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GAZETA M A T E M Á T I C A JORNAL DOS C O N C O R R E N T E S AO EXAME D E APTIDÃO E DOS E S T U D A N T E S D E MATEMÁTICA DAS E S C O L A S S U P E R I O R E S ANO V N . ° 1 9 MAIO-1944 S U M Á R I O Os teoremas de Netto e de Liiroth e o conceito de dimensão, por J. A tbuquergae A s t r o n o m i a Irregularidades do movimento de rotação da Terra, por António Perestrello Botelhetro Pedagogia Sôbre o treino de estudo dos nossos professores, por Hugo B. Ribeiro Sôbre o ensino da matemática no curso liceal, por António Augusto Lopes Algumas considerações, por António tios Santos Almeida Nota, por Bento Caraça Conselhos aos estudantes da Escola Politécnica Federal de Zflrich T e m a s de E s t u d o ' Lógica matemática —Indicações bibliográficas, por Bernardino Barros Machado Antologia O valor social da investigação científica, por Run Luis Gomes Movimento M a t e m á t i c o Movimento matemático espanhol —Centro de Estudos Matemáticos Aplicados à Economia—Junta de Investigação Matemática, etc. M a t e m á t i c a s E l e m e n t a r e s Pontos de exames de aptidão às Escolas Superiores M a t e m á t i c a s S u p e r i o r e s Pontos de exames de frequência Problemas propostos — Boletim Bibliográfico, etc. N Ú M E R O A V U L S O : E S C . 6 $ 5 0 DEPOSITÁRIO: LIVRARIA SÁ DA COSTA / RUA GARRETT, 100-102 / LISBOA G A Z E T A D E M A T E M Á T I C A EDITOR E PROPRIETÁRIO J. da Silva Paulo ADMINISTRADOR Orlando M. Rodrigues TESOUREIRO J. de Oliveira Campos R E D A C Ç Ã O Redactor principal Manuel Zaluar RESPONSÁVEIS DE SECÇÕES : PEDAGOGIA ASTRONOMIA ESTATÍSTICA MATEMÁTICA Sento J . Caraça Manuel Peres Júnior W . L Stevens MATEMÁTICAS ELEMENTARES António A. Lopes, J . Calado, J . J . R o d r i g u e s d o s S a n t o s , MATEMÁTICAS SUPERIORES PROBLEAAAS J . da Silva Paulo A . Pereira Gomes, L. G. Albu- querque A, Ferreira de Macedo, M. Alen- quer OUTROS COMPONENTES : EM LISBOA PORTO BARCELONA CAMBRIDGE MADRID ROMA ZURICH A. Monteiro, F. Carvalho Araújo, G . Lami, J . Remy Freire-, Luís Passos, R. Quaresma Rosa. A. Almeida Costa, J . Rios de Sousa, L. Neves Real, Ruy Luís Gomes Francisco Sanvtsens J . Delgado d'Olîveira Sixto Rios Garcia J . Ribeiro de Albuquerque, J .Se- bast ião e Silva, V, Barroso A. Sá da Costa, Hugo B. Ribeiro, Maria do Pilar Ribeiro C O O P E R A D O R E S : A. Silva Gonçalves, Altino Branco, Álvaro Santos, A. Marques de Carvalho, F. Dias Agudo, G. d'Olîveira Campos, J. A. Barreira, J. Marujo Lopes CORRESPONDÊNCIA PARA .Manuel Zaluar— Rua Serpa Pinto, 17, 4 . 0 esq. — Lisboa PUBLICAÇÕES D A J U N T A DE I N V E S T I G A Ç Ã O M A T E M Á T I C A CADERNOS DE ANÁLISE GERAL : 1 — TOPOLOGIA GERAL — 1 - Espaços de Sierpinski —por António Monteiro 2 — TEORIA GERAL DA MEDIDA — l - Introdução —por Laureano Barros 3 eé — ÁLGEBRA MODERNA t e 2-Grupos por José Morgado e A. Almeida Costa 5 — TEORIA GERAL DA MEDIDA - 2-Medida à Jordan —por Laureano Barros 6'— TOPOLOGIA GERAL —2-Espaços aeetsiveis de Frenkel —por António Monteiro 7 — TOPOLOGIA GERAL — 3- Funções continua* —por A. Pereira Gomes S — ÁLGEBRA MODERNA —3- Anéis — por José Gaspar Teixeira 0 — TOPOLOGIA GERAL — 4- Relativização — por Maria Helena Ferreira Pedidos de assinatura dos Cadernos a: Dr. José Q. Teixeira —Centro de Est . Matemáticos — Faculdade de Ciências — Pôrto PUBLICAÇÕES D O C E N T R O DE E S T U D O S M A T E M Á T I C O S (I. A . C.) L I S B O A TRABALHOS DO SEMINÁRIO DE ANÁLISE GERAL (7940-47)-100$00, (1942-43)-35$00 C o m p o s i ç ã o e impressão t Sociedade Industrial de Tipografia, Limitada - Rua Almirante Pessanha, 3 e 5 (ao Carmo) - Lisboa A N O V - N . ° i 9 GAZETA DE MATEMÁTICA M A I O . I 9 4 4 R E D A C T O R P R I N C I P A L : Aí. Zaluar • E D I T O R : / . da Silva Paulo m A D M I N I S T R A D O R : O. M. Rodrigues Composto e impresso na Sociedade Industriel de Tipografia, Rua Almirante Pessanha, 5 (ao Carmo), Lisboa O s teoremas de Neiïo e de Luroth e o conce/7o de dimensão por J. Albuquerque (bolseiro em Roma do I, A. C . ) A história de um conceito começa sem dúvida quando èsse conceito é apenas uma noção intuitiva ; as cau- sas da formação dessa noção, os objectos ou os fenó- menos naturais que a originaram, o modo como nasceu 6 tomou corpo, a maneira como resistiu a possíveis esquecimentos e como passou a fazer parte de um pa- trimónio, as relações desde então sempre moventes com os conceitos e noções que já existiam, são sem dúvida a prèistória do conceito, quási sempre miste- riosa para nós homens de hoje. A história de um conceito é necessária porque è conhecendo-a que o homem pode voluntariamente enri- quecê-la e até certo ponto orientá-la, sendo e não sendo escravo dessa história. A história de um conceito é necessária sobre tudo ao investigador porque tentará adivinhar as leis da evolução dêsse conceito e tentará aplicá-las nos seus esforços de generalização e criação. Infelizmente para cada conceito falta fazer a res- pectiva história. Não é numa conferência ou num artigo que se pode fazer a história de um conceito, geralmente longa e susceptível de preencher o programa de um curso uni- versitário. Se vamos aqui falar do conceito de dimensão de um espaço, é apenas para em linhas muito largas dizer- mos qualquer coisa da sua evolução para finalmente nos fixarmos nos teoremas deiVeítoe de Liiroth e cha- mar a atenção dos leitores da «Gazeta de Matemática» para um dos problemas mais interessantes das mate- máticas modernas. A noção intuïtiva de número de dimensões de um espaço durante muito tempo esteve apoiada nas se- guintes considerações : sobre a recta só se podem me- dir comprimentos, e portanto a recta tem uma dimensão; no plano podem fazer-se medições de comprimentos o larguras, e portanto o plano tem duas dimensões ; no espaço euclideano podem fazer-se medições de com- primentos larguras e alturas, e então o espaço eucli- deano tem três dimensões. Aos segmentos, áreas planas e volumes eram tam- bém atribuídas respectivamente, uma, duas e três dimensões. Certamente que uma noção intuïtiva como esta, dava ocasião a grandes discussões filosóficas, alta- mente apreciadas pelos contemporâneos mas absoluta- mente improductivas. Os matemáticos não procuravam aprofundar esta noção e evitavam falar nela. Descartes introduzindo as coordenadas veio criar a possibilidade de uma modificação, e essa modificação deu-se, aparecendo uma primeira definição de número de dimensões de um espaço : o número de dimensões de um espaço era precisamente o número 1, 2 ou 3 de coordenadas necessárias para definir a posição de um ponto do espaço. Em seguida os físicos alargaram a noção de número de dimensões com a necessidade de considerar siste- mas em que os pontos não só dependiam das coorde- nadas que lhes fixavam a posição no espaço, mas ainda de outras grandezas físicas tais como o tempo, a pressão ou a temperatura. A posição do ponto era pois determinada por valores das coordenadas e por valores de grandezas físicas ; o elemento do sistema era determinado pelos valores de certos parâmetros numéricos e tais parâmetros perdiam o caracter de uma distância, que as coordenadas tinham, e eram apenas índices numéricos, podendo cada parâmetro ser substituído por uma função dêsse parâmetro. Chegámos assim a uma segunda definição de número de dimensões de um espaço : o número de dimensões de um espaço era então o número de parâmetros ne- cessário e suficiente para determinar a posição de um ponto do espaço. 2 Vê-se que a noção de número de dimensões de um espaço sofria uma evolução e passava a uma fase maia larga, acompanhando umá evolução paralela da noção de espaço. A confiança dos matemáticos nesta segunda defini- ção era ilimitada e durante anos se manteve até ser abalada por uma sacudidela brutal dada por um ma- temático de génio. A descoberta fundamental de Georg Cantor estabe-lecendo uma correspondência biunívoca entre os pon- tos de um quadrado e os pontos de um segmento, en- tre os pontos de um plano e os pontos de uma recta, vinha deitar por terra sem piedade aquela definição. A genial obra de Cantor está perfeitamente enqua- drada numa época em que os filósofos revolucionaram o mundo, quebrando como vidro conceitos milenários, criando novas leis do pensamento que lhes permitiram evidenciar- a fragilidade das coisas estabelecidas. E Cantor teve contra si a massa reaccionária dos ma- temáticos seus contemporâneos. Uma correspondência biunívoca entre dois conjun- tos é uma lei que a cada elemento de um dos dois con- juntos faz corresponder um e um só elemento do outro, e inversamente. Então poderia determinar-se a posi- ção de um ponto M do plano pela posição do ponto m da recta que se lhe fazia corresponder. A posição do ponto M do plano era determinada por um só parâ- metro, a abscissa do ponto m correspondente. A intuição levava a conceder ao plano uma nobresa superior à da recta, e a correspondência de Cantor negava essa nobresa, nivelando de um modo brutal os dois espaços. E era de aceitar como um facto um tal nivelamento. Mas se a conclusão que Cantor impunha, tinha o mérito de destruir o que na intuição impedia um pro- gresso, tal conclusão destruía igualmente tudo o que na mesma intuição poderia levar a ultrapassá-la. Era necessário abandonar a segunda definição e substituí-la por uma outra que a contivesse e que simultaneamente tomasse em consideração a observa- ção de Cantor. Notou-se então que na correspondência biunívoca entre o plano e a recta, se um ponto de um dêles va- riasse com regularidade em relação à organização topológica do conjunto, o outro ponto que lhe corres- pondia não respeitava a topologia do seu espaço e «entregava-se a uma dança louca» executando um movimento formado de saltos bruscos e sem conti- nuidade. A noção de continuidade vinha assim facilitar a síntese, conciliando a nossa intuição, as aspirações secretas