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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS VERNÁCULAS MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS PORTO VELHO 2015 JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Rondônia, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Orientadora: Profa. Drª. Wany Bernardete de Araujo Sampaio. Linha de Pesquisa: Literatura, Artes e outros Saberes. Bolsa: Capes UNIR PORTO VELHO 2015 FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS Banca Examinadora: Aprovado em: 09 /11 /2015 RESUMO: O presente trabalho propõe a análise de metáforas literárias e do cotidiano em narrativas indígenas escritas em língua portuguesa por professores indígenas. A análise se apoia na Teoria Cognitiva da Metáfora (LAKOFF & JOHNSON, 2002), segundo a qual o elemento metafórico permeia todas as nossas ações e pensamento além da linguagem, pois está infiltrado no nosso cotidiano; existe uma extensão contínua entre as metáforas literárias e as metáforas cotidianas; as ocorrências da metáfora nas obras literárias acontecem não exclusivamente porque a literatura contém a linguagem cotidiana, mas porque mesmo que haja um desvio das formas mais comuns de expressão e de pensamento, a linguagem é realizada a partir de explorações criativas e inusitadas de mapeamentos metafóricos enraizados em nossos sistemas conceptuais. Como metodologia de trabalho foram utilizadas as pesquisas bibliográfica, documental e webgráfica, para a realização dos estudos teóricos e da seleção das narrativas. O procedimento de investigação das construções metafóricas foi realizado a partir da Teoria Cognitiva da Metáfora e da elaboração de esquemas imagéticos. Os resultados revelam que as narrativas indígenas míticas apresentam aspectos literários e estéticos, como o uso de metáforas conceituais e de personificação. Os resultados foram também discutidos pelo viés do perspectivismo ameríndio, considerando-se a visão integradora de mundo do pensamento mítico ameríndio. Palavras-chave: Metáfora. Narrativa mítica. Literatura. Literatura indígena contemporânea ABSTRACT: This work proposes the analysis of literary and everyday life metaphors in indigenous narratives written in Portuguese by indigenous teachers. The analysis is based on the Metaphor Cognitive Theory (Lakoff & Johnson, 2002), according to which the metaphorical element pervades all our actions and thinking beyond language, infiltrated in our daily lives; there is a continuous extension of the literary metaphors and everyday metaphors; the metaphor of events in literary works take place not only because literature contains everyday language, but because even if there is a deviation of the most common forms of expression and thought, language is carried out by creative and unusual explorations metaphorical mappings rooted in our conceptual systems. The used methodology was the bibliographic, documentary and web research, to the theoretical studies and the selection of narratives. The investigation procedure of the metaphorical constructions was based on the Cognitive Theory of Metaphor and on the development of imagery schemes. The results show that indigenous mythical narratives have literary and aesthetic aspects, as the use of metaphorical conceptual constructs and personification. The results were also discussed by the bias of the amerindian perspectivism, considering the integrated vision of the world of the mythical amerindian thought. Keywords: Metaphor. Mythic narrative. Literature. Contemporary indigenous literature. AGRADECIMENTOS Ao Grande Arquiteto do Universo, Deus, pela saúde. À querida professora Wany Sampaio, pela amizade e orientação. Aos colegas e docentes do MEL, pela caminhada juntos. Às professoras Cynthia Barros , Carla Martins, Élcio Fragoso e Hélio Rodrigues pelas sugestões. Aos meus pais amados, Antônia e José, por todo o incentivo e suporte durante anos. Aos meus irmãos José, Leandro, Rodrigo, Emilly e Alexandre, pelo carinho e amor fraternal. As minhas cunhadas Bia e Paula, pelas palavras amigas. Aos meus sobrinhos amados Ester, Victor e Ian. A minha melhor amiga, Tyciana, que, mesmo longe, sempre se fez presente. Agradeço em especial ao meu companheiro Walace que, desde o primeiro instante, esteve ao meu lado com seu apoio incondicional. Á Capes, pela concessão da bolsa. E a todos que torceram por meu sucesso acadêmico e busca pelo capital cultural e científico. Dedico este trabalho ao mestre e amado companheiro Walace Soares de Oliveira, que me fez compreender que o mito não narra a “origem”; o mito é a origem. Grata pelos momentos de inspiração. Aqui tem um pouco de você. SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................ 08 1 O MITO COMO METÁFORA.................................................................... 12 1.1 O estudo do mito.................................................................................. 13 1.1.2 O mito e a metáfora........................................................................... 18 1.2 A estrutura do mito e sua universalidade: tempo, espaço e metáfora...................................................................................................... 22 1.2.1 Estrutura narrativa do mito: tempo mítico...................................... 25 1.2.2 Estrutura narrativa do mito: espaço mítico.................................... 28 1.2.3 Espaço literário: percursos e conceitos......................................... 36 1.2.4 Estrutura narrativa do mito: metáfora............................................. 41 1.3 A metáfora literária e metáfora do cotidiano..................................... 42 1.3.1Teorias sobre a metáfora................................................................... 42 1.3.2 Teoria cognitiva da metáfora.......................................................... 48 2 LITERATURA ORAL, PRÁTICA ESCRITURAL INDÍGENA E A LITERATURA CONTEMPORÂNEA INDÍGENA......................................... 51 3 ANÁLISE DE CONSTRUÇÕES LINGUÍSTICAS METAFÓRICAS......... 60 3.1 A metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa................................................................................................... 60 3.2 Construções linguísticas metafóricas em narrativas indígenas de cunho mítico escritas em língua portuguesa.......................................... 67 3.3 A atitude literária do narrador e a arte de narrar............................... 83 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 89 REFERÊNCIAS............................................................................................ 93 8 INTRODUÇÃO Opropósito deste trabalho é analisar ocorrências de construções linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano no domínio do espaço em narrativas míticas indígenas, com base na definição de metáforas orientacionais, de acordo com os postulados de Lakoff e Johnson (2002). As metáforas orientacionais se referem à orientação espacial do tipo: para cima/para baixo, dentro/fora. Tais orientações surgem do fato de termos os corpos que temos e do fato de eles funcionarem da maneira como funcionam no nosso ambiente físico (LAKOFF e JHONSON, 2002, p.59). A partir da Teoria da Metáfora Conceitual, é possível reavaliarmos a noção comumente estabelecida de que a metáfora é parte constituinte apenas de textos poéticos e de cunho imaginativo. O pensamento metafórico tem seu foco na linguagem cotidiana. Assim, bem diferente do que é apresentado, por exemplo, na escola, temos a metáfora não apenas como um recurso linguístico, mas sim como um processo cognitivo, pois é a metáfora que estrutura nossos pensamentos e nossas ações. Este trabalho é oriundo do subprojeto de pesquisa Descrição e análise de construções metafóricas literárias e do cotidiano em textos narrativos Amondawa (AGUILAR e BEZERRA, 2006),1 em que analisamos construções linguísticas metafóricas que evidenciam as noções de espaço e movimento no âmbito das Metáforas Orientacionais, bem como Metáforas Ontológicas do tipo espacial em uma narrativa presente na coletânea Mitos Amondawa (SAMPAIO, SILVA e MIOTELLO (Orgs.), 2004). Na ocasião, abordamos o aspecto estrutural das construções linguísticas metafóricas, fato que nos permitiu uma reflexão crítica sobre a questão cultural evidenciada em imagens metafóricas do espaço/tempo no domínio do ficcional e, especificamente, sobre a relação espaço e movimento, 1 A pesquisa foi financiada pelo PIBIC/UNIR/CNPq. O subprojeto, inserido nas áreas de tipologia linguística e metáfora conceptual, fez parte do Projeto de Pesquisa Espaço, Movimento e Metáfora em Amondawa (SAMPAIO et al., 2003-2006), do Grupo de Estudos em Culturas, Educação e Linguagens-GECEL/UNIR/CNPq. O subprojeto foi desenvolvido pela autora, sob a orientação da Profª. Ms. Ana Maria Aguilar. 