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INES SIGNORI I (ORG.) LfNGUA(GEM) E IDENTIDADE: ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSAO NO CAMPO APLICADO IU III U1J 1uiu5u442ii.'~'""'.• )'P. IEL118 L647 -JAPESP FAEP/Unicamp I'\[DCftDO ~ LtTRftS DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGA9AO NA PUBLICA9AO (CIP) (CAMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL) Ungua(gem) e identidade : elementos para uma discussao no campo aplicado / Inos Signorini (org.l- Campinas, SP : Mercado de Letras; Sao Paulo: Fapesp. 1998. -(Letramento, Educa<;ao e Sociedade) Bibliografia. ISBN 85 85725·41·9 '.Identidade 2. Identidade social 3. linguagem e Ifnguas I. Signorini, Ines. II. Serie. 98·1319 CDD·418 indlce para ca18logo sistematico: SUMARIO 1. Identidade e lingua: Linguistica aplicada 418 2. Identidade e linguagem : Linguistiea apiicada 418 -_ .. ~. ~: '::.0~:0;-71Ilj;~~ L.l'+- [d"etalh V E~J::-.I;"-;';""'" r ·~·~;·~·~·;·~~··.~.~.9..!m r 0 ;·,1 80 fiE l 15,9/.' . PRO C .• ~t1i.~7.:1::/__OJ2_. '0 DO PRE C a 4$.'0·:1 ..·· ·..· · OAT A ....O'.6.. ....~ ...Q.':7..:= ..0i!... N.o CPO C!.M.o.o.1J.b.Qa. ' . Apresenta'<3o . 7 Capa: Vande Rona Gomide da imagem: Di Cavalcanti, Samba, 1928) pidesque: Marflia Marcello Braida essao e acabamento: Bartira Grafica PARTE I liNGUA. L1NGUAGEM E JDENTJDADE: QUESTOES E PERSPECTIV AS I. 0 conceito de identidade em lingiifstica: e chegada a hora para uma reconsidera'<3o radical? Kanavillil Rajagopalan (Tradu'<3o de Almira Pisella) .. 2. Lfngua(s )-1inguagem(ns )-identidade(s)- movi mento(s): uma abordagem psicanalftica Miriam Chnaidennan Etnia, identidade e Ifngua Jacob L. Me)' (Tradu'<3o de Maria da Gloria de Monies) Relatos de migrantes: questionando as no,<oes de perda de identidade e desenraizamento Maura Penna .. 21 47 69 DIRE/TOS RESERVADOS PARA A LiNGUA PORTUGUESA: © MERCADO DE LETRAS EDII;6ES E LlVRARIA L TDA Rua Barbosa de Andrade 111 Telefax: (19) 3241·7514 CEP 13073·410 Campinas SP Brasil www.mercado-de-letras.com.br E-mail: mJetras@uol.com.br 89 2001 2 g reimpressao PARTE iJ JDENTJDADE E COMUNICA<;:AO INTERCULTURAL X Sendo fndio em portugues . Tere:a Machado Maher . 2. (Des) construindo bordas e fronteiras: letramento e identidade social Illes Sigllorini .. 115 139 Proibida a reprodw;ao desta obra sem a autoriza~ao previa do Editor. http://www.mercado-de-letras.com.br mailto:mJetras@uol.com.br 3. A tradur,:ao e a formar,:iiode idemidades culturais Lawrence Venuti (Tradur,:ao de Lenita R. Estelles) . /73 PARTE III IDENT/DADE E APRENDIZAGEM DE LiNGUAS I. Identidade lingUistica escolar Eni Puccinelli Orlandi. ........ 2. A lingua estrangeira entre 0 desejo de lJlll outro lugar e 0 risco do exflio Christine Rel'lI: (Tradur,:ao de Silmna Sermni-In/ante) . 3. Identidade e segundas Iinguas: as identificar,:oes no discurso Silllano Sermni-Infame . 203 213 231 APRESENTA<;:AO PARTE IV IDE T1DADE E INTERAC':AO EM SALA DE AULA I. A construr,:ao de identidades em sala de aula: um enlogue interacional Angela B. Kleiman . 2. Discursos de identidade em sala de au/a de leitura de L1: a construr,:ao da di ferenr,:a Llli; Palllo da Moita Lopes ..... 267 Este volume retoma e aprofunda indagac;oes surgidas em 94-95, quando organizamos, no Departamento de LingUfstica Apli- cada do IEL. uma sei-ie de coloquios relacionados ao tema LIngua (gem) e identidade. Paniciparam desses coloquios especialistas dos estudos da linguagem atuando no campo tearico e aplicado a partir de diferenles perspectivas. 0 que nos permitiu dimensionar melhor tanto 0 interesse do assunto quanto a multiplicidade das questoes a ele relacionadas. ........ .......... . 303 PAinE v LiNGUA. LtNGUAGEM E IDENTIDADE EM QUESTAO I. Fi~uras e Illodelos conlemporaneos da subjeti vidade Illes SlglIOl"Ill1. . 333 Dentre essas questoes, elegemos duas. fundamentais e inter- relacionadas. para as indagac;oes posteriores e que funcionam como leir/1loriv dos diferentes estudos que compoem este volume, em bora nao sejam exaustivamente discutidas por nenhum deles. A primeira dessas questoes e de natureza epistemologica e diz respeito as recon- figurac;ocs contemporaneas dos conSlructos que compoem 0 binomio Ifngua e idenridade, binomio esse que ja nao expressa mais uma relaC;ao antes tida como dada, entre unidades tambem tidas como dadas, notadamente quando ao construclO Ifngua estava associado 0 de Ifngua /1lmerna. Conforme apontam os estudos aqui reunidos, as reconfigurac;oes desscs constructos e a problematizaC;ao desse bino- mio nos tem sido impostas tanto pelo trabalho de base empfrica no Sobre os aUlores. ............. 381 7 campo aplicado. quanto pelas novas possibilidades abertas neste final cle scculo com as teorias pos-estrutLlralistas de estudo cia Iinguagem, cia subjetividacle e do contexto psico-social e biologico. A segunda queslao c de natureza leorico-metodologica e cliz respeilo aos modos de integrac,:ao e articulac,:ao. e/ou de distin<;ao e oposi<;ao enlre diferenles abordagens de objelos de conhecimenlo que se lornaram multiplos cm suas configurac,:oes no campo cienlifico, como e 0 casu exemplar do objelo .I'llhjelil/idade. nao mais disculivel apenas em fun<;ao das lradic,:oes psicologicas e psico-sociais de estudo do individuo c da socicdade. tradicionalmentc inlluentes no campo aplicado dos estudos da linguagcm. 0 impaclo, no campo aplicado, das teorias psicanal it icas. fi 10sMicas. semiol icas e tambem rfsico-bio- 16gicas mais recentes sobrc subjetividade e linguagem e significativo a esse respeilo. con forme atesta hoa parte dos estLldos aqui reunidos. Nesse senlido. esses estudos integram loda uma discussao contem- poranea sobre subjelividade e linguagcm que se tem desenvolvido em v,\rias frenles. nem semprc convergentes. mas transversalmente atravessadas pOI' temas, perspecti vas e preocupa<;oes comuns, ou relacionadas entre si. o principal objetivo clesse volume nao e. pois. 0 de ten tar responder cle uma vez pOI' lodas as questoes epistemologicas e teori- co-metoclologicas que ora se impoem. mas sim 0 de contribuir para que elas sejam mais amplamenle postas e discutidas no campo aplicado. Nesse senlido. a grande ambiyao do volume nao e a de dar uma visao pancJr;lmica complela das abordagens conlemporaneas do assunto em estuclo. mas sim a de conteI' "um monte de larvas". no ~enlido dado a essa expressiio pOl' Deleuze. isto e. a de trazer elemen- lOS para novas indagayoes e queslionamenlos susceptiveis de conlri- buir para 0 aprofundamenlo cia rellexao no campo aplicado. 0 di,\logo neccssario com diferenles disciplinas e diferentes tradic,:oes de estLldo cia questao e 0 caminho aponlaclo pela maior parte dos eSludos aqui reuniclos. 0 agrupamento dcsses estudos em unidades tematicas se cleve justamentc a relac,:ao desse dialogo com a constru- c,:iiodc um campo especifico de invesligac,:ao. a primeira unidade. 0 tema Ques/()es e perspecrivas reune trabalhos que focalizam a problcmatizac,:iio dos contructos lingua. Iingllagel'l1 e idenlidade a partir cle clifcrenlcs campos e perspectIvas. o primciro desses estudos busca intcgrar de lorma radical as IInpl.'- cac,:oes do multilingUismo e do multiculturalismo para uma reconll- gurac,:ao men os idealista e. segundo Rajagopalan, m3ls p~'odut~.va de categorias hasicas da LingUislica leorica. como as de "llIlgua e de "fal;nle de uma lingua". Desse moclo. sao apontadas evidencias clas limitac,:oes e aporias geradas em difcrentes lradic,:ocs pelo uso inques- lionado dessas categorias relacionadas ao conceilo lraclicional de idenliclacle (de uma~ lingua. de um falante de uma lingua) como lotalidacle homogenea. eslavcl c incorruptivel, pOl' um lado. e com- plelamcnle acessivel ao sujeilo cognoscenle. pelo outro. Apoiado no principio derrideano da nao satLlrac,:ao de contex- tos, articulado ao da dispersao i1imitada do significanle lingi.iislico. hem como no exame de cstudos sobre pidgins. crioulos c Iinguagem de sinais. 0 autor propoe uma inversao na conceilua<;ao lradicional cia identidadc: no lu!!ar de Llill todo eSlavcl e homogeneo. teriamos processos "proleifor711es" em "permancnteestado de rJuxo". Uma 4uestao importante. trazida pOl' este lrabalho. C ada dimensao ideo- 16gica clos modos de se pensar a questao clas identidades. inclusive e sobretudo nas/pelas lradic,:oes lingUislicas de presligio. Advo!!ando a necessidade de sc IeI' Lacan passando pOl' Freucl. o lrahalho de~Chnaiderman apresenla uma discussao de um conglo- meraclo de conceitos relacionados a teoria "freudo-Iacaniana" cia subjclividade. os quais muilo tem interessado os estudiosos da lin- guagelll de diferenles lradic,:oes e disciplinas. Trcs postulados basicos interrelacionados conslituelll 0 eixo dessa discussao. a saber: 0 in- consciente c parte constiluinte da subjelividade: a subjelividade e Illultipla. nao lotalizaveL nem cenlralizavelno individuo e c mode- lada sociohistoricamcnte atravcs de processos estruturantcs de iden- lifica<;ao: a identidadc do sujeito sc da na alienac,:ao fundanle do simb61ico como imagem c represenlac,:ao. Focalizando a questao especffica das implica,<oes da conheci- da f6rmula lacaniana sobre a estrutura do inconsciente, a autora chama a aten~ao para a natureza nao verbal do tipo de estrutura a que sc referia Lacan em sua formulac,:ao: uma "maquina de linguagem" no sentido de uma "maquina de escrita". em que 0 sentido como "verdade do sujeito" do inconsciente e 0 que "faz buraco", isto e, 0 que emerge da cadeia de significantes independentemcnte da signi- ficac,:ao e it revelia do falante. E esse sentido que emerge C justamente, segundo a aulora, da ordem do real como exterioridade nao simb6lica, intervalo em que se del 0 estranhamenlo radical do sujeito desancora- do da Iinguagem. Uma questao inleressante a esse respeito e discutida par Revuz neste volume e a da aprendizagem de uma Ifngua estran- geira como vetor para a instaura,<ao desse inlervalo. Tendo como objeto de eSludo relalos de trabalhadores ru- rals que migraram para Sao Paulo. vindos de outros estados. 