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4 Editado em ingl ês por Gerard Duveen Traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi © Serge Moscovici and Gerard Duveen 2000 Título original inglês: Social Representations – Explorations in Social Psychology Publicado pela primeira vez em 2000 por Polity Press em associação com Blackwell Publishers Ltd. Direitos de publicação em lingua portuguesa: 2003, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escri ta da Editora. Editoração e org literária: Sheila Ferreira Neiva ISBN 85.326.2896-6 (edição brasileira) ISBN O-7456-2226-7 (edição inglesa) Moscovici, Serge Representações sociais: investigações em psicologia social / Serge Moscovici: editado em inglês por Gerard Duveen: traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi. -5ª ed. Petrópo- lis, RJ: Vozes, 2007. Título original: Social representations: explorations in social psychology Bibliografia 1. Interação social 2. Interacionismo simbólico 3. Psicologia social I. Duveen, Gerard. II. Título. III Título: Investigações em psicologia social. O3-3O44 CDD-3O2. 1 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) índices para catálogo sistemático: 1. Representações sociais: Psicologia social: Sociologia 3O2. 1 Este livro foi composto e impresso pel a Editoras Vozes Ltda. atenção este material foi scaneado e revisado superficialme n- te, pode conter algum erro de transcrição. Lugi Selecionar Lugi Selecionar http://www.vozes.com.br/ 5 SUMÁRIO Introdução - O poder das idéias, 7 1. O fenômeno das representações sociais, 29 2. Sociedade e teoria em psicologia social, 111 3. A história e a atualidade das representações sociais, 167 4. O conceito de themata, 215 5. Caso Dreyfus, Proust e a psicologia social, 251 6. Consciência social e sua história, 283 7. Idéias e seu desenvolvimento - Um diálogo entre Serge Moscovici e Ivan Marková, 305 Referências bibliográficas, 389 6 7 INTRODUÇÃO O poder das idéias 1. Uma psicologia social do conhecimento Imagine-se olhando para um mapa da Europa, sem nenhuma indicação nele, com exceção da cidade de Viena, perto do centro, e ao norte dela, a cidade de Berlim. Onde você localizaria as cidades de Praga e Budapeste? Para a maioria das pessoas que nasceram depois da II Guerra Mundial, ambas as cidades pertencem à divi- são do Leste da Europa, enquanto Viena pertence ao Oeste e, con- seqüentemente, tanto Praga como Budapeste deveriam se lo- calizar a Leste de Viena. Mas olhe agora para o mapa da Europa e veja a localização real dessas duas cidades. Budapeste, com certe- za, está afastada, ao Leste, bem abaixo de Viena, ao longo do Da- núbio. Mas Praga está, na verdade, a Oeste de Viena. Esse pequeno exemplo ilustra algo do fenômeno das repre- sentações sociais. Nossa imagem da geografia da Europa foi re- construída em termos da divisão política da Guerra Fria, em que as definições ideológicas de Leste e Oeste substituíram as geográfi- cas. Podemos também observar, nesse exemplo, como padrões de comunicação, nos anos do pós-guerra, influenciaram esse proces- so e fixaram uma imagem específica da Europa. E verdade que no Oeste houve certo medo e ansiedade do Leste, que antecederam a II Grande Guerra e que persistem mesmo até hoje, uma década depois da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria. Mas essa representação, duma Europa dividida nos anos do pós-guer- ra, teve sua influência mais forte no eclipse da velha imagem da Mitteleuropa, de uma Europa Central, abarcando as áreas centrais do Império Austro-Húngaro, e estendendo-se ao norte, em dire- ção a Berlim. Foi essa Europa Central, desmembrada pela Guerra Fria, que reposicionou também ideologicamente Praga ao leste da Viena “ocidental”. Hoje, a idéia da Mitteleuropa está sendo nova- 8 mente discutida, mas talvez o sentido da “ outridade” leste marcou a imagem de Praga tão nitidamente, que poderemos necessitar de muito tempo antes que esses novos padrões de comunicação re- posicionem a cidade novamente a oeste de Viena. Esse exemplo, além de ilustrar o papel e a influência da co- municação no processo da representação social, ilustra também a maneira como as representações se tomam senso comum. Elas en- tram para o mundo comum e cotidiano em que nós habitamos e discutimos com nossos amigos e colegas e circulam na mídia que lemos e olhamos. Em síntese, as representações sustentadas pelas influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como o principal meio para esta- belecer as associações com as quais nós nos ligamos uns aos ou- tros. Por mais de quatro décadas Serge Moscovici, juntamente com seus colegas, fez avançar e desenvolver o estudo das representa- ções sociais. Esta coleção reúne alguns dos ensaios principais, ex- traídos de um corpo bem maior de trabalho, que apareceu nesses anos. Alguns desses ensaios apareceram anteriormente em inglês, enquanto outros são traduzidos aqui para o inglês pela primeira vez. Juntos, eles ilustram a maneira como Moscovici elaborou e de- fendeu a teoria das representações sociais, enquanto na entrevista conclusiva com Ivana Marková, ele apresenta os elementos princi- pais da história de seu itinerário intelectual. No coração deste proje- to esteve a idéia