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Gazeta de Matemática - Maio 1944

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GAZETA 
M A T E M Á T I C A 
JORNAL DOS C O N C O R R E N T E S AO EXAME D E APTIDÃO E DOS 
E S T U D A N T E S D E MATEMÁTICA DAS E S C O L A S S U P E R I O R E S 
ANO V N . ° 1 9 MAIO-1944 
S U M Á R I O 
Os teoremas de Netto e de Liiroth e o conceito de dimensão, 
por J. A tbuquergae 
A s t r o n o m i a 
Irregularidades do movimento de rotação da Terra, 
por António Perestrello Botelhetro 
Pedagogia 
Sôbre o treino de estudo dos nossos professores, 
por Hugo B. Ribeiro 
Sôbre o ensino da matemática no curso liceal, 
por António Augusto Lopes 
Algumas considerações, por António tios Santos Almeida 
Nota, por Bento Caraça 
Conselhos aos estudantes da Escola Politécnica Federal de Zflrich 
T e m a s de E s t u d o ' 
Lógica matemática —Indicações bibliográficas, 
por Bernardino Barros Machado 
Antologia 
O valor social da investigação científica, por Run Luis Gomes 
Movimento M a t e m á t i c o 
Movimento matemático espanhol —Centro de Estudos Matemáticos 
Aplicados à Economia—Junta de Investigação Matemática, etc. 
M a t e m á t i c a s E l e m e n t a r e s 
Pontos de exames de aptidão às Escolas Superiores 
M a t e m á t i c a s S u p e r i o r e s 
Pontos de exames de frequência 
Problemas propostos — Boletim Bibliográfico, etc. 
N Ú M E R O A V U L S O : E S C . 6 $ 5 0 
DEPOSITÁRIO: LIVRARIA SÁ DA COSTA / RUA GARRETT, 100-102 / LISBOA 
G A Z E T A D E M A T E M Á T I C A 
EDITOR E PROPRIETÁRIO 
J. da Silva Paulo 
ADMINISTRADOR 
Orlando M. Rodrigues 
TESOUREIRO 
J. de Oliveira Campos 
R E D A C Ç Ã O 
Redactor principal 
Manuel Zaluar 
RESPONSÁVEIS DE SECÇÕES : 
PEDAGOGIA 
ASTRONOMIA 
ESTATÍSTICA MATEMÁTICA 
Sento J . Caraça 
Manuel Peres Júnior 
W . L Stevens 
MATEMÁTICAS ELEMENTARES António A. Lopes, J . Calado, 
J . J . R o d r i g u e s d o s S a n t o s , 
MATEMÁTICAS SUPERIORES 
PROBLEAAAS 
J . da Silva Paulo 
A . Pereira Gomes, L. G. Albu-
querque 
A, Ferreira de Macedo, M. Alen-
quer 
OUTROS COMPONENTES : 
EM LISBOA 
PORTO 
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CAMBRIDGE 
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A. Monteiro, F. Carvalho Araújo, 
G . Lami, J . Remy Freire-, Luís 
Passos, R. Quaresma Rosa. 
A. Almeida Costa, J . Rios de 
Sousa, L. Neves Real, Ruy Luís 
Gomes 
Francisco Sanvtsens 
J . Delgado d'Olîveira 
Sixto Rios Garcia 
J . Ribeiro de Albuquerque, J .Se-
bast ião e Silva, V, Barroso 
A. Sá da Costa, Hugo B. Ribeiro, 
Maria do Pilar Ribeiro 
C O O P E R A D O R E S : A. Silva Gonçalves, Altino Branco, Álvaro Santos, A. Marques de Carvalho, F. Dias Agudo, G. d'Olîveira Campos, 
J. A. Barreira, J. Marujo Lopes 
CORRESPONDÊNCIA PARA .Manuel Zaluar— Rua Serpa Pinto, 17, 4 . 0 esq. — Lisboa 
PUBLICAÇÕES D A J U N T A DE I N V E S T I G A Ç Ã O M A T E M Á T I C A 
CADERNOS DE ANÁLISE GERAL : 
1 — TOPOLOGIA GERAL — 1 - Espaços de Sierpinski —por António Monteiro 
2 — TEORIA GERAL DA MEDIDA — l - Introdução —por Laureano Barros 
3 eé — ÁLGEBRA MODERNA t e 2-Grupos por José Morgado e A. Almeida Costa 
5 — TEORIA GERAL DA MEDIDA - 2-Medida à Jordan —por Laureano Barros 
6'— TOPOLOGIA GERAL —2-Espaços aeetsiveis de Frenkel —por António Monteiro 
7 — TOPOLOGIA GERAL — 3- Funções continua* —por A. Pereira Gomes 
S — ÁLGEBRA MODERNA —3- Anéis — por José Gaspar Teixeira 
0 — TOPOLOGIA GERAL — 4- Relativização — por Maria Helena Ferreira 
Pedidos de assinatura dos Cadernos a: Dr. José Q. Teixeira —Centro de Est . Matemáticos — Faculdade de Ciências — Pôrto 
PUBLICAÇÕES D O C E N T R O DE E S T U D O S M A T E M Á T I C O S (I. A . C.) L I S B O A 
TRABALHOS DO SEMINÁRIO DE ANÁLISE GERAL (7940-47)-100$00, (1942-43)-35$00 
C o m p o s i ç ã o e impressão t Sociedade Industrial de Tipografia, Limitada - Rua Almirante Pessanha, 3 e 5 (ao Carmo) - Lisboa 
A N O V - N . ° i 9 GAZETA DE MATEMÁTICA M A I O . I 9 4 4 
R E D A C T O R P R I N C I P A L : Aí. Zaluar • E D I T O R : / . da Silva Paulo m A D M I N I S T R A D O R : O. M. Rodrigues 
Composto e impresso na Sociedade Industriel de Tipografia, Rua Almirante Pessanha, 5 (ao Carmo), Lisboa 
O s teoremas de Neiïo e de Luroth e o conce/7o de dimensão 
por J. Albuquerque 
(bolseiro em Roma do I, A. C . ) 
A história de um conceito começa sem dúvida quando 
èsse conceito é apenas uma noção intuitiva ; as cau-
sas da formação dessa noção, os objectos ou os fenó-
menos naturais que a originaram, o modo como nasceu 
6 tomou corpo, a maneira como resistiu a possíveis 
esquecimentos e como passou a fazer parte de um pa-
trimónio, as relações desde então sempre moventes 
com os conceitos e noções que já existiam, são sem 
dúvida a prèistória do conceito, quási sempre miste-
riosa para nós homens de hoje. 
A história de um conceito é necessária porque è 
conhecendo-a que o homem pode voluntariamente enri-
quecê-la e até certo ponto orientá-la, sendo e não sendo 
escravo dessa história. A história de um conceito é 
necessária sobre tudo ao investigador porque tentará 
adivinhar as leis da evolução dêsse conceito e tentará 
aplicá-las nos seus esforços de generalização e criação. 
Infelizmente para cada conceito falta fazer a res-
pectiva história. 
Não é numa conferência ou num artigo que se pode 
fazer a história de um conceito, geralmente longa e 
susceptível de preencher o programa de um curso uni-
versitário. 
Se vamos aqui falar do conceito de dimensão de um 
espaço, é apenas para em linhas muito largas dizer-
mos qualquer coisa da sua evolução para finalmente 
nos fixarmos nos teoremas deiVeítoe de Liiroth e cha-
mar a atenção dos leitores da «Gazeta de Matemática» 
para um dos problemas mais interessantes das mate-
máticas modernas. 
A noção intuïtiva de número de dimensões de um 
espaço durante muito tempo esteve apoiada nas se-
guintes considerações : sobre a recta só se podem me-
dir comprimentos, e portanto a recta tem uma dimensão; 
no plano podem fazer-se medições de comprimentos 
o larguras, e portanto o plano tem duas dimensões ; 
no espaço euclideano podem fazer-se medições de com-
primentos larguras e alturas, e então o espaço eucli-
deano tem três dimensões. 
Aos segmentos, áreas planas e volumes eram tam-
bém atribuídas respectivamente, uma, duas e três 
dimensões. 
Certamente que uma noção intuïtiva como esta, 
dava ocasião a grandes discussões filosóficas, alta-
mente apreciadas pelos contemporâneos mas absoluta-
mente improductivas. Os matemáticos não procuravam 
aprofundar esta noção e evitavam falar nela. 
Descartes introduzindo as coordenadas veio criar a 
possibilidade de uma modificação, e essa modificação 
deu-se, aparecendo uma primeira definição de número 
de dimensões de um espaço : o número de dimensões 
de um espaço era precisamente o número 1, 2 ou 3 
de coordenadas necessárias para definir a posição de 
um ponto do espaço. 
Em seguida os físicos alargaram a noção de número 
de dimensões com a necessidade de considerar siste-
mas em que os pontos não só dependiam das coorde-
nadas que lhes fixavam a posição no espaço, mas 
ainda de outras grandezas físicas tais como o tempo, 
a pressão ou a temperatura. A posição do ponto era 
pois determinada por valores das coordenadas e por 
valores de grandezas físicas ; o elemento do sistema 
era determinado pelos valores de certos parâmetros 
numéricos e tais parâmetros perdiam o caracter de 
uma distância, que as coordenadas tinham, e eram 
apenas índices numéricos, podendo cada parâmetro 
ser substituído por uma função dêsse parâmetro. 
Chegámos assim a uma segunda definição de número 
de dimensões de um espaço : o número de dimensões 
de um espaço era então o número de parâmetros ne-
cessário e suficiente para determinar a posição de um 
ponto do espaço. 
2 
Vê-se que a noção de número de dimensões de um 
espaço sofria uma evolução e passava a uma fase maia 
larga, acompanhando umá evolução paralela da noção 
de espaço. 
A confiança dos matemáticos nesta segunda defini-
ção era ilimitada e durante anos se manteve até ser 
abalada por uma sacudidela brutal dada por um ma-
temático de génio. 
A descoberta fundamental de Georg Cantor estabe-lecendo uma correspondência biunívoca entre os pon-
tos de um quadrado e os pontos de um segmento, en-
tre os pontos de um plano e os pontos de uma recta, 
vinha deitar por terra sem piedade aquela definição. 
A genial obra de Cantor está perfeitamente enqua-
drada numa época em que os filósofos revolucionaram 
o mundo, quebrando como vidro conceitos milenários, 
criando novas leis do pensamento que lhes permitiram 
evidenciar- a fragilidade das coisas estabelecidas. 
E Cantor teve contra si a massa reaccionária dos ma-
temáticos seus contemporâneos. 
Uma correspondência biunívoca entre dois conjun-
tos é uma lei que a cada elemento de um dos dois con-
juntos faz corresponder um e um só elemento do outro, 
e inversamente. Então poderia determinar-se a posi-
ção de um ponto M do plano pela posição do ponto m 
da recta que se lhe fazia corresponder. A posição do 
ponto M do plano era determinada por um só parâ-
metro, a abscissa do ponto m correspondente. 
