Contudo, alunos que são mal-humorados ou que exibem emoções negativas experimentam mais rejeição de pares do que outros. Os professores também contribuem para a regulação emocional dos alunos. O relacionamento dos professores com seus alunos faz uma enorme diferença. O clima da sala de aula também é importante. A desregulação emocional pode colocar os alunos em risco de rejeição dos colegas porque os colegas gostam de alunos que têm um forte esforço de controle em relação às suas emoções. Além disso, uma regulação mais forte das emoções também está ligada a um melhor desempenho escolar (GUMORA; ARSENIO, 2002). A regulação de emoções mais fortes está conectada positivamente aos relatórios dos professores sobre o sucesso acadêmico e a produtividade dos alunos. Ter fortes habilidades de regulação emocional geralmente resulta em melhores relacionamentos aluno-professor. É importante ressaltar que isto também está associado a bons resultados iniciais de alfabetização e obtenção de notas mais elevadas em testes padronizados de matemática. Os professores precisam ter em mente que os alunos que têm dificuldade em regular-se em casa também podem ter dificuldades na escola e vice-versa. 2.5 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: ADOLESCÊNCIA A pesquisa não apoia a conceituação popular da adolescência como um período de estresse emocional ou crise. Apenas uma minoria de adolescentes vivencia a adolescência como um período de mau humor e negatividade. O desenvolvimento emocional continua, durante o período da adolescência, com diferenças individuais significativas sendo evidentes. A maioria dos adolescentes lida com as mudanças normais que ocorrem de uma maneira emocionalmente positiva. Os pais continuam a ser importantes e influentes no que diz respeito à regulação emocional, especialmente em relação à sua consciência e aceitação de suas próprias emoções e às emoções de seus filhos adolescentes. Os pais treinam as emoções dos seus filhos durante a adolescência, entretanto também podem atrapalhar. Adolescentes com mães que frequentemente abafam suas expressões emocionais positivas, acabam invalidando a expressão emocional positiva de si mesmos ou acabam exibindo sintomas depressivos (YAP et al., 2008). Isto é ainda mais evidente se os pais são altamente controladores. Pais que respondem negativamente ao comportamento emocional do adolescente e mães com desregulação emocional, ambos reforçam as dificuldades de regulação da emoção do adolescente. Do mesmo modo, os problemas psicológicos dos pais resultantes da tensão financeira afetam as relações pais-adolescente, e isso tem demonstrado resultar em um ajuste mais negativo em adolescentes. UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 46 A regulação emocional é um dos processos mais cruciais do período de desenvolvimento do adolescente. A capacidade de regular as emoções na adolescência depende muito das consideráveis mudanças cognitivas que ocorrem durante esse período, diferem significativamente entre adolescentes saudáveis. O aparecimentode novos estados emocionais ocorre antes que o adolescente possa regulá-los. Adolescentes tipicamente têm dificuldade notável em gerenciar funções executivas para modificar decisões emocionais. As emoções mais intensas que os adolescentes experimentam exigem funções executivas, que podem inibir tendências emocionais. O monitoramento do desempenho está relacionado à regulação emocional. Adolescentes mais jovens, muitas vezes, são incapazes de ajustar seu pensamento e comportamento quando as situações emocionais são intensas ou importantes para eles. Os alunos que têm dificuldade em alternar entre as regras de ordem superior, ou que têm dificuldade em mudar em geral, também têm dificuldade em gerenciar como eles veem situações emocionais, quando é possível ter mais de uma maneira de ver as coisas. À medida que o cérebro e, especialmente, as funções executivas se desenvolvem, o adolescente é mais capaz de monitorar o comportamento, e se concentrar em formas alternativas de observar situações e eventos, desvinculando- se de sinais emocionais e regulando as emoções negativas. Adolescentes com déficits no funcionamento executivo, como estudantes com TDAH, têm dificuldade em regular as emoções e correm o risco de desenvolver ansiedade ou sintomas depressivos devido à intensidade das emoções que sentem. As expectativas ansiosas de rejeição dos colegas podem levar ao retraimento entre os adolescentes, enquanto que expectativas de raiva pela rejeição de colegas podem desencadear interações agressivas. A adolescência é um período em que a reatividade afetiva aumenta e os estudantes são mais vulneráveis à desregulação emocional. Os adolescentes, no início da adolescência, que podem tanto regular as exibições emocionais quanto também reconhecer as emoções que seus amigos estão exibindo, são considerados amigos pelos colegas. Jovens adolescentes continuam a distinguir entre tristeza e raiva e a reagir a sugestões de tristeza ou raiva apropriadamente. No entanto, o afeto negativo aumenta, em muitos casos, entre o oitavo e nono ano escolares (CIARROCHI, 2006). Ao mesmo tempo, descobriu-se que as emoções positivas diminuíram um pouco entre o 8º ano escolar e Ensino Médio, com os meninos experimentando mais diminuições no humor diário do que as meninas, mas as meninas apresentando maior humor deprimido, sem alterações ao longo do tempo. No meio da adolescência, os alunos são mais vulneráveis a problemas na regulação da emoção. Adolescentes de 16 anos, por exemplo, são pensadores lógicos, mas não dominam o controle regulatório emocional, o que pode complicar a tomada de decisões e colocá-los em risco, todavia a capacidade regulatória melhora no final da adolescência (STEINBERG, 2005). Os adolescentes experimentam um aumento na capacidade de tolerar emoções negativas. À medida que amadurece a capacidade de autorregulação, o mesmo acontece com a capacidade de iniciar novas tendências emocionais e capacidade de mudar tendências emocionais no comportamento (YAP et al., 2008). TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 47 Na adolescência, os alunos desenvolvem a capacidade de avaliar seu comportamento em termos de como isso se relaciona com o alcance de metas. Os adolescentes aprendem a aceitar seus sentimentos e a lidar com as reações emocionais dos outros (HOLODYNSKI; FRIEDLMEIER, 2006). A tomada de perspectiva emocional desenvolve na adolescência, juntamente com alterações neurobiológicas. A melhora na capacidade de regulação emocional está relacionada às mudanças fisiológicas no cérebro que mudam o controle para a parte racional/pensante do cérebro (MCRAE et al., 2010). Hample e Petermann (2005) identificaram dois picos na maturação dos processos metacognitivos durante a adolescência, de modo que podem ocorrer mudanças bifásicas no desenvolvimento de estratégias complexas. Isso pode ser apreciado pelo fato de que a reestruturação cognitiva melhora um pouco durante o início da adolescência, mas depois diminui no meio da adolescência por um tempo. 3 INFLUÊNCIAS AMBIENTAIS: A INFLUÊNCIA DA CULTURA A expressão, a experiência e a regulação emocional são extraordinariamente influenciadas pela cultura. As culturas diferem no que diz respeito à interpretação de experiências afetivas e estratégias de regulação. Para os estudantes norte- americanos, brancos e da classe média, há um forte impulso cultural para controlar o comportamento e as emoções. Parece ser uma expectativa cultural nos Estados Unidos atual falar sobre emoções. Contudo, este não é um valor em todas as culturas (HOFFMAN, 2009). Holodynski e Friedlmeirer (2006) exploraram formas culturalmente específicas em que os indivíduos interpretam as experiências emocionais. Alunos criados em culturas ocidentais experimentam emoções como algo que ocorre internamente. Eles são ensinados a valorizar a expressão da emoção. A raiva é aceitável quando o objetivo é defender os direitos de alguém, e deve ser expressa apropriadamente, sem agressão física. O orgulho também é aceitável e os direitos de se gabar são valorizados. Os estudantes da cultura dominante atual preferem estratégias focalizadas no problema e estratégias de ação para regular o afeto. A cultura modela a regulação emocional enquanto os indivíduos interagem. Diferentes culturas têm diferentes crenças sobre a autorregulação em geral, e essas crenças determinam as maneiras pelas quais as emoções são expressas, e até mesmo como as emoções são sentidas pelos indivíduos. As crianças são ensinadas de maneiras diferentes de cultura para cultura. Mães de diferentes culturas ensinam seus filhos a regular emoções negativas e controlar a expressão ou a exibição de emoções negativas. Uma pesquisa verificou que mães norte-americanas da cultura dominante intervêm quando seus filhos expressam uma emoção negativa. Contudo, as mães japonesas são proativas em garantir que seus filhos não experimentem emoções negativas, impedindo que sejam expostos a contextos que estimulem demais as emoções (HOLODYNSKI; FRIEDLMEIER, 2006). As normas culturais são influenciadas pela educação, status socioeconômico, localidade, crenças e valores familiares, discriminação e contexto histórico (HOLODYNSKI; FRIEDLMEIER, 2006). UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 48 Existem diferenças no alcance e na intensidade das emoções que indivíduos de diferentes culturas exibem, bem como as emoções específicas que se encaixam em contextos e atitudes particulares em relação a diferentes emoções. Estratégias e habilidades para regular emoções que são aprendidas em uma cultura podem não ser apropriadas ou aceitas em outra cultura. Existem diferenças sutis em como interpretamos as emoções de uma cultura para outra. Somos melhores em julgar as emoções dos indivíduos de nossa própria cultura quando olhamos para as expressões faciais. Em algumas culturas asiáticas, acredita-se que as emoções resultem de situações. Indivíduos dessas culturas asiáticas acreditam que as emoções são tendências para agir e precisam ser controladas. O orgulho é inaceitável e as estratégias de regulação que são valorizadas são: a distração, a reavaliação e o acalmar-se. As famílias da Ásia oriental exibem uma expressão mais controlada das emoções e, ao interagir com os outros, elas atentam para os olhos dos outros para determinar como esse indivíduo está se sentindo (YUKI et al., 2007). As crianças de grupos minoritários, de grupos imigrantes involuntários ou refugiados precisam lidar com vários problemas de ajuste psicológico. O transtorno psicossocial, entre crianças e adolescentes destes grupos, está relacionado com ansiedade e sintomas fisiológicos, especialmente quando a família está em desvantagem. A dificuldade com o idioma do país de residência, para crianças imigrantes com idioma diferente, está associada ao aumento da ansiedade. O bem-estar é comprometido nestes estudantes quando eles percebem a discriminação. O estresse diário e o estresse de aculturação estãocorrelacionados com a dificuldade de concentração e preocupações excessivas. Ansiedade, discriminação percebida e preocupação com o novo idioma aumentam a probabilidade de diminuição do desempenho escolar. A aculturação complica as coisas, por exemplo, estudantes imigrantes relatam ansiedade e solidão social muito mais altas do que os estudantes nativos (POLO; LOPEZ, 2009). A pobreza também pode resultar em múltiplos estressores e riscos, como violência na vizinhança, maior aglomeração residencial e menor qualidade residencial. Todos estes estão associados a desconforto fisiológico adicional e dificuldade de autorregulação. Certamente, as crianças com boas habilidades regulatórias lidam melhor com estresses cumulativos do que aquelas com habilidades mais fracas. É importante lembrar que a maioria das crianças de minorias étnicas, com ou sem baixa renda familiar e outros fatores de risco, pode desenvolver boas habilidades regulatórias e competência emocional positiva, porque seus cuidadores são sensíveis e competentes. 4 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: O REGULAMENTO NEUROBIOLÓGICO DA EMOÇÃO É particularmente útil entender a neurobiologia da regulação emocional. Existem várias razões pelas quais este é o caso. É útil para os profissionais da saúde e educação entenderem as bases biológicas da emoção para desenvolver TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 49 intervenções e para educar as famílias, já que a psicoeducação é um componente de muitos programas e intervenções no Nível 1, 2 e, especialmente, no Nível 3. Os profissionais precisam explicar a relação entre a emoção sentida e o fato de que a emoção tem uma base biológica ou neurobiológica. Esse entendimento, especialmente o fato de que existem grandes diferenças individuais ao nível cerebral, dissipa o mistério da emoção desregulada, o que torna a desregulação menos assustadora, e ajuda os alunos a perceberem que as emoções podem ser controladas quando interferem nos objetivos; mesmo em um nível simples, pode diminuir o estigma da emoção desregulada e oferecer um caminho para melhorar o funcionamento. O cérebro regula a emoção através da nossa neurologia, fisiologia e pensamento. O sistema emocional do cérebro interconecta-se com uma variedade de estruturas. A maioria dessas estruturas se comunica mutuamente, em uma série de loops positivos e negativos que permitem que o sistema mude. O sistema emocional tem um papel regulador, que pode ser ativado por situações e pensamentos (HOEKSMA; OOSTERLAAN; SCHIPPER, 2004). O sistema cognitivo do cérebro recebe informações do sistema emocional e, em contrapartida, o sistema cognitivo influencia o sistema emocional. A intensidade da emoção que experimentamos está relacionada à ativação do sistema nervoso periférico; músculos faciais e como eles se movem, pistas vocais, comportamento expressivo e a ativação de sistemas neurais (BARRETT et al., 2007). Os mecanismos neurais no cérebro, que têm a ver com a regulação em geral, estão relacionados aos mesmos mecanismos que controlam processos de ordem superior. Isto sugere que devemos ver algumas mudanças significativas na regulação ao longo do desenvolvimento. Do ponto de vista da neurobiologia, a emoção e a cognição trabalham juntas para processar inputs e determinar tendências de ação resultantes. Os mesmos processos que geram a emoção também a regulam. Três estruturas cerebrais são particularmente importantes para a compreensão da regulação emocional: a amígdala, o córtex pré-frontal e o hipocampo. Naturalmente, essas não são todas as estruturas envolvidas, e o cérebro é um órgão muito complexo, mas é mais útil uma simplificação da neurobiologia da emoção. Uma metanálise de 385 estudos de ressonância magnética funcional mostra que todos os inputs emocionais estão associados ao aumento da atividade da amígdala, tanto para emoções negativas quanto positivas (COSTAFREDA et al., 2008). A amígdala não produz experiências afetivas, mas aumenta nossa sensibilidade em relação ao input emocional, influenciando a forma como o input de nossos sentidos é processado no cérebro. A sensibilidade ao afeto é representada pela atividade da amígdala. As conexões que a amígdala tem com outras áreas do cérebro indicam que essa estrutura é o nexo para modular as experiências emocionais e o processamento sensorial, particularmente do sistema visual (BARRETT et al., 2007). A amígdala é fundamental na detecção de possíveis ameaças e está envolvida na experiência do medo e da ansiedade. No entanto, a amígdala avalia o significado emocional de todos os inputs e determina a rapidez com que reagimos, dependendo do grau que a amígdala é ativada. Quanto maior a ativação, mais rápido o sistema funciona e mais negativamente o input é interpretado. UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 50 A amígdala é ativada em reação a rostos desconhecidos, vocalizações temerosas e a qualquer coisa que seja emocionalmente importante para nós (HERBA et al., 2006). Está envolvida na formação de atitudes, em estereotipar e na percepção de pessoas. A amígdala está envolvida na interpretação de sinais emocionais e sociais, especialmente dos rostos e olhos de outras pessoas. Crianças com transtornos do espectro do autismo, que têm pouca cognição social, têm uma amígdala grande (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2010). Elas demonstram ativação anormal da amígdala quando tentam entender o significado social do olhar fixo. Por causa disso, e outras diferenças cerebrais, essas crianças não obtêm o significado social e emocional completo das pistas de outras pessoas. As crianças com TDAH apresentam um alto nível de atividade da amígdala ao olhar para rostos neutros e avaliá-los para determinar se eles parecem ou não amedrontados. A atividade excessiva da amígdala em relação a outras estruturas cerebrais parece estar relacionada a uma tendência à agressão impulsiva. Há aumento da atividade na amígdala em indivíduos deprimidos (LAMBERT; KINSLEY, 2004). Descobriu-se também que os adolescentes com transtorno bipolar têm amígdala menor, o que pode dificultar a regulação do humor (DELBELLO et al., 2004). É importante perceber que, sempre que um aluno estiver estressado e se este aluno também tem uma regulação emocional reduzida, será muito difícil para o aluno recuperar o controle quando estiver chateado (SIEVER; WEINSTEIN, 2009). A emoção e a cognição contribuem, igualmente, para o controle do pensamento e do comportamento. O córtex pré-frontal tem conexões recíprocas com o hipocampo e a amígdala. O córtex pré-frontal e o hipocampo estão entre as várias estruturas cerebrais que nos ajudam a controlar as emoções. Esta parte do córtex é importante para a regulação emocional, pois é crítico na regulação negativa do afeto negativo. Indivíduos que experimentam pouca ativação dessa estrutura podem ter dificuldade em regular a emoção negativa. O córtex pré-frontal, é, também, a área do cérebro que processa funções cognitivas de ordem superior. É a parte pensante do cérebro, a área de raciocínio e a área de planejamento, e é, particularmente, sensível ao estresse. Quando um indivíduo é exposto a um estresse incontrolável, o córtex pré-frontal perde sua capacidade de funcionar adequadamente. Quanto mais prolongado o estresse, maior o risco de alterações no córtex pré-frontal. Esta parte do córtex também está envolvida com a atividade direcionada por objetivos e a memória operacional torna-se mais especializada e eficiente durante a adolescência. Isso é importante, porque as emoções mais intensas e complexas exigem mais regulação pelas funções executivas do cérebro. O hipocampo desencadeia a liberação de hormônios do estresse, e armazena os fatos de experiências emocionais ou a memória de experiências emocionais. 4.1 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: REGULAÇÃO DE EMOÇÕES E ATENÇÃO A regulação emocional tem componentes de monitoramento e componentes executivos (COMPTON et al., 2008). O controle emocional tem a ver com a capacidade de concentrare desviar a atenção conforme necessário. O controle da atenção é um processo de fundação, que muitos pesquisadores TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 51 afirmam que facilita a regulação da emoção negativa. Estudos de mapeamento cerebral que mostram o fluxo sanguíneo no cérebro, quando é feito em uma criança que está processando a emoção, e esta recebe uma tarefa que exige concentração ou atenção intensa, o fluxo sanguíneo diminui no córtex pré-frontal. Isso demonstra a íntima conexão entre atenção e emoção e faz sentido, pois os processos de atenção e emoção têm circuitos sobrepostos no cérebro. Deste modo, sabemos que a atenção pode regular a emoção. Emoções, por sua vez, podem influenciar a capacidade de uma criança prestar atenção quando está passando por estresse. Essa é a razão pela qual crianças que possuem pouca capacidade de atenção também têm dificuldade em controlar suas emoções e comportamento (IZARD, 2002). A rede de atenção executiva é importante na autorregulação das emoções positivas e negativas. Isso torna a conexão entre a regulação emocional e a atenção ainda mais clara. Diferenças individuais na variabilidade de emoções estão relacionadas a diferenças no funcionamento executivo, por sua vez, essa conectividade afeta a regulação emocional (HOEKSMA; OOSTERLAAN; SCHIPPER, 2004). O controle da atenção parece ser um passo crítico no desenvolvimento da regulação emocional. Diferenças individuais na capacidade de manter a atenção ou desviá-la de algo perturbador têm a ver com o autocontrole da própria. Situações negativas são processadas mais rapidamente no cérebro do que eventos positivos, e quando um indivíduo experimenta emoções intensamente, os processos de atenção tornam-se tendenciosos em direção à negatividade. A ansiedade diminui se um indivíduo não consegue desvincular sua atenção de pensamentos negativos sobre si mesmo ou sobre situações. Desta forma, as emoções negativas tornam-se mais intensas e duram mais (FOX; CALKINS, 2003). Em crianças ansiosas, a atenção se volta para os inputs ameaçadores (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2010). É importante entender que as crianças ansiosas não prestam mais atenção ou atendem mais rapidamente às ameaças percebidas, o problema que elas têm é a dificuldade de se desvincular dos inputs ameaçadores (FOX; CALKINS, 2003). Crianças que têm dificuldade em regular a atenção correm o risco de desregulação emocional (SHIELDS; CICCHETTI, 1998). Indivíduos com alto traço de ansiedade diminuem a orientação e atenção executiva quando faces emotivas capturam sua atenção (DENNIS; CHEN, 2007a). 4.2 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: MUDANÇA DE ATENÇÃO A capacidade de mudar a atenção ou, mais especificamente, mudar o foco de atenção é uma habilidade importante para o sucesso escolar. Este é, particularmente, o caso quando uma criança está tentando atender mais de um interesse, como quando um aluno está sussurrando ao seu lado ao mesmo tempo em que seu professor está dando instruções. Essa habilidade também é necessária em muitas situações sociais. Alguns alunos têm dificuldade em não apenas deslocar-se entre interesses conflitantes, mas também de deslocar-se do estado desatento ao estado de engajamento. UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 52 Crianças com certas deficiências ou dificuldades de aprendizagem têm dificuldade em mudar o foco. Aquelas que podem mudar sua atenção e persistir são mais capazes de atenuar suas emoções negativas. No entanto, há efeitos significativos da idade, quando consideramos a capacidade de mudar o foco atencional e os conjuntos atencionais. Durante a adolescência, o córtex pré-frontal se torna mais maduro e há uma melhora simultânea no funcionamento emocional em adolescentes normais. 4.3 REGULAÇÃO EMOCIONAL: MEMÓRIA DE TRABALHO A memória de trabalho é a capacidade de armazenar informações por curtos períodos. A memória de trabalho é tanto verbal quanto espacial e ambas estão representadas no cérebro, com a memória de trabalho verbal associada ao hemisfério esquerdo, e a memória operacional verbal e espacial associada ao hemisfério direito. Diferenças individuais na atividade da amígdala predizem o desempenho em tarefas de memória de trabalho; em particular, mais atividade na amígdala resulta em um tempo de resposta mais rápido em condições de alta carga de memória de trabalho. Isso fornece evidências para indicar que a amígdala influencia o cérebro cognitivo. Há também evidências que indicam que a rede de atenção executiva apoia a autorregulação (RUEDA; POSNER; ROTHBART, 2005). Indivíduos com mais capacidade de memória de trabalho expressam menos emoção, porque são capazes de lidar com o input emocional de uma maneira mais controlada e menos emocional. Indivíduos com baixa memória de trabalho têm desempenho inferior em testes acadêmicos que aumentam a ansiedade. A ansiedade afeta a memória de trabalho através da preocupação dos alunos. Alunos que não podem inibir comportamentos de preocupação são menos eficientes quando estão envolvidos com tarefas que exigem memória operacional. A preocupação usa os recursos de processamento de memória de trabalho disponíveis, e é chamada de apreensão ansiosa na literatura, um comportamento verbal que envolve conversa interior. A preocupação interfere facilmente nas situações de testes acadêmicos. A excitação ansiosa, por outro lado, é mais fisiológica, a alta emoção negativa, que envolve excitação ansiosa, interrompe o ensaio espacial de memória de trabalho. Indivíduos com alta ansiedade demoram mais tempo para um desempenho efetivo em muitas situações acadêmicas e sociais (EYSENCK et al., 2007). O efeito mais pesquisado do desempenho ansioso na escola é o desempenho em matemática. A ansiedade matemática não é vista quando um aluno está trabalhando em problemas simples normalmente, mas é evidenciada quando problemas difíceis estão envolvidos. Alunos com alta ansiedade levam muito mais tempo para obter o mesmo número de itens corretos do que os estudantes com baixa ansiedade, porque se envolvem em um processamento mais lento e mais trabalhoso. Alunos de alta ansiedade são menos eficientes, pois precisam trabalhar muito mais para realizar o mesmo nível que os colegas, em testes de matemática que exigem memória de trabalho, como problemas que exigem TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 53 conhecimento procedural. A memória de trabalho também pode ser afetada pela ameaça do estereótipo, como a ideia de que as meninas não são boas em matemática (BEILOCK; RYDELL; MCCONNELL, 2007). Lembrar aos alunos que eles são capazes, ou dar outras garantias, como pertencer a um grupo com um estereótipo diferente (garotas inteligentes), pode eliminar esses efeitos negativos. Quando a pressão é alta, mesmo os alunos com mais capacidade de memória de trabalho podem usar estratégias menos eficazes, podendo, o desempenho, ser afetado negativamente. Alunos com transtornos de ansiedade podem precisar de uma acomodação que consista em mais tempo para desempenhar em situações de teste. 4.4 INFLUÊNCIAS INTRÍNSECAS: REGULAÇÃO DA EMOÇÃO E HUMOR As emoções e os humores estão relacionados, mas são estados distintos na medida em que diferem de acordo com a duração, intencionalidade, causa, consequências e função. Um humor é um estado emocional prolongado que, quando crônico, pode ser um indicador de um distúrbio. Mudanças de humor são lentas e envolvem sentimentos difusos, que estão pouco conectados à situação em comparação com as emoções, que são reações rápidas a um gatilho específico. Reações emocionais são mais fortemente experimentadas quando combinam com um humor preexistente (ROTTENBERG, 2005). A resposta da amígdala depende do estado de humor ou estado motivacional de um aluno, exceto no caso da resposta da amígdala ao medo, o que parece ser uma resposta inata. Caso contrário, os indivíduos respondem ao input dependendo de sua relevância para o seu humor atual. Os distúrbios do humor não afetam apenasa amígdala, mas também afetam o córtex pré-frontal e outras estruturas cerebrais. Os estudantes que estão deprimidos mostram alta ativação da amígdala, quando olham para expressões faciais tristes ou com medo, e seu pensamento triste recorrente contribui para a diminuição do processamento da informação e dificuldade de concentração da atenção. O humor triste atual se correlaciona com a diminuição do tempo de reação ao tentar identificar alvos de atenção, especialmente em meninas (WANG; LABAR; MCCARTHY, 2006). Os estudantes que fumam têm que lidar com um impulso mais forte quando estão de mau humor à medida que os estados de ânimo negativos aumentam a atenção aos sinais de drogas. Existe uma ligação entre tabagismo e desatenção. O tabagismo entre adolescentes pode ser uma tentativa para se sentirem melhor em alunos vulneráveis (GARDNER; DISHION; POSNER, 2006). O humor negativo também aumenta os vieses de atenção, de modo que os indivíduos respondem a sugestões de comida e sentem fome quando chateados. Nosso humor muda a forma como o nosso sistema visual filtra o que estamos vendo. Quando estamos de bom humor, nosso sistema visual absorve muitas informações, formando uma visão ampla ou global do mundo. Nós coletamos informações periféricas, incluindo mais objetos no ambiente. Isso UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 54 pode ser positivo ou negativo, dependendo dos objetivos individuais. Por exemplo, ao trabalhar em tarefas que exigem atenção detalhada, um clima positivo pode distrair o foco de uma pessoa, porque o campo de visão é expandido. Quando os indivíduos estão de mau humor, eles experimentam a “visão de túnel” (SCHMITZ; DE ROSA; ANDERSON, 2009). Na visão de túnel as pessoas percebem componentes locais, que podem ser úteis ou problemáticos, dependendo dos objetivos individuais. Algumas tarefas exigem muita atenção aos detalhes e atenção concentrada. Nesse caso, um clima negativo pode facilitar o desempenho. Forgas (2007) descobriu que argumentos tiveram um efeito maior em seu público, quando a pessoa que estava discutindo estava de mau humor, porque a comunicação da pessoa era mais concreta. Bäuml e Kuhbandner (2007) afirmam que o humor negativo facilita o processamento específico de itens. O processamento específico de um item não apenas reduz a probabilidade de os indivíduos atentarem a qualquer informação interferente, mas também ajuda as pessoas a lembrarem-se de qualquer coisa que estejam participando ou fazendo. Claramente, o humor afeta o desempenho acadêmico. 4.5 REGULAÇÃO EMOCIONAL: UM RECURSO LIMITADO O cérebro é alimentado por glicose, que infelizmente não tem um suprimento inesgotável. Em outras palavras, pode se esgotar temporariamente se uma criança se envolver em uma tarefa que requer uma quantidade significativa de autorregulação. Ambos os sistemas, o emocional e o cognitivo, parecem depender da mesma fonte de recursos de capacidade limitada (COMPTON et al., 2008). A autorregulação depende da glicose e quando a energia se esgota, as tarefas subsequentes serão mais difíceis, e será subjetivamente sentido, como se as tarefas levassem mais tempo para serem realizadas do que realmente ocorre. Alunos com baixa autoestima e aqueles que usam ruminação quando estressados, têm menos capacidade de se recuperar de uma tarefa que consome muita energia. Curiosamente, os indivíduos que decidem, por si próprios, exercer autocontrole, experimentam menos esgotamento, mas aqueles que são obrigados por outros a exercer autocontrole, como pais ou professores, experimentam mais depleção (MURAVEN; ROSMAN; GAGNÉ, 2007). Ser pressionado a exercer autocontrole requer mais força e energia do que ter liberdade para exercer autocontrole. Os psicólogos escolares e educadores também precisam saber que receber recompensas contingentes para exercer autocontrole também esgota os recursos, já que os indivíduos que recebem recompensas têm um desempenho pior, em uma tarefa subsequente, do que aqueles que recebem recompensas não contingentes. Muitos estudantes têm que trabalhar mais para manter o controle, especialmente estudantes com TDAH, aqueles com alta ansiedade ou sintomas depressivos, e aqueles com transtornos de comportamento. Mas, esses não são os únicos alunos afetados por esse fenômeno, mesmo os alunos com forte raciocínio fluido podem ficar estressados quando precisam regular suas emoções, possivelmente porque estão usando tanta memória de trabalho, ou porque tendem a escolher tarefas TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 55 complexas, em vez de selecionar as maneiras mais fáceis de fazer as coisas. Todos esses alunos precisam trabalhar mais para atender aos requisitos e permanecer no controle. Mesmo estratégias particulares de regulação de emoções, como a supressão de emoções, esgotam a energia. É importante saber o que podemos fazer para ajudar os alunos a recuperar energia, ou força para que possam funcionar na próxima aula ou na próxima tarefa. Baumeister (2002) descobriu que o descanso fazia diferença. Experimentar emoções positivas também permite que os indivíduos se recuperem. Sentimentos de autonomia também ajudam os alunos a reabastecer a energia (MURAVEN; ROSMAN; GAGNÉ, 2007). Os alunos que têm um descanso, ao realizar uma tarefa “leve” ou fácil, e aqueles que recebem um pequeno presente surpresa, também se recuperaram. Até mesmo o treinamento em estratégias de autocontrole parece melhorar a capacidade de autorregulação. 