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027 A metafora literaria e do cotidiano em narrativas miticas indigenas Joeliza Lamarao Bezerra Soares de Oliveira

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS VERNÁCULAS 
MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS 
 
 
 
 
 
JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO 
EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
PORTO VELHO 
2015
 
 
JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO 
EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Estudos 
Literários da Universidade Federal de 
Rondônia, como parte dos requisitos para 
a obtenção do título de Mestre em 
Estudos Literários. 
 
 
Orientadora: Profa. Drª. Wany Bernardete 
de Araujo Sampaio. 
 
Linha de Pesquisa: Literatura, Artes e 
outros Saberes. 
 
Bolsa: Capes 
 
 
 
 
 
 
UNIR 
PORTO VELHO 
2015 
 
 
 
 
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS 
MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS 
 
 
 
JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA 
 
A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO 
EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS 
 
Banca Examinadora: 
 
Aprovado em: 09 /11 /2015 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO: 
O presente trabalho propõe a análise de metáforas literárias e do cotidiano em 
narrativas indígenas escritas em língua portuguesa por professores indígenas. A 
análise se apoia na Teoria Cognitiva da Metáfora (LAKOFF & JOHNSON, 2002), 
segundo a qual o elemento metafórico permeia todas as nossas ações e 
pensamento além da linguagem, pois está infiltrado no nosso cotidiano; existe 
uma extensão contínua entre as metáforas literárias e as metáforas cotidianas; as 
ocorrências da metáfora nas obras literárias acontecem não exclusivamente 
porque a literatura contém a linguagem cotidiana, mas porque mesmo que haja 
um desvio das formas mais comuns de expressão e de pensamento, a linguagem 
é realizada a partir de explorações criativas e inusitadas de mapeamentos 
metafóricos enraizados em nossos sistemas conceptuais. Como metodologia de 
trabalho foram utilizadas as pesquisas bibliográfica, documental e webgráfica, 
para a realização dos estudos teóricos e da seleção das narrativas. O 
procedimento de investigação das construções metafóricas foi realizado a partir 
da Teoria Cognitiva da Metáfora e da elaboração de esquemas imagéticos. Os 
resultados revelam que as narrativas indígenas míticas apresentam aspectos 
literários e estéticos, como o uso de metáforas conceituais e de personificação. 
Os resultados foram também discutidos pelo viés do perspectivismo ameríndio, 
considerando-se a visão integradora de mundo do pensamento mítico ameríndio. 
Palavras-chave: Metáfora. Narrativa mítica. Literatura. Literatura indígena 
contemporânea 
ABSTRACT: 
This work proposes the analysis of literary and everyday life metaphors in 
indigenous narratives written in Portuguese by indigenous teachers. The analysis 
is based on the Metaphor Cognitive Theory (Lakoff & Johnson, 2002), according to 
which the metaphorical element pervades all our actions and thinking beyond 
language, infiltrated in our daily lives; there is a continuous extension of the literary 
metaphors and everyday metaphors; the metaphor of events in literary works take 
place not only because literature contains everyday language, but because even if 
there is a deviation of the most common forms of expression and thought, 
language is carried out by creative and unusual explorations metaphorical 
mappings rooted in our conceptual systems. The used methodology was the 
bibliographic, documentary and web research, to the theoretical studies and the 
selection of narratives. The investigation procedure of the metaphorical 
constructions was based on the Cognitive Theory of Metaphor and on the 
development of imagery schemes. The results show that indigenous mythical 
narratives have literary and aesthetic aspects, as the use of metaphorical 
conceptual constructs and personification. The results were also discussed by the 
bias of the amerindian perspectivism, considering the integrated vision of the world 
of the mythical amerindian thought. 
 
 
Keywords: Metaphor. Mythic narrative. Literature. Contemporary indigenous 
literature. 
AGRADECIMENTOS 
 
Ao Grande Arquiteto do Universo, Deus, pela saúde. 
À querida professora Wany Sampaio, pela amizade e orientação. 
Aos colegas e docentes do MEL, pela caminhada juntos. 
Às professoras Cynthia Barros , Carla Martins, Élcio Fragoso e Hélio Rodrigues 
pelas sugestões. 
Aos meus pais amados, Antônia e José, por todo o incentivo e suporte durante 
anos. 
Aos meus irmãos José, Leandro, Rodrigo, Emilly e Alexandre, pelo carinho e 
amor fraternal. 
As minhas cunhadas Bia e Paula, pelas palavras amigas. 
Aos meus sobrinhos amados Ester, Victor e Ian. 
A minha melhor amiga, Tyciana, que, mesmo longe, sempre se fez presente. 
Agradeço em especial ao meu companheiro Walace que, desde o primeiro 
instante, esteve ao meu lado com seu apoio incondicional. 
Á Capes, pela concessão da bolsa. 
E a todos que torceram por meu sucesso acadêmico e busca pelo capital cultural 
e científico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho ao mestre e 
amado companheiro Walace Soares de 
Oliveira, que me fez compreender que 
o mito não narra a “origem”; o mito é a 
origem. 
Grata pelos momentos de inspiração. 
Aqui tem um pouco de você. 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO............................................................................................ 08 
1 O MITO COMO METÁFORA.................................................................... 12 
1.1 O estudo do mito.................................................................................. 13 
1.1.2 O mito e a metáfora........................................................................... 18 
1.2 A estrutura do mito e sua universalidade: tempo, espaço e 
metáfora...................................................................................................... 
 
22 
1.2.1 Estrutura narrativa do mito: tempo mítico...................................... 25 
1.2.2 Estrutura narrativa do mito: espaço mítico.................................... 28 
1.2.3 Espaço literário: percursos e conceitos......................................... 36 
1.2.4 Estrutura narrativa do mito: metáfora............................................. 41 
1.3 A metáfora literária e metáfora do cotidiano..................................... 42 
1.3.1Teorias sobre a metáfora................................................................... 42 
1.3.2 Teoria cognitiva da metáfora.......................................................... 48 
2 LITERATURA ORAL, PRÁTICA ESCRITURAL INDÍGENA E A 
LITERATURA CONTEMPORÂNEA INDÍGENA......................................... 
 
51 
3 ANÁLISE DE CONSTRUÇÕES LINGUÍSTICAS METAFÓRICAS......... 60 
3.1 A metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas 
amondawa................................................................................................... 
 
60 
3.2 Construções linguísticas metafóricas em narrativas indígenas de 
cunho mítico escritas em língua portuguesa.......................................... 
 
67 
3.3 A atitude literária do narrador e a arte de narrar............................... 83 
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 89 
REFERÊNCIAS............................................................................................ 93 
 
 
8 
 
INTRODUÇÃO 
Opropósito deste trabalho é analisar ocorrências de construções 
linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano no domínio do espaço em 
narrativas míticas indígenas, com base na definição de metáforas orientacionais, 
de acordo com os postulados de Lakoff e Johnson (2002). As metáforas 
orientacionais se referem à orientação espacial do tipo: para cima/para baixo, 
dentro/fora. Tais orientações surgem do fato de termos os corpos que temos e do 
fato de eles funcionarem da maneira como funcionam no nosso ambiente físico 
(LAKOFF e JHONSON, 2002, p.59). 
A partir da Teoria da Metáfora Conceitual, é possível reavaliarmos a noção 
comumente estabelecida de que a metáfora é parte constituinte apenas de textos 
poéticos e de cunho imaginativo. O pensamento metafórico tem seu foco na 
linguagem cotidiana. Assim, bem diferente do que é apresentado, por exemplo, na 
escola, temos a metáfora não apenas como um recurso linguístico, mas sim como 
um processo cognitivo, pois é a metáfora que estrutura nossos pensamentos e 
nossas ações. 
Este trabalho é oriundo do subprojeto de pesquisa Descrição e análise de 
construções metafóricas literárias e do cotidiano em textos narrativos Amondawa 
(AGUILAR e BEZERRA, 2006),1 em que analisamos construções linguísticas 
metafóricas que evidenciam as noções de espaço e movimento no âmbito das 
Metáforas Orientacionais, bem como Metáforas Ontológicas do tipo espacial em 
uma narrativa presente na coletânea Mitos Amondawa (SAMPAIO, SILVA e 
MIOTELLO (Orgs.), 2004). Na ocasião, abordamos o aspecto estrutural das 
construções linguísticas metafóricas, fato que nos permitiu uma reflexão crítica 
sobre a questão cultural evidenciada em imagens metafóricas do espaço/tempo 
no domínio do ficcional e, especificamente, sobre a relação espaço e movimento, 
 
1
 A pesquisa foi financiada pelo PIBIC/UNIR/CNPq. O subprojeto, inserido nas áreas de tipologia 
linguística e metáfora conceptual, fez parte do Projeto de Pesquisa Espaço, Movimento e Metáfora 
em Amondawa (SAMPAIO et al., 2003-2006), do Grupo de Estudos em Culturas, Educação e 
Linguagens-GECEL/UNIR/CNPq. O subprojeto foi desenvolvido pela autora, sob a orientação da 
Profª. Ms. Ana Maria Aguilar. 
9 
 
na língua e na cultura amondawa, investigando construções metafóricas que 
envolvem o espaço, o tempo e o movimento. Desta forma, a descrição do uso das 
metáforas literárias e/ou do cotidiano em narrativas míticas nos possibilitou iniciar 
a investigação em construções metafóricas que envolvam o espaço, o tempo e o 
movimento. 
O desenvolvimento do citado subprojeto nos permitiu, ainda, uma 
discussão inicial acerca da chamada “arte de narrar”, a partir do pressuposto que 
trata da “atitude literária” do narrador, conforme nos sugere Bentes (2000). Tal 
pressuposto discute que o narrador, ao enunciar seu texto, deixa transparecer 
uma “atitude literária” e conceitos culturais de seu povo, pois conta a estória2 que 
o povo conta. Nesse aspecto, os elementos ficcionais utilizados para contar a 
estória, fazem com que a narrativa mítica compartilhe com outros textos ficcionais 
de natureza literária algumas características, como, por exemplo, as construções 
linguísticas metafóricas do espaço real/imaginário. 
A escrita dos mitos é de suma importância para os povos indígenas, no que 
se refere às iniciativas de preservação e revitalização da língua e cultura; além 
disso, é uma das maneiras de divulgar significativamente o legado cultural do 
povo na comunidade indígena e também para a sociedade não indígena. 
Nosso trabalho de iniciação científica foi muito estimulante, despertando-
nos o desejo de aprofundar as discussões por nós iniciadas. Compreendemos a 
importância política da pesquisa no que se refere ao fortalecimento da literatura 
de resistência indígena, a promoção de seus costumes e as formas de enxergar o 
mundo. A presente pesquisa prioriza o respeito, a valorização e a defesa dos 
povos indígenas e por tais motivações intentamos fazer ouvir a voz do indígena 
através das suas produções e formas de expressões de sentido. 
No presente trabalho, abordamos narrativas escritas em língua portuguesa 
pelos próprios autores indígenas, tomando-as como uma forma de ação poética e 
política, pois sentimos a necessidade de trabalhos acadêmicos com esta 
perspectiva literária. É importante salientar que sempre compreendemos a 
 
