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1 LIGA ACADÊMICA EM GASTROENTEROLOGIA LAGASTRO ❖ SISTEMA DIGESTÓRIO ❖ ANATOMOFISIOLOGIA ❖ PATOLOGIA E AFECÇÕES DO GI 2 ÍNDICE MÓDULO I SISTEMA DIGESTÓRIO: Sistema Digestório e Homeostasia.......................................................................................................3 Visão Geral do Sistema Digestório......................................................................................................3 Camadas do Trato Gastrointestinal......................................................................................................5 Peritônio...............................................................................................................................................7 ANATOMIA: Esôfago.................................................................................................................................................9 Estômago............................................................................................................................................10 Intestino Delgado................................................................................................................................12 Pâncreas..............................................................................................................................................14 Fígado.................................................................................................................................................16 Intestino Grosso..................................................................................................................................17 MÓDULO II PATOLOGIA E AFECÇÕES DO GI: Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa........................................................................................19 Doença por Refluxo Gastroesofágico.................................................................................................20 Gastrite...............................................................................................................................................21 Diarreia Aguda e Crônica...................................................................................................................22 Polipose Gástrica................................................................................................................................24 Abdome Agudo..................................................................................................................................25 3 MÓDULO I SISTEMA DIGESTÓRIO O sistema digestório contribui para a homeostasia, decompondo alimentos em formas que são absorvidas e usadas pelas células do corpo. Além disso, absorve também água, vitaminas e minerais, e elimina resíduos do corpo. Os alimentos que ingerimos contêm uma variedade de nutrientes que são usados para formar novos tecidos corporais e reparar tecidos danificados. O alimento também é vital para a vida, porque é nossa única fonte de energia química. No entanto, a maior parte dos alimentos que ingerimos consiste em moléculas muito grandes para serem usadas pelas células do corpo. Consequentemente, os alimentos precisam ser decompostos em moléculas menores o suficiente para entrarem nas células do corpo, um processo conhecido como digestão. Os órgãos que participam da decomposição do alimento — coletivamente chamados de sistema digestório. Como o sistema respiratório, o sistema digestório é um sistema tubular. Estende-se desde a boca até o ânus (Figura 1), formando uma área de superfície extensa, em contato com o ambiente externo e intimamente associado com o sistema circulatório. A combinação de exposição extensa ao ambiente e íntima associação com os vasos sanguíneos é essencial para o processamento do alimento que ingerimos. A especialidade médica que lida com a estrutura, função, diagnóstico e tratamento de doenças do estômago e intestinos é chamada de gastroenterologia. A especialidade médica que lida com o diagnóstico e tratamento dos distúrbios do reto e do ânus é chamada de proctologia. Dois grupos de órgãos compõem o sistema digestório (Figura 2): o trato gastrointestinal (GI) e os órgãos acessórios da digestão. O trato gastrointestinal (GI), ou canal alimentar, é um tubo contínuo que se estende da boca até o ânus, passando pelas cavidades torácica e abdominopélvica. Os órgãos do trato gastrointestinal incluem a boca, grande parte da faringe, esôfago, estômago, intestino delgado e intestino grosso. O comprimento do trato gastrointestinal é de aproximadamente 5 a 7 m, em uma pessoa viva. É maior em um cadáver (aproximadamente 7 a 9 metros), porque os músculos ao longo das paredes dos órgãos do trato GI estão no estado de tonicidade (contração contínua). Os órgãos acessórios da digestão incluem dentes, língua, glândulas salivares, fígado, vesícula biliar e pâncreas. Os dentes auxiliam a ruptura mecânica do alimento, a língua auxilia a mastigação e a deglutição. No entanto, os outros órgãos acessórios da digestão nunca entram em contato direto com o alimento. Produzem ou armazenam secreções que fluem para o trato GI pelos duetos; as secreções auxiliam a decomposição química do alimento. O trato GI contém o alimento do momento em que é ingerido até que seja digerido e absorvido ou eliminado. As contrações musculares na parede Sistema Digestório e Homeostasia Visão Geral do Sistema Digestório Figura 1: Visão Geral do Sistema Digestório 4 do trato GI decompõem mecanicamente o alimento, misturando-o vigorosamente e empurrando-o ao longo do trato, do esôfago até o ânus. As contrações também ajudam a dissolver os alimentos, misturando-os com os líquidos secretados no trato. As enzimas secretadas pelos órgãos acessórios da digestão e as células que revestem o trato decompõem o alimento quimicamente. O sistema digestório, de uma forma geral, realiza seis processos básicos: Figura 2: Visão Geral do Sistema Digestório 1. Ingestão. Este processo compreende a introdução de alimentos e líquidos na boca (comer). 2. Secreção. Todos os dias, as células no interior das paredes do trato GI e dos órgãos acessórios da digestão secretam um total de aproximadamente 7 litros de água, ácido, tampões e enzimas no lume (espaço interior) do trato. 3. Mistura e propulsão. A contração e o relaxamento alternados do músculo liso nas paredes do trato GI misturam o alimento e as secreções, empurrando-os em direção ao ânus. Essa capacidade do trato GI de misturar e mover material ao longo de sua extensão é denominada motilidade. 4. Digestão. Processos químicos e mecânicos decompõem o alimento ingerido em partículas menores. Na digestão mecânica, os dentes cortam e trituram o alimento antes de ser deglutido e, em seguida, os músculos lisos do estômago e intestino delgado misturam vigorosamente o alimento. Como resultado, as moléculas de alimento são dissolvidas e completamente misturadas com as enzimas digestivas. Na digestão química, grandes moléculas de carboidrato, lipídio, proteína e ácido nucleico, presentes no alimento, são fragmentadas em moléculas menores, por hidrólise (veja Figura 2.15, no Capítulo 2). As enzimas digestivas produzidas pelas glândulas salivares, língua, estômago, pâncreas e intestino delgado catalisam essas reações catabólicas. Umas poucas substâncias presentes no alimento são absorvidas sem digestão química, incluindo vitaminas, íons, colesterol e água. 5. Absorção. A entrada de líquidos, íons e produtos da digestão secretados e ingeridos nas células epiteliais que revestem o lume do trato GI é chamada de absorção. As substânciasabsorvidas 5 passam para o sangue ou linfa e circulam por todo o corpo para as células. 6. Defecação. Resíduos, substâncias indigeríveis, bactérias, células desprendidas do revestimento do trato GI e materiais digeridos que não foram absorvidos no processo pelo trato digestivo deixam o corpo através do ânus, em um processo chamado de defecação. O material eliminado é chamado de fezes. A parede do trato gastrointestinal, da parte inferior do esôfago até o canal anal, possui o mesmo arranjo básico, com quatro camadas de tecido. As quatro camadas do trato, de profundo para superficial, são: túnica mucosa, tela submucosa, túnica muscular e túnica serosa (Figura 3). Túnica Mucosa A túnica mucosa, ou revestimento interno do trato GI, é uma membrana mucosa. É composta (1) de uma camada de epitélio, em contato direto com o conteúdo do trato gastrointestinal, (2) de uma camada de tecido conjuntivo, chamada de lâmina própria, e (3) de uma fina camada de músculo liso (lâmina muscular da mucosa). 1. O epitélio: na boca, faringe, esôfago e canal anal é, essencialmente, epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado, que possui uma função protetora. Epitélio colunar simples, que atua na secreção e absorção, reveste o estômago e os intestinos. As junções oclusivas que, firmemente, selam as células epiteliais colunares simples vizinhas umas às outras restringem a passagem entre as células. A velocidade de renovação das células epiteliais do trato GI é rápida: a cada 5 a 7 dias as células se desprendem e são substituídas por células novas. Localizadas entre as células epiteliais estão as células exócrinas, que secretam muco e líquido no lume do trato, e diversos tipos de células endócrinas, coletivamente chamadas de células enteroendócrinas, que secretam hormônios na corrente sanguínea. 