Buscar

Artigo - Planejamento em Saude

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Pós-Graduação em Gestão Estratégica na Áreas 
Social e de Saúde
Módulo Básico
Planejamento em Saúde
Walter Oliveira
FAEL
Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar
Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo
Coordenador Pedagógico Osnir Jugler
EDitorA FAEL
Autoria Walter Oliveira
Gerente Editorial William Marlos da Costa
Projeto Gráfico e Capa Patrícia Librelato Rodrigues
revisão Jaqueline Nascimento
Programação Visual e Diagramação Karlla Cristyne Plaviak
AtEnção: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente, à opinião da Fael.
É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo deste material, sem autorização prévia da Fael.
EDitorA FAEL
Avenida Silva Jardim, 167
Curitiba | PR | CEP 80.230-000
FAEL
Rodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427
Lapa PR CEP 83.750-000
FotoS DA CAPA
Foto1: OKSun/Shutterstock
Foto2: Bevan Goldswain/Shutterstock
Foto3: Yuri Arcurs/Shutterstock
Foto4: mangostock/Shutterstock
Foto5: Alexander Raths/Shutterstock
Todos os direitos reservados.
2012
Planejamento 
em Saúde
 1 . Raízes históricas 
do planejamento
 1.1 Campo de estudos 
do planejamento
O tema do planejamento nos remete a dois aspec-
tos fundamentais na história do ser humano: as ope-
rações militares e a necessidade de soluções para a 
convivência nas cidades. Na verdade os dois estão inter-
relacionados. Platão, em uma de suas obras capitais, A 
República, mostra que o crescimento das cidades era 
pensado também em relação à necessidade de expan-
são de territórios. Esta expansão era sentida como um 
processo natural e levava, muitas vezes, ao confronto 
entre as cidades-estado (como organiza-se a Grécia) 
e nações. A expansão trazia para as cidades bens que 
elas não podiam produzir e as guerras surgiam quando 
não era possível obter os bens desejados por ações 
puramente diplomáticas e comerciais. As guerras con-
tribuiam, portanto, para a obtenção de bens, inclusive 
escravos. Além disso, havia a necessidade de segurança 
contra os outros estados, o que alimentava o potencial 
para as guerras.
Para as guerras era necessário que se organizas-
sem exércitos e complexos sistemas logísticos. Estes 
empreendimentos eram conduzidos, na Grécia clássica, 
por oficiais chamados estrátegos, equivalentes, na atu-
alidade, aos generais. Surge daí o vocábulo estratégia, 
que passou, na idade contemporânea, a denominar um 
tipo de planejamento, o planejamento estratégico. 
Do ponto de vista do planejamento das cidades, o 
que se buscava, já desde as civilizações clássicas, era 
a garantia de uma convivência interna pacífica. Neste 
sentido, esperava-se que as transações sociais, em que 
podemos incluir o comércio, ajudassem na construção 
de uma vida tão confortável quanto possível. 
A religião implicava diretamente a busca do con-
forto e da segurança. Muitas necessidades não podem 
ser supridas puramente pela ação humana. A produção 
de alimentos mediante atividade agrícola, por exemplo, 
depende de aspectos climáticos e ecológicos e estes 
sempre constituíram um desafio ao controle material. Os 
deuses eram invocados para aplacar a natureza, favore-
cer semeaduras e colheitas, proteger contra os inimigos 
e proporcionar iluminação espiritual e orientação sobre 
decisões vitais. Por isso, em todas as civilizações torna-
ram-se importantes as organizações que mediassem as 
relações com o sobrenatural. Em algumas sociedades 
privilegiou-se a mitologia, como na Grécia, em outras 
o sistema clerical, como no Egito. Todas primaram pelo 
extremo senso de organização que inseria a religião 
como parte essencial do plano de vida das pessoas nos 
povoados, vilarejos ou cidades. 
A procura por equilíbrio entre as funções, atri-
buições e privilégios de determinados grupos sociais 
gerou uma ética atenta à equidade, à justiça e à soli-
dariedade. Esta visão encontra-se na raiz do conceito 
de cidadania. Nas cidades e nações, alguns grupos, por 
serem considerados benfeitores, superiores ou por um 
poder garantido pela força ou ainda por serem naturais 
do lugar, adquiriam privilégios em relação a uma série 
de benefícios necessários à manutenção e aperfeiçoa-
mento do padrão de vida. Entre os benfeitores estavam 
imperadores, reis, ditadores, além de, líderes religiosos, 
comerciantes e militares, entre outros. Governantes que 
buscavam mais justiça social facilitavam o avanço dos 
direitos civis, políticos e sociais. Com esta dinâmica os 
planos para o desenvolvimento das cidades e nações 
eram pensados e executados tanto pelos membros dos 
governos como, em alguns casos, a partir da população 
comum, através de diversas formas de representação 
(PINSKY, 2005). 
Para manter o funcionamento das cidades em 
meio a fenômenos naturais muitas vezes imprevisí-
veis e guerras constantes ou cíclicas, era necessário 
um padrão de organização a partir de configurações 
políticas, sociais e religiosas. Assim, a vida no Egito e 
entre os hebreus tinha como fulcro o poder religioso. 
A Grécia desenvolveu eventualmente a democracia 
que se pautava politicamente por conselhos políticos e 
orientava-se pela influência dos oráculos em um con-
texto histórico que valorizava a filosofia e a busca da 
beleza definida como uma forma de equilíbrio. Roma 
estabeleceu o Senado e manteve o sistema mitológico 
criado pelos gregos. Estas civilizações históricas desen-
volveram poderosos exércitos, como os de Atenas e 
Esparta, na Grécia. Roma, especialmente, inovou a prá-
tica da guerra com a criação das legiões. 
MóDuLO BÁSICO
| 2 |
A organização militar da maioria das civilizações 
antigas era submetida aos governos, mas, em geral, 
mantinha, por sua força inerente, uma autonomia que 
lhe permitia pensar seu próprio planejamento. As estra-
tégias eram assunto essencialmente pertinente aos 
generais (estrategistas) e seus subordinados. A religião 
tudo mediava e o comércio e as indústrias da época, 
que também implicavam planos de ação, permitiam o 
financiamento das atividades sociais, incluindo as guer-
ras, e modulavam o padrão de vida. 
Infere-se desta introdução que o planejamento é 
uma prática antiga, inerente à vida humana e sobre a qual 
as sociedades têm se debruçado para buscar a opera-
cionalização dos fenômenos da vida cotidiana, entre eles 
a produção e distribuição de bens necessários à sobrevi-
vência, as trocas comerciais, a expansão de territórios e 
mercados e a busca da realização espiritual.
Através das épocas ocorreram, paulatinamente, no 
mundo ocidental, o privilégio à racionalidade, o desenvol-
vimento da ciência e a hegemonia da tecnologia como 
elemento organizador da vida. Neste contexto, o plane-
jamento passou a ser estudado de forma sistemática e 
tornou-se uma disciplina dentro do esquema de organi-
zação de saberes, ligando-se, principalmente, ao campo 
da administração. Esta sistematização do estudo do pla-
nejamento ocorre, junto com o surgimento do campo da 
administração, ao final do século XIX, quando o desen-
volvimento da produção de bens para distribuição em 
massa, no contexto da nova ordem capitalista, demanda 
a ordenação dos processos de trabalho e o controle dis-
ciplinar dos trabalhadores (FOuCAuLT, 2001). 
A nova ciência da administração dedicou-se, ini-
cialmente, à construção de uma teoria das organiza-
ções. As organizações constituem o centro nevrálgico 
de sustento da vida moderna. Nada opera-se sem as 
organizações que elaboram, implementam, controlam 
e avaliam as transações humanas, organizando e distri-
buindo os bens necessários a elas. As organizações são 
institucionalizadas, controladas pelo Estado e pelas ten-
dências de mercado, contextualizadas na ordem social, 
política e econômica vigente. O processo de vida, 
identificado como processo social de complexidade 
extrema, exige padrões de comportamento adequados 
à ordem constituída. O planejamento torna-se, desta 
forma, essencial para regular as relações humanas, 
mediadas por organizações e instituições.
A saúdeé uma área especialmente importante da 
vida e mediada por organizações e instituições de grande 
influência sobre as pessoas. O campo de estudos do pla-
nejamento tem, na área da saúde, uma atuação funda-
mental. E, como em outras áreas, sua história inicia-se 
pelas necessidades básicas nas diferentes épocas. 
Neste texto vamos contar, de forma sucinta, a his-
tória do planejamento na saúde, verificar o panorama 
atual do conhecimento sobre planejamento em saúde e 
examinar o papel do planejamento no desenvolvimento 
e consolidação do Sistema Único de Saúde (SuS), o 
sistema nacional de saúde do Brasil. 
 1.2 As origens do 
planejamento 
em saúde
O planejamento em saúde no Brasil acompanha a 
história geral da saúde no país. Esta deve ser compre-
endida a partir de suas raízes na Europa, de onde nossa 
cultura emerge com a colonização portuguesa. Impor-
tante, também, é a influência dos Estados unidos, a partir 
do século XX. Nesta trajetória ressalta-se a influência das 
transformações políticas e dos movimentos próprios da 
área da saúde. Nesta secção vamos examinar estas raí-
zes históricas, o que nos permitirá compreender melhor 
o estabelecimento dos mecanismos de planejamento e 
como eles se adequaram ao contexto da construção de 
nossos sistemas de saúde até os dias atuais.
A saúde é um valor capital entre os seres humanos. 
Entretanto, no mundo ocidental, era tradicionalmente 
assunto de tratamento privado. Não foi até a ocorrência 
das grandes pestes, que ameaçavam devastar a civili-
zação, que a saúde passou a ser assunto de interesse 
público e coletivo.
Diante da destruição promovida pelas pestes, as 
cidades da Europa tomaram uma série de providên-
cias visando à prevenção da disseminação da doença. 
Estas medidas aplicaram-se, inicialmente, ao controle 
das migrações, exercendo-se diretamente nos portos. 
Embarcações chegadas de outros lugares eram estri-
tamente revistadas, vigiadas e passou-se a utilizar uma 
medida denominada quarentena, que consistia em impe-
dir o desembarque de tripulações e passageiros por até 
40 dias, quando se confirmava não ter havido nenhuma 
manifestação suspeita de peste entre os viajantes.