0 lrabalho de Penna problematiza as no,<oes de "desenraizamento" e de "pcrda de idenlidade". associadas it expcriencia do migrante e comumente utilizadas pOI' eles em seus relatos. Argumentando contra 0 uso comum dessas noc,:oes. inclusive pOI' eSludiosos das Ciencias Sociais. a autora busca explici tar os conceitos de identidade social e de raiz. que sao pressupostos par essas duas no,<oes. 0 que Ihe permite explicitar tambem 0 carateI' essencialista e idealizante desses conceitos. Tendo como pano de fundo a redescoberta da questao etno- lingufstica na Europa contemporanea, 0 trabalho de Mey apresenta uma discussao dos conceitos de etnia. idenlidade etnica e Ifngua comum. em suas impl icac,:oes eticas e pol ftico-idcoI6gicas. Enfatizan- do uma visao pragmatica da Ifngua e uma concepc,:ao hist6rico-mate- rialista da sociedade. estc lrabalho problematiza a equa,<ao identidade/lfngua nacional. ou Ifngua comum e chama a aten,<ao para a func,:ao delerminante do fator economico na formac,:ao c na desagre- ga~ao de comunidades etnicas e. consequentemente, no surgimento dos chamados conflitos etnicos. Considerando a migra,<ao como uma "lrajeloria de exclusao" e, como tal, um "processo dinamico de transforma,<ao", nao so do modo de vida e das relac,:oes sociais como tambem das representa,<oes de identidade. a autora propoe uma inversao no modo de se pensar a queslao: seria mais produtivo, segundo ela, focalizar a "dinamica de construc,:ao e de atribui,<iio de identidades sociais'·. ao inves de se manter 0 foco sobre a mudan,<a como perda, ou como priva,<ao de uma idealizada pureza originaria de rafzes. ou redes de rela,<oes estelveis num dado espa~o. e de uma tambem idealizada identidade originaria individual e imutavcl. Uma questao importallte trazida pOl' este trabalho e a da dimensao ideol6gica do uso desses conceitos. inclusive e sobretudo nas/pelas Ciencias Soeiais. essa perspecliva. a questao da preserva,<ao das tradi,<oes etnolingufsticas c sobreludo. segundo 0 au lor. uma queslao de resis- tencia as leis de globalizac,:ao dos mercados. inclusive dos mercados cullurais. e nao de preservac,:ao do direito individual. descolltextuali- Ladu. de cxprcssao lingLifstica. Uma questao importante para debates fulUros c. justamcnte. ada influcncia dessa globaliza,<ao dos me rca- dos culturais na concep~ao das novas polflicas lingufsticas dos esta- dos nacionais. com deslaquc. pOl' excmplo. para a questao da manipula~ao cSlralcgica das frontciras cntrc zonas dc intcrcoll1preen- sao nccessarias e descjaveis c cyenlUais zonas de nao comprecnsao. tall1hem nccessarias c desejavcis. conforme 0 caso. A segunda unidade destc volume reune estudos relacionados ao lema IdellTidade e COll1l1llicarao inTerCIIITllral. A queslao que alravessa essa unidade c a do deslocamenlo no foco lradicional de eSludo da produc,:ao das identidades sociais. 0 primciro lrabalho dessa unidade cSla voltado para 0 campo especffico da educa,<ao indfgena. Conlrapondo-se a ll1uilas das crcn,<as que ainda suslentam projelos dc revilalizac,:ao lingufstica como condi,<ao necessaria e suficiente para a recuperac,:ao de uma identidade elnica ameac,:ada. esse lrabalho desloca a qucstao da identidade do fndio. ou "indianidade", do ConlexlO tradicional da difercnc,:a Ifngufslica para 0 dos modos dife- renciados dc inser~ao do falantc na discursividade de uma scgunda Ifngua. 10 II A partir do estudo da etiqueta interacional indfgena em dife- rentes situa<;6es de comunica<;ao com 0 branco, em portugues, Maher apresenta evidencias de que a fronteira menos visfvel das diferen<;as sociopragmaticas no uso de uma mesma lfngua podem constituir prMicas significativas de produ<;ao e reprodu<;ao de diferen<;as, cuja relevancia estrategica vai depender da dimensao polftica da situa<;ao em foco. Uma questao importante para debates futuros, daf dec orren- te, e justamente a da constitui<;ao do sujeito polftico que passa a operar, em portugues, de forma estrategica, sendo que essa subjeti- va<;aopolftica seria, em ultima analise, a questao estruturante de toda educa<;ao indfgena nao mistificadora. identificat6rias de inclusao/exclusao. Uma questao importante, tra- zida par este trabalho, e 0 da impartancia das ideologias linglifsticas na configura<;ao dessas categorias identificat6rias de inclusao/exclusao. Filiando-se a vertente p6s-estruturalista dos estudos da tradu- <;ao,0 trabalho de Venuti apresenta uma reflexao sobre 0 significado da tradu<;ao no campo cultural do tradutor. Tendo como eixo de sua reflexao a hist6ria de alguns "projetos de tradu<;ao", desenvolvidos em diferentes epocas e em diferentes contextos, 0 autor busca mostrar de que modo a tradu<;ao como apropria<;ao de textos estrangeiros e sempre urn fator constitutivo de identidades culturais domesticas, alinhadas com interesses sociais especfficos, isto e, nao universais na sociedade como urn todo. Desse modo, a tradu<;ao tambem constitui, segundo 0 autor, "sujeitos domestic os", no sentido de posi<;6es ideol6gicas determinadas justamente pelo grupo, classe ou institui- <;30a que se filia 0 "projeto de tradu<;ao". Nosso estudo sobre linguagem e identidades sociais focaliza as rela<;6es de natureza polftico-ideol6gica usual mente estabelecidas entre 0 uso da lfngua, 0 nfvel de escolariza<;ao do falante, sua identidade social, sua capacidade cognitiva e sua competencia na esfera publica. 0 movimento de configura<;ao e reconfigura<;ao da ordem social institufda em situa<;6es relevantes da comunica<;ao social no seio da sociedade hierarquizada e descrito como urn movi- mento de constru<;ao e descontru<;ao das bordas e fronteiras que, na linguagem, constituem as identidades sociais. Mas, como salienta tambem 0 autor, esse processo de consti- tUi<;aodas identidades sociais mediada pel a tradu<;ao e sempre uma faca de dois gumes: tanto pode consolidar quanta mudar canones e praticas culturais, tanto pode ser fator de reprodu<;ao do status quo quanto de desestabiliza<;6es e mudan<;as. Mais interessado na tradu- <;aodesestabilizadora, ou "nao etnocentrica", 0 autor argumenta em favor de uma etica da tradu<;aopautada pela considera<;ao da cultura de origem do texto a ser traduzido e tambem pela considera<;ao dos interesses de diferentes grupos domesticos, alem dos grupos domj- nantes. Uma questao importante, nesse senti do, e a do carMer neces- sariamente mesti<;oda tradu<;ao "nao-etnocentrica" e das implica<;6es des sa mesti<;agem para a defini<;ao de identidades etnicas e nacionais. Os estudos que comp6em a terceira unidade deste volume estao relacionados ao tema ldentidade e aprendizagem de lfnguas. Urn questao recorrente nesses estudos e a da aprendizagem de lfnguas como processo de subjetiva<;ao do aprendiz. No primeiro deles, Orlandi aponta a existencia de uma identidade lingufstica escolar como produto da escolaridade. Segundo a autora, a dinamica da repeti<;ao de saberes discursivos, caracterfstica da escola, esta rela- Com base em estudos sobre letramento, pragmatica linglifsti- ca e filosofia polftica, sao analisados os modos de integra<;ao de agricultores eleitos nao escolarizados a ecologia da comunica<;ao na camara de vereadores de urn municfpio nordestino. As disputas relativas a estrutura metapragmMica do discurso institucional sao apontadas como instancia<;6es de uma luta de natureza polftico-ideo- l6gica de configura<;ao e reconfigura<;ao das identidades sociais como categorias de organiza<;ao simb6Iica de uma ordem social institufda que procura manter esses vereadores na condi<;ao de "mem- bros" de direito, porem "nao membros" de fato, da institui<;ao. Concep<;6es culturais, ideoI6gicas e polfticas conflitantes acerca do que seja assumir 0 papel de urn vereador sao os principais elementos considerados, pois apontam para desestabiliza<;6es e descontinuida- des nas estruturas simb6licas hegem6nicas e respectivas categorias 12 13 cionada a produr,;ao da identidade como "movimento na historia", isto e. como deslocamento de posic;6es do sujeito que se conslitui nas/pe- Ias prMicas "1inguajei ras" escolares. ranle de suas relar,;6es consigo mesmo, com os oulros e com 0 saber. Nesse sen lido. a aquisir,;ao da "Ifngua malerna'·. ou lingua primeira. e "fundadora" da subjelividade, das identidad s individuais e coletivas. A segunda implicac;ao apresenlada e a de que a aprendizagem de uma lingua estrangeira vai sempre incidir na relar,;ao ja instaurada entre 0 sujeito e sua Ifngua ·'fundadora". Da-se sempre, segundo a autora, uma lomada de distancia em relac;ao a essa lingua, 0 que coloca 0 sujeilo diante dos efeilos. salutares ou desastrosos con forme o caso, da ruptura e do deslocamenlo provocados pelo aparecimento de um espac;o de diferenc;a. As dificuldades e bloqueios de aprendi- zagem explicam-se, assim. em funr,;ao juslamente dos modos de experienciar essa ruplura e esse deslocamenlo, nOladamenle no que se refere