2. A lâmina própria da mucosa: é uma camada de tecido conjuntivo areolar contendo muitos vasos sanguíneos e linfáticos, vias pelas quais os nutrientes absorvidos pelo trato GI chegam a outros tecidos do corpo. Essa camada sustenta o epitélio, ligando-o à túnica muscular da mucosa (discutida no texto). A lâmina própria da mucosa também contém grande parte das células do tecido linfático associado à mucosa (MALT). Esses nódulos linfáticos proeminentes contem células do sistema imune que protegem contra doenças (veja Capítulo 22). O tecido linfático associado à mucosa está presente ao longo de todo o trato GI, especialmente nas tonsilas, intestino delgado, apêndice vermiforme e intestino grosso. 3. túnica muscular da mucosa: é uma fina camada de fibras musculares lisas, projeta a túnica mucosa do estômago e do intestino delgado em numerosas pequenas pregas, aumentando a área de superfície para digestão e absorção. Os movimentos da túnica muscular da mucosa garantem que todas as células absortivas fiquem completamente expostas aos conteúdos do trato GI. Tela Submucosa A tela submucosa consiste em tecido conjuntivo areolar que liga a túnica mucosa à túnica muscular da mucosa. Contém muitos vasos sanguíneos e linfáticos que recebem moléculas de alimentos absorvidos. Igualmente localizada na tela submucosa encontra-se uma rede extensa de neurônios conhecidos como plexo submucoso (descrito em breve). A tela submucosa pode, também, conter glândulas e tecido linfático. Túnica Muscular A túnica muscular da boca, faringe e partes superior e média do esôfago contém músculo esquelético que produz deglutição voluntária. O músculo esquelético também forma o músculo esfíncter externo do ânus, que permite o controle voluntário da defecação. Por todo o restante do trato, a túnica muscular consiste em músculo liso, geralmente encontrado em duas camadas: uma camada interna de fibras circulares e uma camada externa de fibras longitudinais. As contrações involuntárias do músculo liso auxiliam a decomposição do alimento, misturando-o com Camadas do Trato Gastrointestinal 6 secreções digestivas e impelindo-o ao longo do trato. Entre as camadas da túnica muscular encontra-se um segundo plexo de neurônios — o plexo mioentérico (a ser descrito em breve). Túnica Serosa Aquelas partes do trato GI que estão suspensas na cavidade abdominopélvica possuem uma camada superficial, chamada de túnica serosa. Como seu nome indica, a túnica serosa é uma membrana serosa composta de tecido conjuntivo areolar e epitélio pavimentoso simples (meso A túnica serosa é também chamada de peritônio visceral, porque forma uma parte do peritônio, que examinaremos com detalhes em breve. O esôfago não tem túnica serosa; em seu lugar, apenas uma simples camada de tecido conjuntivo areolar, chamada de túnica adventícia, forma a camada superficial desse órgão. Figura 3: Camadas do Trato Gastrointestinal 7 O peritônio é a maior túnica serosa do corpo; consiste em uma camada de epitélio pavimentoso simples (mesotélio), com uma camada de sustentação subjacente de tecido conjuntivo areolar. O peritônio é dividido em peritônio parietal, que reveste a parede da cavidade abdominopélvica, e em peritônio visceral, que recobre alguns dos órgãos na cavidade, e é sua túnica serosa (Figura 4). O pequeno espaço contendo líquido seroso lubrificante, que se localiza entre as partes parietal e visceral do peritônio, é chamado de cavidade peritoneal. Em determinadas doenças, a cavidade peritoneal pode se distender pelo acúmulo de diversos litros de líquido, uma condição chamada de ascite. Como veremos a seguir, alguns órgãos se situam na parede posterior do abdome e são recobertos por peritônio apenas nas suas faces anteriores; eles não se encontram na cavidade peritoneal. Esses órgãos, incluindo rins, colos ascendente e descendente do intestino grosso, duodeno do intestino delgado e pâncreas, são considerados retroperitoneais. Diferentemente do pericárdio e das pleuras, que recobrem uniformemente o coração e os pulmões, o peritônio contém grandes pregas que se entrelaçam entre as vísceras. As pregas ligam os órgãos uns aos outros e às paredes da cavidade abdominal. Além disso, também contêm vasos sanguíneos, vasos linfáticos e nervos que suprem os órgãos abdominais. Existem cinco pregas peritoneais principais: omento maior, ligamento falciforme, omento menor, mesentério e mesocolo. 1. O omento maior, a maior prega peritoneal, pende em forma de pregas sobre o colo transverso e as alças do intestino delgado como um “avental gorduroso” (Figura 5, d). O omento maior é uma lâmina dupla que se dobra para trás sobre si mesma, perfazendo um total de quatro camadas. A partir das fixações ao longo do estômago e do duodeno, o omento maior se estende para baixo, anteriormente ao intestino delgado, em seguida curva-se e estende-se para cima, fixando-se no colo transverso. O omento maior, normalmente, contém uma considerável quantidade de tecido adiposo. Seu conteúdo de tecido adiposo expande-se muito com o ganho de peso, dando origem à característica Peritônio Figura 4: Peritônio 8 “barriga de cerveja” observada em alguns indivíduos com excesso de peso. Os muitos linfonodos do omento maior contribuem com macrófagos e células plasmáticas produtoras de anticorpos que ajudam a combater e a conter as infecções do trato GI. 2. O ligamento falciforme prende o fígado à parede anterior do abdome e ao diafragma (Figura 5, b). O fígado é o único órgão digestório que está preso à parede anterior do abdome. 3. O omento menor origina-se como uma prega anterior na túnica serosa do estômago e do duodeno, estendendo-se do estômago e duodeno até o fígado (Figura 5, c). É a via para os vasos sanguíneos que entram no fígado e contém a veia porta do fígado, a artéria hepáticacomum e o dueto colédoco, junto com alguns linfonodos. 4. Uma prega flabeliforme do peritônio, chamada de mesentério, liga o jejuno e o íleo, do intestino delgado, à parede posterior do abdome (Figura 5, d). O mesentério se estende da parede posterior do abdome para se enrolar em torno do intestino delgado e, em seguida, retoma à sua origem, formando uma estrutura de camada dupla. Entre as duas camadas estão vasos sanguíneos, vasos linfáticos e linfonodos. 5. Duas pregas de peritônio separadas, chamadas de mesocolo, ligam os colos sigmoide (mesocolo sigmoide) e transverso (mesocolo transverso), do intestino grosso, à parede posterior do abdome (Figura 4). Além disso, também levam sangue e vasos linfáticos para os intestinos. Juntos, o mesentério e o mesocolo mantêm os intestinos frouxamente no lugar, permitindo uma grande quantidade de movimento, como contrações musculares mistas e movimentos dos conteúdos ao longo do trato GI. Figura 5: Peritônio 9 ANATOMIA O esôfago é um tubo muscular colapsante, medindo aproximadamente 25 cm de comprimento, que se situa posteriormente à traqueia. O esôfago começa na extremidade inferior da parte laríngea da faringe e passa pelo mediastino, anteriormente à coluna vertebral. Em seguida, atravessa o diafragma por uma abertura chamada de hiato esofágico e termina na parte superior do estômago ( Figura 2). Algumas vezes, uma parte do estômago se protrai acima do diafragma, através do hiato esofágico. Essa condição, chamada de hérnia de hiato, será descrita mais adiante. Em cada extremidade do esôfago, a lâmina muscular da mucosa é levemente mais proeminente e forma dois esfíncteres - o esfíncter superior do esôfago (ESE), que consiste em músculo esquelético, e o esfíncter inferior do esôfago (EIE), que consiste em músculo liso. O esfíncter superior do esôfago regula o movimento do alimento da faringe para o esôfago; o esfíncter inferior do esôfago regula o movimento do alimento do esôfago para o estômago. A camada superficial do esôfago é conhecida como túnica adventícia, em vez de túnica serosa, como no estômago e intestinos, porque o tecido conjuntivo areolar dessa camada não é recoberto por mesotélio e porque o tecido conjuntivo se funde com o tecido conjuntivo das estruturas adjacentes do mediastino, através do qual a túnica passa. A túnica adventícia fixa o esôfago às estruturas adjacentes. Fisiologia do Esôfago O esôfago produz muco e transporta alimento para o estômago. O esôfago não produz enzimas digestivas e não participa da absorção. Deglutição: O movimento do alimento, da boca para o estômago, é realizado pelo ato da deglutição (Figura 6). A deglutição é facilitada pela secreção de saliva e muco e envolve a boca, a faringe e o esôfago. A deglutição ocorre em três estágios: (1) o estágio voluntário, no qual o bolo é passado para a parte oral da faringe; (2) o estágio faríngeo, a passagem involuntária do bolo pela faringe até o esôfago, e (3) o estágio esofágico, a passagem involuntária do bolo pelo esôfago até o estômago. A deglutição começa quando o bolo é forçado para o fundo da cavidade oral e para dentro da parte oral da faringe pelo movimento da língua para cima e para trás, contra o palato; essas ações constituem o estágio voluntário da deglutição. Com a passagem do bolo para a parte oral da faringe, começa o estágio faríngeo da deglutição (Figura 6, b). O