5 DESREGULAÇÃO EMOCIONAL A dificuldade com as emoções e a regulação emocional pode afetar o funcionamento de várias maneiras. Os adolescentes que são pessimistas sentem que são incapazes de influenciar seus pares, e tendem a não tentar desenvolver ou manter redes de amizade. Baixa competência emocional pode afetar a busca de ajuda. Os adolescentes que não são qualificados em competência emocional são os menos propensos a pedir apoio emocional à família ou amigos, ou a procurar ajuda de profissionais. Quando perguntados sobre este tema, eles alegam que nem pretendem procurar ajuda de ninguém (CIARROCHI, 2006). Alunos com pouca consciência emocional e fraca regulação emocional são mais propensos a usar drogas (HESSLER; KATZ, 2009). A má autorregulação pode estar intimamente relacionada ao abuso de substâncias e dificuldades semelhantes (BAUMEISTER, 2002). Adolescentes com má regulação emocional e dificuldade de expressão emocional são mais propensos a usar drogas e a ter problemas de adaptação (HESSLER; KATZ, 2009). Repetto, Zimmerman e Caldwell (2008) sugerem que os adolescentes podem usar maconha para regular seu humor. Aqueles com mais intensa emoção e responsabilidade emocional, juntamente com a má regulação, experimentam mais sintomas depressivos, os quais eles tendem a negar ou permanecer em intenso pensamento (STEINBERG, 2005). Adolescentes internalizantes tendem a usar estratégias ineficientes para regular a emoção, regulação como a autocensura e a ruminação. Tanto as dificuldades de externalização como as de internalização aumentam a probabilidade de um adolescente começar a fumar cigarros, embora a internalização leve ao fumo apenas em meninas. A desatenção também tem sido associada ao uso do tabaco na adolescência média (GARDNER; DISHION; POSNER, 2006). UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 56 5.1 DESREGULAÇÃO EMOCIONAL: TRANSTORNOS INTERNALIZANTES Existem diferenças individuais consideráveis na forma como reagimos ao input emocional. As crianças com dificuldades de aprendizagem têm uma regulação emocional mais baixa em comparação com os alunos sem dificuldades de aprendizagem. Elas têm dificuldade com interações sociais e habilidades sociais ruins. Têm um vocabulário inadequado de emoções e, consequentemente, têm dificuldade em reconhecer sentimentos em si mesmos e nos outros. Muitas vezes se sentem zangados e confusos nas aulas (ELIAS, 2004). A depressão maior está relacionada a uma diminuição da reatividadeemocional a situações e eventos tristes (ROTTENBERG, 2005). Uma disfunção no córtex pré-frontal e na amígdala é encontrada em indivíduos deprimidos. No caso da depressão, o aumento da atividade ocorre tanto na amígdala quanto no córtex pré-frontal, de modo que os indivíduos também têm dificuldade em focar a atenção (LAMBERT; KINSLEY, 2004). A prevalência de depressão em pré- escolares é aproximadamente a mesma que para crianças em idade escolar (LUBY et al., 2009). Adolescentes com sintomas depressivos relatam emoções intensas e lábeis. Eles exibem menos regulação emocional efetiva do que seus pares. A evitação emocional e a supressão do pensamento de estudantes ansio- sos podem interferir no sucesso escolar, aumentar o comportamento ansioso em resposta a estímulos emocionais e impedir respostas adaptativas (SALTERS-PED- NEAULT et al., 2004). As crianças com transtornos de ansiedade têm dificuldade em controlar não apenas as preocupações, mas também a tristeza e a raiva em reação às experiências. Elas relatam ter experimentado emoções em alta inten- sidade e têm pouca confiança em sua capacidade de regular (SUVEG; ZEMAN, 2004). Muitas crianças com depressão e transtornos de ansiedade internalizam suas emoções e se retraem, o que dificulta sua identificação. Alunos com sintomas de ansiedade ou depressão precisam construir emoções positivas para ajudá-los a fortalecer sua capacidade de lidar com o estresse (BEESDO et al., 2007). Suveg e Zeman (2004) identificaram semelhanças tanto com a ansiedade quanto com a depressão, o que incluiu baixa consciência emocional, desregulação e fraca regulação das emoções. Afeto negativo alto é comum a ambos os transtornos. No Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) a amígdala é mais ativa em resposta ao estresse e é mais ativa durante os períodos sintomáticos. O grau de atividade da amígdala está associado à intensidade dos sintomas. Seções do córtex pré-frontal nesses alunos são menores e não respondem como o necessário. O córtex pré-frontal sub-responde a estímulos emocionais e o hipocampo tem menos volume também. TÓPICO 2 | A REGULAÇÃO EMOCIONAL 57 5.2 DESREGULAÇÃO EMOCIONAL: TRANSTORNOS EXTERNALIZANTES Estudos sobre o processamento emocional de crianças com TDAH indicam déficits na linguagem emocional (subdesenvolvida), na regulação de emoções, na expressão de emoções e no reconhecimento de emoções, especificamente dificuldade em reconhecer emoções expressas no rosto de outros (KATS-GOLD; PRIEL, 2009). A pesquisa demonstrou ainda que os alunos com TDAH têm um déficit global no processamento de emoções, além de dificuldades em identificar as emoções expressas nos rostos. Alunos com TDAH têm dificuldade considerável em usar o contexto para entender emoções. As deficiências da função executiva e os sintomas de TDAH predizem a regulação emocional disfuncional. Os sintomas do TDAH também predizem a competência social deprimida (WAHLSTEDT; THORELL; BOHLIN, 2008). Evidências recentes sugerem que as crianças com TDAH se preparam para prestar atenção às informações que chegam de forma diferente, por causa das más conexões entre as redes de atenção no cérebro. Parece haver uma desconexão entre o centro que aloca atenção e as redes de processamento visual (MAZAHERI et al., 2010). Os neurobiólogos também identificaram conexões anormais entre a amígdala e o córtex pré-frontal em indivíduos com TDAH, sugerindo uma possível razão para a desinibição identificada em crianças e adolescentes com TDAH. Em indivíduos com menos sintomas de TDAH, o hipocampo tende a ser aumentado, o que poderia indicar que o hipocampo está funcionando de forma compensatória. Alunos com TDAH têm um tempo rápido de aumento, e de pico, quando experimentam emoções, o que os faz experienciarem emoções mais extremadas, o que Goldstein e Naglieri (2008, p. 863) pensam que seja “uma incapacidade impulsiva de separar o pensamento da emoção”. As questões de atenção vivenciadas pelas crianças com deficiência dificultam a criação de estratégias, pois elas não estão atendendo às informações disponíveis, e têm dificuldade em gerenciar mudanças durante o engajamento social. A atenção concentrada é necessária para continuar a interagir com um companheiro de brincadeiras quando outros colegas estão próximos, são barulhentos, estão chamando ou fazendo algo interessante. Um caso especial é a criança com comorbidade de TDAH e ansiedade. Ao nível cerebral, os pesquisadores pensam que há um mecanismo de bloqueio nos cérebros desse grupo de estudantes entre o córtex pré-frontal, o hipocampo e a amígdala. Funcionando de maneira diferente, esse mecanismo diminui a inibição do córtex pré-frontal e permite uma maior contribuição da amígdala. Isso permite uma maior influência dos processos de ansiedade. As crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade comórbidas têm maior risco de problemas de longo prazo, são menos sensíveis à raiva auditiva e menos responsivas a certos tratamentos (MANASSIS et al., 2007). Sua ansiedade é diferente daquela das crianças com transtornos de ansiedade, particularmente na percepção auditiva reduzida da raiva. A memória de trabalho verbal parece ser afetada neste grupo UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 58 de crianças com transtornos comórbidos, juntamente com fraquezas do lobo frontal, que afetam a inibição da emoção negativa e as respostas consequentes aos estímulos ambientais. Alunos que têm problemas de comportamento são pensados como tendo capacidade ineficaz para regular emoções negativas. As intervenções devem impactar esses sistemas ineficientes do cérebro. Crianças com problemas comportamentais demonstraram apresentar déficits na compreensão emocional e um estilo rígido e excessivamente comprometido de regulação emocional (LEWIS et al., 2008). Estudantes agressivos, que são rejeitados por seus colegas, demonstram mais emoção negativa do que outros, e têm dificuldade em regular tanto a maneira como expressam emoções quanto sua experiência interna de emoção (EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). Crianças que foram maltratadas exibem uma variedade de comportamentos emocionais desregulados. Elas mostram os primeiros medos e padrões de emoções iradas e lábeis, bem como emoções planas e embotadas. Crianças maltratadas sentem mais raiva do que seus colegas, são mais reativas e mais irritáveis. Elas exibem emoções inadequadas e inflexíveis ao interagir com os colegas. Também exibem pontos fracos na compreensão de emoções, comunicação emocional e habilidades de reconhecimento de emoções. Parecem estar tentando se proteger de ameaças reais e percebidas, e experimentam emoções mais intensas e empatia deprimida (SHIELDS; CICCHETTI, 1998). Crianças abusadas demonstram mudança atípica de atenção e concentração. Elas ficam fixadas e ruminam pensamentos angustiantes. Sua capacidade de modular a atenção é fraca, o que pode contribuir para a desregulação emocional. No transtorno bipolar, os neurobiólogos encontraram estruturas menores da amígdala e do hipocampo, com maiores reduções na amígdala. Essas diferenças podem ser detectadas precocemente na doença em adolescentes. Trabalhos recentes sobre transtorno bipolar identificaram um fenótipo chamado “Medo de Dano” (PAPOLOS et al., 2009). Indivíduos que se enquadram nessa categoria apresentam déficits de atenção e executivos, ansiedade, agressividade, sensibilidade sensorial e problemas do ciclo vigília/sono. Alunos com transtornos de personalidade borderline exibem uma alta intensidade de emocionalidade negativa, combinada com um déficit nos controles de atenção executiva. Indivíduos com transtornos de personalidade limítrofes, ou antissociais, exibem um limiar baixo para a agressão impulsiva. Esse baixo limiar parece estar relacionado à reatividade excessiva da amígdala (SIEVER; WEINSTEIN, 2009). Em suma, quando a regulação da emoção prejudicada ou inadequada está presente, pode haver comportamentos consequentesque também são inadequados. Estes estão associados a interações sociais ruins, com comportamentos inadequados e arriscados, e no pensamento negativo repetitivo exibido por alunos com transtornos psiquiátricos. A base cerebral da desregulação emocional é clara. 59 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico você aprendeu que: • A regulação emocional é um componente crítico da educação afetiva, e atraiu uma quantidade significativa de pesquisa e interesse clínico. • Pesquisas apontam que a boa regulação de todas as emoções, exceto o medo, está associada ao comportamento pró-social. • A regulação emocional é um subconjunto do conceito mais geral de autorregulação. • O estilo parental e a interação com os filhos, durante os dois primeiros anos de vida, ensinam a regulação emocional infantil através da modelagem e do referenciamento social. • As crianças aprendem estratégias de regulação emocional por interação com pais competentes que ensinam estratégias ou demandam diretamente seus filhos. • Quando os pais fornecem estrutura e orientação racional em situações emocionais, eles estão afetando a compreensão emocional e a regulação emocional. • Durante o período pré-escolar, as crianças expressam menos emoções negativas à medida que aprendem estratégias para controlar estas emoções. • As crianças pré-escolares tendem a favorecer estratégias como o desabafar e a ruminação, que são relativamente ineficazes. • O temperamento é considerado um fenômeno biológico ou fisiológico que é mais importante nos primeiros anos e pode ser moderado pela parentalidade mais sensível. • A reatividade emocional negativa está relacionada à regulação emocional, pois tem a ver com o limiar, a intensidade e a duração da excitação emocional. • Crianças em idade escolar desenvolvem mais conhecimentos conceituais sobre emoções e regulação emocional. • As crianças praticam e melhoram as estratégias de regulação emocional enquanto brincam com irmãos e colegas. • As estratégias de distração e recuperação mais sofisticadas são dominadas na meia infância. 60 • A capacidade de regular as emoções na adolescência depende muito das consideráveis mudanças cognitivas que ocorrem durante esse período, que diferem significativamente entre adolescentes saudáveis. • Na adolescência, os alunos desenvolvem a capacidade de avaliar seu comportamento em termos de como isso se relaciona com o alcance de metas. • A expressão, a experiência e a regulação emocional são extraordinariamente influenciadas pela cultura. • É útil para os profissionais da saúde e educação entenderem as bases biológicas da emoção para desenvolver intervenções e para educar as famílias. • Três estruturas cerebrais são particularmente importantes para a compreensão da regulação emocional: a amígdala, o córtex pré-frontal e o hipocampo. • A regulação emocional tem componentes de monitoramento e componentes executivos. • A capacidade de mudar a atenção ou, mais especificamente, mudar o foco de atenção é uma habilidade importante para o sucesso escolar. • Indivíduos com mais capacidade de memória de trabalho expressam menos emoção, pois são capazes de lidar com o input emocional de uma maneira mais controlada e menos emocional. • As emoções e os humores estão relacionados, mas são estados distintos na medida em que diferem de acordo com a duração, intencionalidade, causa, consequências e função. • Adolescentes internalizantes tendem a usar estratégias ineficientes para regular a emoção, regulação como a autocensura e a ruminação. • As crianças com dificuldades de aprendizagem têm uma regulação emocional mais baixa em comparação com os alunos sem dificuldades de aprendizagem. • Estudos sobre o processamento emocional de crianças com TDAH indicam déficits na linguagem emocional (subdesenvolvida), na regulação de emoções, na expressão de emoções e no reconhecimento de emoções, especificamente dificuldade em reconhecer emoções expressas no rosto de outros. • Alunos com transtornos de personalidade borderline exibem uma alta intensidade de emocionalidade negativa, combinada com um déficit nos controles de atenção executiva. 61 1 Holodynski e Friedlemeier sugeriram cinco estágios de desenvolvimento e regulação emocional. Quais seriam estes estágios? R.: 2 Ofereça alguns exemplos do que seriam influências ambientais e biológicas no desenvolvimento da regulação emocional de uma criança. R.: 3 Uma estratégia de regulação emocional, que alguns acreditam que funciona bem para crianças em idade pré-escolar, tem sido descrita como cronestesia. O que seria esta estratégia? R.: AUTOATIVIDADE 62 63 TÓPICO 3 TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A regulação emocional é uma habilidade essencial para a vida. Este tópico oferece sugestões para o treinamento em três níveis de prevenção/intervenção para desenvolver a alfabetização emocional e a regulação emocional. Abordagens e estratégias para aumentar a compreensão básica das emoções dos alunos são discutidas aqui. Estratégias são sugeridas para aumentar o conhecimento dos alunos sobre as funções, causas e efeitos da emoção e para compreender as tendências de ação emocional. Estratégias são sugeridas para aumentar a capacidade dos alunos de conectar situações ou eventos com emoções, para entender as regras de exibição e para aumentar o vocabulário emocional. Melhorar a conscientização dos alunos sobre a intensidade da emoção, a capacidade de mudar as emoções, a capacidade de reconhecer padrões de emoção e a capacidade de regular negativamente as emoções é importante, e abordagens são recomendadas. Aumentar a capacidade dos alunos de usar estratégias cognitivas recebe ênfase especial. A pesquisa disponível para apoiar este treinamento é explicada. 2 ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO/INTERVENÇÃO DE TRÊS NÍVEIS Quando pensamos sobre o trabalho com os alunos nas escolas, devemos nos concentrar tanto na prevenção quanto na intervenção. Dois aspectos da ciência da emoção que estão fortemente relacionados a esses objetivos são a compreensão emocional e a regulação emocional (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). O objetivo é usar a pesquisa da emoção para melhorar nosso trabalho com crianças. No caso da prevenção no Nível 1, o objetivo é melhorar a alfabetização emocional e ensinar algumas habilidades para a vida. No caso do trabalho de aconselhamento dos Níveis 2 e 3, o objetivo incluiria treinamento mais avançado em regulação de emoções com ensino de estratégias mais explícito. A compreensão da emoção inclui: a capacidade de rotular, avaliar e entender as expressões faciais de outras pessoas; entender nossas próprias emoções internas, assim como as dos outros; ser capaz de rotular emoções e experiências emocionais; e entender as regras de exibição cultural. A regulação 64 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA emocional tem a ver com a capacidade de gerenciar ou mudar a forma como pensamos em nossas experiências e eventos emocionais. A regulação emocional envolve um foco particular na regulação da intensidade e duração das emoções negativas, conforme necessário, e na utilização dessas habilidades ao interagir com outras pessoas, o que pode envolver a diminuição ou mascaramento das emoções que sentimos. A regulação emocional inclui o aumento de emoções positivas (IZARD, 2002). A regulação emocional está intimamente relacionada a uma sensação de bem-estar, autoeficácia e comunicação bem-sucedida. Pesquisas indicam que a compreensão emocional e a regulação emocional são particularmente relevantes para melhorar as intervenções psicossociais (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Os alunos são frequentemente angustiados por suas próprias emoções, bem como por situações e eventos. Intervenções estão cada vez mais focadas em enfrentar emoções, em vez de evitá- las. Isso é importante porque intervenções anteriores eram mal interpretadas, já que ensinavam os alunos a não sentir emoções negativas, ao invés de entendê- las.As emoções fornecem energia e motivação, e podemos aprender a lidar com elas quando interferem nos objetivos ou não estão nos ajudando em nossas metas. O foco na emoção não foi de muito interesse no passado das intervenções para melhorar a saúde mental dos alunos, mas hoje está atraindo uma atenção considerável. O Nível 1 envolve treinamento universal de alfabetização emocional e compreensão de emoções, usando um programa baseado em evidências. Há muitos programas da ASE a serem explorados para esse fim, que têm uma base de evidências suficiente para serem implementados nas escolas. É importante selecionar um programa baseado em evidências que inclua os aspectos de alfabetização emocional e compreensão emocional descritos por pesquisadores de ciências da emoção. Intervenções de Nível 2 envolvem adicionar tempo, mudar ou fortalecer a metodologia de ensino ou adicionar treinamento mais avançado e intensivo. Há também vários currículos que podem ser apropriados para mais de um nível. Um currículo universal poderia ser usado no Nível 1 ou no Nível 2, ou um currículo semelhante ao currículo universal poderia ser usado no Nível 2 ou Nível 3. As intervenções do Nível 2 podem envolver os mesmos conceitos ou até mesmo as mesmas lições apresentadas no currículo universal, mas, neste caso, eles seriam gerenciados de maneira diferente. Outra opção no Nível 2 seria uma intervenção como um currículo paralelo. As intervenções de Nível 3 também envolvem currículos baseados em evidências, e há um bom número destes programas para as intervenções do Nível 3, dependendo das características e questões apresentadas pelos alunos, e do nível de desenvolvimento dos alunos. O treinamento em regulação emocional envolve vários conceitos e habilidades. A primeira questão a abordar é a motivação para mudança. As crianças na escola, normalmente, não têm muita escolha sobre se irão ou não participar de serviços de aconselhamento ou intervenção em qualquer um dos TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 65 três níveis. A motivação para mudança é particularmente importante no caso de um aluno ter dificuldade com a raiva. Os alunos também precisam entender um pouco sobre a fisiologia das emoções. Precisam aprender sobre seus próprios sinais corporais de emoções crescentes e seus gatilhos pessoais. Precisam dominar um repertório de estratégias de redução de emoções. Isso levará algum tempo, pois as estratégias devem ser praticadas até que elas se generalizem e possam ser geradas com velocidade adequada em situações que provocam emoções. Os alunos precisam aprender a se automonitorar e autorregistrar completando registros de raiva, ansiedade ou humor. Eles precisam aprender a usar palavras ou frases autoconscientes ou frases tranquilizadoras. Precisam praticar a autofala, autorreforço, autoavaliação e a prática de resolução de problemas. Precisam ser capazes de usar as habilidades que estão aprendendo em todos os ambientes escolares, com os colegas e em casa com suas famílias. O restante deste tópico tratará de recursos na forma de abordagens e atividades para suplementar o trabalho com crianças e adolescentes no ensino de emoções e no treinamento de estratégias de regulação de emoções. Este tópico foi concebido como um recurso para apoiar programas baseados em evidências em cada nível de intervenção instrucional. Eles podem ser usados para tornar os conceitos mais claros no nível universal, Nível 1. Podem ser usados para fornecer práticas direcionadas adicionais e para melhorar a compreensão de conceitos no Nível 2. Podem ser usados para fornecer adaptações, para tornar conceitos concretos, para fornecer práticas intensivas e para facilitar a generalização no Nível 3. 3 ABORDAGENS E ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O ENTENDIMENTO BÁSICO DO ALUNO SOBRE EMOÇÕES O entendimento da emoção é complexo e tem muitas facetas. Um entendimento básico das emoções universais para os estudantes mais jovens e um entendimento de emoções básicas e complexas para os alunos mais velhos é importante. As crianças não precisam apenas desenvolver algum conhecimento sobre emoções básicas, mas também precisam ser capazes de identificar como se sentem. Saber como se sente permite que o aluno julgue a importância da situação e comece a descobrir o que fazer em seguida. Se sentimos confusão em vez de uma simples emoção forte, fica difícil saber o que fazer a seguir. A ação que tomamos para lidar com fortes sentimentos negativos está relacionada ao conhecimento emocional e à nossa capacidade de tolerar emoções negativas (BARRETT et al., 2007). Existem sete emoções chamadas "universais". Pesquisadores determinaram que sete emoções têm expressões faciais únicas que são reconhecíveis em todas as culturas. São elas: alegria, tristeza, raiva, surpresa, medo, nojo e desprezo (EKMAN, 2011). Quando falamos com crianças, contudo, tendemos a falar sobre apenas qua- 66 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA tro emoções: alegria, tristeza, raiva e medo. Precisamos expandir essa lista básica. Além disso, os pesquisadores acreditam que as intervenções destinadas a ensinar a regulação emocional devem se concentrar no aumento das emoções positivas, bem como na abordagem das emoções negativas, pois as emoções positivas afetam o curso e a duração da experiência de emoções negativas. O aumento das emoções positivas pode reorientar a atenção e interferir na focalização excessiva de emoções negativas, já que o ruminar as emoções negativas é comum em estudantes com problemas emocionais (STALLARD, 2010). 3.1 EMOÇÕES POSITIVAS E NEGATIVAS Ekman (2011) escreveu que acredita que existem mais de uma dúzia de emoções universais "felizes" ou positivas e que uma língua, como a portuguesa, não tem palavras únicas para todas essas emoções. Ele lista a diversão, contentamento, excitação, alívio, admiração e êxtase entre as emoções positivas para as quais temos palavras. Essas emoções positivas nos motivam a nos esforçar para manter os sentimentos que elas geram. Curiosamente, Paul Ekman indica que é a voz e não o rosto que fornece as pistas para as emoções positivas (Ekman prefere o termo "agradável" ao termo positivo). Emoções positivas são úteis para lidar com experiências negativas e para construir resiliência ao estresse (BEESDO et al., 2007). “Saborear” o momento é uma forma de regulação emocional que pode estender experiências que nos dão prazer. O saborear ocorre quando prevemos algo agradável. Compartilhar experiências conversando com os outros é uma forma de saborear e simplesmente lembrar de eventos positivos com prazer. O saborear é correlacionado com sentimento de satisfação, otimismo e autocontrole. As emoções positivas contribuem para a resiliência. Alunos que podem gerar emoções positivas, quando são necessárias, podem se recuperar de ataques com emoções negativas. As emoções positivas podem ajudar os alunos a se tornarem mais flexíveis, mais sociais e melhores solucionadores de problemas (GREENBERG, 2002). Acredita-se que as emoções positivas tenham uma função restauradora. A raiva é uma emoção complicada, pois tanto muita raiva quanto pouca raiva resultam em problemas físicos que afetam nossa saúde (SALOVEY, 2006). É uma emoção crítica a ser incluída quando se ensina aos alunos sobre as emoções, porque se descobriu, consistentemente, que isto prevê problemas de comportamento. A raiva está relacionada à elevação da pressão arterial e frequência cardíaca em adolescentes. A conexão entre raiva e estresse no desempenho escolar foi encontrada em meninas, mas não em meninos. Esta emoção pode ser expressa externamente ou internamente. A depressão e tristeza estão associadas a ela. Os meninos que têm pouco controle emocional tendem a agir para lidar com a raiva quando ela se torna intensa demais. Geralmente, as crianças que são altamente reativas e expressivas quando estão com raiva, são mais propensas a TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL67 exibir comportamentos tanto externalizantes quanto internalizantes. Quando uma criança está expressando raiva, pode ser que esteja tentando evitar se sentir ansiosa ou triste. A raiva sub-regulada e a tristeza, ou ansiedade, excessiva levam ao comportamento de acting out - quando a criança expressa suas emoções de forma negativa com ações e comportamentos desagradáveis. Infelizmente, a raiva não recebeu a mesma atenção em pesquisa do que a agressividade. A raiva nem sempre leva à agressividade. Os alunos precisam entender que expressar raiva não reduz a intensidade da raiva que eles podem estar sentindo. Em vez disso, é útil ignorar o que os incomoda, tentar entender por que algo ocorreu para irritá-los ou perturbá-los, e reagir de maneira diferente. Por exemplo, comunicar sentimentos em voz calma quando se está zangado funciona bem. A raiva alimenta a raiva. Os educadores precisam entender que, para algumas crianças, a raiva dura muito tempo, enquanto outras crianças sentem raiva em rajadas curtas. Algumas crianças acham que a intensidade da raiva diminui rapidamente e outras experimentam uma raiva prolongada (EKMAN, 2011). Os alunos podem aprender a expressar uma quantidade adaptável de raiva, mas assim como ao lidar com outras emoções negativas, as crenças de um aluno sobre sua capacidade de lidar com emoções intensas devem ser abordadas (SALOVEY, 2006). Estudantes que regulam sentimentos tristes tendem a vivenciar relações sociais positivas. Crianças tristes são mais sugestionáveis do que seus pares. É importante ressaltar que a tristeza pode interferir na memória dos alunos para material acadêmico. Rice, Levine e Pizarro (2007) mostraram aos alunos um filme triste, e instruíram as crianças a atenuar seus sentimentos e não mostrar que se sentiam tristes. Essas instruções são contrárias a grande parte do ensinamento atual sobre como lidar com emoções negativas. No entanto, a pesquisa sugere que as crianças mais novas tendem a se distrair pensando em algo feliz ou parando de pensar sobre o filme triste, enquanto crianças de 10 anos tendem a reformular seu pensamento sobre o conteúdo do filme ou dizem a si mesmas que “era apenas um filme”. É significativo o fato de que as crianças que se desligaram dos sentimentos de tristeza se lembraram mais do conteúdo do filme do que as que foram instruídas a trabalhar com seus sentimentos, ou aquelas que não receberam nenhuma instrução. Pesquisas demonstraram que o desengajamento afeta negativamente a memória para pensamentos emocionais, mas facilita a memória para acadêmicos, porque pensamentos tristes contribuem para retardar o processamento de informações e para a distração da atenção (WANG; LABAR; MCCARTHY, 2006). A ansiedade prejudica a concentração e pode interferir na aprendizagem, pois ela estreita o foco de atenção. O medo está associado à evitação física, enquanto a raiva está associada tanto à aproximação quanto à evitação. Alunos ansiosos podem se sentir desamparados. Eles temem que “coisas ruins” aconteçam com eles e não serão capazes de responder efetivamente. Pesquisas sugerem que a ansiedade piora com o tempo e é um risco para depressão e uso ou abuso de substâncias (KENDALL; ASCHENBRAND; HUDSON, 2003). 68 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Crianças com transtornos de ansiedade têm dificuldade em lidar com tristeza e raiva, além de se preocupar. A capacidade de identificar, rotular e compreender as causas e consequências dos sintomas de ansiedade é necessária para aprender a regular as reações a situações e eventos provocadores de ansiedade. O enfrentamento ativo é fundamental para controlar a ansiedade. As intervenções devem, portanto, se concentrar em estratégias ativas. Além disso, como os estudantes com ansiedade têm pouca confiança em sua própria capacidade de regular as emoções, as intervenções também precisam lidar com a construção da confiança (SUVEG; ZEMAN, 2004). 