9 na língua e na cultura amondawa, investigando construções metafóricas que envolvem o espaço, o tempo e o movimento. Desta forma, a descrição do uso das metáforas literárias e/ou do cotidiano em narrativas míticas nos possibilitou iniciar a investigação em construções metafóricas que envolvam o espaço, o tempo e o movimento. O desenvolvimento do citado subprojeto nos permitiu, ainda, uma discussão inicial acerca da chamada “arte de narrar”, a partir do pressuposto que trata da “atitude literária” do narrador, conforme nos sugere Bentes (2000). Tal pressuposto discute que o narrador, ao enunciar seu texto, deixa transparecer uma “atitude literária” e conceitos culturais de seu povo, pois conta a estória2 que o povo conta. Nesse aspecto, os elementos ficcionais utilizados para contar a estória, fazem com que a narrativa mítica compartilhe com outros textos ficcionais de natureza literária algumas características, como, por exemplo, as construções linguísticas metafóricas do espaço real/imaginário. A escrita dos mitos é de suma importância para os povos indígenas, no que se refere às iniciativas de preservação e revitalização da língua e cultura; além disso, é uma das maneiras de divulgar significativamente o legado cultural do povo na comunidade indígena e também para a sociedade não indígena. Nosso trabalho de iniciação científica foi muito estimulante, despertando- nos o desejo de aprofundar as discussões por nós iniciadas. Compreendemos a importância política da pesquisa no que se refere ao fortalecimento da literatura de resistência indígena, a promoção de seus costumes e as formas de enxergar o mundo. A presente pesquisa prioriza o respeito, a valorização e a defesa dos povos indígenas e por tais motivações intentamos fazer ouvir a voz do indígena através das suas produções e formas de expressões de sentido. No presente trabalho, abordamos narrativas escritas em língua portuguesa pelos próprios autores indígenas, tomando-as como uma forma de ação poética e política, pois sentimos a necessidade de trabalhos acadêmicos com esta perspectiva literária. É importante salientar que sempre compreendemos a 2 Utilizamos o termo “estória” conforme Bentes (2000). 10 relevância da nossa pesquisa para os estudos literários, uma vez que pretendemos contribuir cada vez mais para a compreensão e valorização das culturas indígenas, bem como para novas perspectivas da própria literatura brasileira. A proposta aqui apresentada tem um longo caminho a ser realizado, pois é um tema pouco explorado no mundo acadêmico. Nosso intento é também contribuir para solidificar, através da análise de construções linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano, uma nova discussão sobre a concepção de metáfora literária. Nossa atual pesquisa tem por objetivo geral, analisar as ocorrências de construções linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano no domínio do espaço em narrativas míticas indígenas. A partir do objetivo geral, delineamos os seguintes objetivos específicos: Investigar dados que constituam construções linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano que evidenciem noções de espaço. Descrever as construções metafóricas literárias e do cotidiano evidenciadas em imagens metafóricas que envolvam espaço. Neste trabalho buscamos, ainda, uma análise mais aprofundada do caráter literário da metáfora em narrativas míticas indígenas, escritas em língua portuguesa, a partir da discussão já levantada sobre a metáfora de cunho conceitual. Refletimos, também, sobre a atitude literária do narrador indígena, privilegiando o papel e a voz do narrador, a fim de contribuir com a valorização dos estudos estético-literários de narrativas indígenas. Assim, nosso estudo se volta para a análise de um grupo de narrativas indígenas com temática mítica, escritas em língua portuguesa por professores indígenas - com autoria individual e coletiva-, bem como outras narrativas míticas indígenas retiradas da web. A presente Dissertação está organizada em três seções: (i) a primeira seção apresenta a revisão bibliográfica, abordando os conceitos e a estruturação do mito, por haver necessidade de relacionar o mito e a metáfora, uma vez que mito é por essência a representação dos saberes 11 metafóricos de determinada cultura. Ao tratarmos da estrutura mítica se faz imprescindível abordarmos a categoria espaço, aqui de maneira distinta, em espaço mítico e espaço literário. Nesta seção são apresentados também estudos e abordagens referentes à metáfora, essenciais para a compreensão da temática explorada no trabalho como um todo. O aporte teórico explanado nos dará suporte para a análise crítica dos dados que serão apresentados na segunda seção; (ii) a segunda seção compreende uma reflexão sobre a transição da literatura oral para a literatura escrita, bem como sobre o processo da prática escritural indígena em língua portuguesa e, por fim, apresentamos um breve relato sobre o surgimento da chamada literatura contemporânea indígena. (iii) a terceira seção é dedicada à análise de dados. Apresentamos inicialmente alguns resultados obtidos durante a execução do subprojeto A metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa (AGUILAR, BEZERRA, 2007), pois tais resultados se mostraram como suporte relevante para a análise das construções metafóricas nas narrativas escritas pelos indígenas em língua portuguesa. Em seguida, considerando as narrativas escritas pelos indígenas, analisamos e ilustramos construções linguísticas metafóricas com esquemas mentais(cf. SAMPAIO e BEZERRA, 2014), ou seja: para melhor compreensão de conceitos abstratos via domínios concretos, usamos esquemas imagéticos para aprofundar a análise crítica. Finalmente, a partir das ocorrências de construções linguísticas metafóricas encontradas nas narrativas míticas indígenas, consideramos o processamento da atitude literária do narrador ao construir e esquematizar sua narrativa; refletimos na observância da postura do narrador (autor) ao elaborar o texto (aqui transitando da memória oral -mito- para a fixação escrita), revelando elementos que fazem parte da grande atividade humana de narrar. Após as seções, tecemos algumas considerações acerca dos aspectos mais significativos discutidos na pesquisa, bem como o nosso posicionamento crítico ante o objeto estudado. 12 1 O MITO COMO METÁFORA - A palavra mito significa mentira. Mito é uma mentira – começou ele. - Não, um mito não é uma mentira. Uma mitologia completa é uma organização de imagens e narrativas simbólicas, metafóricas das possibilidades da experiência humana e da plena realização de uma dada cultura num dado momento. (...) estou dizendo que é uma metáfora. Joseph Campbell Nesta primeira seção abordamos os conceitos e a estruturação do mito, intentando relacionar o mito e a metáfora, uma vez que mito é por essência a representação dos saberes metafóricos de determinada cultura. Trazemos uma discussão sobre a categoria espaço (espaço mítico e espaço literário). Apresentamos também estudos e abordagens referentes à metáfora. As narrativas de origem mítica são muito características quando tratamos do processo de escrita indígena e desenvolvimento da literatura indígena; por isso, o corpus de análise deste trabalho é constituído de textos com temática mítica, em que ocorre a interação entre o mito e a literatura. Neste sentido, consideramos importante dedicar esta seção inicial para o estudo do mito, pois entendemos o quanto o mito agrega enquanto material cultural e literário. Cremos que, através da compreensão dos aspectos e características do mito, seja possível uma análise bem fundamentada das narrativas indígenas com temática mítica. Há uma grande quantidade de estudos relacionados ao mito, desenvolvidos ao longo dos anos e não pretendemos abordar todos. Para este trabalho, utilizamos autores relevantes na pesquisa dos mitos, cujos estudos se mostraram mais apropriados para nossa discussão específica, visto que o objetivo da nossa pesquisa não é o estudo do mito em si, mas, a partir deste estudo, propiciar uma melhor fundamentação para a análise das narrativas indígenas. 13 1.1 O estudo do Mito No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo e um sopro de Deus agitava a superfície das águas (Gênesis 1, 1-2). Bem no princípio durante a criação do universo, Olofim- Olodumaré reuniu os sábios do Orum para que o ajudassem no surgimento da vida e no nascimento dos povos sobre a face da Terra (Mitologia Iorubá). Há muito tempo questionamentos acerca da definição de mito são temas de pesquisas que abrangem várias áreas do conhecimento, pois o mito está presente na humanidade há milhares de anos como parte integrante da formação cultural de cada povo. Por isso, não há uma resposta única para o conceito de mito; o que temos são abordagens de natureza diferentes e com várias perspectivas. Os estudos do mito foram desenvolvidos durante séculos por poetas, filósofos, antropólogos, psicólogos, linguistas e também por críticos literários. As pesquisas passam por nomes desde Aristóteles e Platão até Frye. Almeida Júnior (2014), em sua obra Introdução à Mitologia, busca mostrar ao leitor um guia de estudos sobre as concepções dos principais estudiosos do mito e da mitologia. Apresenta-nos, sobre Mitologia, pelo menos, dois significados. 1) O primeiro significado é: “coletânea de narrativas de um povo”, assim temos a “mitologia hindu”, “mitologia asteca”, “mitologia grega”, “mitologia yourubá”, dentre outras. 2) O segundo significado é: “estudo das narrativas míticas”; daí o termo mitólogo ser utilizado para definir os estudiosos que se debruçam sobre o conhecimento dos mitos. Segundo Turchi (2003, apud CAVALCANTE, 2013, p. 14), a palavra mito provém do grego mytos e significa falar, contar algo. Para os gregos, mito tinha também o significado de mentira, engodo. Mito era sinônimo de coisa absurda, enganosa, pois se constituía de narrativas inverossímeis, geralmente atribuídas às façanhas dos deuses; o termo também era usado como argumento falacioso, 14 corrompendo assim o logos, a razão. Platão considerava o mito uma visão utopista da alma e Aristóteles, na Poética, concebe o mito como uma fábula, invenção. O Iluminismo no século XVIII enxergava o mito como fruto da ignorância e uma forma de engano. Para Eliade (1972), é difícil encontrar uma definição para mito, pois a aceitação por parte dos “eruditos” e dos “não especialistas” será contraditória. O autor usa uma definição particular: A definição que para mim, pessoalmente, me parece a menos imperfeita, por ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento. (...) O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. (...) Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a sobrenaturalidade) de suas obras. (ELIADE, 1972, p. 9) De modo sintético, Almeida Júnior (2014) afirma que o mito é uma narrativa que conta uma história sagrada. É narrativa, pois descreve acontecimentos que se deram com determinadas personagens e é sagrada por desvendar a sacralidade, como nos diz Eliade (1972). É importante complementar tal pensamento com a afirmação: “O mito é uma realidade cultural extremamente complexa que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares” (ELIADE, 1972, p. 9), pois isto revela que a interpretação do mito é de caráter subjetivo. Eliade (1972) tem seus estudos voltados para a área das religiões, portanto o mito é uma narrativa de caráter sagrado que ocorre em um tempo primordial e que valida leis, costumes, ritos e crenças. Considerando-se a subjetividade na interpretação do mito, Durand (apud Santos 2012, p. 36) sugere que, a cada releitura de uma narração mítica, um novo olhar surge frente ao mito que, enquanto narrativa, é um texto de leitura e uma leitura é sempre uma criação subjetiva do mundo. Santos (2012) define o mito como “narrativas que se movem no tempo e no espaço e ressignificam 15 através da linguagem simbólica e das imagens que transmitem conhecimento desde os primórdios ao homem contemporâneo” (SANTOS, 2012, p. 36,37). Santos (2012) se reporta a Joseph Campbell, pesquisador da literatura e mitologia, como um estudioso que contribui para o estudo do mito. Campbell afirma que “os mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos”. O crítico literário Frye, também utilizado no trabalho de Santos (2012), defende que o mito é um tipo de história que une o rito e as imagens para compor a comunicação verbal. Há ainda a visão tradicional e amplamente difundida em que o mito é considerado como uma explicação para a origem das coisas: o mundo, os homens, os animais, as doenças, as práticas culturais e medicinais e as relações entre os homens, mulheres e animais. Logo, nessa vertente, o mito tradicional é uma maneira de explicação ontológica, pois é uma maneira de entender e principalmente justificar a existência de algo. A fim deesclarecer ainda mais a proposta de análise deste trabalho, cabe considerar que, para as sociedades indígenas, o mito expressa sua essência. Ao compreendermos o mito como narrativas que explicam a gênese das coisas e sua maneira de relacionar o real ao divino e sagrado, é possível afirmar que o mundo indígena e sua visão são míticos. Silva (apud GUESSE, 2014) formula algumas características fundamentais sobre o pensamento mítico. Tais características seguem os estudos de Cassirer (1963) e consistem, de modo bem sintético, em: (i) visão subjetiva do mundo; (ii) visão sintética do mundo; (iii) adesão ao concreto e imediato; (iv) visão dinâmica do mundo. Sobre estas características, voltaremos a algumas, de maneira mais específica, para dialogar com as análises apresentadas neste trabalho. As atividades cotidianas dos povos indígenas são intrinsecamente míticas e isso é perceptível em algumas narrativas por nós analisadas ao longo desta pesquisa, as quais se referem a ritos praticados pelos indígenas até hoje. Conforme Almeida Júnior (2014), o mito conta uma história sagrada; o rito é o mito vivo, a revivificação da narrativa mitológica. Almeida e Queiroz (apud GUESSE, 2011) afirmam que a tradição mítica de cada povo constitui um esforço 16 no sentido da representação de si próprio, do que é, do que faz, de como vive, e do estabelecimento de toda uma moral, um ritual, uma mentalidade, baseando-se nessa mitologia. Eliade (1972) reforça este pensamento ao focar o estudo dos mitos de sociedades tradicionais e não, por exemplo, de grandes civilizações, como a grega, a egípcia ou a romana. A justificativa é que, nas sociedades tradicionais, o mito está contextualizado no sentido sócio religioso original. (...) os mitos dos “primitivos” ainda refletem um estado primordial. Trata-se, ademais, de sociedades onde os mitos ainda estão vivos, onde fundamentam e justificam todo o comportamento e Vida a atividade do homem. O papel e a função dos mitos ainda podem (ou podiam, até recentemente) ser minuciosamente observados e descritos pelos etnólogos. Interrogando os indígenas a respeito de cada mito, bem como de cada ritual das sociedades arcaicas, foi possível apurar, ao menos em parte, o significado que lhes atribuem (ELIADE, 1972 p. 8). A abordagem estruturalista do mito desenvolvida por Claude Lévi-Strauss, na obra Mito e Significado (1978), reflete sobre o pensamento “primitivo” e a mente “civilizada”, referindo-se ao fator discriminatório que essa terminologia apresenta; por isso, Lévi-Strauss denomina como “povos sem escrita” aqueles povos chamados de “primitivos” e procede a discussão sobre o modo de pensar dos povos sem escrita dando enfoque à interpretação do seu modo de pensar. O antropólogo afirma que os mitos despertam no homem pensamentos que lhe são desconhecidos. Lévi-Strauss (1978) discute, inicialmente, a interpretação de que o modo de pensar dos povos sem escrita era ou é determinado a partir de suas necessidades básicas. O autor considera tal concepção funcionalista, ou seja, entende-se que estes povos movidos tão somente pela subsistência, satisfação das necessidades sexuais e demais necessidades básicas e, desse modo, não são capazes de explicar as suas instituições sociais, as suas crenças e mitologia. Lévi-Strauss discute também a interpretação de que o modo de pensar “primitivo“ é apenas um tipo diferente do nosso e, a fim de concretizar tal interpretação, usa o postulado apresentado por Lévy-Bruhl, que conceitua o 17 pensamento “primitivo” determinado pelas representações místicas e emocionais em face ao pensamento moderno. Para Lévi-Strauss (1978), os povos considerados “primitivos” para alguns e por ele denominados “povos sem escrita”, possuem a capacidade de um pensamento desinteressado, que abrange a necessidade de compreender o mundo em que estão inseridos, a natureza e a sociedade da qual participam, não são totalmente movidos pela necessidade de sobrevivência. Para executar esse processo, agem por meios intelectuais, do mesmo modo que faz um filósofo e até mesmo um cientista. A partir de exemplos tirados de suas experiências na escrita de suas obras, Lévi-Strauss (1978) discorre acerca da originalidade do pensamento mitológico, cuja função é desempenhar o papel do pensamento conceptual. Explica, ainda, que sua intenção não é pôr em igualdade o que conhecemos como explicação científica e explicação mítica; o que ocorre é que o avanço científico tem promovido a superioridade (tecnológica?) ante a explicação mítica. É interessante expor aqui a relação que Lévi-Strauss (1978) faz acerca do mito e da música: o autor considera que entre mito e música existam as relações de similaridade e de contiguidade. Ou seja, quando se trata da similaridade, só é possível compreender o mito em sua totalidade tal qual uma partitura musical; faz- se necessário ler os mitos como um grupo de acontecimentos, buscando o significado básico e total e o que se refere à contiguidade. Para o autor, a música surgiu como elemento que assumiu o lugar do mito, logo as estruturas musicais são derivadas das estruturas mitológicas. Tanto a música quanto o mito têm sua origem na linguagem, no entanto cada um teria um aspecto diferente, ou seja, enquanto o mito privilegia o aspecto do significado, a música tem como foco o aspecto do significante, o som. A música e a mitologia seriam duas irmãs geradas pela linguagem que seguiram caminhos diferentes, escolhendo cada uma a sua direção (LÉVI-STRAUSS, 1978, p.50). 18 1.1.2 O mito e a metáfora A relação entre mito e metáfora é condicionada pela concepção de que o mito é, por si só, uma representação metafórica dos saberes, valores, princípios de uma determinada cultura, ou seja, é uma produção que possui uma representação simbólica. O crítico canadense Frye (1957), na obra Anatomia da Crítica, apresenta o mito como uma arte de identidade metafórica implícita. Nessa vertente, a respeito do mito e da metáfora, o autor explica que: As metáforas, por seu turno, tornam-se as unidades do mito ou princípio construtivo do argumento, pois enquanto lemos, tomamos consciência de uma série de identificações metafóricas; quando terminamos, temos consciência de uma configuração estrutural organizadora ou mito de que se formou conceito (FRYE 1957, p. 344). Tal explicação surge a partir do que é posto pelo crítico acerca dos dois aspectos das estruturas verbais discursivas: As estruturas verbais discursivas têm dois aspectos, um descritivo, o outro construtivo, um conteúdo e uma forma. O que é descritivo é sigmático: isto é, estabelece uma cópia verbal de fenômenos externos, e seu simbolismo verbal deve ser entendido como um grupo de signos representativos. Mas tudo o que for construtivo em qualquer estrutura verbal parece-me ser invariavelmente alguma espécie de metáfora ou identificação hipotética, quer seja estabelecida entre diferentes sentidos da mesma palavra, quer pelo uso de um diagrama (FRYE, 1957, p. 344). Wellek e Warren (1976), teóricos dos estudos literários, apresentam os termos metáfora e mito relacionando-os conjuntamente aos termos imagem e símbolo. Para os autores, os quatro termos - na sequência imagem, metáfora, símbolo e mito- se interpenetram semanticamente. Ao tratar da imagística, os autores afirmam ser ela um elemento que pertence tanto à psicologia quanto aos estudos literários. Para a psicologia, a imagem tem o significado de: reprodução mental, uma recordação, de uma passada experiência sensorial ou perceptual, não necessariamente visual. Em seu discurso, afirmam que a imagem pode ser visual, auditiva, ou inteiramente psicológica (WELLEK e WARREN, 1976, p. 230). 