2
 Utilizamos o termo “estória” conforme Bentes (2000). 
10 
 
relevância da nossa pesquisa para os estudos literários, uma vez que 
pretendemos contribuir cada vez mais para a compreensão e valorização das 
culturas indígenas, bem como para novas perspectivas da própria literatura 
brasileira. 
A proposta aqui apresentada tem um longo caminho a ser realizado, pois é 
um tema pouco explorado no mundo acadêmico. Nosso intento é também 
contribuir para solidificar, através da análise de construções linguísticas 
metafóricas literárias e do cotidiano, uma nova discussão sobre a concepção de 
metáfora literária. 
 Nossa atual pesquisa tem por objetivo geral, analisar as ocorrências de 
construções linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano no domínio do 
espaço em narrativas míticas indígenas. 
 A partir do objetivo geral, delineamos os seguintes objetivos específicos: 
 Investigar dados que constituam construções linguísticas metafóricas 
literárias e do cotidiano que evidenciem noções de espaço. 
 Descrever as construções metafóricas literárias e do cotidiano 
evidenciadas em imagens metafóricas que envolvam espaço. 
Neste trabalho buscamos, ainda, uma análise mais aprofundada do caráter 
literário da metáfora em narrativas míticas indígenas, escritas em língua 
portuguesa, a partir da discussão já levantada sobre a metáfora de cunho 
conceitual. Refletimos, também, sobre a atitude literária do narrador indígena, 
privilegiando o papel e a voz do narrador, a fim de contribuir com a valorização 
dos estudos estético-literários de narrativas indígenas. 
Assim, nosso estudo se volta para a análise de um grupo de narrativas 
indígenas com temática mítica, escritas em língua portuguesa por professores 
indígenas - com autoria individual e coletiva-, bem como outras narrativas míticas 
indígenas retiradas da web. 
A presente Dissertação está organizada em três seções: 
(i) a primeira seção apresenta a revisão bibliográfica, abordando os 
conceitos e a estruturação do mito, por haver necessidade de relacionar o mito e 
a metáfora, uma vez que mito é por essência a representação dos saberes 
11 
 
metafóricos de determinada cultura. Ao tratarmos da estrutura mítica se faz 
imprescindível abordarmos a categoria espaço, aqui de maneira distinta, em 
espaço mítico e espaço literário. Nesta seção são apresentados também estudos 
e abordagens referentes à metáfora, essenciais para a compreensão da temática 
explorada no trabalho como um todo. O aporte teórico explanado nos dará 
suporte para a análise crítica dos dados que serão apresentados na segunda 
seção; 
(ii) a segunda seção compreende uma reflexão sobre a transição da 
literatura oral para a literatura escrita, bem como sobre o processo da prática 
escritural indígena em língua portuguesa e, por fim, apresentamos um breve 
relato sobre o surgimento da chamada literatura contemporânea indígena. 
 (iii) a terceira seção é dedicada à análise de dados. Apresentamos 
inicialmente alguns resultados obtidos durante a execução do subprojeto A 
metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa (AGUILAR, 
BEZERRA, 2007), pois tais resultados se mostraram como suporte relevante para 
a análise das construções metafóricas nas narrativas escritas pelos indígenas em 
língua portuguesa. Em seguida, considerando as narrativas escritas pelos 
indígenas, analisamos e ilustramos construções linguísticas metafóricas com 
esquemas mentais(cf. SAMPAIO e BEZERRA, 2014), ou seja: para melhor 
compreensão de conceitos abstratos via domínios concretos, usamos esquemas 
imagéticos para aprofundar a análise crítica. Finalmente, a partir das ocorrências 
de construções linguísticas metafóricas encontradas nas narrativas míticas 
indígenas, consideramos o processamento da atitude literária do narrador ao 
construir e esquematizar sua narrativa; refletimos na observância da postura do 
narrador (autor) ao elaborar o texto (aqui transitando da memória oral -mito- para 
a fixação escrita), revelando elementos que fazem parte da grande atividade 
humana de narrar. 
 Após as seções, tecemos algumas considerações acerca dos aspectos 
mais significativos discutidos na pesquisa, bem como o nosso posicionamento 
crítico ante o objeto estudado. 
12 
 
1 O MITO COMO METÁFORA 
- A palavra mito significa mentira. Mito é uma mentira – começou 
ele. 
- Não, um mito não é uma mentira. Uma mitologia completa é uma 
organização de imagens e narrativas simbólicas, metafóricas das 
possibilidades da experiência humana e da plena realização de 
uma dada cultura num dado momento. (...) estou dizendo que é 
uma metáfora. 
Joseph Campbell 
Nesta primeira seção abordamos os conceitos e a estruturação do mito, 
intentando relacionar o mito e a metáfora, uma vez que mito é por essência a 
representação dos saberes metafóricos de determinada cultura. Trazemos uma 
discussão sobre a categoria espaço (espaço mítico e espaço literário). 
Apresentamos também estudos e abordagens referentes à metáfora. 
As narrativas de origem mítica são muito características quando tratamos 
do processo de escrita indígena e desenvolvimento da literatura indígena; por 
isso, o corpus de análise deste trabalho é constituído de textos com temática 
mítica, em que ocorre a interação entre o mito e a literatura. Neste sentido, 
consideramos importante dedicar esta seção inicial para o estudo do mito, pois 
entendemos o quanto o mito agrega enquanto material cultural e literário. Cremos 
que, através da compreensão dos aspectos e características do mito, seja 
possível uma análise bem fundamentada das narrativas indígenas com temática 
mítica. 
Há uma grande quantidade de estudos relacionados ao mito, 
desenvolvidos ao longo dos anos e não pretendemos abordar todos. Para este 
trabalho, utilizamos autores relevantes na pesquisa dos mitos, cujos estudos se 
mostraram mais apropriados para nossa discussão específica, visto que o objetivo 
da nossa pesquisa não é o estudo do mito em si, mas, a partir deste estudo, 
propiciar uma melhor fundamentação para a análise das narrativas indígenas. 
 
 
 
13 
 
1.1 O estudo do Mito 
 
No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia 
e vaga, as trevas cobriam o abismo e um sopro de Deus agitava a 
superfície das águas (Gênesis 1, 1-2). 
Bem no princípio durante a criação do universo, Olofim-
Olodumaré reuniu os sábios do Orum para que o ajudassem no 
surgimento da vida e no nascimento dos povos sobre a face da 
Terra (Mitologia Iorubá). 
Há muito tempo questionamentos acerca da definição de mito são temas 
de pesquisas que abrangem várias áreas do conhecimento, pois o mito está 
presente na humanidade há milhares de anos como parte integrante da formação 
cultural de cada povo. Por isso, não há uma resposta única para o conceito de 
mito; o que temos são abordagens de natureza diferentes e com várias 
perspectivas. 
Os estudos do mito foram desenvolvidos durante séculos por poetas, 
filósofos, antropólogos, psicólogos, linguistas e também por críticos literários. As 
pesquisas passam por nomes desde Aristóteles e Platão até Frye. Almeida Júnior 
(2014), em sua obra Introdução à Mitologia, busca mostrar ao leitor um guia de 
estudos sobre as concepções dos principais estudiosos do mito e da mitologia. 
Apresenta-nos, sobre Mitologia, pelo menos, dois significados. 
1) O primeiro significado é: “coletânea de narrativas de um povo”, assim 
temos a “mitologia hindu”, “mitologia asteca”, “mitologia grega”, 
“mitologia yourubá”, dentre outras. 
2) O segundo significado é: “estudo das narrativas míticas”; daí o termo 
mitólogo ser utilizado para definir os estudiosos que se debruçam sobre 
o conhecimento dos mitos. 
Segundo Turchi (2003, apud CAVALCANTE, 2013, p. 14), a palavra mito 
provém do grego mytos e significa falar, contar algo. Para os gregos, mito tinha 
também o significado de mentira, engodo. Mito era sinônimo de coisa absurda, 
enganosa, pois se constituía de narrativas inverossímeis, geralmente atribuídas 
às façanhas dos deuses; o termo também era usado como argumento falacioso, 
14 
 
corrompendo assim o logos, a razão. Platão considerava o mito uma visão 
utopista da alma e Aristóteles, na Poética, concebe o mito como uma fábula, 
invenção. O Iluminismo no século XVIII enxergava o mito como fruto da 
ignorância e uma forma de engano. 
Para Eliade (1972), é difícil encontrar uma definição para mito, pois a 
aceitação por parte dos “eruditos” e dos “não especialistas” será contraditória. O 
autor usa uma definição particular: 
A definição que para mim, pessoalmente, me parece a menos 
imperfeita, por ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma 
história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo 
primordial, o tempo fabuloso do princípio. Em outros termos, o 
mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, 
uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, 
ou apenas um fragmento. (...) O mito fala apenas do que 
realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. (...) Os 
mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a 
sacralidade (ou simplesmente a sobrenaturalidade) de suas obras. 
(ELIADE, 1972, p. 9) 
 