3.2 EMOÇÕES MÚLTIPLAS E SOCIAIS Emoções múltiplas sobre um único evento, pessoa ou situação, se desenvolvem com o passar do tempo à medida que as crianças crescem (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Crianças de seis ou sete anos de idade podem entender o conceito de emoções “mistas” com treinamento, embora o conceito seja difícil para crianças em idade pré-escolar. A capacidade de experimentar emoções mistas pode ser diferente e ocorrer mais tarde do que a capacidade de compreender estas emoções. Emoções múltiplas positivas são mais fáceis de serem apreendidas pelas crianças do que as emoções positivas e negativas que ocorrem juntas. Também é mais fácil para as crianças aceitarem emoções múltiplas para um colega de classe do que para um de seus pais. Nem todos os pesquisadores aceitam o conceito popular de emoções “mistas” (EKMAN, 2011). Em vez de experimentar várias emoções de uma só vez, pode ser que as emoções ocorram em uma sequência extremamente rápida. Os alunos também precisam entender que existem “padrões” ou combinações de emoções que comumente ocorrem juntas, como tristeza e raiva, tristeza e medo, ou culpa e medo (IZARD, 2002). Eles também precisam entender que a mesma situação poderia evocar emoções diferentes em pessoas diferentes. Emoções sociais e morais ocorrem mais cedo em crianças com desenvolvimento típico do que se pensava anteriormente. O desenvolvimento emocional é rápido nos primeiros cinco anos de vida. Um conjunto básico de emoções que inclui raiva, tristeza, diversão, medo, interesse e surpresa pode ser identificado durante o primeiro ano de desenvolvimento. Os primórdios da culpa, da vergonha, do constrangimento e do orgulho surgem no segundo ano de desenvolvimento. Os alunos entendem as emoções a partir dos cinco anos, embora sua profundidade de compreensão melhore com a idade. A vergonha, o constrangimento e a culpa são consideradas emoções mais complexas. Pesquisas recentes indicam que essas emoções também se desenvolvem muito mais cedo do que se pensava anteriormente (LUBY et al., 2009). A culpa e a vergonha podem se desenvolver a partir dos três anos de idade. As crianças que demonstram sintomas significativos de depressão experimentam sentimento de culpa mais frequente. Altos níveis de sentimentos de vergonha têm sido relacionados ao início da depressão, mesmo em pré-escolares. O constrangimento TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 69 é uma emoção mais fugaz que a vergonha ou a culpa (EISENBERG, 2000). A culpa é uma emoção baseada na agitação, enquanto a vergonha está associada ao foco excessivo nas opiniões dos outros e é mais dolorosa. A culpa e a vergonha geralmente ocorrem juntas nas crianças, e ambas estão relacionadas a outras emoções, como medo, ansiedade e tristeza. O ciúme é uma emoção importante para discutir com os alunos, pois pode alimentar as dificuldades interpessoais. O ciúme resulta quando uma criança sente que o relacionamento de um amigo com outra criança ameaça seu relacionamento com ela. O medo é de ser substituído ou de ser desfavoravelmente comparado com a pessoa que se percebe estar interferindo (PARKER et al., 2005). O ciúme é um problema desde o início e continua sendo um problema até a adolescência precoce ou intermediária. A expressão aberta do ciúme não é aceita pelo grupo de pares e as crianças altamente ciumentas têm dificuldades sociais, pois o ciúme contribui para a vitimização dos pares, a rejeição social e a solidão. O ciúme geralmente ocorre com a inveja. O orgulho é uma emoção autoconsciente que é identificada com precisão pela idade de quatro ou cinco anos. A fala das crianças sobre o orgulho ocorre posteriormente à fala de emoções de alegria ou tristeza. Reconhecer o orgulho em outra criança requer que se atente à postura e à expressão facial. À medida que as crianças ganham experiência em competição e comparação social, as experiências de orgulho tornam-se mais salientes (TRACY; ROBINS; LAGATTUTA, 2005). 4 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR AS EMOÇÕES POSITIVAS Asintervenções destinadas a ensinar a regulação emocional devem incluir o aumento de emoções positivas, bem como abordar as emoções negativas, porque as emoções positivas afetam o curso e a duração da experiência de emoções negativas. O aumento das emoções positivas pode reorientar a atenção e interferir com a focalização excessiva nas emoções negativas, como no ruminar sobre emoções negativas, o que é comum em estudantes com problemas emocionais. As estratégias para aumentar as emoções positivas são negligenciadas na maioria dos programas de prevenção e intervenção. Alguns exemplos de estratégias cognitivas para aumentar emoções positivas seriam: relaxamento, meditação, sorrir quando sentir-se triste (atuar ao contrário), pensar sobre coisas boas, encontrar algo positivo em situações negativas e apreciar as coisas comuns. Agendamento de atividades agradáveis tem sido um componente do tratamento para estudantes deprimidos por algum tempo. O envolvimento em atividades agradáveis pode melhorar o humor. Os alunos podem receber uma lista de atividades agradáveis e pedir-lhes para avaliá-las quanto à frequência com que estão envolvidos em atividades específicas e quanto gostam dessa participação. As atividades podem ser selecionadas para servir como linha de base. Os alunos podem ser ensinados a estabelecer metas para aumentar a participação em atividades agradáveis. Podem criar gráficos para monitorar a 70 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA participação nestas atividades. Os educadores podem criar um formulário de atividades infantis agradáveis para ajudar a criar listas de atividades apropriadas para um determinado aluno. Há exercícios que ajudam os alunos a aprenderem a avaliar atividades. Isso é importante, pois, mais tarde, eles podem ser solicitados a avaliar seus próprios esforços para usar estratégias e técnicas ensinadas nas sessões de aconselhamento. Os educadores, assim, podem pedir aos alunos que classifiquem as atividades associadas às lições, em relação a quão agradável era a atividade, bem como se percebem ou não que aprenderam alguma coisa com a atividade. A prática de fazer julgamentos é importante em intervenções, e esse tipo de tarefa inicial não é muito estressante. 4.1 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O CONHECIMENTO DOS ALUNOS SOBRE FUNÇÕES, CAUSAS E EFEITOS DA EMOÇÃO O entendimento emocional também tem a ver com o conhecimento e as crenças sobre emoções e como as emoções funcionam (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). O entendimento limitado da emoção é um fator de risco para transtornos ansiosos e depressivos. O início do processo é baseado em conceitos concretos e externos. À medida que as crianças crescem, os entendimentos se tornam mais complexos e os alunos se concentram cada vez mais em explicações internas, pelo menos para emoções simples. Leva tempo para um entendimento semelhante se desenvolver para emoções como orgulho, vergonha e constrangimento. O fato de que as emoções podem afetar os comportamentos mais tarde também é um entendimento mais complexo. Gatilhos pessoais para emoções precisam ser identificados pelos alunos para que eles possam descrever por que os eventos, as pessoas e as situações os incomodam. Os gatilhos podem ser automáticos, biológicos e inatos, ou podem ser aprendidos (EKMAN, 2011). Alguns pesquisadores acham que os gatilhos podem ser enfraquecidos, mas não eliminados. Gatilhos que são aprendidos serão muito semelhantes àqueles mais inatos. Se o gatilho aprendido estiver muito próximo do gatilho inato, será mais difícil diminuir seu poder. Para aqueles aprendidos, quanto mais frequentemente a situação for vivenciada, quanto mais emocional a criança esteve na situação original, e quanto mais forte for a reação emocional original da criança, mais difícil será diminuir o seu poder. Para gerar uma estratégia para reduzir a intensidade da reação de uma pessoa, o aluno precisa perceber que está sentindo uma emoção. O aluno precisa rotular a emoção e gerar um “freio” de algum tipo (estratégia de regulação emocional). A resposta imediata a um gatilho pode ser muito curta, ou até uma hora ou mais para crianças diferentes. As emoções podem ser desencadeadas por avaliações automáticas ou reflexivas, por uma memória, por falar sobre um evento passado ou por outras pessoas dizendo a uma criança sobre o que é emocional. As emoções podem ser desencadeadas pela imaginação, empatia TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 71 por outra pessoa em perigo ou por violação das normas sociais. Podem também ser desencadeadas, simplesmente, assumindo os movimentos musculares (movimentos faciais e corporais) associados a uma emoção em particular, que é uma forma de as crianças gerarem uma emoção quando querem praticar o ato de lidar com ela. Cada uma destas coisas irá desencadear diferentes graus ou intensidades de emoção. Não há nenhum botão biológico para desligar as emoções. Os alunos precisam agir para gerar uma estratégia, se quiserem lidar com uma emoção. As crianças precisam aprender que diferentes gatilhos geram emoções específicas (EKMAN, 2011). Por exemplo, algumas crianças são mais sensíveis aos gatilhos do medo do que outras crianças. O medo é desencadeado por uma ameaça de dano, uma repentina perda de apoio ou algo se movendo rapidamente em nossa linha de visão, como se ela nos fosse atingir. A raiva é desencadeada por interferência, quando um aluno está tentando atingir uma meta. Algumas crianças têm graus mais abruptos ou tempo de pico mais rápidos de suas emoções, comumente chamadas de “pavio curto”. A raiva também é muito mais difícil para uma criança controlar quando está com um humor irritável. A tristeza é desencadeada por perdas de todos os tipos. A tristeza é a emoção mais duradoura. As emoções produzem a energia que podemos usar para obter ajuda para nós mesmos, para alcançar objetivos ou para resolver problemas. A tristeza, do lado positivo, pode nos tornar mais receptivos a sermos consolados pelos outros. Também pode nos levar a recuar e reconstruir recursos, economizar energia ou motivar empatia por um amigo em perigo. A ansiedade pode forçar um aluno a prestar atenção à situação em questão, pois ela aumenta o estado de alerta. Os alunos precisam de ajuda para identificar seus próprios gatilhos e aprender a antecipá-los. As emoções também têm tendências de ação associadas a elas. Uma vez que uma emoção é experimentada e o estudante percebe que uma ação deve ser tomada, é importante engajar estratégias antes de “alimentar” a emoção pensando demais sobre isso e tornando as coisas piores. As estratégias para ajudar os alunos a identificar os gatilhos incluem registrar os gatilhos, as emoções e comportamentos em “diários” de emoções. Um registo de episódios de raiva (Hassle Log) é uma ferramenta de automonitoramento, que os alunos podem usar para registrar os gatilhos e como eles lidam com a raiva. Kellner e Tutin (1995) sugeriram usar essa ferramenta ao trabalhar com alunos mais jovens, e instruí-los a fazer registros no almoço e novamente no final do dia. Alunos de todas as idades podem usar essa ferramenta com a ajuda dos professores. Os alunos mais jovens podem usar decalques, escrever "feliz" ou "zangado" ou desenhar um rosto para mostrar como estavam se sentindo. Alunos mais velhos podem usar um registro mais detalhado registrando a situação e se eles usaram ou não estratégias para resolver o que quer que fosse que os perturbasse. Para usar um “registro de raiva”, dependendo da idade e das habilidades dos alunos, os alunos podem registrar algo sobre o incidente, 72 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA como se sentiram, a intensidade da raiva que sentiram, se usaram ou não uma estratégia e como funcionou. Podem responder a perguntas como: Quando você ficou com raiva? Onde você ficou com raiva? Quem estava envolvido? O que você acha que lhe fez ficar com raiva? O que você fez quando estava com raiva? Quãointensa era a sua raiva? Como você se sentiu depois que se recuperou? Como você acha que lidou com este incidente? 5 ENTENDENDO AS TENDÊNCIAS DE AÇÃO EMOCIONAL As tendências de ação emocional estão conectadas a uma compreensão da linguagem emocional, como a de que a raiva leva a comportamentos diferentes do que a tristeza pode gerar. Evitação é uma estratégia de regulação emocional que funciona bem a curto prazo, mas não funciona a longo prazo (CIARROCHI, 2006). A evitação interfere na aprendizagem e mantém a ansiedade a longo prazo. Pode também aumentar a ansiedade para a ameaça percebida e impedir o funcionamento adaptativo (SALTERS-PEDNEAULT et al., 2004). O objetivo da evitação é a prevenção das experiências emocionais em primeiro lugar. A evitação emocional pode ser sutil, como em: evitar contato visual, adiar a lição de casa ou tentar controlar a respiração. Pode ser cognitiva como na preocupação ou na ruminação. A evitação cognitiva também pode ser vista quando uma estudante diz a si mesma que as coisas vão ficar bem, ou quando pensa em outra coisa e não atende às instruções da sala de aula sobre um teste, ou quando se distrai quando se sente ameaçada. Outra forma de evitação seria usar um capuz sobre o rosto quando estiver no Ensino Médio, usar um lápis especial ao fazer um teste ou usar o chapéu para trás quando estiver jogando bola. Esses esforços são tentativas de impedir a excitação emocional. A evitação está associada a emoções ansiosas. A ansiedade é impulsionada pela motivação de evitação. A ansiedade, em particular, interfere no uso de estratégias adaptativas (STALLARD, 2010). A raiva, por outro lado, é frequentemente impulsionada por um sistema motivacional de aproximação. Watson (2009) acredita que a raiva apresenta características tanto de aproximação, quanto da evitação. Mas, quando a raiva é considerada isoladamente como distinta de outras emoções negativas, ela está mais relacionada à aproximação. Quando a raiva está envolvida com a aproximação, ela é considerada “raiva para fora”. Quando a raiva está associada à evitação, ela é considerada “raiva para dentro”. Quando um aluno está lidando com emoções negativas, tendências comportamentais afetam o sistema atencional criando vieses de atenção. Os alunos que tendem a sentir raiva para dentro podem ter uma chance melhor de controlá-la do que os estudantes que tendem a sentir raiva para fora. No entanto, os alunos que experimentam raiva para dentro podem precisar de ajuda para direcionar sua atenção para longe dos gatilhos que produzem a raiva, que ameaçam consumir sua atenção. Alunos que experimentam raiva para fora correm risco de emitir agressivamente comportamentos de acting out. TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 73 Ao ajudar as crianças a compreender as tendências de ação associadas a diferentes emoções, também é importante falar sobre o efeito das emoções em relação a questões acadêmicas. Crianças a partir dos cinco anos compreendem os efeitos das emoções e estados fisiológicos em questões acadêmicas, mas somente aos sete anos de idade as crianças conseguem explicar como as emoções de fato afetam o desempenho escolar. Pais e professores costumam dizer às crianças que durmam muito e tomem um bom café da manhã, mas não dizem às crianças para tentarem não se sentir tristes, preocupadas ou com raiva, o que seria de fato útil. As informações sobre como as emoções funcionam aumentam a consciência emocional e ajudam os alunos a explicar as experiências que encontram de uma maneira diferente, e os ajudam a superar a evitação (GREENBERG, 2002). 5.1 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O ENTENDIMENTO DOS ALUNOS SOBRE A EMOÇÃO NAS EXPRESSÕES DE OUTRAS PESSOAS A capacidade de “ler” as emoções nas expressões faciais dos outros é uma habilidade importante, mas pode ser um desafio, especialmente quando a maioria das expressões faciais dura apenas dois segundos (EKMAN, 2011). Crianças de cinco anos são capazes de reconhecer expressões faciais de alegria, mas, até mesmo crianças de dez anos de idade tendem a julgar erroneamente um rosto triste como amedrontado. De fato, o reconhecimento de expressões emocionais sutis melhora na adolescência e além dela (HERBA et al., 2006). Como é bastante comum haver déficits na identificação de expressões faciais entre os alunos com dificuldades ou transtornos emocionais e cognitivos, o tempo gasto tentando melhorar as habilidades dos alunos é justificado. Por exemplo, a melhora na identificação das emoções nas expressões faciais pode ajudar as meninas ansiosas a diminuir a ansiedade social e melhorar a autoestima. As meninas do Ensino Fundamental aprendem a discriminar e identificar emoções em rostos com mais sucesso do que os meninos. As pistas não verbais das emoções tendem a ser processadas automaticamente sem pensar. Prestar atenção a um processo automático faz com que este diminua a velocidade. Do mesmo modo, quando um aluno está triste, o processamento emocional se torna mais lento, por isso, os processos mais deliberados ocorrem em estudantes que estão tristes (MARSH; KOZAK; AMBADY, 2007). A tristeza é a emoção mais precoce que as crianças reconhecem nos movimentos corporais expressivos. Todavia, no processo de desenvolvimento, as crianças observam primeiro as expressões faciais da alegria. No caso da raiva, esta é a primeira emoção reconhecida auditivamente. A culpa, a vergonha e o constrangimento não têm expressão facial única, então o contexto e a linguagem corporal são necessários para interpretar essas emoções (EKMAN, 2011). 74 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Há várias atividades que podem ser usadas para ajudar as crianças a aprender a identificar expressões emocionais em outras pessoas. Os alunos podem criar Brochuras de Histórias Emocionais. Cada brochura retrataria uma única emoção (alegria, raiva, tristeza, preocupação, constrangimento, ciúmes etc.). Para cada emoção positiva e negativa, os alunos podem desenhar e/ou escrever sobre coisas que possam gerar a emoção em particular. Este poderia ser um projeto de longo prazo, uma vez que os alunos continuariam a adicionar dados ao longo do tempo. Para as emoções negativas, os alunos precisam incluir o que pode fazê-los se sentir melhor, ou o que eles podem aprender com a situação que descrevem na brochura. Usando cenários, os educadores podem pedir aos alunos que encenem situações ou eventos emocionais. Jogos, como o Congelamento de Emoções, podem ser usados . Neste jogo, os alunos são convidados a andar pela sala e a “congelar”, mantendo uma posição que demonstra claramente a emoção que é chamada. Os alunos então são solicitados a identificar e descrever as pistas faciais e a linguagem corporal que o ator infantil está usando para expressar a emoção. Para outras atividades, é possível usar cenários ou imagens de livros infantis que mostrem uma criança caindo, uma criança sendo provocada, uma criança perdendo um jogo etc. e pedir aos alunos que rotulem a emoção e compartilhem o que podem dizer ou fazer se virem um estudante em uma situação semelhante. Outra estratégia para ensinar os alunos a identificar as expressões faciais que estão observando é fazê-los imitar as expressões que veem. Os alunos são mais eficientes em identificar emoções quando usam essa estratégia. Em um nível simples, uma cartela de bingo repleta de fotos de crianças expressando emoções pode ser criada a partir de anúncios ou histórias em revistas. Uma vez criadas e fotocopiadas, estas cartelas de “expressões emocionais” podem ser laminadas e um jogo parecido com bingo pode ser jogado. Ao usar fotos de pessoas expressando emoções (fotos de crianças são melhores), peça aos alunos que rotulem a emoção que veem e especulem por que a criança pode se sentir assim. Uma fonte de fotos de rostos exibindo emoções apropriadas para alunos mais velhos pode ser encontrada no livro A Linguagem das Emoções, de Ekman (2011). 5.2 ESTRATÉGIAS PARAAUMENTAR O ENTENDIMENTO DOS ALUNOS SOBRE SUAS PRÓPRIAS EXPRESSÕES EMOCIONAIS A expressão emocional tem a ver com o comunicar nossas emoções através da linguagem, ou através de sinais não verbais. Expressar emoções pode ser positivo, pois pode nos ajudar a atingir objetivos pessoais. Expressar tristeza, por exemplo, pode provocar simpatia dos outros e solidificar as conexões interpessoais com os amigos. Expressar raiva pode fazer com que os outros prestem atenção às nossas necessidades. TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 75 A emoção pode ser comunicada verbalmente ou não verbalmente. Os alunos usam a linguagem para se comunicar com os outros ou no interior de suas próprias mentes, como na autofala. A comunicação não verbal inclui expressões faciais, tom de voz, gestos e posturas, pode envolver sinais corporais ou físicos (KATS-GOLD; PRIEL, 2009). Alunos do Ensino Fundamental associam sintomas físicos a uma ampla gama de emoções. A partir dos sete anos, os alunos associam os sintomas físicos com mais frequência ao medo. Os sintomas físicos mais associados ao medo são a dificuldade em respirar e o coração batendo rápido. Reconhecer os próprios sinais corporais associados às emoções é fundamental para a regulação e maturidade emocional. Uma razão para entender as próprias emoções é comunicar com sucesso nossas emoções aos outros. Os alunos mais jovens podem usar bonecos, ou fantoches de papel, com várias expressões faciais que podem ser alteradas (usando velcro ou fita adesiva para anexar faces diferentes). Os educadores podem assim ajudá-los a praticar a comunicação de emoções aos outros e a falar sobre as reações que alguém pode receber em troca. As câmeras digitais possibilitam tirar fotos de uma criança exibindo várias emoções em resposta a situações específicas. As imagens podem ser usadas para construir um livreto ou brochura e as expressões podem ser praticadas e estudadas. As crianças pequenas também podem usar espelhos portáteis para praticar expressões faciais e rotulá-las. Educadores e conselheiros educacionais podem imprimir uma palavra emocional em uma série de “cartas de emoções”. Ao ser escolhida a carta do baralho, peça aos alunos que expressem a emoção. Peça então aos alunos que descrevam detalhadamente como eles mostraram a emoção (as posições ou movimentos faciais e corporais que usaram para criar a emoção). Como ficaram seus rostos? Como ficou seu corpo? Como se sentiram? Será que eles acham que os outros entenderiam como estavam se sentindo? Os educadores e conselheiros também podem ajudar as crianças a identificar como estão se sentindo, perguntando sobre seus sentimentos. Quando os alunos estão chateados, tendemos a perguntar “por quê?”. Em vez de perguntar “Por que você se sente assim?”, podemos perguntar “Como você se sente agora?”. Um pensamento experiencial concreto resultará em uma redução mais rápida das emoções negativas e em um pensamento mais flexível. 5.3 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE CONECTAR SITUAÇÕES/EVENTOS COM EMOÇÕES O contexto desempenha um papel fundamental na leitura de expressões faciais de emoções. Até mesmo a área do rosto que se olha é determinada pelo contexto, pelo menos inicialmente (AVIEZER et al., 2008). A regulação emocional também está ligada ao contexto, com diferentes contextos que 76 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA exigem estratégias diferentes (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). O que pode ser adaptativo para crianças de desenvolvimento típico da classe média urbana pode não fazer sentido ou até mesmo não ser seguro para crianças que vivem em bairros de baixa renda ou mais perigosos, ou para estudantes que vivem com pais abusivos, ou em lares onde drogas são usadas, ou casas onde um pai tem uma doença mental. A prática em conectar situações, e emoções, pode ocorrer ao ler uma série de descrições de eventos e perguntar aos alunos como eles, ou outra pessoa, se sentiriam nesta situação (veja o Quadro 1 para uma lista de situações a serem discutidas). QUADRO 1 – CONECTANDO SITUAÇÕES E EMOÇÕES CONECTANDO SITUAÇÕES E EMOÇÕES Use essas situações para praticar a conexão de emoções com situações específicas. Às vezes, mais de uma emoção pode se encaixar na situação e os alunos podem não experimentar a mesma emoção em uma determinada situação. Pergunte aos alunos: “Como você se sentiria se ...?” Você estivesse dando uma palestra na frente de toda a turma. Te dissessem que não poderias brincar. Estivesses recebendo um boletim ruim. O professor mudasse a tua cadeira de lugar porque você estava conversando com seu melhor amigo. Você estivesse fazendo um teste que é realmente difícil. Caíste na aula de Educação Física e quebraste o braço. A aula fosse cancelada por causa de muitas chuvas. Você recebesse um prêmio por ser um bom aluno. Você fizesse um gol no jogo de futebol no recreio. Um valentão exigisse seu dinheiro da merenda. Você tropeçasse na frente de uma garota/garoto que você gosta. Seu melhor amigo não quisesse mais ser seu amigo. Uma criança dissesse que ela vai “te pegar” depois da aula. Alguém tirasse sarro de você. Esqueceste o caderno com sua lição de casa no ônibus. Você pensasse que os colegas da escola não gostam mais de você. Você tirasse 10 na sua prova de Matemática. Estivesses com muita dor de estômago durante a aula. FONTE: O autor (2018) As crianças podem precisar de várias pistas para avaliar os eventos emocionais. Os alunos podem praticar aumentando as pistas para ajudá-los a vivenciar plenamente situações emocionais. Depois de um evento perturbador, peça aos alunos para rotularem sua reação emocional, peça-lhes que façam uma expressão facial que se encaixe em como estavam se sentindo e, em seguida, TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 77 peça que descrevam sua reação emocional como se ela estivesse acontecendo no momento. Adicionar pistas ajuda as crianças a lembrar o que aconteceu com mais detalhes e a entender o que as levou a se sentir de uma maneira particular. As crianças entre cinco e oito anos de idade melhoram sua compreensão, e memória das vezes em que se sentiam felizes, tristes ou assustadas, quando desenham imagens de eventos em que se sentiam assim e então reencenam a situação após o desenho. Usar a atividade de “Desenhar e Encenar” torna os alunos muito mais capazes de transmitir informações do que quando apenas “relatam” sobre situações. Esta estratégia é muito útil quando uma situação causa a uma criança considerável estresse ou trauma. As fotos também podem ser usadas para ajudar os alunos a conectar emoções com situações. Imagens mais complexas de revistas, jornais ou videoclipes são boas fontes de expressões emocionais ligadas a situações. Uma excelente fonte de material para estudantes mais velhos são as pinturas e ilustrações de Normal Rockwell que podem ser encontradas no site <https://www.wikiart.org/ en/norman-rockwell>. A interpretação das imagens nas pinturas e ilustrações pode exigir mais dos alunos que têm dificuldade em interpretar as expressões dos outros. Atividades semelhantes a jogos também ajudam os alunos a praticar a conexão de emoções e eventos ou situações específicas. “Adivinha Por Quê?” é um jogo para praticar a compreensão da conexão entre contexto e emoções. Prepare tiras de papel, cada uma com uma palavra de emoção. Em uma atividade em grupo, peça a um voluntário para escolher uma tira de papel e expressar a emoção. Diga aos outros alunos que prestem muita atenção aos sinais faciais e da linguagem corporal. Quando alguém adivinhar corretamente, peça aos alunos que façam um brainstorming de vários eventos, ou situações que possam ter acontecido, para acionar essa emoção. Outra estratégia é a “Fazer Conexões”, uma atividade que aborda esse conceito de uma maneira um pouco diferente. Desta vez, dê aos alunos uma breve descrição de um evento como: sentar sozinho na hora da merenda, um garoto popular lhe dizpara “cair fora”, você é escolhido por último para o jogo, um adulto te critica na frente de seus amigos etc. Peça a dois alunos que representem a cena. Em seguida, peça aos alunos que expliquem as conexões entre o evento e as emoções que podem dele resultar. 5.4 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O ENTENDIMENTO DOS ALUNOS SOBRE REGRAS DE EXIBIÇÃO E MASCARAMENTO A ideia de esconder emoções torna-se compreensível com o tempo, assim como controlar ou mudar as emoções que se expressam para atingir objetivos imediatos (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). Os alunos precisam entender as vantagens da conformidade com as regras de exibição com base cultural. Como as regras de exibição fazem parte do chamado “currículo oculto” de uma escola, elas precisam ser ensinadas a muitas crianças com deficiências 78 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA subclínicas ou diagnosticadas. “Norte, Sul, Leste e Oeste” é uma atividade para praticar mudanças de emoções rapidamente e mascarar emoções. Explique aos alunos que, às vezes, não é apropriado expressar a emoção que sentem em um determinado momento. Às vezes é melhor esconder como você está se sentindo. Se você quisesse esconder como estava se sentindo, usaria uma expressão diferente daquela que deixaria os outros saberem como você estava se sentindo. Para esta atividade, os alunos podem usar uma máscara de “boca” (uma máscara que mostra apenas uma boca sorridente de um lado e uma expressão de boca infeliz do outro lado presa a um canudo por uma alça). Se eles quisessem esconder o desapontamento, segurariam a boca sorridente na frente de seu rosto, por exemplo. Os educadores podem preparar quatro cartas grandes com uma palavra emocional diferente em cada carta, apropriadas para a idade dos membros do grupo (alegria, raiva, tristeza, medo ou usar palavras de emoção mais sofisticadas). Coloque as cartas nas paredes de cada um dos quatro lados da sala para que todos os alunos possam vê-las. Forneça uma "máscara" para cada aluno. Peça aos alunos que olhem as cartas em cada uma das quatro paredes com as palavras alegria, raiva, tristeza e medo (ou outras palavras que você escolher usar). Diga aos alunos que essas palavras dizem qual emoção expressar. Pratique como expressar cada uma das quatro emoções usando expressões faciais e linguagem corporal sem usar a fala, na medida em que o educador aponta para cada palavra emocional, assim como treine os alunos que possam ter dificuldade em expressar a emoção. Os estudantes agora estarão prontos para o jogo. Explique aos alunos que, enquanto eles andam pelo local, de maneira muito silenciosa, um cenário será lido e eles deverão encarar a parede com a palavra apropriada e reagir mostrando a emoção ou ocultando como se sentem usando a máscara. Eles terão que mudar os sentimentos muito rapidamente neste exercício, de modo que precisam ouvir atentamente. Adicione situações específicas que se ajustem ao grupo de alunos. 