19 Já para o leitor de poesia, segundo os autores, o que há é uma distinção entre a chamada “imagística ligada e a imagística livre”; a imagísticaligada provoca nos leitores, mesmo que individualmente, a imagística denominada como auditiva e muscular; a imagística livre, composta de imagens visuais restantes, ocorre de maneiras variadas de pessoa para pessoa ou de tipo para tipo. O símbolo, assim como a imagem, apresenta-se em variados contextos e com finalidades distintas. Cita-se o uso do simbólico em expressões da matemática, lógica, semântica e semiótica, além da epistemologia, poesia e belas-artes e não se pode deixar de referir ao uso na teologia, uma vez que, símbolo é um sinônimo de credo. Ao discorrer sobre o aspecto metafórico das imagens, Wellek e Warren (1976) dizem que a analogia e a comparação não são meras representações pictóricas; o que há é uma unificação de ideias diferentes. De acordo com os teóricos, a analogia e a alegoria são mais importantes do que o aspecto sensorial. A imagem pode, neste caso, aparecer como descrição ou como metáfora, que podem ser simbólicas. Conforme os autores, os teóricos da linguagem, em especial, deram atenção à metáfora, compreendendo-a de distintas maneiras, no que diz respeito ao gramático e ao retórico: a metáfora como “omnipresente princípio da linguagem” (Richards) e a metáfora especificamente poética. George Campbell diz que a primeira pertence ao “gramático” e a segunda ao “retórico”. O gramático julga as palavras pela etimologia; o retórico, consoante elas produzem “o efeito da metáfora no ouvinte” (WELLEK e WARREN, 1976, p. 242). Sobre símbolo, imagem e metáfora, uma questão abordada por Wellek e Warren (1976) é sobre a existência de sentido que confronte estes três elementos. Os autores, no intuito de responder a tal questão, na recorrência e persistência do símbolo, afirmam que: (...) uma “imagem” pode invocar-se uma vez como metáfora, mas, se se repete persistentemente, quer como apresentação, quer como representação, torna-se um símbolo, pode até passar a fazer parte de um sistema simbólico (ou mítico) (WELLEK e WARREN, 1976, p. 233). 20 Wellek e Warren dizem que o mito é tido como um ponto de estudo com certa predileção pelo criticismo moderno, pois é uma “(...) zona compartilhada pela religião, pelo folclore, pela antropologia, pela psicanálise e pelas belas-artes.” (WELLEK e WARREN, 1976, p. 235) além de ser, em determinados momentos, confrontado com a história, a ciência, a filosofia, a alegoria e, ainda, à verdade. Durante o chamado “Século das Luzes”, o mito era concebido como “ficção”, no entanto, a partir da “Ciência Nova”, de Vico, surge a concepção de mito “(...) como sendo uma espécie de verdade ou equivalente da verdade; não um concorrente da verdade histórica ou cientifica, mas sim um suplemento desta” (WELLEK e WARREN, 1976, p. 236). Destaca-se, ainda, a ideia concebida por muitos autores de que o mito é uma espécie de “denominador comum entre poesia e religião” (WELLEK e WARREN, 1976, p. 238). Em termos de comparação, a religião é pautada como uma espécie de “mistério maior” e a “poesia, o menor”. Neste sentido, ao tratar do mito e religião e também do rito, Almeida Júnior (2014) explicita que para o homo religiosus, mito, rito e religião estão ligados, uma vez que o rito se configura como um elemento de ligação entre o imanente e o transcendente, entre matéria e espírito. Wellek e Warren (1976) discutem o fato de que imagem, metáfora, símbolo e mito sejam considerados por muitos como elementos de puro ornamento; no entanto, atualmente alguns estudos têm chamado à atenção quanto ao significado e a função da literatura que se encontram presentes na metáfora e no mito. Importa-nos ressaltar que o mito tem sido objeto de estudo de áreas como antropologia, linguística e psicologia; no entanto, os estudos literários voltados ao mito seguem, geralmente, uma linha de pesquisa que aborda o modelo mítico na literatura. Nossa pesquisa busca o caminho inverso: evidenciar aspectos literários em narrativas míticas. Frye (1957) afirma que, na crítica literária, mito significa um princípio organizador estrutural da forma literária e explica: O modo mitológico, as histórias sobre deuses, nas quais as personagens têm a maior força de ação possível, é o mais abstrato e convencionalizado de todos os modos literários, tal 21 como os modos correspondentes nas outras artes – a pintura religiosa bizantina, por exemplo. Por isso, os princípios estruturais da literatura relacionam-se tão estreitamente com a mitologia e a religião comparativa (FRYE, 1957, p. 136). Scholes e Kellogg (1977) explicitam que, no sentido etimológico da palavra, a literatura não ocorre sem escrita, ela é por definição a arte das letras. Para Frye (1957) a literatura é uma arte de palavra. Graúna (2013) afirma que, para os indígenas de várias partes do mundo, a palavra é um elemento sagrado. Cita, por exemplo, que, para os índios Guarani, a palavra tem alma. Sobre a importância da palavra, Graúna (2013) diz que: Palavra e identidade se confundem; palavra que passa de pai para filho, dos avós para os netos; palavra carregada de água, palavra vinda da terra, palavra aquecida pelo fogo, palavra tão necessária quanto o ar que se respira; palavra que atravessa o tempo (GRAÚNA, 2013, p. 173). Outra importante contribuição sobre a concepção de mito é a apresentada por Borges (2013). O autor, sob a perspectiva da análise do discurso, afirma que: O mito é, em suma, o espelhamento discursivo que reflete/refrata o imaginário e a ideologia de um povo. Com isto, quero dizer que toda realidade é atravessada pela linguagem que, num movimento simultâneo, transparece e opacifica essa mesma realidade. Sendo, por sua vez, uma forma discursiva que possibilita compreender o complexo cultural, histórico e cognitivo de um povo, o mito medra no território da ideologia (BORGES, 2013, p. 25). Importa-nos salientar o legado oral do mito, pois, como afirma Barthes (1987), mito é uma fala. Conforme explicam Scholes e Kellogg (1977) sobre a fala, o objetivo não é discutir e descrever a sua origem, uma vez que a nós não é possível determinar de maneira eficiente quando o homem começou a falar. O que podemos pressupor é que a linguagem é anterior ao próprio homem. Os autores sugerem que a invenção da literatura pode ter ocorrido há milhões de anos, quando o homem repetiu pela primeira vez uma expressão vocal que acabou por dar prazer a si mesmo ou a outro. Consideram que, de certa maneira, foi assim que se deu início à arte narrativa no ocidente. 22 Desse modo, as raízes da literatura se encontram na oralidade e, ao tratarmos do mito, não podemos ignorar sua relação com a prática oral. Borges (2013) afirma que “É nessa relação necessária e constitutiva com a ordem do oral que o mito se faz materialidade e elemento indispensável no processo de formação pedagógica e ética em sociedades indígenas” (BORGES, 2013, p. 23). Lembramos que o corpus de nossa pesquisa é constituído por narrativas escritas e de cunho mítico, por isso é necessário fazer uma ressalva a fim de que não haja equívocos para a análise. Não se trata tão somente de mera transposição para a escrita de um texto da literatura oral. Consideramos que tais narrativas escritas indígenas, assim como as africanas e as de todos os outros povos do mundo, têm como objetivo a preservação da memória de um povo e seu legado cultural, por isso a seleção de textos produzidos em língua portuguesa e que evidenciem características míticas como transmissão e rememoração. Procuramos até aqui abordar algumas questões primordiais que são relevantes ao(s) conceito(s) de mito e ressaltar a relação fronteiriça que há entre oralidade, mito e literatura para fins de sustentação da nossa análise, bem como dialogar com o próximo tópico, que trata especificamente da estrutura da narrativa mítica. 