De modo sintético, Almeida Júnior (2014) afirma que o mito é uma narrativa 
que conta uma história sagrada. É narrativa, pois descreve acontecimentos que 
se deram com determinadas personagens e é sagrada por desvendar a 
sacralidade, como nos diz Eliade (1972). É importante complementar tal 
pensamento com a afirmação: “O mito é uma realidade cultural extremamente 
complexa que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas 
e complementares” (ELIADE, 1972, p. 9), pois isto revela que a interpretação do 
mito é de caráter subjetivo. Eliade (1972) tem seus estudos voltados para a área 
das religiões, portanto o mito é uma narrativa de caráter sagrado que ocorre em 
um tempo primordial e que valida leis, costumes, ritos e crenças. 
Considerando-se a subjetividade na interpretação do mito, Durand (apud 
Santos 2012, p. 36) sugere que, a cada releitura de uma narração mítica, um 
novo olhar surge frente ao mito que, enquanto narrativa, é um texto de leitura e 
uma leitura é sempre uma criação subjetiva do mundo. Santos (2012) define o 
mito como “narrativas que se movem no tempo e no espaço e ressignificam 
15 
 
através da linguagem simbólica e das imagens que transmitem conhecimento 
desde os primórdios ao homem contemporâneo” (SANTOS, 2012, p. 36,37). 
Santos (2012) se reporta a Joseph Campbell, pesquisador da literatura e 
mitologia, como um estudioso que contribui para o estudo do mito. Campbell 
afirma que “os mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de 
significação, através dos tempos”. O crítico literário Frye, também utilizado no 
trabalho de Santos (2012), defende que o mito é um tipo de história que une o rito 
e as imagens para compor a comunicação verbal. 
Há ainda a visão tradicional e amplamente difundida em que o mito é 
considerado como uma explicação para a origem das coisas: o mundo, os 
homens, os animais, as doenças, as práticas culturais e medicinais e as relações 
entre os homens, mulheres e animais. Logo, nessa vertente, o mito tradicional é 
uma maneira de explicação ontológica, pois é uma maneira de entender e 
principalmente justificar a existência de algo. 
 A fim deesclarecer ainda mais a proposta de análise deste trabalho, cabe 
considerar que, para as sociedades indígenas, o mito expressa sua essência. Ao 
compreendermos o mito como narrativas que explicam a gênese das coisas e sua 
maneira de relacionar o real ao divino e sagrado, é possível afirmar que o mundo 
indígena e sua visão são míticos. 
 Silva (apud GUESSE, 2014) formula algumas características fundamentais 
sobre o pensamento mítico. Tais características seguem os estudos de Cassirer 
(1963) e consistem, de modo bem sintético, em: (i) visão subjetiva do mundo; (ii) 
visão sintética do mundo; (iii) adesão ao concreto e imediato; (iv) visão dinâmica 
do mundo. Sobre estas características, voltaremos a algumas, de maneira mais 
específica, para dialogar com as análises apresentadas neste trabalho. 
As atividades cotidianas dos povos indígenas são intrinsecamente míticas 
e isso é perceptível em algumas narrativas por nós analisadas ao longo desta 
pesquisa, as quais se referem a ritos praticados pelos indígenas até hoje. 
Conforme Almeida Júnior (2014), o mito conta uma história sagrada; o rito é o 
mito vivo, a revivificação da narrativa mitológica. Almeida e Queiroz (apud 
GUESSE, 2011) afirmam que a tradição mítica de cada povo constitui um esforço 
16 
 
no sentido da representação de si próprio, do que é, do que faz, de como vive, e 
do estabelecimento de toda uma moral, um ritual, uma mentalidade, baseando-se 
nessa mitologia. Eliade (1972) reforça este pensamento ao focar o estudo dos 
mitos de sociedades tradicionais e não, por exemplo, de grandes civilizações, 
como a grega, a egípcia ou a romana. A justificativa é que, nas sociedades 
tradicionais, o mito está contextualizado no sentido sócio religioso original. 
 
(...) os mitos dos “primitivos” ainda refletem um estado primordial. 
Trata-se, ademais, de sociedades onde os mitos ainda estão 
vivos, onde fundamentam e justificam todo o comportamento e 
Vida a atividade do homem. O papel e a função dos mitos ainda 
podem (ou podiam, até recentemente) ser minuciosamente 
observados e descritos pelos etnólogos. Interrogando os 
indígenas a respeito de cada mito, bem como de cada ritual das 
sociedades arcaicas, foi possível apurar, ao menos em parte, o 
significado que lhes atribuem (ELIADE, 1972 p. 8). 
 
A abordagem estruturalista do mito desenvolvida por Claude Lévi-Strauss, 
na obra Mito e Significado (1978), reflete sobre o pensamento “primitivo” e a 
mente “civilizada”, referindo-se ao fator discriminatório que essa terminologia 
apresenta; por isso, Lévi-Strauss denomina como “povos sem escrita” aqueles 
povos chamados de “primitivos” e procede a discussão sobre o modo de pensar 
dos povos sem escrita dando enfoque à interpretação do seu modo de pensar. O 
antropólogo afirma que os mitos despertam no homem pensamentos que lhe são 
desconhecidos. 
Lévi-Strauss (1978) discute, inicialmente, a interpretação de que o modo de 
pensar dos povos sem escrita era ou é determinado a partir de suas 
necessidades básicas. O autor considera tal concepção funcionalista, ou seja, 
entende-se que estes povos movidos tão somente pela subsistência, satisfação 
das necessidades sexuais e demais necessidades básicas e, desse modo, não 
são capazes de explicar as suas instituições sociais, as suas crenças e mitologia. 
Lévi-Strauss discute também a interpretação de que o modo de pensar 
“primitivo“ é apenas um tipo diferente do nosso e, a fim de concretizar tal 
interpretação, usa o postulado apresentado por Lévy-Bruhl, que conceitua o 
17 
 
pensamento “primitivo” determinado pelas representações místicas e emocionais 
em face ao pensamento moderno. 
Para Lévi-Strauss (1978), os povos considerados “primitivos” para alguns e 
por ele denominados “povos sem escrita”, possuem a capacidade de um 
pensamento desinteressado, que abrange a necessidade de compreender o 
mundo em que estão inseridos, a natureza e a sociedade da qual participam, não 
são totalmente movidos pela necessidade de sobrevivência. Para executar esse 
processo, agem por meios intelectuais, do mesmo modo que faz um filósofo e até 
mesmo um cientista. 
A partir de exemplos tirados de suas experiências na escrita de suas obras, 
Lévi-Strauss (1978) discorre acerca da originalidade do pensamento mitológico, 
cuja função é desempenhar o papel do pensamento conceptual. Explica, ainda, 
que sua intenção não é pôr em igualdade o que conhecemos como explicação 
científica e explicação mítica; o que ocorre é que o avanço científico tem 
promovido a superioridade (tecnológica?) ante a explicação mítica. 
É interessante expor aqui a relação que Lévi-Strauss (1978) faz acerca do 
mito e da música: o autor considera que entre mito e música existam as relações 
de similaridade e de contiguidade. Ou seja, quando se trata da similaridade, só é 
possível compreender o mito em sua totalidade tal qual uma partitura musical; faz- 
se necessário ler os mitos como um grupo de acontecimentos, buscando o 
significado básico e total e o que se refere à contiguidade. Para o autor, a música 
surgiu como elemento que assumiu o lugar do mito, logo as estruturas musicais 
são derivadas das estruturas mitológicas. Tanto a música quanto o mito têm sua 
origem na linguagem, no entanto cada um teria um aspecto diferente, ou seja, 
enquanto o mito privilegia o aspecto do significado, a música tem como foco o 
aspecto do significante, o som. A música e a mitologia seriam duas irmãs geradas 
pela linguagem que seguiram caminhos diferentes, escolhendo cada uma a sua 
direção (LÉVI-STRAUSS, 1978, p.50). 
 
 
 
18 
 
1.1.2 O mito e a metáfora 
A relação entre mito e metáfora é condicionada pela concepção de que o 
mito é, por si só, uma representação metafórica dos saberes, valores, princípios 
de uma determinada cultura, ou seja, é uma produção que possui uma 
representação simbólica. O crítico canadense Frye (1957), na obra Anatomia da 
Crítica, apresenta o mito como uma arte de identidade metafórica implícita. Nessa 
vertente, a respeito do mito e da metáfora, o autor explica que: 
 
As metáforas, por seu turno, tornam-se as unidades do mito ou 
princípio construtivo do argumento, pois enquanto lemos, 
tomamos consciência de uma série de identificações metafóricas; 
quando terminamos, temos consciência de uma configuração 
estrutural organizadora ou mito de que se formou conceito (FRYE 
1957, p. 344). 
 
Tal explicação surge a partir do que é posto pelo crítico acerca dos dois 
aspectos das estruturas verbais discursivas: 
As estruturas verbais discursivas têm dois aspectos, um 
descritivo, o outro construtivo, um conteúdo e uma forma. O que é 
descritivo é sigmático: isto é, estabelece uma cópia verbal de 
fenômenos externos, e seu simbolismo verbal deve ser entendido 
como um grupo de signos representativos. Mas tudo o que for 
construtivo em qualquer estrutura verbal parece-me ser 
invariavelmente alguma espécie de metáfora ou identificação 
hipotética, quer seja estabelecida entre diferentes sentidos da 
mesma palavra, quer pelo uso de um diagrama (FRYE, 1957, p. 
344). 
 