A intuição levava a conceder ao plano uma nobresa 
superior à da recta, e a correspondência de Cantor 
negava essa nobresa, nivelando de um modo brutal os 
dois espaços. E era de aceitar como um facto um tal 
nivelamento. 
Mas se a conclusão que Cantor impunha, tinha o 
mérito de destruir o que na intuição impedia um pro-
gresso, tal conclusão destruía igualmente tudo o que 
na mesma intuição poderia levar a ultrapassá-la. 
Era necessário abandonar a segunda definição e 
substituí-la por uma outra que a contivesse e que 
simultaneamente tomasse em consideração a observa-
ção de Cantor. 
Notou-se então que na correspondência biunívoca 
entre o plano e a recta, se um ponto de um dêles va-
riasse com regularidade em relação à organização 
topológica do conjunto, o outro ponto que lhe corres-
pondia não respeitava a topologia do seu espaço e 
«entregava-se a uma dança louca» executando um 
movimento formado de saltos bruscos e sem conti-
nuidade. 
A noção de continuidade vinha assim facilitar a 
síntese, conciliando a nossa intuição, as aspirações 
secretas da nossa estructura de matemáticos, com a 
fria, desumana, mas justa e precisa observação de 
Cantor. 
Neto (1899) demonstra que é impossível estabelecer 
uma correspondência biunívoca e bicontínua entre os 
pontos de um quadrado e os pontos de um segmento. 
Luroth (1907) demonstra que é impossível estabe-
lecer uma correspondência biunívoca e bicontínua 
entre os pontos do plano e os pontos da recta, entre 
os pontos do espaço e os pontos do plano. 
O conceito de dimensão entra numa nova fase e a 
sua história num período áureo. 
Conceito e história atravessaram uma crise, crise 
bela, e é no auge das crises quando tudo parece subver-
ter-se, que nos devemos encher de esperança e olhar 
a própria crise como uma força tremenda de pro-
gresso. 
Os resultados de Netto e de Liiroth domonstravam 
que o número de dimensões de uni espaço, respondendo 
à nossa intuição que criava uma diferença fundamen-
tal entre o plano e a recta, não podia ser definido 
considerando somente os espaços como cáos de pontos. 
Punha-se em relevo o caracter topológico dessa 
noção. 
Em 1909-1910, Fréchet daya a sua definição de tipo 
de dimensão : são do mesmo «tipo de dimensão» todos 
os conjuntos entre os quais é possível estabelecer uma 
correspondência biunívoca e bicontínua. 
Os tipos de dimensão de Frécltet dispõem-se numa 
escala simplesmente ordenada e contínua; há portanto 
espaços que não têm um tipo de dimensão inteiro, 
nem mesmo racional. A definição de Fréchet não satis-
faz plenamente a intuição. 
0 mesmo sucede à teoria de Hausdorff (1918) ba-
seada sôbre a noção de medida de um conjunto. 
Em 1912, Poincaré indicou uma via para a solução 
do problema, explorada quási imediatamente por 
Drouwer, Menger e Urysohn. A definição de Poincaré 
consiste em permitir passar de um modo topológico 
de n para re + 1 dimensões, e daria somente dimen-
sões inteiras aproximando-se assim muito da intuição. 
Em seguimento destas idéias e já nos nossos dias, 
estão os resultados das escolas polaca (Janizewski, etc.) 
e francesa (Doidigand, Ky Fan, etc.). 
1 Mas de facto o conceito de dimensão é de natureza 
topológica ? Evidentemente que a definição de número 
de dimensões não pode considerar os espaços como 
simples colecções de pontos. jMas não bastará consi-
derá-los ordenados, como uma ordem simples ou com 
uma ordem dupla ? 
E neste sentido que a escola americana (Birkhoff) 
tenta hoje uma solução do problema estudando siste-
temàticamente os sistemas ordenados e as estructuras. 
O problema tem mais do que nunca uma extraordi-
nária importância e depois de tão grande impulso 
como o que sofreu de Cantor perdeu muito da sua 
velocidade e parece esperar hoje uma nova crise, que 
G A Z E T A D E MATEMÁTICA 3 
llie virá talvez da física, e que é para desejar seja 
terrível e fecunda. 
Na base de tôdas estas tentativas de resolução en-
contram-se com notável relevo os teoremas de Netto 
o iJirotk ; vamos dar dêstes teoremas uma «demonstra-
ção livre», isto é, uma demonstração que expurgámos 
de noções estranhas e de complicações inúteis. Quando 
tal se faz a uma demonstração tornam-se salientes aa 
verdadeiras razões do facto a demonstrar. 
Uma correspondência biunívoca entre dois conjun-
tos, como anteriormente dissemos, é uma lei que a 
cada ponto x de E faz corresponder um ponto / (x) 
de F de tal modo que se x\ e Xi são pontos distintos 
de E os correspondentes / (xi) e / (xj) são distintos ; 
e inversamente, a cada ponto y de F faz corresponder 
f"1 (y) em E de tal modo que para yi yz se tem 
f - ' (2 / i )* f - ' (^ ) . 
Temos pois uma transformação / do conjunto E no 
conjunto F e uma transformação inversa que pode ser 
representada por f~l e que transforma F em E . 
Se os conjuntos E e F estivessem mergulhados em 
espaços topológicos ou fossem espaços, cada ponto 
dêstes conjuntos teria as suas vizinhanças e então 
poderíamos falar de transformações contínuas ou cor-
respondências contínuas. 
Uma transformação / como a anterior será contínua 
no ponto x do conjunto E se para cada visinhança 
V[(X) do ponto / (x) existe uma vizinhança Vx de x 
tal que : 
f(Vx)czVf(x). 
A transformação / é contínua em E ou simplesmente 
contínua se fôr contínua em cada ponto de E. Se a 
transformação f~l é também contínua então a trans-
formação / diz-se bicontínua. 
Uma correspondência biunívoca e bicontínua é uma 
transformação / unívoca e contínua de E em F tal 
que a sua inversa / _ 1 é também unívoca o contínua. 
Poincare' em 1895 chamou homeomorfismos às trans-
formações biunívocas e bicontínuas ; estas transfor-
mações formam um grupo. 
A topologia ou analysis situs estuda as proprieda-
des dos conjuntos que permanecem invariantes quando 
se executam homeomorfismos. 
A designação de analysis situs é de Poincaré, e a 
designação de topologia é de Listing (1847). 
Demonstremos agora o teorema de Netto. 
Teorema de Netto. Um quadrado não pode ser ftomeo-
morfo a um segme ito. 
Demonstremos por absurdo. Tomemos um qua-
drado Q e um segmento S e suponhamos que existe 
uma correspondência / unívoca e contínua de Q em S 
tal que / _ 1 é também unívoca e contínua. 
Seja (a, b) um segmento de pontos do quadrado Q, 
que podemos supôr todo formado com pontos interio-
res ao quadrado o que é possível e permitirá tirar 
dêste teorema um corolário importante. 
A correspondência / dá-nos em particular uma cor-
respondência biunívoca e bicontínua entre o segmento 
(a, b) e um certo conjunto de 8 de que conhecemos 
já dois pontos : os transformados / (a) e f (b) . Vamos 
demostrar antes de mais nada que o intervalo (a, b) 
è transformado por / n o segmento [/(a) ,/(b)] • 
Seja com efeito p um ponto de [/(a),/(b)] e supo-
nhamos que nenhum ponto de (a , b) se transforma 
em p. 
Representemos por E o conjunto dos pontos de (a,6) 
cujos transformados caem em [f(a),p] • 
Representemos por F o conjunto dos pontos de 
(a, 6) cujos transformados caem em [p,/(f>)]. 
Fàcilmente se vê que: E + F=(a ,b) e que E •F=0, 
isto é, os conjuntos E e F são disjuntos e retinidos 
dão o segmento (a , b) . 
Tomemos um ponto x de F, portanto com / (x) em 
[p ;/(*)] sendo por hipótese f(x)j=p. 
\ Como / é contínua, a cada visinhança Vt l x ) de / (x) 
corresponde uma visinhança Vx de x, cujos pontos 
são todos transformados em pontos de V f l x ) . Isto basta 
para provar que existe uma Vx sem pontos de E e 
este resultado é verdadeiro para todo o x de F. 
Então o conjunto F não tem pontos de acumulação 
do conjunto E, e do mesmo modo se demonstraria 
que E não tem pontos de acumulação de F, o que é 
impossível porque E-t-F^é o segmento (a, b) . De-
monstrou-se assim.que o transformado do segmento 
(a , b) é um segmento. 
Se tomarmos agora um outro ponto c do quadrado Q 
fora do segmento (a, 6) , e que. podemos também 
supor interior ao quadrado, os três segmentos (a , é) , 
(6 , c) e (c , a) , lados de um triângulo, tranformam-se 
emsegmentos [/(a),/(b)], [/(b),/(c)], [/(c),/(a)] 
formando um triângulo «achatado» do segmento S, 
onde encontramos um ponto pertencendo simultânea-
mente a dois lados do triângulo achatado e que será 
o transformado de dois pontos distintos do quadrado Q 
facto em contradição com a biunivocidade de / . 
Uma transformação biunívoca e bicontínua entre os 
pontos do quadrado e do segmento conduz sempre a 
esta contradição e por isso não existe, c. q. d. 
Antes de tirar do teorema o corolário que anun-
ciamos, vejamos uma consequência imediata e impor-
tante do teorema. 
Um conjunto plano homeomor/o a um segmento não 
pode ter pontos interiores. Esta consequência é real-
mente imediata porque se pode considerar o segmento 
como o transformado do conjunto plano pelo homeo-
morfismo, e se o conjunto plano tivesse um ponto in-
G A Z E T A D E MATEMÁTICA 
terior conteria também um quadrado, visto que uma 
das famílias admissíveis de visinhanças de um ponto 
do plano é a família dos quadrados, por exemplo, cen-
trados no ponto. Chama-se arco simples de Jordan a 
um conjunto homeomorfo a um segmento finito, e por-
tanto o arco simples de Jordan não tem pontos inte-
riores. 
Notemos agora que o facto de se poder tomar o 
triângulo de vértices a , b , c , da demonstração do 
teorema com todos os pontos dos seus três lados inte-
riores ao quadrado, permite enunciar imediatamente o 
seguinte corolário : 
Corolár io . O conjunto dos pontos interiores a um 
quadrado não pode ser homeomorfo ao conjunto dos pon-
tos interiores a um segmento. 
O mesmo raciocínio do teorema, marcha com efeito 
sem obstáculos até ao fim, demonstrando-nos assim o 
corolário. 
Com este corolário demonstraremos o teorema de 
Luroth de que se pode dar o seguinte enunciado : 
Teorema de Luroth. Não pode existir um homeomo r-
fismo entre o plano e a recta. 
Com efeito, o conjunto dos pontos interiores a um 
quadrado é homeomorfo ao plano, e o conjunto dos 
pontos interiores a um segmento é homeomorfo à recta. 