1.2 A estrutura do mito e sua universalidade: tempo, espaço e metáforaMitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana. (Joseph Campbell, in: O poder do Mito, 1991). A perspectiva teórica de Mircea Eliade (1972) acerca da estrutura dos mitos, no capítulo inicial da obra Mito e Realidade, propõe que o contraste no modo de concepção do termo mito, a partir da visão que lhe era dada no século XIX, é o ponto de partida da reflexão sobre a estrutura do mito. Até aquele momento, tinha-se como mito uma forma de “fábula”, “invenção”, um modo de “ficção” e era, para as sociedades primitivas, sagrado, exemplar e significativo ou 23 uma “história verdadeira”. Ainda hoje, a concepção de mito é usualmente colocada como “ficção” ou “ilusão”. Para Eliade (1972), o interesse da investigação de mitos em sociedades primitivas se dá no fator de tais mitos refletirem ainda um estado original, em comparação, por exemplo, à mitologia grega, que sofreu modificações ao longo do tempo. O autor afirma que, nas sociedades primitivas, os mitos ainda estão vivos e as pesquisas assim conduzidas poderão revelar muito mais a respeito dos rituais das sociedades tradicionais. Uma questão central leva-nos ao desenvolvimento do tópico seguinte: como é possível compreender os textos míticos indígenas? Uma pista é a compreensão de sua estrutura. A estrutura dos mitos revela e narra não somente a origem do mundo, dos animais e das plantas e principalmente do homem, mas refletem em especial a influência que estes fatos primeiros promoveram no homem que há hoje, ou seja, a existência do homem e do mundo só ocorreu a partir da atividade criadora dos Entes Sobrenaturais no “princípio”. O homem de hoje é consequência, resultado dos eventos míticos de sua criação. Para este homem, o mito é de suma importância, pois tais narrativas estão diretamente relacionadas com sua existência. Eliade (1972) passa a discutir, então, que a “história” narrada pelo mito compõe um conhecimento de ordem esotérica, isso porque tal conhecimento tem incutido um poder mágico-religioso. A esse respeito, reportamo-nos ao que nos fala Cassirer (1992), citando Codrington (1981), que afirma que a raiz de toda a religião reside na crença de uma “força sobrenatural”; a explicação dada é que, a partir desta ótica, a existência das coisas e as atividades dos homens parecem inseridas, de algum modo, em um “campo de forças” mítico. Eliade (1972), em sua explicação, afirma que o ato de “viver” o mito expressa, então, uma experiência religiosa que difere de sua experiência cotidiana. A partir da vivência das sociedades arcaicas, Eliade (1972) assim sintetiza a estrutura e a função do mito: 24 1) constitui a História dos atos dos Entes Sobrenaturais; 2) essa História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a realidades) e sagrada (porque é obra dos Entes Sobrenaturais); 3) o mito se refere sempre a uma “criação”, contando como algo veio à existência, ou como um padrão de comportamento, uma instituição, uma maneira de trabalhar foram estabelecidos; essa razão pela qual os mitos constituem Os paradigmas de todos os atos humanos significativos; 4) conhecendo-se o mito, conhece-se a “origem” das coisas, chegando-se, consequentemente, a dominá-las e manipulá-las à vontade; (...) 5)de uma maneira ou outra, “vive-se” o mito. (ELIADE, 1972, p.18) Lévi-Strauss (1958), ao tratar especificamente sobre a estrutura do mito, na obra Antropologia Estrutural I, afirma que num mito tudo é possível. A sucessão dos eventos não está regida sob uma lógica de continuidade bem como o sujeito, suas características e toda e qualquer relação concebível é possível, no entanto, mesmo que não haja uma regularidade, os mitos se desenvolvem em várias regiões do mundo com as mesmas características e mesmos detalhes. É desse ponto que surge o questionamento: “se o conteúdo do mito é inteiramente contingente, como explicar que, de um extremo a outro da terra, os mitos se pareçam tanto?” (LÉVI-STRAUSS, 1958, p. 223). Na análise do mito proposta por Lévi-Strauss (1978), a discussão diz respeito ao ponto em que os mitos devem ser tomados como pertencentes a uma totalidade, daí o seu caráter universal. Lévi-Strauss (1978) cita, por exemplo, que um significado não encontrado em um mito específico pode ser pleno de significado em outro. Por esse motivo, para a pesquisa que ora apresentamos, foi realizada a escolha de narrativas míticas indígenas de várias etnias e não somente as de uma etnia em particular. A fim de abordar o caráter universal do mito, Lévi-Strauss chama a atenção para o fato de que apenas aproximar o mito da linguagem não é suficiente para a análise comparativa, pois o mito faz parte da linguagem. É através da palavra que ele aparece e está inserido no discurso; nas palavras do autor, “Se quisermos dar 25 conta das características específicas do pensamento mítico, devemos, portanto, estabelecer que o mito está ao mesmo tempo na linguagem e além dela” (LÉVI- STRAUSS, 1978, p.224). Com base nas leituras realizadas para o desenvolvimento desta seção, consideramos que são três os elementos estruturantes da narrativa mítica e que estão presente nos mitos de várias regiões: o tempo, espaço e a metáfora. Por isso, esses três eixos estruturantes serão explanados individualmente nos tópicos seguintes. 1.2.1 Estrutura da narrativa mítica: tempo mítico Os mitos apresentam características muito particulares em sua estrutura narrativa. Uma das características da estrutura mítica apresentada por Lévi- Strauss é a questão temporal, pois o mito sempre se refere a eventos passados, acontecimentos que ocorreram “há muito tempo”, “antes da criação do mundo”, “nos primórdios”. Importante ressaltar que, sobre os elementos básicos da narrativa, conforme Labov/Valetsky (apud Hanke, 2003, p. 3) a exigência mínima para se caracterizar uma narrativa é uma ligação temporal com pelo menos duas sentenças ou elementos que a compõem, como por exemplo, espaço e personagens. Silva (1995) pondera que os mitos ocorrem em tempos definidos em uma sucessão plena de sentidos. Para a autora, “o mito constrói e reconstrói a história do mundo, da sociedade, da humanidade, das origens até as primeiras criações; da ordem do caos inicial até a separação de espaços, momentos e seres tal como se encontra, hoje, o mundo” (SILVA, 1995, p.331). Durante a seleção de narrativas para a análise, foi possível verificar este caráter universal do mito, o aspecto temporal. A seguir, apresentamos um recorte de trechos das narrativas que refletem tal aspecto: Na antigamente os mais velhos, gostam de caça para se alimenta os seus filhos e suas mulheres. Segundo os mais velhos contam que á sua principal arma é arco e flecha, para se defender dos 26 inimigos e para á caça também. Os mais velhos contam, que no antigamente os bichos não tinham medo. (Rosinaldo Ora Não e Antenor Oro Waram) Antigamente os mais velhos se reunião para bater o timbó no igarapé, para pegar peixe, para sua alimentação. (A Pescaria. Clenilda Alcio) Antigamente a festa tradicionais é organizada pelo cacique da aldeia. (As festas tradicionais. Edmilson Oro Waram Xijein e Silvano Oro Waram Xijein) Era uma vez, que não tinha mais nada para comer na aldeia, os povos na aldeia fiaram com muita fome. (Jeremias Oro Não) Observe-se que, nos trechos em destaque, os autores utilizam o vocábulo antigamente com a intenção de marcar os eventos enquanto acontecimentos ocorridos no passado. Temos ainda a utilização da expressão era uma vez tão comum em fábulas e contos de fadas. Desse modo, verificamos que os narradores/autores são conhecedores dos fatos, mas estão temporalmente distantes deles. A partir desse elemento, é possível compreender, conforme diz Lévi-Strauss, que o mito não é linear cronologicamente; é uma estrutura permanente que comportapassado, presente e futuro simultaneamente. Rodrigues (2013), a partir do pensamento teórico de autores como Meletínsk (1987), Eliade (1992) e Gusdorf (1953), elabora um tópico referente ao elemento estruturante da narrativa mítica: o tempo. A autora afirma que, para Meletínsk (1987), o passado mítico é a época da criação primeira, é o supratempo dos tempos iniciais que antecederam o começo da contagem do tempo empírico. Explica, ainda, que este passado mítico é reatualizado com a ajuda dos rituais e por isso é possível atribuir a concepção cíclica do tempo mítico com o tempo empírico. A reflexão sugerida por Melétinsk, citado por Rodrigues (2012, p. 36) é que “tempo mítico e histórico interpenetram-se, assim como as diferentes perspectivas sobre o mito no que diz respeito à representação do tempo e do espaço nas narrativas míticas”. 27 Quanto ao pensamento de Eliade (1992) sobre o tempo mítico, Rodrigues (2013) esclarece que, para o autor, o tempo está configurado como uma forma de recusa do tempo histórico, embora não o exclua de sua configuração total. A partir dos postulados de Gusdorf (1953), que confere ao tempo mítico o status de herdeiro do tempo primitivo, Rodrigues (2012) explica que ambos os tempos valorizam a sensação do tempo e não sua passagem; que a “consciência do tempo” é originada na memória e é formada através de estruturas formadas a partir de tempos particulares provenientes de sensações individuais, ou seja, o tempo mítico possui uma duração específica. Tal duração é realizada pelas sensações dos seres diante dos acontecimentos. Rodrigues (2013) utiliza os estudos de Eliade (1992), uma vez que o autor revela ser o tempo mítico uma oposição do tempo sagrado ao profano. É um tempo primordial que se faz presente e dá indícios da eternidade. Para o autor não há acontecimento que seja irreversível, que não possa ser transformado. Nesse sentido, o que há é uma repetição e esse movimento repetitivo tem a função de conferir realidade ao acontecimento, bem como é necessário esclarecer que essa repetição nada mais é que uma imitação de um arquétipo tido como um modelo exemplar. É neste contexto que os rituais vão se estabelecer, pois o ritual é a configuração de um tempo concreto projetado em um tempo mítico. Algumas narrativas selecionadas neste trabalho apresentam a descrição de rituais que são “praticados até hoje” pelos povos indígenas e revelam a repetição desses rituais na busca da materialização do mito, conforme se pode verificar nos