Wellek e Warren (1976), teóricos dos estudos literários, apresentam os 
termos metáfora e mito relacionando-os conjuntamente aos termos imagem e 
símbolo. Para os autores, os quatro termos - na sequência imagem, metáfora, 
símbolo e mito- se interpenetram semanticamente. Ao tratar da imagística, os 
autores afirmam ser ela um elemento que pertence tanto à psicologia quanto aos 
estudos literários. Para a psicologia, a imagem tem o significado de: 
reprodução mental, uma recordação, de uma passada experiência 
sensorial ou perceptual, não necessariamente visual. Em seu 
discurso, afirmam que a imagem pode ser visual, auditiva, ou 
inteiramente psicológica (WELLEK e WARREN, 1976, p. 230). 
19 
 
 Já para o leitor de poesia, segundo os autores, o que há é uma distinção 
entre a chamada “imagística ligada e a imagística livre”; a imagísticaligada 
provoca nos leitores, mesmo que individualmente, a imagística denominada como 
auditiva e muscular; a imagística livre, composta de imagens visuais restantes, 
ocorre de maneiras variadas de pessoa para pessoa ou de tipo para tipo. 
O símbolo, assim como a imagem, apresenta-se em variados contextos e 
com finalidades distintas. Cita-se o uso do simbólico em expressões da 
matemática, lógica, semântica e semiótica, além da epistemologia, poesia e 
belas-artes e não se pode deixar de referir ao uso na teologia, uma vez que, 
símbolo é um sinônimo de credo. 
Ao discorrer sobre o aspecto metafórico das imagens, Wellek e Warren 
(1976) dizem que a analogia e a comparação não são meras representações 
pictóricas; o que há é uma unificação de ideias diferentes. De acordo com os 
teóricos, a analogia e a alegoria são mais importantes do que o aspecto sensorial. 
A imagem pode, neste caso, aparecer como descrição ou como metáfora, que 
podem ser simbólicas. Conforme os autores, os teóricos da linguagem, em 
especial, deram atenção à metáfora, compreendendo-a de distintas maneiras, no 
que diz respeito ao gramático e ao retórico: 
a metáfora como “omnipresente princípio da linguagem” 
(Richards) e a metáfora especificamente poética. George 
Campbell diz que a primeira pertence ao “gramático” e a segunda 
ao “retórico”. O gramático julga as palavras pela etimologia; o 
retórico, consoante elas produzem “o efeito da metáfora no 
ouvinte” (WELLEK e WARREN, 1976, p. 242). 
Sobre símbolo, imagem e metáfora, uma questão abordada por Wellek e 
Warren (1976) é sobre a existência de sentido que confronte estes três 
elementos. Os autores, no intuito de responder a tal questão, na recorrência e 
persistência do símbolo, afirmam que: 
(...) uma “imagem” pode invocar-se uma vez como metáfora, mas, 
se se repete persistentemente, quer como apresentação, quer 
como representação, torna-se um símbolo, pode até passar a 
fazer parte de um sistema simbólico (ou mítico) (WELLEK e 
WARREN, 1976, p. 233). 
20 
 
Wellek e Warren dizem que o mito é tido como um ponto de estudo com 
certa predileção pelo criticismo moderno, pois é uma “(...) zona compartilhada 
pela religião, pelo folclore, pela antropologia, pela psicanálise e pelas belas-artes.” 
(WELLEK e WARREN, 1976, p. 235) além de ser, em determinados momentos, 
confrontado com a história, a ciência, a filosofia, a alegoria e, ainda, à verdade. 
Durante o chamado “Século das Luzes”, o mito era concebido como “ficção”, no 
entanto, a partir da “Ciência Nova”, de Vico, surge a concepção de mito “(...) como 
sendo uma espécie de verdade ou equivalente da verdade; não um concorrente 
da verdade histórica ou cientifica, mas sim um suplemento desta” (WELLEK e 
WARREN, 1976, p. 236). 
Destaca-se, ainda, a ideia concebida por muitos autores de que o mito é 
uma espécie de “denominador comum entre poesia e religião” (WELLEK e 
WARREN, 1976, p. 238). Em termos de comparação, a religião é pautada como 
uma espécie de “mistério maior” e a “poesia, o menor”. Neste sentido, ao tratar do 
mito e religião e também do rito, Almeida Júnior (2014) explicita que para o homo 
religiosus, mito, rito e religião estão ligados, uma vez que o rito se configura como 
um elemento de ligação entre o imanente e o transcendente, entre matéria e 
espírito. 
Wellek e Warren (1976) discutem o fato de que imagem, metáfora, símbolo 
e mito sejam considerados por muitos como elementos de puro ornamento; no 
entanto, atualmente alguns estudos têm chamado à atenção quanto ao significado 
e a função da literatura que se encontram presentes na metáfora e no mito. 
Importa-nos ressaltar que o mito tem sido objeto de estudo de áreas como 
antropologia, linguística e psicologia; no entanto, os estudos literários voltados ao 
mito seguem, geralmente, uma linha de pesquisa que aborda o modelo mítico na 
literatura. Nossa pesquisa busca o caminho inverso: evidenciar aspectos literários 
em narrativas míticas. 
Frye (1957) afirma que, na crítica literária, mito significa um princípio 
organizador estrutural da forma literária e explica: 
O modo mitológico, as histórias sobre deuses, nas quais as 
personagens têm a maior força de ação possível, é o mais 
abstrato e convencionalizado de todos os modos literários, tal 
21 
 
como os modos correspondentes nas outras artes – a pintura 
religiosa bizantina, por exemplo. Por isso, os princípios estruturais 
da literatura relacionam-se tão estreitamente com a mitologia e a 
religião comparativa (FRYE, 1957, p. 136). 
 
Scholes e Kellogg (1977) explicitam que, no sentido etimológico da palavra, 
a literatura não ocorre sem escrita, ela é por definição a arte das letras. Para Frye 
(1957) a literatura é uma arte de palavra. 
Graúna (2013) afirma que, para os indígenas de várias partes do mundo, a 
palavra é um elemento sagrado. Cita, por exemplo, que, para os índios Guarani, a 
palavra tem alma. Sobre a importância da palavra, Graúna (2013) diz que: 
Palavra e identidade se confundem; palavra que passa de pai 
para filho, dos avós para os netos; palavra carregada de água, 
palavra vinda da terra, palavra aquecida pelo fogo, palavra tão 
necessária quanto o ar que se respira; palavra que atravessa o 
tempo (GRAÚNA, 2013, p. 173). 
 
 Outra importante contribuição sobre a concepção de mito é a apresentada 
por Borges (2013). O autor, sob a perspectiva da análise do discurso, afirma que: 
O mito é, em suma, o espelhamento discursivo que reflete/refrata 
o imaginário e a ideologia de um povo. Com isto, quero dizer que 
toda realidade é atravessada pela linguagem que, num movimento 
simultâneo, transparece e opacifica essa mesma realidade. 
Sendo, por sua vez, uma forma discursiva que possibilita 
compreender o complexo cultural, histórico e cognitivo de um 
povo, o mito medra no território da ideologia (BORGES, 2013, p. 
25). 
 
 Importa-nos salientar o legado oral do mito, pois, como afirma Barthes 
(1987), mito é uma fala. Conforme explicam Scholes e Kellogg (1977) sobre a 
fala, o objetivo não é discutir e descrever a sua origem, uma vez que a nós não é 
possível determinar de maneira eficiente quando o homem começou a falar. O 
que podemos pressupor é que a linguagem é anterior ao próprio homem. Os 
autores sugerem que a invenção da literatura pode ter ocorrido há milhões de 
anos, quando o homem repetiu pela primeira vez uma expressão vocal que 
acabou por dar prazer a si mesmo ou a outro. Consideram que, de certa maneira, 
foi assim que se deu início à arte narrativa no ocidente. 
22 
 
 Desse modo, as raízes da literatura se encontram na oralidade e, ao 
tratarmos do mito, não podemos ignorar sua relação com a prática oral. Borges 
(2013) afirma que “É nessa relação necessária e constitutiva com a ordem do oral 
que o mito se faz materialidade e elemento indispensável no processo de 
formação pedagógica e ética em sociedades indígenas” (BORGES, 2013, p. 23). 
 Lembramos que o corpus de nossa pesquisa é constituído por narrativas 
escritas e de cunho mítico, por isso é necessário fazer uma ressalva a fim de que 
não haja equívocos para a análise. Não se trata tão somente de mera 
transposição para a escrita de um texto da literatura oral. Consideramos que tais 
narrativas escritas indígenas, assim como as africanas e as de todos os outros 
povos do mundo, têm como objetivo a preservação da memória de um povo e seu 
legado cultural, por isso a seleção de textos produzidos em língua portuguesa e 
que evidenciem características míticas como transmissão e rememoração. 
 Procuramos até aqui abordar algumas questões primordiais que são 
relevantes ao(s) conceito(s) de mito e ressaltar a relação fronteiriça que há entre 
oralidade, mito e literatura para fins de sustentação da nossa análise, bem como 
dialogar com o próximo tópico, que trata especificamente da estrutura da narrativa 
mítica. 
 
1.2 A estrutura do mito e sua universalidade: tempo, espaço e metáforaMitos são pistas para as potencialidades 
espirituais da vida humana. 
 (Joseph Campbell, in: O poder do Mito, 1991). 
 
 A perspectiva teórica de Mircea Eliade (1972) acerca da estrutura dos 
mitos, no capítulo inicial da obra Mito e Realidade, propõe que o contraste no 
modo de concepção do termo mito, a partir da visão que lhe era dada no século 
XIX, é o ponto de partida da reflexão sobre a estrutura do mito. Até aquele 
momento, tinha-se como mito uma forma de “fábula”, “invenção”, um modo de 
“ficção” e era, para as sociedades primitivas, sagrado, exemplar e significativo ou 
23 
 
uma “história verdadeira”. Ainda hoje, a concepção de mito é usualmente 
colocada como “ficção” ou “ilusão”. 
Para Eliade (1972), o interesse da investigação de mitos em sociedades 
primitivas se dá no fator de tais mitos refletirem ainda um estado original, em 
comparação, por exemplo, à mitologia grega, que sofreu modificações ao longo 
do tempo. O autor afirma que, nas sociedades primitivas, os mitos ainda estão 
vivos e as pesquisas assim conduzidas poderão revelar muito mais a respeito dos 
rituais das sociedades tradicionais. 
Uma questão central leva-nos ao desenvolvimento do tópico seguinte: 
como é possível compreender os textos míticos indígenas? Uma pista é a 
compreensão de sua estrutura. A estrutura dos mitos revela e narra não somente 
a origem do mundo, dos animais e das plantas e principalmente do homem, mas 
refletem em especial a influência que estes fatos primeiros promoveram no 
homem que há hoje, ou seja, a existência do homem e do mundo só ocorreu a 
partir da atividade criadora dos Entes Sobrenaturais no “princípio”. O homem de 
hoje é consequência, resultado dos eventos míticos de sua criação. Para este 
homem, o mito é de suma importância, pois tais narrativas estão diretamente 
relacionadas com sua existência. 
Eliade (1972) passa a discutir, então, que a “história” narrada pelo mito 
compõe um conhecimento de ordem esotérica, isso porque tal conhecimento tem 
incutido um poder mágico-religioso. A esse respeito, reportamo-nos ao que nos 
fala Cassirer (1992), citando Codrington (1981), que afirma que a raiz de toda a 
religião reside na crença de uma “força sobrenatural”; a explicação dada é que, a 
partir desta ótica, a existência das coisas e as atividades dos homens parecem 
inseridas, de algum modo, em um “campo de forças” mítico. Eliade (1972), em 
sua explicação, afirma que o ato de “viver” o mito expressa, então, uma 
experiência religiosa que difere de sua experiência cotidiana. 
A partir da vivência das sociedades arcaicas, Eliade (1972) assim sintetiza 
a estrutura e a função do mito: 
 