bolo estimula os receptores na parte oral da faringe, que enviam impulsos para o centro de deglutição no bulbo (medula oblonga) e para a parte inferior da ponte do tronco encefálico. Os impulsos que retomam provocam o movimento do palato mole e da úvula para cima para fechar a parte nasal da faringe, o que impede alimentos e líquidos deglutidos de entrarem na cavidade nasal. Além disso, a epiglote fecha a abertura para a laringe, impedindo o bolo de entrar no restante do trato respiratório. O bolo se move pelas partes oral e nasal da faringe. Uma vez que o esfíncter superior do esôfago relaxa, o bolo entra no esôfago. O estágio esofágico da deglutição começa quando o bolo entra no esôfago. Durante essa fase, a peristalse, uma progressão de relaxamentos e contrações coordenadas das camadas circular e longitudinal da túnica muscular, empurra o bolo para a frente (Figura 6, c). Na parte do esôfago que se situa imediatamente acima do bolo, as fibras da camada circular contraem-se, constringindo a parede do esôfago e espremendo o bolo em direção ao estômago. Enquanto isso, as fibras longitudinais abaixo do bolo também se contraem, o que diminui essa parte inferior e empurra suas paredes para fora, de modo que recebam o bolo. As contrações são repetidas em ondas que empurram o alimento em direção ao estômago. À medida que o bolo se aproxima do final do esôfago, o esfíncter inferior do esôfago relaxa e o bolo entra no estômago. O muco secretado pelas glândulas esofágicas lubrifica o bolo e reduz o atrito. A passagem de Esôfago 10 alimento sólido e semissólido da boca para o estômago leva de 4 a 8 segundos; alimentos muito moles e líquidos levam aproximadamente 1 segundo. Figura 6: Esôfago O estômago é uma dilatação do trato GI, em forma de J, diretamente inferior ao diafragma, situado no epigástrio, na região umbilical e no hipocôndrio esquerdo. O estômago conecta o esôfago ao duodeno, a primeira parte do intestino delgado (Figura 7). Como uma refeição é ingerida muito mais rapidamente do que os intestinos conseguem digerir e absorver, uma das funções do estômago é atuar como um tonel de mistura e reservatório de retenção. Em intervalos apropriados, após a ingestão do alimento, o estômago força uma pequena quantidade de material para o interior da primeira parte do intestino delgado. A posição e o tamanho do estômago variam continuamente; o diafragma o empurra para baixo, a cada inspiração, e o puxa para cima, a cada expiração. Vazio, tem o tamanho aproximado de uma salsicha grande, mas é a parte mais elástica do trato GI e consegue acomodar uma grande quantidade de alimento. No estômago, a digestão do amido continua, a digestão de proteínas e triglicerídios começa, o bolo semissólido é convertido em líquido e determinadas substâncias são absorvidas. Anatomia do Estômago Estomago 11 O estômago possui quatro regiões principais: o cárdia, o fundo, o corpo e o piloro (Figura 7). O cárdia envolve a abertura superior do estômago. A parte arredondada, superior e à esquerda do cárdia, é o fundo gástrico. Inferior ao fundo encontra-se uma grande parte central do estômago, chamada de corpo gástrico. A região do estômago que se conecta ao duodeno é a parte pilórica; esta possui duas partes, o antro pilórico, que se conecta ao corpo do estômago, e o canal pilórico, que leva até o duodeno. Quando o estômago está vazio, a túnica mucosa forma grandes pregas (rugas), que são vistas a olho nu. O piloro se comunica com o duodeno do intestino delgado por meio de um músculo esfíncter liso, chamado de músculo esfíncter do piloro. A margem mediai côncava do estômago é chamada de curvatura menor, e a margem lateral convexa, de curvatura maior. Fisiologia do Estômago Digestão Química e Mecânica no Estômago: Diversos minutos após o alimento entrar no estômago, movimentos peristálticos ondulados e suaves, chamados de ondas de mistura, passam sobre o estômago a cada 15 a 25 segundos. Essas ondas maceram o alimento, misturando-o com secreções das glândulas gástricas, reduzindo-o a uma massa semilíquida, chamada de quimo. Poucas ondas de mistura são observadas no fundo gástrico, cuja função básica é o armazenamento. A medida que a digestão prossegue no estômago, ondas de mistura mais vigorosas começam no corpo gástrico e se intensificamconforme chegam ao piloro. O músculo esfíncter do piloro, normalmente, permanece quase fechado, mas não completamente. Quando o alimento chega ao piloro, cada onda de mistura força, periodicamente, quase 3 ml de quimo para o interior do duodeno, através do músculo esfíncter do piloro, um fenômeno chamado de esvaziamento gástrico. A maior parte do quimo é forçada de volta para o corpo gástrico, no qual as ondas de mistura continuam. A próxima onda empurra o quimo para a frente, novamente, forçando-o um pouco mais para o interior do duodeno. Esses movimentos de um lado para o outro dos conteúdos gástricos são responsáveis pela maior parte da mistura do estômago. Os alimentos podem permanecer no fundo gástrico por aproximadamente uma hora sem serem misturados com o suco gástrico. Durante esse período, a digestão, por meio da amilase salivar, continua. Logo, no entanto, a ação de batedura mistura o quimo ao suco gástrico ácido, inativando a amilase salivar e ativando a lipase lingual, que começa a transformar triglicerídios em ácidos graxos e diglicerídios. Figura 7: Estomago 12 Grande parte da digestão e da absorção de nutrientes ocorre em um tubo longo chamado de intestino delgado. Como resultado disso, sua estrutura é especialmente adaptada para essas funções. Seu comprimento, sozinho, fornece uma grande área de superfície para a digestão e absorção, e essa área é ainda mais aumentada pelas pregas circulares, vilosidades e microvilosidades. O intestino delgado começa no músculo esfíncter do piloro do estômago, estende-se pelas partes central e inferior da cavidade abdominal e, finalmente, abre-se no intestino grosso. Mede cerca de 2,5 cm de diâmetro; seu comprimento é de aproximadamente 3 m em uma pessoa viva, e por volta de 6,5 m no cadáver, em razão da perda do tônus do músculo liso após a morte. Anatomia do Intestino Delgado O intestino delgado é dividido em três regiões (Figura 8). O duodeno, a menor região, é o duodeno. Começa no músculo esfíncter do piloro do estômago e estende-se por aproximadamente 25 cm, até se fundir com o jejuno. O jejuno mede aproximadamente 1 m de comprimento e estende- se até o íleo. Jejuno significa “vazio”, porque é assim encontrado no morto. A região final e mais longa do intestino delgado, o íleo, mede cerca de 2 m e une-se ao intestino grosso em um músculo esfíncter liso chamado de papila ileal. Fisiologia do Intestino Delgado Funções do Suco Intestinal e das Enzimas da Borda em Escova: Aproximadamente 1 a 2 litros de suco intestinal, um líquido amarelo-claro, são secretados todos os dias. O suco intestinal contém água e muco e é levemente alcalino (pH 7,6). Juntos, os sucos pancreático e intestinal fornecem um meio líquido que auxilia a absorção de substâncias provenientes do quimo no intestino delgado. As células absortivas do intestino delgado sintetizam diversas enzimas digestivas, chamadas de enzimas da borda em escova, inserindo-as na membrana plasmática das microvilosidades. Assim, uma parte da digestão enzimática ocorre na superfície das células absortivas que revestem as vilosidades, e não exclusivamente no lume, como ocorre em outras partes do trato GI. Digestão Mecânica no Intestino: Delgado Dois tipos de movimentos do intestino delgado — movimentos segmentares e um tipo de peristalse chamado de complexos de motilidade migratória — são governados basicamente pelo plexo mioentérico. Os movimentos segmentares são contrações mistas e localizadas que ocorrem em partes do intestino distendido por um grande volume de quimo. Os movimentos segmentares misturam quimo com sucos digestivos e colocam as partículas de alimento em contato com a túnica mucosa para absorção; os movimentos segmentares não empurram o conteúdo intestinal ao longo do trato. O tipo de peristalse que ocorre no intestino delgado, denominado complexo de motilidade migratória (CMM), começa na parte inferior do estômago e empurra o quimo para a frente, ao longo de uma curta distância do intestino delgado, antes de parar. O complexo de motilidade migratória desloca-se lentamente para baixo, no intestino delgado, chegando ao final do íleo em 90 a 120 minutos. Então, outro complexo de motilidade migratória começa no estômago. De um modo geral, o quimo permanece no intestino delgado entre 3 e 5 horas. Digestão Química no Intestino Delgado: Na boca, a amilase salivar converte amido (um polissacarídeo) em maltose (um dissacarídeo), maltotriose (um trissacarídeo) e a-dextrinas (fragmentos ramificados de cadeia curta de amido, com 5 a 10 unidades de glicose). No estômago, a pepsina converte as proteínas em peptídeos (pequenos fragmentos de proteínas) e as lipases lingual e gástrica convertem alguns triglicerídios em ácidos graxos, diglicerídios e monoglicerídios. Assim, o quimo que entra no intestino delgado contém carboidratos, proteínas e lipídios parcialmente digeridos. A conclusão da digestão dos carboidratos, proteínas e lipídios é um esforço coletivo do suco pancreático, bile e suco intestinal no intestino delgado. - Digestão