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A partir desta discussão, podemos fazer uma relação entre os conceitos e refletirmos como eles se coadunam em uma definição própria de políticas públicas de SAN. No conceito de DHANA percebemos como ele está em constante construção, e assim como a cidadania (veremos em outro módulo) aponta para processos de lutas, avanços, retrocessos que marcam a nossa história como seres humanos e sociais. Não são dados, são direitos conquistados. O que nos leva a entender que há nestes caminhos, diversos entendimentos sobre a alimentação e seu status de direito. Pelo que vimos, a construção deste sentido nos leva a entender o ato da alimentação para além de uma necessidade de sobrevivência. Na alimentação encontramos importantes processos culturais e sociais que traduzem e configuram identidades. São formas de expressar pertencimentos e relações sociais. Modos dos indivíduos se constituírem como sujeitos, grupos, coletivos, povos e nações. De um ato nutricional e natural, a alimentação também consiste em um ato social e político. E neste sentido, qualquer ato em sua restrição, configura-se como uma negação de direitos e da própria condição humana. Por um lado, a fome e a insegurança alimentar apontam para um sistema desigual (“estruturas econômicas defeituosas”, como já dizia Josué de Castro) no qual a produção massiva de alimentos convive com a privação de milhares de pessoas ao seu acesso. Por outro lado, a negação da soberania alimentar (direitos dos povos de definirem suas próprias políticas e estratégias de acordo com suas culturas) fere de igual forma uma dimensão fundamental dos povos que é a produção simbólica dos sentidos que os identificam e os constituem como sujeitos. Como ressalta Luciane Lucas dos Santos (2008) “Por toda a sua carga simbólica, devemos entender a alimentação como um direito político. Não apenas no que diz respeito ao consumo de alimentos em si, mas também e principalmente à capacidade de produzi-los e garantir a própria subsistência. A soberania alimentar é um modo de fazer-se e reconhecer-se cidadão, assumindo o papel de protagonista na escolha das próprias soluções e intervindo no próprio destino, a despeito das condições externas desfavoráveis e do ambiente de dominação em que possa estar inserido”. C o n c e i t o s D i r e i t o H u m a n o à A l i m e n t a ç ã o e N u t r i ç ã o A d e q u a d a s 01CURSO DE EXTENSÃO DIÁLOGOS SOBRE SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O FORTALECIMENTO DO SISAN NOS MUNICÍPIOS MÓDULO 03 - TEXTO 04 Aqui observa-se um aspecto interessante destes conceitos e sua relação com a política. Entendidos dessa forma, a alimentação e a soberania alimentar nos coloca diante do sentido da iniciativa, da autonomia, da pluralidade, da produção do simbólico e da configuração de relações sociais dotadas de sentidos. Negar aos povos sua soberania alimentar é trazer de “fora” os sentidos de suas alimentações. Isto se assemelha ao que é feito quando ultraprocessamos os alimentos, pois extraímos suas essências e os transformamos em outras coisas (coisas diferentes da comida de verdade, e neste caso damos outro sentido de existência). A relação com a política é justamente a retomada do locus desta produção material e simbólica da alimentação. É o lugar de afirmação da pluralidade, do protagonismo e da ação no espaço público que reivindica a alimentação enquanto direito humano. A política e o sentido de público ganham então outros contornos quando assim o consideramos. A política presente em todos os campos da vida (Santos, 1995) não está localizada apenas nos espaços de poder tradicionais, mas está presente no ato de comer, no ato de produzir e negociar sentidos a partir da alimentação, no ato de reivindicar o acesso ao DHANA. Estar no ato de politizar a sobrevivência (Carneiro, 2011). E neste sentido, não tem nada de individual, ou relegado ao mundo privado e sua justificativa de uma desigualdade dita natural. Mas o sentido da política traz para a alimentação seu caráter público, de inserção na esfera pública como tema relacionado à própria forma de organização social, bem como aspecto fundamental para a formação de sujeitos autônomos e protagonistas de seus destinos. Assim, o público como nos diz Arendt (2001), é aquilo que nos une e nos separa. É aquilo que permite que uma sociedade possa identificar o interesse comum (o bem comum) e, ao mesmo tempo, preservar suas autonomias e particularidades. De um lado, um apelo republicano - o do bem comum. De outro, a afirmação de uma liberdade democrática, que se configura pelo respeito às particularidades e a construção dialógica e ativa por todos nas decisões concernentes às políticas públicas. Com esse entendimento, ao pensarmos nas políticas públicas e nos ciclos que estão relacionadas, precisaremos refletir de que forma as políticas de SAN estão sendo realizadas, e com que sentidos estão sendo planejadas. 02CURSO DE EXTENSÃO DIÁLOGOS SOBRE SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O FORTALECIMENTO DO SISAN NOS MUNICÍPIOS MÓDULO 03 - TEXTO 04 Vejamos a primeira etapa do ciclo (apenas como forma ilustrativa, uma vez que o ciclo não necessariamente tem um início e fim). Se iniciarmos pela delimitação do problema, perguntamos, que problema? Sob que ponto de vista apontamos o problema? Alguém diria: a fome é o problema. Outro acrescentaria: a insegurança alimentar é o problema. Os dois podem estar certos. Mas só isto basta? Eu posso identificar isso como problema, mas de que forma eu o entendo? A fome e a insegurança alimentar são causadas por falta de alimentos e nutrientes (responderia os dois). Sendo assim, eu poderia responder que a farinata é uma solução para esses problemas e a partir desse entendimento implemento e executo a política pública. Mas vocês concordam que essa seria a solução adequada? Para alguns cientistas políticos e analistas de políticas públicas, muitas das soluções nesse campo são encontradas ao acaso (“na lata de lixo”). Ou seja, há poucas respostas para problemas mal formulados, o que leva quase sempre que as respostas dadas não ataquem de fato as raízes do problema. E mesmo que na fase de Avaliação, os formuladores das políticas pública possam apontar que atingiram suas metas, estas não correspondem à definição concreta do problema. Assim, a necessidade da política de SAN ser compreendida em todos os seus sentidos, levando em consideração toda sua transversalidade, a pluralidade dos atores envolvidos e a diversidade de ações que podem e são realizadas para atenderem demandas reais. Um bom início para entendermos uma política pública, é observar seus princípios e diretrizes. Então, Vamos a Política de SAN! ARENDT, Hannah. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2001. CARNEIRO, Vanderson. Entre o público e o privado: uma reflexão sobre o lugar da ação política na prática da Economia Solidária no Brasil. In. Economia Solidária: questões teóricas e epistemológicas. HESPANHA, Pedro & SANTOS, Aline ( Org). Ed. Almedina. Coimbra, 2011. SANTOS, B. S. Pela mão de Alice. O social e o político na transição pós-moderna. São Paulo: Cortez, 10 ed, 1995. SANTOS, Luciane Lucas dos (2008), "A fome como cerceamento de direito político: comunicação contra-hegemónica e soberania alimentar", e-cadernos CES, 1, 2 03CURSO DE EXTENSÃO DIÁLOGOS SOBRE SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O FORTALECIMENTO DO SISAN NOS MUNICÍPIOS MÓDULO 03 - TEXTO 04 Referência Bibliográfica
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