 
24 
 
1) constitui a História dos atos dos Entes Sobrenaturais; 
2) essa História é considerada absolutamente verdadeira (porque 
se refere a realidades) e sagrada (porque é obra dos Entes 
Sobrenaturais); 
3) o mito se refere sempre a uma “criação”, contando como algo 
veio à existência, ou como um padrão de comportamento, uma 
instituição, uma maneira de trabalhar foram estabelecidos; essa 
razão pela qual os mitos constituem Os paradigmas de todos os 
atos humanos significativos; 
4) conhecendo-se o mito, conhece-se a “origem” das coisas, 
chegando-se, consequentemente, a dominá-las e manipulá-las à 
vontade; (...) 
5)de uma maneira ou outra, “vive-se” o mito. 
(ELIADE, 1972, p.18) 
 
Lévi-Strauss (1958), ao tratar especificamente sobre a estrutura do mito, na 
obra Antropologia Estrutural I, afirma que num mito tudo é possível. A sucessão 
dos eventos não está regida sob uma lógica de continuidade bem como o sujeito, 
suas características e toda e qualquer relação concebível é possível, no entanto, 
mesmo que não haja uma regularidade, os mitos se desenvolvem em várias 
regiões do mundo com as mesmas características e mesmos detalhes. É desse 
ponto que surge o questionamento: “se o conteúdo do mito é inteiramente 
contingente, como explicar que, de um extremo a outro da terra, os mitos se 
pareçam tanto?” (LÉVI-STRAUSS, 1958, p. 223). 
Na análise do mito proposta por Lévi-Strauss (1978), a discussão diz 
respeito ao ponto em que os mitos devem ser tomados como pertencentes a uma 
totalidade, daí o seu caráter universal. Lévi-Strauss (1978) cita, por exemplo, que 
um significado não encontrado em um mito específico pode ser pleno de 
significado em outro. Por esse motivo, para a pesquisa que ora apresentamos, foi 
realizada a escolha de narrativas míticas indígenas de várias etnias e não 
somente as de uma etnia em particular. 
A fim de abordar o caráter universal do mito, Lévi-Strauss chama a atenção 
para o fato de que apenas aproximar o mito da linguagem não é suficiente para a 
análise comparativa, pois o mito faz parte da linguagem. É através da palavra que 
ele aparece e está inserido no discurso; nas palavras do autor, “Se quisermos dar 
25 
 
conta das características específicas do pensamento mítico, devemos, portanto, 
estabelecer que o mito está ao mesmo tempo na linguagem e além dela” (LÉVI-
STRAUSS, 1978, p.224). 
Com base nas leituras realizadas para o desenvolvimento desta seção, 
consideramos que são três os elementos estruturantes da narrativa mítica e que 
estão presente nos mitos de várias regiões: o tempo, espaço e a metáfora. Por 
isso, esses três eixos estruturantes serão explanados individualmente nos tópicos 
seguintes. 
 
1.2.1 Estrutura da narrativa mítica: tempo mítico 
 Os mitos apresentam características muito particulares em sua estrutura 
narrativa. Uma das características da estrutura mítica apresentada por Lévi- 
Strauss é a questão temporal, pois o mito sempre se refere a eventos passados, 
acontecimentos que ocorreram “há muito tempo”, “antes da criação do mundo”, 
“nos primórdios”. Importante ressaltar que, sobre os elementos básicos da 
narrativa, conforme Labov/Valetsky (apud Hanke, 2003, p. 3) a exigência mínima 
para se caracterizar uma narrativa é uma ligação temporal com pelo menos duas 
sentenças ou elementos que a compõem, como por exemplo, espaço e 
personagens. 
 Silva (1995) pondera que os mitos ocorrem em tempos definidos em uma 
sucessão plena de sentidos. Para a autora, “o mito constrói e reconstrói a história 
do mundo, da sociedade, da humanidade, das origens até as primeiras criações; 
da ordem do caos inicial até a separação de espaços, momentos e seres tal como 
se encontra, hoje, o mundo” (SILVA, 1995, p.331). 
Durante a seleção de narrativas para a análise, foi possível verificar este 
caráter universal do mito, o aspecto temporal. A seguir, apresentamos um recorte 
de trechos das narrativas que refletem tal aspecto: 
Na antigamente os mais velhos, gostam de caça para se alimenta 
os seus filhos e suas mulheres. Segundo os mais velhos contam 
que á sua principal arma é arco e flecha, para se defender dos 
26 
 
inimigos e para á caça também. Os mais velhos contam, que no 
antigamente os bichos não tinham medo. 
(Rosinaldo Ora Não e Antenor Oro Waram) 
 
Antigamente os mais velhos se reunião para bater o timbó no 
igarapé, para pegar peixe, para sua alimentação. 
(A Pescaria. Clenilda Alcio) 
 
Antigamente a festa tradicionais é organizada pelo cacique da 
aldeia. 
(As festas tradicionais. Edmilson Oro Waram Xijein e Silvano Oro 
Waram Xijein) 
 
Era uma vez, que não tinha mais nada para comer na aldeia, os 
povos na aldeia fiaram com muita fome. 
(Jeremias Oro Não) 
 
Observe-se que, nos trechos em destaque, os autores utilizam o vocábulo 
antigamente com a intenção de marcar os eventos enquanto acontecimentos 
ocorridos no passado. Temos ainda a utilização da expressão era uma vez tão 
comum em fábulas e contos de fadas. Desse modo, verificamos que os 
narradores/autores são conhecedores dos fatos, mas estão temporalmente 
distantes deles. A partir desse elemento, é possível compreender, conforme diz 
Lévi-Strauss, que o mito não é linear cronologicamente; é uma estrutura 
permanente que comportapassado, presente e futuro simultaneamente. 
Rodrigues (2013), a partir do pensamento teórico de autores como 
Meletínsk (1987), Eliade (1992) e Gusdorf (1953), elabora um tópico referente ao 
elemento estruturante da narrativa mítica: o tempo. A autora afirma que, para 
Meletínsk (1987), o passado mítico é a época da criação primeira, é o supratempo 
dos tempos iniciais que antecederam o começo da contagem do tempo empírico. 
Explica, ainda, que este passado mítico é reatualizado com a ajuda dos rituais e 
por isso é possível atribuir a concepção cíclica do tempo mítico com o tempo 
empírico. A reflexão sugerida por Melétinsk, citado por Rodrigues (2012, p. 36) é 
que “tempo mítico e histórico interpenetram-se, assim como as diferentes 
perspectivas sobre o mito no que diz respeito à representação do tempo e do 
espaço nas narrativas míticas”. 
27 
 
Quanto ao pensamento de Eliade (1992) sobre o tempo mítico, Rodrigues 
(2013) esclarece que, para o autor, o tempo está configurado como uma forma de 
recusa do tempo histórico, embora não o exclua de sua configuração total. 
A partir dos postulados de Gusdorf (1953), que confere ao tempo mítico o 
status de herdeiro do tempo primitivo, Rodrigues (2012) explica que ambos os 
tempos valorizam a sensação do tempo e não sua passagem; que a “consciência 
do tempo” é originada na memória e é formada através de estruturas formadas a 
partir de tempos particulares provenientes de sensações individuais, ou seja, o 
tempo mítico possui uma duração específica. Tal duração é realizada pelas 
sensações dos seres diante dos acontecimentos. 
Rodrigues (2013) utiliza os estudos de Eliade (1992), uma vez que o autor 
revela ser o tempo mítico uma oposição do tempo sagrado ao profano. É um 
tempo primordial que se faz presente e dá indícios da eternidade. Para o autor 
não há acontecimento que seja irreversível, que não possa ser transformado. 
Nesse sentido, o que há é uma repetição e esse movimento repetitivo tem a 
função de conferir realidade ao acontecimento, bem como é necessário 
esclarecer que essa repetição nada mais é que uma imitação de um arquétipo 
tido como um modelo exemplar. É neste contexto que os rituais vão se 
estabelecer, pois o ritual é a configuração de um tempo concreto projetado em um 
tempo mítico. 
Algumas narrativas selecionadas neste trabalho apresentam a descrição de 
rituais que são “praticados até hoje” pelos povos indígenas e revelam a repetição 
desses rituais na busca da materialização do mito, conforme se pode verificar nos 
trechos abaixo, extraídos das narrativas A pescaria, Os Paiterey e Aldeia Palhal: 
Os Kaxarari ainda praticam a cultura deles de fazer uma grande 
pescaria. 
(A Pescaria. Marinês Canoé) 
 
Eu moro na aldeia Palhal vou contar um pouco da história dos 
povos Tupari que ainda preserva sua cultura. 
(Aldeia Palhal. Arlene Tupari, Edna Aruá, Misma Canoé, 
Valmir Makurap e Maurício Tupari) 
 
28 
 
Nós povo Paiter (Suruí) vivem em sociedade na aldeia. Até hoje 
guardamos e praticamos nosso costume e crença. 
(Os Paiterey. Diori Suruí, Idevaldo Suruí, Ferrari Suruí, 
Rubem Suruí, Eclesio Arara) 
 
Lévi-Strauss afirma que, como todo ser linguístico, o mito é formado por 
unidades constitutivas; pondera também que o mito é pertencente à ordem da 
linguagem e faz parte dela, por isso a linguagem utilizada na narrativa mítica 
abarca propriedades específicas. Inferimos, então, dos exemplos extraídos das 
narrativas, o aspecto temporal projetando a repetição e a continuidade. 
Nas narrativas A pescaria e Aldeia Palhal, o advérbio temporal ainda dá o 
caráter de continuidade do acontecimento, pois é uma prática do tempo 
primordial, mas que neste tempo atual ocorre entre os indígenas. A seleção 
vocabular do narrador reflete a preocupação de colocar o leitor a par da história 
contada em uma interseção temporal: passado e presente, ou seja, o tempo 
mítico. Também na narrativa Os Paiterey a locução adverbial até hoje abarca a 
função de demonstrar um tempo mítico inserido no tempo histórico. 
 