de construção duma psicologia social do conheci- mento e é dentro do contexto deste projeto mais vasto que seu tra- balho sobre representações sociais deve ser visto. Com que, então, uma psicologia social do conhecimento pode se parecer? Que espaço ela procurará explorar e quais serão as ca- racterísticas-chave desse espaço? O próprio Moscovici apresenta este tema da seguinte maneira: Há numerosas ciências que estudam a maneira como as pessoas tra- tam, distribuem e representam o conhecimento. Mas o e s- tudo de como, e por que, as pessoas partilham o conhecimento e des- se modo constituem sua realidade comum, de como eles transformam idéias em prática - numa palavra, o poder das idéi- as - é o problema especifico da psicologia social (Moscovici, 1990a: 169). Por conseguinte, da perspectiva da psicologia social, o conhe- cimento nunca é uma simples descrição ou uma cópia do estado de coisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido atra- 9 vés da interação e comunicação e sua expressão está sempre liga- da aos interesses humanos que estão nele implicados. O conheci- mento emerge do mundo onde as pessoas se encontram e intera- gem, do mundo onde os interesses humanos, necessidades e de- sejos encontram expressão, satisfação ou frustração. Em síntese, o conhecimento surge das paixões humanas e, como tal, nunca é desinteressado; ao contrario, ele é sempre produto dum grupo es- pecifico de pessoas que se encontram em circunstâncias especifi- cas, nas quais elas estão engajadas em projetos definidos (cf. Bauer & Gaskell, 1999). Uma psicologia social do conhecimento está in- teressada nos processos através dos quais o conhecimento é gera- do, transformado e projetado no mundo social. 2. A La recherche des concepts perdus (À procura dos conceitos perdidos) Moscovici introduziu o conceito de representação social em seu estudo pioneiro das maneiras como a psicanálise penetrou o pensamento popular na França. Contudo, o trabalho em que esse estudo é relatado, la Psicanalyse: Son image et son public, primei- ramente publicado na França em 1961 (com uma segunda edição, bastante revisada, em 1976), permanece sem tradução para o in- glês, uma circunstância que contribuiu para a problemática recep- ção da teoria das representações sociais nomundo anglo-saxão. É claro que uma tradução inglesa desse texto não iria, por si mesma, resolver todas as diferenças entre as idéias de Moscovici e os pa- drões dominantes do pensamento sociopsicológico na Inglaterra e nos EE.UU., mas teria, ao menos, ajudado a reduzir o número de maus entendimentos do trabalho de Moscovici, e adicionado uma penumbra de confusão às discussões destas idéias em inglês. Mais que isso, porém, a falta duma tradução significa que a cultura anglo-saxã, predominantemente monolingüe, não teve acesso a um texto, em que temas centrais e idéias sobre a teoria das re- presentações sociais são apresentados e elaborados, no contexto vital dum estudo especifico de pesquisa. Quando estas idéias são colocadas em ação na estrutura dum projeto de pesquisa, na orde- nação e no processo de tomar inteligível a massa de dados empíri- cos que emergem, elas assumem também um sentido concreto, que é apenas fracamente visível nos textos teóricos mais abstra- tos, ou programáticos. 10 Mas se o trabalho de Moscovici foi obscurecido no mundo an- glo-saxão, o próprio conceito de representação social teve uma história problemática dentro da psicologia social. Na verdade, Moscovici intitula o capitulo inicial de La Psychanalyse “Representação social: um conceito perdido”, e introduz seu traba- lho nesses termos: As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continua- mente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano- Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzi- mos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas correspondem, dum lado, à substân- cia simbólica que entra na sua elaboração e, por outro lado, à prática especifica que produz essa substância, do mesmo modo como a ciência ou o mito correspondem a uma práti- ca científica ou mítica. Mas se a realidade das representações é fácil de ser compreen- dida, o conceito não o é. Há muitas boas razões pelas quais isso é assim. Na sua maioria, elas são históricas e é por isso que nós devemos encarregar os historiadores da tarefa de descobri-las. As razões não-históricas podem todas ser re- duzidas a uma única: sua posição “mista”, no cruzamento entre uma série de conceitos sociológicos e uma série de conceitos psicológicos. É nessa encruzilhada que nós temos de nos situar. O caminho, certamente, pode representar algo pedante quanto a isso, mas nós não podemos ver outra maneira de libertar tal conceito de seu glorioso passado, de revitali- zá-lo e de compreender sua especificidade (1961/1976: 40-41). O ponto de partida fundamental para essa jornada intelect u- al, contudo, foi a insistência de Moscovici no reconhecimento da existência de representações sociais como uma forma característi- ca de conhecimento em nossa era, ou, como ele coloca, uma in- sistência em considerar “como um fenômeno, o que era antes con- siderado como um conceito” (capitulo 1). Na verdade, desenvolver uma teoria das representações