de Carboidratos - Embora a ação da amilase salivar possa continuar no estômago por Intestino Delgado 13 algum tempo, o pH ácido do estômago destrói a amilase salivar e interrompe sua atividade. Portanto, apenas alguns amidos são decompostos em maltose quando o quimo deixa o estômago. Os amidos ainda não decompostos em maltose, maltotriose e a-dextrinas são clivados pela amilase pancreática, uma enzima presente no suco pancreático que atua no intestino delgado. Embora a amilase pancreática atue tanto sobre o glicogênio quanto sobre os amidos, não possui efeito sobre outro polissacarídeo, chamado de celulose, que é uma fibra vegetal indigerível. - Digestão dos Ácidos Nucleicos - O suco pancreático contém duas nucleases: ribonuclease, que digere o RNA, e desoxirribonuclease, que digere o DNA. Os nucleotídeos que resultam da ação das duas nucleases são posteriormente digeridos pelas enzimas da borda em escova chamadas de nucleosidases e fosfatases em pentoses, fosfatos e bases nitrogenadas. Esses produtos são absorvidos por transporte ativo. - Digestão das Proteínas - Lembre-se de que, a digestão das proteínas começa no estômago, no qual as proteínas são fragmentadas em peptídeos pela ação da pepsina. As enzimas no suco pancreático — tripsina, quimotripsina, carboxipeptidase e elastase — continuam a converter proteínas em peptídeos. Embora todas essas enzimas convertam proteínas inteiras em peptídeos, suas ações diferem um pouco, porque cada uma cliva ligações peptídicas entre diferentes aminoácidos. - Digestão dos Lipídios - Os lipídios mais abundantes na dieta são os triglicerídios, que consistem em uma molécula de glicerol ligada a três moléculas de ácido graxo. As enzimas que clivam os triglicerídios e os fosfolipídios são chamadas de lipases. Lembre-se de que existem três tipos de lipases que participam na digestão dos lipídios: lipase lingual, lipase gástrica e lipase pancreática. Absorção no Intestino Delgado: Todas as fases químicas e mecânicas da digestão, da boca até o intestino delgado, são direcionadas com vista à transformação do alimento em formas que possam passar através das células epiteliais absortivas que revestem a túnica mucosa e para os vasos sanguíneos e linfáticos adjacentes. Essas formas são monossacarídeos (glicose, frutose e galactose) provenientes dos carboidratos; aminoácidos simples, dipeptídeos e tripeptídeos provenientes das proteínas; e ácidos graxos, glicerol e monoglicerídios provenientes dos triglicerídios. A passagem desses nutrientes digeridos a partir do trato gastrointestinal para o sangue ou linfa é chamada de absorção. A absorção das substâncias ocorre por difusão,difusão facilitada, osmose e transporte ativo. Aproximadamente 90% de toda a absorção de nutrientes ocorrem no intestino delgado; os outros 10% ocorrem no estômago e intestino grosso. Qualquer substância não digerida ou não absorvida deixada no intestino delgado passa para o intestino grosso. - Absorção de Monossacarídeos - Todos os carboidratos são absorvidos como monossacarídeos. A capacidade do intestino delgado para absorver monossacarídeos é enorme — uma estimativa de 120 gramas por hora. Como resultado, todos os carboidratos dietéticos que são digeridos normalmente são absorvidos, deixando apenas celulose e fibras indigeríveis nas fezes. - Absorção de Aminoácidos, Dipeptídeos e Tripeptídeos - A maioria das proteínas é absorvida como aminoácidos pelos processos de transporte ativo que ocorrem, principalmente, no duodeno e jejuno. Cerca de metade dos aminoácidos absorvidos está presente no alimento; a outra metade vem das proteínas, nos sucos digestivos e células mortas que se desprendem da face da túnica mucosa! Normalmente, 95-98% da proteína presente no intestino delgado é digerida e absorvida. - Absorção de Lipídios - Todos os lipídios dietéticos são absorvidos via difusão simples. Adultos absorvem aproximadamente 95% dos lipídios presentes no intestino delgado; em razão de sua baixa produção de bile, os recém-nascidos absorvem apenas aproximadamente 85% dos lipídios. - Absorção de Eletrólitos - Muitos dos eletrólitos absorvidos pelo intestino delgado vêm das secreções gastrointestinais e alguns são parte dos alimentos e líquidos ingeridos. Lembre-se de que os eletrólitos são compostos que se separam em íons na água e conduzem eletricidade. - Absorção de Vitaminas - Como acabamos de aprender, as vitaminas lipossolúveis A, D, E e K estão incluídas com os lipídios dietéticos dissolvidos nas micelas e são absorvidas via difusão simples. A maioria das vitaminas 14 hidrossolúveis, tais como a maioria das vitaminas B e vitamina C, também é absorvida via difusão simples. A vitamina B12, contudo, combina-se ao fator intrínseco produzido pelo estômago, e a combinação é absorvida no íleo, via mecanismo de transporte ativo. - Absorção de Água - O volume total de líquido que entra no intestino delgado a cada dia — aproximadamente 9,3 litros — vem da ingestão de líquidos (aproximadamente 2,3 litros) e de secreções gastrointestinais variadas (aproximadamente 7,0 litros). Toda a absorção de água no trato GI ocorre via osmose, a partir do lume dos intestinos, através das células absortivas e para os capilares sanguíneos. Figura 8: Intestino Delgado O quimo passa do estômago para o intestino delgado. Como a digestão química no intestino delgado depende das atividades do pâncreas, fígado e vesícula biliar, primeiro estudaremos as atividades desses órgãos acessórios da digestão e suas contribuições para a digestão no intestino delgado. Anatomia do Pâncreas O pâncreas, uma glândula retroperitoneal, medindo aproximadamente 12 a 15 cm de comprimento e 2,5 cm de espessura, situa-se posteriormente à curvatura maior do estômago. O pâncreas consiste em uma cabeça, um corpo e uma cauda, e, normalmente, está conectado ao duodeno por dois duetos (Figura 9, a). A cabeça é a parte expandida do órgão, próximo da curva do duodeno; superiormente e à esquerda da cabeça encontram- se o corpo central, e a cauda, afunilada. Pâncreas 15 Os sucos pancreáticos são secretados pelas células exócrinas em pequenos duetos que, finalmente, se unem para formar dois duetos maiores, o dueto pancreático e o dueto pancreático acessório. Estes, por sua vez, conduzem as secreções para o intestino delgado. O dueto pancreático (de Wirsung) é o maior dos dois duetos. Na maioria das pessoas, o dueto pancreático se une ao dueto colédoco, a partir do fígado e da vesícula biliar, e entra no duodeno como um dueto comum, chamado de ampola hepatopancreática (de Vater). A ampola se abre em uma elevação da túnica mucosa do duodeno, conhecida como a papila maior duodeno, que se situa aproximadamente 10 cm abaixo do músculo esfíncter do piloro do estômago. A passagem do suco pancreático e da bile pela ampola hepatopancreática até o intestino delgado é regulada por uma massa de músculo liso conhecida como músculo esfíncter da ampola hepatopancreática (de Oddi). O outro principal dueto do pâncreas, o dueto pancreático acessório (de Santorini), sai do pâncreas e se esvazia no duodeno, aproximadamente 2,5 cm acima da ampola hepatopancreática. Fisiologia do Pâncreas O pâncreas é composto de pequenas aglomerações de células epiteliais glandulares. Aproximadamente 99% das aglomerações, chamadas de ácinos, constituem a parte exócrina do órgão. As células dentro dos ácinos secretam uma mistura de líquido e enzimas digestivas chamada de suco pancreático. O restante 1% das aglomerações, chamadas de ilhotas pancreáticas (de Langerhans), formam a parte endócrina do pâncreas. Essas células secretam os hormônios glucagon, insulina, somatostatina e polipeptídeo pancreático. Composição e Funções do Suco Pancreático: Todos os dias o pâncreas produz entre 1.200 e 1.500 ml de suco pancreático, um líquido incolor claro, consistindo basicamente em água, alguns sais, bicarbonato de sódio e diversas enzimas. O bicarbonato de sódio dá ao suco pancreático um pH ligeiramente alcalino (7,1 a 8,2), que tampona o suco gástrico ácido no quimo, interrompe a ação da pepsina do estômago e cria o pH adequado para a ação das enzimas digestivas no intestino delgado. As enzimas no suco pancreático incluem uma enzima que dissolve o carboidrato, chamada de amilase pancreática; diversas enzimas que dissolvem proteínas, chamadas de tripsina, quimotripsina, carboxipeptidase e elastase; a principal enzima que dissolve triglicerídios nos adultos, chamada de lipase pancreática; e enzimas que dissolvem ácido nucleico, chamadas de ribonuclease e desoxirribonuclease. Figura 9: Pâncreas 16 O fígado é a glândula mais pesada do corpo, pesando aproximadamente 1,4 kg no adulto comum. Dentre todos os órgãos do corpo, é o segundo em tamanho, perdendo apenas para a pele. O fígado está abaixo do diafragma e ocupa grande parte do hipocôndrio direito e parte do epigástrio da cavidade abdominopélvica (veja Figura 1.12a, no Capítulo 1). A vesícula biliar é um saco piriforme, localizado em uma depressão na face inferior do fígado. Mede entre 7 e 10 cm de comprimento e, normalmente, projeta-se sobre a margem anteroinferior do fígado (Figura 9, a). Anatomia do Fígado e da Vesícula Biliar O fígado é quase completamente recoberto por peritônio visceral e é completamente recoberto por uma camada de tecido conjuntivo não modelado denso, que se situa