da nossa estructura de matemáticos, com a fria, desumana, mas justa e precisa observação de Cantor. Neto (1899) demonstra que é impossível estabelecer uma correspondência biunívoca e bicontínua entre os pontos de um quadrado e os pontos de um segmento. Luroth (1907) demonstra que é impossível estabe- lecer uma correspondência biunívoca e bicontínua entre os pontos do plano e os pontos da recta, entre os pontos do espaço e os pontos do plano. O conceito de dimensão entra numa nova fase e a sua história num período áureo. Conceito e história atravessaram uma crise, crise bela, e é no auge das crises quando tudo parece subver- ter-se, que nos devemos encher de esperança e olhar a própria crise como uma força tremenda de pro- gresso. Os resultados de Netto e de Liiroth domonstravam que o número de dimensões de uni espaço, respondendo à nossa intuição que criava uma diferença fundamen- tal entre o plano e a recta, não podia ser definido considerando somente os espaços como cáos de pontos. Punha-se em relevo o caracter topológico dessa noção. Em 1909-1910, Fréchet daya a sua definição de tipo de dimensão : são do mesmo «tipo de dimensão» todos os conjuntos entre os quais é possível estabelecer uma correspondência biunívoca e bicontínua. Os tipos de dimensão de Frécltet dispõem-se numa escala simplesmente ordenada e contínua; há portanto espaços que não têm um tipo de dimensão inteiro, nem mesmo racional. A definição de Fréchet não satis- faz plenamente a intuição. 0 mesmo sucede à teoria de Hausdorff (1918) ba- seada sôbre a noção de medida de um conjunto. Em 1912, Poincaré indicou uma via para a solução do problema, explorada quási imediatamente por Drouwer, Menger e Urysohn. A definição de Poincaré consiste em permitir passar de um modo topológico de n para re + 1 dimensões, e daria somente dimen- sões inteiras aproximando-se assim muito da intuição. Em seguimento destas idéias e já nos nossos dias, estão os resultados das escolas polaca (Janizewski, etc.) e francesa (Doidigand, Ky Fan, etc.). 1 Mas de facto o conceito de dimensão é de natureza topológica ? Evidentemente que a definição de número de dimensões não pode considerar os espaços como simples colecções de pontos. jMas não bastará consi- derá-los ordenados, como uma ordem simples ou com uma ordem dupla ? E neste sentido que a escola americana (Birkhoff) tenta hoje uma solução do problema estudando siste- temàticamente os sistemas ordenados e as estructuras. O problema tem mais do que nunca uma extraordi- nária importância e depois de tão grande impulso como o que sofreu de Cantor perdeu muito da sua velocidade e parece esperar hoje uma nova crise, que G A Z E T A D E MATEMÁTICA 3 llie virá talvez da física, e que é para desejar seja terrível e fecunda. Na base de tôdas estas tentativas de resolução en- contram-se com notável relevo os teoremas de Netto o iJirotk ; vamos dar dêstes teoremas uma «demonstra- ção livre», isto é, uma demonstração que expurgámos de noções estranhas e de complicações inúteis. Quando tal se faz a uma demonstração tornam-se salientes aa verdadeiras razões do facto a demonstrar. Uma correspondência biunívoca entre dois conjun- tos, como anteriormente dissemos, é uma lei que a cada ponto x de E faz corresponder um ponto / (x) de F de tal modo que se x\ e Xi são pontos distintos de E os correspondentes / (xi) e / (xj) são distintos ; e inversamente, a cada ponto y de F faz corresponder f"1 (y) em E de tal modo que para yi yz se tem f - ' (2 / i )* f - ' (^ ) . Temos pois uma transformação / do conjunto E no conjunto F e uma transformação inversa que pode ser representada por f~l e que transforma F em E . Se os conjuntos E e F estivessem mergulhados em espaços topológicos ou fossem espaços, cada ponto dêstes conjuntos teria as suas vizinhanças e então poderíamos falar de transformações contínuas ou cor- respondências contínuas. Uma transformação / como a anterior será contínua no ponto x do conjunto E se para cada visinhança V[(X) do ponto / (x) existe uma vizinhança Vx de x tal que : f(Vx)czVf(x). A transformação / é contínua em E ou simplesmente contínua se fôr contínua em cada ponto de E. Se a transformação f~l é também contínua então a trans- formação / diz-se bicontínua. Uma correspondência biunívoca e bicontínua é uma transformação / unívoca e contínua de E em F tal que a sua inversa / _ 1 é também unívoca o contínua. Poincare' em 1895 chamou homeomorfismos às trans- formações biunívocas e bicontínuas ; estas transfor- mações formam um grupo. A topologia ou analysis situs estuda as proprieda- des dos conjuntos que permanecem invariantes quando se executam homeomorfismos. A designação de analysis situs é de Poincaré, e a designação de topologia é de Listing (1847). Demonstremos agora o teorema de Netto. Teorema de Netto. Um quadrado não pode ser ftomeo- morfo a um segme ito. Demonstremos por absurdo. Tomemos um qua- drado Q e um segmento S e suponhamos que existe uma correspondência / unívoca e contínua de Q em S tal que / _ 1 é também unívoca e contínua. Seja (a, b) um segmento de pontos do quadrado Q, que podemos supôr todo formado com pontos interio- res ao quadrado o que é possível e permitirá tirar dêste teorema um corolário importante. A correspondência / dá-nos em particular uma cor- respondência biunívoca e bicontínua entre o segmento (a, b) e um certo conjunto de 8 de que conhecemos já dois pontos : os transformados / (a) e f (b) . Vamos demostrar antes de mais nada que o intervalo (a, b) è transformado por / n o segmento [/(a) ,/(b)] • Seja com efeito p um ponto de [/(a),/(b)] e supo- nhamos que nenhum ponto de (a , b) se transforma em p. Representemos por E o conjunto dos pontos de (a,6) cujos transformados caem em [f(a),p] • Representemos por F o conjunto dos pontos de (a, 6) cujos transformados caem em [p,/(f>)]. Fàcilmente se vê que: E + F=(a ,b) e que E •F=0, isto é, os conjuntos E e F são disjuntos e retinidos dão o segmento (a , b) . Tomemos um ponto x de F, portanto com / (x) em [p ;/(*)] sendo por hipótese f(x)j=p. \ Como / é contínua, a cada visinhança Vt l x ) de / (x) corresponde uma visinhança Vx de x, cujos pontos são todos transformados em pontos de V f l x ) . Isto basta para provar que existe uma Vx sem pontos de E e este resultado é verdadeiro para todo o x de F. Então o conjunto F não tem pontos de acumulação do conjunto E, e do mesmo modo se demonstraria que E não tem pontos de acumulação de F, o que é impossível porque E-t-F^é o segmento (a, b) . De- monstrou-se assim.que o transformado do segmento (a , b) é um segmento. Se tomarmos agora um outro ponto c do quadrado Q fora do segmento (a, 6) , e que. podemos também supor interior ao quadrado, os três segmentos (a , é) , (6 , c) e (c , a) , lados de um triângulo, tranformam-se emsegmentos [/(a),/(b)], [/(b),/(c)], [/(c),/(a)] formando um triângulo «achatado» do segmento S, onde encontramos um ponto pertencendo simultânea- mente a dois lados do triângulo achatado e que será o transformado de dois pontos distintos do quadrado Q facto em contradição com a biunivocidade de / . Uma transformação biunívoca e bicontínua entre os pontos do quadrado e do segmento conduz sempre a esta contradição e por isso não existe, c. q. d. Antes de tirar do teorema o corolário que anun- ciamos, vejamos uma consequência imediata e impor- tante do teorema. Um conjunto plano homeomor/o a um segmento não pode ter pontos interiores. Esta consequência é real- mente imediata porque se pode considerar o segmento como o transformado do conjunto plano pelo homeo- morfismo, e se o conjunto plano tivesse um ponto in- G A Z E T A D E MATEMÁTICA terior conteria também um quadrado, visto que uma das famílias admissíveis de visinhanças de um ponto do plano é a família dos quadrados, por exemplo, cen- trados no ponto. Chama-se arco simples de Jordan a um conjunto homeomorfo a um segmento finito, e por- tanto o arco simples de Jordan não tem pontos inte- riores. Notemos agora que o facto de se poder tomar o triângulo de vértices a , b , c , da demonstração do teorema com todos os pontos dos seus três lados inte- riores ao quadrado, permite enunciar imediatamente o seguinte corolário : Corolár io . O conjunto dos pontos interiores a um quadrado não pode ser homeomorfo ao conjunto dos pon- tos interiores a um segmento. O mesmo raciocínio do teorema, marcha com efeito sem obstáculos até ao fim, demonstrando-nos assim o corolário. Com este corolário demonstraremos o teorema de Luroth de que se pode dar o seguinte enunciado : Teorema de Luroth. Não pode existir um homeomo r- fismo entre o plano e a recta. Com efeito, o conjunto dos pontos interiores a um quadrado é homeomorfo ao plano, e o conjunto dos pontos interiores a um segmento é homeomorfo à recta. Então se o plano e a recta fossem homeomorfos tam- bém o seriam os interiores de um quadrado e de um segmento, o que contradiz o corolário, c. q. d. Luroth demonstrou ainda que não pode existir um homeomorfismo entre o espaço euclideano e o plano. A demonstração deste segundo teorema de Luroth é uma generalização da anterior e deixamo-la como exercício aos nossos leitores. Roma, 24 de Março de 1944. A S T R O N O M I A IRREGULARIDADES D O MOVIMENTO DE ROTAÇÃO DA TERRA por António Pereslrello Botelheiro A noção do tempo é uma das que mais têm preo- cupado o espírito humano. Em constante evolução, a idéia de tempo tem sofrido através das idades duras vicissitudes e sôbre ela se têm escrito, e continuam a escrever, dezenas de livros. Cada filósofo, desde Heraclito, apresenta uma noção nova e o aspecto que oferece o confronto das idéias expendidas é, por vezes, bastante confuso. Assim, por exemplo, enquanto Kant sustenta a existência subjec- tiva do tempo, Spencer julga-o inconcebível quer objectiva quer subjectivamente considerado. Ao astrónomo não é, sem dúvida, indiferente êste debate em que opiniões tão curiosas