so- ciais implica que o segundo passo da jornada deve ser começar a teorizar esse fenômeno. Mas, antes de nos voltarmos para esse se- gundo passo, gostaria de parar, por um momento, no primeiro passo e perguntar o que significa considerar como um fenômeno 11 o que era antes visto como um conceito, pois o que pode parecer como um pequeno aperçu (apanhado), de fato, contém alguns tropos especificamente moscovicianos. Antes de tudo, há certa coragem nessa idéia, em não ter receio de afirmar uma generaliza- ção conclusiva, uma generalização que tem ta mbém o efeito de separar radicalmente a concepção de Moscovici, com respeito aos objetivos e ao escopo da psicologia social, das formas predomi- nantes dessa disciplina. Mais precisamente, Moscovici se filia aqui à corrente de pensamento sociopsicológico que foi sempre uma corrente minoritária, ou marginal, dentro duma disciplina domi- nada, em nosso século, primeiro pelo comportamentalismo e, mais recentemente, por um cognitivismo não menos reducionista e, du- rante todo esse tempo, por um individualismo extremo. Mas, em suas origens, a psicologia social se construiu ao redor dum con- junto diferente de preocupações. Se Wilhelm Wundt é lembrado hoje principalmente como o fundador da psicologia experimental, ele é também, cada vez mais, reconhecido pela contribuição que sua Völkerpsychologie trouxe ao estabelecimento da psicologia social (Danziger, 1990; Farr, 1996; Jahoda, 1992). Apesar de todas as suas falhas, a teoria de Wundt, contudo, situou claramente a psicologia social na mesma encruzilhada, en- tre os conceitos sociológicos e psicológicos indicados por Mosco - vici. Longe de abrir uma linha produtiva de pesquisa e teoria, o tra- balho de Wundt foi logo eclipsado pelas crescentes correntes de pensamento psicológico que rejeitaram toda a associação com o “social”, como se ele fosse comprometer o status científico da psi- cologia. O que Danziger (1979) chamou de “o repúdio positivista de Wundt” serviu para garantir a exclusão do social do campo de ação da psicologia social emergente. Ao menos, esse foi o caso que Farr (1996) chamou de sua forma “psicológica”, mas, como ele tam- bém mostra, uma forma “sociológica” também persistiu, brotando principalmente do trabalho de Mead, no qual a Völkerpsychologic de Wundt teve uma grande influência (e devemos dizer que uma preocupação com o social é também característica da psicologia de Vygotsky; ver capítulos 3 e 6). Na verdade, Farr chegou a sugerir que a separação radical, feita por Durkheim (1891/1974), de re- presentações “individuais” e “coletivas”, contribuiu para a insti- tucionalização duma crise na psicologia soc ial, que perdura até hoje. Durante o século vinte, sempre que formas “sociais” de psicologia surgiram, nós testemunhamos o mesmo drama de ex- clusão, que marcou a recepção do trabalho de Wundt. 12 Uma “compulsão em repetir” mascara um tipo de neurose i- deológica, que foi mobilizada sempre que o social ameaçou invadir o psicológico. Ou, para passar duma metáfora freudiana para uma antropológica, o social representou, consistentemente, uma amea- ça de poluição à pureza da psicologia científica. Por que se mostrou tão difícil estabelecer uma psicologia so- cial que incluísse tanto o social como o psicológico? Embora Mos- covici sugerisse, na citação acima, que isso era uma questão para historiadores, ele mesmo contribuiu, de algum modo, para escla- recer esse enigma, como muitos dos textos aqui coletados teste- munham (ver capítulos 1, 2, 3 e 7). Num ensaio histórico importan- te, The Invention of Society, Moscovici (1988/1993) oferece mais um conjunto de considerações que discutem a questão comple- mentar de por que as explicações psicológicas foram vistas como ilegítimas, na teoria sociológica. Durkheim formulou suas idéias explicitamente em seu aforismo de que “sempre que um fenôme- no social é diretamente explicado por um fenômeno psicológico, podemos estar seguros que a explicação é falsa” (1895/1982: 129). Mas, como mostra Moscovici, esse preceito contra a explicação psicológica não apenas percorre, como um fio unificador, através do trabalho dos escritores clássicos da teoria social moderna, mas é também sub-repticiamente contradito por esses mesmos textos. Pois, ao construir explicações sociais para fenômenos sociais, es- tes sociólogos (Weber e Simmel são os exemplos analisados por Moscovici, junto com Durkheim), necessitam também introduzir alguma referência aos processos psicológicos para fornecer coe- rência e integridade a suas análises. Em síntese, nesse trabalho Moscovici é capaz de demonstrar, através de sua própria análise destes textos fundantes da sociologia moderna, que o referencial explanatório exigido para tornar os fenômenos sociais inteligíveis deve incluir conceitos psicológicos, bem como sociológicos. Aquestão, contudo, de por que foi tão difícil conseguir um re- ferencial teórico estável, abrangendo tanto o psicológico como o social, permanece obscura. Para dizer a verdade, a hostilidade da parte dos psicólogos ao “sociologismo” foi tanta quanto a dos so- ciólogos ao “psicologismo”. Ao dizer que a psicologia social, como uma categoria mista, representa uma forma de poluição, ficamos