a conslituic;ao da propria idenlidade: "aprender uma Ifngua e sempre. um pouco. lornar-se um oUlro." Uma queslao importante. sugerida pOI' esle lrabalho. e a das dificuldades e bloqueios na aprendizagem da variedade de preslfgio de uma Ifngua pOI' falantes de oulras variedades dessa mesma lingua, como ocorre no Brasil. Dito de oulra forma. ate que ponlo poder-se-ia falar. nesse caso, do aparecimenlo de um espar,;o de diferenc;a e quais as implicar,;6es para a aprendizagem·.' Tendo como pressupostos basicos os poslulados da tradic;ao francesa de amllise do discurso sobre as relar,;6es entre historia. subjetividade e linguagem. pOI' LUll lado. e sobre as relar,;6es enlre significar,;ao. repelir,;ao e deslocamenlo, pOI' oulro. esse lrabalho relo- ma estudos anteriores da autora e estabelece uma lipologia da repe- lie,:ao na produr,;ao de linguagem. associando a repetie,:ao "empfrica" e a repelir,;ao "formal" as prMicas escolares de reproduc;ao. nas quais nao se dao os processos idenlificalorios necessarios a filiac;ao do sujeilo a uma memoria inlerdiscursiva ou espae,:o de conslituic;ao de sentidos e de posic;6es. Essa filiar,;ao so se daria. segundo Orlandi, quando a repetic;ao e '·hislorica". isto e, quando nao exclui a interpre- lac;ao e os desiocamelllos de sentidos. mecanismos que historicizam o discurso do aprendiz e que podem conlribuir para que ele ocupe a posie,:ao de autor (em cOlllraposie,:ao a de mero reprodulor). Uma questao imporlanle para debales fUluros. inspirada pOI' este trabalho, e a da idenlidade IingUfstica do professor de lingua materna. quando esse proICssor ja nao domina 0 conjunlo de saberes/dizeres a ser reproduzido na/pela insliruic;ao. DilO de outra forma, quais seriam as implicae,:6es de se falar de historicizar,;ao e de aUloria para 0 casu dos deslocamenlos de formas e senlidos promovidos sislemalicamenle pelo professor em sala de aula') o eSludo apresenlado pOI' Serrani-Infante filia-se a lradir,;ao francesa de an:\lise do discurso e busca repensar a produr,;ao em segundas IInguas como variante de um processo mais amplo de "tomada de palavra signi ficanle". ou inscriC;ao do sujeito numa ordem simbolica que 0 produz como sujcito e que e delerminada pOI' fatores nao cognitivos e nao formulaveis. Os fatores especffieos analisados sao 0 da dimensao inlerdiscursiva da alteridade propria a uma segun- da Ifngua e 0 dos processos ideillificat6rios como mecanismos in- conscientes de "captura" do sujeilO pela ordem dos trac;os significanles nessa segunda lingua. Esses fatores sao discUlidos a partir de conceilOs empreslados it leoria lacaniana da subjetividade. Conlrapondo-se il logica instrumenlal de produc;ao de lingua- gem que orienta a maior parte dos melodos de aprendizagem de IInguas. 0 lrabalho de Revu/. focaliza a queslao da aprendizagem de Ifnguas a partirde uma rellexao aprofundada sobrc as implicar,;6es do postulado lacaniano do sujeito como um ser "em Ifnguas". Partindo de uma prohlemalizae,:ao dos diagnosticos comumente aceitos para explicar as dificuldades de aprendizes de uma Ifngua eSlrangeira, a aUlora argumellla em favor de duas implicac;6es basicas. A primeira C a de que a aquisic;ao de uma Ifngua se lraduz pela inslaurac;ao de Lima relac;ao do sujeito com 0 simb6lico. que e complexa e estruru- Contrapondo-se a 16gica da diferene;a e do conlraste. lradicio- nalmenle presenle em eSludos sobre bilingliismo. bem como aos modelos inleracionais de aquisi~'i'io de segundas IInguas. a autora 1-1 15 chama a aten<;ao para a necessidade e 0 interesse de se focalizarem mais profundamente os fatores nao cognitivos, relacionados ao su- jeito do inconsciente, atuantes no processo de aquisi<;ao de segundas lfnguas. Este trabalho traz para debates futuros a importante questao do papel a atribuir as rela<;6es sociais nesse processo, mais especifi- camente, as rela<;6es sociais estabelecidas em sala de aula. A quarta unidade deste volume e constitufda por trabalhos relacionados ao tema Identidade e intera<;ao em sala de aula. Uma questao recorrente nesses trabalhos e a da intera<;ao em sala de aula como vetor dos processos sociais de identifica<;ao. No primeiro deles, Kleimanpretendemostrarcomo, na intera<;aoalfabetizador I alfabetizando adulto, as diferen<;as de oportunidades de aquisi<;ao de instrumentos simb6licos de fala publica existentes entre os sexos, pode ser refor<;ada, ao inves de rompida, acarretando prejufzos para a constru<;ao de uma "identidade letrada" para 0 analfabeto do sexo feminino. intera<;aoem sala de aula e vista pelo autor como uma forma de a<;ao discursiva de particular importancia nesse processo. Atraves da analise da intera<;ao professor/alunos numa aula de leitura de uma turma de Sa serie de uma escola publica, 0 autor descreve 0 modo como sao instanciados e naturalizados significados sociais atribufdos a diferentes situa<;6es, personagens e rela<;6es de poder na vida social, inclusive a hierarquiza<;ao das posi<;6es de professor e aluno e as diferen<;as na atribui<;ao dos significados sociais relacionados a essa hierarquiza<;ao. Enfatizando a responsabilidade do professor na produ<;ao/reprodu<;ao de significados sociais determinantes tanto para 0 futuro do aluno, quanto para 0 futuro de toda a sociedade, MoitaLopes retoma contribui<;6es suas anteriores e chama a aten<;ao para a necessidade de uma educa<;ao lingufstica que capacite professores e alunos a interromperem 0 ciclo da reprodu<;ao e legitima<;ao de significados sociais hegem6nicos. Este trabalho traz para debates futuros a necessidade, nos cursos de forma<;ao de professores, de uma reflexao sistematica sobre os mecanismos de inclusao/exclusao atuantes nas praticas habituais de sala de aula. A partir da analise de uma aula de leitura, a autora descreve os modos de organiza<;ao da intera<;ao em saJa de aula que, segundo ela, favorecem a exclusao dos padr6es femininos de interven<;ao e, consequentemente, de interlocutores do sexo feminino. Esse trabalho traz para debates futuros inumeras quest6es relacionadas ao conceito de "identidade letrada", como, por exempJo, a das rela<;6es do letramento escolarizado com uma ordem social e simb6lica de domina<;ao do masculino que, segundo as teorias feministas de estudo do genero, e inerente as tradi<;6es culturais ocidentais de prestfgio. Tambem na esteira das tradi<;6es socio-etno-lingufsticas de estudo da intera<;ao social como processo em que sao (re) produzidas as identidades dos interactantes e os contextos mais ou menos propfcios a um trabalho comum de (re) produ<;ao de significados sociais, 0 trabalho de Moita Lopes defende uma concep<;ao do discurso como constru<;ao de significados sociais e da identidade como significado social atribufdo a uma posi<;aoocupada pelo sujeito nas rela<;6es sociais. A intera<;ao e apontada como "unidade basica de analise" do processo discursivo de constru<;ao da identidade, e a Na quinta e ultima unidade deste volume, nosso trabalho Lingua (gem) e identidade em questiio: figuras e modelos contempo- roneos da subjetividade e uma tentativa de sistematiza<;ao de algu- mas das principais quest6es suscitadas pelo debate contemporaneo sobre as no<;6es de sujeito e subjetividade em suas rela<;6es com as praticas de linguagem e com 0 princfpio cientffico da identidade, herdado da tradi<;ao iluminista. Atraves do exame de figuras e mo- delos, relacionados a diferentes paradigmas da tradi<;ao cientffica e filos6fica de estudo da questao, sao apontados os diferentes enfoques na problematiza<;ao do conceito classico de identidade, como tam- bem de outras categorias tradicionais de analise. Tambem atraves desse exarne e demonstrada a importancia atribufda a etica e a estetica, em detrimento da moral e de outros c6digos sociais estabe- lecidos, nos processos de subjetiva<;ao descritos pelos modelos mais recentes de estudo da subjetividade. 16 17 A divisao do trabalho em duas partes distintas, mas interrela- cionadas. tem 0 objetivo de focalizar 0 modo como a figurar,:ao literaria ou filosMica e a elaborar,:ao de aparatos conceituais discur- sivos se inspiram e se iluminam uns aos outros no pensamento conlemporaneo. notadamente no que se refcre ao entrelar,:amenlo de qLlcstoes de natureza eli ca. estelica e cicntrrica. E esse e LImaspecto imponante para 0 debate tambem no campo aplicado. Ines Signorini PARTE I LINGUA. LINGUAGEM E IDENTIDADE: QUESTOES E PERSPECTIVAS IX I. 0 CONCEITO DE IDENTIDADE EM L1NGUfSTICA: E CHEGADA A HORA PARA UMA RECO ISIDERAC;:Ao RADICAL?' Kwwvi/Ii/ Rajagopa/all ... fOdos(a/all/os [lio livrell/ell[e de Ifllglla. 011 /fllgllas, q/le [elldell/os a esqllecer qlle essas coisas nlio exi.Hell/ 110/I/III/do real: 0 qlle exis[e slio apellas pesso(/s e se/·/s dil'('/'sos prod/l[oS {/c/isticos e escrilOs. Esse P011l0. ()hl'io ell/ si /I1eSIlIO. e no en Ian IU faci/ de esqllecer ... Donald Davidson. A seg/lllda pessoa, ms. Biblioteea Howison. Universidade da California. Berkeley. Chavoes ll1uitas vezcs scrvcm para ilustrar. Comcccmos entao COIll UIll chavao. Eo seguintc: Uma pessoa que conhece uma lingua domina um sistema de regras que. de um modo dclinido. atribui som e signiticado a uma c1asse intinila de frascs.. Naturalmeille. a pessoa que con heel' a lingua nao lem consciencia dc tel' dominado cssas rcgras ou de estar fal.endo uso delas. nem ha ral.ao alguma para supor que 0 conhccimcnlo Liasrcgras possa lornar-se eonscicIlle. Tradu,ao de .-\lllliro Pisella. 