trechos abaixo, extraídos das narrativas A pescaria, Os Paiterey e Aldeia Palhal: Os Kaxarari ainda praticam a cultura deles de fazer uma grande pescaria. (A Pescaria. Marinês Canoé) Eu moro na aldeia Palhal vou contar um pouco da história dos povos Tupari que ainda preserva sua cultura. (Aldeia Palhal. Arlene Tupari, Edna Aruá, Misma Canoé, Valmir Makurap e Maurício Tupari) 28 Nós povo Paiter (Suruí) vivem em sociedade na aldeia. Até hoje guardamos e praticamos nosso costume e crença. (Os Paiterey. Diori Suruí, Idevaldo Suruí, Ferrari Suruí, Rubem Suruí, Eclesio Arara) Lévi-Strauss afirma que, como todo ser linguístico, o mito é formado por unidades constitutivas; pondera também que o mito é pertencente à ordem da linguagem e faz parte dela, por isso a linguagem utilizada na narrativa mítica abarca propriedades específicas. Inferimos, então, dos exemplos extraídos das narrativas, o aspecto temporal projetando a repetição e a continuidade. Nas narrativas A pescaria e Aldeia Palhal, o advérbio temporal ainda dá o caráter de continuidade do acontecimento, pois é uma prática do tempo primordial, mas que neste tempo atual ocorre entre os indígenas. A seleção vocabular do narrador reflete a preocupação de colocar o leitor a par da história contada em uma interseção temporal: passado e presente, ou seja, o tempo mítico. Também na narrativa Os Paiterey a locução adverbial até hoje abarca a função de demonstrar um tempo mítico inserido no tempo histórico. 1.2.2 Estrutura da narrativa mítica: espaço mítico O campo simbólico se baseia nas experiências das pessoas de uma dada comunidade, num dado tempo e espaço. Os mitos estão tão intimamente ligados à cultura, a tempo e espaço, que, a menos que os mitos e as metáforas se mantenham vivos, por uma constante recriação através das artes, a vida simplesmente os abandona. (Joseph Campbell. In: O poder do Mito, 1991). A variabilidade das noções do espaço materializa inúmeras discussões em diversos campos de conhecimento e com diferentes propósitos. Importa para a discussão aqui exposta, a apresentação do espaço na narrativa mítica e, mais adiante, a configuração do espaço no campo literário. 29 Silva (1995) expõe que os acontecimentos míticos podem ocorrer em espaços imaginários, concebidos, como por exemplo: domínio do cosmos, povoados, mata, céus, o subterrâneo e assim por diante. Rodrigues (2013) delineia seu trabalho sobre o espaço mítico a partir do exposto por Georges Gusdorf (1953), para quem a categoria espacial se apresenta como “a dimensão do mundo e do pensamento e indica abstração do mundo ou invenção do espírito” (GUSDORF, 1953, apud RODRIGUES, 2013, p. 38). O espaço mítico, conforme a afirmação do autor é oposto ao espaço vazio e formal em que estão situados nossos pensamentos e atividades, bem como é também um espaço primitivo. A denominação dada pelo estudioso ao espaço mítico é “Grande Espaço” e dá ênfase ao aspecto sagrado da categoria. Esclarece ainda que, assim como o tempo mítico, o espaço mítico: (...) não depende do conhecimento objetivo, de uma realidade dada, ele é imaginado e se constitui no interior, pelas percepções e sensações dos seres, o que lhe concede a ideia de espaço indefinido porque o esse espaço não condiz com a organização de uma existência possível, é o local de uma existência real a qual lhe dá sentido (GUSDORF, 1953, p.53 apud RODRIGUES, 2013, p.39). O elemento espaço e o aspecto sagrado ocorrem na própria estrutura do mito, “pois ambos constituem um horizonte transcendente de uma atividade que se implanta como liturgia cósmica, constituindo o grande espaço ontológico, princípio de orientação dos seres em que se valha da consciência e dos sentidos” (GUSDORF, 1953, p.59 apud RODRIGUES, 2013, p. 39). Interessante ressaltar que, para esse estudioso, as festas, comemorações e os sacrifícios são os eventos que fazem florescer autenticamente o tempo e o espaço mítico, ou seja, são nestes rituais que a realidade humana é transfigurada. No espaço mítico existem lugares que são privilegiados e exclusivos ao sagrado. Por exemplo, o caso da montanha que representa a ligação entre o céu e a terra e também a morada humana que é constituída como um espaço existencial e sagrado, pois é capaz de refletir o mundo. Os trechos abaixo, retirados de uma das narrativas de nossa pesquisa, podem ilustrar tal afirmativa: 30 Primeiramente entramos na floresta para tirar os esteios e os caibo, tiramos e colocamos para o local, onde vai ser feito a casa. O dono da casa não trabalha sozinho, ele pede para a mulher fazer chicha para as pessoa da comunidade ajudar. Depois de tanto trabalho, comemoramos, fazemos a festa, bebemos chicha, comemos mbiako, peixe, etc. (A construção da casa indígena. Catiucia Adaila) Na narrativa escrita por Catiucia Adaila, A construção da casa indígena, podemos perceber o sagrado que aparece neste evento, uma vez que o processo de construção da casa obedece a rituais. Mais do que prover os materiais, retirados da floresta, a construção da casa é um trabalho coletivo: necessita da ajuda de todos os homens, é preciso que a mulher faça a chicha -bebida típica, para ser servida aos trabalhadores- e a finalização desse acontecimento é comemorada pela comunidade através de uma festa. Consideramos aindaque, para o nosso estudo, a importância da categoria espaço está relacionada aos tipos de metáforas apresentadas por Lakoff e Johnson (2002): as metáforas orientacionais e ontológicas. As metáforas orientacionais são construídas a partir da observação do funcionamento do corpo humano em relação ao meio em que o indivíduo vive. Referem-se principalmente às sensações e orientações espaciais ou temporais como: para cima, para baixo; frente, atrás. As orientações espaciais decorrem do modo como o corpo humano funciona no ambiente físico que o rodeia. Sobre as metáforas ontológicas, as experiências com objetos físicos em relação ao corpo dos indivíduos oferecem como base a noção espacial, onde é possível conceber eventos, ideias, emoções, atividades como entidades e substâncias. A discussão leva-nos a afirmar que o espaço tem a capacidade de revelar particularidades da narrativa. Conforme postulam Oliveira e Silva (2012, apud BARBIERI, 2009, p. 105) o espaço está impregnado de diversas informações culturais, além de apresentar as características físicas e geográficas. Com base nas narrativas que compõem o corpus do trabalho aqui apresentado, constata-se claramente como o espaço da mata (floresta) é 31 importante para os povos indígenas. Em algumas narrativas míticas analisadas, é possível postular que as construções linguísticas metafóricas têm como domínio de origem espacial a mata (floresta/sagrado). A hipótese é que o espaço da mata tem significado de vida, uma vez que é dali que os povos indígenas tiram seu sustento, sua sobrevivência. A importância fundamental da floresta pode ser inferida na narrativa de criação escrita pelo indígena Frederico: Quando Deu criou o mundo. Deu colocou nos índio na floresta para cuida. Só que os branco estão destruído a floresta isto é grande tristeza para nos Por que nos precizamo dela para sobrevive. e dali onde nos tira nosso alimento. O rio e muito importante para nos por que nos pressiza da água para beber, toma banho pesca. Nos índio somo dono da floresta e do rio, por que foi Deu que colocou para nos cuida. (A criação do mundo. Frederico) A análise também revela a importância do rio para os povos da floresta; na narrativa “O Rio”, os autores descrevem a relevância desse recurso natural para os indígenas. O Rio O rio é muito importante, para a existência da vida. É nele que encontramos grande quantidade de água, e de onde retiramos os peixes para a nossa alimentação. O rio é um ecossistema, que possibilita a reprodução de várias espécies de peixes, além de servir para banharmos e nos divertirmos. Também é um meio de locomoção, onde viajamos, ou buscamos recursos que necessitamos para realizar outras atividades. Um exemplo é a busca de timbó, que utilizamos para pescar nos lagos, ou nos igarapés, o cipó possui uma substancia que mata os peixes, assim os recolhemos, e os levamos para comer. O rio todo ano passa por um processo, e muda constantemente. No período da chuva o rio enche e assim possibilita que outros peixes cheguem até os locais, onde anteriormente foi realizado a pesca com o timbó. É no período da seca, que realizamos essa atividade. Destas formas utilizamos, o rio e seus recursos. Porém deve haver conciência humana para que esse bem possa existir para as gerações futuras. (Edmar Aruá, Morais Tupari, Edmar Oro Mon, Edson Oro Mon, Juari Tupari, Carlos Tupari, Inacio Oro Mon) 32 Com a finalidade de mostrar a relação do indígena com os espaços geográficos, elaboramos, através de um apanhado geral em variadas narrativas indígenas, dois quadros apresentando informações sobre os espaços da floresta (mata/mato) e do rio (água, lago, igarapé, igapó). O espaço da floresta é demonstrado no Quadro 1, a seguir: QUADRO 1 – O ESPAÇO DA FLORESTA Interior do Espaço Trechos das narrativas Rio: água, lago, igarapé Reuniram varias pessoas para irem fazer timbó; Depois foram no mato: colheram muitas folhas e cipós: Encheram os paneiros e foram embora. Ao chegar na aldeia machucaram todas as folhas e cipós. Depois de machucados as folhas foram até o lago onde desejavam colocar as folhas que eles tinham machucado. (O Timbó. Liliane Cujubim) Alimentos Os Kaxarari ainda praticam a cultura deles de fazer uma grande pescaria. O cacique