apenas nas palavras, enquanto nós não compreendermos por que o social e o psicológico são considerados como categorias exclusi- vas. 13 Esse é o centro do enigma histórico que retém seu poder es- pecifico até hoje. Embora fosse ingênuo pretender oferecer uma explicação clara de sua origem, nós podemos vislumbrar algo de sua história na oposição entre razão e cultura que, como discute Gellner (1992), foi tão influente desde a formulação do racionalis- mo de Descartes. Contra o relativismo da cultura, Descartes pro- clamou a certeza que brota da razão. O argumento em favor do co- gito introduziu um ceticismo sobre as influências da cultura e do social que foi difícil de superar. Na verdade, se Gellner está correto ao constatar nesse argumento uma oposição entre cultura e razão, então toda a ciência da cultura será uma ciência da não-razão. A partir daqui, é um curto passo chegar-se a uma ciência desprovida de razão, o que parece ser a reputação dada a toda tentativa de combinar os conceitos sociológicos com os psicológicos numa ciência “mista”. Mas foi justamente tal “ciência desprovida de ra- zão”, que Moscovici procurou ressuscitar, através dum retorno ao conceito de representação, como central a uma psicologia social do conhecimento. 3. Durkheim, o ancestral ambíguo Ao procurar estabelecer uma ciência “mista”, centrada no conceito de representação, Moscovici reconheceu uma dívida du- radoura ao trabalho de Durkheim. Como vimos acima, contudo, a formulação feita por Durkheim do conceito de representações co- letivas mostrou-se uma herança ambígua para a psicologia social. O esforço para estabelecer a sociologia como uma ciência autôno- ma levou Durkheim a defender uma separação radical entre repre- sentações individuais e coletivas e a sugerir que as primeiras de- veriam ser o campo da psicologia, enquanto as últimas formariam o objeto da sociologia (interessante notar que em alguns de seus escritos sobre esse tema Durkheim flertou com a idéia de chamar a esta ciência de “psicologia social”, mas preferiu “sociologia”, a fim de eliminar toda possível confusão com a psicologia (cf. Durkheim, 1895/1982). Não é apenas Farr quem mostrou as dificuldades que a formulação de Durkheim trouxe para a psicologia social. Numa discussão anterior, sobre a relação entre o trabalho de Durkheim e a teoria das representações sociais, Irwin Deutscher (1984) tam- 14 bém escreveu sobre a complexidade de tomar Durkheim como um ancestral para uma teoria sociopsicológica. O próprio Moscovici sugeriu que, ao preferir o termo “social”, queria enfatizar a quali- dade dinâmica das representações contra o caráter mais fixo, ou estático, que elas tinham na teoria de Durkheim (ver capítulo 1, onde Moscovici ilustra a maneira como Durkheim usou os termos “social” e “coletivo” de maneira intercambiável). Ao comentar este ponto, depois na sua entrevista a Marková, no capitulo 7, Moscovi- ci se refere à impossibilidade de manter qualquer distinção clara entre o “social” e o “coletivo”. Esses dois termos não se referem a ordens distintas na organização da sociedade humana, mas tam- bém não é o caso de que os termos “representação social” e “repre- sentação coletiva” apenas colocam uma distinção, sem estabelecer uma diferença. Em outras palavras, a psicologia social de Moscovici não pode simplesmente ser reduzida a uma variante da sociologia durkheimiana. Como devemos, então, entender a relação das re- presentações sociais com o conceito de Durkheim? A partir duma perspectiva sociopsicológica, podemos ser ten- tados a pensar que a resolução dessa ambigüidade pode ser bus- cada através dum esclarecimento dos termos “individual” e “cole- tivo”, como empregados na argumentação de Durkheim. Não é absolutamente claro, contudo, que tal esforço possa conseguir, com sucesso, algum espaço teórico para a psicologia social, parti- cularmente porque, como mostra Farr (1998), a questão se tornou problemática, devido ao reconhecimento do individualismo como uma poderosa representação coletiva na sociedade moderna. Um enfoque mais produtivo pode ser constatado através duma reflexão posterior sobre o próprio argumento de Durkheim. Durkheim não estava simplesmente interessado em estabelecer o caráter sui generis das representações coletivas como um elemen- to de seu esforço para manter a sociologia como uma ciência autô- noma. Toda sua sociologia é, ela própria, consistentemente orien- tada àquilo que faz com que as sociedades se mantenham coesas, isto é, às forças e estruturas que podem conservar, ou preservar, o todo contra qualquer fragmentação ou desintegração. É dentro desta perspectiva que as representações coletivas assumem sua significância sociológica para Durkheim; seu poder de abrigar, ajuda a integrar e a conservar a sociedade. De fato, é em parte essa capacidade de manter e conservar o todo social que dá às repre- sentações coletivas seu caráter sagrado na discussão que Durkheim 15 faz em The Elementary Forms of Religious Life (1912/1995). A psi- cologia social de Moscovici, por outro lado, foi consistentemente orientada para questões de como as coisas mudam na sociedade, isto é, para aqueles processos sociais, pelos quais a novidade e a mudança, como a conservação