21 Passagens como essa de Chomsky (1972: 103-4) nos sao tao familiares que raramente ficamos espantados ante a maneira comple- tamente fortuita na qual 0 autor se refere a "uma lingua" e a "uma pessoa que conhece uma !fngua" - porque, como veremos, esses sao termos cujos contomos conceituais sao extremamente nebulosos e imprecisos, especial mente em seu senti do ordinario, nao-generico e nao-abstrato, que aquele no qual os leigos, em contraposi<;ao aos lingliistas, estao mais propensos a pensar quando encontram essas express6es. I Chomsky, no entanto, esta simplesmente seguindo uma tradi- <;aocom bases muito s6lidas na Iingliistica te6rica. De fato, sucessi- vas gera<;6es de lingliistas quase nunca deram qualquer sinal de estar minimamente perturbados com esse truismo urn tanto embara<;oso de que, ap6s anos de pesquisa, os Iingliistas ainda nao apresentaram uma defini<;ao satisfat6ria, que utilizasse apenas criterios Iingliisticos, do que seja "uma lingua" (em oposi<;ao a "lingua" - sem a anteposi<;ao de urn artigo) (cf. Harris, 1981). Ao contrario, eles geralmente se dao por satisfeitos com alguma vaga defini<;ao geopo!ftica - alguma coisa como "por 'lingua x' n6s queremos dizer a !fngua que 0 povo fala em tal pais ou provincia ou seja la 0 que for". Dispondo dessa defini<;ao desleixada, tosca mas eficaz, de "uma lingua", 0 tipico lingliista te6rico passa a tratar daquilo para 0 que, na sua opiniao, esta mais bern equipado: "lingua". Lembrando o famoso argumento de Saussure, "tomada como urn todo, a fala e multi-facetada e heterogenea ... nao podemos encaixa-la em nenhuma categoria de fatos humanos, pois nao podemos descobrir a sua unidade. A !fngua, pelo contrario, e urn todo auto-contido e urn principio de c1assifica<;ao" (Saussure, 1959: 8). Note-se que aquilo que contrasta com 0 "todo auto-conti do" e a fala (langage), e aquilo que se afirma ser desse modo delineado e "lingua", nao "uma !fngua" em seu sentido nao-generico, individualizante. Sapir (1921: 206) segue os mesmos passos quando observa: "A !fngua e 0 mais auto- contido, 0 mais resistente de todos os fen6menos sociais. E mais facil elimina-la do que desintegrar-Ihe a forma individual." Se Saussure e Sapir se referem a !fngua no senti do generico, para Chomsky "!fngua" e urn substantivo abstrato nao pluralizavel e a maior preocupa<;ao dele esta em "restringir a lingliistica it busca de universais e definir propriedades" (cf. Householder, 1971: 2). Ferguson e Gumperz (1960: 2) analisaram a situa<;ao da seguinte maneira: ...a maioria das definir;:5es de lingua em voga entre os lin- giiistas hoje est:i mais preocupada em separar 0 comporta- mento de fala de outras atividades humanas ou em separar sistemas lingiiisticos de outros sistemas semi6ticos do que em definir os limites de linguas isoladas. Ha alguns autores que tratam do assunto procedendo como se fossem falar de linguas em seu sentido concreto, em vez de "!fngua" em seu sentido generico ou abstrato. Mas depois de colocar 0 proble- ma, mudam de assunto repentinamente, como atesta a seguinte observa<;ao de Moulton (1969: 4): A lingiiistica e 0 ramo do conhecimento que estuda as linguas de todas e quaisquer sociedades: como cada lingua est:i construida; como varia atraves do espar;:o e muda atraves do tempo; como se relaciona com outras linguas; como e usada pelos falantes. Fundamental para todos os ramos da lingiiis- tica e a pergunta b:isica: 0 que e lingua? 1. Este trabalho e uma versao bastante revisada e expandida, preparada a partir de notas usadas para uma palestra no Departamento de Lingiifstica Aplicada da Unicamp, no dia 28 de mar~o de 1994. Muitas ideias contidas neste trabalho sao resultados parciais de urn projelO de pesquisa em andamento financiado pelo CNPq (n° 306151188-0). E de se preyer que a situa<;ao seja muito semelhante quando se tratade distinguir entre categorias conceituais nebulosas como "!fngua" e "dialeto". "Qual e exatamente a diferen<;a," pergunta Mario Pei (1965: 47), "entre uma !fngua e urn dialeto?" "Ate mesmo os Iingliistas se abstem de responder," continua 0 autor, "e com razao. Quando uma !fngua e submetida a uma analise de microsc6pio, percebe-se que e infinitamente diversificada." 22 23 Crilerios farmais e funcionais (e portanlo "puramente lingUfs- licos") lais como semelhan<;as eSlrulurais e inleligibilidade mulua mostram-se. como se sabe. lamenlavelmenle insuficienles quando se lrata de dislinguir uma Ifngua de oulra. especialmenle se elas forem faladas em <\reas geograficamenle conlfguas ou. pior ainch em ,\reas indiscriminadamenle disseminadas uma na oulra. Um unico exemplo deveria iluSlrm adequadamente esse caso. 0 hindi e 0 urdu sao tao semelhanles em sua eslrulura - e. soh muilos aspeclos. idenlicos- que alguns lingLiislas da India e do Paquislao vem ha algum lempo propondo ardorosamenle a id6ia de poslular uma unica Ifngua suhja- cenle chamada "hirdu" - uma hip6tese fadada desde 0 infcio a SCI' rejeililda pm razoes politicas. nao importando 0 quanlo sejam con- vincentes os argumentos lingUfslicos a seu favor - pOI' causa das animosidades religiosas que duranle seculos Iegilimaram a dislin<;ao nominal e pm sua vez foram oficialmenle reconhecidas pOI' cia. as palavras de Gumperz e Wilson (1971: 166 n.).o hindi eo urdu "sao dislinlos polllica e culturalmcnle ... mas qLhlse idenlicos do ponlo de visla lingLifslico.·· Quanlo ~I inleligihi lidade mutua. Swadesh ( 1972: l-l) nolou quc falanles das duas Ifnguas "consegucm enlender-se com pouca dificuldade. Seus problemas nesse caso sao menores do que aqueles enconlrados par dois ilalianos. LlIllfalando a varianle venela eo oulro a napolilana··. Assim. c perfeilamenle possfvel enconlrar. digamos. nos arredores de NO\'a Delhi. dois homens lranqLiilamenle senlados sob uma figueira-da-fndia e enlrelidos numa con versa ani- mada. os quais. ao serem inlerrompidos pelo nosso sempre eurioso IingLiisla aluando em pesquisa de campo e sol icilados a idenli ficarem a Ifngua que eslavam falando. irao apesar de ludo divergir radical- menle um do oUlro. um insislindo que eSlivera falando hindi 0 lempo inleiro C 0 OUlro igualmenle taxalivo ern sua afirma<;ao de que fala urdu. 0 hindi eo urdu sao. pelas explica<;oes oficiais. duas IInguas dislinlas. Manuais b,\sicos que lralam das Ifnguas do mundo informa- rao que 0 hindi c falado na india e num punhado de oulros pafses como as ilhas Maurfcio. Figi. Trinidad. Suriname e Guiana, ao passo que 0 urdu c a Ifngua nacional do PaquislaO. A diferen<;a enlre essas Ifnguas nao c lingLifstica: c religiosa e geopolflica. E lamhcm 0 caso do hindi e do urdu nao constilui uma exce<;ao a uma regra soh outros aspeclos bem comportada. Como os lingLiistas h,\ muilo lempo perceberam, para seu grande embara<;o. enquanto 0 conceilo de "0 Ifngua" pode SCI'explicado de modo formal ou funcio- nal. em lermos behaviorfslicos ou menlalistas ou em lermos de qualquer uma das outras conhecidas oposi<;6es binarias cujas discuss6es Ihes loma uma parte enorme do tcmpo. 0 conceilo de "uma lingua" apenas faz sen lido quando cnlendido como sendo geopolflico. o conceilo de "uma pcssoa que conhece uma Ifngua" nao e menos problem,\tico. Os lingUislas. como os leigos. freqLienlemenle se reJerem a "falanles da Ifngua x" como se nao houvesse nenhum problema cle qualquer especie para decidir quem pertence e quem nao pertcnce ao grupo que eles assim prelendem idenlificar e discriminar. Mas. como os contornos cle "uma comunidade de rala" e conseqLien- lemenle do que goslarfamos de vel' designado sem ambigUidade pelo usa da expressao "uma Ifngua". 0 termo "um falanle de uma lingua" lamb6m se revela. num exame mais cuidadoso. extremamenle pro- blem'\lico. POI'que aconlece que "um falanle-ouvinle ideal numa cOlllunidade de fala completamente homogenea". le tudo 0 maisj ... " (Chomsky. 1965: 3) c apenas isso: ideal. Os homens e mulheres reais que caminhalll sobre a face da terra CSlaO muilo dislantes daquele ideal.~ngve (1971: 30) cxpressa seu descontenlamenlo da seguinle forma: "A maioria dos lingLiislas habilualmente desvia os olhos como se livesse vergonha de olhar para as pessoas reais. ou como se julgassc que nao e muito eleganle e digno fazer isso.·' "0 enfoque do pluralisillo lingUfslico como Ulll fenomeno social," diz Pandil (1975: 177). "se lorna mais significalivo quando levamos em conla 0 raLO de que a maior parte dos seres humanos pertence a cOlllun idades IingUisl icamenle pi ural iSlas," 0 segu inle estudo de caso relalado par Pandil (ibid.) e altamenle instrulivo nesse conlexto: Ullla nianr;a niada nUIl1Illeio lllullilfngLie aprende Il1UilO cedo (eillre a iclade de dais e Ires anos) que lingua usaI' com quelll c quando. Considere-se uma siluar;ao (quce verdadeira c IllUilOCOIllUIllelll Delhi) na qual os pais relll Ifnguas 24 25 maternas diferenles: 0 pai fala panjabi e a mae ingles: a mae, que e eSlrangeira (provenienle de uma eomunidade mono- lingue). fala apenas ingles. 