profundamente ao peritônio. O fígado é dividido em dois lobos principais — um grande lobo direito e um pequeno lobo esquerdo — pelo ligamento falciforme, uma prega do peritônio (Figura 9, a). Embora o lobo direito seja considerado, por muitos anatomistas, como incluindo um lobo quadrado inferior e um lobo caudado posterior, com base na morfologia interna (basicamente a distribuição dos vasos sanguíneos), os lobos quadrado e caudado pertencem, mais propriamente, ao lobo esquerdo. O ligamento falciforme estende-se da face inferior do diafragma, entre os dois lobos principais do fígado, até a face superior do fígado, ajudando a suspender o fígado na cavidade abdominal. Na margem livre do ligamento falciforme encontra-se o ligamento redondo do fígado, um resquício da veia umbilical do feto, esse cordão fibroso estende- se do fígado até o umbigo. Os ligamentos coronários direito e esquerdo são extensões estreitas do peritônio parietal que prendem o fígado ao diafragma. As partes davesícula biliar incluem o fundo largo, que se projeta para baixo, além da margem inferior do fígado; o corpo, a parte central; e o colo, uma parte afilada. O corpo e o colo projetam-se para cima. Fisiologia do Fígado Função e Composição da Bile: a cada dia, os hepatócitos secretam entre 800 e 1.000 ml de bile, um líquido verde-oliva ou amarelo- acastanhado. Possui um pH de 7,6 a 8,6 e é composto basicamente por água, sais biliares, colesterol, um fosfolipídio chamado de lecitina, pigmentos biliares e diversos íons. O pigmento biliar principal é a bilirrubina. A fagocitose dos eritrócitos envelhecidos libera ferro, globina e bilirrubina (derivada do heme). O ferro e a globina são reciclados; a bilirrubina é secretada na bile e, finalmente, é decomposta no intestino. Um dos produtos da decomposição — a estercobilina — dá às fezes sua coloração marrom normal. A bile é parcialmente um produto da excreção e parcialmente uma secreção digestiva. Os sais biliares, que são sais de sódio e sais de potássio de ácidos biliares (em grande parte ácido cólico e ácido quenodesoxicólico), exercem um papel na emulsificação, a decomposição de grandes glóbulos de lipídios em uma suspensão de pequenos glóbulos de lipídios. Estes apresentam uma área de superfície muito grande, o que permite à lipase pancreática realizar mais rapidamente a dissolução (digestão) dos triglicerídios. Os sais biliares também auxiliam na absorção de lipídios após sua dissolução (digestão). Embora os hepatócitos liberem bile continuamente, aumentam a produção e a secreção quando o sangue portal contém mais ácidos biliares; assim, à medida que a digestão e a absorção prosseguem no intestino delgado, a liberação de bile aumenta. Entre as refeições, após a maior parte de a absorção ocorrer, a bile flui para a vesícula biliar para armazenamento, porque o músculo esfíncter da ampola hepatopancreática (de Oddi) fecha a entrada para o duodeno. Outras funções do Fígado: além de secretar bile, necessária para a absorção das gorduras dietéticas, o fígado realiza muitas outras funções vitais: Metabolismo dos carboidratos - O fígado é especialmente importante na manutenção da concentração sanguínea normal de glicose. Quando a concentração sanguínea de glicose está baixa, o fígado converte glicogênio em glicose e libera a glicose na corrente sanguínea. Metabolismo dos lipídios - Hepatócitos armazenam alguns triglicerídios; decompõem ácidos graxos para gerar ATP; sintetizam Fígado 17 lipoproteínas, que transportam ácidos graxos, triglicerídios e colesterol para dentro e para fora das células; sintetizam colesterol; e usam colesterol para formar sais biliares. Metabolismo proteico - Os hepatócitos fazem a desaminação [removem o grupo amino (NH2 )] dos aminoácidos, de forma que os aminoácidos são usados para a produção de ATP ou convertidos em caiboidratos ou gorduras. Processamento de fármacos e hormônios - O fígado destoxifica substâncias como o álcool e excreta fármacos como penicilina, eritromicina e sulfonamidas na bile. Excreção de bilirrubina - Como observado anteriormente, a bilirrubina, derivada do heme de eritrócitos envelhecidos, é absorvida pelo fígado, a partir do sangue, e secretada na bile. Síntese dos sais biliares - Os sais biliares são usados no intestino delgado para emulsificação e absorção de lipídios. Armazenamento - Além do glicogênio, o fígado é o local principal de armazenamento para determinadas vitaminas (A, B12, D, E e K) e minerais (ferro e cobre), que são liberados pelo fígado quando necessários em outras partes do corpo. Ativação da vitamina D - A pele, o fígado e os rins participam da síntese da forma ativa da vitamina D. O intestino grosso é a parte terminal do trato GI. As funções gerais do intestino grosso são a conclusão da absorção, a produção de certas vitaminas, a formação das fezes e a expulsão das fezes do corpo. Anatomia do Intestino Grosso O intestino grosso, que mede aproximadamente 1,5 m de comprimento e 6,5 cm de diâmetro, estende-se do íleo até o ânus. Está fixado à parede posterior do abdome por seu mesocolo, uma camada dupla de peritônio. Estruturalmente, as quatro regiões principais do intestino grosso são ceco, colo, reto e canal anal (Figura 10a). A extremidade aberta do ceco funde-se com um longo tubo, chamado de colo, que é dividido em partes ascendente, transversa, descendente e sigmoide. Os colos ascendente e descendente são retroperitoneais; os colos transverso e sigmoide não. De conformidade com seu nome, o colo ascendente sobe no lado direito do abdome, chega à face inferior do fígado e curva- se abruptamente para a esquerda, para formar a flexura direita do colo. O colo continua pelo abdome, em direção ao lado esquerdo, como o colo transverso. Curva-se abaixo da extremidade inferior do baço, no lado esquerdo, como a flexura esquerda do colo, e passa inferiormente, no nível da crista ilíaca, como o colo descendente. O colo sigmoide começa próximo da crista ilíaca, projeta-se medialmente até a linha mediana e termina como o reto, aproximadamente no nível da 3a vértebra sacral. O reto, os últimos 20 cm do trato GI, situa-se anteriormente ao sacro e ao cóccix. Os 2 a 3 cm terminais do reto são chamados de canal anal (Figura 10b). Fisiologia do Intestino Grosso Digestão Mecânica no Intestino Grosso: A passagem do quimo, do íleo para o ceco, é regulada pela ação da papila ileal. Normalmente, a válvula permanece parcialmente fechada, de modo que a passagem do quimo para o ceco, em geral, ocorre de forma lenta. Imediatamente após uma refeição, Intestino Grosso Figura 10: Intestino Grosso 18 um reflexo gastroileal intensifica a peristalse no íleo e força todo e qualquer quimo para o ceco. O hormônio gastrina também relaxa o esfíncter. Sempre que o ceco é distendido, o grau de contração da papila ileal se intensifica. Os movimentos do colo começam quando as substâncias passam pela papila ileal. Como o quimo se move pelo intestino delgado com uma velocidade razoavelmente constante, o tempo necessário para uma refeição passar para o colo é determinado pelo tempo de esvaziamento gástrico. Conforme o alimento passa pela papila ileal, preenche o ceco e se acumula no colo ascendente. Um movimento característico do intestino grosso é a mistura haustral. Neste processo, as saculações permanecem relaxadas e distendidas enquanto se enchem completamente. Quando a distensão atinge um determinado ponto, as paredes contraem-se e comprimem os conteúdos na saculação seguinte. A peristalse também ocorre, embora em uma velocidade mais lenta (3 a 12 contrações por minuto) do que em partes mais proximais do trato. Um tipo final de movimento é a peristalse de massa, uma onda peristáltica forte que começa aproximadamente na metade do colo transverso e, rapidamente, direciona os conteúdos do colo para o reto. Como o alimento no estômago inicia esse reflexo gastrocólico no colo, a peristalse de massa normalmente ocorre três a quatro vezes por dia, durante ou imediatamente após uma refeição. Digestão Química no Intestino Grosso: O estágio final da digestão ocorre no colo, por meio da atividade das bactérias que habitam o lume. O muco é secretado pelas glândulas do intestino grosso, mas nenhuma enzima é produzida. O quimo é preparado para eliminação pela ação de bactérias que fermentam quaisquer carboidratos restantes e liberam gases hidrogênio, dióxido de carbono e metano. Estes gases contribuem para o flato (gás) no colo, denominado flatulência, quando em excesso. As bactérias também convertem quaisquer proteínas restantes em aminoácidos, decompondo os aminoácidos em substâncias mais simples: indol, escatol, sulfeto de hidrogênio e ácidos graxos. Partedo indol e do escatol é eliminada nas fezes e contribui para seu odor; o resto é absorvido e transportado até o fígado, no qual esses compostos são convertidos em compostos menos tóxicos e excretados na urina. As bactérias também decompõem bilirrubina em pigmentos mais simples, incluindo a estercobilina, que dá às fezes sua cor marrom. Produtos bacterianos que são absorvidos no colo incluem diversas vitaminas necessárias para o metabolismo normal, entre elas algumas vitaminas B e a vitamina K. Absorção e Formação de Fezes no intestino Grosso: Durante o tempo em que o quimo permaneceu no intestino grosso, 3 a 10 horas, tomou-se sólido ou