Então se o plano e a recta fossem homeomorfos tam-
bém o seriam os interiores de um quadrado e de um 
segmento, o que contradiz o corolário, c. q. d. 
Luroth demonstrou ainda que não pode existir um 
homeomorfismo entre o espaço euclideano e o plano. 
A demonstração deste segundo teorema de Luroth é 
uma generalização da anterior e deixamo-la como 
exercício aos nossos leitores. 
Roma, 24 de Março de 1944. 
A S T R O N O M I A 
IRREGULARIDADES D O MOVIMENTO DE ROTAÇÃO DA TERRA 
por António Pereslrello Botelheiro 
A noção do tempo é uma das que mais têm preo-
cupado o espírito humano. Em constante evolução, a 
idéia de tempo tem sofrido através das idades duras 
vicissitudes e sôbre ela se têm escrito, e continuam a 
escrever, dezenas de livros. 
Cada filósofo, desde Heraclito, apresenta uma noção 
nova e o aspecto que oferece o confronto das idéias 
expendidas é, por vezes, bastante confuso. Assim, por 
exemplo, enquanto Kant sustenta a existência subjec-
tiva do tempo, Spencer julga-o inconcebível quer 
objectiva quer subjectivamente considerado. 
Ao astrónomo não é, sem dúvida, indiferente êste 
debate em que opiniões tão curiosas se entrechocam, 
e sôbre as quais o bem conhecido quid est ergo tempus ? 
de Santo Agostinho paira possivelmente ainda. . . 
No entanto, o astrónomo não intervém nas discus-
sões sôbre a «essência», sôbre a «natureza íntima» 
do tempo ; como diz Eddington, qualquer que possa 
ser a natureza do tempo de jure, o tempo do astró-
nomo é o tempo de facto. Na verdade êle sabe que 
pode medir intervalos de tempo e ao aperfeiçoamento 
dessa medida dedica o melhor do seu esforço, convicto 
de que procedendo desta maneira novos e interessan-
tíssimos horizontes se vão abrindo à ciência, simultâ-
neamente no campo especulativo e no campo da apli-
cação. 
O «padrão» de medida de intervalos de tempo, há 
muito adoptado, é o movimento de rotação da Terra. 
Entre as qualidades essenciais a que deve obedecer 
um bom padrão sobressai a da «permanência» : obe-
decerá o nosso relógio fundamental a esta caracterís-
tica indispensável para que as suas indicações nos 
possam merecer confiança ? 
Creio ter sido em 1752 que a não permanência do 
nosso padrão de tempo foi pela primeira vez abordada. 
A Academia das Ciências de Berlim, presidida nessa 
época pelo francês Maupertuis, instituiu um prémio 
para galardoar o melhor trabalho que lhe fosse apre-
sentado em resposta às seguintes preguntas : 
— Teve ou não o movimento de rotação da Terra 
sempre a mesma velocidade ? 
— Que meios existem para o comprovar ? 
— No caso de se descobrir alguma irregularidade, 
qual seria a sua causa ? 
Entre os trabalhos recebidos pela Academia da 
Berlim em resposta aos quesitos formulados figurava 
um no qual, com extraordinária intuição, era apre-
sentado pela primeira vez o atrito das marés oceâni-
cas como causa retardadora do movimento de rotação 
da Terra : assinava-o Kant. 
O prémio foi atribuído ao trabalho apresentado 
pelo matemático italiano Paulo F r i s i . . . 
Anos e anos decorreram sem que o problema fôsse 
retomado e só a espaços uma ou outra voz se levan-
tava — como que receosa de fazer desabar o grande 
G A Z E T A D E MATEMÁTICA 5 
edifício tão laboriosamente arquitectado, tal o res-
peito que infundia a «permanência» dos nosso padrão 
de tempo. 
E só um século depois de Kant ter apresentado, 
sem bases experimentais qua a apoiassem, aquilo a que 
êle chamou uma «história natural» do céu que Robert 
Mayer ataca de novo o problema tanto tempo ador-
mecido. 
A questão começa a interessar os astrónomos e os 
trabalhos sobre este tema vão-se sucedendo agora : o 
assunto é tratado sucessivamente por Ferrei, Croll, 
Delaunay, Adams, Thomson, Darwin. . . 
Mercê de tais cultores a teoria evoluciona incessan-
temente e atinge nos primeiros anos dêste século, com 
Simon Newcomb, um extraordinário brilho, .lá não 
restam dúvidas de que o comprimento do dia está 
continuamente aumentando por efeito do atrito das 
marés oceânicas ! 
A técnica das observações aperfeiçoa-se, entretanto» 
cada vez mais ; o erro médio de uma determinação 
de tempo diminui de forma contínua desde o 
século xvi. Assim, êste êrro que era, no período áureo 
dos descobrimentos portugueses, de dois minutos é 
hoje de cerca de doze mil vezes menor, isto é, inferior 
a uma centésima de segundo. 
O atraso do movimento de rotação da Terra devido 
ao atrito das marés é apenas de um milésimo de se-
gundo por século. Pequeno, embora, êste atrazo en-
volve um grande dispêndio de energia. 
Um cálculo simples mostra que a energia dissipada 
em calor é de l ,5xl0' 9 ergs por segundo, ou sejam 
mais de dois mil milhões de cavalos-vapor ! 
As medidas efectuadas directamente no sentido de 
so avaliar a quantidade de energia dissipada pelas 
marés nas costas e no fundo dos mares, apesar de 
incompletas e do seu carácter necessariamente gros-
seiro, forneceram o número l , l x l 0 1 9 ergs por segundo 
que concorda bem com aquêle que a teoria indica. 
E interessante notar que enquanto nos mares pro-
fundos é relativamentepequena a dissipação de ener-
gia ela é muito elevada nos mares fechados e de 
pouca profundidade, como o mar do Norte, a Man-
cha, etc. Cêrca de dois terços do número encontrado 
são devidos a um único mar — o de Bering — onde a 
dissipação de energia é muito forte. 
Como as marés oceânicas são um fenómeno regular 
e constante a perturbação que elas trazem ao movi-
mento de rotação da Terra não teria, se fôsse única, 
importância de maior : uma fórmula simples nos daria 
a correcção devida ao atraso do nosso relógio funda-
mental. 
Mas o problema é mais complicado e tem sido, com 
frequência, posto de uma forma pouco nítida mesmo 
em trabalhos de responsabilidade. 
De facto, além do atraso constante originado pelo 
atrito das marés oceânicas o movimento de rotação 
da Terra está sujeito a outras perturbações, a irregu-
laridades imprevisíveis, de causa ainda desconhecida, 
«saltos» na marcha semelhantes àquêles que são ine-
rentes às melhores pêndulas construídas pelo homem. 
Foi a comparação entre as observações das posições 
dos astros e aquelas que a teoria lhes assinalava que 
revelou a existência destas irregularidades. Na reali-
dade, a observação mostrava ora um avanço ora um 
atraso sobre a teoria ; como isto sucedia para todos 
os astros e duma quantidade proporcional ao respectivo 
movimento médio na órbita, só uma explicação havia 
que satisfizesse, salvando ao mesmo tempo o edifício 
da Mecânica Celeste — a variação do «padrão» de 
medida. 
A importância excepcional do assunto foi magis-
tralmente posta em relevo por William Brown, o 
grande impulsionador dêste estudo e «um dos gigan-
tes da Astronomia», como lhe chamou um seu biógrafo. 
Para a Lua se voltaram então as atenções gerais, 
pois é a Lua o astro que é dotado do maior movi-
mento' médio diário (13°,2) e aquêle que, por êsse mo-
tivo, nos pode dar uma maior precisão. 
A sua teoria, o problema mais difícil de toda a 
Mecânica Celeste, foi levada por Brown a um grau de 
perfeição nunca dantes atingido e dificilmente ultra-
passável. Para dar uma idéia, embora ligeira, do seu 
gigantesco trabalho basta dizer que nas tabelas por 
êle elaboradas, tabelas que nos dão a posição do nosso 
satélite em qualquer data com a aproximação de um 
centésimo de segundo, cêrca de mil e quinhentas per-
turbações foram calculadas. (Hansen, nas suas tábuas 
da Lua, tinha considerado apenas trinta perturbações). 
No Observatório de Yale começaram, sob a direcção 
de Brown, a sta" retinidas e discutidas todas as obser-
vações da Lua que podem contribuir para o esclare-
cimento do problema : entre estas ocupam lugar' de 
destaque as observações de ocultações de estrêlas, pois 
nelas não intervêm os erros instrumentais. O Observa-
tório da Tapada inclui, desde 1938, no seu plano de 
trabalhos o estudo das irregularidades do movimento 
de rotação da Terra ; desde aquela data que êle con-
tribui com as suas observações de ocultações para a 
campanha internacional, e esta colaboração tem neste 
momento um especial interesse pois a grande maioria 
dos observatórios europeus está impossibilitada de 
trabalhar no mesmo sentido. 
Graças ao clima, as observações da Tapada ultra-
passam já em número as de qualquer outro observa-
tório ; sobre a sua qualidade só diremos que nunca 
nenhuma observação deixou de ser aproveitada pelo 
organismo que superintende internacionalmente no 
assunto. 
6 G A Z E T A D E MATEMÁTICA 
No quadro abaixo é dado um resumo dos resultados 
obtidos (em correcções à longitude tabular da Lua) 
em comparação com os valores determinados pelo ser-
viço internacional : 
Tapada S. I. 
1938 2",09 1",88 
1939 1",32 1",34 
1940 . 0",96 0",92 
1941 0",93 — 
1942 0",24 — 
1943 0",20 — 
Kmbora continue a servir para as necessidades da 
geodesia e da navegação, o nosso padrão de medida 
de tempo, durante tantos séculos julgado permanente, 
deixou de merecer confiança aos astrónomos. 
Já hoje êle não é empregado no cálculo rigoroso dos 
eclipses totais do Sol, no estudo das estrelas duplas 
espectroscópicas e das variáveis de curto período. 
Qual a causa destas irregularidades do nosso padrão 
de tempo ? Haverá possibilidade de o substituirmos 
por outro mais rigoroso ? 
A resposta a estas preguntas é de capital impor-
tância para a Astronomia ; num outro artigo apre-
sentaremos a nossa opinião, numa tentativa para o 
esclarecimento do problema. 
P E D A G O G I A 
SOBRE O TREINO DE ESTUDO DOS NOSSOS PROFESSORES 
por Hugo B. Ribeiro (bolseiro em Ziirich do I. A. C.) 
No seu artigo «Algumas reflexões sobre os exames 
de aptidão» («Gazeta de Matemática», n.° 17) o prof. 