5.5 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O VOCABULÁRIO DE EMOÇÕES DOS ALUNOS Existem relações complexas entre linguagem, emoções e comportamento. A habilidade verbal está relacionada ao conhecimento emocional (ACKERMAN; IZARD, 2004). O reconhecimento de emoções está associado ao vocabulário receptivo, assim como a capacidade dos alunos de discriminar entre pensamentos, sentimentos e comportamentos. A capacidade de gerar estratégias está relacionada a habilidades expressivas de linguagem. Meninos com déficits de linguagem têm dificuldades com a regulação emocional, pois a regulação emocional e a linguagem afetam umas às outras (EISENBERG; SADOVSKY; SPINRAD, 2005). O conhecimento de um aluno sobre o vocabulário emocional influencia a velocidade e/ou a precisão na percepção de TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 79 expressões nos rostos das pessoas. Falar ou escrever sobre sentimentos ajuda a regular as experiências emocionais negativas (LIEBERMAN et al., 2007). Emoções e linguagem podem competir por recursos cognitivos em estudantes que estão emocionalmente aflitos, ou que evidenciam atrasos no desenvolvimento da linguagem. Os alunos precisam ser capazes de rotular as emoções. Palavras de vocabulário emocional ajudam a diminuir a reatividade emocional a curto e longo prazo. Simplesmente nomear a emoção que um aluno está experimentando ativa o córtex pré-frontal e diminui a intensidade da emoção que está sendo experimentada (LIEBERMAN et al., 2007). Para poder nomear as emoções, os alunos precisam desenvolver um vocabulário razoável para a sua idade. Para ajudar os alunos no desenvolvimento de um vocabulário emocional, os educadores podem ensinar palavras emocionais como parte de suas aulas de vocabulário de rotina. Podem solicitar aos alunos que gravem quantas vezes usam a nova palavra emocional durante o dia. Os professores podem enviar a nova palavra emocional para os pais e pedir-lhes que, não apenas a coloquem na geladeira, ou em algum outro lugar visível na casa, mas também que usem a palavra conforme interagem com seus filhos. À medida que novas palavras são ensinadas, sempre que uma delas é usada na aula, os professores podem manter um registro e representar graficamente o uso daquelas palavras. Os professores podem ajudar os alunos a fazerem livros ilustrados com fotos e desenhos para ilustrar as novas palavras, os alunos podem escrever uma história sobre a nova palavra ou escrever um poema usando a nova palavra emocional. Esse tipo de treinamento se encaixa facilmente nos currículos gerais de língua portuguesa. Os professores e os pais podem ser úteis no desenvolvimento do vocabulário emocional das crianças, usando a leitura dialógica. Os livros precisam ter temas socioemocionais e os adultos precisam fazer perguntas para ajudar as crianças a conectarem suas próprias experiências com as experiências de personagens nas histórias. Os adultos podem ajudar a construir o vocabulário emocional em crianças em idade escolar por meio de instrução direta, ensino incidental e atividades especialmente planejadas. Os psicólogos escolares podem recomendar que pais e professores “falem” sobre emoções negativas. Isso melhora as competências emocionais e a autoestima das crianças. Os alunos podem aprender um novo vocabulário emocional escutando histórias se os professores explicarem as palavras emocionais ao lerem. Tenha em mente que a probabilidade média de aprender uma nova palavra, a partir do contexto, é de apenas 15%. De cada 100 palavras novas que os estudantes encontram na leitura, elas só aprenderão 15. Aprender palavras emocionais novas requer muita prática. Os professores podem ajudar as crianças a criar um “Diário de Aula de Palavras Emocionais”. Inclua histórias, poemas e imagens que as crianças produzem. Um cartaz de palavras emocionais pode ser criado em uma sala de 80 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA aula. As crianças podem colocar seu nome ao lado da emoção que sentem quando chegam à escola e mudam a colocação de seus nomes ao longo do dia conforme suas emoções mudam. Em grupos menores, as crianças podem assistir a clipes de filmes ou pequenos segmentos de seriados de televisão. Os educadores podem pedir aos alunos para nomear as emoções retratadas e identificar as razões para as emoções. Eles podem pedir aos alunos que tentem identificar as estratégias de regulação emocional usadas pelos personagens (KOVACS et al., 2006). Este tipo de atividade é útil em intervenções de Nível 2. As intenções de implementação são “Planos Se-Então” que ligam a situação ao resultado; isto é, se algo negativo ocorre, um estudante usaria uma estratégia de regulação para estar no controle da situação. Os planos se-então ajudam os alunos a gerenciar efetivamente seu comportamento. As declarações se-então são mais fortes quando incluem intenções de metas. As intenções de implementação têm sido associadas ao desempenho escolar, mas também podem ser usadas para ajudar a gerenciar a ansiedade.Uma estratégia é ensinar os alunos a dizerem: “Se eu me sentir fora de controle, vou usar a respiração controlada para permanecer calmo e relaxado.” Para alunos ansiosos que estão com medo de um evento ou situação em particular, uma intenção de implementação que inclua uma declaração com conteúdo de ignoração é útil; isto é, "se eu começar a me preocupar que não posso fazer os cálculos, então vou imediatamente ignorar esse pensamento". Esta estratégia para controlar o medo permite que os alunos regulem de forma negativa quando tiverem tarefas acadêmicas desafiadoras para realizar. A energia não é afetada ao usar esta estratégia. Essa estratégia é fácil de treinar e praticar o uso. Tenha em mente que isso pode exigir "pistas" ou lembrar os alunos de usá-la. O diálogo interno (autofala) positivo também é importante, pois o pensamento positivo traz benefícios para a saúde. Os alunos precisam aprender a mudar a autofala negativa para um giro positivo. As crianças podem praticar isso dando a si mesmas um exemplo de autofala negativa e solicitando a si mesmas a fazer um brainstorming positivo. Por exemplo: "Eu não posso fazer isso, eu nunca fiz isso antes" poderia ser alterado para "Estou um pouco nervoso, mas eu gostaria de aprender a fazê-lo" ou "Talvez eu possa aprender a fazê-lo se eu tentar”. Mudar declarações como “É muito difícil” para “Eu posso pedir ajuda” ou “Eu posso tentar de outra maneira” é importante para praticar. As autodeclarações ansiosas das crianças predizem ansiedade. Ganhos de tratamento estão relacionados a mudanças nessas autodeclarações ansiosas (KENDALL; TREADWELL, 2007). Os alunos precisam praticar a autofala de que precisam em situações difíceis para evitar que as emoções aumentem muito rápido. Declarações como “vou melhorar”, “estou tentando muito” ou “sei o que fazer” ou “essa emoção é desconfortável, mas não pode me machucar” ou “vou me concentrar mais no futuro”. É importante aprender para que elas possam ser usadas quando um aluno é confrontado com situações acadêmicas ou sociais desafiadoras. TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 81 5.6 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CONSCIENTIZAÇÃO E O CONTROLE DA INTENSIDADE EMOCIONAL Para entender a intensidade das emoções, os alunos precisam avaliar as emoções de acordo com alguma escala. A escala mais comum é um “termômetro de sentimento”. Os termômetros de sentimentos são usados em muitas intervenções destinadas a ajudar as crianças. Um termômetro de sentimento é uma escala visual analógica. Os funcionários da Scott Paper Company desenvolveram a primeira escala analógica visual em 1921. Em 1923, uma escala visual analógica foi reprojetada horizontalmente e é usada até hoje para avaliar a dor de pacientes. Não foi até 1969, no entanto, que um análogo visual foi usado para medir o humor (AHEARN, 1997). Os alunos podem manter termômetros de sentimentos que eles criam em suas carteiras para que os professores saibam como estão se sentindo. Peça aos professores que instruam os alunos a indicar como estão se sentindo em vários períodos ao longo do dia e a falar sobre a intensidade emocional com os alunos. No Nível 2, os conselheiros podem criar termômetros com os alunos e usá-los para cada sessão de aconselhamento. Os educadores, em grupos, podem ler cenários e perguntar aos alunos qual é a emoção que o aluno, no cenário, pode estar vivenciando e quão intensa essa emoção pode estar de acordo com o contexto. Se os alunos não concordarem, isso fornecerá oportunidade para discussão. “Quantos graus?” é uma atividade para um pequeno grupo de alunos. Psicólogos escolares ou educadores de modo geral podem ensinar os alunos a conectar um número para corresponder à intensidade de várias palavras emocionais. Eles podem criar uma caixa 3D, escrever um número em cada superfície ou usar um dado. Crie um termômetro de sentimento com números correspondentes aos números do dado, de 1 a 6. Declare uma emoção. Cada aluno, por sua vez, pode jogar o dado. A tarefa é pensar em uma palavra emocional igual à intensidade do número que mostra na superfície do dado. Por exemplo, se o aluno lança um 6 e a emoção é raiva, a palavra gerada deve ser de intensidade muito alta. Os educadores podem ajudar os alunos a praticar a identificação da intensidade das emoções, gerando adjetivos para encaixar várias frases. Por exemplo, diferentes palavras de emoção se encaixariam nas duas sentenças seguintes: “Ele contou uma boa piada e eu ri” (palavras apropriadas de emoção podem ser: divertido ou engraçado); “Ele contou uma piada que me fez rir tanto que caí da cadeira” (nesse caso, palavras como: histérico, hilariante seriam mais apropriadas). Gere palavras para indicar diferentes intensidades de uma emoção. Os professores podem pedir aos alunos que escrevam uma história com uma emoção, mas incluam várias intensidades diferentes da emoção na história. No Nível 2, é útil se os educadores ensinarem cinco palavras diferentes para cada 82 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA emoção discutida. Cada palavra deve representar um grau ou intensidade diferente da emoção. Coloque cada palavra em uma carta. Distribua as cartas e peça aos alunos que primeiro dividam as cartas em pilhas, cada uma representando uma única emoção, e depois as organize de menos intensas a mais intensas. A raiva pode ser uma emoção problemática, por isso é importante ter certeza de que os alunos tenham muitas palavras para que a raiva descreva diferentes níveis de intensidade. Como exemplo, podemos aqui descrever um longo análogo de vocabulário para sentimentos de raiva. O nível 1 representaria o controle, a pessoa não está reagindo aos desencadeantes eventos ou situações da raiva ou está imperturbável. Palavras neste nível seriam: calma, tranquila, à vontade, imperturbável, contente, alegre, cabeça leve e pacífica. O nível 2 é o nível de alerta, quando o indivíduo sabe que a raiva está presente e que está aumentando. Palavras aqui poderiam ser: irritado, incomodado, perturbado, impaciente, chateado, frustrado e inquieto. O nível 3 é o nível que a pessoa média pode sentir com mais frequência quando está com raiva. Palavras aqui seriam: exasperado, indignado, agravado, agitado e irritado. O nível 4 envolve sentimentos intensos, mas ainda há um elemento de controle. Poderia usar palavras como: hostil, inflamado, indignado, antagonizado e frenético. O nível 5 representa um nível de raiva bem no limite da explosão. Palavras aqui poderiam ser: furioso, enfurecido, fora de controle, indignado, violento, frenético, inflamado, irado e enlouquecido. Contudo, pode ser útil utilizar palavras que descrevam diferentes intensidades de raiva que os alunos geralmente usam até que um vocabulário mais amplo possa ser ensinado. 5.7 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ESTUDANTES DE MUDAR AS EMOÇÕES A mudança de emoções pode ser um grande desafio para alguns alunos, particularmente para alunos com déficit de atenção, além de dificuldades emocionais. Crianças com deficiências intelectuais também têm considerável dificuldade em mudar seu foco. O foco de atenção tem se mostrado uma estratégia bem-sucedida para reduzir a raiva em estudantes com temperamentos particularmente reativos. Para que os alunos utilizem algumas das intervenções do Nível 3, os alunos devem ser capazes de mudar os conjuntos cognitivos. Isso permite que os alunos desenvolvam avaliações alternativas de situações. Com jovens estudantes, ou alunos com deficiências, o conceito de mudança pode ser ensinado com um jogo simples chamado “Mudança”. Peça aos alunos que se levantem, explique que um sinal (como um sino ou uma palmada) indicará que eles devem dar um passo à frente; um sinal diferente indicará que eles devem recuar, quando você disser “mudança”, os alunos irão dar um quarto de volta para a direita. TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 83 Os alunos precisam entender que a mudançade emoção nos ajuda a nos livrarmos da prisão de um pensamento ou sentimento perturbador. Isso nos permite descansar ou fazer uma pausa, mesmo que não queiramos esquecer o que está nos incomodando, porque precisamos fazer algo a respeito. Como muitas estratégias de regulação de emoções exigem mudanças emocionais, elas podem ajudar os alunos a aprender a usar um roteiro verbal tão simples quanto a palavra “mudança”. Outra estratégia tem a ver com o atendimento a duas experiências sensoriais ao mesmo tempo, como prestar atenção na respiração e na temperatura da sala. Atender deliberadamente a duas experiências sensoriais de uma só vez não deixa muito espaço para pensamentos negativos. Sharoff (2002) forneceu uma série de técnicas que são relevantes para ensinar os alunos a mudar a percepção e que seriam úteis quando os alunos precisam mudar as emoções. O desvio sensorial envolve o atendimento a detalhes visuais ou auditivos no ambiente, em vez de atender ao evento perturbador. O desvio somático envolve o atendimento a sentimentos no próprio corpo. A fantasia pode ser usada para usar os recursos de atenção ao invés de se concentrar na situação perturbadora (imaginando-se em um ambiente agradável ou favorito). A mudança de atenção também fará com que as emoções mudem. Concentrar-se em uma tarefa cognitiva, como contar, pode mudar a atenção. A tarefa de contagem deve ser um pouco desafiadora ou essa estratégia não será bem-sucedida. A contagem regressiva, por exemplo, é útil, mas deve corresponder à capacidade do aluno (contar para trás de 50 ou contar para trás de 100 por 3 ou 7 para alunos mais velhos ou mais competentes). “Atravessar a linha” é uma outra atividade para praticar a mudança de emoções. Dê aos alunos uma tira de papel com duas palavras de emoção apropriadas à sua idade e habilidade (feliz-triste, frustrada-calma, assustada- relaxada etc.). Coloque uma régua ou marca de giz no chão. Mostre aos alunos como caminhar até o marcador que exibe uma emoção usando a expressão facial e a linguagem corporal, cruze o marcador e expresse totalmente a segunda emoção. Os outros alunos do grupo podem adivinhar as duas emoções que estão sendo exibidas. Cada aluno pode ter vários turnos. Trabalhe com os alunos para praticar mudanças de emoções quando os alunos estão se sentindo calmos. Prepare uma série de cartas com duas ou três palavras de emoção, dependendo da idade e das habilidades do aluno. Peça aos alunos que retirem uma carta de uma pilha de cartas e representem as emoções. Cada carta contém palavras que exigem mudanças como: alegria-raiva-calma; confuso-surpreso-sonolento; otimista-deprimido-suspeito; ou raiva-medo- ansioso. 84 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 5.8 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE REGULAREM NEGATIVAMENTE É importante entender que o objetivo da regulação emocional é a moderação, e não o supercontrole ou subcontrole, cada um dos quais pode causar problemas (SOUTHAM-GEROW; KENDALL, 2002). As crianças em risco de problemas emocionais tendem a inibir a expressão da emoção ou a não tentar controlar a expressão da emoção. “Enigmas Emocionais” é um jogo no qual os alunos leem, ou o educador lê para eles, um cenário, que é analisado de acordo com a emoção que pode ser sentida pelos personagens no cenário. Peça aos alunos que pensem, cuidadosamente, sobre como cada personagem pode se sentir e o que ele pode fazer para se sentir melhor. Discuta as soluções individuais dos alunos com o grupo. O relaxamento aborda as expressões corporais de emoção e envolve uma variedade de estratégias, como a respiração controlada. Um estudo meta-analítico de técnicas de relaxamento em adultos indicou que o treinamento de relaxamento é eficaz na redução da ansiedade (MANZONI et al., 2008). Alguns tipos de relaxamento são mais eficazes que outros. Relaxamento aplicado, relaxamento progressivo e meditação têm os melhores efeitos para indivíduos e grupos. A respiração controlada tem sido associada à redução do desconforto e melhora do humor geral. Também tem havido muitos estudos de relaxamento muscular progressivo. Essa estratégia envolve contrair sucessivamente os grupos musculares e depois relaxá-los. Pesquisas mostram que essa estratégia pode acalmar a ansiedade e o estresse (KOOLE, 2009). Infelizmente, essa estratégia funciona melhor para estudantes em desenvolvimento típico e, talvez, para alunos em risco do que para alunos com transtornos. Além disso, funciona melhor para alguns tipos de fobias do que para todos os transtornos de ansiedade (STALLARD, 2010). Técnicas para se acalmar podem ser úteis, desde que não sejam identificadas como estratégias de enfrentamento específicas para o sofrimento emocional. A redução é uma técnica para diminuir a importância de uma ameaça. Reduz a magnitude da ameaça de ansiedade para que um aluno possa gerar uma estratégia para lidar com isso (SHAROFF, 2002). Os estudantes podem imaginar um evento perturbador, encolhendo-se progressivamente em tamanho ou uma situação pode ser pensada como se movendo mais longe no espaço. Se os alunos perceberem as preocupações, ou pensamentos irados, como se estivessem “falando em suas mentes”, eles podem usar a metáfora de “diminuir o volume” nos alto-falantes. As técnicas de parar de pensar, por outro lado, não se mostraram particularmente úteis. Muitos alunos usam a música para os ajudar a regular negativamente. A música pode ajudar as crianças a se acalmar, combater o tédio e melhorar a concentração. A música escolhida, no entanto, precisa se adequar ao gosto e à cultura da criança. Uma estratégia para se acalmar simples mencionada TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 85 anteriormente envolve a contagem. A contagem regressiva, ou a lista de animais, começando com uma letra do alfabeto “A a Z”, envolve recursos atencionais. Caminhar e contar podem ser úteis para alguns alunos, como na contagem dos passos para a academia, ou contando o número de passos necessários para circundar um local específico, se um aluno ficar muito chateado. O relaxamento muscular progressivo, combinado com a atenção às sensações nos músculos, demonstrou ser útil. Há uma relação entre respirar e experimentar sentimentos. Os alunos respiram fundo por dois ou três minutos contando enquanto exalam. Concentrar- se na respiração pode reduzir o sofrimento (KOOLE, 2009). “Válvula de Escape” é uma atividade para ajudar os alunos a entender a relação entre respiração e emoções para que eles possam usar esse conhecimento para mudar emoções desagradáveis. Sugira que os alunos fechem os olhos e imaginem uma ocasião em que sentiram uma emoção particular para ajudá-los a gerar a emoção. Uma vez que eles concordem que estão experimentando a emoção, peça-lhes que prestem atenção ao padrão respiratório que está associado àquela emoção (a ansiedade pode estar associada à inspiração e expiração rápidas e superficiais, por exemplo). Os alunos registram os padrões respiratórios que se ajustam às emoções específicas e os padrões respiratórios associados à sensação de calma. Ajude os alunos a entender que, caso experimentem uma emoção angustiante, eles precisam reconhecer o padrão de respiração que está associado a essa emoção e, então, mudar esse padrão para um padrão mais relaxado (respiração mais lenta e profunda). Se puder, também, usar uma música que os alunos concordem que gera uma emoção específica, como medo, raiva ou tristeza. Pare a música e treine os alunos a mudar seu padrão de respiração. Desta forma, eles estão controlando a "válvula de escape". 5.9 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE REGULAR AS EMOÇÕES A regulação emocional é parcialmente hereditária e parcialmente aprendida. Gêmeos idênticos são mais parecidos na regulação emocional do que gêmeos fraternos de acordo com seus pais. As diferenças individuais são significativas e estão relacionadas ao funcionamento executivo(HOEKSMA; OOSTERLAAN; SCHIPPER, 2004). As diferenças individuais também interagem com o contexto para afetar o comportamento. O uso de estratégias de regulação emocional é diferente em diferentes idades e, também, de acordo com gênero e cultura (HAGA; KRAFT; CORBY, 2009). A regulação emocional prediz o funcionamento social entre as crianças, portanto, espera-se que o treinamento ajude os alunos a interagir com mais sucesso com os colegas. As estratégias de regulação podem ajudar as crianças a compensar as questões de temperamento que poderiam causar problemas adaptativos. Emoções não são o mesmo que sentimentos. Os sentimentos são a experiência interna das emoções (HOEKSMA; OOSTERLAAN; SCHIPPER, 86 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 2004). Alunos que têm dificuldade em regular as emoções tendem a experimentar um rápido aumento de emoções e/ou alta intensidade de emoções associadas ao temperamento. Além disso, eles experimentam déficits no processamento de informações, como na dificuldade em rotular emoções ou fazer avaliações equivocadas hostis, e experimentam déficits na mudança, de modo que ficam presos e não podem mudar seu humor (SALOVEY, 2006). Existem muitas maneiras de regular as emoções. Podemos nos distrair, ou nos acalmar, como as crianças pequenas costumam fazer quando estão angustiadas. Nós podemos aumentar as emoções positivas. Uma estratégia útil é mudar uma emoção negativa substituindo uma emoção diferente. As emoções de evitação podem ser substituídas pelas emoções de aproximação. Emoções suaves podem sufocar emoções negativas mais rígidas. Os alunos precisam de muita prática de emoções positivas, mostrando a intensidade facial, postural e de voz, apropriadas para se adequar a uma emoção diferente da que está vivenciando no momento. Esses comportamentos podem ajudar a regular o evento ou a experiência emocional, bem como a expressão da emoção (GREENBERG, 2002). Às vezes, as crianças ansiosas são descritas como tendo um viés de negatividade, pois processam as informações recebidas de maneira negativa e rápida, caso pareçam ameaçá-las. Quando elas atribuem atenção ao processamento de informações emocionais negativas, há menos atenção disponível para outras tarefas. A diminuição dos recursos de atenção afeta o desempenho de atenção na escola. As emoções são irrelevantes quando um aluno está tentando se sair bem na escola. Um equilíbrio entre a sensibilidade à ameaça e o controle da atenção é necessário para ser eficiente quando se trabalha em tarefas que requerem atenção executiva (DENNIS; CHEN, 2007a, 2007b). Pesquisas indicam que algumas crianças ansiosas, particularmente crianças com fobia, não conseguem se desvencilhar de situações ou eventos perturbadores (GERDES; ALPERS; PAULI, 2008). Alunos com bom controle de atenção podem desviar sua atenção de opiniões negativas ou pensamentos negativos sobre si mesmos. A ênfase excessiva na atenção em pensamentos ou eventos negativos torna os alunos vulneráveis a sintomas depressivos. Distração é uma estratégia que é adaptativa em idades jovens, e pode ser adaptativa quando os alunos são mais velhos, dependendo da situação. A distração envolve desviar a atenção de algo angustiante e se concentrar em pensamentos neutros (SHEPPES; MEIRAN, 2008). Simplesmente pedir que uma pessoa com dor “pense em outra coisa” diminui a sensação de dor. Engajar o aluno em uma tarefa que exige atenção, como um problema de matemática que é um pouco desafiador, diminui a dor também. Uma tarefa secundária que envolve a pessoa pode reduzir a atenção às emoções. Se um aluno tenta usar a distração ou tenta pensar sobre a emoção de uma maneira diferente (reavaliação) depois que a emoção já se elevou, há um custo. A reavaliação tardia esgota o autocontrole e a distração tardia interfere na memória para a situação emocional. Os pesquisadores compararam a distração com a reavaliação. Ambas são estratégias bem-sucedidas na diminuição de emoções negativas, ambas TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 87 diminuem a atividade em algumas áreas do cérebro, e ambas aumentam a atividade no córtex pré-frontal do cérebro. No entanto, a reavaliação funciona melhor do que a distração em relação à diminuição das emoções negativas e melhora o processamento da interpretação de emoções e situações. A distração, por outro lado, funciona melhor do que reavaliação na diminuição da atividade da amígdala e no aumento da atividade nas regiões pré-frontais (MCRAE et al., 2010). Os alunos precisam aprender a lidar com informações perturbadoras que estão interferindo nelas. Uma maneira de lidar com o input estressante na sala de aula é desviar o olhar ou desviar a atenção do que está causando emoções negativas (HOEKSMA; OOSTERLAAN; SCHIPPER, 2004). Nas escolas, os professores podem tentar envolver um aluno em uma tarefa acadêmica ou dizer ao aluno para pensar em outra coisa. Pensar em outra coisa requer prática. As estratégias de controle de atenção que funcionam melhor envolvem o desligamento de pensamentos ou preocupações irrelevantes, mas não de outros aspectos do ambiente. O regulamento emocional recruta o controle executivo, a memória de trabalho espacial e a consciência dos gatilhos visuais-verbais. O treinamento de mindfulness incentiva os alunos a, simplesmente, notarem as emoções e situações que produzem emoções sem tentar interpretá-las. Embora isso pareça ser útil, o mecanismo para facilitar a regulação emocional usando essa estratégia não é totalmente compreendido (KOOLE, 2009). A mindfulness tem sido descrita como “prestar atenção ao momento” (JHA; KROMPINGER; BAIME, 2007, p. 109). Um número relativamente pequeno de estudos foi publicado para determinar a eficácia do treinamento de mindfulness, fornecendo algumas evidências para sugerir que ela afeta os componentes da atenção. Semple, Reid e Miller (2005) conduziram um estudo piloto com crianças ansiosas usando treinamento de mindfulness com um esforço para melhorar o manejo de atenção das crianças. Eles forneceram apoio preliminar para indicar que crianças de sete a oito anos de idade poderiam aprender técnicas de mindfulness, mas estudos maiores são necessários. Burke (2009) revisou a pesquisa atual e determinou que o treinamento de mindfulness é viável com crianças, mas ainda não temos evidências empíricas de eficácia. Alguns alunos têm dificuldade em se desconectar. Uma estratégia que pode ajudar é explicar aos alunos que, quando estão lidando com tristeza, tendem a se preocupar com detalhes e ignorar o quadro geral. Para ajudar os alunos a entender esse conceito, jogue “Visão de Túnel”. Segure uma foto com um forte conteúdo emocional, como uma situação de bullying na frente de uma janela. Tire a foto. Peça aos alunos que anotem o que viram na foto. Em seguida, peça-lhes que escrevam o que viram do lado de fora da janela. Alunos que superofocam podem lembrar alguns detalhes da imagem, mas não os detalhes fora da janela, ou podem lembrar detalhes da imagem que são neutros, versus detalhes com alto conteúdo emocional. Isso proporcionará oportunidades de discussão e uma oportunidade de ajudar os alunos a expandir sua visão de mundo. Alunos evidenciando um foco 88 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA estreito quando estão preocupados com emoções negativas precisam aprender a se orientar. Ajude-os a entender que pensar "Meu foco é estreito agora e preciso expandi-lo" pode facilitar o desligamento. A capacidade de usar essa estratégia quando necessário também requer prática (EKMAN, 2011). 5.10 ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR A CAPACIDADE DOS ALUNOS DE USAR ESTRATÉGIAS COGNITIVAS Todas as estratégias de regulação emocional funcionam em algumas situações. No entanto, muitas estratégias têm custos. Algumas estratégias de regulação prejudicam o desempenho cognitivo, afetando a memória, o desempenho acadêmico e a concentração, e algumas também têm custos sociais. Algumasestratégias de regulação não aliviam as emoções negativas, e algumas afetam o funcionamento fisiológico. É importante ressaltar que diferentes estratégias são necessárias para diferentes contextos e circunstâncias, na medida em que a melhor coisa a fazer depende da situação particular. Por exemplo, em uma situação ameaçadora, pode ser inteligente fazer o que é melhor no curto prazo, como agir rapidamente para fugir, em vez de se comportar de maneira reflexiva. Estratégias que normalmente são consideradas ineficazes, embora possam funcionar a curto prazo, mas que não são eficazes a longo prazo, incluem: evitar, desabafar, ruminar e reprimir. Estratégias que funcionam a longo prazo incluem: reavaliação cognitiva, redirecionamento, escrita expressiva e distanciamento cognitivo. Estratégias de regulação emocional focadas em antecedentes ocorrem imediatamente após um evento, e antes que a emoção seja elevada. As estratégias que acontecem mais tarde são reativas e são consideradas estratégias de regulação emocional focadas na resposta (BERKMAN; LIEBERMAN, 2009). Evitação é uma estratégia que não é eficaz a longo prazo. Pesquisas indicam que indivíduos que são altos evitadores emocionais sentem mais angústia e ansiedade do que aqueles que não usam regularmente a evitação (STALLARD, 2010). Existem várias estratégias de evitação, incluindo rituais, distração e supressão. Estes são usados por indivíduos com déficits emocionais e são direcionados a evitar emoções intensas e reações somáticas desconfortáveis. Evitação é comum entre indivíduos com alta ansiedade. Os comportamentos de preocupação podem ser uma forma de verificar os rituais e são encontrados em estudantes perfeccionistas. O afastamento é um esforço para evitar pessoas e situações que provocam afeto negativo. Quando os estudantes usam a evitação para proteger sua autoestima, essas estratégias saem pela culatra. Infelizmente, o uso de evitação pode resultar em uma sensação de fracasso, com diminuição das expectativas de sucesso. A catastrofização está associada ao pensamento sobre o que aconteceria se algo negativo ocorresse. É uma avaliação errada do antecedente (STALLARD, TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 89 2010). Não é uma estratégia muito eficaz, embora possa manter uma pessoa segura em uma situação potencialmente perigosa. O desabafo, apesar de sua popularidade, pode sair pela culatra, como uma estratégia para diminuir a intensidade da emoção, pois expressar emoções negativas tende a aumentar em vez de diminuir a intensidade. O aumento da intensidade da emoção é mais provável se o aluno mais tarde sentir culpa ou vergonha, ou se o receptor do desabafo reagir criticamente. Ruminar não é eficaz para a regulação emocional na maior parte do tempo. Existem vários tipos de ruminação. Por exemplo, a literatura inclui ruminação irritada, ruminação intelectual e ruminação depressiva. Ruminação intelectual e furiosa tem sido associada à mudança de problemas. Alunos que utilizam essas estratégias têm dificuldade em mudar para uma nova tarefa. Adolescentes com uma doença crônica que usam a ruminação como uma estratégia de regulação emocional experimentam desajustes. Alunos com distúrbios internalizantes são mais propensos a usar a ruminação e os terapeutas devem desafiar essa estratégia. A ruminação para diminuir a emoção negativa também leva a sintomas mais altos de depressão e dificuldades comportamentais. Quando um aluno ruminar excessivamente tentando diminuir as emoções negativas, o afeto negativo na verdade aumenta. O aluno então exibe comportamentos desregulados para se distrair dos pensamentos em sua mente. Estudantes deprimidos precisam aprender as consequências do uso da ruminação como uma estratégia de regulação emocional (MARSH; KOZAK; AMBADY, 2007). A supressão é uma estratégia considerada ineficaz na maior parte do tempo, embora haja algumas situações perigosas em que a supressão possa ser útil. Houve uma grande quantidade de pesquisas sobre supressão. Os alunos mais velhos usam a supressão com menos frequência do que os estudantes mais jovens. Os meninos usam a supressão mais do que as meninas (GULLONE et al., 2009). Um provável precursor temperamental para a supressão pode ser a baixa extroversão. Os educadores devem sempre manter as diferenças culturais em mente, já que a supressão expressiva é menos negativa para os estudantes das culturas asiáticas (KOOLE, 2009). A supressão expressiva envolve tentativas de deprimir comportamentos emocionais depois que alguém já está chateado. É uma estratégia focada na resposta. Como a supressão é ativada no final do ciclo emocional e trabalha para mudar o aspecto comportamental das respostas emocionais, isso requer esforço. Isso consome energia. O aluno que usa essa estratégia pode não mostrar emoção em seu comportamento, mas ainda assim se sente aborrecido. O uso excessivo da supressão pode resultar em sentimentos negativos sobre si mesmo em torno do fato de que a emoção ainda está presente. A supressão interfere na aprendizagem, em parte porque mantém altos níveis de ansiedade (SALTERS-PEDNEAULT et al., 2004). A supressão leva a problemas de memória para situações e interações sociais. O esforço envolvido no uso desta estratégia dificulta também a recordação de detalhes e, além disso, o aluno 90 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA pode não responder com sensibilidade em uma situação social. Os colegas que interagem com alunos que usam a supressão como uma estratégia de regulação emocional podem se sentir desconfortáveis, pois o aluno que usa essa estratégia pode parecer evasivo, distante ou não ser fiel a seus sentimentos. Os supressores provavelmente não estão claramente conscientes de suas emoções. Estudos