1.2.2 Estrutura da narrativa mítica: espaço mítico 
O campo simbólico se baseia nas experiências das pessoas de 
uma dada comunidade, num dado tempo e espaço. Os mitos 
estão tão intimamente ligados à cultura, a tempo e espaço, que, a 
menos que os mitos e as metáforas se mantenham vivos, por uma 
constante recriação através das artes, a vida simplesmente os 
abandona. 
(Joseph Campbell. In: O poder do Mito, 1991). 
 
A variabilidade das noções do espaço materializa inúmeras discussões em 
diversos campos de conhecimento e com diferentes propósitos. Importa para a 
discussão aqui exposta, a apresentação do espaço na narrativa mítica e, mais 
adiante, a configuração do espaço no campo literário. 
29 
 
Silva (1995) expõe que os acontecimentos míticos podem ocorrer em 
espaços imaginários, concebidos, como por exemplo: domínio do cosmos, 
povoados, mata, céus, o subterrâneo e assim por diante. 
Rodrigues (2013) delineia seu trabalho sobre o espaço mítico a partir do 
exposto por Georges Gusdorf (1953), para quem a categoria espacial se 
apresenta como “a dimensão do mundo e do pensamento e indica abstração do 
mundo ou invenção do espírito” (GUSDORF, 1953, apud RODRIGUES, 2013, p. 
38). O espaço mítico, conforme a afirmação do autor é oposto ao espaço vazio e 
formal em que estão situados nossos pensamentos e atividades, bem como é 
também um espaço primitivo. A denominação dada pelo estudioso ao espaço 
mítico é “Grande Espaço” e dá ênfase ao aspecto sagrado da categoria. 
Esclarece ainda que, assim como o tempo mítico, o espaço mítico: 
(...) não depende do conhecimento objetivo, de uma realidade 
dada, ele é imaginado e se constitui no interior, pelas percepções 
e sensações dos seres, o que lhe concede a ideia de espaço 
indefinido porque o esse espaço não condiz com a organização de 
uma existência possível, é o local de uma existência real a qual 
lhe dá sentido (GUSDORF, 1953, p.53 apud RODRIGUES, 2013, 
p.39). 
 
 O elemento espaço e o aspecto sagrado ocorrem na própria estrutura do 
mito, “pois ambos constituem um horizonte transcendente de uma atividade que 
se implanta como liturgia cósmica, constituindo o grande espaço ontológico, 
princípio de orientação dos seres em que se valha da consciência e dos sentidos” 
(GUSDORF, 1953, p.59 apud RODRIGUES, 2013, p. 39). Interessante ressaltar 
que, para esse estudioso, as festas, comemorações e os sacrifícios são os 
eventos que fazem florescer autenticamente o tempo e o espaço mítico, ou seja, 
são nestes rituais que a realidade humana é transfigurada. No espaço mítico 
existem lugares que são privilegiados e exclusivos ao sagrado. Por exemplo, o 
caso da montanha que representa a ligação entre o céu e a terra e também a 
morada humana que é constituída como um espaço existencial e sagrado, pois é 
capaz de refletir o mundo. Os trechos abaixo, retirados de uma das narrativas de 
nossa pesquisa, podem ilustrar tal afirmativa: 
30 
 
Primeiramente entramos na floresta para tirar os esteios e os 
caibo, tiramos e colocamos para o local, onde vai ser feito a casa. 
O dono da casa não trabalha sozinho, ele pede para a mulher 
fazer chicha para as pessoa da comunidade ajudar. 
Depois de tanto trabalho, comemoramos, fazemos a festa, 
bebemos chicha, comemos mbiako, peixe, etc. 
(A construção da casa indígena. Catiucia Adaila) 
 
 Na narrativa escrita por Catiucia Adaila, A construção da casa indígena, 
podemos perceber o sagrado que aparece neste evento, uma vez que o processo 
de construção da casa obedece a rituais. Mais do que prover os materiais, 
retirados da floresta, a construção da casa é um trabalho coletivo: necessita da 
ajuda de todos os homens, é preciso que a mulher faça a chicha -bebida típica, 
para ser servida aos trabalhadores- e a finalização desse acontecimento é 
comemorada pela comunidade através de uma festa. 
 Consideramos aindaque, para o nosso estudo, a importância da categoria 
espaço está relacionada aos tipos de metáforas apresentadas por Lakoff e 
Johnson (2002): as metáforas orientacionais e ontológicas. As metáforas 
orientacionais são construídas a partir da observação do funcionamento do corpo 
humano em relação ao meio em que o indivíduo vive. Referem-se principalmente 
às sensações e orientações espaciais ou temporais como: para cima, para baixo; 
frente, atrás. As orientações espaciais decorrem do modo como o corpo humano 
funciona no ambiente físico que o rodeia. Sobre as metáforas ontológicas, as 
experiências com objetos físicos em relação ao corpo dos indivíduos oferecem 
como base a noção espacial, onde é possível conceber eventos, ideias, emoções, 
atividades como entidades e substâncias. 
A discussão leva-nos a afirmar que o espaço tem a capacidade de revelar 
particularidades da narrativa. Conforme postulam Oliveira e Silva (2012, apud 
BARBIERI, 2009, p. 105) o espaço está impregnado de diversas informações 
culturais, além de apresentar as características físicas e geográficas. 
Com base nas narrativas que compõem o corpus do trabalho aqui 
apresentado, constata-se claramente como o espaço da mata (floresta) é 
31 
 
importante para os povos indígenas. Em algumas narrativas míticas analisadas, é 
possível postular que as construções linguísticas metafóricas têm como domínio 
de origem espacial a mata (floresta/sagrado). 
A hipótese é que o espaço da mata tem significado de vida, uma vez que é 
dali que os povos indígenas tiram seu sustento, sua sobrevivência. A importância 
fundamental da floresta pode ser inferida na narrativa de criação escrita pelo 
indígena Frederico: 
Quando Deu criou o mundo. Deu colocou nos índio na floresta 
para cuida. 
Só que os branco estão destruído a floresta isto é grande tristeza 
para nos 
Por que nos precizamo dela para sobrevive. e dali onde nos tira 
nosso alimento. 
O rio e muito importante para nos por que nos pressiza da água 
para beber, toma banho pesca. Nos índio somo dono da floresta e 
do rio, por que foi Deu que colocou para nos cuida. 
(A criação do mundo. Frederico) 
 
 A análise também revela a importância do rio para os povos da floresta; na 
narrativa “O Rio”, os autores descrevem a relevância desse recurso natural para 
os indígenas. 
O Rio 
 
O rio é muito importante, para a existência da vida. É nele que 
encontramos grande quantidade de água, e de onde retiramos os 
peixes para a nossa alimentação. 
O rio é um ecossistema, que possibilita a reprodução de várias 
espécies de peixes, além de servir para banharmos e nos 
divertirmos. 
Também é um meio de locomoção, onde viajamos, ou buscamos 
recursos que necessitamos para realizar outras atividades. Um 
exemplo é a busca de timbó, que utilizamos para pescar nos 
lagos, ou nos igarapés, o cipó possui uma substancia que mata os 
peixes, assim os recolhemos, e os levamos para comer. 
O rio todo ano passa por um processo, e muda constantemente. 
No período da chuva o rio enche e assim possibilita que outros 
peixes cheguem até os locais, onde anteriormente foi realizado a 
pesca com o timbó. É no período da seca, que realizamos essa 
atividade. 
Destas formas utilizamos, o rio e seus recursos. Porém deve 
haver conciência humana para que esse bem possa existir para 
as gerações futuras. 
(Edmar Aruá, Morais Tupari, Edmar Oro Mon, Edson Oro Mon, 
Juari Tupari, Carlos Tupari, Inacio Oro Mon) 
32 
 
Com a finalidade de mostrar a relação do indígena com os espaços 
geográficos, elaboramos, através de um apanhado geral em variadas narrativas 
indígenas, dois quadros apresentando informações sobre os espaços da floresta 
(mata/mato) e do rio (água, lago, igarapé, igapó). O espaço da floresta é 
demonstrado no Quadro 1, a seguir: 
QUADRO 1 – O ESPAÇO DA FLORESTA 
Interior 
do Espaço 
 
Trechos das narrativas 
 
Rio: 
água, 
lago, 
igarapé 
Reuniram varias pessoas para irem fazer timbó; Depois foram no 
mato: colheram muitas folhas e cipós: Encheram os paneiros e 
foram embora. Ao chegar na aldeia machucaram todas as folhas 
e cipós. Depois de machucados as folhas foram até o lago onde 
desejavam colocar as folhas que eles tinham machucado. 
(O Timbó. Liliane Cujubim) 
 
 
 
 
 
Alimentos 
Os Kaxarari ainda praticam a cultura deles de fazer uma grande 
pescaria. O cacique reúne o povo e marca um dia para fazer esse 
tipo de pescaria. As mulheres vão para a floresta colher frutos 
outras vão pegar a mandioca e o milho. 
(A pescaria do povo Kaxarari.Marinês Canoé) 
A caçada realizada na nossa Aldeia Gamir é assim o cacique 
tradicional reune os homens da comunidade de manhã para fazer 
a caçada eles saem juntos pela estrada se separam, ou se 
espalham no mato quem matar algum bicho tras para o cacique e 
as esposas dele cozinham na panela depois de pronto chama os 
homens que foram caçar e eles repartem a carne e tem que ser 
sem a presença de mulher. 
(A caçada. Edna e Geovane Suruí) 
 