0 pai. que e escolarizado, fala panjabi. hinclustani e ingles: a lingua usada com os servir,:ais da cas a C 0 hinduslani: os pais conversam entre si em ingles: as visitas. se se lratar de parentes da familia. passarao cons- laillemenle do panjabi para 0 ingles e vice-versa: os grupos de colegas do filho usam 0 hinduslani na idade mais tenra: 0 ingles sera acrescentado quando 0 grupo atingir a idade escolar. numa comunidade cosmopolila. porque a maioria cia, crianr,:as frequentam escolas cle lingua inglesa (nesse caso. a comunidade e 0 COli/PUS universitario). diferen<,:a nesse ponto entre Chomsky e seus predecessores, os assim chamados lingUistas estruturais. e que enquanto Chomsky achava perfeitamenle normal que 0 leorico coletasse os dados de que preci- sa va introspectivamente, isto C, usando a si mesmo como informante nativo. os estruturalislas como Bloomfield acharam melhor e ciellli- ficamente mais seguro nao anal isar a propria fala, recomendando que numa situa<,:ao ideal 0 lingUista de campo e 0 informante nalivo de veri am SCI' duas pessoas di ferenles. R. A. Robins (1964: 364) formulou sucintamente a posi<,:ao estruturalista nessa questao, ao escrever: "0 informante ... e uma parte fam iliar e necessaria do estudo de qualquer lingua viva. 0 informanle niio cum professor nem urn lingUisla: c simplesmente Llillfalante nativo da lingua." 0 posiciona- men to gerativista chomskyano esta resumido na seguinte observa<,:ao de Morris Halle: "Uma descri<,:ao cientffica completa de uma Ifngua deve perseguir sobreludo um objelivo: precisar e explicitar a habili- dade do falante nativo de produzir elocu<,:6es naqucla Ifngua" (Halle, 1962: 64). Urn exame cuidadoso revela que a unica diferell(,:a entre as cluas posi"oes consiste numa omissao: Halle exclui de sua obser- va<,:aoa crucial injun<,:iio eSlrutural isla de confiar os papeis do lingUis- ta e do informante a pessoas diferentes sempre que posslvel, permitindo assim a possibilidade de que 0 lingUista seja tranqUila- menle seu proprio informante. Mas mesmo aqui houve uma nftida preocupac,:ao de man leI' separados e distinlos os dois papeis. 0 do lingUista e 0 do informante. e de certificar-se de que eles nao se confundissem. Chomsky expressou essa preocupa<,:ao logo no infcio de sua carreira quando disse que uma gramalica genuinamente cien- tlfica "lenla especificar 0 que 0 falanle realmenle conhece. nao 0 que ele possa relatar a respeilo de seu conhecimenlo"(Chomsky. 1965: 8). deixando claro que 0 direilo de emilir pareceres metalingUfsticos deve ser de preferencia reservado como prerrogaliva exclusiva do lingUista Cf/(U perilo pro fissional no assunlO (islo e, 0 lingUisla qua lingUisla). deixando para 0 informaille (e isso inclui 0 lingUista qua informanle de si mesmo) a larefa mais lrivial e menos responsavel de apresenlar dados aUlcnticos e relevanlcs para a analise do lingUisla. A observa<,:iio cle Chomsky tem uma surpreendenlesemelhan<,:a com Evidentemente. falar de "UIIl ou [del 0 falante de /(I1lU lingua" num caso como 0 descrilO acima ceriaI' uma ficc,:ao refcrencialmenle uli\. Na realidade. parece que 0 que lemos C urn indivfduo composto ou. mel hoI' ainda. um indivlduo proleiforme cujas reivindica<,:6es de SCI'um falanle desla lIngua e nao daqucla se baseiam sobreludo em certos fatores como lealdade lingUIslica que, por sua vel. lem a vel' com a posslvel simpatia do indivfduo em questao par um dos varios partidos politicos sectarios au nacionalislas, com a intensidade de sua identifica<,:ao com este au aquele grupo religioso etc.2 o que a discussao ale aqui revela e que a lingUIstica. desdc a sua eSlreia como cicncia moderna. lomou a queslao da identidade como uma questao pacffica, lanlo no casu cia idenlidade de uma Ifngua quanto no cas a da identiclade do falante de uma lIngua. A unica 2. A propria descric;:ao que Pandil raz de seu caso espedflco e problemalica. Numa siluac;:ao conslilulivamenle mullilinglie como a que de observa. fica difkil ver scnlido cm "a mae. luna eSlrangeira (provenienle de uma sociedade monolinglie). rala apcna, ingles". Se isso for de rato verdade. a mulher ern queslao e uma pes,oa socialmenle incapacilada. POl'outro lado. se elo obliver algum eXilOno seu proces,o de acullllrac;:50 ao eSlilo de vida da c1asse media de Delhi. enlao ja nao sera verdade que elo "falo apenas ingles'·. Deixando de lado o fato de que 0 ingles que cia r~laj~i nao e mais 0 que ela conSlumava falar como lllll dos membras de uma "sociedacle monolingiie". a ralanle em queslao deve leI' perdido sua "inoeencia Illonolinglie" grac;:as ao comato com a cullum "eslrangeir~" que a acolheu. 26 27 o preceito estabelecido por Bloomfield uns vinte anos antes, no senti do de que aquilo que um informante nativo disser em sua lfngua nao deveria de forma alguma ser confundido com aquilo que 0 mesmo informante possa ocasionalmente sentir-se tentado a dizer sabre sua lfngua (cf. Bloomfield, 1994). CUS10 C palenle. par exemplo. na seguinle observac,:ao de Anlilla (1972: 349. citadaem Coulmas. 1981: 9): Assim, na lingi.ifstica estrutural americana pre-chomskyana, o falante de uma lfngua e tipicamente considerado como uma pessoa plenamente auto-suficiente no que se refere aos prop6sitos da ciencia lingUfstica. Ele conhece sua lIngua, na verdade e a autoridade supre- ma no assunto. Ele afinal e capaz de dizer, como Chomsky iria insistir mais tarde, "todas e apenas as frases gramaticais" que pertencem a sua lIngua". (E verdade que, com Chomsky, 0 centro de gravidade deslocou-se para 0 ideal nativo, mas quando os primeiros chomsky a- nos disseram coisas como "Urn falante nativo de uma lfngua sabe que ... Portanto uma gramatica adequada deve dar conta do fato", eles estavam com toda;! probabilidade referindo-se a urn falante generico, alguem empiricamente mais concreto do que a versao abstrata, idealizada, contemplada pela teoria). Alem disso, as elocw;6es que ele produz em sua Ifngua sao todas, por definic;:ao, autenticas - isso eo que 0 toma 0 falante nativo daquela Ifngua. 0 nativo nunca erra. (Ha nisso algo espantosamente supra-humano - e 0 que se poderia chamar de a apoteose do falante nativo em lingUfstica.) Uma vel. que voce leve um lreinamenlO lingUislico. voce eSlragou suas inlui~'oes narivas de ralanle normal, e voce nao pode escrever uma gram,\tica que seja real do ponto de vista psicol6gico para um ralallle normal. Os lingUislas nao sao ralantes normais quando escrevem gramalicas. A principal prcocupac,:ao de Antilla c desafiar a pralica genl- livista do lingUista que eSluda suas pr6prias intuic,:oes como um falanle nalivo de sua lingua. e fica claro que ele ap6ia a opc,:ao eSlruturalisla de eSludar as Ifnguas de oulros povos. Mas nao c diffcil perceber pm tr<ls de sua afirmac,:ao 0 mesmo senti men to de inexpli- cavel reverencia para com 0 nativo. bem COlllO a sensac,:ao crescente de auto-reprovac,:ao pOI' "invadir" um espac,:o ,1Iheio onde de simples- Illenle nao deveria estar. sensac,:ao que sislemalicamenle alormentava o antropologo eSlruturalisla da primeira melade do nosso scculo. Existe tambem a ideia do falante nativo como uma especie de "born selvagem" lingi.ifstico, que esta implfcita em alguns pressupos- tos basicos da lingi.ifstica te6rica. Isso se toma bern evidente em muitas das recomendac;:6es praticas que os lingUistas freqUentemente fazem a respeito da polftiea da lfngua, do ensino de Ifngua etc. A literatura esta repleta desses capciosos slogans como "Deixe sua lIngua em paz!" (Hall, 1950), "Tire as maos do ingles pidgin" (Hall, 1955), "Nao foi isso que eu quis dizer: como 0 estilo conversacional cria e rompe relacionamentos" (Tannen, 1986) etc. usados como Ilttilos de trabalhos academicos que, sem surpresa alguma, sao suces- sos de vendas como verdadeiros best-sellers. A ideia de que a inocencia nativa do falante nativo deve ser preservada a qualquer A identidade do individuo falante ocupa assim uma posic,:ao cenlral na construc,:ao da tcoria lingUistica. 0 proprio conceilo de individuo c fiel it sua climologia. Um individuo e invariavelmenle concehido COlllO um eu individido e indivisivel (elc e ou categorica- mente nao e um falanle nati vo de uma lingua - nao havendo provisao para graus de natividade). Tambcm do ponto de vista ontogenctico. um individuu larna-se um falante de uma lingua 10lalmenle maduro assim que liver alingido cena idade. As crianc,:as nao conlam; sao COlllO larvas. objelos de curiosidade. inleressanles apenas na medida elll que podem ajudar a perceber melhor os que sao lingUislicamenle adullos. Essa lese foi na verdade reilerada pm Cholllsky nUll1lrabalho recenle (Cholllsky. 1995). em que 0 aulor !evanla a questao aeerca da propriedade de considerar sua neta de qualro anos uma falanle naliva do inglcs no senlido genuino do lermo. Segundo Chomsky. ha poueo espac,:o para qualquer indecisao nesse ponlo - 0 que a crianc,:a fala. se c que realmenle se pOLk chamaI' de ullla Ifngua .... eSla muilO dislanle da lingua inglesa. a frenle filogcnclica. a siluac,:ao tambcm 28 29 nao e muito diferente. Os macacos e os membros de outras ordens inferiores do reino animal nada tern a nos ensinar acerca dos misterios daE9!ldade da Ifngua humana; pois a Ifngua e inteiramente especf- fica da especie homem. Do ponto de vista evolucionario, portanto, a lfngua foi adquirida, pOl' assim dizer, instantaneamente - (0 primei- ro homo loquens deve tel' tido uma infancia traumatica pOI' nao tel' podido falar "de homem para homem" com seu pai!) 0 falante nativo individual e, no ambito da lingtifstica, uma entidade plenamente totali- zada, alem de ser, como ja vimos, pura, incorruptfvel, autentica e esmvel. Nao e diffcil rastrear a genealogia do falante nativo na lingtifs- tica modema. POI' tras do conceito do falante nativo na Iingiifstica esta a inven<;ao do seculo XVIII chamada "indivfduo". Como ressal- tam Goldstein e Rayner (1994), no come<;o do perfodo modemo 0 conceito de "identidade" come<;ou a ser visto cada vez mais em termos essencialistas. 