mostram que eles estão menos conscientes de seus humores. Como resultado, os supressores experimentam um apoio social reduzido e podem apresentar sintomas aumentados de depressão. A supressão expressiva está associada a transtornos de ansiedade, e sintomas depressivos, em estudantes expostos a trauma. Ela desempenha um papel importante no estresse, embora também esteja envolvida uma tendência à ruminação. A supressão expressiva exige monitoramento contínuo, exigindo recursos energéticos e cognitivos. Como a supressão é uma estratégia de regulação de emoções problemática, podemos nos perguntar por que um aluno a usaria. A resposta é que a supressão reduz a tristeza e o medo no curto prazo. No entanto, à medida que a ansiedade aumenta para níveis moderados ou altos, a supressão deixa de funcionar e, a longo prazo, é ineficaz (STALLARD, 2010). Indivíduos que usam essa estratégia relatam mais estresse (MOORE et al., 2008). As estratégias de redirecionamento incluem exagero e desabafo de resposta. Embora o desabafo seja popular para controlar a raiva e a agressão, infelizmente aumenta as emoções, fortalecendo a intensidade dos pensamentos irados e as tendências de ação (KOOLE, 2009). Nem o exagero da resposta nem o desabafo são estratégias eficazes orientadas para metas. Estratégias cognitivas funcionam melhor. A reavaliação cognitiva, também chamada de reatribuição ou reestruturação, relaciona-se com a mudança de uma interpretação negativa para uma neutra ou positiva. Esse processo também é chamado de reclassificação cognitiva, ressignificação cognitiva ou ajuste de atitude. É diferenciado da racionalização, que pode envolver desculpas. A reestruturação ou reavaliação cognitiva é uma tentativa de ampliar a perspectiva de alguém, o que pode ser um desafio para alguns alunos, porque o estresse tende a estreitar nossas perspectivas. Essa estratégia é uma técnica fundamental da Terapia Cognitiva Comportamental. O objetivo dessa técnica é tornar as emoções negativas menos estressantes. A reavaliação de ameaças internas e externas antes que elas ocorram, ou antes que a intensidade seja grande demais, diminui a expressão posterior de emoções negativas.A reavaliação precedente é mais eficaz do que os esforços reativos (STALLARD, 2010). Aqueles que são fortes reavaliadores experimentam menos raiva, experimentam menos emoções negativas e têm mais emoções positivas, mesmo em situações que desencadeiam a raiva. O aumento do uso da reavaliação prevê um bem-estar mais positivo (HAGA; KRAFT; CORBY, 2009). Vários estudos compararam a reavaliação com a supressão expressiva. Quando essas estratégias são comparadas, os reavaliadores desfrutam de emoções mais positivas e menos emoções negativas, enquanto os supressores TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 91 experimentam uma diminuição do funcionamento (GROSS; JOHN, 2003). A reavaliação cognitiva é usada precocemente quando alguém é exposto a um gatilho, antes que a emoção se torne intensa (SHEPPES; MEIRAN, 2008). A reavaliação ocorre antes da supressão em quatro ou cinco segundos ou menos, enquanto a supressão leva mais de 10 segundos para ser ativada (BERKMAN; LIEBERMAN, 2009). A reavaliação é uma estratégia mais cognitiva e a supressão é uma estratégia mais comportamental. Quando a reavaliação é usada antes que a emoção seja intensa, ela não esgota a energia de enfrentamento. Quando é usada mais tarde no processo, tem um custo em energia e memória para o evento emocional. Hoje, temos estudos de ressonância magnética para nos ajudar a entender as estratégias cognitivas. Estudos de ressonância magnética mostram que o córtex pré-frontal está envolvido quando um estudante gera estratégias de reavaliação (OCHSNER et al., 2002). Além disso, estudos mostram que a força das conexões da amígdala com o córtex pré-frontal prediz o grau em que o uso da reavaliação deprimirá o afeto negativo (BANKS et al., 2007). Uma vez que a reavaliação é ativada com sucesso, a emoção negativa é diminuída junto com a atividade da amígdala, enquanto a atividade pré-frontal aumenta. A supressão não tem efeito sobre a atividade da amígdala (BERKMAN; LIEBERMAN, 2009). A reavaliação também foi comparada à distração e os neurocientistas relatam que a reavaliação leva a uma maior redução do afeto negativo e resulta em mais atividade pré- frontal do que na distração (MCRAE et al., 2010). Existem três estratégias-chave de reavaliação cognitiva que os estudantes precisam praticar: reenquadrar eventos e situações de outra maneira, imaginar o que está perturbando você como se estivesse longe e dizer a si mesmo que a situação não é real. Todos eles têm algum apoio para indicar que podem diminuir as emoções negativas. Reenquadrar é um termo de reavaliação que pode ser mais fácil para os alunos e pais entenderem. Este é um termo concreto que os alunos podem visualizar facilmente e também pode ser concretizado. Reenquadramento substitui pensamentos que são estressantes com pensamentos menos rígidos e mais úteis, calmantes (STALLARD, 2010). Reenquadramento substitui a evitação emocional. Ajuda os alunos a realizar ações mais adaptativas e não desencadeiam a tendência de ação da emoção que os alunos estão vivenciando (STALLARD, 2010). No entanto, reenquadrar requer a capacidade de “pensar em alternativas”. Alguns alunos precisarão começar a pensar em explicações alternativas, pensando em apenas uma explicação diferente. Outros podem precisar praticar pensando em alternativas que envolvam conteúdo atraente ou neutro. Por exemplo: alunos familiarizados com o jogo “Vinte Perguntas” podem usar este jogo para praticar pensar em alternativas. Apresente aos alunos uma caixa embrulhada de forma atraente, com uma bugiganga localizada dentro. O grupo deve adivinhar o que está na caixa, fazendo perguntas. Perguntas que eliminam ou identificam categorias 92 UNIDADE 1 | AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA funcionam melhor. Registre ou conte o número de perguntas feitas pelo grupo. Identifique quais perguntas foram mais úteis para restringir as escolhas. O aluno que adivinha o mais próximo do que pode estar na caixa consegue desembrulhar a caixa. Explique aos alunos que sempre que eles “mudaram” para perguntar sobre uma nova categoria, eles estavam pensando nas coisas de uma maneira diferente. Pergunte aos alunos se eles gostariam de compartilhar uma situação que ocorreu com eles ou com alguém que eles conhecem. Explique que o grupo ajudará a pensar nas possibilidades de resolver o problema. Alguns alunos precisarão de muita prática, sentindo-se confortáveis com a linguagem de reenquadramento. Treinamento de alunos para reenquadrar ou usar reavaliação cognitiva pode começar com a visualização de imagens em que mais do que a explicação é possível. Ochsner (2006) oferece o exemplo de uma mulher chorando em frente a uma igreja. Esta cena pode ser interpretada como perturbada em torno de um funeral, ou lágrimas felizes em um casamento. Os estudantes que conseguem pensar em uma explicação e são treinados para chegar a uma segunda explicação estão usando o reenquadramento. Isso envia uma mensagem diferente para a amígdala e pode mudar a forma como avaliamos a situação, bem como diminuir nossa resposta emocional a ela. Após a prática de usar imagens, os alunos podem praticar o pensamento de experiências comuns de outra maneira. “Coisas boas e ruins” é uma atividade na qual os alunos são apresentados a algo que é familiar e geralmente tem um clima positivo ou negativo associado a ele. Os estudantes devem pensar na situação da maneira oposta. Em vez de pensar em todas as associações negativas com um dia chuvoso, peça aos alunos que pensem em todas as coisas boas que podem sobre um dia chuvoso. Peça ao aluno para pensar em todas as coisas ruins sobre uma festa de aniversário. Peça-lhes para pensar em todas as coisas boas sobre uma caixa vazia. A aceitação é atualmente uma estratégia de regulação de emoções que está ganhando crescente interesse. A aceitação é um componente central da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), da Terapia Cognitiva baseada na mindfulness e de outras novas abordagens. Na aceitação, o aluno aprende a sentir ansiedade sem tentar mudá-lo. Uma estratégia relacionada é a "desfusão cognitiva". Isso é praticado por se afastar de um pensamento, ou considerá-lo interessante, em vez de perturbador, ou repeti-lo várias vezes até que não seja mais estressante. Os alunos podem entender que os pensamentos e as ações que os alunos realizam não estão conectados quando são solicitados a andar pela sala dizendo "não posso andar" várias vezes. Isso ajuda os alunos a verem seus pensamentos como hipóteses e não como fatos. Suporte biológico para aceitação foi identificado. A amígdala é mais ativada quando aceitamos passivamente emoções negativas do que quando nos agarramos a elas. Marks e Woods (2005) compararam aceitação e supressão. Eles descobriram que a supressão resulta em maior sofrimento causado por pensamentos intrusivos, enquanto a aceitação resulta em diminuição da ansiedade e sintomas depressivos. TÓPICO 3 | TREINAMENTO DE REGULAÇÃO EMOCIONAL 93 As estratégias de aceitação resultam em menos transtornos e estresse, embora a frequência de pensamentos intrusivos continue. Uma recente meta-análise de aceitação indica que é um tratamento mais eficaz do que as condições de controle, mas ainda não se demonstrou ser mais eficaz do que as intervenções mais tradicionais (POWERS; VÖRDING; EMMELKAMP, 2009). O distanciamento cognitivo envolve a mudança de uma situação para que seja menos perturbadora. Outra estratégia de distanciamento é imaginar que a situação está sendo observada a grande distância. Essas estratégias parecem ser eficazes na redução de emoções negativas. No distanciamento cognitivo, os alunos devem alterar sua relação com o evento ou situação. A escrita expressiva é uma estratégia eficaz para diminuir o sofrimento emocional e melhora o bem-estar físico e psicológico (KOOLE, 2009). Pensar nos detalhes das memórias emocionais reduz a intensidade. Escrever sobre eventos traumáticos pode diminuira emoção negativa à medida que os pensamentos se organizam, e a experiência de emoções é mais controlada. Falar, escrever e pensar podem ajudar os alunos a reprocessar as emoções. Finalmente, uma estratégia formulada por Linehan (2000) chamada de “Ação Oposta” pode ser útil para alguns alunos. Como toda emoção tem uma tendência de ação, o objetivo aqui é combater essa tendência fazendo exatamente o oposto do que a emoção sugere. Então, se alguém está com raiva, a tendência de atacar é substituída por falar e agir calmamente. Se alguém está triste e a tendência é se retirar, o aluno será incentivado a interagir com os colegas. Se a criança tem medo e a tendência é se afastar da situação assustadora, a criança seria encorajada a abordar a situação. A técnica de ação oposta é praticada da seguinte forma: os alunos são convidados a identificar emoções que experimentam em uma situação problemática; eles especificam a tendência de ação comportamental envolvida; eles descrevem qual seria a ação oposta e “repetem” o incidente. 94 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • Quando pensamos sobre o trabalho com os alunos nas escolas, devemos nos concentrar tanto na prevenção quanto na intervenção. • A compreensão da emoção inclui: a capacidade de rotular, avaliar e entender as expressões faciais de outras pessoas; entender nossas próprias emoções internas, assim como as dos outros; ser capaz de rotular emoções e experiências emocionais; e entender as regras de exibição cultural. • A regulação emocional tem a ver com a capacidade de gerenciar ou mudar a forma como pensamos em nossas experiências e eventos emocionais. • A regulação emocional envolve um foco particular na regulação da intensidade e duração das emoções negativas, conforme necessário, e na utilização dessas habilidades ao interagir com outras pessoas, o que pode envolver a diminuição ou mascaramento das emoções que sentimos. • O Nível 1 envolve treinamento universal de alfabetização emocional e compreensão de emoções, usando um programa baseado em evidências. • Intervenções de Nível 2 envolvem adicionar tempo, mudar ou fortalecer a metodologia de ensino ou adicionar treinamento mais avançado e intensivo. • Emoções positivas são úteis para lidar com experiências negativas e para construir resiliência ao estresse. • Estudantes que regulam sentimentos tristes tendem a vivenciar relações sociais positivas. • Crianças com transtornos de ansiedade têm dificuldade em lidar com tristeza e raiva, além de se preocupar. • Emoções múltiplas sobre um único evento, pessoa ou situação- se desenvolvem com o passar do tempo à medida que as crianças crescem. • As intervenções destinadas a ensinar a regulação emocional devem incluir o aumento de emoções positivas, bem como abordar as emoções negativas, porque as emoções positivas afetam o curso e a duração da experiência de emoções negativas. 95 • O entendimento emocional também tem a ver com o conhecimento e as crenças sobre emoções e como as emoções funcionam. • Gatilhos pessoais para emoções precisam ser identificados pelos alunos para que eles possam descrever por que os eventos, as pessoas e as situações os incomodam. • As tendências de ação emocional estão conectadas a uma compreensão da linguagem emocional, como a de que a raiva leva a comportamentos diferentes do que a tristeza pode gerar. • A capacidade de “ler” as emoções nas expressões faciais dos outros é uma habilidade importante, mas pode ser um desafio, especialmente quando a maioria das expressões faciais dura apenas dois segundos. • A expressão emocional tem a ver com o comunicar nossas emoções através da linguagem ou através de sinais não verbais. • O contexto desempenha um papel fundamental na leitura de expressões faciais de emoções. • A ideia de esconder emoções torna-se compreensível com o tempo, assim como controlar ou mudar as emoções que se expressam para atingir objetivos imediatos. • Existem relações complexas entre linguagem, emoções e comportamento. • Para entender a intensidade das emoções, os alunos precisam avaliar as emoções de acordo com alguma escala. • A mudança de emoções pode ser um grande desafio para alguns alunos, particularmente para alunos com déficit de atenção, além de dificuldades emocionais. • É importante entender que o objetivo da regulação emocional é a moderação, e não o supercontrole ou subcontrole, cada um dos quais pode causar problemas. • A regulação emocional é parcialmente hereditária e parcialmente aprendida. • O regulamento emocional recruta o controle executivo, a memória de trabalho espacial e a consciência dos gatilhos visuais-verbais. • Algumas estratégias de regulação prejudicam o desempenho cognitivo, afetando a memória, o desempenho acadêmico e a concentração. Algumas estratégias também têm custos sociais. 96 • A supressão expressiva está associada a transtornos de ansiedade e sintomas depressivos em estudantes expostos a trauma. • Existem três estratégias-chave de reavaliação cognitiva que os estudantes precisam praticar: reenquadrar eventos e situações de outra maneira, imaginar o que está perturbando você como se estivesse longe e dizer a si mesmo que a situação não é real. • A aceitação é atualmente uma estratégia de regulação de emoções que está ganhando crescente interesse. 97 1 Emoções positivas são úteis para lidar com experiências negativas e para construir resiliência ao estresse. Uma estratégia de regulação emocional que pode auxiliar nesse processo é o “Saborear”. Descreva como podemos utilizar esta estratégia. R.: 2 Emoções sociais e morais ocorrem mais cedo em crianças com desenvolvimento típico do que se pensava anteriormente. Identifique quando ocorrem o conjunto básico de emoções e emoções como vergonha, constrangimento, culpa e orgulho no desenvolvimento das crianças. R.: 3 Gatilhos pessoais para emoções precisam ser identificados pelos alunos para que eles possam descrever por que os eventos, as pessoas e as situações os incomodam. Descreva o que são gatilhos pessoais para emoções, detalhando as novas descobertas em pesquisas sobre o tema. R.: AUTOATIVIDADE 98 99 UNIDADE 2 SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer o processo histórico da construção conceitual da sexualidade; • conhecer os conceitos de gênero, orientação sexual e prática sexuais; • compreender a relação entre sexualidade e educação; • conhecer o que os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular apresentam sobre sexualidade; • analisar os conceitos referentes à sexualidade e a educação inclusiva a par- tir de alguns estudos de caso. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en- contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 - O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DA SEXUALIDADE TÓPICO 2 - SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO TÓPICO 3 - SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 100 101 TÓPICO 1 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DA SEXUALIDADE UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, neste primeiro tópico da disciplina Sexualidade e Afetividade na Educação Inclusiva, estudaremos sobre assuntos referentes a saberes que estruturam o campo conceitual da sexualidade e sua relação com a educação, principalmente a educação inclusiva. Comentaremos, brevemente, sobre o processo histórico da sexualidade, para entendermos como a sua construção ocorreu no desenvolvimento da sociedade segundo cada tempo e espaço. Ampliaremos a discussão para o campo da educação discutindo alguns documentos e referenciais para o trabalho dessa temática nas instituições educativas. E por fim, discutiremos sobre a educação inclusiva no âmbito das relações afetivas e na expressão da sexualidade. 2 PROCESSO HISTÓRICO DO CONCEITO DE SEXUALIDADE A linha histórica, que se propõe,inicia na Antiguidade, gregos e romanos, passa pela Idade Média, culminando na Modernidade. Tal recorte não pode ser entendido em suas datas e registros como o início, meio ou fim dos discursos sobre a sexualidade. Também não se imagina que os fragmentos aqui analisados são tudo o que foi dito sobre o tema. As datas aqui apresentadas, bem como os recortes de discursos feitos, são apenas partes para que você, acadêmico, possa se situar historicamente e perceber que o conceito de sexualidade, como conhecemos hoje, nem sempre foi entendido da mesma forma. 2.1 A PRODUÇÃO DA SEXUALIDADE ENTRE OS GREGOS A Antiguidade não se restringe apenas a Grécia e Roma. Dessa forma, seria inexato afirmar que o discurso da sexualidade entre gregos e romanos recobre todas as problematizações e discussões sobre a sexualidade da antiguidade. Entretanto, basta um rápido olhar sobre a literatura, que busca compreender as origens de nosso mundo moderno e contemporâneo, para ver a importância dessas duas culturas em nosso processo histórico. Delas provém nossa linguagem, a quase totalidade de nossos conceitos, nossos referenciais estéticos, éticos, as noções de corpo (soma) e de alma (psiqué), de sexo e de educação. UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 102 A sexualidade, assim como a política, a arte e a filosofia estão inseridas no percurso histórico, assim, o pensamento grego e romano traz palavras-chave para expressar o que pensavam sobre esses conceitos naquela época. A palavra grega aphrodisi, “corresponde ao verbo aphrodisiazein, se refere à atividade sexual em geral” (FOUCAULT, 1988b, p. 59), ou seja, o sexo com a esposa, escravos, prostitutas e amantes, ou rapazes. O valor do próprio ato sexual na Antiguidade era dotado de significações positivas, pois fazia parte da completude humana, seja na permanência da espécie, seja pelos prazeres a ele inerentes. A aphrodisi era uma experiência destinada a duas pessoas. Nessa experiência cada qual assumia seu papel, um exercia atividade e outro era sobre o qual ela se exercia (FOUCAULT, 1988b). A delimitação de um parceiro legítimo não impossibilitava outros relacionamentos, da mesma forma que não se limitava às relações apenas entre homens e mulheres. As relações entre indivíduos do mesmo sexo “na Grécia eram exaltadas — em Roma aceitas — pelo menos entre homens” (FOUCAULT, 1988b, p. 21). Para os gregos, há quatro tipos principais de conduta sexual desenvolvidos: “a Dietética, a propósito do corpo; a Econômica, a propósito do casamento; a Erótica, a propósito dos rapazes; e a Filosófica, a propósito da verdade” (FOUCAULT, 1988b, p. 48). As quatro maneiras distintas de abordar o tema que envolve as relações de prazer são fundamentais, pois são comuns às diferentes reflexões sobre aphrodisia. 2.2 O ESTOICISMO ROMANO E O CRISTIANISMO MEDIEVAL A moral sexual, cada vez mais presente e problematizada nas sociedades antigas, vai, ao mesmo tempo, convivendo com outras práticas de discurso. Como mostrado, na Grécia, práticas dos aphrodisia eram vistas de forma mais positiva do que seriam, mais tarde, na Idade Medieval. “Pode-se muito bem admitir a tese corrente de que os gregos dessa época aceitavam, muito mais facilmente do que os cristãos da Idade Média ou os europeus do período moderno, certos comportamentos sexuais” (FOUCAULT, 1988b, p. 48). Embora possa parecer que as formas de problematização da sexualidade tenham permanecido as mesmas, tal impressão pode incorrer em equívocos, pois, no período medieval, levando-se em conta sua longitude temporal, cerca de mil anos, se percebe que os sentidos atribuídos a essas problematizações vão se diferenciando profundamente em relação ao que eram para os antigos. O estoicismo romano e o cristianismo medieval teriam novas maneiras de pensar e lidar com a sexualidade, passa a ser a valorização da castidade; do casamento; da fidelidade; e do sexo como pecado. Nessa transição da filosofia antiga grega à filosofia helenista de Roma, os discursos médicos e morais foram ganhando mais espaço e importância dentro da sociedade greco-romana, e nesse período havia variações discursivas, nas TÓPICO 1 | O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DA SEXUALIDADE 103 quais conviviam as culturas pagãs com outras culturas. Não era uma transição crescente e tranquila, mas tensa, entre dois discursos e tantos outros que falavam sobre a sexualidade. Ou seja, a sexualidade era falada, vivida e experimentada de diversas formas por diferentes culturas, mas, neste recorte histórico, busca- se apenas entender como os sentidos atribuídos à sexualidade (aphrodisia), pelos antigos, foram perdendo espaço no campo discursivo e, ao mesmo tempo, outras formas de entender a sexualidade foram ganhando credibilidade. Essa visão cada vez mais aplicável e redutora do sexo foi conformada pelo estoicismo, a maior escola da filosofia antiga, que perdurou de 300 a.C. a 250 d.C. Até hoje a palavra “estoico” denota comportamento austero, impassível. Embora os filósofos gregos, de um modo geral, concordassem com a importância considerável da busca do prazer para o ideal humano de vida, os estoicos, sobretudo durante os dois primeiros séculos da Era Cristã, mudaram tudo isso. Rejeitaram a procura do prazer. O efeito dessa rejeição foi a concentração da atividade sexual no casamento. A valorização da castidade e sua discriminação contra o casamento colo- cam a sexualidade como uma relação de status e valor, diferente da Grécia antiga. As atitudes relativas à sexualidade do sujeito, ou melhor, às suas práticas sexuais, o colocam em situação de mais ou menos valor perante os outros. Assim, os primei- ros séculos da Era Cristã constroem outro sentido para o prazer e a sexualidade. Com as novas formas de problematização da sexualidade no discurso cristão, práticas diferentes das preconizadas pela moral sexual cristã continuaram a existir. Pode-se citar, como exemplo, o fato de o “amor pelos rapazes” — pederastia grega — sair de pauta, mas as práticas ainda existiam. Porém, onde a prática sexual era só permitida para procriação, se torna clara a repreensão contra a prática homossexual. As práticas sexuais transcorrem por uma linha tênue entre o prazer e o pecado, o permitido e o proibido, em que a sexualidade, nesse contexto, coloca no sujeito a responsabilidade (ou culpa) por suas práticas. Assim, não é o sexo em si que se apresenta como problemático, mas a relação que o sujeito tem com a prática sexual, um caso de sujeição e subjetivação das sexualidades possíveis. 2.3 SEXUALIDADE NA MODERNIDADE O Renascimento é tido como um marco no pensamento ocidental, em que o sistema econômico feudal e a hierarquia, liderados pelo clero e a realeza, começam a ser questionados pela burguesia, que não tinha “espaço” enquanto representação social até então. Esse movimento propõe não só uma maneira diferente de organização econômica, como também intelectual. Se, até esse momento, era a união entre o clero e a monarquia que fundamentava um pensamento teológico desde a Idade Média, a partir desse momento, pela entrada em cena de uma nova mentalidade, mais racional, vai progressivamente se construindo nas pessoas um individualismo e uma mentalidade laica. UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 104 O conhecimento vai deixando de ser uma contemplação da natureza pela fé, e a justificação dos fenômenos naturais e políticos por plena vontade de Deus passa a ser questionada, cientificamente, pelo homem, que se coloca como agente produtor do conhecimento e da história. Intelectuais começam a pensar e tentar explicar a natureza através da ciência, e também a sociedade. O movimento Renascentista foi início para o período que se entende como Idade Moderna. Esse movimento se concretizou, sobretudo, no século XVIII. Nesse período a burguesia intelectual propunha uma nova maneira de pensar, chamada de Iluminismo, fundada na razão e na ciência enquanto “descobridora”de leis uni- versais que explicassem tanto a natureza quanto a sociedade. Dessa forma a razão foi, pouco a pouco, se tornando o fundamento para as práticas sociais. Assim também ocorre com relação à sexualidade, a ciência natural disseca, abre, fecha, vira e desvira o corpo humano à procura da verdade empírica e de como governar a natureza — essa que não é mais transcendental e sim explicável, e pronta para ser conhecida pela razão. Dessa forma, podemos perceber que o con- junto de discursos presentes nesse tempo tem influência na maneira de organizar a sociedade. Esses conhecimentos sobre o corpo e suas minúcias mostram uma ma- neira de ver o mundo que perpassa o saber médico e político da ciência moderna. “O discurso de sexualidade não se aplicou inicialmente ao sexo, mas ao corpo, aos órgãos sexuais, aos prazeres, às relações” (FOUCAULT, 1979, p. 267). Querer controlar a vida, conhecer a natureza, tanto do corpo humano como do meio em que vive, era uma estratégia que se organizava. Essa forma de controle, e valorização dos discursos científicos, é possível na modernidade. No discurso médico, porém, os sentidos dessas prescrições são diferentes dos conselhos dos moralistas gregos e romanos, e dos sermões dos padres e religiosos da Idade Média. Nasce uma ciência da sexualidade, que torna o que era aconselhado pela moral algo prescrito pela ciência, e, para isso, criam-se mecanismos de controle e parâmetros de conduta, colocando aqueles que não correspondem a essa norma como anormais. O período Vitoriano (1837-1901), que introduz na Inglaterra uma maneira mais puritana e romântica, molda uma estratégia discursiva e econômica de que o sexo estava sendo reprimido. E, com isso, quem falasse sobre ele estava transgredindo a moral social imposta. Todas as hipóteses de que uma verdadeira sexualidade estava reprimida, e que haveria uma motivação para que esta seja libertada, são problematizadas. No momento em que mais se falou de repressão sexual foi, em realidade, o momento em que se constituíram os mecanismos da moderna sexualidade. A confissão foi, e permanece ainda hoje, a matriz geral que rege a produção do discurso verdadeiro sobre o sexo. Entretanto, ela se transformou consideravelmente. Durante muito tempo permaneceu solidamente engastada na prática da penitência. Mas, pouco a pouco, a partir do protestantismo, da Contrarreforma, da pedagogia do século XVIII e da medicina do século XIX, perdeu sua situação ritual e exclusiva: difundiu-se; foi utilizada em toda uma série de relações: crianças e pais, alunos e pedagogos, doentes e psiquiatras, delinquentes e peritos (FOUCAULT, 1988a, p. 73). TÓPICO 1 | O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DA SEXUALIDADE 105 Ou seja, a sexualidade e o sexo ainda permaneceram associados a uma categoria de perigo, mas agora não ao que diz respeito ao espiritual, e sim ao corpo e à mente. Livro: História da sexualidade 1: a vontade de saber. Autor: Michel Foucault DICAS A sexualidade tem sido bruscamente censurada, reprimida pela sociedade, depois de ter vivido em liberdade de palavras e atos? Segundo Foucault, a sociedade capitalista não obrigou o sexo a esconder-se. Ao contrário, desde o século XVI e, principalmente, a partir do último século, o sexo foi incitado a se confessar, a se manifestar. É justamente o poder que convida a enunciar nossa sexualidade por meio das diversas instituições e saberes, como peça essencial de uma estratégia de controle do indivíduo e da população, que é característica da sociedade moderna. Disponível em: <https://goo.gl/2mtxCh>. Acesso em: 28 jan. 2019. 3 A SEXUALIDADE NA ATUALIDADE Como podemos perceber, ao longo da história, a sexualidade é valorizada, reprimida, pesquisada, enfim, é um foco de atenção, pois faz parte da nossa vida e é por meio dela que nos expressamos enquanto sujeitos. É importante perceber os discursos sobre sexualidade ao longo dos tempos e como através deles conhecemos nossos hábitos e ideias. A sexualidade é uma forma de expressão humana e além de estar relacionada a aspectos biológicos e genéticos, está também, e ainda muito mais, relacionada a aspectos culturais. A cultura e as representações culturais também constroem nossa forma de ser e se portar no mundo, bem como nossa sexualidade. Referente à sexualidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define que a sexualidade faz parte da personalidade de cada um, sendo uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, portanto, a saúde física e mental. Partindo dessa referência, podemos entender que a sexualidade é muito mais complexa e ampla que o conceito de sexo. E por isso a importância de defini- los, o sexo é uma palavra que pode ser facilmente usada para distinguir um homem de uma mulher, ou seja, sexo masculino e sexo feminino, no entanto, tal palavra também pode ser usada quando se trata de órgãos sexuais, ou a prática UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 106 de atividades sexuais. (HOUAISS, 2009 apud O conceito de sexo, 2019). Existem outros conceitos importantes relacionados à sexualidade, como identidade de gênero, orientação sexual e práticas sexuais. FIGURA 1 - RESUMO DOS CONCEITOS DE IDENTIDADE DE GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL E SEXO BIOLÓGICO FONTE: <https://www.todamateria.com.br/orientacao-sexual/>. Acesso em: 28 jan. 2019. 