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 3 |
A cidade de Paris desenvolveu um complexo sis-
tema de controle para detectar, precocemente, portado-
res da peste, conforme afirma Foucault (2001). um fun-
cionário da prefeitura percorria diariamente certo número 
de quarteirões em determinado horário. Em cada casa, 
neste horário, todos os habitantes deveriam chegar à 
janela. A ausência de algum morador era considerada 
suspeita, o funcionário podia entrar na casa para inspe-
ção e exigir a presença do ausente. A cidade mantinha 
registros de controle e planejamento para manter este 
serviço ativo e obter os resultados esperados.
Não se falava, entretanto, àquela época, em uma 
área específica da saúde. As medidas tomadas para o 
bem-estar eram sociais gerais. A expansão das cidades 
propiciou, na França, uma política que ficou conhecida 
como o Hospital Geral. O termo não denominava, como 
hoje, um local de tratamento, mas um aparelho admi-
nistrativo de organização social, funcionando mais ou 
menos da forma como funcionaria hoje uma secretaria 
de assistência social, mas com foco em controle. 
O Hospital Geral encarregava-se de vigiar, atender 
e internar pessoas em situação social de vulnerabilidade 
ou que eram vistos como ameaças ou incômodos. Nes-
tas instituições passaram a ser internados pessoas com 
doenças crônicas, portadores de deficiências físicas ou 
mentais, mendigos, ladrões, prostitutas, condenados por 
crimes não atentatórios à vida, como de adultério, usurá-
rios, enfim uma variedade de transgressores de normas 
e vítimas de contingências sociais (FOuCAuLT, 1999). A 
iniciativa de internações pelo Hospital Geral, na França, 
espalhou-se rapidamente pelo resto da Europa.
A partir do século XVIII, o Iluminismo favoreceu 
o desenvolvimento das diversas ciências. A medicina 
desenvolveu-se e aplicava-se, principalmente, de forma 
privada, atendendo aos que podiam pagar. Livrar-se das 
doenças, mesmo as mais simples, era um privilégio das 
classes economicamente favorecidas. Para os despos-
suídos haviam os tratamentos proporcionados em hos-
pitais operados por instituições de caridade, geralmente 
de natureza religiosa. Contudo, havia problemas que 
não atingiam apenas uma determinada classe, mas se 
estendiam à população como um todo. Havia, portanto, 
uma demanda de planos para lidar com estes proble-
mas que nem a medicina privada nem as instituições de 
caridade podiam, por si só, solucionar. 
A epidemia de cólera, ocorrida em Londres no 
século XVIII, propiciou historicamente o avanço do pla-
nejamento em saúde. John Snow, médico comissionado 
pela Coroa Britânica, conduziu um detalhado e rigoroso 
estudo que revelou que a doença manifestava-se de 
acordo com o curso de um determinado rio. Concluiu 
que a transmissão do cólera dava-se a partir da distri-
buição de águas e conseguiu planejar medidas gerais 
de combate à epidemia. 
Esta época foi de grande desenvolvimento para 
a saúde pública. Criaram-se, nos Estados unidos, os 
departamentos estaduais de saúde, centros onde se pla-
nejavam, desenhavam e executavam ações de controle 
e proteção da saúde das populações, originando-se daí 
os sistemas nacionais e locais de saúde.
Outro marco histórico da saúde pública e do plane-
jamento em saúde foi o movimento da Medicina Social, 
na Europa, entre 1830 e 1870, e que visava a atender, 
de acordo com Rosen (1980), à necessidade de lidar 
com problemas coletivos de saúde. 
A Europa, na segunda metade do século XIX, tinha 
altos índices de mortalidade por todo tipo de doença, 
principalmente as transmissíveis. As condições de sane-
amento eram péssimas, assim como as condições de 
trabalho. Crianças e mulheres, inclusive grávidas, traba-
lhavam até 14 horas por dia, às vezes em locais sem 
nenhuma ventilação e em troca de salários baixíssimos, 
às vezes apenas em troca de comida (ROS, 2006). Este 
quadro mobilizou a classe médica, que passou a lutar 
não só para o avanço da ciência, mas, também, para o 
estabelecimento de leis, políticas e ações que pudessem 
interferir na produção de doenças e de saúde. Reconhe-
cia-se, desta forma, que a saúde e a doença podiam 
ser produzidas não só pelos agentes patológicos, como 
vírus e bactérias, mas, também, pelas condições sociais, 
conceito ao qual passamos a nos referir como da deter-
minação social do processo saúde-doença. 
Saúde pública gera, portanto, a demanda de polí-
ticas e planejamento social. É assunto de Estado e de 
interesse público. Estudar planejamento em saúde é, 
também, discutir estas relações entre políticas de saúde, 
Estado e sociedade, que, por sua vez, referem-se ao 
exercício do poder.
MóDuLO BÁSICO
| 4 |
 1.3 Estado, poder 
e planejamento 
em saúde
O Estado é frequentemente apresentado como um 
dispositivo de controle das atividades e relações huma-
nas, com poderes governamentais delegados pelos 
cidadãos, mas, muitas vezes, a serviço de interesses 
particulares. De outro lado, a sociedade constitui-se dos 
cidadãos que organizam sua vida enquanto habitantes 
de um território onde um Estado exerce seu poder. 
As relações entre o Estado e a sociedade civil 
são mediadas por contratos, pactos. O direito natural é 
passado ao governo, que o transforma em direito civil, 
oferecendo garantias para a vida, a liberdade e a pro-
priedade privada dos cidadãos. Neste contexto, as leis 
são promulgadas e aplicadas pelos poderes governa-
mentais.
Os pactos orientam o exercício da cidadania e são 
mediados por organizações civis. Estes pactos atende-
rão melhor às aspirações cidadãs quanto mais forem 
independentes dos poderes governamentais. 
Os estados ocidentais modernos apoiam-se em 
uma base ideológica liberal. O Estado liberal associa-se 
à ordem econômica capitalista e ao sistema político da 
democracia, orientando-se pelo respeito à liberdade do 
indivíduo. Esta base morallhe autoriza a regular as tran-
sações pertinentes à esfera pública e os negócios da 
vida privada. um avanço do estado liberal foi o chamado 
welfare state (estado do bem-estar) no qual se praticam 
grandes investimentos estatais, privilegiando, sobretudo, 
o bem-estar social. O welfare state foi uma experiên-
cia que caracterizou alguns países da Europa, particu-
larmente os países nórdicos, como Suécia, Noruega e 
Dinamarca, durante um bom período do século XX.
Contemporaneamente, vivemos sob a tentativa 
de dominância de uma ideologia a que denominamos 
neoliberalismo, que radicaliza globalmente a liberdade 
dos fluxos dos negócios e a privatização de bens e ser-
viços, professando que o Estado esteja minimamente 
presente – ou totalmente ausente – na regulação dos 
mercados de bens e capitais. Esta diminuição da influ-
ência dos governos, a radicalização do Estado mínimo, 
deixa desprotegidos os direitos sociais estabelecidos no 
âmbito do Estado liberal e do welfare state. Na perspec-
tiva neoliberal valoriza-se fortemente o lucro, o arrocho 
salarial e ajustes fiscais. Cortam-se os programas sociais 
e favorecem-se a privatização e o “enxugamento”, o 
desemprego em massa de trabalhadores com fins de 
maximizar lucros de empresas. Com o lucro assumindo 
um papel de valor estruturante da vida, a visão contábil 
passa a ter prioridade nas avaliações e no planejamento 
das atividades da sociedade.
É neste contexto evolutivo do Estado que analisa-
mos a evolução das políticas de saúde e dos sistemas 
de saúde na maioria dos países do mundo. No Brasil, 
esta evolução acompanhou as oscilações relativas à 
história dos sistemas de governo, da colônia ao impé-
rio, da Primeira República à Ditadura Militar e daí até a 
implantação do SuS. 
uma última e importante reflexão. O Estado é uma 
abstração, uma instituição, sendo seu aparato – isto é, 
seus governos, poderes legislativos e judiciários – exer-
cidos concretamente por pessoas. Assim, a dinâmica da 
vida civil é determinada pela atuação dos sujeitos que 
ocupam as diversas posições nas organizações públicas 
e privadas. 
Neste sentido, o planejamento é, também, um 
estudo de como os seres humanos lidam com o poder. 
No entanto, como estudar assunto tão complexo e apa-
rentemente indecifrável? Esta questão será abordada 
mais à frente, na secção 4.2, a partir da página 20.
 2 . História da saúde 
pública no Brasil e 
a importância do 
planejamento
 2.1 A saúde pública no 
reinado e no império
A história do planejamento em saúde confunde-se 
com a própria história da saúde pública no Brasil. Esta é 
a história das epidemias, das campanhas sanitárias, da 
implantação de serviços, da evolução do pensamento 
em saúde, da relação das políticas de saúde com as 
políticas de governo e com as políticas de Estado. 
A evolução da saúde pública no Brasil ocorre em 
consonância com o desenvolvimento do Estado brasileiro, 
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 5 |
com constantes conflitos de poder traduzidos em emba-
tes ideológicos, políticos e administrativos, em meio a dis-
putas intensas no terreno assistencial e da gestão. Esta 
história evolui como um movimento, uma dinâmica que 
reflete interesses locais, regionais e nacionais, bem como 
as tendências políticas internacionais. Movimento que res-
ponde à denúncia de desigualdades sociais extremas, ao 
mesmo tempo em que incorpora avanços tecnológicos e 
discute uma ética da vida e dos direitos da cidadania. 
Examinemos, portanto, as fases históricas da saúde 
pública no Brasil e veremos revelado, ao mesmo tempo, 
como se estabeleceu o planejamento das ações de saúde 
desde os primórdios até o estabelecimento do SuS.
A vinda da corte real portuguesa, em 1808, pro-
porcionou a instauração de um reinado no Brasil e pro-
moveu uma grande transformação no campo social, 
político e sanitário. Na área da saúde a preocupação 
principal, da época do reinado até as primeiras décadas 
do século XX, era o combate às epidemias. 