se entrechocam, e sôbre as quais o bem conhecido quid est ergo tempus ? de Santo Agostinho paira possivelmente ainda. . . No entanto, o astrónomo não intervém nas discus- sões sôbre a «essência», sôbre a «natureza íntima» do tempo ; como diz Eddington, qualquer que possa ser a natureza do tempo de jure, o tempo do astró- nomo é o tempo de facto. Na verdade êle sabe que pode medir intervalos de tempo e ao aperfeiçoamento dessa medida dedica o melhor do seu esforço, convicto de que procedendo desta maneira novos e interessan- tíssimos horizontes se vão abrindo à ciência, simultâ- neamente no campo especulativo e no campo da apli- cação. O «padrão» de medida de intervalos de tempo, há muito adoptado, é o movimento de rotação da Terra. Entre as qualidades essenciais a que deve obedecer um bom padrão sobressai a da «permanência» : obe- decerá o nosso relógio fundamental a esta caracterís- tica indispensável para que as suas indicações nos possam merecer confiança ? Creio ter sido em 1752 que a não permanência do nosso padrão de tempo foi pela primeira vez abordada. A Academia das Ciências de Berlim, presidida nessa época pelo francês Maupertuis, instituiu um prémio para galardoar o melhor trabalho que lhe fosse apre- sentado em resposta às seguintes preguntas : — Teve ou não o movimento de rotação da Terra sempre a mesma velocidade ? — Que meios existem para o comprovar ? — No caso de se descobrir alguma irregularidade, qual seria a sua causa ? Entre os trabalhos recebidos pela Academia da Berlim em resposta aos quesitos formulados figurava um no qual, com extraordinária intuição, era apre- sentado pela primeira vez o atrito das marés oceâni- cas como causa retardadora do movimento de rotação da Terra : assinava-o Kant. O prémio foi atribuído ao trabalho apresentado pelo matemático italiano Paulo F r i s i . . . Anos e anos decorreram sem que o problema fôsse retomado e só a espaços uma ou outra voz se levan- tava — como que receosa de fazer desabar o grande G A Z E T A D E MATEMÁTICA 5 edifício tão laboriosamente arquitectado, tal o res- peito que infundia a «permanência» dos nosso padrão de tempo. E só um século depois de Kant ter apresentado, sem bases experimentais qua a apoiassem, aquilo a que êle chamou uma «história natural» do céu que Robert Mayer ataca de novo o problema tanto tempo ador- mecido. A questão começa a interessar os astrónomos e os trabalhos sobre este tema vão-se sucedendo agora : o assunto é tratado sucessivamente por Ferrei, Croll, Delaunay, Adams, Thomson, Darwin. . . Mercê de tais cultores a teoria evoluciona incessan- temente e atinge nos primeiros anos dêste século, com Simon Newcomb, um extraordinário brilho, .lá não restam dúvidas de que o comprimento do dia está continuamente aumentando por efeito do atrito das marés oceânicas ! A técnica das observações aperfeiçoa-se, entretanto» cada vez mais ; o erro médio de uma determinação de tempo diminui de forma contínua desde o século xvi. Assim, êste êrro que era, no período áureo dos descobrimentos portugueses, de dois minutos é hoje de cerca de doze mil vezes menor, isto é, inferior a uma centésima de segundo. O atraso do movimento de rotação da Terra devido ao atrito das marés é apenas de um milésimo de se- gundo por século. Pequeno, embora, êste atrazo en- volve um grande dispêndio de energia. Um cálculo simples mostra que a energia dissipada em calor é de l ,5xl0' 9 ergs por segundo, ou sejam mais de dois mil milhões de cavalos-vapor ! As medidas efectuadas directamente no sentido de so avaliar a quantidade de energia dissipada pelas marés nas costas e no fundo dos mares, apesar de incompletas e do seu carácter necessariamente gros- seiro, forneceram o número l , l x l 0 1 9 ergs por segundo que concorda bem com aquêle que a teoria indica. E interessante notar que enquanto nos mares pro- fundos é relativamentepequena a dissipação de ener- gia ela é muito elevada nos mares fechados e de pouca profundidade, como o mar do Norte, a Man- cha, etc. Cêrca de dois terços do número encontrado são devidos a um único mar — o de Bering — onde a dissipação de energia é muito forte. Como as marés oceânicas são um fenómeno regular e constante a perturbação que elas trazem ao movi- mento de rotação da Terra não teria, se fôsse única, importância de maior : uma fórmula simples nos daria a correcção devida ao atraso do nosso relógio funda- mental. Mas o problema é mais complicado e tem sido, com frequência, posto de uma forma pouco nítida mesmo em trabalhos de responsabilidade. De facto, além do atraso constante originado pelo atrito das marés oceânicas o movimento de rotação da Terra está sujeito a outras perturbações, a irregu- laridades imprevisíveis, de causa ainda desconhecida, «saltos» na marcha semelhantes àquêles que são ine- rentes às melhores pêndulas construídas pelo homem. Foi a comparação entre as observações das posições dos astros e aquelas que a teoria lhes assinalava que revelou a existência destas irregularidades. Na reali- dade, a observação mostrava ora um avanço ora um atraso sobre a teoria ; como isto sucedia para todos os astros e duma quantidade proporcional ao respectivo movimento médio na órbita, só uma explicação havia que satisfizesse, salvando ao mesmo tempo o edifício da Mecânica Celeste — a variação do «padrão» de medida. A importância excepcional do assunto foi magis- tralmente posta em relevo por William Brown, o grande impulsionador dêste estudo e «um dos gigan- tes da Astronomia», como lhe chamou um seu biógrafo. Para a Lua se voltaram então as atenções gerais, pois é a Lua o astro que é dotado do maior movi- mento' médio diário (13°,2) e aquêle que, por êsse mo- tivo, nos pode dar uma maior precisão. A sua teoria, o problema mais difícil de toda a Mecânica Celeste, foi levada por Brown a um grau de perfeição nunca dantes atingido e dificilmente ultra- passável. Para dar uma idéia, embora ligeira, do seu gigantesco trabalho basta dizer que nas tabelas por êle elaboradas, tabelas que nos dão a posição do nosso satélite em qualquer data com a aproximação de um centésimo de segundo, cêrca de mil e quinhentas per- turbações foram calculadas. (Hansen, nas suas tábuas da Lua, tinha considerado apenas trinta perturbações). No Observatório de Yale começaram, sob a direcção de Brown, a sta" retinidas e discutidas todas as obser- vações da Lua que podem contribuir para o esclare- cimento do problema : entre estas ocupam lugar' de destaque as observações de ocultações de estrêlas, pois nelas não intervêm os erros instrumentais. O Observa- tório da Tapada inclui, desde 1938, no seu plano de trabalhos o estudo das irregularidades do movimento de rotação da Terra ; desde aquela data que êle con- tribui com as suas observações de ocultações para a campanha internacional, e esta colaboração tem neste momento um especial interesse pois a grande maioria dos observatórios europeus está impossibilitada de trabalhar no mesmo sentido. Graças ao clima, as observações da Tapada ultra- passam já em número as de qualquer outro observa- tório ; sobre a sua qualidade só diremos que nunca nenhuma observação deixou de ser aproveitada pelo organismo que superintende internacionalmente no assunto. 6 G A Z E T A D E MATEMÁTICA No quadro abaixo é dado um resumo dos resultados obtidos (em correcções à longitude tabular da Lua) em comparação com os valores determinados pelo ser- viço internacional : Tapada S. I. 1938 2",09 1",88 1939 1",32 1",34 1940 . 0",96 0",92 1941 0",93 — 1942 0",24 — 1943 0",20 — Kmbora continue a servir para as necessidades da geodesia e da navegação, o nosso padrão de medida de tempo, durante tantos séculos julgado permanente, deixou de merecer confiança aos astrónomos. Já hoje êle não é empregado no cálculo rigoroso dos eclipses totais do Sol, no estudo das estrelas duplas espectroscópicas e das variáveis de curto período. Qual a causa destas irregularidades do nosso padrão de tempo ? Haverá possibilidade de o substituirmos por outro mais rigoroso ? A resposta a estas preguntas é de capital impor- tância para a Astronomia ; num outro artigo apre- sentaremos a nossa opinião, numa tentativa para o esclarecimento do problema. P E D A G O G I A SOBRE O TREINO DE ESTUDO DOS NOSSOS PROFESSORES por Hugo B. Ribeiro (bolseiro em Ziirich do I. A. C.) No seu artigo «Algumas reflexões sobre os exames de aptidão» («Gazeta de Matemática», n.° 17) o prof. Bento Caraça indica-nos resultados dos exames de aptidão na sua escola que podem fornecer elementos para o estudo da coordenação entre os nossos ensinos, secundário e superior, de Matemática. Em conclusão, sublinha como as insuficiências dos candidatos a estes exames revelam falta de espírito crítico e automatismo e apela para um longo debate sôbre esta questão que aenvolve muito profundamente o interesse nacional»- Muitos dos nossos professores considerarão, natural- mente, como um simples dever profissional o contri- buírem com a sua experiência para se esclarecer, nesta oportunidade, origens e remédios de tais deficiências e, especialmente, para se averiguar da extensão delàs. Mas as experiências dos estudantes interessam tam- bém no debate. Por isto nos resolvemos a indicar o que segue, com o que não pretendemos senão subli- nhar observações oportunas, algumas das quais, já re- petidamente foram feitas, mesmo neste jornal <". 