3.1 GÊNERO Muitos dos discursos presentes na contemporaneidade estão relacionados ao gênero. Historicamente, podemos situar que foi em fins do século XIX que se tornou possível colocar em evidência uma discussão sobre gênero como forma de resistência a uma cultura e política de dominação do masculino sobre o feminino. Nessa virada para o século XX houve uma visibilidade maior das lutas feministas, como a pauta de estender o direito ao voto às mulheres, chamado esse movimento de sufragismo. “O sufragismo passou a ser reconhecido, posteriormente, como a ‘primeira onda’ do feminismo” (LOURO, 1997, p. 15). No final da década de 1960, algumas discussões a respeito da militância feminina passam a ser incorporadas nas novas formas de regulamentação, seja na política, nas profissões, no uso comum dos espaços sociais, mas também nas atividades domésticas, obrigações de progenitura, relações étnicas. Até então essa luta representava, em grande maioria, as mulheres brancas, de classe econômica favorecida e que eram limitadas aos cuidados do lar. Não era, propriamente, a TÓPICO 1 | O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DA SEXUALIDADE 107 voz das trabalhadoras, de classe baixa e, em sua maioria, negras, que, em função disso, não se sentiam representadas nessas lutas. Com essa divisão surge uma “segunda onda” do feminismo, que, além de discussões políticas e sociais, irá também se pronunciar através de trabalhos teóricos na academia, além de escritos em revistas e jornais. Em 1968, marco de grandes lutas em vários países, numa “contracultura”, jovens, intelectuais, mulheres e negros dão visibilidade a uma insatisfação no modo de vida, tanto social como político. A mulher ganha visibilidade, aprofundam- se os estudos e o conhecimento sobre o feminino e suas demandas, de grande importância nesse momento histórico, no qual a mulher sentia a necessidade de se afirmar enquanto identidade. Porém, essas discussões se dividiram. Algumas feministas radicais entendiam que essa afirmação identitária era legítima, e que era necessário produzir outras formas de conhecimento por mulheres e não mais por homens, que até então eram maioria nas produções acadêmicas. Outras feministas questionavam essa lógica argumentando que assim se limitava a discussão a questões biológicas. Para abrir outra perspectiva em relação ao tema do sexo, trabalham outro conceito, gênero. Nesse sentido, passa-se a usar: [...] gender distinto de sex, visando rejeitar um determinismo biológico im- plícitono uso de termos como sexo. Acentuar através da linguagem “o ca- ráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo” (SCOTT, 1995, p. 72). O conceito serve, assim, como ferramenta analítica que é, ao mesmo tempo, uma ferramenta política” (LOURO, 1997, p. 21). “No Brasil, será já no final dos anos 80 que, a princípio timidamente, depois mais amplamente, feministas passarão a utilizar o termo ‘gênero’” (LOURO, 1997, p. 23). Assim, este conceito representa tensões nas relações entre papéis sociais e papéis sexuais, bem como as tensões que estabelecem enquanto práticas políticas. Os papéis são articulações relativas ao que legitimam e ignoram na sociedade, e de que forma orientam formas de ser e se portar. Papéis seriam, basicamente, padrões ou regras arbitrárias que uma sociedade estabelece para seus membros e que definem seus comportamentos, suas roupas, seus modos de se relacionar ou de se portar... Através do aprendizado de papéis, cada um/a deveria conhecer o que é considerado adequado (e inadequado) para um homem ou para uma mulher numa determinada sociedade, e responder a essas expectativas (LOURO, 1997, p. 24). Porém, essa concepção se mostra redutora e simplista, visto que exclui múltiplas formas que podem assumir as masculinidades e as feminilidades. E ainda as complexas redes de poder que constituem hierarquias, através das instituições, discursos, práticas etc. (LOURO, 1997). Com esse olhar, se percebe que a sexualidade abre espaço para uma produção de identidades ligadas ao sexo, e que fundamentam discussões sobre o sexo. Por exemplo, o sexo feminino e masculino se desdobra em múltiplas possibilidades, não mais cabendo como definição, e sendo limitado ao binarismo de gênero. Criam-se diferentes maneiras de pensar o ser homem e mulher. A heterossexualidade, tida como norma, passa a conviver com a homossexualidade, bissexualidade, transexualidade etc. UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 108 Dessa forma, junto aos movimentos feministas, constituiu-se a participação de outros sujeitos, também militantes em favor de seu reconhecimento, sendo eles gays, lésbicas e transgêneros, que lutavam pela visibilidade e contra a violência. Mesmo ligados a uma luta social e política semelhante, motivada pela busca de reconhecimento e igualdade, suas agendas eram diferentes. A epidemia da AIDS (e o discurso sobre ela) favoreceu o reconhecimento e a visibilidade dos homossexuais, mas também as/os fixou em uma categoria específica. Outra vertente teórica do feminismo, que se articula a essas discussões sobre gênero, é a teoria Queer: A teoria Queer lida com o gênero como algo cultural, assim, o masculino e o feminino estão em homens e mulheres, nos dois. Cada um de nós — homem ou mulher — temos gestuais, formas de fazer e pensar, que a sociedade pode qualificar como masculinos ou femininos, independente do nosso sexo biológico. No fundo, o gênero é relacionado a normas e convenções culturais que variam no tempo e de sociedade para sociedade (MISKOLCI, 2012, p. 32). Enquanto o movimento homossexual buscava adaptar os homossexuais às demandas sociais, incorporando-os socialmente, os Queer preferiam enfrentar o desafio de mudar a sociedade de forma que ela lhes seja aceitável (MISKOLCI, 2012). Se a homossexualidade é uma construção social, também o é a heterossexualidade, dessa forma se pode questionar o pressuposto de a maioria das pessoas serem heterossexuais. Com os discursos sobre a AIDS, pesquisas socioantropológicas mostravam que não eram, apenas, homossexuais diagnosticados com a doença, e que muitas pessoas transitavam entre essa linha hete/homo em sua maneira de se relacionar sexualmente, e que essa dicotomia, heteros/homos, também é uma construção histórica a ser repensada (MISKOLCI, 2012). A palavra Queer vem do inglês e significa estranho. Vale ressaltar que é um xingamento, uma palavra de ofensa, e que foi trazida como uma ferramenta política, de combate à violência de gênero, e como apoio às discussões propostas pelos estudos feministas. Em sua perspectiva, o Queer não se fixa a uma identidade apenas, como é o caso dos termos homossexuais, bissexuais, transexuais, que muitas vezes são representados nos movimentos pela sigla LGBTTT (Lésbicas, Gays, Transexuais, Travestis, Transgêneros). A teoria Queer mostra a impossibilidade de representar, as infinitas sexualidades e gêneros possíveis, em letras apenas, e o questionamento de fixar as identidades, pois as percebe como em movimento e não estáticas, e muitas vezes até contraditórias. Ela representa aqueles que são, aqueles que serão e aqueles que podem ser, ou não, e que vivem na fronteira das diferentes representações de gênero. Os estudos de gênero trazem importantes reflexões sobre as relações de poder, não só entre o masculino e o feminino, mas como heterossexuais e homossexuais. A perspectiva de gênero está ligada a epistemologias que discutem conceitos como identidade, diversidade e cultura. Dessa forma, não escapa das discussões sobre sexualidade. TÓPICO 1 | O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DA SEXUALIDADE 109 3.2 ORIENTAÇÃO SEXUAL Segundo a discussão proposta pela professora Juliana Diana (2018), Orientação sexual é um termo que está relacionado com as diferentes formas de atração afetiva, e sexual, de cada um. Esse conceito veio substituir o de “opção sexual”, visto que as pessoas não escolhem sua orientação, ou seja, elas desenvolvem sua sexualidade ao longo da vida. Nesse sentido, uma pessoa não opta por ser heterossexual ou homossexual. Dependendo da atração sexual e afetiva, a orientação sexual é classificada em três tipos: • Heterossexual ou heteroafetivo: quando uma pessoa se atrai por um gênero diferente do seu. • Homossexual ou homoafetivo: quando a atração ocorre entre pessoas do mesmo gênero. Nessa categoria estão as lésbicas (atração e relacionamento entre mulheres) e os gays (afetividade e atração entre homens). • Bissexual ou biafetivo: quando a pessoa se sente atraída por ambos os gêneros (feminino e masculino). Para além dessa categorização, há ainda os assexuados, ou seja, aqueles que não possuem interesse e nem se sentem atraídos por nenhum dos gêneros. Até 1990 a homossexualidade era considerada uma doença. Nesse ano, ela foi retirada da lista de patologias pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Anteriormente, o termo para fazer referência ao desejo entre pessoas do mesmo sexo tinha como prefixo o indicativo de doença -ismo (homossexualismo). Hoje, ele é considerado impróprio e em seu lugar ficou o -dade (homossexualidade) (DIANA, 2018, s.p.). 3.3 PRÁTICAS SEXUAIS As práticas sexuais são simplesmente as relações sexuais, o ato de fazer sexo. Assim é muito subjetivo, e diversificado, como elas acontecem. Podem acontecer individualmente, entre duas pessoas ou mais. O importante a salientar, nesse sentido, é que para realmente ser uma prática sexual, todos os envolvidos devem estar em consenso e acordo, diferente disso pode ser considerado uma violência sexual. Neste link você encontrará 13 indicações de filmes sobre essa temática: <https://educacaointegral.org.br/reportagens/filmes-para-debater-diversidade-sexual-de- genero/>. Acesso em: 28 jan. 2019. DICAS UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 110 Assim sendo, a partir do que foi discutido, podemos perceber que não é simples conceituar sexualidade, assim como também é complexo vivê-la, por mais que criemos rótulos, nomes, identidades, o que for, a prática e as vivências são, por si só, únicas, subjetivas e inigualáveis. Nenhuma pessoa é igual a outra, e é nessa diversidade que buscamos igualdade e respeito. FIGURA 2 - ILUSTRAÇÃO SOBRE SEXUALIDADE FONTE: <http://picdeer.com/redeintegrar>. Acesso em: 28 jan. 2019. Desta forma, acadêmico, esta imagem (Figura 2) é significativa no que se refere a uma representação do conceito de sexualidade. Primeiramente, mostra a palavra no plural, sexualidades,que induz a ampla e complexa forma de vivenciá- la. E traz uma alusão às identidades de gênero e sexuais que culturalmente criamos para nos identificar, assim como tantas outras identidades. Estas, na prática, muitas vezes não dão conta da essência que é ser cada um, na sua individualidade. Por mais que tentamos nos classificar, e achar normas que nos identificam, sabemos que somos plurais e diversos enquanto pessoas, e é por isso mesmo que merecemos ser aceitos e respeitados. 111 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: ● A Antiguidade não se restringe apenas à Grécia e Roma, mas os pensamentos gregos e romanos trazem palavras-chave para expressar o que pensavam sobre sexualidade naquela época. ● A palavra grega aphrodisi corresponde ao verbo aphrodisiazein, se refere à atividade sexual em geral. A aphrodisi era uma experiência destinada a duas pessoas, e não se limitava às relações apenas entre homens e mulheres. ● O estoicismo romano e o cristianismo medieval teriam novas maneiras de pensar e lidar com a sexualidade, passando a ser mais valorizada a castidade; o casamento e a fidelidade; e o sexo começou a ser visto como pecado. ● O Renascimento é tido como um marco no pensamento ocidental. ● O discurso de sexualidade se aplica ao sexo, ao corpo, aos órgãos sexuais, aos prazeres, e às relações. ● Atualmente, se entende que a sexualidade é uma forma de expressão humana, e além de estar relacionada a aspectos biológicos e genéticos, está também, e ainda muito mais, relacionada a aspectos culturais. ● A cultura e as representações culturais também constroem nossa forma de ser e se portar no mundo, bem como nossa sexualidade. Existem outros conceitos importantes relacionados à sexualidade, como identidade de gênero, orientação sexual e práticas sexuais. 112 AUTOATIVIDADE 1 O conceito de sexualidade, como entendemos hoje, passou por muitas transformações ao longo do tempo. Na Grécia antiga, qual era o conceito utilizado que é sinônimo para sexualidade? a) ( ) Soma. b) ( ) Psiqué. c) ( ) Aphrodisi. d) ( ) Estoico. 2 O estoicismo romano e o cristianismo medieval teriam novas maneiras de pensar e lidar com a sexualidade, diferentes da Antiguidade grega e romana. Quais seriam essas novas maneiras? Assinale a alternativa CORRETA. a) ( ) Valorização da castidade; o casamento e a fidelidade; e o sexo como pecado. b) ( ) Era dotado de significações positivas, pois fazia parte da completude humana, seja na permanência da espécie, seja pelos prazeres a ele inerentes. c) ( ) Na Dietética, a propósito do corpo, na Econômica, a propósito do casamento, na Erótica, a propósito dos rapazes, e na Filosófica, a propósito da verdade. d) ( ) Valorização da castidade; o casamento e a fidelidade; e o sexo como diversão. 3 O que foi o movimento sufragista? R.: 113 TÓPICO 2 SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Segundo a autora Guacira Lopes Louro (2013, p. 11), “a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas social e política, pelo fato de que a sexualidade é “aprendida”, ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por muitos sujeitos”. Desta forma, podemos localizar a escola, enquanto instituição social, como uma tecnologia moderna que se alinha com outras instituições (SIBILIA, 2010) e contribuem para a construção de saberes e formas de ser. A escola não é a única responsável pela educação, mas é autorizada a educar dentro das normas estabelecidas. Para isso existem documentos oficiais que regulamentam o ensino nas instituições educacionais. Esses documentos são das esferas municipal, estadual e nacional. 2 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – PCNs Relativamente aos documentos nacionais para educação, é importante citar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Este documento é organizado da seguinte forma: um documento Introdução, que justifica e fundamenta as opções feitas para a elaboração dos documentos de áreas e temas transversais; seis documentos referentes às áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física; três volumes com seis documentos referentes aos Temas Transversais: o primeiro volume traz o documento de apresentação destes temas, que explica e justifica a proposta de integrar questões sociais como Temas Transversais e o documento Ética; no segundo, encontram-se os documentos de Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, e no terceiro, os de Meio Ambiente e Saúde (BRASIL, 1991). No documento que trata da Pluralidade Cultural e Orientação Sexual: [...] busca-se considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa no ser humano, do nascimento até a morte. Relaciona-se com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com responsabilidade. Engloba as relações de gênero, o respeito a si mesmo e ao outro e à diversidade de crenças, valores e expressões culturais existentes numa sociedade democrática e pluralista. Inclui a importância da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis/ Aids e da gravidez indesejada na adolescência, entre outras questões polêmicas. Pretende contribuir para a superação de tabus e preconceitos ainda arraigados no contexto sociocultural brasileiro (BRASIL, 2000, p. 123). UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 114 Assim, o objetivo principal do documento é de conscientizar sobre os temas relacionados à sexualidade. Contempla a relação com o corpo, os gêneros, a identidade sexual e as doenças sexualmente transmissíveis (DST). Sobre Orientação Sexual, fica claro que: A finalidade do trabalho de Orientação Sexual é contribuir para que os alunos possam desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e responsabilidade. Esse tema vincula-se ao exercício da cidadania na medida em que propõe o desenvolvimento do respeito a si e ao outro e contribui para garantir direitos básicos a todos, como a saúde, a informação e o conhecimento, elementos fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades (BRASIL, 2000, p. 123). Ao tratar da sexualidade, o documento denuncia a atitude comum da escola, em ocultar e reprimir as questões que se referem à sexualidade, e em atribuir tais discussões exclusivamente ao espaço familiar, ou seja, que o assunto se refere ao campo privado. O documento traz que essa discussão também deve ser realizada no espaço escolar, definindo, assim, questões de gênero e construção sociocultural do que é ser homem e mulher, e mostra também o papel do professor nessa construção. O professor deve, então, entrar em contato com questões teóricas, leituras e discussões sobre as temáticas específicas de sexualidade e suas diferentes abordagens; preparar-se para a intervenção prática junto dos alunos e ter acesso a um espaço grupal de supervisão dessa prática, o qual deve ocorrer de forma continuada e sistemática, construindo, portanto, um espaço de reflexão sobre os valores e preconceitos dos próprios educadores envolvidos no trabalho de Orientação Sexual (BRASIL, 2000). Desta forma, o tema da sexualidade é importante de ser discutido nas escolas a fim de quebrar com preconceitos e estereótipos que causam violências e desinformação, principalmente no que se refere ao corpo e suas transformações, inclusive na adolescência, onde é maior o interesse pela temática. Os professores, ao conhecer esse documento e pesquisar sobre o assunto, poderão sanar essas dúvidas e inquietações que deixam as crianças e adolescentes ansiosos. Cabe à escola ter esse papel esclarecedor sobre o que diz respeito à sexualidade e suas implicações na vida social e individual, prevenindo vários fatores, como doenças, gravidez indesejada, abusos e violências sexuais, bem como conhecimento biológico sobre o organismo humano. Todos esses assuntos só serão esclarecidos se os profissionais da educação ampliarem seu repertório e pesquisarem, se informarem e discutiremsobre. 3 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) Há também, mais atual, o novo documento de caráter mandatório que é a Base Nacional Comum Curricular. Depois de muitas discussões para a sua construção e aprovação, a mesma se encontra disponível para conhecimento e TÓPICO 2 | SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO 115 será, como o próprio nome já diz, base para a construção dos currículos de todo o país. Nela podemos localizar poucas referências à temática da sexualidade, mas podemos citar: “nos anos finais, são abordados também temas relacionados à reprodução e à sexualidade humana, assuntos de grande interesse e relevância social nessa faixa etária” (BRASIL, 2018, p. 327). Na área de conhecimento ciência, onde trata da vida e evolução, mecanismos reprodutivos e sexualidade mostram a formação de quatro habilidades, sendo elas: Analisar e explicar as transformações que ocorrem na puberdade considerando a atuação dos hormônios sexuais e do sistema nervoso; Comparar o modo de ação e a eficácia dos diversos métodos contraceptivos e justificar a necessidade de compartilhar a responsabilidade na escolha e na utilização do método mais adequado à prevenção da gravidez precoce e indesejada e de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST); Identificar os principais sintomas, modos de transmissão e tratamento de algumas DST (com ênfase na AIDS), e discutir estratégias e métodos de prevenção e, por fim, selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética) (BRASIL, 2018, p. 349). Nesse sentido, o documento contempla, dentro da área de conhecimento específica da ciência e natureza, alguns dos principais temas referentes à sexualidade e o corpo em geral, podendo assim concluir a importância desses conceitos para a formação integral, através da formação de habilidades e competências. Mesmo havendo esses documentos oficiais e mandatórios, ou seja, que obrigam os currículos das instituições escolares a contemplarem determinados conceitos, mesmo assim, há em relação à sexualidade, certa negação, no que se refere à prática educativa escolar. Segundo a autora Guacira Lopes Louro (2000 p. 25): [...] a escola, em relação à sexualidade, provavelmente nega porque ignora e, desta forma, oferece muito poucas oportunidades para que adolescentes ou adultos assumam, sem culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento mantém, com relação à sexualidade, como lugar do desconhecimento e da ignorância. Acadêmico, fica aqui o convite para leitura e conhecimento destes dois documentos nacionais e, também, você poderá pesquisar os documentos que se referem ao seu estado e município. Faça a relação com o que está escrito e o que determinam a BNCC e os PCNs, assim você poderá trabalhar com mais fundamentação e propriedade essas questões. UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 116 Trabalho acadêmico de Márcio Magalhães da Silva, sobre a temática: Resumo A educação sexual foi inserida oficialmente no currículo de todas as escolas brasileiras de Ensino Fundamental com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), pelo Ministério da Educação (MEC), em 1997. Em 2010, a UNESCO publicou a Orienta- ção Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade, recomendando a todos os países do mundo que abordem temas relacionados à sexualidade na educação escolar, propondo formas de realização dessa tarefa com crianças a partir dos cinco anos de ida- de, adolescentes e adultos de todas as idades. O presente trabalho faz, então, uma análise dessas propostas a partir da categoria totalidade do método materialista histórico-dialético e baseado na pedagogia histórico-crítica, visando identificar os interesses que a educação sexual na escola vem atender. O ponto de partida deste trabalho é o conjunto de informa- ções extraídas das referidas propostas, bem como alguns aspectos do ideário pedagógico contemporâneo que as fundamentam e algumas informações históricas relacionadas à sexualidade e à educação sexual (real empírico). Para desvelar as mediações e contradi- ções internas do fenômeno são adotados os pressupostos da pedagogia histórico-críti- ca referentes à sua concepção de desenvolvimento humano, conhecimento científico e funções da escola (mediação teórica). Por meio da relação entre os objetivos, métodos e conteúdos propostos pelos documentos analisados e a totalidade histórico-social, busca- -se superar a apreensão aparente da educação sexual na escola e identificar os interesses relacionados a esse processo (real concreto). As informações coletadas permitem concluir que historicamente a educação sexual é proposta com a finalidade de controle social, o que se verifica também nas propostas analisadas. Filiando-se aos pressupostos escolano- vistas, a educação sexual recomendada tanto pelo MEC quanto pela UNESCO pretere os conteúdos científicos e enfatiza o interesse do aluno no processo educativo, interesse que não corresponde, porém, aos interesses do aluno concreto, mas aos interesses do aluno empírico. Isso significa dizer que a educação sexual proposta atende aos interesses da classe dominante nesta sociedade, pelo rebaixamento da formação individual aos patama- res mínimos requeridos para a reprodução da sociedade capitalista. FONTE: SILVA, M. M. A sexualidade como tema pedagógico: análise das propostas do MEC e da UNESCO para inserção do tema nas escolas. 2013. 203f. Dissertação (Pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras) - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2013. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/90193/silva_mm_me_arafcl. pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 1 dez. 2018. DICAS 4 PROPOSTAS PARA TRABALHAR A TEMÁTICA DA SEXUALIDADE Caro acadêmico, depois de ler várias referências, sejam teóricas ou documentos legais, ainda assim fica a dúvida de como trabalhar esses conceitos na prática, seja em oficinas, palestras sobre o tema, ou até mesmo na sala de aula. Desta forma, traremos aqui algumas propostas de trabalho com metodologias práticas de como trabalhar o tema da sexualidade com crianças, adolescentes, jovens e até mesmo adultos. TÓPICO 2 | SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO 117 As propostas aqui citadas estão disponíveis em um caderno de atividades chamado Gênero e Diversidade na Escola, Formação de Professoras/es em Gê- nero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Esse documento foi promoção do projeto Gênero e Diversidade na Escola, em que envolve a Se- cretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM/PR), a Secretaria Especial de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR/PR) e o Ministério da Educação (MEC). Com realização do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Huma- nos (CLAM/IMS/UERJ). Você pode acessar o caderno e ter todo o conteúdo na íntegra em: <http:// www.e-clam.org/downloads/Caderno-de-Atividades-GDE2010.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2019. DICAS 4.1 ATIVIDADE: AS DIVERSAS FASES DA VIDA • Disparador: Anterior a esse momento, peça que os participantes levem revistas. Leve você também. Você pode iniciar uma conversa com a turma, estimulando que pensem sobre pessoas de diferentes idades que conhecem. Como são essas pessoas, o que fazem, o que desejam. Em seguida, proponha que se organizem em cinco grupos. Enquanto fazem isso, você pode colocar para tocar a música dos Titãs, “Comida”. • Você pode acessar a música no YouTube e, se desejar compartilhar a letra com todos, pode também conseguir na internet. • Atividade: Peça que se sentem nas cadeiras arrumadas em grupo, distribua as revistas, material para a confecção de um cartaz e as seguintes orientações por escrito: Vocês deverão montar um cartaz utilizando recortes de revistas com o seguinte tema e título: Quando eu era bebê, eu queria e gostava... Quando eu era criança, eu queria e gostava... Eu sou adolescente, eu quero e gosto... Meus pais/mães/responsáveisque são adultos, querem e gostam... Meus avôs/avós querem e gostam... Adapte as perguntas à faixa etária dos/as participantes. Deixe-os/as à vontade para utilizar imagens encontradas nas revistas, desenhar e escrever o que desejarem. Antes de os grupos terminarem os cartazes, escreva no quadro as seguintes perguntas: Quais os desejos e anseios de cada fase? Há desejos que atravessam todas as fases da vida? Quais os prazeres de cada fase da vida? Há prazeres que atravessam todas as fases da vida? Há relação entre os desejos, anseios e prazeres que relacionaram e o gênero da pessoa? Nossos desejos e anseios são diferentes dependendo de nossa raça ou etnia? Sofremos influências para desejar certas coisas? Quem nos influencia? Família, colegas, mídia? Você pode criar outras perguntas que julgue interessantes para animar o debate. Em seguida, todos/as apresentarão seus cartazes a partir do que foi comentado enquanto o produziam, e das perguntas listadas por você. UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 118 • Fechamento: Incentive uma discussão de encerramento a partir das suas observações sobre as relações que os/as participantes fizeram entre faixa etária, desejos, prazeres, gênero e raça; as suas referências de beleza, sexualidade, feminilidade, masculinidade, gostos, desejos; o que classificaram como desejos dos/as adolescentes, caso essa seja a faixa etária; e sobre as influências que vêm sofrendo para construírem essas crenças e expectativas. Destaque especialmente nos comentários as relações que fazem entre desejos e prazeres femininos e masculinos em diversas fases etárias e as implicações com relação ao gênero presentes nesses desejos (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.2 ATIVIDADE: VAMOS FALAR DE SEXUALIDADE? • Disparador: Para iniciar essa atividade, diga que a conversa será sobre um tema polêmico, que muitas pessoas têm dificuldade de conversar sobre ele, mas que, por outro lado, é muito falado e discutido. Não dê nenhuma dica, pois é preciso manter suspense sobre o tema. • Atividade: Em seguida, distribua tiras de papel. Peça que os meninos escrevam a letra H (homem/masculino) em sua tira e as meninas, a letra M (mulher/ feminino) e, em seguida, fechem os olhos. Quando todos/as estiverem com os olhos fechados e em silêncio, dará a seguinte instrução: Falarei uma palavra e vocês, quando abrirem os olhos, deverão registrar nesse papel a 1ª emoção/ sentimento que lhes vier à cabeça quando ouvirem essa palavra. Ressalte que eles/as não precisarão colocar seus nomes na tira de papel. Em seguida, diga a palavra: SEXUALIDADE. Espere que escrevam, mas lembre que devem registrar a primeira emoção/sentimento. A intenção não é racionalizar sobre o tema, mas que sejam espontâneos. Peça que dobrem o papel e circule pela sala com uma sacola ou caixa para que joguem os papéis dentro. Esse tipo de cuidado permite que até os/as participantes mais tímidos/as se expressem com mais facilidade e sinceridade. • Com a ajuda de alguns/algumas participantes, escrevam no quadro as palavras citadas separando a partir das respectivas letras H e M. Inicie uma discussão sobre os significados que a sexualidade tem para essa geração e para ambos os gêneros. Atente para o fato de haver, ou não, diferenças muito significativas, inclusive em números, entre as emoções reveladas pelas meninas e pelos meninos. Essa é uma informação fundamental para se discutir as relações entre sexualidade e gênero. Para animar o debate, você pode levantar as seguintes questões: Quem conversa sobre sexualidade em casa com os pais e/ou as mães? Com quem você se sente à vontade para conversar sobre sexualidade? Por quê? Você acha que os/as seus/suas amigos/as sabem tudo sobre sexualidade? Quem sabe mais sobre sexualidade, os meninos ou as meninas? Por quê? • Fechamento: Se a atividade tiver transcorrido de forma descontraída e todos/ as tiverem se mostrado/a dispostos/as e abertos/as ao diálogo, convide-os/as a revelarem as emoções que foram listadas inicialmente de forma anônima. Você pode propor ainda que construam um cartaz coletivo com as palavras e expressões que disseram sobre sexualidade durante as discussões, decidam um título para o cartaz e o exponham (BRASIL, 2009b, p. 133–164). TÓPICO 2 | SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO 119 4.3 ATIVIDADE: MULHER E HOMEM: QUE DIFERENÇA HÁ? • Disparador: Leve para a sala fotos publicitárias em que apareçam os seguintes personagens juntos: dois ou mais homens; duas ou mais mulheres; homens e mulheres; em situações próprias de casais ou não. Afixe estas fotos no quadro. • Atividade: Convide a todos para observar as fotos de modo geral e digam o que acham delas. Em seguida, peça que observem os homens e mulheres das fotos. A ideia é fazer a distinção entre as fotos em que só há homens, só há mulheres e há homens e mulheres. Estimule que observem os seguintes aspectos: como homens e mulheres se colocam nas fotos; suas posições diante do mesmo sexo e do sexo oposto; seus gestos, olhares, expressão facial; onde estão suas mãos; atividades que estão desenvolvendo, que proximidade física se permitem etc. Peça que descrevam o que cada personagem estaria pensando sobre o seu companheiro/a na foto a partir da sua expressão facial e gestos. Como os homens olham para os outros homens e para as mulheres? Como as mulheres olham para outras mulheres e homens? Há diferença entre homens e mulheres no trato com pessoas do mesmo sexo? Por que acham que isso acontece? As imagens demonstram intenções afetivo-sexuais entre as pessoas do mesmo sexo? Por que não? Observe o que dizem sobre as diferenças sobre o que homens e mulheres “podem” fazer e como “devem” se comportar diante de uma pessoa do mesmo sexo e do sexo oposto. Surgirão outras possibilidades de análise a partir das fotos trazidas, aproveite! • Fechamento: Ao final da discussão, proponha que redijam um texto curto sobre o que foi discutido. Esta atividade pode ser realizada em duplas. O material produzido pelas duplas pode ser compartilhado com todos e poderá se desdobrar em outro debate (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.4 ATIVIDADE: SEXUALIDADE E GÊNERO NOS LIVROS DIDÁTICOS • Disparador: No caso de a atividade ser em uma escola, leve todos à biblioteca ou, se preferir, leve para a sala um grande número de livros didáticos de disciplinas como História, Língua Portuguesa, Geografia e Biologia. Inicie uma conversa que estimule a reflexão sobre o que é biológico ou natural e o que é social e cultural no que diz respeito aos nossos comportamentos. • Atividade: Proponha que os participantes se dividam em grupos e distribua os livros entre eles, para observarem os seguintes pontos: Como mulheres e homens são representados? Como as famílias são representadas? Qual o corpo que geralmente serve de padrão nos livros? Há diversidade de corpos (altos, baixos, gordos, magros, brancos, negros, indígenas, homens e mulheres, pessoas com deficiências etc.)