A partir de 1850, seguindo o exemplo dos países 
europeus e dos Estados unidos, algumas províncias 
começaram a coletar dados estatísticos das doenças. 
Revelaram-se taxas de mortalidade consideradas extre-
mamente altas para a febre amarela e a tuberculose que, 
em 1860, no Rio de Janeiro, mataram, cada uma, cerca 
de 1% da população. À época já se falava da necessi-
dade de planejadores e administradores de saúde. Em 
1887, final do regime monárquico, 0,4% do orçamento 
da nação era destinado à higiene pública comparados 
a 35% para o setor ferroviário e 19,6% para o setor da 
marinha e guerra (ROS, 2000).
Esta primeira fase da saúde pública caracterizou-se 
por campanhas de combate às epidemias, modelo 
chamado sanitarismo campanhista. Percebe-se, 
desde aí, a tendência dos governos a negligenciar a 
proteção social, com escassez relativa de recursos para 
a área da saúde. Já havia necessidade de se fomentar 
uma cultura de planejamento no país.
 2.2 A saúde nas primeiras 
décadas do século xx
O setor saúde na Primeira república (1889-
1920) atrelava-se à realidade econômica do Estado, 
cuja base era a agricultura, principalmente cultivo e 
exportação de café. Atenção especial era dada ao sane-
amento dos portos e à força de trabalho que garantia a 
produção e o escoamento dos produtos. A febre ama-
rela e a varíola continuavam a assolar o país, causando, 
juntamente com os surtos epidêmicos de cólera e peste, 
enormes danos pessoais e materiais.
Em 1903 foi criada, no Rio de Janeiro, a Diretoria 
Geral de Saúde Pública, sendo nomeado como diretor 
Oswaldo Cruz, que centrou seus esforços em campa-
nhas para combate às endemias e epidemias que ame-
açavam a saúde da população. Oswaldo Cruz utilizou 
fortemente o poder de polícia do Estado, deflagrando a 
chamada guerra da vacina que culminou em confli-
tos armados com a população. 
Na atenção à saúde individual a predominância era 
dos atendimentos privados. O atendimento em hospi-
tais públicos, administrados, principalmente, por institui-
ções de caridade, assumia características de assistência 
social. Políticas públicas dotavam recursos para internar 
pessoas sofrendo de doenças mentais, hanseníase e 
tuberculose.
No entanto, a primeira política pública de grande 
impacto social foi a criação das Caixas de Aposenta-
dorias e Pensões (CAP), em 1923. As CAPs eram 
órgãos de previdência, mas ofereciam serviços médicos 
e farmacêuticos aos trabalhadores. Eram financiadas e 
administradas por empregados e empregadores, tendo 
o poder público ingerência apenas para solver eventuais 
conflitos entre um membro e a organização. 
Na era Vargas inaugurou-se um novo modelo previ-
denciário com a criação dos Institutos de Aposentadorias 
e Pensões (IAPs), não mais organizados por empresas, 
mas por categorias de trabalhadores. Foram criados, 
por exemplo, o IAPB (de bancários), IAPI (industriários), 
IAPM (marítimos) e outros. Com os IAPs e a criação, 
em 1930, do Ministério do Trabalho, o Estado passa a 
responsabilizar-se pela previdência, a controlar sua ges-
tão, financiamento, arrecadação, benefícios e capital. 
Os IAPs, como as CAPs, continuaram a oferecer 
aos trabalhadores serviços médicos e farmacêuticos, 
mas, com a criação, em 1930, do Ministério da Educa-
ção e Saúde, as ações de saúde coletiva passam a ter 
um local de referência no aparelho de Estado. O sani-
tarismo campanhista ainda era o modelo hegemô-
nico e a assistência médica individual continuava divi-
dida entre os atendimentos privados e as instituições 
de caridade. Foram se consolidando certas maneiras 
MóDuLO BÁSICO
| 6 |
de administrar a saúde, o Estado cuidando das ações 
coletivas e do asilo das pessoas desamparadas ou com 
doenças crônicas.
 2.3 A saúde: da Segunda 
Guerra Mundial à 
Ditadura Militar
Em meio à Segunda Guerra Mundial e nos anos 
subsequentes cresceu enormemente a influência da 
cultura americana no Brasil. Contudo, nos anos 50 do 
século XX, as iniciativas europeias de investimento esta-
tal para o bem-estar social, o chamadowelfare state, 
passaram a servir como modelo para nosso desenvol-
vimento social. O governo Vargas seguiu este modelo 
por meio do fortalecimento do sistema previdenciário. A 
assistência médica vinculou-se fortemente à previdência, 
atendendo uma demanda dos trabalhadores que não 
era resolvida no serviço público. A previdência sofreu 
sua primeira grande crise, pois o aumento dos gastos, 
inclusive com a assistência médica, não foi compensado 
por um aumento suficiente de receitas.
O Ministério da Saúde (MS), criado em 1953, 
incorporou a missão de cuidar de campanhas e ações 
preventivas, mas sem grande presença na provisão 
direta de serviços, exceto de asilo a doentes crônicos. 
A assistência individual continuava a ser predominante-
mente privada ou de caridade, reiterando a dicotomia 
entre saúde pública e assistência individual.
Chegamos à década de 60 do século XX com uma 
nação mais urbana e um modelo de saúde que come-
çava a se assemelhar ao modelo americano, com gran-
des hospitais privados ou ligados à previdência social. 
O cuidado era exercido exclusivamente por médicos, 
sendo considerados os outros profissionais de saúde 
meros auxiliares. Cunhou-se o termo modelo medico-
cêntrico e hospitalocêntrico. 
uma das medidas de maior impacto no período da 
Ditadura Militar deu-se em 1967, com a unificação dos 
IAPs no Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). 
O INPS abriu a previdência a uma influência crescente 
dos proprietários de hospitais e das indústrias farmacêu-
tica e de equipamentos médico-hospitalares. 
A previdência ampliou consideravelmente a assis-
tência médica. O foco deixou de ser nas grandes epi-
demias que costumavam atingir a todos quase que 
indiscriminadamente e passou a ser em doenças mais 
afetadas por hábitos e condições de vida, tornando mais 
marcante as repercussões das diferenças sociais. 
A demanda na saúde refletia as necessidades de 
uma nova sociedade urbana e de um complexo mercado 
protagonizado por produtores, fornecedores e comprado-
res de novos equipamentos e serviços. O Estado provia 
cada vez mais serviços de saúde, mas, principalmente, 
terceirizados, como de hospitais, clínicas e laboratórios. 
O novo modelo é referido como médico-assistencial pri-
vatista, instaurando-se um complexo sistema industrial 
médico-farmacêutico-hospitalar (MENDES, 1996).
Em 1974, foi lançado um relatório, do Ministro da 
Saúde do Canadá, Lalonde, trabalhando a ideia da pro-
moção da saúde, que se constituiu em um novo para-
digma, assumindo a tese da saúde como fenômeno 
ligado à qualidade de vida. A saúde passou, assim, a 
ser vista como produto de hábitos e costumes coletivos, 
mas com repercussão individual. 
Já a conferência promovida pela Organização Mun-
dial de Saúde, em 1978, em Alma Ata, capital do atual 
Cazaquistão, declarava que a saúde coletiva dependia 
do fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS). 
Alma-Ata problematizava as desigualdades sociais na 
equação sanitária. Os inimigos da saúde não eram mais 
apenas os germes das grandes epidemias, mas grandes 
males sociais, como a fome, as desigualdades, a falta de 
saneamento básico, a destruiç!ao do meio ambiente e 
a exclusão social.
O que significa atenção primária à saúde
Em Alma Ata, atenção primária à saúde significava:
transformação do modelo assistencial; x
diminuição da mortalidade, principalmente x
infantil;
aumento da cobertura vacinal; x
disponibilidade de água potável; x
disponibilidade de esgoto sanitário; x
extensão da atenção à saúde para todos os x
grupos, sobretudo os socialmente excluídos.
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 7 |
No período da Ditadura Militar o planejamento 
passou também a protagonizar a gestão das políticas 
sociais. De departamentos isolados que essencial-
mente planejavam campanhas e o cuidado asilar de 
crônicos, passou-se à gestão de gigantescos órgãos 
públicos ligados ao sistema previdência-saúde e de 
serviços prestados por clínicas e hospitais, em meio a 
grande avanço tecnológico. Os indicadores, contudo, 
não respondiam positivamente e os problemas sociais 
se agravavam. O sistema não se mostrava eficaz e 
exigia outras direções.
 2.4 O SUS: bases 
constitucionais
A queda da Ditadura Militar propiciou um período 
de democratização no qual um dos pontos fundamen-
tais foi a criação de uma nova Constituição Federal, em 
1988. A saúde é tratada, na nova Constituição, no Título 
VIII (Da ordem social), capítulo II (A seguridade social). 
A primeira grande ruptura é que a lei magna separa, 
nas seções do referido capítulo, saúde (seção II), previ-
dência (seção III) e assistência social (seção IV). 
A seção específica da saúde contém os Artigos 
196 a 200 e apresenta a saúde como direito de todos 
e dever do Estado, a ser garantido por políticas sociais 
e econômicas, visando à redução de riscos de doenças 
e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às 
ações e serviços para sua promoção, proteção e recu-
peração (BRASIL, 1991). A Constituição cria o Sistema 
Único de Saúde (SuS), e estabelece suas diretrizes: 
descentralização, com direção única em cada esfera 
de governo; atendimento integral, com prioridade para 
ações preventivas sem prejuízo dos serviços assisten-
ciais; e participação da comunidade. Dispõe sobre o 
financiamento, que deverá constar do orçamento da 
seguridade social, da união, dos estados, do DF e dos 
municípios, além de outras fontes, e estabelece as 
competências do sistema.
O SuS é mais que uma reforma de serviços, é uma 
mudança sistêmica que só pode ocorrer plenamente 
no contexto de uma reforma de Estado. um empreen-
dimento de tal porte exige estratégias compatíveis e os 
gestores de diferentes níveis têm que lidar com pro-
blemas já antigos e outros para os quais não há ainda 
experiências que facilitem a busca de soluções.
Ficou claro que na primeira fase da implantação 
seria importante o trabalho de liderança para popula-
rizar a inovação, difundir os princípios constitucionais 
do SuS, conquistar adeptos dentro da área da saúde, 
formar pessoal. 