Bento Caraça indica-nos resultados dos exames de 
aptidão na sua escola que podem fornecer elementos 
para o estudo da coordenação entre os nossos ensinos, 
secundário e superior, de Matemática. Em conclusão, 
sublinha como as insuficiências dos candidatos a estes 
exames revelam falta de espírito crítico e automatismo 
e apela para um longo debate sôbre esta questão que 
aenvolve muito profundamente o interesse nacional»-
Muitos dos nossos professores considerarão, natural-
mente, como um simples dever profissional o contri-
buírem com a sua experiência para se esclarecer, nesta 
oportunidade, origens e remédios de tais deficiências 
e, especialmente, para se averiguar da extensão delàs. 
Mas as experiências dos estudantes interessam tam-
bém no debate. Por isto nos resolvemos a indicar o 
que segue, com o que não pretendemos senão subli-
nhar observações oportunas, algumas das quais, já re-
petidamente foram feitas, mesmo neste jornal <". 
1. Falta de espírito crítico e automatismo em Mate-
mática, aparecem naturalmente juntos e significam 
ignorância e inconsciência da ignorância, aí, onde o 
conhecimento não se tem sem exercício aturado da 
faculdade crítica e com o puro automatismo (talvez 
porque na utilização, com êxito, dos resultados mate-
máticos êsse predicado do conhecimento em geral in-
tervém a cada passo). O mal colectivo diagnosticado 
não resultará, decerto, de deficiências fisiológicas a 
manifestarem-se em determinadas gerações : mas as 
suas causas, nem todas novas, residem num meio social 
<>) Leia-se, por exemplo, o artigo de António Monteiro 
«O prémio nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira», 
Gazeta de Matemática», n." 15. 
propício, e parece que se manifestam entre nós, 
neste momento, mais agudamente. Não podemos espe-
rar que todas essas causas se conheçam e facilmente 
possam resolver-se para actuarmos de uma forma pro-
gressiva : é também na medida em que soubermos 
encarar os problemas singulares e, nestes, as causas 
singulares, que tomamos consciência das relações de 
interdependência entre estas, que nos fortalecemos 
para apressarmos a construção de novas relações e, 
finalmente, da solução aceitável. Isolaremos, aqui, uma, 
entre as causas próximas, que provavelmente é deci-
siva : i Não será normal, entre nós, a impreparação 
matemática dos que ensinam e se destinam a ensinar. 
«Matemática ? w E , se assim é, £ não resulta já, esta 
normal falta de treino de estudo dos nossos professo-
res, de que só excepcionalmente a Matemática terá 
sido considerada, entre nós, como um objecto, próprio, 
independente, de estudo ? 0 que estas interrogações 
significam, aqui, é o que rapidamente procuramos 
explicar no que segue. 
2. Na hipótese mais favorável, o nosso, comum, pro-
fessor de Matemática tem, depois da preparação mate-
Não se põem aqui em questão os esforços individuais 
dos nossos professores de matemática no sentido da ele-
vação do nivel da sua preparação profissional ; trata-se so-
mente da qualidade de treino que é exigida para a sua pro-
fissão. 
A Sociedade Portuguesa de Matemática, e especial-
mente o prof. Bento Caraça, tem procurado reunir informa-
ções sôbre a preparação exigida no estrangeiro aos profes-
sores de matemática das escolas secundárias. Só agora 
podem enviar-se à S. P. M. alguns dados, com ês te fim, 
relativos à Suiça. Publlcar-se-ão provavelmente na «Gazeta 
de Matemática»; e estão em inteiroacõrdo com as impres-
s õ e s que deixamos nêste artigo. 
G A Z E T A D E MATEMÁTICA 7 
mática que o liceu lhe fornece (preparação compatível 
com os resultados daqueles exames de aptidão) um 
treino de estudo numa licenciatura em Ciências Mate-
máticas (para o ensino^io liceu requerem-se, ainda, 
determinadas leituras**%)ráticas de natureza pedagó-
gica). Examinando agora, só globalmente, a estrutura 
da licenciatura em Ciências Matemáticas (que cons-
titui ainda os nossos estudos oficiais de nível mais 
elevado) somos levados a concluir que o' objecto do 
estudo é, aí, constituído por certos capítulos da Física 
clássica e certas técnicas, precisamente : a Mecânica 
e, especialmente, a Mecânica Celeste, a Astronomia, a 
Geodesia e o Cálculo das Probabilidades (com os 
objectivos especiais da Teoria dos erros e da Técnica 
dos seguros). Com efeito; estes capítulos especiais de 
aplicações da Matemática formam os escalões da estru-
tura que deverão abordar-se indispensàvelmente e em 
último lugar ; e as noções propriamente matemáticas 
e certas técnicas gerais de Cálculo (Análise, Geome-
tria) adquirem-se previamente (ao mesmo tempo que 
as de Desenho, as de Física e as de Química) com 
uma — natural relativamente a tal estrutura — fre-
quente preocupação dominante, a daqueles escalões 
finais. Por outro lado, o estudo da Matemática, pro-
priamente, ocupa (e assim orientado) aproximada-
mente metade do tempo escolar, os seminários mate-
máticos são inexistentes,, não fazem parte do plano de 
estudos, ao passo que trabalhos próprios e de grupo 
no domínio das aplicações são, por vezes, fomentados. 
Encarámos a hipótese mais favorável. O caso dos 
professores do ensino técnico é ainda mais expressivo: 
frequentemente preparam-se êsses com o expresso 
objectivo de se exercitarem em técnicas especiais» 
adquirindo, para isso, noções matemáticas e técnicas 
gerais e especiais de Cálculo. Normalmente, são, para 
cies, mais reduzidos ainda o tempo de estudo e o do-
mínio dos capítulos abordados em Matemática'3'. 
Parece, pois, que os nossos professores de Materna-
Uca não estudam, normalmente, Matemática senão na 
medida em que esta Ciência tem que ver directamente 
com certas aplicações especiais, certas técnicas, das 
quais se pode dizer, embora grosseiramente, que não 
interessam à sua profissão. (Nos liceus normais tam-
bém não é a Matemática, repetimos, mas a técnica do 
ensino da Matemática elementar, o objecto das preo-
cupações do futuro professor). 
3. Como se sabe, a linha geral do desenvolvimento 
da Matemática é naturalmente traçada pela do desen-
<3< No ponto de vista da preparação normal dos professo-
res nâo se percebe que. como sublinha o prof. Caraça, haja 
qualquer coisa não certa quando se constata que a percen-
tagem de reprovações de candidatos do ensino técnico 
seja, em matemática, superior à dos candidatos do ensino 
liceal. 
volvimento social e, mais directamente e frequente-
mente, a partir das solicitações das técnicas e das 
ciências a que se aplica de uma forma imediata. Êsie 
facto e o de que a matemática é por sua vez origem 
de novos problemas e novas soluções no domínio des-
tas mesmas ciências e técnicas não se contradizem. 
A matemática é, assim, considerada, tanto quanto isso 
é possível, um objecto de estudo isolado, independente. 
E onde ela assim não for considerada, em primeiro 
lugar, não só terá o seu desenvolvimento próprio en-
travado mas ainda limitada a su3 aplicabilidade, 
diminuída a sua qualidade de reveladora da falta do 
espírito crítico e do automatismo, etc. Os estudos 
matemáticos, mesmo os, aparentemente e momentânea-
mente, mais afastadas das aplicações ensinam-nos 
ainda (isto é posto em relevo com muita felicidade 
por Eckmann na sua lição sôbre a «idéia de dimen-
são») sôbre a realidade que é a nossa própria maneira 
de pensar. E o conhecimento em Matemática não se 
adquire sem o exercício continuado do estudo, da re-
solução da curiosidade própria pelo esforço próprio, 
que exigem, se querem ser proveitosos, nm treino 
longo convenientemente dirigido, inicial. (••) 
Tudo o que precede legitima agora as seguintes 
interrogações : 
j E a Matemática considerada, entre nós, normal-
mente, como uma ciência em desenvolvimento, sôbre 
a qual há que actuar para a conhecer, e que, embora 
relacionada com outras actividades, tem problemas 
próprios exigindo um treino especial e aturado não 
delimitado (e muito menos normal e estritamente deli-
mitado) pelas ciências e técnicas que ela serve? 
^ Este treino, êstes problemas, são normalmente 
abordados pelos que hão-de ensiná-los ? 
Os resultados conhecidos dos exames de aptidão 
(«se se pensar que se trata de pessoas à volta dos 
18 anos cujo trabalho foi acompanhado por professo-
res durante anos e que se sugeitaram depois com êxito 
a provas finais de saída. . . »), a estrutura da nossa 
licenciatura em ciências matemáticas, o desenvolvi-
mento da investigação matemática, a mumificação 
corrente, dos nossos cursos, as nossas bibliotecas ma-
temáticas, a história do «Prémio Nacional Doutor 
Gomes Teixeira», <" etc., etc., respondem negativa-
mente àquelas interrogações. 
Se está, de facto, em causa uma tal oposição entre 
concepções tão distantes do estudo da Matemática 
(esta distância - fornecerá uma primeira medida do 
nosso atraso neste campo) a resolução de tal oposição 
é um problema primário ; e. sem ela, são ilusórias, por 
f* Leia-se sôbre isto o artigo de J . Albuquerque - Duas 
demonstrações dum mesmo facto» na Gazeta de Matemá-
tica, n.° 16. 
S G A Z E T A D E MATEMÁTICA 
longínquas, as posições da maioria dos outros proble-
mas pedagógicos, como os de programas, métodos es-
peciais, etc., etc. 
0 remédio, para esta causa especial, consistia em, 
sistemàticamente, fornecer aos futuros e actuais profes-
sores uma preparação capaz (complementar para os 
últimos) com a frequência intensiva de seminários, 
dos mais diversos níveis, orientados por autênticos 
estudiosos. Mas parece que não será fácil começar : 
porque os etudiosos são raros e nem sempre (temos o 
mais convincente exemplo de que assim é) os que apa-
recem encontram no nosso meio apoio suficiente mesmo 
quando o seu desinteresse, a sua dedicação, o valor 
do seu exemplo, o sru entusiafemo, ;i sua acção se 
mostram, nitidamente excepcionais. A nossa habitua! 
dispersão das ocupações, das energias está em melhor 
acordo com a idéia, fácil, duma «Matemática» que, 
simplesmente, serve diversas técnicas rendosas. 
SOBRE O ENSINO DA MATEMÁTICA N O CURSO LICEAL 
por António Augusto Lopes 
(Prof, do Liceu Alexandre Herculano, Porto) 
0 artigo publicado pelo Senhor Dr. Bento Caraça • 
no n.° 17 da «Gazeta de Matemática» sobre os exames 
de Aptidão não deixa de interessar os professores do 
Ensino Secundário e, em particular, os dos liceus. 