reúne o povo e marca um dia para fazer esse tipo de pescaria. As mulheres vão para a floresta colher frutos outras vão pegar a mandioca e o milho. (A pescaria do povo Kaxarari.Marinês Canoé) A caçada realizada na nossa Aldeia Gamir é assim o cacique tradicional reune os homens da comunidade de manhã para fazer a caçada eles saem juntos pela estrada se separam, ou se espalham no mato quem matar algum bicho tras para o cacique e as esposas dele cozinham na panela depois de pronto chama os homens que foram caçar e eles repartem a carne e tem que ser sem a presença de mulher. (A caçada. Edna e Geovane Suruí) Elementos para a construção das casas Em primeiro lugar construímos a casa desta forma. Sabemos que é um trabalho muito pesado. Primeiramente entramos nas floresta para tirar os esteios e os caibo...Entramos novamente na floresta para retirar as palha para cobrir a casa. (Construção da casa indígena. Catiucia Adailo) Cipó para o timbó As mulheres vão para o mato buscar o cipó que e chamado timbor e um tipo de veneno para o peixe. (A festa do peixe. Marcílio Oro Não) Remédios Nós povo arara usamos ervas medicinais do mato, esse remédio é usado para a criança de 8 a 10 mêses para a criança andar rápido. (Angela, Rute, Adão, Mariza, Bené) Fonte: Elaboração da autora a partir das narrativas escritas pelos professores indígenas 33 Os recursos provenientes do espaço do rio são demonstrados no Quadro 2, a seguir: QUADRO 2 – O ESPAÇO DO RIO Recursos Trechos das narrativas Alimento Eles vão para o rio e começa a pescaria de lavagem do produto pisado, os peixes começam morrer. Quando os estiver mortos eles pegam os peixes, eles voltam para suas casas com muito peixes para suas famílias. (A pescaria. Olinda Edinar Oro Waram) Transporte Também é um meio de locomoção, onde viajamos, ou buscamos recursos que necessitamos para realizar outras atividades. Um exemplo é a busca de timbó, que utilizamos para pescar nos lagos, ou nos igarapés, o cipó possui uma substancia que mata os peixes, assim os recolhemos, e os levamos para comer. (O rio. Edmar Aruá, Morais Tupari, Edmar Oro Mon, Edson Oro Mon, Juari Tupari, Carlos Tupari, Inacio Oro Mon) Fonte: Elaboração da autora a partir das narrativas escritas pelos professores indígenas Quando nos referimos ao espaço mítico, é mister salientar que se trata de um espaço que não abarca as mesmas leis da natureza do mundo real. O processo de produção do espaço mítico está intimamente ligado ao sagrado. Tal premissa pode ser discutida a partir do que Eliade (2010, apud BRANDÃO, 2013) nos explana na obra O Sagrado e o Profano, pois ali temos a relação que o Homo religiosus estabelece com o espaço. Para o homo religiosus o espaço não é homogêneo, ele apresenta roturas: há porções no espaço que são mais “fortes” ou “significativas”, porque ali ocorreu uma hierofonia: manifestou-se o sagrado. Tendo sido o cosmos criado pelos deuses, é ele uma grande hierofania... Tal perspectiva encontra sua formulação na filosofia panteísta: tudo é manifestação divina e, portanto, sagrada. (ELIADE, 2010, apud BRANDÃO, 2013, p.35) Nas narrativas míticas indígenas, é possível verificarmos que o espaço da floresta é um dos espaços sagrados onde ocorrem manifestações que somente ali são possíveis e realizáveis, pois fazem parte deste espaço sacralizado. Os espaços geográficos da floresta (mata) e das águas (igarapé) revelam ainda a 34 relação com o sagrado. Para mostrar tal relação, trazemos exemplos retirados de duas diferentesnarrativas míticas amondawa, onde temos o mito de criação e origem da mulher. Narrativa 1 A mulher do índio Tangip Amondawa (1997) Antigamente nós não tinha mulher. Era o índio mesmo que tirava e fazia chicha. Tinha um índio velho, mas que entendia de tudo...Ele ficou pensando, pensando até que teve uma ideia. Aí ele foi no mato e conseguiu trazer a mulher. Ele trouxe a mulher para casa, escondeu a mulher e não mostrou pra ninguém. Daí era a mulher que fazia a chicha na casa. Um dia um rapaz foi lá na casa do velho e tomou chicha. O rapaz viu que a chicha do homem era diferente. Aí perguntou pro velho: - Como que tu fez a chicha? O velho jurou que era ele mesmo que tinha feito a chicha e não contou pro rapaz que ele tinha ido no mato fazer mulher. O rapaz não acreditou e desconfiou do velho: - Não!!! Acho que não!!! Acho que ele mesmo não isso daí. Não tava assim a chicha dele... Aí o rapaz chamou outros índios e falou: - Vamos lá ver escondido, ver se ele mesmo que fez a chicha. Aí foram lá olhar escondido, né? E viram a mulher fazendo a chicha pro homem. Foram lá com ele e disseram: - Tu tem mulher sim !!! - Aonde tu viu? Eu vi aqui na sua casa. - Não !!! Eu não tenho mulher não!!! - Não!!! Tu tem sim. Como é que tu fez mulher? Aí o rapaz queria mulher, outro rapaz também queria mulher, aí endoidaram pra fazer mulher também. Aí o velho contou como tinha feito a mulher. Daí o outro rapaz foi no mato jogou a casca do pau e voltou sem pau e não conseguiu trazer a mulher. Voltou lá com o velho e perguntou de novo como que fazia a mulher. O velho perguntou pro rapaz. - Como é que tu fez lá? - Eu fiz assim, assim, assim, foi assim, assim. - Não, tu fez tudo errado. Agora tu vai lá outra vez e joga no mato. Tu não olha primeiro pra trás, não! Tu fica lá sentado, só corta e joga. Na hora que mexe aí tu olha pra trás. - Tá bom. Aí o rapaz voltou lá outra vez na mesma hora, sabe? Aí, conseguiu fazer mulher. Aí ficaram duas mulheres. (In: SAMPAIO, SILVA E MIOTELLO (Orgs.), 2004, p.15) 35 Narrativa 2 A origem da mulher Tari Amondawa (1998) É... sei que igarapé tem peixe, né? Tem muito Mandi por aí. (Acho que Mandi mesmo). Aí não tinha mulher nada! Um dia um homem foi pescar, aí vai, vai lá, ele vai pescar no igarapé, né? Quando ele puxou o peixe, ih!...tão bonita era a mulher! (In: SAMPAIO. SILVA E MIOTELLO (Orgs.), 2004, p. 29) A partir da leitura da narrativa 1, é possível verificar primeiramente que, na cultura indígena amondawa, a produção da bebida típica chicha é feita pela mulher; no entanto, antes de sua criação era o homem quem fazia. Nota-se que a bebida produzida pelo ser feminino é diferente é melhor. A mulher é criada na floresta, o espaço que tem intrínseca relação com o sagrado, pois é o espaço que torna possível a atividade de criação do feminino. Neste espaço natural e sacralizado, é possível ao homem realizar a façanha de mudar a estrutura social com a inserção da mulher na comunidade. Na narrativa 2, temos o espaço do igarapé (que se encontra no interior da floresta), em que a origem da mulher é atribuída ao peixe, que vive na água; a mulher, de maneira simbólica, é pescada no igarapé pelo próprio homem. Estes exemplos podem demonstrar o que Lévi-Strauss afirma sobre a narrativa mítica: tudo pode acontecer num mito. Buscamos neste trabalho as construções linguísticas metafóricas que evidenciam as noções de espaço, pois questões culturais acabam por transparecer nas construções metafóricas de ordem espacial, revelando como os povos indígenas estabelecem sua relação com o ambiente em que vivem, comprovando, deste modo, que as metáforas estão presentes em nosso cotidiano através de nossa experiência com o meio que nos circunda. 36 1.2.3 Espaço Literário: percursos e conceitos Mas a função da linguagem não é o seu ser: se sua função é o tempo seu ser é o espaço. Michel Foucault A partir do livro Teorias do Espaço Literário, do professor, pesquisador e escritor Luís Alberto Brandão (2013), realizamos um apanhado breve e geral acerca do conceito de espaço literário, a fim de relacioná-lo ao que já foi exposto em relação ao espaço mítico, bem como dialogar na análise com as narrativas míticas indígenas. A escolha se deve ao fato de Brandão dedicar sua pesquisa a demonstrar as variações da categoria espaço na literatura, na teoria literária e na crítica ao longo do século XX e início do século XXI. Pelo viés diacrônico, Brandão (2013) discute o espaço através de duas perspectivas relacionadas. Uma se refere à “história do espaço” ou, como o autor afirma, o registro das transformações do espaço no decorrer de determinado período e a outra diz respeito às transformações do espaço enquanto conceito. A primeira é discutida pelo autor a partir do levantamento das variadas formas de percepção espacial, as quais incluem os sentidos do corpo humano e ainda os sistemas tecnológicos rudimentares ou complexos, de observação, mensuração e representação. A segunda diz respeito ao conceito de espaço enquanto construto mental usado para a produção do conhecimento humano seja de natureza científica, filosófica ou artística. Do ponto de vista da cartografia, já é possível perceber as variações que as representações espaciais sofreram em cada período e em cada cultura. Como possibilidade para tais variações, podemos elencar os condicionantes econômicos, sociais e políticos. Brandão (2013) nos informa também que uma outra forma de organização espacial humana determinante foram as cidades. Concomitante à historiografia do espaço, temos também as transformações históricas do conceito de espaço nos diversos e mais importantes campos do conhecimento. O autor afirma que o espaço possui distintas histórias, mas que há 37 um cruzamento entre os campos obrigando uma abordagem transdisciplinar. Por esse motivo, Brandão mostra-nos como é apresentado o conceito de espaço. No campo das ciências sociais, Brandão (2013) questiona a relação espaço e tempo, pois considera que não há mais possibilidade de priorizar o tempo em detrimento do