0 indivfduo era, desse momenta em diante, urn eu constitufdo de forma unica, cuja realiza<;ao suprema - aquela que, na visao de Kant, no fim prepararia 0 caminho da emancipa<;ao daquele indivfduo - foi a auto-consciencia cartesiana. Taylor (1992: 25 e ss.) observa como a emergencia desse novo indivfduo aconteceu em marcante contraste com 0 conceito anterior, tfpico do feudalismo e do perfodo medieval, que via 0 indivfduo como sendo definido pOl' urn status atribufdo social mente. Segundo Taylor, numa sociedade sem uma hierarquia estrita, imposta social mente, 0 problema da identidade tomou-se mais serio do que nunca em epocas anteriores, pela simples razao de que a pergunta "Quem sou eu?" ja nao podia ser respondida de improviso. o auge da Iingtifstica estrutural americana - quando 0 famoso "lingtiista da selva" de Quine dominava 0 campo - 0 Iingtiista estava no fundo tentando en tender a si mesmo e determinar sua propria identidade, tomando 0 nativocomo seu "objeto" de estudo. Sua conduta profissional era marcada pOl' urn medo quase mistico de "contamina<;ao" pelo contato excessivo com 0 nativo (muitas vezes expresso inversamente como 0 dever moral de nao contaminar 0 nativo, mas sim preservar-lhe a preciosa identidade de 30 "bom sel vagem·'. ai nda nao corrompido pela ci vi Iizar,:ao oeidental, aqui representada pelo lingUisla). No mfnimo, essa 6 uma maneira de en lender 0 memoravel conselho de Bloomfield (diseutido anrerior- mente) de nao eonfundir as nfveis - aqucle do nativo. de quem se espera 0 fornecimento de dados e aquele do investigador autorizado a fornecer a analise cientffica daqueles dados. "0 papel do lingUisla nessa silUar,:aO." diz ele (Bloomfield, 1944: 49), "6 observar." Se os estruturalistas buscaram 0 nalivo "incivilizado" a fim de assegurar-se de sua propria identidade incerta. os chomskyanos sentiram-se mais que felizes par poder olhar para dentro de si mesmos a rim de esmiur,:ar sua idenlidade ultima. Com certeza, esse C um dos tra<;:os dislintivos que faz da "LingUfstica Gerativa" um empreendimenlo verdadeiramenlc cartesiano. A obscrvar,:ao de Chomsky de que uma gram:'ilica realmente cienlffica "tenla especificar 0 que 0 falante de faro conhece. nao 0 que ela possa relatar sobre seu conhecimento" (enfase acresccntada) (Chomsky. 1965: 8) c particularmente revela- dora a esse respcito. Pais, que modo mais cficaz haveria para alguem certificar-se de que aquilo que se especiFicou e aquila que 0 nativo de fato conhece do que intuindo os fatos relevanles. iSlO 6. usando a si mesmo como LlIll informanle nativo, em vel. de esperar inFerir esses falos do comportamento de estranhos') Mas a observar,:ao de Chomsky lambcm aponta para a profun- da convicr,:ao de que a aUlo-consciencia em quesloes IingUfslicas e a prerrogativa do lingUista. e isso significa que cle e quem segue a orienta<;:ao tearica certa. a saber. a sua. A id6ia portanlo nao e que a auto-conscicncia lingUfslica seja algo a que qualquer ZC. luca e loao poclc aspirar: em vel. disso. a idcia de Chomsky preconiza que. armado com a leoria certa. um lingUisla leoricamenle pode esperar alingir aquele eSlado de auto-consciencia. 0 objetivo supremo esla- belecido par Descartes para a investigar,:ao racional. A lingUfstica e uma investigayiio racional na medida em que torna a aUlo-consciencia efetivamente possfvel. e 0 lingliisla qlla lingliista c qualitalivamenle diferenle do lingUista qlla falanle nativo comum. Uma implicar,:ao importantc da \'isiio de Chomsky - e nesse ponto eli: c cem por cento 31 ~Irtcsiano - IS que nao hci regiao da menle do nmivo que el"!lprincfpio seja inacessfvel ao escrulfnio inlrospeclivo. De falo. a proposilo do dogma carlesiano. Anlony Flew (1971: 2g2) escreveu: Sendo que pela sua explicar;ao eu sou ullla Illente e sendo qlle lalllbcm se afirllla que a esscncia - a caracleristica definidora - da Illenle e pensar. 0 que aqui significa dizer estar conscienle. deve-se concluir que para Ulll cartesiano /111.'1/11.' I/lCOI1.1'CII.'I1/1.' C ullla expressao conlradilOria. NOle-se que linguislas como Voloshinov e Bakhlin. que pro- t'cssam uma abordagem marxisla da Ifngua e da lingufstica, e que portanlo rejeilam a ideiade Llillindivfduo lendo umaexislencia inicial e primelria (da qual se devem derivar OUlras cmegorias colelivas). manlcm lodavia 0 conceilo carlesiano de um indivfduo individuado e indi visfvel. bem como a ideia de que parte alguma da conscicncia de um indivfcluo e lcaricamenle inacessfvel ~I inlrospec<;ao. Assim. mesmo quando expressa sua lola I insalisfa<;ao com as abordagens da Ifngua que. seguindo 0 exemplo de Wilhem von Humboldt. conside- ram a psique individual como a fonle cia Ifngua (Voloshinov, 1973). Bakhlin nao faz ncnhum esfor<;o para queslionar a inlegridade pUla- liva do sujeilo da linguagem. Ao conlrario. a responsabilidade da explica<;ao e deslocada do indivfduo (pessoal. subJelivo) para uma idenlidacle coleliva chamada classe social. Jacob Mey (1981: 75) explicila a 16gica por lras disso quando di7.: ". nao helnada "nascido" na habilidade de falar. Na melbor lias hipoleses. 0 acontecimenlo rfsico do nascimenlo e im- portanle s6 porquc marca 0 come<;:ode uma passive I socia- lizar;ao. A socializa~·a(). pon51ll. nao c um aconlecimenlO abslralo. E um processo que ocorre numa sociedade concrela. Em oUlras palavras. 0 falanle IS real c imp0rlanle apenas na medida em que cum ser social. Para Mey. como lambem para Bakhlin c Voloshino\'. a condi<;ao social de um falanle IS uma parle essencial de sua naluralidade: "Para os seres humanos. c natural scr social. A nalureza deles IS a sociedade·1 (iIJid). A idenlidade do indi vfduo 32 falante qua usuario plenamenlc socializado da lingua e ainda enlen- dida em lcrmos essencialislas. Isso eSI,) muilO de acordo com 0 espirilO cle Marx para quem. nas palavras de Flew (197\: 476) "a especie parece vir anles do que os indivfduos de carne e osso e ser mais real do que eles". A principal queixa de Bakhlin contra 0 que elc chama de "objelivismo abslralo" (rejeilado par ele com a mesma veemencia com que rejeita 0 'subjelivismo individualisla' hum bold- liano) eSln conlida na seguinle observa<;ao (Voloshinov, 1973: 66): De lim um POIllOde visla realmenle objelivo, que tellla ver a lingua de uma forllla IOlalmente dissociada de como ela se afigura a qualquer individuo delerminado em qualquer mo- mento espeeifico do lempo. a lingua representa a imagem de um incessanle Iluxo de vir-a-ser. Do POl1l0 de visla da observar;ao de uma lingua de um modo objelivo. do alto. nao hel nenhum momenlO real do lempo em que um siSlema sincr6nico de linguagem pudesse ser conslruido. ole-se que a insatisfa<;ao de Bakhlin com a Iingufslica sin- cr6nica saussureana est[) relacionaela com 0 falo de que cia nao da a devida alcn<;ao ao indivfduo concrelo localizado no lempo e no espa<;o. Para Bakhlin. 0 estruluralismo nao ICln por objclo a lingua real. porquc a Ifngua real c aquilo que falam as homens e as Inulhcres rcais. E os homens e as mulhercs reais sao. COlnOdiz Mcy. indivfeluos socialit.ados. "A lingufslica esluda uma lingua viva como se fosse uma Ifngua morta e uma Ifngua Ilaliva como se fosse ulna Ifngua eSlrangeira."(Voloshinov. 1973: 77n). No enlanlO, nem loelas as colelividades sao igualmenlc "nalurais·'. A icl6ia cle "nacionalidacle" c uma dessas id6ias. Desse modo, aprovando. ele cila uma passagem de A origell/ da IllIgl/a de Marr. em que 0 principal Iinguisla marx iSla da cpoca (anles de ser "Iiberaelo" de seu pOSIOpelo proprio Stalin) alaca lodo 0 conccilo de uma "Ifngua nacional". insistindo que "a Ifngua ecumcmica. scm dislin<;ao de classe. conlinua scnclo uma fJccao·'(ilJid). Goslaria de esclarecer a esla allura 0 que e que nao CSIOU dizenclo. Nao cslou dizendo que rcdifininelo 0 falante em lermos COllcrelos como LlIllser social. aquclcs linguislas que professam ulna orienlCH,:iioamplamente marxista conseguem apenas mudar 0 foco de alenr,:iio. Dc fato. 0 eSludo da lingua tem muilo a lucrar com aborda- gens que consideram os falanles nalivos nao como "monadas" isola- das. mas como participanles numa rede socialmenle definida de relacionamenlos. que sao reais [lelo faw de os lar,:os sociais que os malllcm unidos serem concretos. 0 que estou dizendo aqui c que ao insistir na "sociedade naturalizante" e nao na '"nalureza socializanle" (se 0 objeti vo C trazer 0 aspecto social [lara 0 centro do palco, a segunda ailernativa pocle muilO bem executar a larefa e. pelo que se sabe, de modo muito mais eficaz). as assim chamadas abordagens marxislas cia lingua revelam a prese'nr,:a de ceno essencialismo resi- dual. apesar de sua franca rejeir,:ao do idealismo plat6nico e da tao propalada prefcrencia pela exislencia em relar,:ao a essencia. (Esse lclpico seni retomado mais adianle.) Firth (1987: 180) concorda com a critica russa da lingiiislica saussureana como um "eslruturalismo mecanico e esuitico" e se esforr,:a para promover 0 conceilo de "contexto da siwar,:ao" da escola LIe Londres. originariamentedesenvolvido pOI' Malinowski. Em se- guida. porcm. ele relula em acompanhar ate 0 fim os lingiiislas soviClicos cle seu tempo. especialmeme, e isso e interessante. na queslao de saber quem c 0 sujeito real cia linguagem. Aqui eSla uma passagem allamente sugesliva: o maior fil610go ingle;, do scculo XIX foi. a mcu vcr. 0 fonetil'ista dc Oxford. Swcct Elc nunea ;,c cansava dc afir- mar que a lingua existia apcnas no individuo. Outros diriam quc todos os elemcntos cssenciais da tingliistica podem SCI' cstudados na lingua operando cntre duas pessoas. Nao estou apoiando nenhuma (coria da "cxisteneia". c devemos aban- donal' 0 individuo e olhar par'a 0 dcsenvolvimenro e con(i- nuicladc da personalidaclc naseida da naturcza c dcscnvolvida na educa,,-ao. A lingua faz parte da cria<,:aoe partc da personalicladc. Devc-se dar crcdilO a Firth por tel' cnfatizado que ha muilo pouco a lucrar com a [lonclerar,:ao da idcntidacle clo individuo isolado .34 de seu contexto e situar,:iio. Mas 0 espirito totalizador esta ainda muilo presente. Pois para que serve 0 "contexto da situar,:ao" se nao for para fixar a identiLlade clo usu,irio da lingua - sua personalidade - em IeI'mos supostamente mais realistas) Anos mais tarde. 