Elementos 
para a 
construção 
das casas 
Em primeiro lugar construímos a casa desta forma. Sabemos que 
é um trabalho muito pesado. Primeiramente entramos nas 
floresta para tirar os esteios e os caibo...Entramos novamente na 
floresta para retirar as palha para cobrir a casa. 
(Construção da casa indígena. Catiucia Adailo) 
 
Cipó para o 
timbó 
As mulheres vão para o mato buscar o cipó que e chamado 
timbor e um tipo de veneno para o peixe. 
(A festa do peixe. Marcílio Oro Não) 
 
Remédios 
Nós povo arara usamos ervas medicinais do mato, esse remédio 
é usado para a criança de 8 a 10 mêses para a criança andar 
rápido. 
(Angela, Rute, Adão, Mariza, Bené) 
 
Fonte: Elaboração da autora a partir das narrativas escritas pelos professores indígenas 
33 
 
Os recursos provenientes do espaço do rio são demonstrados no Quadro 
2, a seguir: 
QUADRO 2 – O ESPAÇO DO RIO 
Recursos 
 
Trechos das narrativas 
Alimento Eles vão para o rio e começa a pescaria de lavagem do produto 
pisado, os peixes começam morrer. Quando os estiver mortos 
eles pegam os peixes, eles voltam para suas casas com muito 
peixes para suas famílias. 
(A pescaria. Olinda Edinar Oro Waram) 
 
Transporte Também é um meio de locomoção, onde viajamos, ou buscamos 
recursos que necessitamos para realizar outras atividades. Um 
exemplo é a busca de timbó, que utilizamos para pescar nos 
lagos, ou nos igarapés, o cipó possui uma substancia que mata 
os peixes, assim os recolhemos, e os levamos para comer. 
(O rio. Edmar Aruá, Morais Tupari, Edmar Oro Mon, Edson Oro 
Mon, Juari Tupari, Carlos Tupari, Inacio Oro Mon) 
 
Fonte: Elaboração da autora a partir das narrativas escritas pelos professores indígenas 
 
Quando nos referimos ao espaço mítico, é mister salientar que se trata de 
um espaço que não abarca as mesmas leis da natureza do mundo real. O 
processo de produção do espaço mítico está intimamente ligado ao sagrado. Tal 
premissa pode ser discutida a partir do que Eliade (2010, apud BRANDÃO, 2013) 
nos explana na obra O Sagrado e o Profano, pois ali temos a relação que o Homo 
religiosus estabelece com o espaço. 
Para o homo religiosus o espaço não é homogêneo, ele apresenta 
roturas: há porções no espaço que são mais “fortes” ou 
“significativas”, porque ali ocorreu uma hierofonia: manifestou-se o 
sagrado. 
Tendo sido o cosmos criado pelos deuses, é ele uma grande 
hierofania... Tal perspectiva encontra sua formulação na filosofia 
panteísta: tudo é manifestação divina e, portanto, sagrada. 
(ELIADE, 2010, apud BRANDÃO, 2013, p.35) 
 
Nas narrativas míticas indígenas, é possível verificarmos que o espaço da 
floresta é um dos espaços sagrados onde ocorrem manifestações que somente ali 
são possíveis e realizáveis, pois fazem parte deste espaço sacralizado. Os 
espaços geográficos da floresta (mata) e das águas (igarapé) revelam ainda a 
34 
 
relação com o sagrado. Para mostrar tal relação, trazemos exemplos retirados de 
duas diferentesnarrativas míticas amondawa, onde temos o mito de criação e 
origem da mulher. 
 
Narrativa 1 
 
A mulher do índio 
 
Tangip Amondawa (1997) 
 
Antigamente nós não tinha mulher. Era o índio mesmo que tirava e fazia chicha. 
Tinha um índio velho, mas que entendia de tudo...Ele ficou pensando, pensando até que 
teve uma ideia. Aí ele foi no mato e conseguiu trazer a mulher. Ele trouxe a mulher para 
casa, escondeu a mulher e não mostrou pra ninguém. Daí era a mulher que fazia a 
chicha na casa. Um dia um rapaz foi lá na casa do velho e tomou chicha. O rapaz viu 
que a chicha do homem era diferente. Aí perguntou pro velho: 
- Como que tu fez a chicha? 
O velho jurou que era ele mesmo que tinha feito a chicha e não contou pro rapaz que ele 
tinha ido no mato fazer mulher. O rapaz não acreditou e desconfiou do velho: 
- Não!!! Acho que não!!! Acho que ele mesmo não isso daí. Não tava assim a chicha 
dele... 
 Aí o rapaz chamou outros índios e falou: 
 - Vamos lá ver escondido, ver se ele mesmo que fez a chicha. 
 Aí foram lá olhar escondido, né? E viram a mulher fazendo a chicha pro homem. 
Foram lá com ele e disseram: 
 - Tu tem mulher sim !!! 
 - Aonde tu viu? 
 Eu vi aqui na sua casa. 
 - Não !!! Eu não tenho mulher não!!! 
 - Não!!! Tu tem sim. Como é que tu fez mulher? 
 Aí o rapaz queria mulher, outro rapaz também queria mulher, aí endoidaram pra 
fazer mulher também. Aí o velho contou como tinha feito a mulher. Daí o outro rapaz foi 
no mato jogou a casca do pau e voltou sem pau e não conseguiu trazer a mulher. Voltou 
lá com o velho e perguntou de novo como que fazia a mulher. O velho perguntou pro 
rapaz. 
- Como é que tu fez lá? 
- Eu fiz assim, assim, assim, foi assim, assim. 
- Não, tu fez tudo errado. Agora tu vai lá outra vez e joga no mato. Tu não olha primeiro 
pra trás, não! Tu fica lá sentado, só corta e joga. Na hora que mexe aí tu olha pra trás. 
- Tá bom. 
Aí o rapaz voltou lá outra vez na mesma hora, sabe? Aí, conseguiu fazer mulher. Aí 
ficaram duas mulheres. 
(In: SAMPAIO, SILVA E MIOTELLO (Orgs.), 2004, p.15) 
 
 
35 
 
Narrativa 2 
 
A origem da mulher 
Tari Amondawa (1998) 
 
É... sei que igarapé tem peixe, né? Tem muito Mandi por aí. (Acho que 
Mandi mesmo). Aí não tinha mulher nada! Um dia um homem foi pescar, aí vai, 
vai lá, ele vai pescar no igarapé, né? Quando ele puxou o peixe, ih!...tão bonita 
era a mulher! 
 
(In: SAMPAIO. SILVA E MIOTELLO (Orgs.), 2004, p. 29) 
 
A partir da leitura da narrativa 1, é possível verificar primeiramente que, na 
cultura indígena amondawa, a produção da bebida típica chicha é feita pela 
mulher; no entanto, antes de sua criação era o homem quem fazia. Nota-se que a 
bebida produzida pelo ser feminino é diferente é melhor. A mulher é criada na 
floresta, o espaço que tem intrínseca relação com o sagrado, pois é o espaço que 
torna possível a atividade de criação do feminino. Neste espaço natural e 
sacralizado, é possível ao homem realizar a façanha de mudar a estrutura social 
com a inserção da mulher na comunidade. 
Na narrativa 2, temos o espaço do igarapé (que se encontra no interior da 
floresta), em que a origem da mulher é atribuída ao peixe, que vive na água; a 
mulher, de maneira simbólica, é pescada no igarapé pelo próprio homem. Estes 
exemplos podem demonstrar o que Lévi-Strauss afirma sobre a narrativa mítica: 
tudo pode acontecer num mito. 
Buscamos neste trabalho as construções linguísticas metafóricas que 
evidenciam as noções de espaço, pois questões culturais acabam por 
transparecer nas construções metafóricas de ordem espacial, revelando como os 
povos indígenas estabelecem sua relação com o ambiente em que vivem, 
comprovando, deste modo, que as metáforas estão presentes em nosso cotidiano 
através de nossa experiência com o meio que nos circunda. 
 
 
36 
 
1.2.3 Espaço Literário: percursos e conceitos 
 
Mas a função da linguagem não é o seu ser: 
se sua função é o tempo seu ser é o espaço. 
Michel Foucault 
 
A partir do livro Teorias do Espaço Literário, do professor, pesquisador e 
escritor Luís Alberto Brandão (2013), realizamos um apanhado breve e geral 
acerca do conceito de espaço literário, a fim de relacioná-lo ao que já foi exposto 
em relação ao espaço mítico, bem como dialogar na análise com as narrativas 
míticas indígenas. A escolha se deve ao fato de Brandão dedicar sua pesquisa a 
demonstrar as variações da categoria espaço na literatura, na teoria literária e na 
crítica ao longo do século XX e início do século XXI. 
 Pelo viés diacrônico, Brandão (2013) discute o espaço através de duas 
perspectivas relacionadas. Uma se refere à “história do espaço” ou, como o autor 
afirma, o registro das transformações do espaço no decorrer de determinado 
período e a outra diz respeito às transformações do espaço enquanto conceito. A 
primeira é discutida pelo autor a partir do levantamento das variadas formas de 
percepção espacial, as quais incluem os sentidos do corpo humano e ainda os 
sistemas tecnológicos rudimentares ou complexos, de observação, mensuração e 
representação. A segunda diz respeito ao conceito de espaço enquanto construto 
mental usado para a produção do conhecimento humano seja de natureza 
científica, filosófica ou artística. 
 Do ponto de vista da cartografia, já é possível perceber as variações que 
as representações espaciais sofreram em cada período e em cada cultura. Como 
possibilidade para tais variações, podemos elencar os condicionantes 
econômicos, sociais e políticos. Brandão (2013) nos informa também que uma 
outra forma de organização espacial humana determinante foram as cidades. 
 Concomitante à historiografia do espaço, temos também as transformações 
históricas do conceito de espaço nos diversos e mais importantes campos do 
conhecimento. O autor afirma que o espaço possui distintas histórias, mas que há 
37 
 