semissólido, em consequência da absorção de água e, é, agora, chamado de fezes. Quimicamente, as fezes consistem em água, sais inorgânicos, células epiteliais desprendidas da túnica mucosa do trato gastrointestinal, bactérias, produtos da decomposição bacteriana, substâncias digeridas não absorvidas e partes não digeridas de alimentos. Embora 90% de toda a absorção de água ocorram no intestino delgado, o intestino grosso absorve o suficiente para tomá-lo um órgão importante na manutenção do equilíbrio hídrico do corpo. De 0,5 a 1,0 litro de água que entra no intestino grosso, aproximadamente cerca de 100 a 200 ml são absorvidos via osmose. O intestino grosso também absorve íons, incluindo sódio e cloreto, e algumas vitaminas. O Reflexo de Defecação: Os movimentos da peristalse de massa empurram material fecal do colo sigmoide para o reto. A distensão resultante da parede do reto estimula os receptores de estiramento, que iniciam o reflexo de defecação, esvaziando o reto. O reflexo de defecação ocorre como se segue: Em resposta à distensão da parede do reto, os receptores enviam impulsos nervosos sensitivos para a parte sacral da medula espinal. Os impulsos motores provenientes da medula espinal seguem ao longo dos nervos parassimpáticos de volta para o colo descendente, colo sigmoide, reto e ânus. A contração resultante dos músculos das camadas longitudinais diminui o reto, aumentando, dessa forma, a pressão em seu interior. Essa pressão, junto com as contrações voluntárias do diafragma e dos músculos abdominais, além da estimulação parassimpática, abre o músculo esfíncter interno do ânus. 19 MÓDULO II PATOLOGIA E AFECÇÕES DO GI INTRODUÇÃO: A hemorragia digestiva (HD) é uma das causas mais frequentes de hospitalização de urgência. A sua incidência tem se mantido estável nas últimas décadas, pois, apesar da melhora na abordagem propedêutica e na terapêutica, principalmente da úlcera péptica gastroduodenal, que é a causa mais importante, a população tem envelhecido e aumentado a incidência de comorbidades que predispõem a HD. O quadro clínico da HD pode corresponder a várias situações diferentes. A razão de tal diversidade é que o sangramento pode decorrer de múltiplas lesões e de vários segmentos do trato gastrintestinal. O sangramento também pode ser maciço ou leve, evidente ou oculto. A HD manifesta-se clinicamente de uma ou mais das seguintes formas: alta (proveniente do trato gastrintestinal superior), baixa (proveniente do trato gastrintestinal inferior), oculta (desconhecida pelo paciente), ou obscura (proveniente de local desconhecido no trato gastrintestinal). HD aguda é aquela de aparecimento recente (arbitrariamente definido como menos de 3 dias de duração), podendo levar à instabilidade dos sinais vitais, anemia e/ ou necessidade de transfusão sanguínea. HD alta é aproximadamente cinco vezes mais frequente que HD baixa. A HD é mais comum em homens, idosos e portadores de doenças crônicas. Pode apresentar uma evolução autolimitada em cerca de 80% dos casos, o que não diminui sua importância, pois algumas vezes evolui mal e leva ao óbito. Em vista disso, é preciso ficar alerta para os critérios preditivos de um prognóstico desfavorável ou de risco de ressangramento, a fim de serem tomadas medidas corretas e em tempo hábil, visando à preservação do equilíbrio hemodinâmico e da vida. Embora a conduta dos pacientes com HD tenha apresentado inúmeros avanços nas últimas décadas, os seguintes princípios clínicos se mantêm constantes: avaliação imediata e estabilização hemodinâmica do paciente; determinação da fonte do sangramento; parada do sangramento ativo; tratamento da doença de base; e prevenção de sangramento recorrente. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: A HD aguda manifesta-se através de hematêmese (vômitos de sangue vivo ou em "borra de café"), de melena (fezes negras, tipo alcatrão, malcheirosas), de hematoquezia (eliminação pelo reto de sangue vermelho vivo, ou de cor vinhosa, ou de coágulos recentemente formados). A hemorragia digestiva aguda alta (HDAA) é definida como aquela que se instala em consequência de lesões localizadas proximais ao ligamento de Treitz, manifestando-se, na maioria das vezes, através de hematêmese e/ou de melena. A hemorragia digestiva aguda baixa (HDAB) é causada por lesões situadas distalmente ao ligamento de Treitz e identificada, mais frequentemente, através de hematoquezia. A primeira etapa na conduta do paciente com HD é a avaliação da gravidade do sangramento, conforme o Quadro 1.1. Levando-se em consideração o volume das perdas sanguíneas, a HD pode ser caracterizada como maciça, moderada ou discreta. Maciça, quando há perdas muito elevadas, com repercussões hemodinâmicas importantes e apresentando pressão arterial sistólica com o paciente em posição supina abaixo de 90 mmHg, frequência cardíaca acima de 100 bpm e perdas sanguíneas acima de 2.000 mf ou mais de 40% da volemia. Moderada, quando se exterioriza por hematêmese, melena ou hematoquezia, mas com repercussões hemodinâmicas discretas, pressão arterial sistólica acima de 90 mmHg, frequência cardíaca abaixo de 100 bpm e perdas sanguíneas abaixo de 1.500 mf ou entre 20 e 40% da volemia. Caracteriza-se como discreta quando não tem repercussão hemodinâmica, as perdas sanguíneas são inferiores a 1.000 mf ou de, no máximo, 20% da volemia. São ainda incluídos nesse grupo os sangramentos gastrintestinais crônicos inaparentes, com sangue oculto nas fezes e/ou anemia ferropriva. Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 20 INTRODUÇÃO: O refluxo gastresofágico (RGE) é, por definição, o deslocamento, sem esforço, do conteúdo gástrico do estômago para o esôfago. Ocorre em todas as pessoas várias vezes ao dia e, desde que não haja sintomas ou sinais de lesão mucosa, pode ser considerado um processo fisiológico. Atualmente, a DRGE é considerada um problema de saúde pública em razão de sua elevada prevalência, evolução crônica, recorrências frequentes e comprometimento da qualidade de vida. A prevalência es timada da DRGE baseia-se apenas na presença de sintomas clássicos. Existe uma quantidade crescente de informação sobre manifestações extraesofágicas da DRGE, com evidências de que a DRGE pode ser mais comum do que estimado atualmente. Dados epidemiológicos baseados na presença de pirose como indicador da DRGE revelam que 15 a 44% dos adultos norte-americanos têm este sintoma pelo menos uma vez por mês, e 14 a 17,8%, diariamente. No Brasil, foi realizado um estudo populacional que avaliou a frequência de pirose, entrevistando quase 14.000 pessoas em 22 cidades, que conclui que 12% da população urbana tem a DRGE. A DRGE afeta todos os grupos etários, mas os idosos procuram tratamento mais frequentemente. O impacto negativo da DRGE na qualidade de vida é significativo, maior do que em pacientes com diabetes melito e hipertensão arterial, com rápida melhora após resposta favorável ao tratamento. FISIOPATOLOGIA: A etiologia da DRGE é multifatorial. Tanto os sintomas quanto as lesõesteciduais resultam do contato da mucosa com o conteúdo gástrico refluxado, decorrentes de falha em uma ou mais das seguintes defesas do esôfago: barreira antirrefluxo, mecanismos de depuração intraluminal e resistência intrínseca do epitélio (Figura 11). - Barreira antirrefluxo - A barreira antirrefluxo, principal proteção contra o RGE, é composta por: esfíncter interno (ou esfíncter inferior do esôfago - ElE - propriamente dito) e esfíncter externo (formado pela porção crural do diafragma). O ElE mantém-se fechado em repouso e relaxa com a deglutição e com a distensão gástrica. O relaxamento não relacionado com a deglutição é chamado relaxamento transitório do ElE (RTEIE), sendo considerado o principal mecanismo fisiopatológico associado à DRGE, responsável por 63 a 74% dos episódios de RGE. Em pacientes com formas graves de DRGE, a pressão de repouso do ElE está diminuída. Muitas substâncias afetam a pressão do ElE: a colecistocinina (CCK) é responsável pela diminuição da pressão de ElE observada após a ingestão de gorduras; outros neurotransmissores estão envolvidos, entre os quais se destacam o óxido nítrico (ON) e o peptídio intestinal vasoativo (VIP). O comprimento total e o comprimento abdominal do ElE são outros parâmetros usados para avaliar a função do EIE, e que são valorizados quando estão diminuídos. A presença de hérnia hiatal contribui para o funcionamento inadequado da barreira antirrefluxo através da dissociação entre o esfíncter externo e o interno e do refluxo sobreposto (fluxo retrógrado Doença por Refluxo Gastroesofágico Figura 11: Doença por Refluxo Gastrointestinal 21 do conteúdo refluxado preso no saco herniário para a porção tubular do esôfago). A distensão gástrica, principalmente após as refeições, contribui para o refluxo gastresofágico. O retardo do esvaziamento gástrico, o aumento da pressão intragástrica (ambos presentes quando há obstrução ou semiobstrução antropilórica) e a alteração da secreção gástrica (como a hipersecreção da síndrome de Zollinger-Ellison) são fatores que podem estar presentes, mas são pouco frequentes. INTRODUÇÃO: Poucos termos em gastrenterologia propiciam maior confusão e ambiguidade do que gastrite. Assim, ela possui diferentes significados para o leigo, o clínico, o endoscopista