e a preservação, se tornam parte da vida social. Já aludi a esse seu interesse na transformação do senso comum, em seu estudo das representações sociais da psi- canálise. É no curso de tais transformações que a ancoragem e a objetivação se tornam processos significantes (ver capítulo 1). Uma afirmação mais clara desse enfoque do trabalho de Moscovici pode ser encontrada em seu estudo sobre influência social (1976) que, na verdade, tem o titulo de Influência Social e Mudança So- cial. O ponto de partida para esse estudo foi a insatisfação com os modelos de influência social, que apreenderam apenas a confor- midade ou a submissão. Se esse fosse o único processo de influên- cia social que tivesse existido, como seria possível qualquer mu- dança social? Tais considerações levaram Moscovici a se interes- sar pelo processo de influência da minoria, ou na inovação, um in- teresse que ele levou adiante através de uma série de investiga- ções experimentais. É esse interesse com a inovação e a mudança social que levou também Moscovici a ver que, da perspectiva so- ciopsicológica, as representações não podem ser tomadas como algo dado nem podem elas servir simplesmente como variáveis explicativas. Ao contrário, a partir dessa perspectiva, é a constru- ção dessas representações que se torna a questão que deve ser discutida, dai sua insistência, tanto em discutir como u m fenôme- no que antes era visto como um conceito, como em enfatizar o ca- ráter dinâmico das representações, contra seu caráter estático de representações coletivas da formulação de Durkheim (uma dis- cussão mais ampla desse ponto, feita por Moscovici, pode ser en- contrada no capitulo 1). Por conseguinte, enquanto Durkheim vê as representações co- letivas como formas estáveis de compreensão coletiva, com o po- der de obrigar que pode servir para integrar a sociedade como um todo, Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e a diversidade das idéias coletivas nas sociedades modernas. Essa própria diversidade reflete a falta de homogeneidade dentro das sociedades modernas, em que as diferenças refletem uma distribui- ção desigual de poder e geram uma heterogeneidade de represen- tações. Dentro de qualquer cultura há pontos de tensão, mesmo de 16 fratura, e é ao redor desses pontos de clivagemno sistema repre- sentacional duma cultura que novas representações emergem. Em outras palavras, nestes pontos de clivagem há uma falta de sentido, um ponto onde o não-familiar aparece. E, do mesmo modo que a natureza detesta o vácuo, assim também a cultura detesta a ausên- cia de sentido, colocando em ação algum tipo de trabalho represen- tacional para familiarizar o não-familiar, e assim restabelecer um sentido de estabilidade (veja-se a discussão de Moscovici sobre não- familiaridade como uma fonte de representações sociais, no capítu- lo 1). As divisões de sentido podem ocorrer de muitos modos. Po- dem ser muito dramáticas, como todos nós vimos ao assistir à queda do muro de Berlim e sentimos as estruturas de sentido que manti- veram uma visão estabelecida do mundo, desde o fim da guerra, evaporarem. Ou de novo, quando a aparição súbita dum fenômeno ameaçador, tal como HIV/Aids, pode oferecer uma oportunidade para um trabalho representacional. Mais freqüentemente, as re- presentações sociais emergem a partir de pontos duradouros de conflito, dentro das estruturas representacionais da própria cultu- ra, por exemplo, na tensão entre o reconhecimento formal da uni- versalidade dos “direitos do homem”, e sua negação a grupos espe- cíficos dentro da sociedade. As lutas que tais fatos acarretaram foram também lutas para novas formas de representações. O fenômeno das representações está, por isso, ligado aos pro- cessos sociais implicados com diferenças na sociedade. E é para dar uma explicação dessa ligação que Moscovici sugeriu que as representações sociais são a forma de criação coletiva, em condi- ções de modernidade, uma formulação implicando que, sob outras condições de vida social, a forma de criação coletiva pode também ser diferente. Ao apresentar sua teoria de representações sociais, Moscovici, muitas vezes, traçou esse contraste (ver capítulo 1), e sugeriu, às vezes, que esta foi a razão principal de preferir o termo “social”, ao termo “coletivo” de Durkheim. Existe aqui uma alusão a uma complexa explicação histórica da emergência das repre- sentações sociais que Moscovici apenas delineia muito de leve e, sem querer apresentar uma explicação mais detalhada ou exten- sa, será útil, para se poder compreender algo do caráter das repre- sentações sociais, para chamar a atenção, nesse ponto, de dois as- pectos relacionados dessa transformação histórica. 