um cruzamento entre os campos obrigando uma abordagem transdisciplinar. Por 
esse motivo, Brandão mostra-nos como é apresentado o conceito de espaço. 
 No campo das ciências sociais, Brandão (2013) questiona a relação 
espaço e tempo, pois considera que não há mais possibilidade de priorizar o 
tempo em detrimento do espaço. Na Física, cita dois personagens principais e 
determinantes para o conceito de espaço, Newton e Einstein, ou seja, a noção de 
espaço absoluto e a noção de espaço relativo. No campo da filosofia, cita as 
premissas de Kant no que se refere ao espaço e tempo como categorias 
apriorísticas; Heidegger, que propõe uma ontologia dos espaços e Bachelard ao 
tratar da imaginação poética. Por fim, são destacados os postulados de Michel 
Foucault, para quem “o espaço é fundamental em qualquer forma de vida 
comunitária; o espaço é fundamental em qualquer exercício de poder”; e Deleuze 
e Guattari no que se refere à geofilosofia e à concepção de pensamento como 
série de movimentos de “territorialização” e “desterritorialização”. 
 Em seguida, Brandão indaga sobre o papel desempenhado pela categoria 
do espaço na história da teoria da literatura e a partir de sua consolidação, no 
início do século XX. Segundo o autor, a busca por um objeto específico, bem 
como uma definição para literariedade é que provocam a concretização da teoria 
literária. Segundo Brandão (2013): 
Essa busca exige, do estudioso, distanciamento em relação à 
estética (como ramo da filosofia), recusa das análises de cunho 
impressionista ou de decodificação simbólico-metafísica, e 
questionamentos de abordagens - de natureza historicista, 
psicológica, biográfica ou sociológica - cuja ênfase recai em 
aspectos “extrínsecos” ao texto (BRANDÃO, 2013, p. 22). 
 
 Com a difusão do estruturalismo, a partir dos anos 60, e sua ênfase na 
“gramaticalidade” do texto literário, o espaço, enquanto categoria dentro da teoria 
da narrativa, segundo Brandão, desempenha papel secundário, pois os focos são 
direcionados às vozes, temporalidades e ações. No entanto, Brandão (2013,p. 
25) afirma que: 
No cerne do pensamento estruturalista, porém, ganha força a 
ideia de que é a partir da prevalência da sincronia sobre a 
diacronia que as questões sobre gênese e filiação, ou seja, 
vinculadas ao “determinismo temporal”, cedem lugar à análise das 
38 
 
relações responsáveis pela coerência interna das obras, isto é, ao 
“determinismo espacial”, nas palavras de Gérard Genette. 
 
 A explicação dada é que a categoria espacial passa a ser tratada não 
somente de maneira identificável nas obras, mas sim como um sistema 
interpretativo, modelo de leitura e orientação epistemológica. Passa-se então a 
designar de maneira metafórica o “espaço da linguagem”. Genette (apud 
BRANDÃO, 2013, p.25) declara que: 
Hoje a literatura - o pensamento - exprime-se apenas em termos 
de distância, de horizonte, de universo, de paisagem, de lugar, de 
sítio de caminhos e de morada: figuras ingênuas, mas 
características, figuras por excelência, onde a linguagem se 
especializa a fim de que o espaço, nela, transformado em 
linguagem, fale-se e escreva-se. 
 
 Brandão (2013) elabora proposições para a discussão acerca dos 
conceitos do espaço e afirma que uma delas se refere ao atual momento em que 
há um interesse pelos problemas e também potencialidades do conceito de 
espaço. Para o autor, o interesse é motivado a partir das mudanças operadas 
pela mecânica quântica e pela física relativística sobre os fundamentos da física 
newtoniana. Em síntese, o autor afirma que o espaço deixa de ser o pano de 
fundo absoluto do universo e passa a assumir e ser aceito como categoria a priori 
da percepção. 
 Brandão considera importante acrescentar que, por ser usado em vários 
campos de conhecimento e com diversificadas funções, o termo espaço 
apresenta problemas de limitação que devem ser explicados: 
O verbete espaço consta de obras de referência - dicionários, 
enciclopédias, glossários - de filosofia, arquitetura, linguística, 
geografia, semiótica, física, sociologia, teoria literária, símbolos, 
comunicação, urbanismo, teoria da arte, obras nas quais é comum 
se ressaltar a variedade de acepções associadas ao vocábulo, 
mesmo nas áreas em que este possui valor de preceito. 
(BRANDÃO, 2013, pp. 49-50) 
 
 Ao utilizar como alvo os estudos literários ocidentais do século XX, o autor 
define quatro modos de abordagem do espaço na literatura: (i) representação do 
espaço, (ii) espaço como forma de estruturação textual, (iii) espaço como 
focalização e (iv) espaço da linguagem. 
39 
 
 Por representação do espaço no texto literário, o autor nos informa ser este 
provavelmente o mais recorrente e explica que o espaço é abordado como uma 
categoria que existe no universo extratextual, principalmente nas tendências 
neutralizantes, pois ao espaço são atribuídas características físicas e concretas. É 
nesta abordagem que o espaço é tido como “cenário”, ou seja, são “os lugares de 
pertencimento ou trânsito dos sujeitos ficcionais, recurso de contextualização da 
ação” (BRANDÃO, 2013, p.59). 
 A representação do chamado “espaço urbano” no texto literário é a 
abordagem mais difundida nos estudos literários da atualidade. Outra abordagem 
é a que está em conformidade aos estudos culturais e que, segundo Brandão 
(2013, p.59), utiliza um léxico espacial que possui termos como: margem, 
território, rede, fronteira, passagem e cartografia. Esta última tendência visa à 
compreensão das variadas formas de espaços representadas no texto literário, 
pois tais formas espaciais se unem a identidades sociais específicas. 
 Brandão explicita ainda o contraste entre os efeitos gerados por 
procedimentos descritivos e procedimentos narrativos em que a categoria 
espacial é principalmente descritiva. Finaliza a explicação, complementando: 
“Outra estratégia é o reconhecimento de polaridades espaciais e a análise de seu 
uso, tomando-se o espaço como conjunto de manifestações de pares como 
alto/baixo, aberto/fechado, dentro/fora, vertical/horizontal, direita/esquerda” 
(BRANDÃO, 2013, p. 59). 
 Seguindo o percurso apresentado por Brandão (2013), há uma segunda 
abordagem do espaço na literatura e esta se refere aos procedimentos formais e 
de estruturação do texto. Nesta tendência, conforme postula o autor, ocorre a 
suspensão ou retirada de noções referentes à temporalidade, em especial as que 
fazem referência à natureza consecutiva da linguagem verbal, que possui 
característica contínua, linear e progressiva. 
 Inseridos neste conceito de estruturação espacial, Brandão (2013), cita 
dois estudos clássicos: “Spatial Form in Modern Literature”, de Joseph Frank, e O 
Espaço Proustiano, de Georges Poulet. A análise feita pelos críticos caracteriza o 
texto literário moderno a partir do seu caráter fragmentário; para ambos, há uma 
40 
 
recusa ao fluxo temporal da linguagem verbal, por sua constituição de 
ambivalências físicas e simbólicas. Os autores trabalham em favor de espaços 
num lapso (ou perda da noção linear) de tempo, como “série de quadros que se 
justapõem”. 
 O terceiro modo apresentado na categoria espacial é o que diz respeito a 
um ponto de vista, focalização ou perspectiva. Tais ideias vêm da premissa de 
que a literatura é capaz de promover algum tipo de visão. Neste contexto, 
Brandão (2013) afirma que a visão é elaborada como uma faculdade espacial que 
tem por base a relação entre dois planos: (i) espaço visto, percebido, concebido, 
configurado e (ii) espaço vidente, perceptório, conceptor e configurador. 
 Finalmente, como quarto modo, temos a compreensão acerca da categoria 
espacial em que é feito um afastamento do ponto de vista representacional e 
passa-se a propor a linguagem verbal como característica da espacialidade, ou 
seja, há uma espacialidade própria da linguagem verbal. A alegação de Brandão 
em sua pesquisa é que a palavra também é espaço e acrescenta: “Gérard 
Genette, no artigo La Littérature et l’espace, chega a advogar que “a linguagem 
[verbal] parece naturalmente mais apta a exprimir as relações espaciais do que 
qualquer outra espécie de relação (e, portanto, de realidade)” (BRANDÃO, 2012, 
p.63). 
 Para discutir este ponto de vista, Brandão desenvolve duas linhas de 
argumentação: a primeira considera que tudo que é da ordem das relações é 
espacial e a segunda considera que a linguagem é espacial, pois é composta de 
signos que possuem materialidade. 
 Na primeira linha de argumentação, o autor discute novamente o contraste 
do espaço com o tempo, considerando que “a ordem das relações, que define a 
estrutura da linguagem, é espacial à medida que é abordada segundo o viés 
sincrônico, simultâneo, e não diacrônico, histórico” (BRANDÃO, 2012, p. 63). Para 
explicar a segunda linha de argumentação, Brandão afirma que “a palavra é uma 
manifestação sensível, cuja concretude se demonstra na capacidade de afetar os 
sentidos humanos, o que justifica que se fale da visualidade, da sonoridade, da 
dimensão tátil do signo verbal” (BRANDÃO, 2012, p. 64). 
41 
 
 Para finalizar, Brandão esclarece que o texto literário é considerado 
espacial, pois os signos que o formam são corpos materiais e sua função 
intelectiva não esquece a exigência da percepção sensível no ato da recepção. 
Logo, o texto literário é espacial “quanto mais a dimensão formal, ou do 
significante, é capaz de se destacar da dimensão conteudística, ou do significado” 
(BRANDÃO, 2012, p. 65). 
 
1.2.4 Estrutura da narrativa mítica: a metáfora 
 O terceiro elemento estruturante da narrativa mítica é o que diz respeito à 
metáfora. Neste tópico, realizaremos apenas uma breve apresentação da relação 
entre metáfora e mito, pois o aspecto metafórico será abordado na seção 
seguinte. 
Cassirer (1992) afirma que a metáfora é o vínculo entre a linguagem e o 
mito e é o elemento que promove a unidade mítica. Rodrigues (2013) nos 
apresenta a definição que Cassirer (1992) elabora acerca da metáfora. Para

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