Embora caloiro nas coisas do ensino — matéria onde 
só se deixa de ser novato ao fim de muitos anos — 
apresento sobre o assunto as seguintes considerações: 
1 — Não me parecem de muito interêsse os dados 
fornecidos pelos Exames de Aptidão para o problema 
da coordenação do ensino secundário com o superior 
porque, como pode verificar-se pelos pontos saídos 
nêsses exames, os actuais programas do ensino liceal, 
na disciplina de Matemática, contêm tôda a matéria 
exigida para a entrada nas Universidades. De resto, 
não deve ser exigida matéria diferente da do ensino 
liceal. O contrário seria, manifestamente, injusto. Por 
outro lado, mesmo defendendo a tese de as Universi-
dades se destinarem unicamente à aquisição de «cul-
tura especial», a situação agravar-se-ia porque, se é 
certo que a finalidade específica do ensino liceal é 
dotar os portugueses de uma cultura geral útil para 
a vida (art. 1.» do dec. 27084 de 14-10-936) — a grande 
maioria dos alunos que termina o curso liceal pretende 
ingressar nas Universidades. 
2 — A falta de correlação entre o ensino secundário 
e o superior é manifesta e, pelo que diz respeito ao 
ensino liceal, resulta de não fazerem parte dospro-
gramas algumas matérias essenciais para uma boa 
iniciação dos cursos superiores. Dessas matérias cito, 
como as mais requeridas por todos os professores, uma 
grande parte da Trigonometria Plana, elementos de 
Geometria Analítica Plana e o estudo elementar das 
derivadas. A situação torna-se particularmente crítica 
quando, logo de entrada, os professores universitários 
expõem as suas lições com base em matérias que os 
seus novos alunos desconhecem completameute. Por 
exemplo, na cadeira de Física Geral, professada nas 
Faculdades de Ciências, desatam a diferenciar e a 
integrar sem qualquer explicação prévia. Os alunos, 
pasmados, limitam-se a um simples encolher de om-
bros. Bem sei, que a Física Geral, no plano de estu-
dos da Faculdade, faz parte do 2.° ano, mas, não é 
menos verdade que os alunos com destino às Escolas 
Militares têm que frequentar aquela cadeira no 1." ano. 
Chegamos, portanto, a esta conclusão : — ou os pro-
gramas dos liceus são modificados de modo a incluí-
rem as matérias indispensáveis para bem iniciar uni 
curso superior ou então os cursos universitários são 
feitos de modo a evitar as anomalias actuais. 
3 — Quando o Senhor Dr. Bento Caraça nos indica 
algumas das desastradas respostas apresentadas nos 
Exames de Aptidão por alunos vindos do liceu, eu gos-
taria que se tivessem empregado antes as palavras 
alunos com o curso liceal já que êles são, pelo menos, 
de três origens : alunos internos dos liceus, alunos do 
ensino particular e alunos individuais. Acrescentarei 
que os alunos individuais frequentam por conta pró-
pria alguma escola particular ou não frequentam ne-
nhuma e constituem parte importante da grande 
massa de alunos que nos exames liceais apresentam 
respostas ainda mais aterradoras do que as citadas 
no artigo do Senhor Dr. Bento Caraça. 
O quadro seguinte é extraído da revista «Liceus 
de Portugal», boletim da acção educativa do ensino 
liceal, e apresenta as percentagens das reprovações 
nos exames de Matemática realizados, em todos os 
liceus, em três anos consecutivos. 
Da observação dêste quadro, salta à vista que, nos 
exames liceais, o comportamento dos alunos internos 
é notavelmente melhor que o dos alunos externos. 
O mesmo facto é verificado em todas as outras disci-
plinas. A diferença é mesmo muito anormal e não sei 
que explicação cabal possa ter. Questão de professo-
res ? Creio que não. Note-se, contudo, que uma grande 
G A Z E T A D E MATEMÁTICA 9 
parte dos professores do ensino particular não tem a 
preparação profissional dos professores do liceu e que 
outra parte é constituída por pessoas para quem umas 
tantas aulas são maneira de ocupar as horas vagas. 
Diversidade de métodos ? Talvez, mas, como resultado 
de uma diferença de finalidades. Infelizmente um 
grande número de escolas particulares não têm o en-
sino por único e primeiro objectivo, coisa que não 
pode acontecer nos liceus. 
Ao pôr em evidência a diferença anormal verificada 
nos exames liceais entre alunos internos e externos 
ANOS 
1 Ciclo II Ciclo III Ciclo/ 7.' ano 
ANOS 
Internos Externos Internos Externos Internos Externos 
1939-40 9% 23% 19% 45% 18% 44 % 
1940-41 18 % 35% 37 % 75 % 43% 69% 
1941-42 6% 24% 24 % 62 % 8% 32% 
* Não indico os resultados de 1942-43 por ainda não terem 
sido publicados em «Liceus de Portugal.» 
faço-o com a dupla convicção de que o mesmo deve 
suceder nos exames de Aptidão e que os factos apon-
tados constituem uma das causas do mal muito grave 
apontado pelo Senhor Dr. Bento Caraça. Um caso in-
teressante : — no ano de 1942-43, época de Julho, um 
rapaz, aluno interno do liceu, concorreu ao exame de 
Aptidão para três cursos diferentes (Engenharia, E s -
colas Militares e Medicina) ; uma sua irmã, já repro-
vada no ano anterior, concorreu a Engenharia e Mate-
mática ; os resultados deixaram a pequena verdadei-
ramente desolada com uma dupla reprovação e o 
rapaz satisfeitíssimo por ter tido três aprovações. 
Acrescento que o rapaz foi classificado com 12 valores 
no exame do 7.° ano e a irmã, aluna do ensino parti-
cular, tinha obtido 16. Conclusão : — Entendo que a 
maioria das reprovações nos exames de Aptidão deve 
pertencer a alunos do ensino particular. Se alguém me 
demonstrar o contrário, dou a mão à palmatória. 
4 — Finalmente, tomo a liberdade de responder ne-
gativamente, no que diz respeito ao ensino nos liceus, 
à pregunta formulada pelo Senhor Dr. Bento Caraça 
sôbre se os resultados dos exames de Aptidão permi-
tem dizer alguma coisa sôbre o nível do ensino. Res-
pondo negativamente porque considero êsses dados 
insuficientes em número e qualidade. E u digo porquê: 
nos programas do 7.° ano, se os nossos alunos falham 
durante o ano em questões como as do exame de Apti-
dão, ficam reprovados, se falham no exame final têm 
sorte idêntica ; no respeitante aos programas dos anos 
anteriores (principalmente em Trigonometria e Geo-
metria) não está na mão dos professores garantir a 
necessária revisão nem na dos alunos o fazerem-na no 
correr do ano lectivo, par não lhes sobejar tempo para 
isso. 
Por via de regra, os alunos fazem as suas revisões 
à última da hora, depois de terem feito os exames 
liceais. No entanto as caisas estão melhorando neste 
aspecto ; muitos professores, em regime de salas de 
estudo, estão preparando os alunos naquelas matérias 
em que a deficiência é maior. 
Se desejamos chegar a alguma conclusão definitiva 
sôbre o assunto, creio que deve ser adoptado caminho 
bastante diferente. Por exemplo êste: 
a) Estudo critico dos exercícios realizados nos di-
versos liceus e em diferentes épocas do ano lectivo, 
para poder analisar todo o programa. 
b) Inquérito junto, de professores e alunos sôbre se 
«nos liceus, é mais difícil realizar o exame em condi-
ções de aprovação ou ser admitido a êle ?» 
c) Estudo crítico do comportamento dos alunos in-
ternos, nos exames, em comparação com os alunos 
externos. 
d) Estudo comparativo dos resultados obtidos pelos 
alunos internos de todos os liceus nos exames de 
aptidão. 
Procedendo desta maneira, creio que será possível 
esperar esta conclusão : No liceu, nem tudo está bem, 
mas, as coisas não estão tão mal como o artigo do 
Sr. Dr. Bento Caraça pode sugerir. Ao lado dos liceus 
de Sá da Bandeira e João de Deus enfileiram, com 
honras iguais, muitos outros — para não dizer todos. 
A L G U M A S C O N S I D E R A Ç Õ E S 
por António dos Santos Almeida 
Na «Gazeta de Matemática» n.° 17, de Novembro de 
1943, apresenta o Professor Dr. Bento de Jesus Caraça 
um artigo subordinado ao título «Algumas reflexões 
sôbre os exames de aptidão». 
Nesse artigo diz-se que as considerações feitas são 
baseadas nos resultados dos exames de aptidão ao 
Instituto Superior de Ciências Económicas e Finan-
ceiras, e, por deles ee tratar é que tomo a liberdade 
10 G A Z E T A D E MATEMÁTICA 
de usar da faculdade que é conferida no referido tra-
balho para apresentar algumas sugestões e conclusões, 
parte delas resultantes do corpo daquele artigo, e ou-
tras da experiência. 
Pretende o Prof. Bento Caraça provar que o ensino 
da matemática nos cursos médios (liceu e ensino técnico) 
contém «qualquer coisa que não está certo», e que os 
alunos provenientes do ensino técnico médio dão uma 
maior percentagem de reprovações nos exames de 
aptidão ao L S. C. E . F . do que aquilo que seria de 
esperar, dado o facto de se tratar de cursos especiali-
zados. 
Não vou fornecer dados estatísticos calculados ma-
tematicamente, mas apenas apresentar factos verifi-
cados. 
1 — Quando pretende demonstrar que o ensino té-
cnico médio fornece resultados desoladores nos exames 
de aptidão, o Prof. Bento Caraça apresenta-nos alguns 
exemplos de respostas dadas naqueles exames, indi-
cando entre parêntesis a procedência dos candidatos. 
Poderia à primeira vista supor-se que estas respos-
tas disparatadas foram dadas por candidatos do en-
sino técnico, pelo menos na sua maioria. Mas não. 
De nove dessas respostas citadas como exemplos justifi-
cativos,sete são de candidatos provenientes do Liceu. 
Ora isto, como é óbvio, não justifica a conclusão a 
que o Prof. Bento Caraça chegou. 
2 — Mas não fiquemos por aqui. Há mais e muito 
importante. 
Se fizermos um estudo comparativo dos programas 
de matemáticas dos liceus e ensino técnico com o do 
exame de aptidão chegaremos a uma conclusão que 
poderá fornecer-nos elementos orientadores, elementos 
estes que podem resumir-se em poucas palavras, mas 
que não dispensam a elas um ainda que pequeno 
comentário : «Os programas dos exames de aptidão 
estão organizados num nível superior aos dos liceus e 
ensino técnico médio». 
Efectivamente assim é. Mas poderá dizer-se" que 
aquêle programa contém as noções consideradas in-
dispensáveis ao ingresso no L S. C. E . F . 
Encaremos agora a questão doutra forma. 
O I. S. C. E . F . não é exclusivamente uma escola 
superior de matemáticas (embora nos seus cursos este-
jam incluídas quatro cadeiras de matemática) por isso 
que já existe de há muitos anos a licenciatura em 
matemáticas nas Faculdades de Ciências. Se partirmos 
desta verdade e verificarmos que no I. S. C. E . F . 
existem quatro secções, das quais apenas duas inse-
rem matemáticas, que a função a desempenhar pelos 
seus diplomados é essencialmente económica e que a 
preparação dos actuários (que são em número dimi-
nuto) poderia ficar adstricta à licenciatura em mate-
máticas, concluiremos que o desenvolvimento e a im-
portância atribuídos àquelas cadeiras no I. S. C. E . F . 
são errados. 