e para o patologista. Enquanto o leigo e, mesmo alguns clínicos, a utilizam como sinônimo de sintomas mal caracterizados, hoje englobados sob a denominação de dispepsia funcional ou não ulcerosa, o endoscopista a emprega para descrever o que seriam apenas anormalidades macroscópicas como hiperemia ou enantema de mucosa, por exemplo, que pode ser secundária a outras causas que não inflamação da mucosa, como hemorragia subepitelial, dilatação capilar e depleção de mucina, sem configurar o real sentido do termo, ou seja, a presença de inflamação aguda ou crônica da mucosa gástrica. Por outro lado, o exame histológico de uma mucosa gástrica endoscopicamente considerada normal pode, muitas vezes, revelar inflamação extensa. CLASSIFICAÇÃO: Gastrites agudas: Embora raramente observadas em biopsias gástricas de rotina, as gastrites agudas são classificadas em três grupos: gastrite aguda por Helicobacter pylori (H. pylori), gastrite supurativa gastrite ou flegmonosa aguda e gastrite aguda hemorrágica ou erosiva aguda. Esta última, também denominada por alguns como lesão aguda da mucosa gastroduodenal (LAMGD), inflam pode ser secundária ao uso de álcool, ácido acetilsalicílico, antiatórios, corticosteroides e em situações clínicas como choque, trauma, cirurgias extensas, queimaduras, septicemia, insuficiência respiratória, hepática ou renal, entre outras. - Gastrite aguda por Helicobader pylori (H. pylori) - Adquirido por via oral, o microrganismo penetra na camada de muco e se multiplica em contato íntimo com as células epiteliais do estômago. O epitélio responde com depleção de mucina, esfoliação celular e alterações regenerativas sinciciais. As bactérias aí assestadas liberam diferentes agentes quimiotáticos que penetram através do epitélio lesado e induzem a migração de polimorfonucleares para a lâmina própria e epitélio. O H. pylori estimula o epitélio gástrico a produzir uma potente citocina, a interleucina-8, cuja produção é potencializada pelo fator de necrose tumoral e pela interleucina- l liberados pelos macrófagos em resposta à lipopolissacáride bacteriana. - Gastrite flegmonosa aguda - É uma entidade rara, às vezes também presente em pacientes pediátricos, que se caracteriza por infecção bacteriana da muscularis mucosa e submucosa do estômago, com infiltração de células plasmáticas, linfócitos e polimorfonucleares. Na maioria dos casos descritos, a inflamação não ultrapassa o cárdia e o piloro, sendo a mucosa gástrica relativamente pouco acometida. O quadro costuma se instalar como complicação de doença sistêmica ou septicemia, tendo sido descrita após empiema, meningite e endocardite pneumocócica, entre outras. Quando causada por agentes formadores de gás, é denominada gastrite enfisematosa. Na maioria dos casos descritos até hoje, foram isolados germes gram-positivos, especialmente Streptococcus spp., embora Pneumococcus spp., Staphylococcus spp., Pro teus vulgaris, Escherichia coli e Clostridium welchii também já tenham sido identificados. - Gastrite aguda hemorrágica - As lesões agudas da mucosa gastroduodenal ou úlceras de estresse se iniciam nas primeiras horas após grandes traumas ou doenças sistêmicas graves e acometem as regiões proximais do estômago. Ocasionalmente, podem também envolver o antro gástrico, duodeno ou esôfago distai. São caracterizadas por múltiplas lesões hemorrágicas, puntiformes, associadas a alterações da superfície epitelial e edema. Como Gastrite 22 complicação clínica, a gastrite aguda pode exteriorizar-se por hemorragia digestiva alta. GASTRITE CRÔNICA AUTOIMUNE: Conhecida também como gastrite tipo A, acomete o corpo e fundo gástricos, raramente atingindo o antro. Caracterizase por uma atrofia seletiva, parcial ou completa, das glândulas gástricas no corpo e fundo do estômago, ocorrendo uma substituição, parcial ou completa, das células superficiais normais por mucosa tipo intestinal (metaplasia intestinal). A mucosa antral, por quase não ser acometida nesta entidade, mantém sua estrutura glandular normal e apresenta células endócrinas hiperplásticas. Funcionalmente, a atrofia das glândulas gástricas do corpo se associa com hipocloridria (atrofia parcial) ou, em casos avançados, acloridria, secundária à redução da massa de células parietais; paralelamente, há um decréscimo também na secreção de fator intrínseco, podendo ocasionar a redução da absorção de vitamina B12 e o aparecimento de manifestações clínicas da anemia perniciosa. A preservação funcional da mucosa antral resulta em estimulação constante das células G com hipergastrinemia. Evidências imunológicas e experimentais sugerem um componente autoimune nesta entidade. Assim, a maioria dos pacientes apresenta testes imunológicos positivos, enquanto vários evoluem com outras doenças autoimunes, como, por exemplo, as tireoidites autoimunes. Estudos em famílias de portadores de gastrite atrófica demonstram uma incidência aumentada de gastrite em parentes de primeiro grau, sugerindo uma base genética, sendo a anemia perniciosa, a expressão final da gastrite crônica autoimune do corpo, hoje considerada como determinada por um gene autossômico único. A gastrite autoimune é assintomática do ponto de vista gastrintestinal, advindo sintomas hematológicos e/ou neurológicos na ocorrência de anemia perniciosa. Em decorrência da acloridria, com a consequente elevação do pH gástrico, tem sido descrita uma maior suscetibilidadedesses pacientes a infecções entéricas por bactérias, vírus e parasitos. INTRODUÇÃO: Muitos pacientes apresentam queixas relativas ao hábito intestinal. Alguns desses referem frequência evacuatória acima da média e outros, abaixo. Portanto, é importante definir o que é hábito intestinal normal, ou melhor, saudável. A evacuação de fezes consistentes 1 a 3 vezes/dia ou até a cada 2 a 3 dias é considerada normal. Em algumas situações, os pacientes podem alternar o ritmo intestinal, mantendo-se nos parâmetros normais da frequência evacuatória, porém com desconforto. Nesses casos, deve-se avaliar adequadamente o paciente. Diarreia consiste em alteração do hábito intestinal por diminuição de consistência das fezes e aumento da frequência e do volume das evacuações. Apesar de a quantificação do peso fecal diário ser a forma mais precisa para se definir diarreia, esta medida é pouco prática e restrita ao academicismo necessário às pesquisas. Habitualmente, o peso médio diário das fezes é de 100 g/dia. Alterações intestinais são caracterizadas por variações na consistência e pela presença de produtos patológicos nas fezes. Estes são definidos pela presença de muco, pus, sangue, resíduos alimentares ou fezes brilhantes e/ou flutuantes (esteatorreia). Os três primeiros estão frequentemente associados a diarreias de origem inflamatória, enquanto os dois últimos, às síndromes disabsortivas, conforme descrito adiante neste capítulo. A investigação das características clínicas da diarreia auxilia na compreensão da fisiopatologia envolvida no processo e até mesmo das etiologias mais prováveis. Em muitos casos, terapêutica sintomática e especifica pode ser introduzida com esses dados iniciais. Sempre que possível, no entanto, devese definir a etiologia para se conduzir a terapêutica de forma mais dirigida. FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA: O intestino tem a função de secretar substâncias que auxiliam no processo digestivo e de absorver líquidos, eletrólitos e nutrientes. Diarreia Aguda e Crônica 23 Fisiologicamente, a absorção de nutrientes e líquidos excede a secreção, e o intestino delgado é predominante nessa atividade. O intestino delgado recebe, aproximadamente, 26 10 i de líquidos por dia (ingesta, secreções de saliva, gástrica, biliar, pancreática e intestinal), absorve cerca de 6 i no jejuno e 2,5 i no íleo. O cólon recebe do delgado em torno de 1,5 i, e apenas 100 mi são eliminados nas fezes. A capacidade absortiva total do cólon é de 4 a 5 i/24 h e, quando essa quantidade é ultrapassada, surge a diarreia. O principal mecanismo pelo qual a água é absorvida e secretada se faz segundo o gradiente osmótico criado pelo transporte ativo do sódio. Muitos microrganismos alteram o equihbrio de absorção e secreção no intestino delgado e são capazes de provocar diarreia. Alguns produzem enterotoxinas que ativam o mecanismo secretor e outros, por alterarem as vilosidades, prejudicam a absorção. No íleo distai e cólon, a diarreia é causada principalmente por invasão e destruição do epitélio, que resulta em ulceração, infiltração da submucosa com eliminação de soro e sangue. Além disso, podem estimular resposta inflamatória local, que resulta na produção de vários secretagogos, como as prostaglandinas e interleucinas, e contribuem para a perda de líquidos para o lúmen intestinal. A fisiopatologia da diarreia envolve cinco mecanismos básicos, sendo possível a concomitância de mais de um deles no desencadeamento de determinado tipo de diarreia: a. Diarreia Secretora: resulta da hipersecreção de água e eletrólitos pelo enterócito, como ocorre pela ação das enterotoxinas bacterianas. Pode também resultar da produção excessiva de hormônios e outros secretagogos, como no gastrinoma (gastrina), na síndrome carcinoide (serotonina, prostaglandinas, calcitonina), na cólera pancreática (VIPomas), no adenoma viloso, na insuficiência