1. Falta de espírito crítico e automatismo em Mate- mática, aparecem naturalmente juntos e significam ignorância e inconsciência da ignorância, aí, onde o conhecimento não se tem sem exercício aturado da faculdade crítica e com o puro automatismo (talvez porque na utilização, com êxito, dos resultados mate- máticos êsse predicado do conhecimento em geral in- tervém a cada passo). O mal colectivo diagnosticado não resultará, decerto, de deficiências fisiológicas a manifestarem-se em determinadas gerações : mas as suas causas, nem todas novas, residem num meio social <>) Leia-se, por exemplo, o artigo de António Monteiro «O prémio nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira», Gazeta de Matemática», n." 15. propício, e parece que se manifestam entre nós, neste momento, mais agudamente. Não podemos espe- rar que todas essas causas se conheçam e facilmente possam resolver-se para actuarmos de uma forma pro- gressiva : é também na medida em que soubermos encarar os problemas singulares e, nestes, as causas singulares, que tomamos consciência das relações de interdependência entre estas, que nos fortalecemos para apressarmos a construção de novas relações e, finalmente, da solução aceitável. Isolaremos, aqui, uma, entre as causas próximas, que provavelmente é deci- siva : i Não será normal, entre nós, a impreparação matemática dos que ensinam e se destinam a ensinar. «Matemática ? w E , se assim é, £ não resulta já, esta normal falta de treino de estudo dos nossos professo- res, de que só excepcionalmente a Matemática terá sido considerada, entre nós, como um objecto, próprio, independente, de estudo ? 0 que estas interrogações significam, aqui, é o que rapidamente procuramos explicar no que segue. 2. Na hipótese mais favorável, o nosso, comum, pro- fessor de Matemática tem, depois da preparação mate- Não se põem aqui em questão os esforços individuais dos nossos professores de matemática no sentido da ele- vação do nivel da sua preparação profissional ; trata-se so- mente da qualidade de treino que é exigida para a sua pro- fissão. A Sociedade Portuguesa de Matemática, e especial- mente o prof. Bento Caraça, tem procurado reunir informa- ções sôbre a preparação exigida no estrangeiro aos profes- sores de matemática das escolas secundárias. Só agora podem enviar-se à S. P. M. alguns dados, com ês te fim, relativos à Suiça. Publlcar-se-ão provavelmente na «Gazeta de Matemática»; e estão em inteiroacõrdo com as impres- s õ e s que deixamos nêste artigo. G A Z E T A D E MATEMÁTICA 7 mática que o liceu lhe fornece (preparação compatível com os resultados daqueles exames de aptidão) um treino de estudo numa licenciatura em Ciências Mate- máticas (para o ensino^io liceu requerem-se, ainda, determinadas leituras**%)ráticas de natureza pedagó- gica). Examinando agora, só globalmente, a estrutura da licenciatura em Ciências Matemáticas (que cons- titui ainda os nossos estudos oficiais de nível mais elevado) somos levados a concluir que o' objecto do estudo é, aí, constituído por certos capítulos da Física clássica e certas técnicas, precisamente : a Mecânica e, especialmente, a Mecânica Celeste, a Astronomia, a Geodesia e o Cálculo das Probabilidades (com os objectivos especiais da Teoria dos erros e da Técnica dos seguros). Com efeito; estes capítulos especiais de aplicações da Matemática formam os escalões da estru- tura que deverão abordar-se indispensàvelmente e em último lugar ; e as noções propriamente matemáticas e certas técnicas gerais de Cálculo (Análise, Geome- tria) adquirem-se previamente (ao mesmo tempo que as de Desenho, as de Física e as de Química) com uma — natural relativamente a tal estrutura — fre- quente preocupação dominante, a daqueles escalões finais. Por outro lado, o estudo da Matemática, pro- priamente, ocupa (e assim orientado) aproximada- mente metade do tempo escolar, os seminários mate- máticos são inexistentes,, não fazem parte do plano de estudos, ao passo que trabalhos próprios e de grupo no domínio das aplicações são, por vezes, fomentados. Encarámos a hipótese mais favorável. O caso dos professores do ensino técnico é ainda mais expressivo: frequentemente preparam-se êsses com o expresso objectivo de se exercitarem em técnicas especiais» adquirindo, para isso, noções matemáticas e técnicas gerais e especiais de Cálculo. Normalmente, são, para cies, mais reduzidos ainda o tempo de estudo e o do- mínio dos capítulos abordados em Matemática'3'. Parece, pois, que os nossos professores de Materna- Uca não estudam, normalmente, Matemática senão na medida em que esta Ciência tem que ver directamente com certas aplicações especiais, certas técnicas, das quais se pode dizer, embora grosseiramente, que não interessam à sua profissão. (Nos liceus normais tam- bém não é a Matemática, repetimos, mas a técnica do ensino da Matemática elementar, o objecto das preo- cupações do futuro professor). 3. Como se sabe, a linha geral do desenvolvimento da Matemática é naturalmente traçada pela do desen- <3< No ponto de vista da preparação normal dos professo- res nâo se percebe que. como sublinha o prof. Caraça, haja qualquer coisa não certa quando se constata que a percen- tagem de reprovações de candidatos do ensino técnico seja, em matemática, superior à dos candidatos do ensino liceal. volvimento social e, mais directamente e frequente- mente, a partir das solicitações das técnicas e das ciências a que se aplica de uma forma imediata. Êsie facto e o de que a matemática é por sua vez origem de novos problemas e novas soluções no domínio des- tas mesmas ciências e técnicas não se contradizem. A matemática é, assim, considerada, tanto quanto isso é possível, um objecto de estudo isolado, independente. E onde ela assim não for considerada, em primeiro lugar, não só terá o seu desenvolvimento próprio en- travado mas ainda limitada a su3 aplicabilidade, diminuída a sua qualidade de reveladora da falta do espírito crítico e do automatismo, etc. Os estudos matemáticos, mesmo os, aparentemente e momentânea- mente, mais afastadas das aplicações ensinam-nos ainda (isto é posto em relevo com muita felicidade por Eckmann na sua lição sôbre a «idéia de dimen- são») sôbre a realidade que é a nossa própria maneira de pensar. E o conhecimento em Matemática não se adquire sem o exercício continuado do estudo, da re- solução da curiosidade própria pelo esforço próprio, que exigem, se querem ser proveitosos, nm treino longo convenientemente dirigido, inicial. (••) Tudo o que precede legitima agora as seguintes interrogações : j E a Matemática considerada, entre nós, normal- mente, como uma ciência em desenvolvimento, sôbre a qual há que actuar para a conhecer, e que, embora relacionada com outras actividades, tem problemas próprios exigindo um treino especial e aturado não delimitado (e muito menos normal e estritamente deli- mitado) pelas ciências e técnicas que ela serve? ^ Este treino, êstes problemas, são normalmente abordados pelos que hão-de ensiná-los ? Os resultados conhecidos dos exames de aptidão («se se pensar que se trata de pessoas à volta dos 18 anos cujo trabalho foi acompanhado por professo- res durante anos e que se sugeitaram depois com êxito a provas finais de saída. . . »), a estrutura da nossa licenciatura em ciências matemáticas, o desenvolvi- mento da investigação matemática, a mumificação corrente, dos nossos cursos, as nossas bibliotecas ma- temáticas, a história do «Prémio Nacional Doutor Gomes Teixeira», <" etc., etc., respondem negativa- mente àquelas interrogações. Se está, de facto, em causa uma tal oposição entre concepções tão distantes do estudo da Matemática (esta distância - fornecerá uma primeira medida do nosso atraso neste campo) a resolução de tal oposição é um problema primário ; e. sem ela, são ilusórias, por f* Leia-se sôbre isto o artigo de J . Albuquerque - Duas demonstrações dum mesmo facto» na Gazeta de Matemá- tica, n.° 16. S G A Z E T A D E MATEMÁTICA longínquas, as posições da maioria dos outros proble- mas pedagógicos, como os de programas, métodos es- peciais, etc., etc. 0 remédio, para esta causa especial, consistia em, sistemàticamente, fornecer aos futuros e actuais profes- sores uma preparação capaz (complementar para os últimos) com a frequência intensiva de seminários, dos mais diversos níveis, orientados por autênticos estudiosos. Mas parece que não será fácil começar : porque os etudiosos são raros e nem sempre (temos o mais convincente exemplo de que assim é) os que apa- recem encontram no nosso meio apoio suficiente mesmo quando o seu desinteresse, a sua dedicação, o valor do seu exemplo, o sru entusiafemo, ;i sua acção se mostram, nitidamente excepcionais. A nossa habitua! dispersão das ocupações, das energias está em melhor acordo com a idéia, fácil, duma «Matemática» que, simplesmente, serve diversas técnicas rendosas. SOBRE O ENSINO DA MATEMÁTICA N O CURSO LICEAL por António Augusto Lopes (Prof, do Liceu Alexandre Herculano, Porto) 0 artigo publicado pelo Senhor Dr. Bento Caraça • no n.° 17 da «Gazeta de Matemática» sobre os exames de Aptidão não deixa de interessar os professores do Ensino Secundário e, em particular, os dos liceus. Embora caloiro nas coisas do ensino — matéria onde só se deixa de ser novato ao fim de muitos anos — apresento sobre o assunto as seguintes considerações: 1 — Não me parecem de muito interêsse os dados fornecidos pelos Exames de Aptidão para o problema da coordenação do ensino secundário com o superior porque, como pode verificar-se pelos pontos saídos nêsses exames, os actuais programas do ensino liceal, na disciplina de Matemática, contêm tôda a matéria exigida para a entrada nas Universidades. De resto, não deve ser exigida matéria diferente da do ensino liceal. O contrário seria, manifestamente, injusto. Por outro lado, mesmo defendendo a tese de as Universi- dades se destinarem unicamente à aquisição de «cul- tura especial», a situação agravar-se-ia porque, se é certo que a finalidade específica do ensino liceal é dotar os portugueses de uma cultura geral útil para a vida (art. 1.» do dec. 27084 de 14-10-936) — a grande maioria dos alunos que termina o curso liceal pretende ingressar nas Universidades. 