espaço. Na Física, cita dois personagens principais e determinantes para o conceito de espaço, Newton e Einstein, ou seja, a noção de espaço absoluto e a noção de espaço relativo. No campo da filosofia, cita as premissas de Kant no que se refere ao espaço e tempo como categorias apriorísticas; Heidegger, que propõe uma ontologia dos espaços e Bachelard ao tratar da imaginação poética. Por fim, são destacados os postulados de Michel Foucault, para quem “o espaço é fundamental em qualquer forma de vida comunitária; o espaço é fundamental em qualquer exercício de poder”; e Deleuze e Guattari no que se refere à geofilosofia e à concepção de pensamento como série de movimentos de “territorialização” e “desterritorialização”. Em seguida, Brandão indaga sobre o papel desempenhado pela categoria do espaço na história da teoria da literatura e a partir de sua consolidação, no início do século XX. Segundo o autor, a busca por um objeto específico, bem como uma definição para literariedade é que provocam a concretização da teoria literária. Segundo Brandão (2013): Essa busca exige, do estudioso, distanciamento em relação à estética (como ramo da filosofia), recusa das análises de cunho impressionista ou de decodificação simbólico-metafísica, e questionamentos de abordagens - de natureza historicista, psicológica, biográfica ou sociológica - cuja ênfase recai em aspectos “extrínsecos” ao texto (BRANDÃO, 2013, p. 22). Com a difusão do estruturalismo, a partir dos anos 60, e sua ênfase na “gramaticalidade” do texto literário, o espaço, enquanto categoria dentro da teoria da narrativa, segundo Brandão, desempenha papel secundário, pois os focos são direcionados às vozes, temporalidades e ações. No entanto, Brandão (2013,p. 25) afirma que: No cerne do pensamento estruturalista, porém, ganha força a ideia de que é a partir da prevalência da sincronia sobre a diacronia que as questões sobre gênese e filiação, ou seja, vinculadas ao “determinismo temporal”, cedem lugar à análise das 38 relações responsáveis pela coerência interna das obras, isto é, ao “determinismo espacial”, nas palavras de Gérard Genette. A explicação dada é que a categoria espacial passa a ser tratada não somente de maneira identificável nas obras, mas sim como um sistema interpretativo, modelo de leitura e orientação epistemológica. Passa-se então a designar de maneira metafórica o “espaço da linguagem”. Genette (apud BRANDÃO, 2013, p.25) declara que: Hoje a literatura - o pensamento - exprime-se apenas em termos de distância, de horizonte, de universo, de paisagem, de lugar, de sítio de caminhos e de morada: figuras ingênuas, mas características, figuras por excelência, onde a linguagem se especializa a fim de que o espaço, nela, transformado em linguagem, fale-se e escreva-se. Brandão (2013) elabora proposições para a discussão acerca dos conceitos do espaço e afirma que uma delas se refere ao atual momento em que há um interesse pelos problemas e também potencialidades do conceito de espaço. Para o autor, o interesse é motivado a partir das mudanças operadas pela mecânica quântica e pela física relativística sobre os fundamentos da física newtoniana. Em síntese, o autor afirma que o espaço deixa de ser o pano de fundo absoluto do universo e passa a assumir e ser aceito como categoria a priori da percepção. Brandão considera importante acrescentar que, por ser usado em vários campos de conhecimento e com diversificadas funções, o termo espaço apresenta problemas de limitação que devem ser explicados: O verbete espaço consta de obras de referência - dicionários, enciclopédias, glossários - de filosofia, arquitetura, linguística, geografia, semiótica, física, sociologia, teoria literária, símbolos, comunicação, urbanismo, teoria da arte, obras nas quais é comum se ressaltar a variedade de acepções associadas ao vocábulo, mesmo nas áreas em que este possui valor de preceito. (BRANDÃO, 2013, pp. 49-50) Ao utilizar como alvo os estudos literários ocidentais do século XX, o autor define quatro modos de abordagem do espaço na literatura: (i) representação do espaço, (ii) espaço como forma de estruturação textual, (iii) espaço como focalização e (iv) espaço da linguagem. 39 Por representação do espaço no texto literário, o autor nos informa ser este provavelmente o mais recorrente e explica que o espaço é abordado como uma categoria que existe no universo extratextual, principalmente nas tendências neutralizantes, pois ao espaço são atribuídas características físicas e concretas. É nesta abordagem que o espaço é tido como “cenário”, ou seja, são “os lugares de pertencimento ou trânsito dos sujeitos ficcionais, recurso de contextualização da ação” (BRANDÃO, 2013, p.59). A representação do chamado “espaço urbano” no texto literário é a abordagem mais difundida nos estudos literários da atualidade. Outra abordagem é a que está em conformidade aos estudos culturais e que, segundo Brandão (2013, p.59), utiliza um léxico espacial que possui termos como: margem, território, rede, fronteira, passagem e cartografia. Esta última tendência visa à compreensão das variadas formas de espaços representadas no texto literário, pois tais formas espaciais se unem a identidades sociais específicas. Brandão explicita ainda o contraste entre os efeitos gerados por procedimentos descritivos e procedimentos narrativos em que a categoria espacial é principalmente descritiva. Finaliza a explicação, complementando: “Outra estratégia é o reconhecimento de polaridades espaciais e a análise de seu uso, tomando-se o espaço como conjunto de manifestações de pares como alto/baixo, aberto/fechado, dentro/fora, vertical/horizontal, direita/esquerda” (BRANDÃO, 2013, p. 59). Seguindo o percurso apresentado por Brandão (2013), há uma segunda abordagem do espaço na literatura e esta se refere aos procedimentos formais e de estruturação do texto. Nesta tendência, conforme postula o autor, ocorre a suspensão ou retirada de noções referentes à temporalidade, em especial as que fazem referência à natureza consecutiva da linguagem verbal, que possui característica contínua, linear e progressiva. Inseridos neste conceito de estruturação espacial, Brandão (2013), cita dois estudos clássicos: “Spatial Form in Modern Literature”, de Joseph Frank, e O Espaço Proustiano, de Georges Poulet. A análise feita pelos críticos caracteriza o texto literário moderno a partir do seu caráter fragmentário; para ambos, há uma 40 recusa ao fluxo temporal da linguagem verbal, por sua constituição de ambivalências físicas e simbólicas. Os autores trabalham em favor de espaços num lapso (ou perda da noção linear) de tempo, como “série de quadros que se justapõem”. O terceiro modo apresentado na categoria espacial é o que diz respeito a um ponto de vista, focalização ou perspectiva. Tais ideias vêm da premissa de que a literatura é capaz de promover algum tipo de visão. Neste contexto, Brandão (2013) afirma que a visão é elaborada como uma faculdade espacial que tem por base a relação entre dois planos: (i) espaço visto, percebido, concebido, configurado e (ii) espaço vidente, perceptório, conceptor e configurador. Finalmente, como quarto modo, temos a compreensão acerca da categoria espacial em que é feito um afastamento do ponto de vista representacional e passa-se a propor a linguagem verbal como característica da espacialidade, ou seja, há uma espacialidade própria da linguagem verbal. A alegação de Brandão em sua pesquisa é que a palavra também é espaço e acrescenta: “Gérard Genette, no artigo La Littérature et l’espace, chega a advogar que “a linguagem [verbal] parece naturalmente mais apta a exprimir as relações espaciais do que qualquer outra espécie de relação (e, portanto, de realidade)” (BRANDÃO, 2012, p.63). Para discutir este ponto de vista, Brandão desenvolve duas linhas de argumentação: a primeira considera que tudo que é da ordem das relações é espacial e a segunda considera que a linguagem é espacial, pois é composta de signos que possuem materialidade. Na primeira linha de argumentação, o autor discute novamente o contraste do espaço com o tempo, considerando que “a ordem das relações, que define a estrutura da linguagem, é espacial à medida que é abordada segundo o viés sincrônico, simultâneo, e não diacrônico, histórico” (BRANDÃO, 2012, p. 63). Para explicar a segunda linha de argumentação, Brandão afirma que “a palavra é uma manifestação sensível, cuja concretude se demonstra na capacidade de afetar os sentidos humanos, o que justifica que se fale da visualidade, da sonoridade, da dimensão tátil do signo verbal” (BRANDÃO, 2012, p. 64). 41 Para finalizar, Brandão esclarece que o texto literário é considerado espacial, pois os signos que o formam são corpos materiais e sua função intelectiva não esquece a exigência da percepção sensível no ato da recepção. Logo, o texto literário é espacial “quanto mais a dimensão formal, ou do significante, é capaz de se destacar da dimensão conteudística, ou do significado” (BRANDÃO, 2012, p. 65). 1.2.4 Estrutura da narrativa mítica: a metáfora O terceiro elemento estruturante da narrativa mítica é o que diz respeito à metáfora. Neste tópico, realizaremos apenas uma breve apresentação da relação entre metáfora e mito, pois o aspecto metafórico será abordado na seção seguinte. Cassirer (1992) afirma que a metáfora é o vínculo entre a linguagem e o mito e é o elemento que promove a unidade mítica. Rodrigues (2013) nos apresenta a definição que Cassirer (1992) elabora acerca da metáfora. Para