adrenal e no hipoparatireoidismo. b. Diarreia Osmótica: o processo da digestão determina fisiologicamente a transformação do conteúdo intestinal em material isosmótico. Distúrbios da digestão presentes nas deficiências de dissacaridases, que mantêm um conteúdo hiperosmolar, determinam a passagem de líquidos parietais para o lúmen intestinal e, consequentemente, diarreia. O mesmo pode acontecer pela ingestão de agentes osmoticamente ativos como a lactulose, o manitol, o sorbitol e os sais de magnésio. c. Diarreia Motora: resulta de alterações motoras com trânsito intestinal acelerado, como ocorre nas enterocolopatias funcionais ou doenças metabólicas e endócrinas. Surge, também, por redução da área absortiva consequente de ressecções intestinais ou de fístulas enteroentéricas. d. Diarreia Exsudativa/Injlamatória: decorre de enfermidades causadas por lesões da mucosa resultantes de processos inflamatórios ou infiltrativos, que podem levar a perdas de sangue, muco e pus, com aumento do volume e da fluidez das fezes. É encontrada nas doenças inflamatórias intestinais, neoplasias, shigelose, colite pseudomembranosa, linfangiectasia intestinal. e. Diarreia Disabsortiva: resulta de deficiências digestivas e lesões parietais do intestino delgado que impedem a correta digestão ou absorção. Este processo pode causar diarreia com esteatorreia e resíduos alimentares. CLASSIFICAÇÃO: Existem várias formas de se classificarem as diarreias. A definição que apresenta maior relevância clínica é a que distingue tipos de diarreia de acordo com seu tempo de evolução. Assim, define-se como aguda a diarreia que tem duração máxima de 30 dias, habitualmente ficando restrita a 2 semanas. A diarreia é considerada crônica quando tem duração superior a 1 mês. Essa distinção auxilia na conduta médica desde a avaliação de etiologias mais frequentes até as necessidades de terapêuticas empiricas iniciais. As diarreias agudas devem ser consideradas como urgência médica devido aos riscos inerentes especialmente relacionados com a desidratação habitual nesses casos. A principal etiologia é a infecciosa. Contudo, são processos autolimitados, na maioria das vezes, e a conduta primordial é a manutenção da homeostase com o equilíbrio hidreletrolítico. As diarreias crônicas apresentam condições etiopatogênicas muito mais complexas, porém raramente necessitam de abordagem emergencial. Com isso, a necessidade de tratamento empírico inicial é reduzida e o médico tem condições de conduzir investigação adequada. 24 - DIARREIA AGUDA - A diarreia aguda geralmente manifesta-se como quadro de instalação súbita em resposta a estímulos variáveis, sendo os principais associados a agentes infecciosos com evolução autolimitada. A prevalência mundial dessa afecção é de 3 a 5 bilhões de casos/ano, associada a 5 a 10 milhões de mortes/ano. Os dados oficiais do Brasil (www.datasus.gov.br) revelam que 5 em cada 1.000 mortes no país em 2007 foram causadas por diarreia aguda infecciosa. Trinta por cento dessas mortes ocorreram em menores de 14 anos e 50%, em maiores de 60 anos. A prevalência real da enfermidade é difícil de ser definida devido à subnotificação. O organismo saudável possui mecanismos de defesa que permitem resistir aos agentes lesivos e que incluem: (1) o suco gástrico, que é letal a muitos organismos pelo baixo pH; (2) a motilidade intestinal, que dificulta a aderência dos microrganismos à parede do intestino; (3) os sistemas linfático e imune, que promovem a defesa celular e humoral contra os agentes nocivos. A falha desses mecanismos e/ou a alta agressividade do estímulo agressor do intestino causam a diarreia. Como citado anteriormente, o mecanismo de geração da diarreia aguda na maioria das vezes está associado à agressão por microrganismo. Porém, outras causas comosobrecarga de solutos hiperosmolares por abusos alimentares ou fármacos (diarreia osmótica) e estímulos de peristalse exacerbados como os induzidos por estresse emocional nas síndromes funcionais (diarreia motora) também podem acarretar quadros agudos. - DIARREIA CRÔNICA - Enquanto a diarreia aguda está relacionada principalmente aos agentes infecciosos e, por isso, predomina entre as populações mais pobres, a crônica ocorre com expressiva frequência mesmo nos países industrializados. Nos EUA, estima-se que a prevalência de diarreia crônica seja de 5% da população adulta. Existem inúmeras causas de diarreia crônica, ligadas ora ao intestino delgado, ora ao cólon, criando dificuldades na sua identificação e terapêutica. Por isso, é necessário ter bom conhecimento de suas diversas etiologias, abreviando o sofrimento dos pacientes e reduzindo custos com propedêutica e terapêutica. As principais causas de diarreia crônica são síndrome do intestino irritável (SII), doença inflamatória intestinal (DII), síndrome de má absorção e infecção crônica. Esta última, mais relevante em regiões de condições sanitárias inadequadas, com possibilidade de infecções bacterianas, por protozoários ou helmintos. PÓLIPOS DO ESTÔMAGO Introdução: Pólipos gástricos são tumores mucosos ou epiteliais benignos, circunscritos, que podem ser sésseis, pedunculados ou semipedunculados. Estão presentes entre 1 e 2% da população geral, sendo mais frequentes acima dos 50 anos, e são representados principalmente pelos pólipos hiperplásicos e os pólipos adenomatosos. Os pólipos gástricos podem ser classificados, macroscopicamente, em quatro subtipos, segundo Yamada. O potencial de malignidade pode ser avaliado pelo subtipo macroscópico e tamanho do pólipo (Figura 12). Figura 12: Polipose Gástrica MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Os pólipos gástricos, na maioria das vezes, são assintomáticos, sendo detectados incidentalmente em endoscopias realizadas para avaliação de sintomas dispépticos inespecíficos. Polipose Gástrica 25 Quando sintomáticos, manifestam-se por meio de hemorragia digestiva, anemia e, ocasionalmente, dor abdominal. A dor abdominal seria devida à obstrução pilórica intermitente, por pólipo grande e com pedículo longo. Pode ocorrer dor retroesternal, assim como disfagia intermitente, como consequência do prolapso gastresofágico de pólipo pediculado da região do fundo gástrico. A maioria dos pólipos, quando sangra, o faz através de hemorragia leve, secundária a erosões da mucosa. O sangramento mais intenso é bem menos frequente e secundário à ulceração do pólipo ou de tumor submucoso. O achado de pólipo gástrico associado a episódios de diarreia, flushing cutâneo, broncospasmo e lesões valvulares do coração sugerem o diagnóstico de carcinoide gástrico do tipo li I. O exame físico não apresenta sinais que despertem a atenção para a presença de pólipos gástricos, a não ser quando associados a síndromes polipoides. INTRODUÇÃO: Abdome agudo é definido como toda condição dolorosa de início súbito ou de evolução progressiva, localizada no abdome, que requer decisão terapêutica rápida, preferencialmente após definição diagnóstica. A cavidade abdominal comporta vários órgãos de diferentes sistemas e a sintomatologia do abdome agudo pode decorrer de alguma doença em qualquer uma de suas vísceras. Tamanha diversidade transforma o abdome em uma autêntica "caixa de surpresas". O médico, ao avaliar o paciente com abdome agudo, deve fazê-lo com interesse e perspicácia. Frequentemente, o paciente está assustado e temeroso e, não raro, resiste às tentativas iniciais de comunicação, uma vez que o seu interesse está centrado no rápido alívio de seus sintomas. A anamnese é fundamental e o médico deve insistir, com calma, em uma história minutada. O paciente deve ser examinado como um todo, e não apenas como um abdome portador de uma afecção dolorosa. Ao avaliar o paciente, o médico precisa ter em mente duas perguntas às quais deve tentar responder: "Qual é o diagnóstico etiológico?" "O tratamento será clínico ou cirúrgico?" Uma atitude que pode facilitar o diagnóstico é tentar enquadrar o paciente em uma das cinco síndromes abdominais agudas: perfurativa, inflamatória, obstrutiva, vascular e hemorrágica, como veremos no decorrer do capítulo. O avanço científico e tecnológico para diagnóstico e terapêutica médica é assombroso; porém, o exame clínico meticuloso é de suma importância e jamais será substituído pelos exames complementares, muito especialmente no abdome agudo. Dor abdominal: A dor representa o melhor elemento para caracterizar ou mesmo para tentar definir o abdome agudo, fato que justifica o aforismo: não existe abdome agudo sem dor. Não devemos nos esquecer, entretanto, de que a dor é uma sensação subjetiva, que depende da consciência para sua interpretação e que é modulada por fatores educacionais, afetivos, culturais, e até religiosos, bem como pelo próprio estado psíquico de cada indivíduo (ansiedade, depressão). Para facilitar a avaliação da dor, Cope aconselha pensar anatomicamente sempre que o conhecimento das relações estruturais dos órgãos representar vantagem (Figura 13). Figura 13: Abdome Agudo Abdome Agudo 26 REFERÊNCIAS: MÓDULO II DANI, R; PASSOS, M. C. F. Gastroenterologia Essencial. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabra Koogan, 2011. MÓDULO I TORTORA, G, J; DERRICKSON, B. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010
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