2 — A falta de correlação entre o ensino secundário e o superior é manifesta e, pelo que diz respeito ao ensino liceal, resulta de não fazerem parte dospro- gramas algumas matérias essenciais para uma boa iniciação dos cursos superiores. Dessas matérias cito, como as mais requeridas por todos os professores, uma grande parte da Trigonometria Plana, elementos de Geometria Analítica Plana e o estudo elementar das derivadas. A situação torna-se particularmente crítica quando, logo de entrada, os professores universitários expõem as suas lições com base em matérias que os seus novos alunos desconhecem completameute. Por exemplo, na cadeira de Física Geral, professada nas Faculdades de Ciências, desatam a diferenciar e a integrar sem qualquer explicação prévia. Os alunos, pasmados, limitam-se a um simples encolher de om- bros. Bem sei, que a Física Geral, no plano de estu- dos da Faculdade, faz parte do 2.° ano, mas, não é menos verdade que os alunos com destino às Escolas Militares têm que frequentar aquela cadeira no 1." ano. Chegamos, portanto, a esta conclusão : — ou os pro- gramas dos liceus são modificados de modo a incluí- rem as matérias indispensáveis para bem iniciar uni curso superior ou então os cursos universitários são feitos de modo a evitar as anomalias actuais. 3 — Quando o Senhor Dr. Bento Caraça nos indica algumas das desastradas respostas apresentadas nos Exames de Aptidão por alunos vindos do liceu, eu gos- taria que se tivessem empregado antes as palavras alunos com o curso liceal já que êles são, pelo menos, de três origens : alunos internos dos liceus, alunos do ensino particular e alunos individuais. Acrescentarei que os alunos individuais frequentam por conta pró- pria alguma escola particular ou não frequentam ne- nhuma e constituem parte importante da grande massa de alunos que nos exames liceais apresentam respostas ainda mais aterradoras do que as citadas no artigo do Senhor Dr. Bento Caraça. O quadro seguinte é extraído da revista «Liceus de Portugal», boletim da acção educativa do ensino liceal, e apresenta as percentagens das reprovações nos exames de Matemática realizados, em todos os liceus, em três anos consecutivos. Da observação dêste quadro, salta à vista que, nos exames liceais, o comportamento dos alunos internos é notavelmente melhor que o dos alunos externos. O mesmo facto é verificado em todas as outras disci- plinas. A diferença é mesmo muito anormal e não sei que explicação cabal possa ter. Questão de professo- res ? Creio que não. Note-se, contudo, que uma grande G A Z E T A D E MATEMÁTICA 9 parte dos professores do ensino particular não tem a preparação profissional dos professores do liceu e que outra parte é constituída por pessoas para quem umas tantas aulas são maneira de ocupar as horas vagas. Diversidade de métodos ? Talvez, mas, como resultado de uma diferença de finalidades. Infelizmente um grande número de escolas particulares não têm o en- sino por único e primeiro objectivo, coisa que não pode acontecer nos liceus. Ao pôr em evidência a diferença anormal verificada nos exames liceais entre alunos internos e externos ANOS 1 Ciclo II Ciclo III Ciclo/ 7.' ano ANOS Internos Externos Internos Externos Internos Externos 1939-40 9% 23% 19% 45% 18% 44 % 1940-41 18 % 35% 37 % 75 % 43% 69% 1941-42 6% 24% 24 % 62 % 8% 32% * Não indico os resultados de 1942-43 por ainda não terem sido publicados em «Liceus de Portugal.» faço-o com a dupla convicção de que o mesmo deve suceder nos exames de Aptidão e que os factos apon- tados constituem uma das causas do mal muito grave apontado pelo Senhor Dr. Bento Caraça. Um caso in- teressante : — no ano de 1942-43, época de Julho, um rapaz, aluno interno do liceu, concorreu ao exame de Aptidão para três cursos diferentes (Engenharia, E s - colas Militares e Medicina) ; uma sua irmã, já repro- vada no ano anterior, concorreu a Engenharia e Mate- mática ; os resultados deixaram a pequena verdadei- ramente desolada com uma dupla reprovação e o rapaz satisfeitíssimo por ter tido três aprovações. Acrescento que o rapaz foi classificado com 12 valores no exame do 7.° ano e a irmã, aluna do ensino parti- cular, tinha obtido 16. Conclusão : — Entendo que a maioria das reprovações nos exames de Aptidão deve pertencer a alunos do ensino particular. Se alguém me demonstrar o contrário, dou a mão à palmatória. 4 — Finalmente, tomo a liberdade de responder ne- gativamente, no que diz respeito ao ensino nos liceus, à pregunta formulada pelo Senhor Dr. Bento Caraça sôbre se os resultados dos exames de Aptidão permi- tem dizer alguma coisa sôbre o nível do ensino. Res- pondo negativamente porque considero êsses dados insuficientes em número e qualidade. E u digo porquê: nos programas do 7.° ano, se os nossos alunos falham durante o ano em questões como as do exame de Apti- dão, ficam reprovados, se falham no exame final têm sorte idêntica ; no respeitante aos programas dos anos anteriores (principalmente em Trigonometria e Geo- metria) não está na mão dos professores garantir a necessária revisão nem na dos alunos o fazerem-na no correr do ano lectivo, par não lhes sobejar tempo para isso. Por via de regra, os alunos fazem as suas revisões à última da hora, depois de terem feito os exames liceais. No entanto as caisas estão melhorando neste aspecto ; muitos professores, em regime de salas de estudo, estão preparando os alunos naquelas matérias em que a deficiência é maior. Se desejamos chegar a alguma conclusão definitiva sôbre o assunto, creio que deve ser adoptado caminho bastante diferente. Por exemplo êste: a) Estudo critico dos exercícios realizados nos di- versos liceus e em diferentes épocas do ano lectivo, para poder analisar todo o programa. b) Inquérito junto, de professores e alunos sôbre se «nos liceus, é mais difícil realizar o exame em condi- ções de aprovação ou ser admitido a êle ?» c) Estudo crítico do comportamento dos alunos in- ternos, nos exames, em comparação com os alunos externos. d) Estudo comparativo dos resultados obtidos pelos alunos internos de todos os liceus nos exames de aptidão. Procedendo desta maneira, creio que será possível esperar esta conclusão : No liceu, nem tudo está bem, mas, as coisas não estão tão mal como o artigo do Sr. Dr. Bento Caraça pode sugerir. Ao lado dos liceus de Sá da Bandeira e João de Deus enfileiram, com honras iguais, muitos outros — para não dizer todos. A L G U M A S C O N S I D E R A Ç Õ E S por António dos Santos Almeida Na «Gazeta de Matemática» n.° 17, de Novembro de 1943, apresenta o Professor Dr. Bento de Jesus Caraça um artigo subordinado ao título «Algumas reflexões sôbre os exames de aptidão». Nesse artigo diz-se que as considerações feitas são baseadas nos resultados dos exames de aptidão ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Finan- ceiras, e, por deles ee tratar é que tomo a liberdade 10 G A Z E T A D E MATEMÁTICA de usar da faculdade que é conferida no referido tra- balho para apresentar algumas sugestões e conclusões, parte delas resultantes do corpo daquele artigo, e ou- tras da experiência. Pretende o Prof. Bento Caraça provar que o ensino da matemática nos cursos médios (liceu e ensino técnico) contém «qualquer coisa que não está certo», e que os alunos provenientes do ensino técnico médio dão uma maior percentagem de reprovações nos exames de aptidão ao L S. C. E . F . do que aquilo que seria de esperar, dado o facto de se tratar de cursos especiali- zados. Não vou fornecer dados estatísticos calculados ma- tematicamente, mas apenas apresentar factos verifi- cados. 1 — Quando pretende demonstrar que o ensino té- cnico médio fornece resultados desoladores nos exames de aptidão, o Prof. Bento Caraça apresenta-nos alguns exemplos de respostas dadas naqueles exames, indi- cando entre parêntesis a procedência dos candidatos. Poderia à primeira vista supor-se que estas respos- tas disparatadas foram dadas por candidatos do en- sino técnico, pelo menos na sua maioria. Mas não. De nove dessas respostas citadas como exemplos justifi- cativos,sete são de candidatos provenientes do Liceu. Ora isto, como é óbvio, não justifica a conclusão a que o Prof. Bento Caraça chegou. 2 — Mas não fiquemos por aqui. Há mais e muito importante. Se fizermos um estudo comparativo dos programas de matemáticas dos liceus e ensino técnico com o do exame de aptidão chegaremos a uma conclusão que poderá fornecer-nos elementos orientadores, elementos estes que podem resumir-se em poucas palavras, mas que não dispensam a elas um ainda que pequeno comentário : «Os programas dos exames de aptidão estão organizados num nível superior aos dos liceus e ensino técnico médio». Efectivamente assim é. Mas poderá dizer-se" que aquêle programa contém as noções consideradas in- dispensáveis ao ingresso no L S. C. E . F . Encaremos agora a questão doutra forma. O I. S. C. E . F . não é exclusivamente uma escola superior de matemáticas (embora nos seus cursos este- jam incluídas quatro cadeiras de matemática) por isso que já existe de há muitos anos a licenciatura em matemáticas nas Faculdades de Ciências. Se partirmos desta verdade e verificarmos que no I. S. C. E . F . existem quatro secções, das quais apenas duas inse- rem matemáticas, que a função a desempenhar pelos seus diplomados é essencialmente económica e que a preparação dos actuários (que são em número dimi- nuto) poderia ficar adstricta à licenciatura em mate- máticas, concluiremos que o desenvolvimento e a im- portância atribuídos àquelas cadeiras no I. S. C. E . F . são errados. A partirmos desta conclusão, que não é apenas pes- soal, chegaremos a uma outra, idêntica : «que a exi- gência tal como existe para os exames de aptidão é também desmedida» (isto sem contar com a diferença de nível dos programas acima citada). Mas prossigamos, analisando as provas dos exames de aptidão. 