 2.5 O novo modelo de 
atenção do SUS
Referimo-nos comumente a modelos de atenção 
em saúde como o conjunto de princípios, representa-
ções mentais, políticas, relações e procedimentos que 
proporcionam uma maneira de vivenciar a saúde como 
elemento da organização social. Os modelos podem ser 
analisados de várias maneiras, considerando-se dife-
rentes elementos. Para fins de análise do planejamento, 
vamos considerar nosso modelo em uma perspectiva 
histórica, que nos permite entender a construção de 
nossa atual realidade.
Do reinado de D. João VI até a Primeira República o 
modelo de atenção revestia-se de características essen-
cialmente curativistas, ou seja, a ideia era curar as doenças, 
com ações clínicas realizadas no âmbito privado, exerci-
das, principalmente, por profissionais liberais. Para os que 
não podiam pagar havia a caridade. Na saúde coletiva as 
ações caracterizavam o “sanitarismo campanhista”. 
No segundo período, que inclui a era Vargas e outros 
governos do pós-guerra, o modelo ainda era essencial-
mente curativista, mas houve o desenvolvimento de uma 
rede de hospitais públicos e privados. O modelo era tam-
bém médicocêntrico e hospitalocêntrico, porém emer-
giu a abordagem preventiva, fortalecendo-se a ideia de 
prevenir as doenças ao invés de simplesmente lidar com 
suas consequências quando já instaladas. Os profissionais 
de saúde já não se restringiam ao trabalho liberal, incor-
poraram-se ao mercado de trabalho como assalariados, 
inseridos na assistência aos trabalhadores via IAPs.
A década de 60 do século XX anunciou uma abor-
dagem multifatorial, ou seja, a saúde como resultante 
de múltiplos fatores, inclusive o estilo de vida. As pers-
pectivas curativista e preventiva continuam em voga, 
bem como as características hospitalocêntrica e médi-
co-cêntrica. Amplia-se a rede de hospitais públicos e 
privados, estes agora majoritariamente conveniados ao 
INPS e, posteriormente, ao Inamps. O trabalhoé exer-
cido, principalmente, por profissionais assalariados e 
MóDuLO BÁSICO
| 8 |
Planejamento é uma prática com sentido de conduzir 
processos de trabalho e de gestão.
organizam-se, aos poucos, equipes multiprofissionais. A 
saúde identifica-se com os movimentos sociais e passa 
a relacionar-se com a defesa dos direitos humanos. A 
ênfase da saúde pública passa a ser na APS.
Na década de 80 do século XX a saúde vai aos 
poucos configurando-se como direito do cidadão e 
dever do Estado, que deve provê-la na forma de atenção 
integral. Propõe-se o modelo promocional, com foco na 
pessoa e nas condições e no estilo de vida. Adota-se, 
no Brasil, a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde 
(1986), uma concepção de saúde que considera sua 
determinação multifatorial e sua produção social. O tra-
balho é exercido cada vez mais de forma interdisciplinar. 
A ênfase da saúde coletiva é na APS.
Nos anos 90 do século XX, com a implantação pro-
gressiva do SuS, assume-se, definitivamente, a saúde 
como direito do cidadão e dever do Estado, a ser exe-
cutada por um sistema nacional unificado, com acesso 
universal. O modelo, de atenção integral, visa promover 
e reabilitar a saúde e prevenir doenças mediante ações 
intersetoriais e descentralizadas, organizadas segundo 
uma hierarquia de complexidades. O mercado de traba-
lho tem a predominância de profissionais assalariados, 
fortalecendo-se a atuação interdisciplinar. A ênfase da 
saúde coletiva é na atenção primária.
Chegamos ao período atual. O SuS encontra-se 
em fase de consolidação, com foco na integração das 
ações intersetoriais de saúde e na garantia do financia-
mento do sistema. Devido aos problemas enfrentados 
no setor público, uma grande parcela da população 
prefere o atendimento por planos de saúde privados 
empresariais ou pagos individualmente. Percebe-se o 
recrudescimento das ações contrárias aos princípios do 
SuS em esferas de governo, na indústria farmacêutica 
e por parte de corporações profissionais. O modelo de 
atenção integral estruturado pela APS está definitiva-
mente aceito no contexto do SuS e exige formação per-
manente dos recursos humanos. O mercado de trabalho 
é dominado por profissionais assalariados, cooperativas 
médicas e um relativamente pequeno número de pro-
fissionais liberais. O modelo privilegia a interdisciplinari-
dade, redimensionou-se a distribuição de poderes, com 
o avanço da descentralização e da participação comuni-
tária, bem como nas relações profissionais, com a opo-
sição ao modelo medicocêntrico e hospitalocêntrico. 
O SuS pretende substituir, portanto, o modelo 
curativista, hospitalocêntrico-médicocêntrico, médico-
privatista, apoiado no complexo médico-hospitalar-
farmacêutico, por um modelo de atenção integral, com 
acesso universal, descentralizado, hierarquizado e regio-
nalizado, equitativo e com abordagem promocional e 
preventiva sem prejuízo das ações visando à recupera-
ção da saúde e contando com participação comunitária 
na gestão (controle social). Considera-se a saúde como 
determinada pelas condições sociais. 
A operacionalização do sistema reveste-se de con-
tornos delicados, exige, ao mesmo tempo, firmeza e 
flexibilidade nas negociações e pactos conduzidos por 
gestores e outros atores sociais e, acima de tudo, pla-
nejamento com vistas aos resultados que, a médio e 
longo prazo, se deseja alcançar.
Está na hora, portanto, de examinarmos os concei-
tos e os métodos de planejamento mais utilizados na 
área da saúde, no âmbito da gestão pública.
 3 . Planejamento: 
conceitos e métodos
 3.1 Conceito de 
planejamento
Planejamento é uma prática com sentido de con-
duzir processos de trabalho e de gestão. Não existe 
por si, está sempre a serviço de alguma outra prática, 
subordinado a alguma ação. Planeja-se alguma coisa, 
não existe planejamento do nada. E planeja-se quando 
se quer obter um resultado que é uma alteração em 
relação ao momento inicial. A exceção é quando se pla-
neja para que nada aconteça, mas este é também um 
resultado e esta é uma forma especial, o comum é que 
se busque uma diferença, uma alteração a se realizar 
no tempo. Por isso planejamento é um termo essencial-
mente associado à temporalidade e à mudança.
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 9 |
As maneiras de planejar dependem do tipo de 
ação com que este planejamento se envolve, das con-
figurações particulares de cada campo de ação. São 
de estilos diferentes as ações de planejamento para 
obter resultados na guerra, na educação, na religião 
ou na saúde. 
Por outro lado, como disciplina de estudo, o pla-
nejamento tem desenvolvido suas teses, suas teorias, 
suas propostas de operacionalização e algumas destas 
podem ser pensadas independentemente do contexto 
em que serão utilizadas. 
Desta forma, há uma parte do estudo voltada para 
ações universalizadas, independentes daquilo que se 
vai planejar. Outra parte atrela-se ao campo de ação, à 
maneira particular como este campo se insere na socie-
dade e na cultura. Por isso o planejamento é um campo 
de estudos que admite abordagens metodológicas, téc-
nicas, políticas, éticas e jurídicas particulares.
Neste texto vamos abordar as duas formas de 
estudo: primeiro, o planejamento em sua forma mais 
geral, independente de aplicação, e, segundo, o plane-
jamento em saúde.
 3.2 Teorias do 
planejamento
Planejar significa propor ações para influenciar 
o futuro. É propor com vistas aos resultados que se 
quer obter. O planejamento, como disciplina, incorpora 
conhecimentos de diferentes áreas, desde a contabili-
zação de recursos materiais necessários para executar 
um projeto, a decisões sobre como conduzir melhor as 
relações em um departamento de uma organização. Por 
isso, o planejamento insere-se no campo da administra-
ção, que é uma ciência humana, mas estuda-se plane-
jamento, direta ou indiretamente, em outras disciplinas, 
como sociologia, antropologia, enfermagem, psicologia 
e saúde coletiva.
O estudo do planejamento origina-se da Teoria das 
Organizações, a partir do conhecimento acumulado na 
prática de organizações do setor privado. As teorias fun-
damentais do planejamento são, portanto, teorias liga-
das à administração de empresas privadas. Estas teorias 
consagraram algumas definições de planejamento. A 
maneira mais tradicional, e que se encontra nos manuais 
mais populares de planejamento, é defini-lo como uma 
atividade em que se traçam objetivos e colocam-se em 
prática os meios para atingi-los. 
Esquematicamente, esta definição tradicional pode 
ser assim representada:
A M (Meios) 
 O (Objetivo)
Nesta tradição desenvolveram-se esquemas 
cada vez mais sofisticados em que se descrevem os 
passos necessários para, saindo do ponto A, atingir 
o ponto O. Os primeiros esquemas apontavam pas-
sos intermediários nesta caminhada linear, como no 
exemplo abaixo:
A Formulação de P Aplicação P 
 Monitoração da aplicação O
P é o plano que vai direcionar as ações realizadas 
para atingir o objetivo.
As reflexões sobre a prática levaram à inserção 
de outras variáveis. Por exemplo, dependendo do nível 
de complexidade da organização, pode ser útil mapear 
objetivos intermediários que deverão marcar a cami-
nhada para o objetivo final. Desta forma podemos modi-
ficar o desenho anterior:
A P1 B P2 → C P3 
 ... ... N Pn Z
P é o plano geral que inclui formulações e aplica-
ções em partes (P1, P2 ... Pn); B, C ... N representam 
objetivos intermediários.
E, pensando de forma cada vez mais detalhada, 
foi-se reconhecendo que estes planos, suas aplicações, 
os objetivos intermediários, os objetivos finais constitu-
íam um processo que envolvia priorização, implantação 
e condução dos planos, eventuais mudanças de curso, 
avaliação do impacto do processo sobre o sistema 
como um todo, enfim, passou-se a perceber que plane-
jamento implica um conjunto de ações sistêmicas, não 
pode ser considerado como ação isolada, tem que levar 
consideração a relação entre as partes da organização, 
tem que visualizar o sistema comoum todo. 