? Os livros de Biologia fazem referência ao social e ao cultural quando definem homens e mulheres? Quando tratam de reprodução, os livros tocam em questões afetivas e sociais? Os textos dos livros têm linguagem inclusiva, ou seja, usam “ser humano” ou “pessoa humana” em vez de “homem”? Usam o masculino e feminino das palavras ou “o/a” UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 120 diante de palavras comuns aos dois gêneros? Há diversidade étnico-racial nas ilustrações de homens e mulheres? Como essa diversidade é representada? • Crie outras perguntas a partir dos livros que forem selecionados para esta atividade. A ideia é discutir o que é biológico e o que é cultural entre homens e mulheres, e o que é cultural, mas costuma ser tratado como sendo natural/biológico. Essa discussão é fundamental para se promover educação em sexualidade e gênero, pois, como sabemos, ao se tratar comportamentos sociais e culturais como determinados por aspectos biológicos, cria-se a ideia de fixidez desse comportamento e impossibilidade demudança. • Fechamento: Ao final da análise dos livros, os grupos deverão apresentar os seus resultados. Facilite a discussão, a partir da ideia de oposição natural/ biológico/fixo X social/cultural/mutável. Durante as apresentações, outras questões aparecerão. Peça que elejam um dos livros e redijam um pequeno texto, ou um parecer, sobre o que diz o livro e o que o grupo acha que deveria dizer a partir do que foi discutido (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.5. ATIVIDADE: “CHEGANDO JUNTO” • Disparador: Inicie com os participantes uma conversa sobre como se dão os começos de namoro, sobre novas formas de relacionamento, como o “ficar”, por exemplo. • Atividade: Proponha aos grupos a criação de um diálogo que reproduza o primeiro encontro de um casal e o desenvolvimento desse relacionamento até o início de um namoro. Ou seja, o diálogo poderá narrar mais de um encontro. Eles/as devem definir a idade dos/das personagens, o que gostam de fazer, o que estudam, aonde gostam de ir etc., informações comumente trocadas quando se está conhecendo uma pessoa. Em seguida, peça que leiam os seus diálogos para todos. Depois da leitura, inicie uma discussão sobre o que foi apresentado pelos grupos a partir dos seguintes pontos: Quem tomou a iniciativa da aproximação e quem conduziu a relação ao namoro? O que acham disso? O que essa pessoa disse ao se aproximar e o que o/a outro/a respondeu? Quais expressões são mais comumente usadas entre eles/as nesse momento? Quais foram as atitudes iniciais de ambos? Meninos e meninas tratam desse tema da mesma forma? Quais as principais diferenças entre os comportamentos de meninos e meninas nesse momento e com relação ao namoro? Acham que esses comportamentos são os mais adequados ou gostariam que fossem diferentes? Como? • O que chamou a atenção dos/as personagens para que se interessassem pela outra pessoa? A cor ou raça é um aspecto que determina o “interesse” por outra pessoa? Se só surgirem casais heterossexuais, pergunte sobre as possibilidades de formação de casais homossexuais, o que acham disso, por que não escreveram sobre isso, se na escola ou entre seus/suas conhecidos/as há casais homossexuais etc. A ideia é criar a possibilidade de discussão desse tema, de forma que pensem nas relações entre pessoas do mesmo sexo como plausíveis e permeadas pelas mesmas dúvidas e desejos das relações entre pessoas de sexos diferentes. TÓPICO 2 | SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO 121 • Fechamento: Solicite que os grupos se reúnam novamente e conversem se, a partir da discussão, fariam alguma modificação nos diálogos inicialmente criados. Após esse exercício, eles/elas poderão comentar suas escolhas (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.6. ATIVIDADE: AMOR EM FOTOS • Disparador: Exponha três fotos/imagens: uma de dois homens, uma de duas mulheres e uma terceira de um homem e uma mulher. Nas três situações, os/as personagens devem estar de mãos dadas, ou se olhando de forma carinhosa, ou se tocando. As imagens devem passar de forma sutil a ideia de relações afetivas, mas não devem ser de beijos, abraços apertados etc. A opção por esse tipo de imagem tem o objetivo de não caracterizar as duplas, de antemão, como casais, possibilitando a discussão sobre masculinidades, feminilidades e afetividade. • Atividade: Peça que os/as participantes observem as fotos sem fazer comentários. Em seguida, proponha que escrevam uma história/conto baseado em uma das três fotos. Se perguntarem que tipo de história deve ser escrita, diga que escrevam a situação que acham que a foto representa. A ideia é que percebam que as histórias não precisam ser necessariamente de amor entre casais, pois as fotos não explicitam esse tipo de relação. Sugira que eles/elas não comentem sobre qual foto escreverão. Provavelmente, mesmo sem serem estimulados/as, haverá comentários sobre as fotos. Anote o que for dito. • Fechamento: Inicie uma discussão perguntando que tipo de relação as fotos expressam. Se disserem que revelam apenas relações amorosas, faça alguns questionamentos: Quais as possibilidades de afetividade entre homens e mulheres heterossexuais? Há mais facilidade para homens ou mulheres expressarem carinho por uma pessoa do mesmo sexo? Por quê? Utilize o que você porventura tenha anotado durante a observação das fotos. Aproveite e pergunte sobre quais fotos escreveram. Talvez não surjam histórias sobre os supostos casais homossexuais e, nesse caso, você poderá iniciar uma conversa sobre homossexualidade, preconceito, homofobia. Em seguida, peça aos/às participantes que desejarem, que leiam seus contos/histórias. A leitura pode desencadear outras conversas. Os/As que desejarem podem expor, ainda, seus textos (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.7 ATIVIDADE: SEXUALIDADE CANTADA • Disparador: Peça para que os participantes tragam consigo letras de músicas de todos os estilos que falem de relações amorosas, sexualidade e modos de ser homem e ser mulher. Você deverá levar cópia das letras das seguintes músicas: “Tem pouca diferença”, de Durval Vieira, que ficou conhecida na voz de Luiz Gonzaga, e “Masculino e feminino”, de Baby Consuelo, Didi Gomes e Pepeu Gomes, conhecida na voz deste último; Geni e o Zepelin e Mar e Lua, ambas de UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 122 Chico Buarque de Holanda. Se você conhecer outras músicas que tratem dos mesmos temas e sejam mais conhecidas em sua região, prefira essas. As letras e videoclipes dessas e outras músicas podem ser facilmente encontrados na internet. Indicamos o site http://www. letras.com.br. • Atividade: Proponha que os participantes se dividam em grupos. Troque as músicas entre os grupos para que os/as estudantes não trabalhem com as que trouxeram, mas conheçam as escolhas dos demais. Distribua ainda uma ou duas músicas indicadas acima, ou que você tenha selecionado. Os grupos deverão identificar nessas músicas como homens e mulheres são representados/as, suas ações, seus sentimentos, comportamentos na relação e os verbos e adjetivos usados para se referir a homens e a mulheres. E, principalmente, como as relações afetivas são representadas, como homens e mulheres se comportam nessas relações, quais os comportamentos que a música critica ou estimula, se as relações são heterossexuais ou homossexuais. Os grupos deverão fazer uma lista, ou tabela, com esses dados. • Fechamento: Cada grupo apresentará a todos o seu trabalho. Em seguida, estimule um debate a partir do que foi apresentado. Para animar a conversa, você pode lançar os seguintes questionamentos: Quais as palavras utilizadas nas músicas para fazer referência ao comportamento de homens e mulheres com relação ao sexo? Homens e mulheres são representados/as da mesma forma, na relação amorosa? Como os comportamentos sexuais são descritos? Aproveite as músicas trazidas por você e pergunte se perceberam que elas fazem referência a relações homossexuais, o que acharam da forma que essas relações são descritas, como os/as personagens das músicas foram representados/as e o que aconteceu com eles/as etc. Se achar interessante, você poderá propor que escrevam, individualmente, uma redação sobre o que foi discutido. Essas redações poderão ser compartilhadas com todos (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.8 ATIVIDADE: AIDS, O QUE EU TENHO A VER COM ISSO? • Disparador: Inicie uma conversa com os participantes perguntando se eles/as sabem o que é a Aids e se conhecem as formas de contaminação e prevenção da doença. A partir do que trouxerem, faça uma breve explanação sobre o assunto e proponha que, para aprofundar o conhecimento da turma sobre o tema, eles/elas realizem uma pesquisa. Para subsidiar a sua reflexão sobre o tema, você pode acessar informações no site http://www. aids.gov.b • Atividade: Sugira que se dividam em grupos para realizar uma pesquisa que poderá incluir os seguintes temas: dados epidemiológicos nacionais com relação à Aids; dados da contaminação entre adolescentes e outras faixas etárias; formasde contágio e prevenção; histórico da doença e das lutas e conquistas dos/as soropositivos/as em nosso país; movimentos sociais que estão envolvidos nessas lutas; preconceitos relacionados à Aids; relações de gênero etc. Cada grupo deverá pesquisar sobre um desses pontos ou outros pelos quais a turma demonstre interesse. Além dos dados pesquisados, sugira que os grupos tragam na data marcada imagens que façam referência a esses temas. TÓPICO 2 | SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO 123 • Fechamento: Inicie um debate sobre os dados levantados em cada grupo. Aproveite para tocar em questões importantes e promover a troca de ideias: a discriminação de meninas que têm preservativo na bolsa; a ideia de que sexo com camisinha pode ser ruim para os meninos; a relação equivocada entre homossexualidade e Aids. Ou ainda outros temas que julgue pertinentes. Fique atento/a para a possibilidade de surgirem falas discriminatórias em relação às pessoas soropositivas. Estas são ideias que precisam ser debatidas para que se desfaçam os preconceitos. Para finalizar, proponha que se construa coletivamente um cartaz com o resumo dos resultados das pesquisas, frases, slogans, imagens etc. (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.9 ATIVIDADE: MATERNIDADE E PATERNIDADE • Disparador: Inicie uma conversa com a turma sobre gravidez na adolescência. Você pode começar levantando os motivos e as consequências da maternidade e paternidade na adolescência, buscando identificar a percepção e as experiências dos/as participantes. Reflita com eles que vários estudos indicam que a gravidez na adolescência está relacionada ao significado social da maternidade, em termos de aquisição de respeito e de novas funções na família e na sociedade. Assista ao filme “Meninas” - documentário que aborda o tema da gravidez na adolescência e da maternidade e paternidade nessa fase da vida - para verificar se é adequado à faixa etária de seus/suas participantes. Anote alguns dados sobre cenas e personagens que poderão ser levantados após a exibição. Para subsidiar a sua reflexão sobre o tema, você pode acessar informações sobre a pesquisa GRAVAD - Gravidez na adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil, no site http://www.clam.org.br 6. • ATIVIDADE: Convide os participantes para assistir ao filme “Meninas” e observe suas reações às cenas, por exemplo, se riem, ficam sérios/as, comentam com os/as colegas etc. Dados como estes são fundamentais para as discussões posteriores. Após o filme, estimule uma discussão sobre os temas abordados e as opiniões do grupo. Você pode animar o debate levantando algumas questões: Como meninos e meninas se relacionam com a maternidade e paternidade? As representações da maternidade e paternidade sofrem influência da classe social, gênero e raça? Esta atividade também pode promover um debate sobre o aborto e legislação. É importante que se garanta um espaço de troca de opiniões sem julgamento de valores. • FECHAMENTO: Sugira que individualmente façam uma redação sobre gravidez na adolescência, paternidade e maternidade, a ser compartilhada com todos (BRASIL, 2009b, p. 133–164). 4.10 ATIVIDADE: SE A HISTÓRIA FOSSE DIFERENTE? • Disparador: Sugira a leitura coletiva do texto “No país de Blowminsk”. Leia com todos, em voz alta e de forma pausada – para que os/as estudantes possam manifestar o seu estranhamento ainda durante a leitura. O texto fala de uma UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 124 sociedade em que a heterossexualidade é proibida e discriminada e relata a experiência de dois jovens (uma moça e um rapaz) que se apaixonam e são reprimidos por isso. Você pode ter acesso ao texto em http://www.aids.gov.br • Atividade: Ao final da leitura, abra para comentários e proponha o debate a partir do que sentiram em relação à realidade vivida pelos/as personagens apresentados no texto. Para animar o debate, você pode propor algumas questões: Em que a nossa sociedade se parece com “Blowminsk”? O que os/ as personagens da estória poderiam fazer para viver melhor e serem felizes? Que atitudes são mais comuns em nossa realidade, diante desse tipo de situação? Em que medida pessoas que experimentam desejos afetivos e sexuais considerados fora do padrão são excluídas? O que podemos fazer para mudar essa realidade? • Fechamento: Distribua cópias do texto e proponha que, em grupo, reescrevam o final da estória pensando outros possíveis finais para o jovem e a jovem. Ou ainda, proponha que, individualmente ou em dupla, escrevam redações onde discutam sobre os desafios de ser diferente em nossa sociedade (BRASIL, 2009b, p. 133–164). http://www.aids.gov.br 125 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas social e política; é “aprendida” ao longo de toda a vida, de muitos modos, e a escola contribui para a construção de saberes sobre a sexualidade. • Existem documentos oficiais que regulamentam o ensino nas instituições educacionais. Esses documentos são das esferas municipal, estadual e nacional. • No que se refere aos documentos nacionais para Educação é importante citar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), principalmente o que trata da Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que têm como objetivo conscientizar sobre os temas relacionados à sexualidade e contemplam também a relação com o corpo, os gêneros, a identidade sexual e as doenças sexualmente transmissíveis (DST). • Desta forma, o tema da sexualidade é importante de ser discutido nas escolas a fim de quebrar com preconceitos e estereótipos que causam violências e desinformação, principalmente no que se refere ao corpo e suas transformações, inclusive na adolescência, onde é maior o interesse pela temática. 126 AUTOATIVIDADE 1 Qual o objetivo principal do Parâmetro Curricular Nacional que se refere a Orientação Sexual? Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Conscientizar sobre os temas relacionados à sexualidade, contemplando a relação com o corpo, os gêneros, a identidade sexual e as doenças sexualmente transmissíveis (DST). b) ( ) Conscientizar sobre temas relacionados a sexo, contemplando as posições sexuais, idade para iniciar as relações sexuais e as doenças sexualmente transmissíveis (DST). c) ( ) Conscientizar sobre temas relacionados a como se vestir e se portar, contemplando ações que devem ser feitas por meninos ou meninas, os gêneros e a identidade sexual. d) ( ) Conscientizar sobre temas relacionados à biologia dos corpos humanos, os órgãos sexuais, suas funções e padrões de corpos, raças e gêneros. 2 Na Base Nacional Curricular Comum, na área de conhecimento Ciência, onde trata da Vida e Evolução, mecanismos reprodutivos e sexualidade, é apresentada a formação de quatro habilidades. Assinale V para verdadeiro e F para falso. ( ) Analisar e explicar as transformações que ocorrem na puberdade, considerando a atuação dos hormônios sexuais e do sistema nervoso. ( ) Comparar o modo de ação e a eficácia dos diversos métodos contraceptivos e justificar a necessidade de compartilhar a responsabilidade na escolha e na utilização do método mais adequado à prevenção da gravidez precoce e indesejada e de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). ( ) Identificar os principais sintomas, modos de transmissão e tratamento de algumas DST (com ênfase na AIDS), e discutir estratégias e métodos de prevenção. ( ) Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética). Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) V-V-F-F. b) ( ) V-V-V-F. c) ( ) F-F-F-V. d) ( ) V-V-V-V. 127 TÓPICO 3 SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO A sexualidade ainda é considerada um tabu por muitos, e se reconhece a dificuldade de discutir sobre ela, em alguns espaços, seja na família, na escola, ou até mesmo com especialistas da saúde.Este constrangimento e desconforto se tornam ainda mais visíveis quando se quer discutir a sexualidade de/com pessoas portadoras de deficiência. É comum negar estes assuntos, principalmente entre algumas deficiências, e assim, excluindo ainda mais essas pessoas. Todo o assunto discutido até aqui, seja o contexto histórico do conceito da sexualidade, seja sobre a educação, contempla as questões de pessoas com deficiência, pois as mesmas convivem na mesma sociedade e cultura que todos. Porém, às vezes, por preconceito e falta de informação, a temática da sexualidade não chega a ser contemplada, deixando no ar a sensação de que ser portador de alguma deficiência te anula de qualquer experiência sexual, afetiva ou relacional. Pelo contrário, pessoas portadoras de deficiência, cada uma dentro das suas possibilidades, assim como qualquer pessoa, têm o direito de exercer sua sexualidade, bem como ter sentimentos afetivos, com respeito, prazer e segurança. Desta forma, neste tópico são apresentadas algumas discussões sobre a sexualidade e a inclusão, principalmente no âmbito educacional. 2 SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO INCLUSIVA Conforme Claudia Dias Prioste (2010, p. 14), “não é de hoje que as questões ligadas à sexualidade causam incômodo aos educadores”. Há certa contradição, pois: Se fala de sexo na mídia, as crianças cantam músicas que invocam conteúdos eróticos, assistem aos programas de televisão que apelam à sensualidade. Contudo, na escola, o tema ainda é tabu e fruto de resistência por parte dos educadores. Resistência essa que se intensifica quando envolve situação de inclusão escolar. (PRIOSTE, 2010, p. 14). Desta forma, ainda se tem dificuldades em implementar, definitivamente, na prática, a inclusão, e não só por essas questões, mas também os profissionais da educação se sentem duplamente despreparados para lidar com a sexualidade enquanto conceito e temática a ser estudada, e apresentá-la aos alunos, como também a inclusão de pessoas com deficiência, seja pelo aparato estrutural, material e/ou pedagógico. 128 UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA Segundo a autora já citada, a educação inclusiva, oriunda dos movimentos em prol dos direitos humanos e das reivindicações de equidade de oportunidade educacional para todos: Se fortaleceu na década de 1990, a partir da Declaração de Salamanca (1994), a qual teve o Brasil como um dos países signatários. Nesse documento, diversos países assumiram o compromisso de oferecer educação de qualidade a todas as crianças, garantindo o direito de aprenderem juntas, independentemente de deficiências ou transtornos emocionais (PRIOSTE, 2010, p. 14-15). Porém, um documento tão importante como esse ainda não soluciona o desafio de colocar em prática as ações do processo de inclusão. Segundo a Unesco (1994 apud PRIOSTE, 2010, p. 20), “a educação inclusiva pressupõe que a escola se prepare para receber alunos com necessidades educacionais especiais e que estes sejam acolhidos segundo uma pedagogia centrada na criança”. Mas, muitos podem se questionar, como abordar a sexualidade nesse sentido? Abordar a sexualidade da criança implica considerar a relação com o corpo e com a palavra, considerar as curiosidades essenciais que emergem em idade precoce: De onde vim? Quem eu sou? O que é ser homem? O que é ser mulher? O que desejam de mim? Dolto (2004) faz uma crítica à orientação sexual restrita à contracepção ou doenças; para ela, as discussões sobre sexualidade não devem prescindir de discussões sobre a dignidade do nascimento, sobre transformar-se em adultos e suas responsabilidades (PRIOSTE, 2010, p.23). Ao discutir sexualidade e, com isso, também questões relacionadas, como orientação sexual, deve-se buscar o lado positivo das relações, o que gera prazer, afeto e demais sentimentos agradáveis. Tratar a sexualidade como algo frio, biológico e fixo é não agir de forma coerente e sincera com as crianças e adolescentes. Independentemente de a criança/adolescente/jovem, ter alguma deficiência ou não, já sabemos que as questões relativas à sexualidade são difíceis de serem trabalhadas, porém isso não impede que sejam. A visão de sexualidade predominante em nossa sociedade envolve muitos tabus e preconceitos. Admite-se a expressão de sua prática apenas para “gente normal”, casada, que quer ter filhos e pode sustentar uma família. Como os portadores de deficiência, em geral, fogem a estes estereótipos, há resistência em aceitar que eles usufruam livremente a sua sexualidade ou mesmo reconhecer que eles possam sentir desejos (COSTA, 2000, p. 53-54). É importante reconhecer esses preconceitos para que possamos rompê- los. Isso só é possível com informação, conhecimento e discussão aberta e sincera. Reconhecer as dificuldades em trabalhar a temática é o primeiro passo para a busca de possibilidades. Pesquisar sobre o assunto, ler e conversar com pessoas portadoras de deficiência é uma maneira de romper com estigmas e estereótipos. TÓPICO 3 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 129 Acadêmico, você conhece alguém, da sua família, grupo de amigos, no trabalho, enfim, alguém portador de alguma deficiência e que poderia conversar com você sobre como foi sua adolescência/juventude, sua independência em morar sozinho, ou trabalhar, ou até mesmo constituir família? Caso não conheça alguém próximo a você que possa conversar pessoalmente, poderia pesquisar sobre algumas histórias na internet, com certeza há relatos que podem ampliar seu conhecimento sobre o assunto. DICAS De acordo com Marques (1997), os critérios de normalidade estão muito ligados à produtividade, deste modo, “a ideia de corpo deficiente está vinculada à ideia de corpo improdutivo, o que remete seus portadores a uma condição de inferioridade em relação às pessoas economicamente produtivas” (p. 21). O autor propôs ainda que as concepções de “normalidade” e “anormalidade” não podem ser reduzidas ao plano biológico, mas, diferentemente, precisam ser consideradas do ponto de vista social (COSTA, 2000, p. 52). A norma estabelecida socialmente, se for colocada em questão, não atende nenhuma pessoa, independentemente de ser portadora de deficiência. Pois, muitas vezes, a norma fixa um padrão, uma imagem, ou até mesmo uma forma de se portar e se relacionar que é impossível ser alcançada. Todos, em sua individualidade, podem atingir de certa forma alguma expectativa social, porém todos, da mesma forma, têm dificuldades, fraquezas, medos, inseguranças e falta de habilidade com algo. Assim, como afirma Vilela (1995, p. 109 apud COSTA, 2000, p. 53): [...] vista isoladamente a sexualidade tem seu valor limitado, isto é, é reduzida ao prazer do corpo e às suas manifestações genitais. No entanto, quando inserida nas circunstâncias de vida de uma pessoa, distingue-se sua participação intensa e frequente no desenvolvimento de cada ser humano. E é nessa concepção ampla de sexualidade que pode ser trabalhada nas escolas, com os estudantes, sendo portadores de deficiência ou não. O que se pretende afirmar aqui não é negar a deficiência que a pessoa pode ter, tampouco colocar essa deficiência como única e exclusivamente sua essência. A deficiência faz parte da vida da pessoa, porém outras características também, como sua raça, etnia, gênero, orientação sexual, gosto musical, filmes prediletos e tantas e tantas coisas que compõem sua identidade. 130 UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA Assista ao filme Hoje eu quero voltar sozinho e ainda, uma entrevista com o diretor no link:<https://www.youtube.com/ watch?v=Ri9LKl7Sn-Q>. DICAS 2.1 A SEXUALIDADE E A DEFICIÊNCIA: ALGUNS ESTUDOS DE CASO Para tornar mais claro algumas manifestações, principalmente no ambiente escolar, há três estudos de caso apresentados, que discutem as dificuldades e contribuem para a prática da temática da sexualidade em sala de aula. Um deles – chamaremos de caso 1 – é o artigo intitulado Educação inclusiva e sexualidadena escola – relato de caso, de Claudia Dias Prioste (2010), que discute o caso de uma menina com Síndrome de Down incluída em classe regular. O caso 2 é o artigo Sexualidade – adolescência – deficiência mental: um desafio a pensar, da professora doutora Ana Laura Schliemann e outros autores (2005), que discute a vivência do ensino da sexualidade na adolescência de portadores de deficiência mental, trazendo as angústias e medos, principalmente, das famílias desses adolescentes. Por fim, o caso 3, artigo Educação Inclusiva e Orientação Sexual: Dá para Combinar? da estudante de psicologia Juliana da Silva Costa (2000), que discute a deficiência física. Os alunos, da escola estudada, apresentavam paraplegia, paralisia cerebral e paralisia infantil. Nessa escola foi possível a parceria com o Grupo de Trabalho e pesquisa em Orientação Sexual. 2.1.1 Caso 1: “é assim mesmo”? Muitas das falas, pautadas em senso comum, sobre as pessoas com deficiência, remetem a uma condição de que elas não mudam, são o que são dentro da limitação da deficiência e o que se deve é “aceitar”. Como podemos ver no estudo de caso Luciane, Síndrome de Down, estudante de 16 anos, inserida na quarta série do Ensino Fundamental que, estudando em uma sala regular, tinha idade superior à dos seus colegas, apresentava comportamentos que, conforme a autora, incomodavam as professoras. TÓPICO 3 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 131 Podemos observar que os estereótipos, acerca da pessoa com deficiência, atuam e determinam o teor da relação professor-aluno incluso. A professora não acredita na possibilidade de mudança de Luciane, pressupõe que ela não seja capaz de aprender novos comportamentos. A certeza expressa pela professora, de que a aluna “é assim mesmo”, traz em seu bojo o mito de que a pessoa com deficiência não muda, não evolui. Essa ideia não deixa de ser reflexo das concepções psicologizantes da educação, tal qual nos aponta Lajonquière (1999). Para o autor, o “aluno especial” tem sido considerado a partir da ausência total ou parcial de suas capacidades psicológicas maturacionais. Ora, a certeza expressa no discurso da professora não favorece a investigação de novas práticas educativas que poderiam beneficiar tanto Luciane quanto outros alunos (PRIOSTE, 2010, p. 21-22). Assim, Luciane já é rotulada como incapaz de aprender regras sociais e entender como alguns comportamentos são necessários, ou não, em determinados espaços. No caso da sala de aula, ao tratar de alguns assuntos, entre eles a sexualidade, é comum os adolescentes ficarem agitados, curiosos e constrangidos. Isso não seria diferente com Luciane. Porém, o que acontece é que os demais recebem estímulos para se comportar de outras formas, contendo suas reações dentro de uma “norma social” estabelecida. Já Luciane, - por ter esse rótulo, passa a ser tratada para algumas questões, no caso a sexualidade, com indiferença, não percebendo assim, ou não conhecendo, certos comportamentos e regras sociais. Conforme o estudo de caso, A sexualidade, nesse caso, assumiria outros sentidos para além do que havia sido percebido pelos professores. Para Luciane, mostrar seu corpo pode ser uma maneira de marcar sua identidade de adolescente, assim como uma forma de se incluir entre os membros de sua sala de aula, do qual, a priori, ela estava excluída. Para as crianças, o jogo de encenar gestos de conotação sexual parece ter sido a maneira encontrada para expressar a curiosidade a respeito do próprio corpo; curiosidade reprimida e que, naquele contexto, apareceu de forma desengonçada e inadequada. Os professores interpretavam esses gestos a partir de suas próprias concepções de sexualidade. Com o olhar moralizante do adulto, não conseguiram reconhecer o desejo de saber subjacente às brincadeiras (PRIOSTE, 2010, p. 21). Ou seja, Luciane, por vezes, levantava a blusa para chamar a atenção dos colegas, ria alto e se portava de maneira que constrangia as professoras. Porém estas não sabiam como lidar, ou mostrar a Luciane que aquela atitude, ou aquele momento, não seriam adequados. Assim: Os preconceitos tendem a estandardizar as relações, cristalizando- as em ideias e concepções prévias. Mrech (1999) afirma que os preconceitos advêm das tendências narcísicas dos seres humanos e que ninguém está imune a eles. O narcisismo fixa imagens, como se tudo fosse imutável. Assim, os professores sentem dificuldade em lidar com o real que emerge nas relações com seus alunos, sobretudo no que tange à sexualidade (PRIOSTE, 2010, p. 22). 132 UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA Desta forma, tratar Luciane como deficiente apenas, e também não capaz de aprender sobre o assunto, bem como as regras sociais que existem em determinados espaços de convívio, como a escola, só mostra que isso se torna uma justificativa, ou fuga, para que a temática não seja trabalhada mais a fundo, ou também, criar outras possibilidades de lidar com a situação. Depositar na pessoa com deficiência a dificuldade por não saber lidar com a temática da sexualidade, bem como seu próprio desconhecimento sobre o assunto, no caso da professora, é sim uma atitude que gera e afirma estereótipos para a pessoa com deficiência, como a não mudança, e aprendizagem de quem se nega a discutir e ampliar seus conhecimentos sobre o tema. Assim, ao abordarmos o tema sexualidade e deficiência mental, o mais importante é lembrar que (1) vontades e desejos são comuns a todo ser humano, bem como suas necessidades de satisfação, (2) a atividade sexual pode ser vista como uma forma de busca por segurança e proteção, ou seja, estabilidade; e que (3) a conduta sexual do indivíduo é o resultado da interação de aspectos biológicos, psicológicos e sociais (SCHLIEMANN et al., 2005, s.p.). 