3 — Diz o Prof. Bento Caraça que se nota na maio- ria dos candidatos um completo alheamento pela vero- similhança dos resultados dos problemas propostos. Como poderão os candidatos revestir-se de calma necessária para analisar o problema, se lhes são apre- sentados seis pontos, dos quais pelo menos três são charadas, e ainda que dêstes êle terá que resolver quatro (entre os quais está incluída uma charada como obrigatória) e tudo no reduzido espaço de tempo de duas horas ? Evidentemente que esta pregunta poderá ter duas respostas : ou que o tempo é pouco para prestação da prova, ou que os pontos são inadequados ao fim em vista. Pois a mim afigura-se-me que ambas as respostas são apropriadas, porque não só devemos contar com a preocupação do candidato em prestar uma prova que lhe permita ser admitido, como também devemos con- cordar que não é ocasião propícia para resolver cha- radas, demais a mais com tempo mareado para apre- sentar uma solução, que se exige seja exacta. Prossigamos ainda. 4 — A questão tal como foi apresentada envolve ainda os resultados obtidos nos preparatórios sob dois aspectos : 1. " — porque se o candidato, obteve aprovação no exame liceal ou no ensino técnico médio, a qual lhe é dada só quando o aluno demonstrou ter cumprido o respectivo programa, vem mais uma vez provar que o do exame de aptidão se encontra num nível superior ; 2. ° — porque a lei não diz que para a classificação dos pontos dos exames de aptidão sejam tomados em consideração os resultados obtidos nos preparatórios, mas que das duas provas prestadas seja considerada a melhor. Certamente se poderá dizer quanto ao primeiro aspecto da questão, haver alunos que, vindos de qual- quer das procedências (liceu e ensino técnico), obtêm aprovação. Mas a isto respondo eu informando o Prof. Bento Caraça que, para prestar prova de mate- mática no exame de aptidão, é necessário que o can- didato se prepare durante um ano, só ou com um ex- plicador (quando a sua situação financeira o permita) num programa diferente daquele que estudou. G A Z E T A D E MATEMÁTICA 11 5. — Apresentados os pontos capitais, resta-me para finalizar, fazer uma consideração de carácter pedagó- gico, visto que aquêle artigo também abordou esta questão. O Prof. Bento Caraça faz uma apreciação sôbre as condições pedagógicas dos professores do ensino mé- dio, mas não se lembra que nas suas aulas deu no prazo de um mês (o que corresponde a 12 lições) o primeiro volume das suas «Lições de Algebra e Análise». N O T A Publicaram-se na íntegra as respostas ao nosso ar- tigo do n.° 17 da «Gazeta». Se é verdade que o debate não foi tão largo como desejávamos (alguns pontos ficaram ainda no escuro) a verdade é que foram le- vantadas algumas questões de grande importância cujo estudo aprofundado pode ser do maior interêsse. No próximo número farei um resumo das opiniões dadas e das questões levantadas e darei sôbre algumas a minha opinião. Mas há uma das respostas — a do sr. António dos Santos Almeida — a que quero fazer referência desde já, para não ter depois que me ocupar dela ao lado das outras. A meu ver, poderia esta ter sido uma das interessantes e das mais importantes se o seu autor, em vez de se colocar no ponto de vista polémico do ataque pessoal, tivesse preferido dar-nos objectiva- mente o ponto de vista de um candidato (se erro con- siderando o sr. Santos Almeida como um candidato, é o tom da sua carta que me leva a êsse êrro). O desejo do ataque pessoal obscureceu completamente aos olhos do sr. Santos Almeida as verdadeiras perspectivas da questão, levando-o a fazer um amontoado de inexacti- dões e injustiças que vai desde a afirmação de que «os programas dos exames de aptidão estão organiza- dos num nível superior aos dos liceus e ensino técnico médio» (tôda a gente sabe que não existe programa dos exames de aptidão e que êstes são feitos sôbre a matéria do liceu, exclusivamente) até à afirmação fi- nal do seu artigo que é ridiculamente falsa e só pode ser feita por quem de todo ignore aquilo de que fala. Isto passando pela apreciação pitoresca das chara- das. Evidentemente que o grau charadistico duma questão depende daquele que tem de a apreciar... e, para um analfabeto, uma página da Cartilha Maternal é sem dúvida uma charada... Há uma parte do artigo do sr. Santos Almeida que tem à primeira vista um ar mais sério — aquela em que discute o papel e extensão da cultura matemática numa Escola Superior de Economia. Infelizmente, os seus argumentos, que estariam bem nos tempos da economia lírica, estão agora atrazados de algumas de- zenas de anos. E é, afinal, esta a parte mais desola- dora do seu artigo. Porque se tivéssemos de julgar, por êste exemplo, da mentalidade da nossa juventude estudantil perderíamos a esperança de ter de deixar andar eternamente na cauda de tudo quanto se diz, faz e pensa no resto do mundo. Bento Caraça CONSELHOS AOS ESTUDANTES DE MATEMÁTICA C o n s e l h o s aos Estudantes da Secção de Matemática e Física da Escola Politécnica Federal de Zur ich (>> A. Estrutura e objectivo final dos estudos. O plano de estudos da secção I X da E . T. H é orga- nizado de modo que permite por intermédio da dura- ção mínima de 8 semestres de estudo exigidos pelo seu regulamento — uma formação tão universal quanto possível em Matemática e Física. Só nos dois primei- rot semestres (para alguns cursos também no 3." semes- tre) o ensino dos estudantes da nossa secção é comum ao dos engenheiros ; daí por diante desenvolve-se com inteira independência. O pêso principal do estudo poderá dirigir-se ou para a Matemática ou então para a Física. A finalidade de estudo è a aquisição do diploma em Matemática ou Física (com indicação particular sôbre a capacidade para o ensino nas escolas superiores), o qual pela sua validade federal e pela amplidão das suas bases permite o recrutamento do seu possuidor em todo o território da federação e no estrangeiro. O exame de diploma, a propósito do qual aconselha- mos a leitura do «regulamento de diploma», é dife- rente para os candidatos das direcções matemática e física ; êle nãose estende só a ambos os ramos prin- cipais, mas requere ainda demonstração de conheci- mentos num outro ramo que poderá, dentro de várias (1) A nossa correspondente em ZUrich Maria do Pilar Ribeiro enviou á Comissão Pedagógica da Sociedade Por- tuguesa de Matemática a presente tradução que a «Gazeta de Matemática» apresenta desde já aos seus leitores. 12 G A Z E T A D E MATEMÁTICA possibilidades, ser livremente escolhido pelo candidato. Aqueles estudantes que queiram dedicar-se ao profes- sorado recomenda-se que adquiram, com base num exame especial, indicações sôbre a sua formação e capacidade pedagógicas. B. C o n s e l h o s garais sôbre o estudo. 1. Matemática. A dificuldade principal do estudo da Matemática reside em que a compreensão perfeita das verdades matemáticas pressupõe uma capacidade de abstracção em alto grau. É desaconselhável o estudo, àqueles que não possam assimilar com uma certa faci- lidade as lições, transformando-as em intuições claras e em conceitos puros e exâctos. De resto, o estudo desenvolve com o hábito resta capacidade até ao grau necessário ; e por isto não se pode começar pelos fun- damentos, últimos, da Matemática mas sim pelo meio. Quando, a partir daqui, se erige o edifício da ciência, é sempre necessário ao mesmo tempo, assentar mais profundamente as bases. Em ambas as direcções o aluno prosseguirá a sua tarefa. Uma outra separação, não menos necessária, é entre o conhecimento especial dos problemas particulares concretos e sua solução até ao resultado numérico, por um lado, e as intuições gerais e idéias por outro lado. Os novos pontos de vista gerais, progressivos, encontram-se em Matemática, sempre em relação com problemas concretos ; sem relação com os resultados particulares em que se confirmam eles são esquemas vazios. E por outro lado o conhecimento especial é matéria morta, quande êle se não liga a um todo uni- ficado. Durante todo o estudo controla-se, por meio da apli- cação de teoremas de matemática a exemplos e pela resolução de problemas, se se apreendeu completamente o conteúdo. Só quem é por si próprio capaz, pode ver- dadeiramente compreender o que os outros tenham dito : não se pode deixar difundir dentro de_nós um conteúdo espiritual duma maneira puramente passiva. Para nos movermos livremente no mundo do pensamento mate- mático é indispensável o domínio da técnica do cál- culo ; os primeiros semestres do estudo são os mais favoráveis, para exercitarem fundamentalmente nisto. Todavia tome-se cautela perante as aplicações maqui- nalmente realizadas ; em cada caso deve o uso das fórmulas ser acompanhado da clara recordação do seu significado ! O aluno não espere que se lhe ofereça nas lições tôda a espécie de conhecimentos necessárias à sua cultura. A palavra falada é precisamente apropriadada para implantar novas idéias no espírito do ouvinte e levá-las, aí, a um sucessivo desenvolvimento ; os livros dão a exposição sistemática fechada. O manejamento da literatura matemática é, por isto uma parte muito importante do estudo. Para esta parte do estudo ser- vem a rica biblioteca da E. T. H., a sala de leitura e a biblioteca do seminário. Também quanto à leitura são a meditação pessoal e a execução (executar só cálculos e construções com significado) indispensáveis a uma receptividade frutífera. Na leitura, fará bem o estudante, principalmente nos primeiros semestres, em se deixar aconselhar pelos professores ; êles diligencia- rão também auxiliá-lo nas suas dificuldades. Porém o estudante não peça que a cada passo lhe desembara- cem o caminho ; o êrro e a sua ultrapassagem por esforço próprio é mais útil do que a verdade aceite sem custo. O serviço" de ensino, orientado pelos professores, traduz-se em lições, exercícios e seminários. Enquanto que as lições proporcionam o assunto do ensino, ser- vem os exercícios nos graus mais elevados (aproxima- damente a partir do 5.