A partirmos desta conclusão, que não é apenas pes-
soal, chegaremos a uma outra, idêntica : «que a exi-
gência tal como existe para os exames de aptidão é 
também desmedida» (isto sem contar com a diferença 
de nível dos programas acima citada). 
Mas prossigamos, analisando as provas dos exames 
de aptidão. 
3 — Diz o Prof. Bento Caraça que se nota na maio-
ria dos candidatos um completo alheamento pela vero-
similhança dos resultados dos problemas propostos. 
Como poderão os candidatos revestir-se de calma 
necessária para analisar o problema, se lhes são apre-
sentados seis pontos, dos quais pelo menos três são 
charadas, e ainda que dêstes êle terá que resolver 
quatro (entre os quais está incluída uma charada como 
obrigatória) e tudo no reduzido espaço de tempo de 
duas horas ? 
Evidentemente que esta pregunta poderá ter duas 
respostas : ou que o tempo é pouco para prestação da 
prova, ou que os pontos são inadequados ao fim em 
vista. 
Pois a mim afigura-se-me que ambas as respostas 
são apropriadas, porque não só devemos contar com a 
preocupação do candidato em prestar uma prova que 
lhe permita ser admitido, como também devemos con-
cordar que não é ocasião propícia para resolver cha-
radas, demais a mais com tempo mareado para apre-
sentar uma solução, que se exige seja exacta. 
Prossigamos ainda. 
4 — A questão tal como foi apresentada envolve 
ainda os resultados obtidos nos preparatórios sob dois 
aspectos : 
1. " — porque se o candidato, obteve aprovação no 
exame liceal ou no ensino técnico médio, a qual lhe é 
dada só quando o aluno demonstrou ter cumprido o 
respectivo programa, vem mais uma vez provar que o 
do exame de aptidão se encontra num nível superior ; 
2. ° — porque a lei não diz que para a classificação 
dos pontos dos exames de aptidão sejam tomados em 
consideração os resultados obtidos nos preparatórios, 
mas que das duas provas prestadas seja considerada 
a melhor. 
Certamente se poderá dizer quanto ao primeiro 
aspecto da questão, haver alunos que, vindos de qual-
quer das procedências (liceu e ensino técnico), obtêm 
aprovação. Mas a isto respondo eu informando o 
Prof. Bento Caraça que, para prestar prova de mate-
mática no exame de aptidão, é necessário que o can-
didato se prepare durante um ano, só ou com um ex-
plicador (quando a sua situação financeira o permita) 
num programa diferente daquele que estudou. 
G A Z E T A D E MATEMÁTICA 11 
5. — Apresentados os pontos capitais, resta-me para 
finalizar, fazer uma consideração de carácter pedagó-
gico, visto que aquêle artigo também abordou esta 
questão. 
O Prof. Bento Caraça faz uma apreciação sôbre as 
condições pedagógicas dos professores do ensino mé-
dio, mas não se lembra que nas suas aulas deu no 
prazo de um mês (o que corresponde a 12 lições) o 
primeiro volume das suas «Lições de Algebra e 
Análise». 
N O T A 
Publicaram-se na íntegra as respostas ao nosso ar-
tigo do n.° 17 da «Gazeta». Se é verdade que o debate 
não foi tão largo como desejávamos (alguns pontos 
ficaram ainda no escuro) a verdade é que foram le-
vantadas algumas questões de grande importância 
cujo estudo aprofundado pode ser do maior interêsse. 
No próximo número farei um resumo das opiniões 
dadas e das questões levantadas e darei sôbre algumas 
a minha opinião. 
Mas há uma das respostas — a do sr. António dos 
Santos Almeida — a que quero fazer referência desde 
já, para não ter depois que me ocupar dela ao lado 
das outras. A meu ver, poderia esta ter sido uma das 
interessantes e das mais importantes se o seu autor, 
em vez de se colocar no ponto de vista polémico do 
ataque pessoal, tivesse preferido dar-nos objectiva-
mente o ponto de vista de um candidato (se erro con-
siderando o sr. Santos Almeida como um candidato, é 
o tom da sua carta que me leva a êsse êrro). O desejo 
do ataque pessoal obscureceu completamente aos olhos 
do sr. Santos Almeida as verdadeiras perspectivas da 
questão, levando-o a fazer um amontoado de inexacti-
dões e injustiças que vai desde a afirmação de que 
«os programas dos exames de aptidão estão organiza-
dos num nível superior aos dos liceus e ensino técnico 
médio» (tôda a gente sabe que não existe programa 
dos exames de aptidão e que êstes são feitos sôbre a 
matéria do liceu, exclusivamente) até à afirmação fi-
nal do seu artigo que é ridiculamente falsa e só pode 
ser feita por quem de todo ignore aquilo de que fala. 
Isto passando pela apreciação pitoresca das chara-
das. Evidentemente que o grau charadistico duma 
questão depende daquele que tem de a apreciar... e, 
para um analfabeto, uma página da Cartilha Maternal 
é sem dúvida uma charada... 
Há uma parte do artigo do sr. Santos Almeida que 
tem à primeira vista um ar mais sério — aquela em 
que discute o papel e extensão da cultura matemática 
numa Escola Superior de Economia. Infelizmente, os 
seus argumentos, que estariam bem nos tempos da 
economia lírica, estão agora atrazados de algumas de-
zenas de anos. E é, afinal, esta a parte mais desola-
dora do seu artigo. Porque se tivéssemos de julgar, 
por êste exemplo, da mentalidade da nossa juventude 
estudantil perderíamos a esperança de ter de deixar 
andar eternamente na cauda de tudo quanto se diz, faz 
e pensa no resto do mundo. 
Bento Caraça 
CONSELHOS AOS ESTUDANTES DE MATEMÁTICA 
C o n s e l h o s aos Estudantes da Secção de Matemática e Física da Escola Politécnica Federal de Zur ich (>> 
A. Estrutura e objectivo final dos estudos. 
O plano de estudos da secção I X da E . T. H é orga-
nizado de modo que permite por intermédio da dura-
ção mínima de 8 semestres de estudo exigidos pelo 
seu regulamento — uma formação tão universal quanto 
possível em Matemática e Física. Só nos dois primei-
rot semestres (para alguns cursos também no 3." semes-
tre) o ensino dos estudantes da nossa secção é comum 
ao dos engenheiros ; daí por diante desenvolve-se com 
inteira independência. O pêso principal do estudo 
poderá dirigir-se ou para a Matemática ou então para 
a Física. 
A finalidade de estudo è a aquisição do diploma em 
Matemática ou Física (com indicação particular sôbre 
a capacidade para o ensino nas escolas superiores), o 
qual pela sua validade federal e pela amplidão das 
suas bases permite o recrutamento do seu possuidor 
em todo o território da federação e no estrangeiro. 
O exame de diploma, a propósito do qual aconselha-
mos a leitura do «regulamento de diploma», é dife-
rente para os candidatos das direcções matemática e 
física ; êle nãose estende só a ambos os ramos prin-
cipais, mas requere ainda demonstração de conheci-
mentos num outro ramo que poderá, dentro de várias 
(1) A nossa correspondente em ZUrich Maria do Pilar 
Ribeiro enviou á Comissão Pedagógica da Sociedade Por-
tuguesa de Matemática a presente tradução que a «Gazeta 
de Matemática» apresenta desde já aos seus leitores. 
12 G A Z E T A D E MATEMÁTICA 
possibilidades, ser livremente escolhido pelo candidato. 
Aqueles estudantes que queiram dedicar-se ao profes-
sorado recomenda-se que adquiram, com base num 
exame especial, indicações sôbre a sua formação e 
capacidade pedagógicas. 
B. C o n s e l h o s garais sôbre o estudo. 
1. Matemática. A dificuldade principal do estudo da 
Matemática reside em que a compreensão perfeita das 
verdades matemáticas pressupõe uma capacidade de 
abstracção em alto grau. É desaconselhável o estudo, 
àqueles que não possam assimilar com uma certa faci-
lidade as lições, transformando-as em intuições claras 
e em conceitos puros e exâctos. De resto, o estudo 
desenvolve com o hábito resta capacidade até ao grau 
necessário ; e por isto não se pode começar pelos fun-
damentos, últimos, da Matemática mas sim pelo meio. 
Quando, a partir daqui, se erige o edifício da ciência, 
é sempre necessário ao mesmo tempo, assentar mais 
profundamente as bases. Em ambas as direcções o 
aluno prosseguirá a sua tarefa. 
Uma outra separação, não menos necessária, é entre 
o conhecimento especial dos problemas particulares 
concretos e sua solução até ao resultado numérico, 
por um lado, e as intuições gerais e idéias por outro 
lado. Os novos pontos de vista gerais, progressivos, 
encontram-se em Matemática, sempre em relação com 
problemas concretos ; sem relação com os resultados 
particulares em que se confirmam eles são esquemas 
vazios. E por outro lado o conhecimento especial é 
matéria morta, quande êle se não liga a um todo uni-
ficado. 
Durante todo o estudo controla-se, por meio da apli-
cação de teoremas de matemática a exemplos e pela 
resolução de problemas, se se apreendeu completamente 
o conteúdo. Só quem é por si próprio capaz, pode ver-
dadeiramente compreender o que os outros tenham dito : 
não se pode deixar difundir dentro de_nós um conteúdo 
espiritual duma maneira puramente passiva. Para nos 
movermos livremente no mundo do pensamento mate-
mático é indispensável o domínio da técnica do cál-
culo ; os primeiros semestres do estudo são os mais 
favoráveis, para exercitarem fundamentalmente nisto. 
Todavia tome-se cautela perante as aplicações maqui-
nalmente realizadas ; em cada caso deve o uso das 
fórmulas ser acompanhado da clara recordação do seu 
significado ! 
O aluno não espere que se lhe ofereça nas lições 
tôda a espécie de conhecimentos necessárias à sua 
cultura. A palavra falada é precisamente apropriadada 
para implantar novas idéias no espírito do ouvinte e 
levá-las, aí, a um sucessivo desenvolvimento ; os livros 
dão a exposição sistemática fechada. O manejamento 
da literatura matemática é, por isto uma parte muito 
importante do estudo. Para esta parte do estudo ser-
vem a rica biblioteca da E. T. H., a sala de leitura e 
a biblioteca do seminário. Também quanto à leitura 
são a meditação pessoal e a execução (executar só 
cálculos e construções com significado) indispensáveis 
a uma receptividade frutífera. Na leitura, fará bem o 
estudante, principalmente nos primeiros semestres, em 
se deixar aconselhar pelos professores ; êles diligencia-
rão também auxiliá-lo nas suas dificuldades. Porém o 
estudante não peça que a cada passo lhe desembara-
cem o caminho ; o êrro e a sua ultrapassagem por 
esforço próprio é mais útil do que a verdade aceite 
sem custo. 