0 filosofo 1. L. Austin iria expressar uma preocupar,:ao semelhante nos seguintes termos: "0 ato de fala total na siwar,:iio de fala total e 0 ,Jnico fenfJmeno reol que. em ultima inslancia. estamos empenhados em eluciclar"(Auslin. 1962: 148). 0 que Firth e Austin. e na verdade inumeros outros antes e depois deles. nao levmam em conta e que 0 contexto nao lem limites. Qualquer coisa que se possa dizer sabre 0 contexlO Cimediatamente incorporada aquele contexto. Isso signi fica que 0 contexlo e simplesmenle inlerminavel. Nas palavras de Derrida (1979: 81) nenhum significado [lode SCI'determinado fora do conleXlO. mas nenhum conlexlo perillite sawrar,:ao··. A esperanr,:a ilus6ria de que 0 contexto possa ser salurado. na verdade contido. dOllleslicado e tornado tralavel para analise segundo mCLOdos con- vencionais C provavelmente responsavel pela pletora de novas teorias na ,Irea. proclamando 0 funcionalismo como a Lillicavia para a salvar,:ao. Toclavia. deve-se aceilar que ° deslocamento da enfase do individuo para a personalidade mosu'a uma consiencia clara da parte de Firth de que 0 conceito de identidade necessariamente levanta UITl batalhao de oulros conceitos. enlre os quais se deslaca 0 dos inleres- ses. Comn argumentam Goldstein e Rayner (1994: 367), a propria distinr,:ao entre idenlidade e interesses est,1 enraizada no coneeilO de "aulenticidade". Dc fato, a ideia de "aulenticidade" acaba se revelan- do como 0 unico tema eomulll pOI' tras do "bom selvagem" de Rousseau. do "falante-ouvinle ideal"' de Chomsky. das "pessoas reais" cle Yngve. do "uswlrio real da lingua" de Bakhtin e do "Llnico fcn<lmeno real" de Austin. 0 que se busca. cm todos esses casos. e 0 verdadeiro narivo na plenilude de sua autenlicidade. Que os inleresses desempenham Lllll papel importante na determinarrao de identidades fica claro a partir do destino dos te6ricos marx iSlas so\'ieticos nas maGS de Stal in. Note-se. em pri mei 1'0 lugar, que a idcia de que a gramritica de uma lingua e uma sU[lereslrulura 35 esta perfeitamente de acordo com 0 pensamento marxista ortodoxo. Nas palavras de Newmeyer (1986: 115), "a teoria plenamente desen- vol vida de Marr, 0 'estadialismo', argumentava que as revolu~6es econ6micas (no sentido marxista) produzem revolu~6es lingUfsticas". Que tais vis6es ainda sao populares entre marxistas contemporaneos fica evidente ante a seguinte observa~ao do lingUista marxista da Alemanha Ocidental, Max K. Adler (1980: 56-7, apud Newmeyer, 1986: 112): Quando se trata da estrutura de classe de uma lfngua, urn marxista deveria necessariamente aceitar [essa ideia] ... Exis- te no minimo alguma evidencia de que a fala da classe openiria difere daquela da classe media e das classes altas, e tam bern ha diferen9as entre a fala da classe media e a da classe alta .... Basta que observemos urn exemplo gritante. Durante varios anos lingUistas americanos investigaram 0 que eles chamaram de "ingles dos negros". Na pralica, essa lingua se restringe aos negros pobres dos Estados Unidos. o momenta em que urn cidadao americana negro sobe na escala social e se lorna urn cidadao de classe media, ele muda do "ingles dos negros" para a forma culta do ingles ameri- cano ... As diferen9as enlre a fala da classe operaria e a da classe media e das classes mais altas aconlecem em lodas as sociedades capitalislas; em que grau essas duas formas de Ifngua diferem entre si depende principal mente da for9a do anlagonismo entre as classes da sociedade em queslao. A pergunta que devemos fazer e esta: Por que essa Vlsao marxista de Ifngua, aparentemente impecavel- visao que considera a classe econ6mica como a base e a Ifngua como a superestrutura - de repente desagradou a todos os poderes da entao Uniao Sovietica? E a resposta e que a ideia toda ia na dire~ao oposta ados interesses absolutos do Estado. Naquele tempo Stalin estava preocupado em criar na Russia uma nova no~ao de nacionaJismo e a identidade da lfngua russa era para ele de suma importancia. Que melhor prova se poderia achar para a tese de que a identidade, em ultima analise, esta investida de ideologia? 36 A polilica da idcntidade lalvez nao apare<;a em pane alguma de forma mais evidente do que no estudo de pidgins e crioulos. De fata. lOda a hist6ria da pesquisa nessa area esta cheia de exemplos que evidenciam a ligar;ao entre identidade e interesses. Em primeiro lugar. 0 pr6prio.conceito de lingua crioula eSla baseado no concelto de identidade. Segundo sua caracterizar;ao normal na Ilteralura da ~\rea. uma lingua crioula e um pidgin "nativizado", co que faz do pidgin uma "Ifngua" inst<\ve!. lransit6ria (ou. mais apropriadamente. uma "lingua em potencial") C 0 falO de ainda nao ter adqulrldo, na opiniao de muitos. uma idenlidade plenamente desenvolvida. Credllou- se a Labov a definir;ao de crioulo como sendo '"um pidgin que consegulU falanles nalivos'"(cL Sanko IT. 1980: 197). Uma visada rapida pela hisl6- ria da pesquisa de linguas pidgins e crioulas mostra como difcrcnles interesses e. po nan to. aliludes mUl<\veis em relar;ao a no<;ao de idenlidade foram conceitualizados alraves dos an os (cL Decamp. 1971). Temos informa<;oes de que nas primeiras abordagens os pid- <fins foram considerados como sendo hasicamente '"lfnguas de con- ;alo'" _ Ifnguas '"minimas'"ou '"provis6rias'". como as chamou Jaspersen (1922). Depois apareceu Hjemslev (1939) e inveneu 0 julgamenlo de valor. dizendo que os pidgins eram linguas nosenlldo '"m~\ximo" ao invcs de no sentido '"mfnimo'" (claramente. HJemslev agia baseado no pressuposto de que a idenlidade c em pane uma funr;ao de interesses - afina!. diria ele. ningucm esperaria que um falanlc de pidgin quisesse discUlir fisica nuclear ou engenharia genc- lica eill pidgin: 0 pidgin est~\ ai para que seus falames c!lsculam assunlos pidgins - e C eXlremamente adequado. na verdade perlcl- laillente suficienle. para esse prop(lsito.). Bloomfield (1933: 472-5) desenvolveu a teoria da l)o!Jy rolk: 0 falante da lingua padrao imilaria de forma condescendenle e ;nuilas vel:es com desprezo a desesperada lcnlaliva do nalivo de se comunicar. E inleressante nolar como a leoria da "fala do hebE" de Bloomfield se assemelha a tendcncia geral da Iingi.iistica learica. disculida anlcriormente. de salvaguardar a identiclade da lingua medianle um processlJ de "poda" onlogencliea e filogenclica. Cl~anr;as e macacos nao conlam. pois nao satisfal:em 37 os critcrios d . I 'd t. c ICenll ac e cstahelecidos para serem aceitos como assuntos tcorlcamente interessanles. Da mcsilla forma. os falantes de pldgll1 lHmbcm nao con tam - eillbora sendo adultos e humanos, suas Idenlldades como usuarios de uma Ifngua sao instaveis. Assim os pldglllS de VCIllser margi nal iLados em fUlwao dos interesses d'i I' -..,' I .,.' III gLIIslica (a c lasse dom inan Ie.Urn exame superficial da Iileralura s~hl~e ~IS Il~lguage,ns dos surdo-mudos revela como a mesma soluc;ao se Icpcte. d Ilngulslica se sente ameac;ada pOI' lodos esses fenomenos que de algum modo nao se cncaixam ern seu acalenlado modelo de Idcnlldade pura. perl'eita e plenamenle 10Iali/.ada. A estralcQia lem sldo relegar wdos esses fenomenos a um plano secundario. p~ra que evenlualmcnte se.Jam tratados como uma questao de simples curiosi- dadc c examlnados em IeI'mos de como. na qualidade de subslilulOS delecllvos. elcs divcrgcm dos casos puros. normais. . Como se .p.odia preyer. a. lcoria da !Jab, wlk foi subslilufda pcla asslm cha 1 d d'1,13 a leOria a poiJgcncsc" quc afirmava que os pidQins cram lambem uma criatrao dos falanlcs dc Ifngua "padrao". Robert Hall .II'" Ullldc scus principais advouados (eI' Hall IL''i') ... ' .' . '" . . . , . /.,), al gumenlava que os cllo~los evolulram. dos pidgins c (quem sabe, com LIIl1pouco de sOlie) t,llvez sc transformem em "lInuuas nonnais" I d... ' . . ",' - comp etan 0 dSSlm um cicio vital (note-se que cssa nova expl ica<;ao leleoloQica ainda carrega conslgo a idcia de matura<;ao. de uma identidade pl~namente desenvolvlda como sendo a ordem nalural das coisas.). , . A "tcoria poligenctica" nao eslava destinada a dominar 0 ~enano POI~mUlto tempo. Whinnom (1968) introdu/.iu a leoria da hlhndlzac;ao IlIlgufstica··. Os pidQins de hoie. seuUllClo WhO_ _ f' ~ J '" Illnon nao sao alados primeiramenle pelos fahntes de II' u . d'- ..' _ ,n",uas-pa Iao. mas pOI nauvos que nao compartilham uma lingua comum enlre si. Em oulras palavras. com Whinnom 0 multilingLiismo tornou-se 0 am- hlente Ideal para a procria<;ao de pidgins c crioulos. Assim. casos como 0 da manuten<;ao prololwada do inulcs C0l110 'I II'nULI'l0'" . I'I " ~ '" '",' ICla ~ ~u a lingua In~nca cm na<;6es pos-coloniais multilfngues. tais quais ,1 [ndla e a_Nlgcrla. lornaram-se candidatos ideais para 0 esludo da pldgllllza<;ao c da criouliza<;ao incipienles. 