MóDuLO BÁSICO
| 10 |
Esta linha de raciocínio reflete-se na definição de 
planejamento de Leevey e Loomba (1973, p. 19):
Processo de analisar e entender um sistema, 
avaliar suas capacidades, formular suas metas 
e objetivos, formular cursos alternativos de 
ação para atingir essas metas e objetivos, 
avaliar a efetividade dessas ações ou planos, 
escolher o(s) plano(s) prioritário(s), iniciar as 
ações necessárias para a sua implantação e 
estabelecer um monitoramento contínuo do 
sistema, a fim de atingir um nível ótimo de 
relacionamento entre o plano e o sistema.
 3.3 Planejamento e gestão
Planejamento é um instrumento essencial de ges-
tão. Por isso, os dois campos de estudo estão firme-
mente entrelaçados. Planejar é executar planos previa-
mente estabelecidos para obter mudanças que levem 
uma organização a funcionar melhor do que antes da 
execução do plano. Por isso é importante verificar como 
se encara e estrutura um plano e entender as relações 
básicas entre planejar e gerenciar.
 3.3. 1 O plano
um bom plano, no contexto da gestão de uma 
organização, constitui-se no detalhamento do processo 
de mudança entre a situação atual e a desejada. Moder-
namente também nos referimos à Situação Desejada 
(SD) como Imagem Objetivo (IO).
S.A. P 
 SD. ou IO.
SA = Situação atual P = Plano SD = Situação 
desejada IO = Imagem objetivo
O plano pode ser elaborado, executado e avaliado 
de diversas maneiras. Para ser eficaz, em geral, ele não 
deve ser:
uma receita feita por uma única pessoa x
uma camisa de força x
permanente ou imutável x
um plano é, inicialmente, um norteador. Quando 
as circunstâncias exigem sua alteração e desde que se 
chegue a esta conclusão de forma confiável, há que 
elaborar um plano alternativo, o que se usa, às vezes, 
no jargão, como o “plano B”. É comum que, quando 
antevemos possíveis obstáculos, já tenhamos formulado 
o plano B antes mesmo de colocar o plano principal 
em prática, assim evitando possíveis desarticulações 
quando o possível obstáculo ocorrer.
S.A. P 
 / O
/ PB 
 S.D.
O = Obstáculo PB = Plano B
 3.3. 2 Planejar e gerenciar
Podemos definir gerenciamento como o processo 
de tomar decisões que afetam a estrutura e os proces-
sos de produção de um sistema. Gerenciar é, essen-
cialmente, decidir, por isso a qualidade fundamental do 
gerente é a capacidade de tomar decisões e a habili-
dade para conduzir os processos de mudança que as 
decisões possam implicar.
Atribuições da gerência
O gerente, e aqui utilizaremos o termo como sinô-
nimo de gestor, exerce múltiplas funções, inclusive a de 
ser responsável pela execução do plano da organização. 
Por outro lado, toda pessoa, ao responsabilizar-se pela 
execução de um plano, torna-se, mesmo que momen-
taneamente, um gerente.
O planejamento é o instrumento fundamental para 
prover segurança ao gestor para que possa conduzir os 
processos necessários para obter a melhoria da orga-
nização no que se refere ao seu funcionamento geral. 
Para que se tenha uma ideia desta relação entre gerên-
cia/gestão e planejamento, vamos imaginar uma organi-
zação na qual não se faça planejamento. 
Esquematicamente, podemos dizer que tal organi-
zação funciona assim:
coordena-se o trabalho do sistema ”por inér- x
cia”, i.e., os acontecimentos vão se sucedendo 
e a gestão vai conduzindo os processos de 
acordo com cada nova demanda;
não há plano: administra-se o x status quo;
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 11 |
com a ausência de planos não se pensa ante- x
cipadamente e metodicamente em como lidar 
com as demandas; 
os produtos são obtidos de acordo com os x
insumos e recursos disponíveis, mas estes não 
são planejados em termos de seu uso mais 
eficiente e eficaz;
não está clara a x missão da organização no 
âmbito de todos os componentes do sistema; 
não há x visão de como desenvolver o sis-
tema;
“apaga-se incêndios” e “faz-se a máquina fun- x
cionar.”
Embora seja quase impensável uma organização 
contemporânea sem uma gestão apoiada no planeja-
nento, a realidade é que, muitas vezes, ele está despres-
tigiado, por falta de apoio direto ou por falta de geren-
tes e planejadores habilidosos, e acaba-se na situação 
adversa que o esquema sugere, apagando-se incêndios 
e “tocando” o trabalho “do jeito que dá”. Quando isto 
ocorre nos serviços públicos de saúde, reflete-se, prin-
cipalmente, ao nível da “ponta”, ou seja, nos locais onde 
o serviço é realizado, nos centros de saúde, nas depen-
dências de atendimento dos hospitais, nas atividades 
dos agentes de saúde junto à população.
 3.4 Conduzindo processos 
de planejamento
Tendo em vista as relações entre gestão/gerência 
e planejamento, pode-se afirmar que o gestor/gerente 
é, essencialmente, um líder com grande capacidade de 
acomodar o planejamento à gestão. De preferência deve 
ser um bom planejador ele mesmo, mas deve delegar 
a um departamento ou a pessoas específicas, depen-
dendo das características particulares da organização, 
a função de planejar. E deve privilegiar esta função, que 
podemos apontar como o coração da organização, o 
motor central do sistema. 
Com uma boa visão de planejamento e com apoio 
de uma boa equipe, o gestor pode mais facilmente via-
bilizar soluções aos problemas que deve resolver. Para 
isso, deve exercitar certas habilidades entre as quais 
pode-se apontar: criatividade, flexibilidade, visão, lide-
rança, habilidade nas relações humanas, autoridade, 
confiabilidade, ousadia para criar e inovar, coragem de 
correr riscos, conhecimentos em administração, conhe-
cimentos técnicos da área específica de atuação, com-
promisso com a missão da organização e, no caso da 
administração pública, compromisso fundamental com 
o bem-estar coletivo. 
uma gerência com habilidades, tais como as des-
critas acima, pode facilitar a instauração de caracterís-
ticas necessárias ao bom funcionamento de uma orga-
nização, entre elas: consciência sobre atividades fim e 
atividades meio, clima organizacional positivo, trabalho 
harmônico em equipe, liderança confiável, fluxo proces-
sual eficiente, processos de decisão bem aceitos pela 
comunidade organizacional e processos operacionais 
eficazes e que não criem entre os membros estresses 
desnecessários. 
Com uma gestão e um ambiente organizacional que 
usufruam de uma boa proporção das qualidades descri-
tas acima, pode-se esperar que o planejamento maxi-
mize seu potencial para determinar os destinos da orga-
nização. Este cabedal de qualidades é essencial para que 
o planejamento volte-se para a missão da saúde coletiva, 
que é servir a coletividade na perspectiva de promover 
seu bem-estar, sua qualidade de vida e sua saúde. 
 3.5 Métodos de 
planejamento
Os métodos de planejamento atualmente mais utili-
zados em saúde são:
planejamento normativo x
planejamento estratégico x
planejamento estratégico situacional (PES) x
Vamos entender, basicamente, esses métodos 
elencados a seguir.
Planejamento normativo
O objetivo é promover mudanças pretendidas, 
projetadas para o futuro, sem considerar o contexto, 
acidentes de percurso, etc. Esse é um método pouco 
dinâmico, estanque, que não leva em consideração toda 
a complexidade das organizações humanas. É o método 
que pode ser esquematizado da maneira mais simples, 
antes do avanço geral das teorias do planejamento:
A Plano 
 O
MóDuLO BÁSICO
| 12 |
O que se vê neste esquema é que, uma vez identi-
ficado o objetivo e traçado o plano, a ideia é se chegar 
àquele objetivo sem qualquer mudança de plano. Se o 
objetivo não foi alcançado, o planejamento é conside-
rado um fracasso.
Neste método a responsabilidade principal, por 
pensar o planejamento, formular o plano, aplicar o plano 
e avaliar os resultados, está no nível central do sistema. 
Quem planeja é um chefe, um coordenador, uma equipe 
central que, geralmente, centraliza todo o processo. O 
resto dos participantes apenas executa, não tomando, 
às vezes, nem mesmo conhecimento dos objetivos ou 
do plano como um todo. Há ordens a serem executadaspor membros passivos, que não compartilham da con-
dução do planejamento.
Por mais que este método pareça primitivo e seja 
altamente improvável que se consiga, realmente, apli-
cá-lo, por muito tempo foi pensado como um grande 
avanço e, por incrível que pareça, pode-se dizer que 
ele ainda é usado e apresentado desta forma, em mui-
tas empresas e na gestão pública. Há muita gente que 
pensa exatamente assim, “havia um objetivo e ele não 
foi atingido, o planejamento é, portanto, ruim”.
Os que criticam este método afirmam que plane-
jamento aplica-se a ações que ocorrem no decorrer da 
vida das pessoas e a vida é muito mais complexa do 
que este esquema considera. É mínima a possibilidade 
do métdo contribuir positivamente para o avanço dos 
processos de trabalho ou de gestão.
Planejamento estratégico (PE) 
É uma abordagem do planejamento que indica 
meios diversos pelos quais se julga que seja possível 
atingir os objetivos desejados a médio e longo prazo. 
Aos meios utilizados denominamos estratégias, quando 
aplicadas a provocar mudanças significativas no curso 
das organizações.
O PE é um avanço significativo em relação ao Plane-
jamento Normativo (PN). O PN identifica um curso para 
o processo de planejamento e busca a aderência a este 
curso a qualquer custo. Qualquer desvio é considerado 
ameaça ao sucesso do planejamento e a monitoração é 
sempre no sentido de conseguir realizar tudo que foi pla-
nejado, da forma que foi planejado, para obter os resulta-
dos que são os únicos considerados satisfatórios.