17 A modernidade sempre se coloca em relação a algum passado que é considerado como tradicional e embora seja errado (como Bartlett, 1923, viu muito previdentemente) considerar as socieda- des pré-modernas - ou tradicionais - como efetivamente homogê- neas, o fio condutor central do argumento de Moscovici sobre a transformação das formas de criação coletiva na transição para a modernidade se relaciona à questão da legitimação. Nas socieda- des pré-modernas (que, nesse contexto, são as sociedades feudais na Europa, embora este ponto possa ser também relevante para outras formas de sociedade pré-moderna), são as instituições cen- tralizadas da Igreja e do Estado, do Bispo e do Rei, que estão no ápice da hierarquia de poder e regulam a legitimação do conheci- mento e das crenças. De fato, dentro da sociedade feudal, as pró- prias desigualdades entre diferentes estratos, dentro dessa hierar- quia, foram vistas como legitimas. A modernidade, em contraste, se caracteriza por centros mais diversos de poder, que exigem au- toridade e legitimação, de tal modo que a regulação do conheci- mento e da crença não é mais exercida do mesmo modo. O fenô- meno das representações sociais pode, neste sentido, ser visto como a forma como a vida coletiva se adaptou a condições des- centradas de legitimação. A ciência foi uma fonte importante de surgimento de novas formas de conhecimento e crença no mundo moderno, mas também o senso comum, como nos lembra Mosco- vici. A legitimação não é mais garantida pela intervenção div ina, mas se torna parte duma dinâmica social mais complexa e contes- tada, em que as representações dos diferentes grupos na socieda- de procuram estabelecer uma hegemonia. A transição para a modernidade é também caracterizada pelo papel central de novas formas de comunicação, que se originaram com o desenvolvimento da imprensa e com a difusão da alfabeti- zação. A emergência das novas formas de meios de comunicação de massa (cf. Thompson, 1995) gerou tanto novas possibilidades para a circulação de idéias, como também trouxe grupos sociais mais amplos para o processo de produção psicossocial do conhe- cimento. Esse tema é muito complexo para ser tratado adequada- mente aqui, exceto para dizer que, em sua análise das diferentes formas de representação da psicanálise nos meios de comunica- ção da França, Moscovici (1961/1976) mostrou como a propaga- ção, propaganda e difusão foram do modo que foram, porque os diferentes grupos sociais representam a psicanálise de diferentes 18 modos e procuram estruturar diferentes tipos de comunicação sobre esse objeto, através dessas diferentes formas. Cada uma dessas formas procura estender sua influência na construção du- ma representação especifica e cada uma delas também reivindica sua própria legitimação para a representação que ela promove. É a produção e circulação de idéias dentro dessas formas difusas de comunicação que distinguem a era moderna da pré-moderna e ajudam a distinguir as representações sociais como a forma de criação coletiva, distinta das formas autocráticas e teocráticas da sociedade feudal. As questões de legitimação e comunicação servem para enfatizar o sentido da heterogeneidade da vida social moderna, uma visão que ajudou a dará pesquisa sobre representações sociais um foco distinto, na emergência de novas formas de representa- ção. 4. Representações sociais e psicologia social A recepção da teoria das representações sociais dentro duma disciplina mais ampla da psicologia social foi tanto fragmentada, como problemática. Se alguém olhar para trás, para a “era domada” da psicologia social, pode ver certa afinidade entre o trabalho de Moscovici e o de certos predecessores, como Kurt Lewin, Solomon Asch, Fritz Heider ou, talvez o último representante desta era, Leon Festinger — uma afinidade mais que uma similaridade, pois embora o trabalho de Moscovici partilhe com esses predecessores uma pre- ocupação comum na análise das relações entre processos sociais e formas psicológicas, seu trabalho retém uma qualidade distintiva, do mesmo modo como esses autores diferem entre si. Não é difícil, contudo, imaginar a possibilidade dum diálogo produtivo baseado nessa afinidade. Mas é difícil imaginar tal diálogo produtivo na dis- ciplina de psicologia social como ela existe hoje, onde a predomi- nância dos paradigmas de processamento da informação e a emer- gência de variedades de formas “pós-modernistas” de psicologia social aumentaram a segmentação do campo. O próprio Moscovici (1984b) sugeriu que a psicologia social contemporânea continua a exibir um tipo de desenvolvime nto descontinuo de paradigmas que mudam e se substituem, “para- digmas solitários”, como ele os descreve. Dentro deste fluxo, cada paradigma aparece mais ou menos desconectado de seus prede- 19 cessores e deixa pequenos traços em seus sucessores. Nesse co n- texto, tem sido destino comum das intervenções teóricas, na psi- cologia social, bruxulear brevemente, antes de passar para um tipo de território de sombras, ás margens duma disciplina que trocou seu centro para o próximo paradigma, deixando pouco tempo para que as idéias fossem assimiladas e para um uso produtivo. Desse ponto de vista, há algo de notável na persistência da teoria das re- presentações sociais durante um período de quarenta anos. No espírito de sua problemática relação com o terreno cambiante da corrente em voga da disciplina, a teoria das representações sociais sobreviveu e prosperou. Ela se tomou não apenas uma das contri- buições teóricasmais duradouras na psicologia social, mas tam- bém uma contribuição que é amplamente difundida por todo o mundo. Nessa discussão sobre os paradigmas em psicologia social, Moscovici vai à frente afirmando que: Conceitos que