0 raciocfnio pOI' lras disso 3H c simples: os "ingleses" falados nesses pafses soam tao diferentes do que se esperaria ouvir na Inglaterra ou na Australia. Como se poderia dar conta de seu estado "impuro" e vo!atiP Anle 0 ideal de uma identidade fnlegra e sem Im\cula que resolutamentc resistiu ao lesle do tempo e conseguiu sobrevivcr inc61ume aU'aves de diversas mu- dan<;as de paradigmas e revoluC;6es que a lingLifstica conheceu desde seu infcio. ha um unico modo bastante simples de se lidar cOIll esses casos "aberrantes": tratando-os. nao como IInguas no sentido puro, Illas COIllO Ifnguas. pOI' assim dizer. em forma<;ao. Qualquer outra explicaC;ao altcrnativa envolveria uilla reconsidera<;ao do conceito tradicional de identidade esu\vel e tolal. Dc faw. essa parccc SCI'a Linica abordagem scnsata quando se pondera 0 StatllS de Ifnguas realillente mundiais como 0 inglcs e 0 espanhol. sobretudo no con- ICXtode sua importancia sempre crescente como Ifnguas francas para a comunicaC;ao internacional e de sua conseqLiente perda de identida- des reslrilivas e locais - c importanlc nolar que a Ifngua inglesa que hojc t'unciona como lingua rranca mundial numero Lun e IiI/gila II/{/(erna de l/il/glleJII (d. Haberland. 1989). Eume atreveria a sugerir que 0 segredo da vitalidade de uma Ifngua como 0 ingles c sua idelltidade multipla. proteirorme. A esta altura. porcm. uma rellexao oportuna in\ fatalmente convencer qualquer um de que 0 ingles eo espanhol apenas mostram de modo claro e inconrundfvel 0 que todas as IInguasja revelam em sua propria constiluic;ao - uma lendencia para a dispersao ilimitada e para a hibridizac;ao. E compreensfvel que isso alarme chauvinistas e purita- nos obstinados. aqucles que se consideram os caes de guarda da suposta pureza de sua lingua materna eo baluarte colllra a possfvel contamina- <,:5.0por Ifnguas eslrangeiras. No entanto. par mais que elcs queiram que as coisas sejam diferentes. as IInguas vi\'em cm constantc conlato uma COIlla outra esc "contaminam" mUluamenle. constantemente criando possi hi Iidades novas e nunca sonhadas. Como se ressaltou anteriormen- te. essas possibilidades radicalmenle novas pcdem uma reconsidera<;ao radical da pr6pria noc;5.ode idenlidade. Essc tipo de reconsidcra<;ao radical c precisamente 0 que os eSludos de caso como aquelc proposlO pur Pandit. mencionado ante- riormente nestc trabalho. parecem exigiI'. Contrariando aquilo que os te6ricos do crioulo gostariam de aercditar. c na verdade contrariando () que a lingufslica dominante sempre se inclinou a imaginal', 0 lIlultilingLiismo esta longe de ser uma excec;ao it regra. "Seria ccrta- mentc estranho.'· diz Romainc (1989: 3), "enconlrar um livro intitu- lado Mono!ingiiislJlo. Todavia, e precisamcnte a perspectiva monolfngLic que a lingLifslica modcrna loma como seu ponto de partida na discussao de problemas analfticos b,isicos lais como a construc;ao de gramclticas e a nalureza da compelcncia.'· Muito antes de Romaine. Jakobson havia reconhecido a importancia do estudo de enlidades plurais quando escreveu: "0 bilinguismo e para mim 0 problema fundamental da lingufstica. ··(1akobson. 1953. apud Ro- maine. 1989). Rercrindo-se it situac;ao multilfngLie na aldeia de Kup- war. no sui da India. Gumperz e Wi Ison ( 1971: 165) escrevem: Especialistas cmlingUfstica hist6rica bem como pesquisado- re, da criouliza~'ao inclinanun-se no passado a pensal' em linguas-padrao como scndo b,bicas c a considerar linguas pidgin como um fenomeno relativamente marginal e transil6- rio. Pelo menos no caso de Kupwar. e possivclmeille no de outras panes. nmsa siluac,:ao sugeriria uma revcrsao de enfase. Permanece 0 falo. POl·em. de que os linguistas ate agora tem sido lenlos em perceber todo 0 alcance das implica<;6cs do multi lin- gLiislllO c do multiculturalismo. Em conseqLiencia disso. nao chega- ram normalmcnte a reconhecer que 0 conceito tradicional de identidade em lingUfstica necessila de ulna revisao urgente. A iden- tidade individual COlnO algo lotal e estavel ja nao tem nenhuma ulilidade prcllica num mundo marcado pela crescente migra<;ao de Illassas e pela entremesclagelll cultural. religiosa e etnica, numa escala sem prccedentes. E de fato curioso que cnquanto os linguistas - peritos profis- sionais de Ifngua que. como era de se esperar. deveriam estar muito atelllos ils radicais mudanc;as em curso no ccnclrio cultural contem- poraneo - continuam seu trabalho scm se preocupar com as mudan- c;as dramclticas acontecendo hem debaixo de seu nariz. oulros 4() f· . a'· 11a-odeixaram de avaliar a importiincia das transforma-pro ISSlon( IS . _ ., . c,:6es em andamento e de suas impllcac;oes para ~onceltos lundamen- lais como a "identidade". que h'lmuito tempo fazem parte de nosso modo hahitual de pensar. Um caso especffico e,o de Salman Rushdl~. o controvertido romancista inglcs nascido na India e autor de Versl- I A'. que alOulls ailOS atras fez a seouinte afirma<;ao, dandocu os SaraI1lCO,\. ('" (. • - '" A ' muilO 0 que pensar. enquanto respondia a acusac;6es de blasfemla pOl' causa da publ ica<;ao do romance (Rushdie. 1989: 4): AlI'aves da hist6ria da humanidade. os apostolos da pureza. aqueles que asseveram possuir a expllca~'ao tOlal, criaram desordem entre os simples homens mlslllrados, Como ml- Ihoes de pessoas. sou lim filho baslardo da hist6ria, Talvez lodos sejamos, negros, pardos e brancos. vazando lim no Olllro, como disse uma vel. lima de minhas personagcns. como sabores quando se cOl.inha, E. rel'erinclo-se especilicamcnte it sua malfaclada obra-prima (cL , I" 11'1d'ISClls'sa-() de como a questao daRaJagopalan - no pre 0 - p31 d UI ( . ' , , idel1lidade acaba sendo 0 tema central clo romance). ele ohservou: Os Versicl/lus salGllicus celebram a hibridel., a impureza. a el1lremescla\!em, a transformac,:i'io qlle resllila de uma com- binac,:ao nO\~a e inesperada de seres humanos, clllll,lras, .. EXlIIla na mestic,:agcm e Ieme 0 abso!lItismo do Puro .. , E lima can~ao viva dedicada ao, nossos eus vira-Iatas, P6s-escrilO A identidadc de umindivfduo se constr6i na lingua e atra~es dela, Isso si~nirica que 0 indivfduo nao lem uma identidade l1xa , ,~ I' AI' d" 'C) '1 cons'!I'll{'''O c!'t idcntidade deantenor elora da In!!:ua, em ISS . ( . ..." < um indivfduo na IIn;ua e all'aves dela clepencle do fato de a pr6pria I, , ~, 'd d 'Iu '~I() c vice-\'crsa Em outraslIl!!:ua em Sl SCI' uma allVI a e em "vo c,:< ' ' ~ 'I ' "·'d t-11 implicl('oespalavras, as idcntidades da IlI1gua e co Inc 1\ I uo el (.... 41 mutuas. Isso por sua vez significa que as identidades em questao estao sempre num estado de f1uxo. Colocando essa tese na sua formulac;:ao mais radical: falar de identidade, seja do indivfduo falan- te seja da Ifngua isolada, e recorrer a uma ficc;:aoconveniente - inofensiva em si mesma, mas definitivamente prejudicial quando essas considerac;:6es aparentemente evidentes se tomam a pedra fundamental de elaboradas teorias lingUfsticas. Urn exame da literatura sobre certos fen6menos como multi- lingUismo, pidgins e crioulos, linguagem de sinais etc., cuja impor- tancia a lingUfstica dominante tradicionalmente tende a minorar, preferindo consideni-los, na melhor das hip6teses, a margem de suas preocupac;:6es centrais, nos levani, como tentei mostrar neste traba- Iho, a conclusao de que uma aceitac;:aoacrftica da ideia de identidades individuais como sendo puras, fntegras e totalizadas e do postulado associado de lfnguas individuais como conjuntos plenamente inte- grados e auto-suficientes tern contribufdo apenas para deformar nosso entendimento dos fen6menos em questao. Mas, por outro lado, essa ultima asserc;:aonao deveria causar surpresa, uma vez que, como vimos, a pr6pria questao da identidade esta ligada a ideia de interesses e esta investida de ideologia. Assim, a construc;:ao de identidades e uma operac;:ao total mente ideol6gica. Nao e preciso dizer que qualquer impulso para repensar a identidade tambern tera de ser uma resposta ideol6gica a uma ideologia existente e dominante. Se a sempre crescente atenc;:aoque hoje se da a t6picos tradicionalmente considerados fora do alcance da lingUfstica domi- nante significa alguma coisa, e bern possfvel que seja chegada a hora para uma reconsiderac;:ao radical a esse respeito. Talvez a pr6xima grande revoluc;:ao na lingUfstica resulte da constatac;:ao, por parte dos te6ricos, de que muitos dos incontrolaveis fen6menos que desafiam as teorias contemporaneas s6 comec;:arao a fazer sentido, ao que tudo indica, quando comec;:armos a levar seria- mente em conta a possibilidade de identidades protei formes e, quem sabe, das identidades "vira-latas" de Rushdie, 0 que significa identi- dades em permanente estado de f1uxo. 42 R ere rel/cio.\' iJi /)1iog rei/ico.\' ADLER. M. K. (19XO). Mor.ris[ Iil1gllis[ic [Ileor.'· ol1d COl1ll11l1l1is[ jlmc[i· ce.Hamburgo: Helmul Buske Verlag. A ITI LLA. R. ( 1(72). AI1 il1[ rodllC[iol1 [(I hiS[(Iricol ol1d cOI1Ij1ora/iI'e Iil1gllis· [ies.New York: Macmillan. AUSTIN . .I. L. ( 1(62). HOII' [() do thil1gs \\'i[h l.-ords.Oxford: Clarendon Press. BLOOMFIELD. L. (1944).Sccondary and tcrtiary responses to language. Lal1glloge. 20. pp. 45-55. f· I I .. f' 1'1'/111/ \. CambridDe Mass.:CHOMSKY. N. (1965). ASIJec[sIJ [Iellernl I~ '. .., "'. 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