O PE propõe que, quando se aplica um plano, 
podem ocorrer fatos que provocam a necessidade de 
mudança de planos e é necessário estar atento para não 
perder essas possibilidades de vista. A não identificação 
da necessidade de uma mudança de planos ou a teimo-
sia em manter um plano que deve ser mudado são os 
grandes perigos, pois podem comprometer os resulta-
dos. O mesmo se aplica para os objetivos intermediários 
ou finais. Pode-se iniciar um processo de planejamento 
com um objetivo e em meio a seu desenvolvimento não 
só mudar o curso do plano como mudar até mesmo os 
objetivos, pois, com a mudança de curso, é possível, 
e até provável, que não se consiga mais chegar aos 
objetivos inicialmente traçados. 
O PE é, portanto, dinâmico, mais complexo, oferece 
mais possibilidades de mudanças de curso e demanda 
planos muito mais detalhados no sentido de prever, em 
alguns casos, possíveis situações que poderão provocar 
mudanças de curso. A visão do PE é sistêmica, pois o 
plano deve considerar a estrutura do sistema como um 
todo. Se for uma organização, um departamento de uma 
organização ou um órgão público de nível nacional, não 
adianta, na perspectiva do PE, planejar apenas olhando 
para si mesmo. Além dos fatos oriundos da própria 
organização, deverão ocorrer fatos originados de meios 
externos e tudo isso tem que ser levado em considera-
ção no momento de planejar e aplicar o plano. 
Essa visão exige dos processos de PE uma sofisti-
cação e uma complexidade muito maior do que quando 
se tenta aplicar um PN. Por isso, o PE é pensado como 
de responsabilidade compartilhada. Não é só no nível 
central que será formulado o plano, mas com a cola-
boração de elementos pertencentes a todos os níveis 
da organização. E este processo de colaboração deve 
ocorrer em todas as fases do planejamento, desde sua 
elaboração até sua avaliação. Isso é de extrema impor-
tância para o sucesso do PE, que não é medido, obvia-
mente, por alcançar os objetivos traçados inicialmente, 
mas por outros indicadores que surgirão à medida que 
o processo se desenvolve. 
No contexto do PE podemos identificar três níveis 
de atuação: estratégico, tático e operacional. Chiavenato 
(2006) considera cada um destes níveis como uma 
forma de planejamento em si. 
nível Estratégico x – considera-se que há 
necessidade de PE quando se quer promover 
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 13 |
A realização das ações do nível estratégico são de 
responsabilidade central do sistema.
uma transformação da organização. Ao nível 
estratégico pensa-se quais são as transforma-
ções que se quer obter e os meios gerais que 
levarão a organização na direção desta trans-
formação. 
Com a popularização do termo PE pode-se, facil-
mente, confundir qualquer plano como PE. No entanto, 
só consideramos um planejamento estratégico quando 
ele tem esse sentido de mudança profunda, de trans-
formação de uma organização, seja em sua estrutura, 
em sua lógica, em como são pensadas suas funções 
sociais, ou seja, em um nível mais amplo. um plano para 
um evento ou um plano para a mudança do funciona-
mento de um serviço, mas que não altera a maneira de 
atuar da organização como um todo, não é conside-
rado PE, de acordo com a definição que aqui estamos 
seguindo.
A realização das ações do nível estratégico são de 
responsabilidade central do sistema. São os executivos, 
gestores que tomam a responsabilidade de conduzir, de 
liderar estas ações de transformação, de cunho político, 
que levam a organização na direção desejada para atin-
gir os objetivos previstos.
nível tático x – uma vez definidos os objetivos 
de mudança e as estratégias para caminhar 
em direção a estes objetivos, o processo de 
PE deve pensar o papel dos elementos consti-
tutivos da organização na realização do plano. 
As ações delegadas a um nível intermediá-
rio estão em uma dimensão abaixo da visão 
ampla, característica das ações estratégicas. 
São ações de condução do nível gerencial, 
dos departamentos, dos órgãos que executam 
uma série de funções dentro do planejamento 
e que vão dar a base para as transformações. 
Estas são as ações táticas. 
O nível tático define a estrutura sistêmica para a 
ação organizacional. Isso quer dizer que este nível separa 
o nível superior de decisões, o político, estratégico, das 
estruturas que executarão as tarefas, permitindo que se 
divida a organização em, pelo menos, três níveis, no que 
se refere à execução dos planos.
O nível tático define, também, as medidas de efeti-
vidade. É neste nível que se discutem, criam e aplicam 
os indicadores, que são os parâmetros de medida para 
análise dos resultados.
O nível tático é de responsabilidade da estrutura 
média das organizações, em que operam os gerentes, 
coordenadores e supervisores. 
nível operacional x – é a instância básica do 
processo de planejamento. Prevê o detalha-
mento, as tarefas necessárias para a realização 
das táticas, dando consistência às estratégias. 
É o trabalho da “ponta” do sistema, em que se 
realizam as ações reais do dia a dia, em que se 
cuida de cada tarefa em sua concretude. 
Em nível operacional cuida-se do dimensionamento 
da estrutura necessária às ações. Para cada ação é 
necessário saber quais os recursos necessários, quem é 
responsável pela execução, quando a ação será execu-
tada, o que se espera de sua realização. E apresenta-se, 
também, o cálculo real dos insumos.
O nível operacional é de responsabilidade do corpo 
funcional da organização.
O planejamento pode, ainda, ser olhado sob outros 
aspectos de sua realização. Está muito em voga falar-se, 
por exemplo, de planejamento participativo. Quando nos 
referimos a esta maneira de conduzir um processo de 
planejamento, não estamos, na verdade, falando de mais 
um nível ou uma instância, mas de uma maneira de tra-
balhar, que se baseia em envolver, tanto quanto possível, 
os principais (ou todos) interessados no processo do 
planejamento.
Contudo, o planejamento também tem admitido 
formas de pensamento contestatórias como conse-
quência do próprio tempo em que vivemos. Edginton 
(2010) afirma que ele não usa mais a abordagem de 
PE. “A realidade é muito veloz e o mundo muda muito 
rapidamente para querermos fazer um planejamento 
estratégico”. Este autor preconiza que se utilize uma 
abordagem totalmente prática em planejamento, base-
ada na experiência empírica de gerenciamento e que se 
lance mão apenas de planos táticos. 
MóDuLO BÁSICO
| 14 |
 4 . Planejamento emSaúde e Reforma 
Sanitária
 4.1 As bases conceituais 
do planejamento 
em saúde
Na área da saúde e no contexto da gestão pública 
o planejamento vincula-se diretamente à elaboração, 
condução e avaliação de políticas de saúde, as quais 
têm um cunho eminentemente social. Por isso, pode-
mos introduzir nosso estudo de planejamento em saúde, 
no contexto da gestão pública, definindo política social. 
Políticas sociais são ações realizadas por gover-
nos ou sancionadas por eles e que interferem direta e 
significativamente na qualidade da vida da sociedade. 
Lembramos que não realizar ações (“não fazer nada” 
a respeito de alguma coisa) é, também, uma forma de 
agir, portanto inclui-se entre as ações a ausência delibe-
rada de ações. Isso quer dizer que os governos estão 
realizando políticas sociais quando agem ou quando 
escolhem não agir. 
A definição de DiNitto (1991) de política social para 
o bem-estar (social welfare policy) explicita esta propo-
sição. Segundo a autora, política social para o bem-estar 
é qualquer coisa que o governo escolhe fazer, ou não 
fazer, que afeta a qualidade de vida de seu povo. O pla-
nejamento, na gestão pública, é definido em relação a 
estas ações ou inações de governos.
A teoria do planejamento desenvolveu-se a partir do 
setor privado e os textos orientadores do pensamento, 
neste campo, continham um viés trazido pela maneira 
como as empresas atuam na ordem capitalista. Este 
viés inclui a aceitação do lucro como valor fundamental 
e estruturante do agir social, a exploração do trabalho 
como meio para obtenção do lucro, a mínima regula-
ção governamental sobre os negócios, a visão de ser 
humano como consumidor e não como sujeito de direi-
tos e a priorização da ordem econômica em detrimento 
do desenvolvimento humano sustentável. Por isso, os 
textos de planejamento eram vistos com suspeita pelos 
pensadores da área da saúde, engajados, principalmente, 
a partir da década de 80 do século XX, no movimento 
de reformar a saúde pública no Brasil, o Movimento da 
Reforma Sanitária (RS). Estes pensadores optariam por 
criar suas próprias definições e teorias e, consequente-
mente, suas propostas e formas particulares de abordar 
o planejamento na saúde e de políticas sociais. 
um destes pensadores da RS, Emerson Mehry, 
define planejamento de uma maneira extremamente sim-
ples, como “modo de agir sobre algo de modo eficaz” 
(MEHRY,1994). Para Rivera (1989), planejar é a arte de 
elaborar o plano de um processo de mudança. Neste 
sentido, os processos de reforma têm, em geral, o plane-
jamento como um dos pilares para sua implantação.
Tancredi, Barros e Ferreira, já ao final da década de 
90 do século XX, mostram que, ao final, as definições 
tradicionais foram até certo ponto incorporadas nos tex-
tos identificados com o avanço do SuS. Estes autores 
definem planejamento como:
Arte de elaborar o plano de um processo de 
mudança. Conjunto de conhecimentos práticos e teó-
ricos organizados de modo a possibilitar interagir com a 
realidade, programar as estratégias e ações necessárias, 
e tudo o mais que seja delas decorrente, no sentido 
de tornar possível alcançar os objetivos e metas dese-
jados e nele preestabelecidos (TANCREDI; BARROS; 
FERREIRA, 1998).
Houve, entretanto, uma maneira própria de encarar 
o planejamento no contexto da RS. Os pensadores da 
reforma criaram sua própria teoria estratégica e a apli-
caram para construir e viabilizar o SuS. Dois pensado-
res, particularmente, formularam teorias que orientaram 
o planejamento em saúde na perspectiva da construção 
do SuS: Mario Testa e Carlos Matus.
 4.2 O pensamento 
estratégico de 
Mario Testa
O Planejamento Estratégico (PE), cuja difusão inten-
sifica-se no Brasil a partir da década de 70 do século 
XX, constituiu-se um campo teórico atraente para o 
movimento sanitário, pois compreende um conjunto de 
conhecimentos práticos e teóricos ordenados de modo 
a possibilitar interações entre realidades e a programar 
estratégias e ações para alcançar objetivos e metas 
desejados. No entanto, este campo de conhecimento 
era visto, ao mesmo tempo, com desconfiança, porque, 
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 15 |
como já vimos anteriormente, dirigia-se, principalmente, 
à administração de empresas privadas, enquanto o pla-
nejamento de nosso sistema de saúde destinava-se à 
administração pública. Contudo, esta era, então, carente 
de teorias bem elaboradas e amplamente aceitas. 