2.1.2 Caso 2: família e escola No segundo caso, também referente à deficiência intelectual, podemos perceber que a dificuldade em tratar as questões da sexualidade não se limita apenas ao ambiente escolar, mas também na família da pessoa portadora de deficiência existem inseguranças e falta de informação: De acordo com Gherpelli (1995), esses preconceitos são reforçados pela crença de que os portadores de deficiência mental são incapazes de aprender as normas e, desta forma, acaba-se realmente ocasionando conflitos no que diz respeito ao desenvolvimento da sua sexualidade. Assim, a falta de informação faz com que os estereótipos se perpetuem, negando-se ao deficiente mental a chance de desenvolver suas potencialidades e viver experiências no âmbito afetivo e sexual, impossibilitando a integração social. A importância da informação está na possibilidade de aumento da qualidade de vida do indivíduo e de sua própria família (SCHLIEMANN et al., 2005, s.p.). É no núcleo familiar que as pessoas portadoras de deficiência começam a receber os primeiros sinais de que sua vida será diferente dos demais, referente à dependência, relações sociais, e outras formas de comportamentos que, independentemente de suas limitações, por vezes são enaltecidas quanto às dificuldades ou ignoradas quanto aos desejos. Quando se fala no comportamento dos pais com relação à educação de seus filhos, diferentes atitudes podem ser encontradas: (1) sabendo do preconceito e do isolamento que a sociedade impõe sobre os deficientes, muitas famílias, para compensar essa situação, fazem com que seus filhos deficientes se tornem extremamente afetivos e carinhosos. (2) Evitar falar sobre o tema sexualidade é uma possível atitude. Ignora- se, partindo da ideia equivocada de que se for esquecida, não poderá ser desenvolvida e inserida na vida do adolescente. (3) Os pais podem tratá-los como eternas crianças e os ver como seres assexuados. (SCHLIEMANN et al., 2005, s.p.). TÓPICO 3 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 133 Há algumas fases do desenvolvimento humano, principalmente no que se refere à adolescência, que são iguais para todos, independentemente de ter alguma deficiênciaou não. Nesse sentido, no que se refere às questões da sexualidade, a autora exemplifica em três tópicos, sendo eles os mais polêmicos e difíceis de serem trabalhados, principalmente quando se refere ao adolescente portador de deficiência. São elas: • Masturbação: é uma prática que traz benefícios na medida em que proporciona prazer; contribui para o desenvolvimento da sexualidade, se constituindo em uma forma possível de conhecer o corpo e estabelecer intimidade consigo mesmo. Por estas razões, não faz sentido sua proibição. O mais indicado é ensinar ao portador de deficiência mental como fazer e onde fazer; mostrar que, assim como o local utilizado para urinar é o banheiro, "a masturbação é uma atividade íntima, e, portanto, só deve ser executada onde haja privacidade". Esta tarefa de orientar e informar cabe aos pais e, também, aos educadores. É preciso lembrar que o raciocínio do deficiente tende a ser concreto e, portanto, é mais interessante dar exemplos dessa forma, sendo ideal mostrar como se faz, para assim, evitar que ele se machuque pela manipulação ou por uso de objetos inadequados. • Casamento: para os pais costuma ser uma tarefa difícil aceitar que seu filho deficiente mental more sozinho em sua própria casa ou mesmo que ele se case. É difícil para a família perceber e aceitar que o filho deficiente adolescente está desenvolvendo sua sexualidade e abandonando o nível infantil. Há resistência por parte da família, pois se vê obrigada a desmontar uma estrutura na qual o deficiente sai dos papéis que costumava ficar — o de responsável por todas as desgraças da família ou anjo da guarda da família — para assumir outro incompatível com a vida adulta, onde a pessoa encontra satisfação ao lado de uma pessoa de fora da família. Além disso, de acordo com Gherpelli (1995), caso haja um casamento a supervisão permanente será necessária; tanto quanto arcar com a responsabilidade acerca da condição econômica do casal e de evitar uma gravidez, se for o caso. • Natalidade: falar em contracepção implica falar que o deficiente mental possa ter relações sexuais, e isso já é difícil para os pais e para a sociedade como um todo (Gherpelli, 1995). No caso de uma pessoa portadora de deficiência mental surge a dúvida, por parte dos pais, se ela será capaz de cuidar de um filho. A partir dessa dúvida outras surgem, como: qual dos métodos anticoncepcionais seria o mais adequado para garantir a saúde do deficiente, bem como evitar uma gravidez indesejada; a intervenção cirúrgica é uma medida ética ou não para garantir essa segurança; até que ponto os pais podem interferir na vida sexual dos filhos deficientes; os pais teriam direito de tomar alguma decisão mesmo contra a opinião dos filhos deficientes, sendo eles maiores ou menores de idade etc. Contudo, é preciso ter claro que: "O fundamental é criar um espaço em casa ou na escola para falar de fecundação e da necessidade de evitar a gravidez" (GHERPELLI, 1995, p. 89-101 apud SCHLIEMANN et al., 2005, s.p.). Com certeza não são assuntos fáceis de serem dialogados entre pais e filhos ou entre educadores e educandos, visto que são tratados como tabu ainda hoje em nossa sociedade. Porém são necessários, assim como tantos outros, e ainda, são de direito de a pessoa com deficiência ter acesso, ou seja, para que realmente haja inclusão. Ignorar a necessidade desses diálogos, ou negar que 134 UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA os mesmos aconteçam, apenas irá criar uma relação frágil, podendo gerar mais angústia, ansiedade e sofrimento para todos. 2.1.3 Caso 3: deficiência física Primeiramente a “deficiência física pode ser caracterizada como qualquer impedimento orgânico apresentado por um indivíduo, que lhe dificulte a realização de atividades motoras dentro dos padrões normais” (LOPES, 1998 apud COSTA, 2000, p. 50). Porém, sabemos também que quando se discute a fase da adolescência e com elas as questões relativas à sexualidade, a aparência física é “valorizada principalmente como atrativo sexual” (SAMPAIO, 1995 apud COSTA, 2000, p. 51). Assim: Ao se adicionar, às dificuldades da adolescência, uma deficiência física qualquer, o indivíduo pode se encontrar em uma condição que dificultará o acesso e/ou pertencimento a uma “turma”, a um grupo de “iguais”. As características diferenciadas do deficiente físico, sejam as pernas paralisadas ou braços defeituosos, apresentam-se como uma barreira, um obstáculo que distancia as outras pessoas, tal distância envolve os interesses afetivos e também a atração sexual. A aparência física passa a ser uma marca que o indivíduo possui, e que o distingue pejorativamente dos outros, uma diferença que leva à segregação social, fazendo com que seja marginalizado pela sociedade. O desenvolvimento da sexualidade como um aspecto comum da vida passa então a ser um entrave, ainda maior, para o desenvolvimento do adolescente portador de deficiência COSTA, 2000, p. 51). Temos que admitir que a fase escolar, principalmente quando se está na adolescência, onde as questões que envolvem a sexualidade ficam mais latentes, não é nada fácil. Primeiramente, não é tranquilo para ninguém, inclusive para a pessoa portadora de uma deficiência. Porém, como propõe Sampaio (1995, p. 23 apud COSTA, 2000, p. 53): Todas as pessoas possuem limitações em algum aspecto ou para alguma função. Da mesma maneira, a diferença na constituição física do portador de deficiência lhe impõe algumas limitações em algumas áreas de atividades e capacidades, entretanto, tais limitações são enfatizadas no aspecto sexual. Esta é a diferença, infelizmente, que existe entre quem tem alguma deficiência e quem não tem. Por mais que seja uma fase delicada e cheia de emoções, dúvidas e ansiedades, a pessoa portadora de deficiência tem, nela mesma, o maior enfoque e atenção, enfatizando, como dito, isso no que se refere ao aspecto sexual. Nesse sentido, o desenvolvimento da sexualidade do portador de deficiência física torna-se mais limitado à medida que as pessoas partem do estereótipo de que ele “é incapaz de aprender normas”; com estas concepções subjacentes, o indivíduo não é ensinado ou sequer exposto a situação que o estimule a aprender tais normas. Tem, portanto, sua capacidade adaptativa menos desenvolvida do que poderia (COSTA, 2000, p. 53). TÓPICO 3 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 135 Desta forma, com essa limitação não é possível dizer que haja inclusão, pois “de acordo com Mader (1997), a inclusão é o termo encontrado ‘para definir uma sociedade que considera todos os seus membros como cidadãos legítimos’” (COSTA, 2000, p. 50). Se ao tratar da sexualidade essas pessoas são excluídas de informações, relações e experiências, não podemos afirmar que vivemos numa sociedade inclusiva, como também, não havendo espaço para se trabalhar essa temática nas escolas, esse espaço também não pratica a inclusão. O termo inclusão traz a proposta de formação de uma nova escola, consciente da diversidade dos seres humanos. A educação inclusiva seria, então, um meio de a escola considerar os cidadãos portadores de deficiência como alunos com capacidades e habilidades a serem desenvolvidas, como qualquer outro aluno. Seria o reconhecimento das diferenças individuais. A deficiência seria considerada apenas mais um aspecto da vida do indivíduo, ou seja, o indivíduo é portador de uma deficiência, não um “ser deficiente” (COSTA, 2000, p. 51). “Porém o que o professor pode oferecer aos alunos são as informações solicitadas por eles, sendo essa transmissão de forma simples e clara de acordo com a maturidade intelectual do educando” (COSTA, 2000, p. 52). Não se defende, aqui, que se devesse falar a todo modo, e de qualquer forma, sobre a temática da sexualidade, nem mesmo que se devesse impor o assunto de forma constrangedora: Segundo Sampaio (1995), “o bom educador em geral sabe compreender as questões formuladas pelo educando e sabe também respondê-las, respeitando sua maturidade intelectual e afetiva”, portanto demonstrando um aspecto essencial que é o respeito às características peculiares do aluno (COSTA, 2000, p. 52). Assim, o que se necessita é estar atento às curiosidades e interesses dos estudantes, suas angústias e sentimentos, afinal, eles são o centro da educação e é para eles que o ensino é direcionado. De nada adianta ignorar seus questionamentos quando o assunto for sexualidade, pois de uma forma ou de outra, os mesmos irão buscar por essas informações, podendo haver equívocos e interpretações contraditórias. É importante salientar que o desenvolvimento da sexualidade está diretamente relacionado ao desenvolvimento global, ou seja, às funções cognitivas, emocionais, motoras e sociais. Ao serem trabalhadas, essas funções fornecem elementos para o desenvolvimento de uma sexualidade "sadia". Da mesma forma, ao ser bem orientada, a sexualidade contribui para o desenvolvimento da afetividade e das relações interpessoais e, por conseguinte, melhora a autoestima e a adequação à sociedade (GEJER, 2003 apud SCHLIEMANN et al., 2005, s.p.). Não é tão difícil quanto parece trabalhar a temática da sexualidade na educação. Depois de aceitar a necessidade de aprofundar a temática, será possível ter argumentos e subsídios para dialogar de forma fraterna e sincera sobre o assunto. Afinal, não é algo fora da realidade, a sexualidade está presente a todo momento na vida de todas as pessoas, deficientes ou não. 136 UNIDADE 2 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA LEITURA COMPLEMENTAR Para saber mais sobre o assunto, leia a dissertação de Franciely Paliarin, intitulada Sexualidade e Deficiências: dando vozes aos adolescentes por meio de oficinas pedagógicas (2015). Segue a apresentação do trabalho: Meu nome é Franciely Paliarin, sou formada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná. Neste curso, logo no terceiro semestre, comecei a participar voluntariamente de um estágio, no qual, alunos em duplas, aplicávamos oficinas de sexualidade, já pré-montadas e treinadas antecipadamente. Comecei a me engajar no tema, e permaneci pesquisando nessa mesma linha, posteriormente com palestras nos municípios, aplicando questionários. Foi, então, participando do SIES (Simpósio Internacional de Educação Sexual), ao assistir a uma palestra sobre sexualidade e deficiência, que fiquei interessada na matéria e decidi pesquisar um pouco mais sobre a área. Fiquei um pouco apreensiva, mas resolvi encarar o desafio. Para o meu trabalho de conclusão de curso deliberei, então, adaptar as oficinas que usamos durante o projeto anterior para aplicá-las em uma instituição de educação especial (APAE) de uma cidade do norte paranaense. Desde então, não quis mais parar de estudar sobre os temas que versavam sobre a sexualidade e deficiências. Percebi, nesse primeiro contato, a carência de informação dos alunos e a necessidade que sentiam de falar, conversar e perguntar sobre sexualidade. Em diálogo com os pais e professores, estes também reforçaram a importância de projetos dessa natureza, pois não se sentiam à vontade para tratar o tema com os adolescentes. A maneira como lhes é restrita a possibilidade de vivência da própria sexualidade é o desafio que acredito me manter totalmente envolvida com o tema. A maneira como eles acabam criando um laço maior, contando sobre sua vida pessoal, seus casos, tirando dúvidas, mostra que realmente precisam de alguém que lhes dê respostas, para questões que nos parecem tão corriqueiras. Enfim, eles necessitam de alguém que dê informações para uma melhor e mais segura vivência de sua sexualidade, alguém que não se mantenha imparcial sobre o tema por se tratarem de crianças, adolescentes e jovens especiais. Sendo assim, quando vi a oportunidade de participar de um mestrado em Educação Sexual, escrevi um projeto que me manteria nessa mesma linha de pesquisa. Consegui a aprovação e tive a oportunidade de ser orientada por uma das pessoas que mais dominam a matéria, ampliando minha visão sobre o assunto e me mostrando caminhos que só me fazem querer estudar cada vez mais sobre sexualidade e deficiências: minha estimada orientadora, professora Fátima Denari. Ao longo da realização desse trabalho cresci muito como pessoa, aprendi a respeitar o desconhecido, pois a Educação Especial era uma área desconhecida por mim. Por outro lado, estudar a sexualidade fez com que eu também me repensasse como ser introduzido no coletivo, me vi cheia de tabus e preconceitos. Eu não sabia, eram implícitos, talvez ainda os tenha, não posso desconsiderar, porém cada vez mais me vejo como uma pessoa melhor no sentido de compreender cada ser humano como único, com capacidades que diferem uns dos outros, e apesar do padrão gerado e consolidado, este padrão não deveria ser capaz de ditar o que é “pior ou TÓPICO 3 | SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 137 melhor”. Aprendi, ao longo desses anos, que a marginalização acontece porque, como sociedade, nós tendemos a excluir o que foge do padrão. O diferente acaba por incomodar, possivelmente, por ser desconhecido, mas todos deveriam experimentar o prazer de conhecer e compreender o que se julga diferente. Talvez eu jamais tivesse chegado ao entendimento da necessidade de compreender o ser humano em sua essência, se não tivesse refeito uma série de pensamentos. A convivência com o diferente, seguido pelo conhecimento sobre o que me era, outrora, ignorado, despertou em mim essa paixão pela descoberta de novos sentidos, de novas pessoas, de novos saberes. Isso me fez, com certeza, muito mais humana. O conjunto de todas essas ideias, ambições e novos conhecimentos me levou à seguinte questão de pesquisa que norteia esta dissertação: de que forma adolescentes e jovens adultos, com deficiências, percebem, expressam e vivenciam sua sexualidade? Para respondê-la, não há como prescindir de objetivos e método que possibilitem a descoberta de fatos, a consolidação de ideias e até mesmo a desmistificação de alguns pontos de vista. PALIARIN, F. Sexualidade e deficiência: dando vozes aos adolescentes por meio de oficinas pedagógicas. 2015. 117f. Dissertação (Mestrado em Educação Sexual) - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2015. Disponível em: <http:// wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/educacao_sexual/3666.pdf>. Acesso em: 1 dez. 2018. Confira a dissertação na íntegra e amplie seus conhecimentos! 138 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: ● A educação inclusiva, oriunda dos movimentos em prol dos Direitos Humanos e das reivindicações de equidade de oportunidade educacional para todos, se fortaleceu na década de 1990, a partir da Declaração de Salamanca (1994). ● Ainda se tem dificuldades em implementar definitivamente, na prática, a inclusão. ● O termo inclusão traz a proposta de formação de uma nova escola, consciente da diversidade dos seres humanos. ● A educação inclusiva seria, então, um meio de a escola considerar os cidadãos portadores de deficiência como alunos com capacidades e habilidades a serem desenvolvidas, como qualquer outro aluno, seria o reconhecimento das diferenças individuais. ● O bom educador em geral sabe compreender as questões formuladas pelo educando e sabe também respondê-las, respeitando sua maturidade intelectual e afetiva, portanto, demonstrando um aspecto essencial, que é o respeito às características peculiares do aluno. ● Ao abordarmos o tema sexualidade, lembrar que vontades e desejos são comuns a todo ser humano, bem como suas necessidades de satisfação; a atividade sexual pode ser vista como uma forma de busca por segurança e proteção, ou seja, estabilidade; e que a conduta sexual do indivíduo é o resultado da interação de aspectos biológicos, psicológicos e sociais. ● É importante salientar que o desenvolvimento da sexualidade está diretamente relacionado ao desenvolvimento global, ou seja, às funçõescognitivas, emocionais, motoras e sociais. 139 1 O termo inclusão traz a proposta de formação de uma nova escola, consciente da diversidade dos seres humanos. A educação inclusiva seria: Assinale V para verdadeiro e F para falso. ( ) Com objetivo de integração a fim de todos aprenderem a lidar com as pessoas portadoras de deficiência, pois muitos não teriam contato se não fosse desta forma. ( ) O reconhecimento das diferenças individuais. A deficiência seria considerada apenas mais um aspecto da vida do indivíduo, ou seja, o indivíduo é portador de uma deficiência, não um “ser deficiente”. ( ) Ensinar os mesmos conteúdos escolares, só que de forma diferenciada em um ambiente escolar normal, criando assim uma experiência mais social do que pedagógica para a pessoa portadora de deficiência. ( ) Um meio de a escola considerar os cidadãos portadores de deficiência como alunos com capacidades e habilidades a serem desenvolvidas, como qualquer outro aluno. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) V-V-F-F. b) ( ) V-F-V-F. c) ( ) F-F-V-V. d) ( ) F-V-F-V. 2 Como seria recomendável tratar as questões referentes à sexualidade no ambiente escolar? Como o educador poderia proceder? R.: AUTOATIVIDADE 140 141 UNIDADE 3 SEXUALIDADE E AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo dessa unidade, você será capaz de: • refletir sobre a inclusão e seus desafios; • conhecer os conceitos de identidade e diferença; • conhecer documentos legais no que se refere à inclusão da pessoa com deficiência; • analisar os conceitos referentes à sexualidade e afetividade nos documen- tos legais. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en- contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – IDENTIDADE E DIFERENÇA: “O EU E OS OUTROS” TÓPICO 2 – LEGISLAÇÃO E O RECONHECIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA TÓPICO 3 – AFETO E SEXUALIDADE NOS DOCUMENTOS LEGAIS 142 143 TÓPICO 1 IDENTIDADE E DIFERENÇA: “O EU E OS OUTROS” UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Quando o assunto é diversidade, ou seja, o reconhecimento de que todos somos diferentes entre si, cada um ao seu modo, existem dois conceitos importantes que permeiam essa discussão. O primeiro se refere à identidade, pois ao se reconhecer enquanto pessoa, seu nome, suas características, seus gostos, você tem uma identidade. Não que essa seja fixa e nunca mude, pelo contrário, ela é passível de mudança o tempo todo durante as relações sociais. O segundo conceito é a diferença, ou seja, ao reconhecer sua identidade, você consegue se diferenciar das demais pessoas, realmente reconhecer a diversidade. Pode-se pensar nesses conceitos também como a deficiência enquanto identidade, ou também como a diferença entre a pessoa não portadora de alguma deficiência e a pessoa com deficiência. No decorrer desta unidade iremos aprofundar um pouco mais a discussão. 2 CONCEITO DE IDENTIDADE Não existe apenas uma forma de se identificar, ou seja, não existe apenas uma identidade. Podemos nos identificar de várias formas, através da nacionalidade (país em que nasceu), localidade (onde vive), raça ou etnia (branco, negro, indígena etc.), gênero (mulher, homem, trans etc.), orientação sexual (gay, lésbica, bissexual etc.), profissões (no que trabalha, ou atua), econômica (rico, pobre, classe média) ou gostos e preferências (música, comida, esportes, entre outros). Enfim, são muitas as identidades que podemos ter e que nos aproximam ou também nos diferenciam, e uma delas pode ser também ser, ou não, portador de alguma deficiência. Para que se efetivem essas marcas, um investimento significativo é posto em ação: família, escola, mídia, igreja, lei participam dessa produção. Todas essas instâncias realizam uma pedagogia, fazem um investimento que, frequentemente, aparece de forma articulada, reiterando identidades e práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas; outras vezes, contudo, essas instâncias disponibilizam representações divergentes, alternativas, contraditórias. A produção dos sujeitos é um processo plural e também permanente. Esse não é, no entanto, um processo do qual os sujeitos participem como meros receptores, atingidos por instâncias externas e manipulados por estratégias alheias. Em vez disso, os sujeitos estão implicados e são participantes ativos na construção de suas identidades (LOURO, 2013, p. 25). UNIDADE 3 | SEXUALIDADE E AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 144 Os exemplos aqui dados são para visualizar que a deficiência é apenas mais uma identidade, ela não limita a pessoa em ter outras, desta forma, ter alguma deficiência, ou não ter, é apenas mais uma forma de ser e estar no mundo. “A identidade é, na verdade, relacional” (WOODWARD, 2013, p. 13), ou seja, é na relação, nas experiências vividas que você vai formando sua identidade, e suas relações a partir dela. “A identidade está vinculada também a condições sociais e materiais. [...] As identidades não são unificadas. Pode haver contradições no seu interior que têm que ser negociadas” (WOODWARD, 2013, p. 14). E essas contradições podem ser colocadas a partir da diferença, ou seja, ao se perceber diferente do outro. As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença (WOODWARD, 2013, p. 40). Desta forma vamos incluir na discussão mais esse conceito, o de diferença. 3 CONCEITO DE DIFERENÇA As práticas nos espaços sociais, enquanto instituições (escola, família, trabalho), produzem “marcas” nos sujeitos que delas participam. E a participação desses sujeitos é essencial para a produção das identidades, ou seja, ao mesmo tempo em que discutem sobre as deficiências que possuem tendo referências às suas vivências enquanto pessoa com deficiência, ou até mesmo por viverem com alguma, elas também refletem sobre si mesmas, e sua própria “marca” enquanto pessoa com deficiência ou não. E é nesse processo que exercem uma forma de agir e se portar, afirmam uma identidade na medida em que negam, reconhecem ou se diferenciam do “outro”. Nesse sentido, a discussão do conceito de identidade, e com ele o de diferença. Se torna “fácil compreender, entretanto, que identidade e diferença estão numa relação de estreita dependência” (SILVA; HALL; WOODWARD, 2013, p. 74). Quando uma pessoa se diz com deficiência, ela afirma, através de sua identidade, portadora de deficiência, que existem outras pessoas diferentes dela, ou seja, não deficientes, assim, “as afirmações sobre diferença só fazem sentido se compreendidas em sua relação com as afirmações sobre identidade” (SILVA; HALL; WOODWARD, 2013, p. 75). Mas é importante deixar claro que tanto a identidade como a diferença não são dados naturais, existentes a priori e, sim, “além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham uma importante característica: elas são resultado de atos de criação linguística. [...] A identidade e a diferença são criações sociais e culturais” (SILVA; HALL; WOODWARD, 2013, p. 76). Portanto, a deficiência é também um conceito, criado em determinado momento histórico, atendendo a uma necessidade de diferenciação. TÓPICO 1 | IDENTIDADE E DIFERENÇA: “O EU E OS OUTROS” 145 “A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Elas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas” (SILVA; HALL; WOODWARD, 2013, p. 81). Nas relações sociais vividas, os discursos sobre deficiência disputam seu lugar, e assim legitimam ou negam formas de ser, falar e exercer a vida com a deficiência. Os campos e áreas de saber – por exemplo, medicina, educação, psicologia, direitoetc. – apresentam discursos que formam, assim, o que podemos chamar de deficiência. E desta forma, criam-se representações do que é ser portador de alguma deficiência. A representação expressa-se por meio de uma pintura, de uma fotografia, de um filme, de um texto, de uma expressão oral. A representação não é, nessa concepção, nunca, representação mental ou interior. A representação é, aqui, sempre marca ou traço visível, exterior. [...] Como tal, a representação é um sistema linguístico e cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado a relações (SILVA; HALL; WOODWARD, 2013, p. 90-91). Portanto, propagandas de mídia e imprensa, assim como as referências documentais, como leis e outros documentos oficiais, podem ser considerados uma representação do que é a deficiência, dentro de uma condição histórica, política, econômica e cultural que, ao mesmo tempo em que afirma uma identidade, diferencia-se de muitas outras. A reflexão de Pollak (1992) também cabe ao que foi discutido sobre identidade: Ninguém pode construir uma autoimagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros. A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros (POLLAK, 1992, p. 5). Para entender um pouco mais sobre a pessoa com deficiência e a necessidade de reconhecimento dessa identidade. No que se refere à sua qualidade de vida em sociedade, no próximo tópico vamos conhecer dois documentos importantes e, assim, partir para a reflexão a respeito da inclusão e tentar perceber se esta acontece de fato, na prática. Quais são os desafios para a inclusão da pessoa com deficiência? Marta Gil* A frase mais repetida por todos os que trabalham com a inclusão de pessoas com deficiência é: a inclusão é um processo. É o que falamos para nós mesmos e para nossos companheiros de estrada; em momentos de comemoração e também para nos NOTA UNIDADE 3 | SEXUALIDADE E AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 146 animar frente a um aparente retrocesso. Essa sentença tem complementos, dos quais o mais frequente é o que compara nosso árduo trabalho ao das “formiguinhas”. Nesse caso, lembro sempre de uma observação de Rosangela Berman Bieler, jornalista e ativista do movimento das pessoas com deficiência no Brasil: “Torço para que, um dia, esse formigueiro tão grande, que construímos com tanto afinco, mas sem que a sociedade o visse, exploda como um vulcão, se espalhe por uma área enorme e seja visto por todos!”. Falar que a inclusão é um processo significa dizer que ela muda à medida que avança, encontra dificuldades e pode dar passos para trás até descobrir outros caminhos – a partir da interação com as pessoas, com os fatos e com as circunstâncias de cada tempo e momento. Significa também dizer que ela nasce dentro de cada um de nós, mesmo naqueles que já se consideram “inclusivos”. Sempre temos algo a aprender. Há sempre mais uma fronteira para transpor. Se a inclusão da pessoa com deficiência é dinâmica, como ela está em 2009? Ainda é a mesma de quando surgiu, mais ou menos em meados da década de 1990? Izabel Maior e Benilton Bezerra Jr. abordaram de forma brilhante a atual fase do modelo social da deficiência em um programa da série “Café filosófico”, exibido em 2016 pela TV Cultura. Em tom coloquial, Izabel inicia sua fala afirmando que a diversidade é intrínseca ao ser humano. A despeito desse fato, o que a história nos revela é que o convívio entre diferentes sempre foi difícil, seja na Antiguidade ou no mundo contemporâneo. Temos dificuldade em atribuir valor às diferenças, ainda que nosso mundo seja cada vez mais compartilhado. É difícil para nós “acharmos bonito o que não é espelho”, como Caetano Veloso sintetiza na famosa canção “Sampa”. Ao não valorizar a diferença, atribuímos rótulos que muitas vezes inferiorizam pessoas, destacando apenas um de seus atributos – e geralmente de forma não elogiosa. Elas são identificadas e reduzidas a uma característica. Assim, a exclusão é imposta por uma sociedade supostamente feita para pessoas “normais”, seja lá o que isso queira dizer… Do olhar médico ao social O modelo médico, vigente até meados do século XX, considerava apenas a lesão, que resultava em deficiência. O olhar médico se considerava único e soberano. Em contrapartida, a pessoa com deficiência era reduzida à condição de paciente. Como tal, devia exercitar a virtude da paciência, pois era vista como vítima, alvo de infortúnio ou de tragédia pessoal. Inspirava piedade e dó – seus familiares a viam como “uma cruz” a ser carregada com resignação. A crítica a esse paradigma veio das próprias pessoas com deficiência. Elas identificaram a confusão que era feita entre a lesão (situação objetiva) e a condição de deficiência, isto é, o modo como a lesão impacta a performance das pessoas na sociedade, que é uma experiência subjetiva. Essa atuação depende da interação entre as condições oferecidas pelo ambiente (entenda-se acessibilidade, no sentido mais amplo do termo) e as de funcionalidade da pessoa e de suas particularidades. A deficiência é, portanto, relacional, como define Izabel: ela não é o aspecto biológico, mas o resultado da interação entre indivíduo e sociedade. O modelo social da deficiência introduziu os conceitos de autonomia e vida independente, que emergiram com ênfase como bandeiras de luta. Tornaram-se, também, uma filosofia e um movimento social, inicialmente na Califórnia, na esteira do movimento hippie, do rock, do Flower Power e da internet. É fácil entender a força e a sedução exercidas por essas ideias: após séculos – ou mesmo milênios – sem direito de expressar desejos, emoções e opiniões, dependendo da caridade e da boa vontade da igreja, da família ou de pessoas “de bom coração”, era chegado o momento de as pessoas com deficiência soltarem o grito preso na garganta. De decidir o que fazer da própria vida – e como fazer. https://www.youtube.com/watch?v=29JooQEOCvA TÓPICO 1 | IDENTIDADE E DIFERENÇA: “O EU E OS OUTROS” 147 A segunda fase do modelo social da deficiência Adentramos agora a fase 2, segundo a análise de Izabel e Benilton: os valores da colaboração, da solidariedade, da interdependência e da complementaridade se fazem mais presentes, juntamente com o conceito de apoio. Afinal, todos precisamos de suporte, desde o nascimento até a velhice. “Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo”, como bem sabia John Donne. Os desafios são, agora, conjugar apoio e vontade própria; somar suporte e respeito à opinião, à capacidade de decisão e ao exercício de direitos e da cidadania. Esses são os próximos passos, as próximas fronteiras da inclusão. Bem-vinda fase 2! Que você nos torne mais humanos e solidários. *Marta Gil é coordenadora executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, consultora na área de inclusão de pessoas com deficiência, responsável pela concepção do DISCOVERY, primeiro jogo corporativo sobre inclusão, consultora da série “O futuro que queremos – Trabalho decente e inclusão de pessoas com deficiência” (OIT e Ministério Público do Trabalho), responsável pela elaboração da Metodologia SESI SENAI de gestão da inclusão na indústria, Fellow da Ashoka Empreendedores Sociais. Autora dos livros “Caminhos da inclusão – A trajetória da formação profissional de pessoas com deficiência no SENAI-SP”, “As cores da Inclusão – SENAI-MA” e organizadora do livro “Educação Inclusiva: o que o professor tem a ver com isso?”, USP/Fundação Telefônica/Ashoka, prêmio Imprensa Social. Fonte: GIL, M. Quais são os desafios para a inclusão da pessoa com deficiência? DIVERSA: educação inclusiva na prática, Instituto Rodrigo Mendes, 10 mar. 2017. Disponível em: <https://diversa.org.br/artigos/quais-sao-desafios-inclusao-pessoa-deficiencia/>. Acesso