° semestre) e o seminário ao fomento da actividade científica própria. Pôr-se-ão problemas e dar-se-ão indicações para a descoberta própria dos mais simples resultados matemáticos. Ou procuram-se memórias originais para conferências àcêrca das quais o estudante dá notícia ; aqui devem pôr-se em relêvo, a partir do revestimento das fórmu- las, a substância, as idéias fundamentais, a estrutura dos conceitos e demonstrações matemáticas. Dos assuntos tratados no seminário resultam, em regra, os temas dos trabalhos de diploma. 2. Física. 3. Ramos afins. A matemática e a física estão em estreita conexão com outros domínios da ciência ; pelo menos num dêles deve o estudante familiarizar-se teó- rica e pràticamente. Em primeiro lugar aparece a Astronomia como de igual importância para os mate- máticos e para os físicos (visto que as escolas médias os encarregam ordinàriamente do ensino da Astrono- mia). A mecânica superior, estreitamente entrelaçada com os domínios clássicos e modernos da Matemática e da Física, tem sempre interesse para ambas as direcções. A análise prática conduz a seguir as idéias matemáticas até aos métodos numéricos mais seguros e mais cómodos e é de importância na técnica. A ma- temática de seguros e ao cálcido das probabilidades, que facilitam o caminho para uma profissão prática, não deixarão os alunos da nossa secção de procura dedi- car-se. As aplicações da física ramificam-se profun- damente dentro da técnica ; um domínio muito tratado é o da técnica de alta frequência. A química interessa directamente ao físico, visto que os novos desenvolvi- mentos da física trouxeram consigo um contacto cada vez mais amplo, mesmo uma compenetração da quí- mica e da física. A mineralogia geral é de importância para os físicos em face da significação dos cristais, G A Z E T A D E MATEMÁTICA 13 para a estrutura da matéria e para obtenção e verifica- ço das suas leis elementares ; para o matemático é ela o exemplo duma morfologia dominada pelo ponto de vista da teoria dos grupos. A geodosia é um dos ramos mais importantes da matemática aplicada. In- dependentemente dos ramos à escolha devia o estu- dante duma escola superior técnica tomar a peito conhecer as aplicações técnicas junto dos colegas da secção de engenharia. De maior significação prática tornou-se hoje a física técnica, cujo estudo contém importantes possibilidades. Ele é realizado no E . T. H. no Instituto de Fisica Técnica e sua secção para inves- tigação industrial, onde também existem possibilida- des de manifestação para os jovens físicos. A todos é de aconselhar a participação regular num curso peda- gògico-prático (lições e exercícios) ; os semestres mé- dios de estudo são para isso os mais cómodos. Os grandes problemas do conhecimento que a matemática e a física propõem, constituem para os trabalhadores nestas ciências a passagem natural para a filosofia. "Finalmente abrem-se aos estudantes da E . T. H. na «secção dos cursos livres» lições e exercícios de todos os domínios do conhecimento. Contudo, não deve o estudante sobrecarregar o seu plano de estudos e deve reservar tempo para o estudo próprio. C. O programa normal de estudos. No que respeita a lições e exercícios distinguem-se: I. As lições introdutórias e a prática para princi- piantes que ocupam aproximadamente os três primei- ros semestres. São fundamentalmente constituídas por: Calculo diferencial e integral. Mediante pequenas lições de introdução à teoria das funções, destinadas em primeiro lugar, aos estudantes da nossa secção, deve dar-se ao rigor dos conceitos o lugar que êle tem nos fundamentos, mas naturalmente de modo que estas lições basilares, indicadas também para os engenheiros, não fiquem demasiadamente pesadas. As lições de mecânica por um lado, de f isica geral por outro lado constituem o fundamento para o estudo das ciências exactas. Um instrumento matemático indispensável à física é a análise vectorial, que os estudantes devem aprender, particularmente nas lições sôbre geometria descriptivae vectorial e aplicações da matemática. As geometrias descriptiva, vectorial, analítica e pro- jectiva constituem a introdução ao estudo da geome- tria superior. O último dêstes cursos pode ser pôsto de lado pelos físicos, não porém o de geometria ana- litica no qual se encontra em primeiro lugar a álgebra linear e quadrática. Em lugar da geometria projectiva há, para os físicos, uma lição de introdução à quí- mica. .. . - - - . 1 II. O corpo de lições a manter regularmente em que são expostas teorias matemáticas e físicas clássicas fundamentais e, em primeiro lugar : a) na direcção matemática : Algebra e teoria dos números. Teoria das funções. Teoria das superficies (geometria infinitesimal). A teoria das funções complexas é o núcleo de tôda a análise ; ela ensina-se em regra em duas partes. b) na direcção da física : Estas lições principais constituem um ciclo de 4 se- mestres. III. As lições especiais com conteúdo variável, que sai fora das necessidades indispensáveis às apliçações; a sua escolha é livre, de maneira que o estudante dei- xar-se-á guiar pelo seu interêsse pessoal. O corpo das lições constitue, em geral, aquilo que se pressupõe conhecido para a compreensão das lições especiais correspondentes. Indicam-se alguns assuntos princi- pais de tais lições : a) na direcção matemática : Equações diferenciais, capítulos especiais sôbre funções analíticas de uma ou de mais variáveis, teo- ria dos grupos (teoria de Galois), corpos de números algébricos, teoria analítica dos números, cálculo das variações, teoria do potencial, desenvolvimento em série e condições nos limites em física matemática, séries de Fourier, equações integrais, curvas e super- fícies algébricas, geometria n-dimensional, represen- tação conforme, axiomática da geometria, geometria não euclideana, topologia, teoria dos conjuntos. b) na direcção da física : IV. Práticas. V. Lições c práticas dos cursos à escolha (lições espe- ciais entre parêntesis) : ASTRONOMIA — lições : astronomia geral, prática de astronomia, em especial a determinação das coor- denadas geográficas, introdução à astrofísica, (deter- minação das órbitas dos corpos celestes, capítulos especiais de astrofísica) ; prática : exercícios sôbre observações astronómicas (no semestre de verão) e cálculos astronómicos (no semestre de inverno). i MECÂNICA SUPERIOR— l i ções : capítulos escolhidos de mecânica, de conteúdo variável, (domínio da di- nâmica [mecânica III] , mecânica analítica, mecânica celeste, lições avançadas de resistência de materiais, hidrodinâmica) ; prática : exercícios e seminário de mecânica. ANÁLISE P R Á T I C A — lições : métodos gráficos, instru- mentos matemáticos e máquinas de calcular, nomogra- fia, métodos numéricos ; prática—ligada com as lições. MATEMÁTICA DE SEGUROS E CÁLCULO T>AS PROBABILIDA- D E S — lições: cálculo das probabilidades (com comple- 14 G A Z E T A D E MATEMÁTICA mentos ou capítulos especiais), matemática de seguros jectiva, sua formulação sintética e analítica. Geome- com introdução e capítulos especiais, teoria do risco ; tria infinitesimal (curvas planas e torsas, teoria da prática—ligada com as lições, seminário de matemá- curvatura das superfícies, geometria sôbre uma super- tica de seguros, repetições. ficie) ; axiomática, geometria não euclideana. TÉCNICA DE A L T A FREQUÊNCIA. b) Na física : QUÍMICA : • * * ' • ' E . Promoções. —Sociedades científicas. MINERALOGIA GERAL : Raramente as circunstâncias de vida ambiente per- GEODESIA — lições —técnica de medições, cálculo mitirão a um jóvem dedicar-se exclusivamente à inves- tie compensações pelo método dos mínimos quadrados; tigação científica ; na maior parte das vezes quererão práticas—exercícios de medições. voltar ao estudo por inclinação própria, por força do " _ . . . . ensino ou por outra necessidade de ordem prática. D. Ob|ect ivo do ensino. . . . . . ' , * u * J • !>iao obstante, deve, quem tenha tocado em materia a) Na matemática pura : o que os estudantes da di- p a r a w m trabalho científico próprio, desejar concluir recção matemática, sôbre quaisquer circunstâncias, o s s e u s estudos com a promoção a doutor. Junto da deverão atingir, pode resumir-se, pouco mais ou menos, E . T. H. oferece-se aos licenciados a possibilidade como segue : desta conclusão, com os numerosos lugares de assis- (Análise). Compreensão da edificação do domínio tentes. Uma possibilidade semelhante oferecem as numérico, em particular das grandezas irracionais e colocações provisórias nas escolas de cantão suíças imaginárias, assim como dos fundamentos rigorosos ou os lugares de professor auxiliar nas escolas médias da análise. Noções fundamentais do cálculo diferencial cie Zurich. e integral ; domínio técnico do cálculo. Teoria das As oportunidades para a continuidade da orientação funções duma variável complexa, sua relação com a científica encontram-se nas sociedades científicas, teoria do potencial e com as tranformações conformes. Ao lado do colóquio de física há também (não indi- Os métodos especiais mais simples de integração no cado no programa) um colóquio de matemática. domínio das equações diferenciais e construção geral A Sociedade Física de Zurich mantém regularmente das soluções (teoremas de existência.) secções nas quais os estudantes têm entrada livre. (Algebra). Teoria da divisibilidade no domínio dos Outras sociedades científicas são : números inteiros e das funções inteiras. Funções simé- A Sociedade Suiça de Matemática ; tricas com aplicações à resolução algébrica das equa- A Sociedade Suiça de Física ; ções. Conceitos fundamentais da teoria dos grupos e A União Suiça de Matemática de Seguros ; da teoria dos corpos algébricos. Teoria das congruên- A União dos Professores de Matemática SUÍÇOS ; cias incluindo a lei da reciprocidade quadrática. -4* Sociedades Suiça e Cantonais de Ciências Natu- (Geometria). Compreensão completa da relação entre rais ; a geometria por um lado, a álgebra e a análise por A União Suiça dos Professores do Liceu. outro lado, por intermédio