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), 
sucursal da OMS para as Américas, implementara uma 
experiência de planejamento na década de 60 do 
século XX por meio do método Cendes-Opas de pro-
gramação em saúde, uma metodologia voltada para o 
gerenciamento com escassez de recursos. Mario Testa, 
médico sanitarista argentino, foi um dos criadores deste 
método cujo objetivo era desenvolver instrumentos de 
reflexão-ação que possibilitassem a transformação da 
saúde da sociedade. O movimento da RS não buscava 
simplesmente alterar a forma de prestação de serviços, 
mas uma transformação da estrutura institucional e das 
relações que se estabeleciam entre os atores sociais nas 
áreas envolvidas com a saúde. O pensamento estraté-
gico de Mario Testa caía como uma luva, pois tratava, 
particularmente, da redistribuição do poder como estra-
tégia de ação política. 
Verificar as relações de poder e sua relevância 
em um processo de mudança é essencial para que 
se planejem ações para alcançá-la. O processo brasi-
leiro de democratização da saúde preocupava-se com 
a distribuição de poderes e responsabilidades, com as 
relações entre gestores e representantes da sociedade 
civil. A partir desta preocupação visava interferir nas ins-
tâncias de decisão, inclusive na distribuição e aplicação 
de recursos. 
Chegamos, inevitavelmente, à discussão do poder, 
anunciada ao abordarmos as relações entre Estado, 
poder e planejamento em saúde, ao final da secção 1.3 
(p. 6).
 4.2. 1 Entendendo o poder 
como categoria 
explicativa da vida social
Para C. Wright Mills (1963), o poder permite a 
quem o exerce influir, mediante suas decisões, na vida 
cotidiana e nos projetos de vida de outros. Mario Testa 
(1992) define o poder como prática ideológica que se 
traduz como dominação (submissão de uns a outros) e 
hegemonia (capacidade de viabilização de um projeto). 
Toma o poder como categoria explicativa da realidade, 
ou seja, podemos explicar o que acontece no cotidiano 
a partir do exame dos interesses, meios e manipulações 
relativas ao poder. Testa considera o poder segundo 
três tipos: técnico, administrativo e político. 
Poder técnico é a capacidade de gerar, aprovar e 
manipular informação. Poder administrativo é a capaci-
dade de apropriar-se e de alocar recursos (na lingua-
gem comum, chamado, geralmente, de poder político). 
Poder político é a capacidade de provocar mobiliza-
ções. Esta capacidade depende, basicamente, da visão 
de realidade – do saber, empírico ou científico. Desta 
forma, Testa corrobora a visão de Foucault (1986) que 
associa poder e saber.
O PE, na visão de Mario Testa, deve inserir a dis-
cussão do poder, enfatizar a legitimação e aceitação 
das iniciativas de governo e de instituições pela socie-
dade e reafirmar a necessidade do envolvimento das 
comunidades, dos interessados, não mais como meros 
espectadores, mas como agentes de mudança, como 
atores sociais, como participantes diretos do processo 
de planejamento, em todos os níveis. Para a gestão 
do SuS, este saber estratégico apresentava-se como 
extremamente adequado, pois dirigia-se, essencial-
mente, à administração pública, comprometia-se com 
a justiça social, com a cidadania e com a eficácia na 
gestão e na prestação dos serviços.
um conceito central no pensamento de Testa é 
o diagnóstico de saúde que consiste em agrupar 
fatos e informações, utilizando-os como base de análise 
da situação de saúde de uma população e para reve-
lar desigualdades e suas determinações no campo da 
saúde. O diagnóstico de saúde divide-se em: adminis-
trativo– relacionado ao crescimento e à produtividade; 
estratégico – relacionado ao propósito de mudança; e 
ideológico, relacionado ao propósito de legitimação.
O diagnóstico administrativo está mais relacionado 
a dados epidemiológicos, quantitativos, úteis para com-
parar, prever e revelar a realidade da saúde de uma 
população. O estratégico realiza uma interpretação 
social da epidemiologia, tentando entender os proces-
sos de saúde-doença como parte própria e indissolú-
vel da sociedade. O ideológico refere-se ao objetivo 
de que uma proposta seja aceitável pela maioria da 
sociedade. 
MóDuLO BÁSICO
| 16 |
Este conceito de diagnóstico de saúde possibilita 
que se vá além das tradicionais análises quantitativas, 
associando indicadores sociais às causas das doenças.
 4.3 O planejamento 
estratégico situacional
Carlos Matus, economista chileno que trabalhou no 
governo socialista de Salvador Allende, é identificado 
como o criador do Planejamento Estratégico Situacional 
(PES). Para ele, o planejamento deve estar a serviço da 
libertação de forma que, no curso dos acontecimentos, 
as pessoas de conduzidas transformem-se em conduto-
res (MATuS, 1997). Esta linha de raciocínio coaduna-se 
perfeitamente com uma gestão pública que teria de 
mudar a realidade da atenção, em meio a uma situação 
de desigualdades, para um caminho de democratização.
Para Campos (2001) o PES foi “o” método de 
planejamento mais difundido na RS brasileira. Simpli-
ficado, reformulado ou em sua complexidade integral, 
o método foi, principalmente a partir dos anos 80 do 
século XX, estrategicamente introduzido em programas 
de pós-graduação e estimulado nos núcleos de planeja-
mento e gestão da saúde.
Na ótica do PES, as ações devem ser planejadas 
levando em conta o caráter situacional. São avaliados 
os recursos disponíveis em cada situação, sejam huma-
nos, financeiros, estruturais ou políticos; e tudo mais que 
possa interferir positiva ou negativamente no processo 
de execução. Cada adversidade ou obstáculo é cha-
mado de “nó crítico” e demanda avaliação e reavaliação, 
visto que a realidade é mutável e que qualquer ação 
pode transformá-la.
Matus, como Testa, enfatiza que quem planeja é 
um ator social: “o ator social é uma personalidade, uma 
organização ou um grupamento humano, que de forma 
estável ou transitória tem capacidade de acumular força, 
desenvolver interesses e necessidades produzindo fatos 
na situação” (MATuS, 1997, p. 82). O planejamento é 
essencialmente interativo. Não é somente um problema 
de administração das coisas pelas pessoas, mas de inte-
ração entre as pessoas na busca de seus objetivos (SÁ, 
2001).
Ao enfocar prioritariamente o contexto situacional, 
o PES enfatiza a participação dos atores e aproxima-se 
mais da possibilidade de sucesso, exatamente por envol-
ver e responsabilizar todos estes atores. Por isso, muitos 
autores consideram o PES um método com maior soli-
dez nas mudanças.
O planejamento, reflete Matus (1997), não é só 
ciência e técnica, é, também, arte: a arte de gerenciar, 
governar, implementar e avaliar, em situações de poder 
compartido. Matus reconhece a pluralidade de atores, 
com diferentes capacidades (poderes) e interesses, 
disputando orientações ideológicas, projetos técnico-
administrativos e os recursos para implementá-los. 
Os métodos de planejamento de Testa e Matus 
associam-se à administração pública e enfatizam o 
papel dos sujeitos atores. Relacionam-se a governos e, 
portanto, são essencialmente políticos. Ao privilegiar a 
dimensão humana e política, estes enfoques rompem 
com pressupostos tecnocráticos aceitos tacitamente em 
outros métodos de pensamento.
Não há como solucionar determinada situação sem 
levar em conta os demais âmbitos envolvidos direta ou 
indiretamente, por isso o PES parte de situações deter-
minadas e dos outros atores primariamente envolvidos 
para uma complexificação na qual seja possível detectar 
as inter-relações de outras situações e as interferências 
de outros atores. Ignorar o contexto situacional e as inte-
rações dos sujeitos pode desarticular todo um trabalho 
de planejamento.
O planejamento na lógica de Matus e Testa passou a 
ser largamente utilizado no âmbito do setor público, parti-
cularmente na área da saúde. São, sem dúvida, os méto-
dos que fundamentaram a RS e a construção do SuS.
 5 . O planejamento 
e o SUS
 5.1 Regulamentação do 
SUS: leis orgânicas 
da saúde e normas 
operacionais
A promulgação da Constituição Federativa de 
1988 não evitou a consolidação do modelo econômico 
neoliberal, eminentemente privatista. Mantém-se uma 
forma essencialmente clientelista nas relações políticas, 
com grande visibilidade da corrupção. Neste contexto, 
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 17 |
Do ponto de vista jurídico a regulamentação do 
SUS era fundamental.
o movimento sanitário concentrou-se nas negociações 
para garantir os dispositivos jurídicos, o financiamento e 
a descentralização na gestão pública. 
Do ponto de vista jurídico a regulamentação do 
SuS era fundamental. Previa-se uma oposição ferrenha, 
pois o novo sistema mexia com estruturas do complexo 
médico-hopitalar-farmacêutico. Além disso mexia, tam-
bém, com a política tradicional ao promover descentrali-
zação da gestão e dos recursos financeiros.
Duas leis, conhecidas como as leis orgânicas da 
saúde, regularam os artigos constitucionais: a Lei n. 
8.080/90 sofreu vários vetos do presidente Collor, 
principalmente relacionados ao financiamento e à par-
ticipação dos cidadãos na gestão. Foi necessária uma 
segunda, a Lei n. 8.142/90, que dispôs sobre os dois 
temas que haviam ficado mais prejudicados na lei ante-
rior.
A Lei n. 8.080/90 versa sobre a organização 
básica das ações e serviços de saúde e sobre a dire-
ção, gestão, competências e atribuições de cada esfera 
de governo no SuS. Estabelece as atribuições adminis-
trativas e competências da união, dos estados e dos 
municípios, enuncia as relações e regulações básicas 
que o SuS deve exercitar junto aos serviços privados e 
traça objetivos para a política de recursos humanos que 
deve ser formalizada e executada articuladamente pelas 
diferentes esferas de governo.