O serviço" de ensino, orientado pelos professores, 
traduz-se em lições, exercícios e seminários. Enquanto 
que as lições proporcionam o assunto do ensino, ser-
vem os exercícios nos graus mais elevados (aproxima-
damente a partir do 5.° semestre) e o seminário ao 
fomento da actividade científica própria. Pôr-se-ão 
problemas e dar-se-ão indicações para a descoberta 
própria dos mais simples resultados matemáticos. Ou 
procuram-se memórias originais para conferências 
àcêrca das quais o estudante dá notícia ; aqui devem 
pôr-se em relêvo, a partir do revestimento das fórmu-
las, a substância, as idéias fundamentais, a estrutura 
dos conceitos e demonstrações matemáticas. Dos 
assuntos tratados no seminário resultam, em regra, os 
temas dos trabalhos de diploma. 
2. Física. 
3. Ramos afins. A matemática e a física estão em 
estreita conexão com outros domínios da ciência ; pelo 
menos num dêles deve o estudante familiarizar-se teó-
rica e pràticamente. Em primeiro lugar aparece a 
Astronomia como de igual importância para os mate-
máticos e para os físicos (visto que as escolas médias 
os encarregam ordinàriamente do ensino da Astrono-
mia). A mecânica superior, estreitamente entrelaçada 
com os domínios clássicos e modernos da Matemática 
e da Física, tem sempre interesse para ambas as 
direcções. A análise prática conduz a seguir as idéias 
matemáticas até aos métodos numéricos mais seguros 
e mais cómodos e é de importância na técnica. A ma-
temática de seguros e ao cálcido das probabilidades, que 
facilitam o caminho para uma profissão prática, não 
deixarão os alunos da nossa secção de procura dedi-
car-se. As aplicações da física ramificam-se profun-
damente dentro da técnica ; um domínio muito tratado 
é o da técnica de alta frequência. A química interessa 
directamente ao físico, visto que os novos desenvolvi-
mentos da física trouxeram consigo um contacto cada 
vez mais amplo, mesmo uma compenetração da quí-
mica e da física. A mineralogia geral é de importância 
para os físicos em face da significação dos cristais, 
G A Z E T A D E MATEMÁTICA 13 
para a estrutura da matéria e para obtenção e verifica-
ço das suas leis elementares ; para o matemático é 
ela o exemplo duma morfologia dominada pelo ponto 
de vista da teoria dos grupos. A geodosia é um dos 
ramos mais importantes da matemática aplicada. In-
dependentemente dos ramos à escolha devia o estu-
dante duma escola superior técnica tomar a peito 
conhecer as aplicações técnicas junto dos colegas da 
secção de engenharia. De maior significação prática 
tornou-se hoje a física técnica, cujo estudo contém 
importantes possibilidades. Ele é realizado no E . T. H. 
no Instituto de Fisica Técnica e sua secção para inves-
tigação industrial, onde também existem possibilida-
des de manifestação para os jovens físicos. A todos é 
de aconselhar a participação regular num curso peda-
gògico-prático (lições e exercícios) ; os semestres mé-
dios de estudo são para isso os mais cómodos. Os 
grandes problemas do conhecimento que a matemática 
e a física propõem, constituem para os trabalhadores 
nestas ciências a passagem natural para a filosofia. 
"Finalmente abrem-se aos estudantes da E . T. H. na 
«secção dos cursos livres» lições e exercícios de todos 
os domínios do conhecimento. Contudo, não deve o 
estudante sobrecarregar o seu plano de estudos e deve 
reservar tempo para o estudo próprio. 
C. O programa normal de estudos. 
No que respeita a lições e exercícios distinguem-se: 
I. As lições introdutórias e a prática para princi-
piantes que ocupam aproximadamente os três primei-
ros semestres. São fundamentalmente constituídas por: 
Calculo diferencial e integral. Mediante pequenas 
lições de introdução à teoria das funções, destinadas 
em primeiro lugar, aos estudantes da nossa secção, 
deve dar-se ao rigor dos conceitos o lugar que 
êle tem nos fundamentos, mas naturalmente de modo 
que estas lições basilares, indicadas também para os 
engenheiros, não fiquem demasiadamente pesadas. 
As lições de mecânica por um lado, de f isica geral 
por outro lado constituem o fundamento para o estudo 
das ciências exactas. Um instrumento matemático 
indispensável à física é a análise vectorial, que os 
estudantes devem aprender, particularmente nas lições 
sôbre geometria descriptivae vectorial e aplicações da 
matemática. 
As geometrias descriptiva, vectorial, analítica e pro-
jectiva constituem a introdução ao estudo da geome-
tria superior. O último dêstes cursos pode ser pôsto 
de lado pelos físicos, não porém o de geometria ana-
litica no qual se encontra em primeiro lugar a álgebra 
linear e quadrática. Em lugar da geometria projectiva 
há, para os físicos, uma lição de introdução à quí-
mica. .. . - - - . 1 
II. O corpo de lições a manter regularmente em que 
são expostas teorias matemáticas e físicas clássicas 
fundamentais e, em primeiro lugar : 
a) na direcção matemática : 
Algebra e teoria dos números. 
Teoria das funções. 
Teoria das superficies (geometria infinitesimal). 
A teoria das funções complexas é o núcleo de tôda 
a análise ; ela ensina-se em regra em duas partes. 
b) na direcção da física : 
Estas lições principais constituem um ciclo de 4 se-
mestres. 
III. As lições especiais com conteúdo variável, que 
sai fora das necessidades indispensáveis às apliçações; 
a sua escolha é livre, de maneira que o estudante dei-
xar-se-á guiar pelo seu interêsse pessoal. O corpo das 
lições constitue, em geral, aquilo que se pressupõe 
conhecido para a compreensão das lições especiais 
correspondentes. Indicam-se alguns assuntos princi-
pais de tais lições : 
a) na direcção matemática : 
Equações diferenciais, capítulos especiais sôbre 
funções analíticas de uma ou de mais variáveis, teo-
ria dos grupos (teoria de Galois), corpos de números 
algébricos, teoria analítica dos números, cálculo das 
variações, teoria do potencial, desenvolvimento em 
série e condições nos limites em física matemática, 
séries de Fourier, equações integrais, curvas e super-
fícies algébricas, geometria n-dimensional, represen-
tação conforme, axiomática da geometria, geometria 
não euclideana, topologia, teoria dos conjuntos. 
b) na direcção da física : 
IV. Práticas. 
V. Lições c práticas dos cursos à escolha (lições espe-
ciais entre parêntesis) : 
ASTRONOMIA — lições : astronomia geral, prática 
de astronomia, em especial a determinação das coor-
denadas geográficas, introdução à astrofísica, (deter-
minação das órbitas dos corpos celestes, capítulos 
especiais de astrofísica) ; prática : exercícios sôbre 
observações astronómicas (no semestre de verão) e 
cálculos astronómicos (no semestre de inverno). i 
MECÂNICA SUPERIOR— l i ções : capítulos escolhidos 
de mecânica, de conteúdo variável, (domínio da di-
nâmica [mecânica III] , mecânica analítica, mecânica 
celeste, lições avançadas de resistência de materiais, 
hidrodinâmica) ; prática : exercícios e seminário de 
mecânica. 
ANÁLISE P R Á T I C A — lições : métodos gráficos, instru-
mentos matemáticos e máquinas de calcular, nomogra-
fia, métodos numéricos ; prática—ligada com as lições. 
MATEMÁTICA DE SEGUROS E CÁLCULO T>AS PROBABILIDA-
D E S — lições: cálculo das probabilidades (com comple-
14 G A Z E T A D E MATEMÁTICA 
mentos ou capítulos especiais), matemática de seguros jectiva, sua formulação sintética e analítica. Geome-
com introdução e capítulos especiais, teoria do risco ; tria infinitesimal (curvas planas e torsas, teoria da 
prática—ligada com as lições, seminário de matemá- curvatura das superfícies, geometria sôbre uma super-
tica de seguros, repetições. ficie) ; axiomática, geometria não euclideana. 
TÉCNICA DE A L T A FREQUÊNCIA. b) Na física : 
QUÍMICA : 
• * * ' • ' E . Promoções. —Sociedades científicas. 
MINERALOGIA GERAL : 
Raramente as circunstâncias de vida ambiente per-
GEODESIA — lições —técnica de medições, cálculo mitirão a um jóvem dedicar-se exclusivamente à inves-
tie compensações pelo método dos mínimos quadrados; tigação científica ; na maior parte das vezes quererão 
práticas—exercícios de medições. voltar ao estudo por inclinação própria, por força do 
" _ . . . . ensino ou por outra necessidade de ordem prática. 
D. Ob|ect ivo do ensino. . . . . . ' , * u * J • 
!>iao obstante, deve, quem tenha tocado em materia 
a) Na matemática pura : o que os estudantes da di- p a r a w m trabalho científico próprio, desejar concluir 
recção matemática, sôbre quaisquer circunstâncias, o s s e u s estudos com a promoção a doutor. Junto da 
deverão atingir, pode resumir-se, pouco mais ou menos, E . T. H. oferece-se aos licenciados a possibilidade 
como segue : desta conclusão, com os numerosos lugares de assis-
(Análise). Compreensão da edificação do domínio tentes. Uma possibilidade semelhante oferecem as 
numérico, em particular das grandezas irracionais e colocações provisórias nas escolas de cantão suíças 
imaginárias, assim como dos fundamentos rigorosos ou os lugares de professor auxiliar nas escolas médias 
da análise. Noções fundamentais do cálculo diferencial cie Zurich. 
e integral ; domínio técnico do cálculo. Teoria das As oportunidades para a continuidade da orientação 
funções duma variável complexa, sua relação com a científica encontram-se nas sociedades científicas, 
teoria do potencial e com as tranformações conformes. Ao lado do colóquio de física há também (não indi-
Os métodos especiais mais simples de integração no cado no programa) um colóquio de matemática. 
domínio das equações diferenciais e construção geral A Sociedade Física de Zurich mantém regularmente 
das soluções (teoremas de existência.) secções nas quais os estudantes têm entrada livre. 
(Algebra). Teoria da divisibilidade no domínio dos Outras sociedades científicas são : 
números inteiros e das funções inteiras. Funções simé- A Sociedade Suiça de Matemática ; 
tricas com aplicações à resolução algébrica das equa- A Sociedade Suiça de Física ; 
ções. Conceitos fundamentais da teoria dos grupos e A União Suiça de Matemática de Seguros ; 
da teoria dos corpos algébricos. Teoria das congruên- A União dos Professores de Matemática SUÍÇOS ; 
cias incluindo a lei da reciprocidade quadrática. -4* Sociedades Suiça e Cantonais de Ciências Natu-
(Geometria). Compreensão completa da relação entre rais ; 
a geometria por um lado, a álgebra e a análise por A União Suiça dos Professores do Liceu. 
outro lado, por intermédio da noção de coordenadas, Todas estas sociedades acolhem prontamente os 
assim como dos grupos de transformações mais impor- jovens que se interessam pelos seus objectivos. Os es-
tantes, nomeadamente o métrico, o afim, o projectivo, tudantes dos semestres superiores fazem bem em visi-
o da geometria conforme e o da analisis situs. Os mé- tar estas sociedades, ainda por ocasião das suas rett-
todos mais importantes de transformações geométricas. niões anuais e exposições científicas, para receberem 
Fórmulas fundamentais da geometria analítica eucli- incitações e travar conhecimento pessoal com os indi-
deana. Conhecimento da edificação da geometria pro- víduos das profissões a que se destinam. 