da noção de coordenadas, Todas estas sociedades acolhem prontamente os assim como dos grupos de transformações mais impor- jovens que se interessam pelos seus objectivos. Os es- tantes, nomeadamente o métrico, o afim, o projectivo, tudantes dos semestres superiores fazem bem em visi- o da geometria conforme e o da analisis situs. Os mé- tar estas sociedades, ainda por ocasião das suas rett- todos mais importantes de transformações geométricas. niões anuais e exposições científicas, para receberem Fórmulas fundamentais da geometria analítica eucli- incitações e travar conhecimento pessoal com os indi- deana. Conhecimento da edificação da geometria pro- víduos das profissões a que se destinam. T E M A S D E E S T U D O LÓGICA MATEMÁTICA —INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS por Bernardino Barros Machado Em 1847 publicou-se em Cambridge «The Mathe- método» a partir «da linguagem simbólica do Cál- matical Analysis of Logic» do inglês George Boole. culo» e «fazer do próprio método a base dum método Seguiu-se-lhe, «An Investigation of the Laws of geral para a aplicação da doutrina matemática das Thought», London, 1854. Boole pretendia nestes livros probabilidades». «estabelecer a ciência da Lógica e construir o seu A aplicação da Matemática à Lógica no intento de GAZETA DE M A T E M Á T I C A 15 formar uma Álgebra ou Estructura da Lógica em que os resultados conhecidos e porventura outros novos que proviessem até mesmo só da exactidão que assim se conseguia, aparecessem como fórmulas matemáticas foi continuada por C. S. Peirce (1880), «On the alge- bra of logic», «Am. Jour», 3, 15-57 ; (1884), «On the algebra of logic», ibid., 7, 180-202 ; E. Schroder (1890-5), «Álgebra der Logik, 3 vols., Leipzig, e outros que adiante citaremos. Tentava-se a construção dum sistema formal deduc- •tivo que abarcasse os processos e métodos lógicos mudáveis e vagamente definidos que eram utilizadosnas ciências. Uma parte mais simples desta tarefa foi a composição das proposições para formar outras no- vas proposições cuja verdade ou falsidade dependia apenas da verdade ou falsidade das proposições com- ponentes. Formou-se o «Cálculo das Proposições»- Entre os trabalhos modernos sobre esta parte da Ló- gica sobressai o de Jan Lukasiewicz e Alfred Tarski (1930), Untersuchungen ueber den Aussagenkalkuel «C. r. Soe. Sei. Lett. Varsovie», Classe I I I , vol. 23, pp. 30-50. Os processos de composição de proposições por negação, disjunção, conjunção e implicação foram todos reduzidos a um línieo : a negação conjunta, «nem-nem» por Sheffer. As proposições chamadas universais como «todos os homens são mortais» e outras como «alguns homens são loiros» exigiam um formalismo doutra espécie que correspondesse ao uso das palavras «todos» e «alguns». Criou-se para isso a quantificação e foi-se formando o «Cálculo das Funções Proposicionais» ou «Cálculo dos Predicados» com ligação estreita com a teoria dos conjuntos, já que um predicado podia ser- vir para definir um conjunto ou classe : a daqueles elementos a que êle pudesse ser atribuído. A quanti- ficação consiste em colocar uma das variáveis que aparecem na proposição, entre parêntesis antes dela, assinalando assim que a proposição permanece válida qualquer que seja o elemento por que se substitua essa variável. Se i representa o predicado «é branco» $ (a) significa «a é branco» e (x) i (x) «x é branco qual- quer que seja x». Gottíob Frege, Richard Dedekind e Giuseppe Peano (vejam-se os trabalhos citados no final) dedicaram-se ao estudo dos fundamentos da Aritmética, e foi a partir das suas contribuições nesse campo que pôde ser formulada a tese de que a Aritmética era reducti- vel à Lógica. Consiste esta reducção em que, por de- finições adequadas em teoria das classes — que é uma parte do Cálculo dos Predicados — se conseguiria construir a noção de número natural. (Veja-se Ber- trand Russell (1938), «The Principles of Mathematics», 2." ed., New York). Modernamente, com os trabalhos de Johann non Neu- mann, (1925), Eine Axiomatisierung der Mengenlehre, «Jour. f. d. reine und angew. Math.,» vol. 154, pp. 219- -240 ; — (1927), Zur Hilbertschen Beweistheorie, «Math. Zeitschr.», vol. 26, pp. 1-46) parece possível construir a Aritmética elementar a partir de um sistema de proposições primitivas que definam axiomàticamente as funções proposicionais necessárias em teoria dos conjuntos. Como depois de Dedekind e George Cantor os números reais podem eonstruir-se logicamente a partir dos números naturais, a Matemática viria deste modo a consistir no estudo de algumas fórmulas espe- ciais do Cálculo dos Predicados : aquelas que consti- tuíam a axiomática da teoria dos conjuntos. Algumas proposições ou sistemas de proposições não primitivas da teoria dos conjuntos axiomatizada poderiam mere- cer atenção especial : seria o caso das proposições referentes aos conjuntos ordenados, cujos estudo axio- mático seria o objecto da Teoria das Estructuras. Outras teorias da mesma categoria seriam a Topologia Geral e a Algebra Abstracta. Dentro destas novamente haveria sistemas de proposições capazes de ser objecto dum estudo axiomático. Em todo o estudo lógico é pressuposta a noção de verdade. A sua definição é feita numa outra ciência, a Semântica, que trata das relações do formal com o real. Veja-se a éste respeito : A. Tarski (1936), Der Wahrheitsbegriff in den formalisierten Sprachen, «Stu- dia Phil.» ; vol. I , (pp. 261-405). Verifica-se que preci- samente na teoria dos conjuntos e também na teoria dos números, uma proposição pode ser verdadeira e contudo não se poder demonstrar a partir das propo- sições primitivas nem ela, nem a sua negação. Veja-se Kurt Goedel, Ueber formal unentscheidbare Saetze der «Principia Mathematica und verwandter Système I , Monatsh. fuer Math. u. Phys., vol. 38 (1931), pp. 173- -198 e Thoralf Skolem (1941), Sur la portée du théo- rème de Loewenheim-Skolem, in «Les Entretiens de Zurich sur les Fondements et la Méthode des Sciences Mathématiques», (Zurich). Chama-se então ao sistema de. proposições em questão incompleto. Como se vê a Lógica inclui não somente as propo- sições formalmente verdadeiras, mas também propo- sições àcêrea delas, ou proposições sintáticas. Estas devem igualmente ser formuladas numa linguagem simbólica ou formalismo que pode ser o mesmo das primeiras ou outro diferente. No livro de David IJil- bert e Paul Bernays, (1934-1940), «Grundlagen der Mathematik», zwei Baender, Berlin, as proposições sintáticas são expressas na linguagem vulgar, enquanto que no livro de W. V. Quine, «Matliematical Logic», 1940, New York, se usa para elas um formalismo próprio. É a Lógica Matemática um domínio de investiga- 16 GAZETA DE MATEMÁTICA ção em activa formação. Porque não se vê em Portu- ga] como em alguns países do mundo lançar-se os matemáticos novos a trabalhar nêle, parece-me.opor- tuno dar estas indicações esquemáticas aos leitores da «Gazeta» no intuito de despertar talvez nalgum deles o interesse por tal assunto e guiá-lo nas primeiras leituras. Como livros de iniciação cite-se aqui : Max Black, «The Nature of Mathematics», (A cri- ticai survey), London, Kegan Paul. Bertrand Russel, «Tlie Principles of Mathematics)^ já citado. Para um conhecimento mais profundo do assunto servem os livros de Hilbert-Bernays e Quine citados acima. Pelo seu interêsse histórico cite-se : Gottlob Frege, «Grundgesetze der Aritmetik», vol. 1 (1893), vol. 2 (1903), Jena. Richard Dedekind, Was sind und was sollen die Zahlen ?» 4.» ed. Brunschwig (1918). Giuseppe Peano, «Formulaire de Mathématiques», Introduction (1894) ; vol. 1. (1895) ; vol. 2. (1897-9) Turin ; vol. 3 (1901) Paris ; vol. 4 (1902-3) ; vol. 5 (1905-8) Turin. A N T O L O G I A O V A L O R S O C I A L DA I N V E S T I G A Ç Ã O CIENTÍFICA por Ruy Lois Gomes (palestra lida ao microfone de Rádio Todos temos ouvido falar de grandes sábios e das suas descobertas, algumas como a Teoria da Relati- vidade acessíveis exclusivamente àqueles que possuem uma cultura altamente especializada, outras como o cinema, a radiodifusão, o avião, etc., que pela sua enorme importância prática e ampla utilização são hoje familiares a toda a gente. Mas todas estas descobertas, embora andem quási sempre associadas ao nome de um matemático, um físico, um químico, um biólogo, etc., não surgiram assim prontas e acabadas, na forma por que as u t i l i - zamos e delas beneficiamos, de uni único cérebro, por uma intuïçâo genial, dom superior que só a raros é dado possuir. Se as analisarmos bem, se percorrermos cada uma das étapas fundamentais do seu desenvol- vimento, desde uma primeira sugestão ou simples analogia, até à última fase, a da sua industrialização em termos de ser colocada ao alcance de todos nós, então, verificamos que nesse processo colaboraram efectivamente, embora nem sempre se apercebam disso, numerosos investigadores—experimentadores com uma formação técnica altamente diferenciada, professores operários, simples amadores — numa palavra, todo um mundo de indivíduos que pela sua viva curiosi- dade, forte poder de imaginação, grande habilidade manual de inquebrantável tenacidade contribuíram com alguma coisa de positivo para aumentar o patri- mónio científico da humanidade. Assim, cada descoberta, longe de ser obra de um só, pressupõe, nos diferentes momentos da sua gestação — trabalho de équipe, conjugação de esforços, sentido de solidariedade, subordinação a um plano de con- junto — . E, pelo seu alcance prático, pela sua pro- jecção sobre a vida de cada um de nós, redunda sempre Club Lusitânia em 6 de Maio de 1944) num enriquecimento das nossas próprias possibilidades de luta pela existência : condicionada pelo meio am- biente em que se realizou é mais tarde um poderoso factor da sua própria transformação. Uma descoberta é pois uma obra colectiva
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