A Lei n. 8.142/90 dispõe sobre a participação 
da comunidade na gestão do SuS e sobre as transfe-
rências intergovernamentais de recursos financeiros na 
área da saúde. Estabelece as conferências de saúde e 
os conselhos de saúde como instâncias colegiadas em 
cada esfera de governo. Estabelece o Fundo Nacional 
de Saúde com recursos alocados pelo MS e os crité-
rios para o repasse regular e automático para estados e 
municípios para fins de cobertura de ações e serviços 
a serem realizados por estes. Apesar dos percalços, o 
SuS foi regulamentado.
Contudo, ainda havia que deliberar sobre a opera-
cionalização, ou seja, como transformar o discurso em 
prática. Para isso, o presidente do Inamps, que ainda 
existia, editou, em 1991, a Norma Operacional Básica 
(NOB) n. 01/91, que visava, principalmente, ao processo 
de descentralização. Na verdade, a NOB n. 01/91 con-
tribui para o desenho institucional descentralizado, mas 
criou um sério problema, ao adotar como lógica para 
a transferência de recursos para estados e municípios 
a produção de serviços, utilizando as mesmas tabelas 
que se usava para o pagamento dos prestadores pri-
vados. O recebimento de recursos permanecia como 
função do número de procedimentos executados, em 
detrimento de qualquer menção à qualidade dos ser-
viços. Isso descaracterizava o sistema, sabotando as 
atividades de prevenção e promoção para as quais não 
havia qualquer incentivo material. Era a lógica do Inamps 
sobrepondo-se à do SuS, por isso muitos se referem a 
esta contradição como a “inampsização” do SuS. 
O tema da descentralização suscitava conflitos e 
demandava constante atenção, propiciando um movi-
mento subsidiário pela municipalização da saúde. Da IX 
Conferência Nacional de Saúde, em 1992, emergiu o 
documento Descentralização das ações e serviços de 
saúde – a ousadiade cumprir e fazer cumprir a lei, que 
serviu de base para a NOB n. 01/93, publicada poucos 
meses antes da extinção do Inamps.
A NOB n. 01/93 escalonava as ações no sentido 
de viabilizar as mudanças necessárias para a descen-
tralização. Foram estabelecidas diferentes fases para a 
habilitação dos municípios, demonstrando-se compre-
ensão das limitações técnicas e operacionais em nível 
local e regional. A norma constitui a comissão inter-
gestora tripartite (CIT), na esfera federal, composta por 
representantes do MS, da entidade representativa dos 
secretários estaduais de saúde (Conass) e da entidade 
representativa dos secretários municipais de saúde 
(Conasems); e comissões intergestoras bipartite (CIB) na 
esfera estadual, formadas por representantes da Secre-
taria Estadual de Saúde e da entidade representativa dos 
secretários municipais de saúde do estado. Estas comis-
sões passam a ser instâncias privilegiadas de negocia-
ção, pactuação, articulação e integração – planejamento 
– entre gestores, com vistas à descentralização.
MóDuLO BÁSICO
| 18 |
A NOB n. 01/93 estabelecia, ainda, as condições 
de gestão para os estados e municípios, de acordo com 
as menores ou maiores responsabilidades assumidas. 
Analisando os resultados da NOB n. 01/93 verifica-se 
que, em 1996, 63% dos municípios brasileiros já esta-
vam habilitados em alguma modalidade de gestão, mas 
apenas 3%, e em sua maioria de médio e grande porte, 
na modalidade semiplena, que realmente representava 
uma gestão descentralizada. No mesmo ano três quar-
tos dos recursos federais eram repassados aos municí-
pios por meio do pagamento por produção de serviços. 
Desta forma, o sistema não atendia ao estabelecido na 
constituição federal
 5.2 Estratégia saúde 
da família
Apesar dos avanços que se vinha obtendo com 
a regulamentação legal, a descentralização e a parti-
cipação comunitária, o SuS precisava operacionalizar, 
no cotidiano dos serviços, seu modelo de atenção. A 
busca de solução veio por meio do Programa Saúde da 
Família – (PSF), em estreita articulação com o Programa 
Agentes Comunitários de Saúde (PACS).
A antiga fundação SESP, já desde a década de 40 
do século XX, contava em seus quadros com agentes 
de saúde, atuando com atividades “extramuros”, em 
áreas desassistidas, principalmente no interior do país. 
Faziam parte destes quadros as “visitadoras sanitárias”, 
os guardas para a malária e os auxiliares de sanea-
mento, os antigos guardas sanitários. Na década de 60 
do século XX, a OMS deu a conhecer a experiência 
dos “médicos de pés descalços”, agentes estruturantes 
da APS na China. Durante a década de 80 do século 
XX, criou-se, no Distrito Federal, a figura do agente de 
saúde, em número de 10 por centro de saúde, com 
atividades essencialmente externas. 
Na era SuS o agente comunitário de saúde (ACS) 
surge com a finalidade de auxiliar o enfrentamento dos 
altos índices de morbimortalidade infantil no nordeste. 
Atribui-se à criação do PACS, em 1991, o sucesso no 
combate àqueles índices no Ceará, de onde passou a 
servir como modelo para o resto do país.
O programa elaborou um perfil básico inicial para o 
ACS: ter mais de 18 anos, saber ler e escrever, demons-
trar capacidade de liderança e residir na comunidade em 
que presta serviços há, pelo menos, dois anos (SOuZA, 
2002). Alguns requisitos mudaram como, por exemplo, 
a exigência atual de que o ACS tenha pelo menos o 
ensino fundamental completo. Além disso, está em dis-
cussão a forma contratual deste agente pelo sistema, se 
devem ser concursados ou continuar contratados sob o 
regime da CLT.
O PACS atribuía, inicialmente, ao ACS responsabi-
lidade de acompanhar 150 a 200 famílias residentes 
em uma mesma área da comunidade. Esta delegação 
de responsabilidade marcou a mudança do objeto de 
intervenção da saúde do indivíduo para a família e intro-
duziu a noção de área de cobertura, base do processo 
de territorialização, concepção fundamental do modo 
operacional da atenção primária no SuS. O programa 
estimulou uma abordagem proativa ao não esperar a 
demanda, mas ir de encontro a ela, fortalecendo, assim, 
as ações preventivas e promocionais.
O programa estabeleceu critérios para que o muni-
cípio pudesse aderir, entre eles ter um enfermeiro que 
assumisse a função de instrutor/supervisor, ter instalado 
o Conselho Municipal de Saúde e o Fundo Municipal 
de Saúde para receber os recursos. Desta forma, con-
tribuiu em três aspectos fundamentais: ajudou a fixar 
enfermeiros em municípios precários e de interior, que 
era a maioria dos que aderiram a princípio. Estimulou o 
controle social e a descentralização e um plano estraté-
gico bem elaborado.
Eventualmente, o PACS expandiu-se para outras 
regiões, passou a integrar organicamente o SuS, sendo 
considerado o precursor da ESF (Estratégia Saúde da 
Família).
A concretização de uma estratégia estruturante, 
abrangente e capaz de efetivar, na prática, a mudança 
de modelo assistencial, de romper com a passividade 
até então percebida nas unidades básicas de saúde e 
de estender as ações ao seio da comunidade só se deu 
com a criação, em 1994, do PSF e seu reconhecimento, 
em 1997, como ESF.
O PSF foi concebido com base na formação de 
unidades programáticas atuando sob a lógica da res-
ponsabilidade sanitária no território. uma unidade de SF 
deveria ser composta por, pelo menos, um médico, um 
enfermeiro, um ou dois auxiliares de enfermagem e um 
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
| 19 |
O fato de considerar a equipe como uma unidade não 
significa construir novas unidades físicas.
número de ACS proporcional ao número de famílias a 
serem atendidas. A equipe, trabalhando em caráter mul-
tidisciplinar, seria responsável por até 4.500 pessoas ou 
mil famílias. O fato de considerar a equipe como uma 
unidade não significa construir novas unidades físicas, 
mas que a equipe trabalharia sob uma lógica diferente 
do modelo tradicional. um dos problemas consequentes 
a esta forma de trabalhar foi a percepção de desigualda-
des, influenciando no clima organizacional das unidades 
básicas de saúde (uBS) tanto com relação aos proces-
sos de trabalho quanto na forma de remuneração, pois 
o PSF tinha recursos próprios e adotava seus próprios 
padrões de contrato trabalhista. 
As equipes de SF passaram a reordenar todo o fun-
cionamento da atenção à saúde. A territorialização, o tra-
balho interdisciplinar, os acompanhamentos domiciliares, 
os trabalhos educativos e promocionais com grupos, o 
planejamento em conjunto com a gestão e o estímulo 
à participação dos conselhos locais de saúde na ges-
tão das ações, os esforços intersetoriais e, sobretudo, 
o vínculo entre equipe e população atendida passaram 
a representar a marca da atenção primária do SuS. Isto 
levou o MS a elevar o programa ao status de estratégia 
central para a atenção básica e reformulação do modelo 
de assistência.
 5.3 Gestão, 
descentralização e 
financiamento
Enquanto evoluía o modelo assistencial, por meio 
da ESF, o SuS continuava a enfrentar sérios problemas 
nos âmbitos da gestão, da descentralização e do finan-
ciamento. A NOB n. 01/96 tentou corrigir alguns destes 
problemas. A transferência de recursos passou a ser 
regular e automática, fundo a fundo, o que trouxe auto-
nomia aos estados e municípios possibilitando a gestão 
descentralizada. 
A norma estabelece tetos financeiros para todas 
as esferas de governo. O teto financeiro global federal 
constitui-se de um piso da atenção básica – uma parte 
fixa, o PAB fixo e um PAB variável. O PAB fixo determina 
um valor per capita e por ano. O PAB variável refere-se a 
incentivos para programas específicos, entre eles PACS e 
PSF. Indica, ainda, outras fontes de financiamento como 
remunerações de internações hospitalares, com base 
nas Autorizações de Internações Hospitalares (AIHs). 
Cria-se a Programação Pactuada e Integrada (PPI) entre 
municípios e com participação do gestor estadual, para 
definir os tetos dos municípios.
Outro benefício da NOB n. 01/96

Continue navegando