T E M A S D E E S T U D O 
LÓGICA MATEMÁTICA —INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 
por Bernardino Barros Machado 
Em 1847 publicou-se em Cambridge «The Mathe- método» a partir «da linguagem simbólica do Cál-
matical Analysis of Logic» do inglês George Boole. culo» e «fazer do próprio método a base dum método 
Seguiu-se-lhe, «An Investigation of the Laws of geral para a aplicação da doutrina matemática das 
Thought», London, 1854. Boole pretendia nestes livros probabilidades». 
«estabelecer a ciência da Lógica e construir o seu A aplicação da Matemática à Lógica no intento de 
GAZETA DE M A T E M Á T I C A 15 
formar uma Álgebra ou Estructura da Lógica em que 
os resultados conhecidos e porventura outros novos 
que proviessem até mesmo só da exactidão que assim 
se conseguia, aparecessem como fórmulas matemáticas 
foi continuada por C. S. Peirce (1880), «On the alge-
bra of logic», «Am. Jour», 3, 15-57 ; (1884), «On the 
algebra of logic», ibid., 7, 180-202 ; E. Schroder 
(1890-5), «Álgebra der Logik, 3 vols., Leipzig, e outros 
que adiante citaremos. 
Tentava-se a construção dum sistema formal deduc-
•tivo que abarcasse os processos e métodos lógicos 
mudáveis e vagamente definidos que eram utilizadosnas ciências. Uma parte mais simples desta tarefa foi 
a composição das proposições para formar outras no-
vas proposições cuja verdade ou falsidade dependia 
apenas da verdade ou falsidade das proposições com-
ponentes. Formou-se o «Cálculo das Proposições»-
Entre os trabalhos modernos sobre esta parte da Ló-
gica sobressai o de Jan Lukasiewicz e Alfred Tarski 
(1930), Untersuchungen ueber den Aussagenkalkuel 
«C. r. Soe. Sei. Lett. Varsovie», Classe I I I , vol. 23, 
pp. 30-50. Os processos de composição de proposições 
por negação, disjunção, conjunção e implicação foram 
todos reduzidos a um línieo : a negação conjunta, 
«nem-nem» por Sheffer. 
As proposições chamadas universais como «todos 
os homens são mortais» e outras como «alguns homens 
são loiros» exigiam um formalismo doutra espécie 
que correspondesse ao uso das palavras «todos» e 
«alguns». Criou-se para isso a quantificação e foi-se 
formando o «Cálculo das Funções Proposicionais» ou 
«Cálculo dos Predicados» com ligação estreita com a 
teoria dos conjuntos, já que um predicado podia ser-
vir para definir um conjunto ou classe : a daqueles 
elementos a que êle pudesse ser atribuído. A quanti-
ficação consiste em colocar uma das variáveis que 
aparecem na proposição, entre parêntesis antes dela, 
assinalando assim que a proposição permanece válida 
qualquer que seja o elemento por que se substitua essa 
variável. Se i representa o predicado «é branco» $ (a) 
significa «a é branco» e (x) i (x) «x é branco qual-
quer que seja x». 
Gottíob Frege, Richard Dedekind e Giuseppe Peano 
(vejam-se os trabalhos citados no final) dedicaram-se 
ao estudo dos fundamentos da Aritmética, e foi a 
partir das suas contribuições nesse campo que pôde 
ser formulada a tese de que a Aritmética era reducti-
vel à Lógica. Consiste esta reducção em que, por de-
finições adequadas em teoria das classes — que é uma 
parte do Cálculo dos Predicados — se conseguiria 
construir a noção de número natural. (Veja-se Ber-
trand Russell (1938), «The Principles of Mathematics», 
2." ed., New York). 
Modernamente, com os trabalhos de Johann non Neu-
mann, (1925), Eine Axiomatisierung der Mengenlehre, 
«Jour. f. d. reine und angew. Math.,» vol. 154, pp. 219-
-240 ; — (1927), Zur Hilbertschen Beweistheorie, «Math. 
Zeitschr.», vol. 26, pp. 1-46) parece possível construir 
a Aritmética elementar a partir de um sistema de 
proposições primitivas que definam axiomàticamente 
as funções proposicionais necessárias em teoria dos 
conjuntos. Como depois de Dedekind e George Cantor 
os números reais podem eonstruir-se logicamente a 
partir dos números naturais, a Matemática viria deste 
modo a consistir no estudo de algumas fórmulas espe-
ciais do Cálculo dos Predicados : aquelas que consti-
tuíam a axiomática da teoria dos conjuntos. Algumas 
proposições ou sistemas de proposições não primitivas 
da teoria dos conjuntos axiomatizada poderiam mere-
cer atenção especial : seria o caso das proposições 
referentes aos conjuntos ordenados, cujos estudo axio-
mático seria o objecto da Teoria das Estructuras. 
Outras teorias da mesma categoria seriam a Topologia 
Geral e a Algebra Abstracta. Dentro destas novamente 
haveria sistemas de proposições capazes de ser objecto 
dum estudo axiomático. 
Em todo o estudo lógico é pressuposta a noção de 
verdade. A sua definição é feita numa outra ciência, 
a Semântica, que trata das relações do formal com o 
real. Veja-se a éste respeito : A. Tarski (1936), Der 
Wahrheitsbegriff in den formalisierten Sprachen, «Stu-
dia Phil.» ; vol. I , (pp. 261-405). Verifica-se que preci-
samente na teoria dos conjuntos e também na teoria 
dos números, uma proposição pode ser verdadeira e 
contudo não se poder demonstrar a partir das propo-
sições primitivas nem ela, nem a sua negação. Veja-se 
Kurt Goedel, Ueber formal unentscheidbare Saetze der 
«Principia Mathematica und verwandter Système I , 
Monatsh. fuer Math. u. Phys., vol. 38 (1931), pp. 173-
-198 e Thoralf Skolem (1941), Sur la portée du théo-
rème de Loewenheim-Skolem, in «Les Entretiens de 
Zurich sur les Fondements et la Méthode des Sciences 
Mathématiques», (Zurich). Chama-se então ao sistema 
de. proposições em questão incompleto. 
Como se vê a Lógica inclui não somente as propo-
sições formalmente verdadeiras, mas também propo-
sições àcêrea delas, ou proposições sintáticas. Estas 
devem igualmente ser formuladas numa linguagem 
simbólica ou formalismo que pode ser o mesmo das 
primeiras ou outro diferente. No livro de David IJil-
bert e Paul Bernays, (1934-1940), «Grundlagen der 
Mathematik», zwei Baender, Berlin, as proposições 
sintáticas são expressas na linguagem vulgar, enquanto 
que no livro de W. V. Quine, «Matliematical Logic», 
1940, New York, se usa para elas um formalismo 
próprio. 
É a Lógica Matemática um domínio de investiga-
16 GAZETA DE MATEMÁTICA 
ção em activa formação. Porque não se vê em Portu-
ga] como em alguns países do mundo lançar-se os 
matemáticos novos a trabalhar nêle, parece-me.opor-
tuno dar estas indicações esquemáticas aos leitores da 
«Gazeta» no intuito de despertar talvez nalgum deles 
o interesse por tal assunto e guiá-lo nas primeiras 
leituras. 
Como livros de iniciação cite-se aqui : 
Max Black, «The Nature of Mathematics», (A cri-
ticai survey), London, Kegan Paul. 
Bertrand Russel, «Tlie Principles of Mathematics)^ 
já citado. 
Para um conhecimento mais profundo do assunto 
servem os livros de Hilbert-Bernays e Quine citados 
acima. 
Pelo seu interêsse histórico cite-se : 
Gottlob Frege, «Grundgesetze der Aritmetik», vol. 1 
(1893), vol. 2 (1903), Jena. 
Richard Dedekind, Was sind und was sollen die 
Zahlen ?» 4.» ed. Brunschwig (1918). 
Giuseppe Peano, «Formulaire de Mathématiques», 
Introduction (1894) ; vol. 1. (1895) ; vol. 2. (1897-9) 
Turin ; vol. 3 (1901) Paris ; vol. 4 (1902-3) ; vol. 5 
(1905-8) Turin. 
A N T O L O G I A 
O V A L O R S O C I A L DA I N V E S T I G A Ç Ã O CIENTÍFICA 
por Ruy Lois Gomes 
(palestra lida ao microfone de Rádio 
Todos temos ouvido falar de grandes sábios e das 
suas descobertas, algumas como a Teoria da Relati-
vidade acessíveis exclusivamente àqueles que possuem 
uma cultura altamente especializada, outras como 
o cinema, a radiodifusão, o avião, etc., que pela sua 
enorme importância prática e ampla utilização são 
hoje familiares a toda a gente. 
Mas todas estas descobertas, embora andem quási 
sempre associadas ao nome de um matemático, um 
físico, um químico, um biólogo, etc., não surgiram 
assim prontas e acabadas, na forma por que as u t i l i -
zamos e delas beneficiamos, de uni único cérebro, por 
uma intuïçâo genial, dom superior que só a raros 
é dado possuir. Se as analisarmos bem, se percorrermos 
cada uma das étapas fundamentais do seu desenvol-
vimento, desde uma primeira sugestão ou simples 
analogia, até à última fase, a da sua industrialização 
em termos de ser colocada ao alcance de todos nós, 
então, verificamos que nesse processo colaboraram 
efectivamente, embora nem sempre se apercebam disso, 
numerosos investigadores—experimentadores com uma 
formação técnica altamente diferenciada, professores 
operários, simples amadores — numa palavra, todo 
um mundo de indivíduos que pela sua viva curiosi-
dade, forte poder de imaginação, grande habilidade 
manual de inquebrantável tenacidade contribuíram 
com alguma coisa de positivo para aumentar o patri-
mónio científico da humanidade. 
Assim, cada descoberta, longe de ser obra de um só, 
pressupõe, nos diferentes momentos da sua gestação 
— trabalho de équipe, conjugação de esforços, sentido 
de solidariedade, subordinação a um plano de con-
junto — . E, pelo seu alcance prático, pela sua pro-
jecção sobre a vida de cada um de nós, redunda sempre 
Club Lusitânia em 6 de Maio de 1944) 
num enriquecimento das nossas próprias possibilidades 
de luta pela existência : condicionada pelo meio am-
biente em que se realizou é mais tarde um poderoso 
factor da sua própria transformação. 
Uma descoberta é pois uma obra colectiva

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