operam em grandes profundidades parecem necessitar mais de cinqüenta anos para penetrar as camadas mais baixas da comunidade cientifica. É por isso que muitos de nós es- tamos apenas agora começando a perceber o sentido de certas idéias que estiveram germinando na sociologia, psi- cologia e antropologia, desde o limiar desse século (Mosco- vici, 1984b: 941). É essa constelação de idéias que forma o foco para alguns dos ensaios dessa coleção (ver especialmente os capítulos 3 e 6 e a en- trevista no capítulo 7), dentro dos quais a teoria das representa- ções sociais tomou forma. Para compreender a especificidade da contribuição de Mos- covici é importante lembrar, em primeiro lugar, de tudo aquilo contra o qual sua inovação psicossociológica reagiu. A revolução cognitiva, na psicologia, iniciada na década de 1950, legitimou a introdução de conceitos mentalistas, que tinham sido proscritos pelas formas mais militantes do comportamentalismo, que domi- nou a primeira metade do século vinte e, subseqüentemente, as idéias de representações foram o elemento central na emergência da ciência cognitiva, nas duas últimas décadas. Mas a partir desta perspectiva, a representação foi geralmente vista num sentido muito restrito, como uma construção mental dum objeto externo. Embora isso tenha permitido o desenvolvimento dum cálculo in- formacional, em que representações foram termos centrais, o ca- ráter social, ou simbólico, das representações raramente figurou 20 em tais teorias. Para retornar, por um momento, ao exemplo do mapa da Europa, embora formas contemporâneas de ciência cog- nitiva possam reconhecer o deslocamento de Praga nas represen- tações populares, elas não possuem conceitos com os quais pos- sam compreender o significado desse deslocamento, nem as in- fluências dos processos sociais que subjazem a ele. Na melhor das hipóteses, tal deslocamento irá aparecer como uma das muitas “distorções” do pensamento comum, que foram documentadas em teorias de cognição social. Mas enquanto tais teorias em psi- cologia social tenham discutido “distorções” como exemplos de como o pensamento comum se afasta da lógica sistemática da ci- ência, do ponto de vista das representações sociais elas são vistas como formas de conhecimento produzidas e sustentadas por gru- pos sociais específicos, numa determinada conjuntura histórica (cf. Farr, 1998). Conseqüentemente, enquanto as formas “clássicas” de psico- logia cognitiva (incluindo a cognição social, que se tomou a forma contemporânea predominante de psicologia social) tratam a re- presentação como um elemento estático da organização cogniti- va, na teoria da representação social o próprio conceito de repre- sentação possui um sentido mais dinâmico, referindo-se tanto ao processo pelo qual as representações são elaboradas, como às es- truturas de conhecimento que são estabelecidas. Na verdade, é através dessa articulação da relação entre processo e estrutura, na gênese e organização das representações, que a teoria oferece, na psicologia social, uma perspectiva distinta daquela da cognição social (cf. Jovchelovitch, 1996). Para Moscovici, a fonte dessa relação está na função das próprias representações. Fazendo eco a formu- lações anteriores de McDougal e Bartlett, Moscovici argumenta que “o propósito de todas as representações é tomar algo não- familiar, ou a própria não-familiaridade, familiar” (cf. capitulo 1). A familiarização é sempre um processo construtivo de ancoragem e objetivação (cf. capítulo 1), através do qual o não-familiar passa a ocupar um lugar dentro de nosso mundo familiar. Mas a mesma operação que constrói um objeto dessa maneira é também consti- tutiva do sujeito (a construção correlativa do sujeito e objeto na dialética do conhecimento foi também um traço característico da psicologia genética de Jean Piaget e do estruturalismo genético de Lucien Goldman). As representações sociais emergem, não apenas como um modo de compreender um objeto particular, mas 21 também como uma forma em que o sujeito (indivíduo ou gru po) adquire uma capacidade de definição, uma função de identidade, que é uma das maneiras como as representações expressam um valor simbólico (algo que também empresta à noção de famili- arização de Moscovici uma inflexão que é distinta da de McDou gall ou Bartlett). Nas palavras de Denise Jodelet, colega durante muito tempo de Moscovici, a representação é uma “forma de co- nhecimento prático [savoir] conectando um sujeito a um objeto” (Jodelet, 1989: 43), e ela continua dizendo que “quantificar esse conhecimento como ‘prático ’ refere-se à experiência a partir da qual ele é produzido, aos referenciais e condições em que ele é produzido e, sobretudo, ao fato de que a representação é empre- gada para agir no mundo e nos outros” (Jodelet, 1989: 43-44). As representações são sempre um produto da interação e co- municação e elas tomam sua forma e configuração específicas a qualquer momento, como uma conseqüência do equilíbrio especifico desses processos de influência social. Há uma relação sutil, aqui, en- tre representações e influências comunicativas, que Moscovici identifica, quando ele define uma representação social como: Um sistema de valores, idéias e práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará as pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunica- ção seja possível entre os membros de uma comunidade, fo r- necendo-lhes um código para nomear e classif icar, sem am- bigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua histó- ria individual e social (1976: xiii) . A relação entre representação e comunicação pode bem ser o aspecto mais controverso da teoria de Moscovici e em seu próprio livro ela está expressa, de forma muito clara, na segunda parte de seu estudo La Psychanalyse, a análise das representações na mídia francesa, como mostrei acima (e esse é um ponto devido ao qual uma compreensão da teoria das representações sociais foi di- ficultada de maneira muito séria, pela falta duma tradução inglesa do texto, como notou Willem Doise (1993); essa secção do livro ra- ramente figurou nas discussões anglo-saxãs da teoria). Em relação à psicologia cognitiva, não é difícil ver por que es- sa concepção deva ser controversa, pois a força duradoura da i- déia de psicologia como uma ciência natural, concentrada em pro- 22 cessos segregados da influência poluidora do social, tornou im- pensável a idéia de que nossas crenças, ou ações, possam ser for- madas fora de tais influências. É claro que a psicologia de Moscovici não é a primeira a pro- por tal tema. A psicanálise de Freud, por exemplo, procurou as origens dos pensamentos nos processos libidinais, que, especial- mente para a escola das relações objetais, refletem as primeiras experiências da criança no mundo dos outros (Jovchelovìtch, 1996). Mead também pode ser considerado como tendo feito uma argumentação semelhante, em sua análise do desenvolvimento do self (ver Moscovici, 1990b). Mas o trabalho de Moscovici não enfoca as origens libidinais de nossos pensa mentos (embora Lucien Goldmann, 1996, tenha construído um paralelo sugestivo entre a organização das construções psicanalíticas e as sociais), nem está ele fundamentalmente interessado com as fontes interpessoais do self seu foco principal foi argumentar não apenas que a criação coletiva está organizada e estruturada em termos de representa- ções, mas que essa organização e estrutura é tanto conformada pelas influências comunicativas em ação na sociedade, como, ao mesmo tempo, serve para tornar a comunicação possível. As represen- tações podem ser o produto da comunicação,mas também é verda- de que, sem a representação, não haveria comuni cação. Precisa- mente devido a essa interconexão, as representações podem tam- bém mudar a estabilidade de sua organização e estrutura depende da consistência e constância de tais padrões de comu nicação, que as mantêm. A mudança dos interesses humanos pode gerar novas formas de comunicação, resultando na inovação e na emer- gência de novas representações. Representações, nesse sentido, são estruturas que conseguiram uma estabilidade, através da transformação duma estrutura anterior. Se a perspectiva oferecida pela teoria das representações so- ciais foi, em geral, contrastada muito acentuadamente com a cor- rente em voga da disciplina, para que pudesse emergir daí um diá- logo construtivo (embora um interesse nesse diálogo esteja come- çando a emergir nos EE.UU. (cf. Deaux & Philogene, 2000), o que foi tanto mais surpreendente, como mais decepcionante, foi a re- cepção da teoria entre aquelas correntes de pensamento sociopsi- cológico, que tinham sido suas vizinhas nessa terra de sombras marginal. Com algumas exceções marcantes (por exemplo, Billig, 1988, 1993; Harré, 1984, 1998, que entraram num diálogo de enga- jamento construtivo a partir das perspectivas retóricas e discursi- 23 vas), a maioria dos comentários, fora da corrente em voga, foram contrários, ou mesmo hostis, à teoria das representações sociais (ver, por exemplo, o catálogo de objeções, na recente contribuição de Potter & Edwards, 1999). Não há espaço, aqui, para oferecer uma relação sistemática de todas as criticas levantadas contra o trabalho de Moscovici, mas um enfoque sobre alguns temas cen- trais irá não apenas dar o tom das questões levantadas, mas tam- bém elaborar um pouco mais algumas das características centrais da própria teoria. Em certo sentido, como mencionei anteriormente, o trabalho de Moscovici foi parte da perspectiva européia em psicologia so- cial, que emergiu nas décadas de 196O e 197O. Olhando para esse trabalho agora, contudo, podem-se notar também as diferenças dentro desse enfoque “europeu”. Por exemplo, a coleção editada por Israel e Tajfel (1972, um trabalho muitas vezes citado como a fonte central da visão européia, e para o qual o capitulo 2 dessa co- leção foi uma contribuição de Moscovici), aparece agora como sendo caracterizada mais pela diversidade de seus pontos de vista do que por um espírito critico comum entre os colaboradores. Algumas das criticas mais fortes à teoria das representações so- ciais vieram de Gustav Jahoda (1988; ver também a resposta de Moscovici, 1988), que pertence à mesma geração de psicólogos sociais de Moscovici, e que apresentou sua própria contribuição á tradição “européia”. Para Jahoda, longe de ajudar a iluminar os problemas da psicologia social, a teoria das representações sociais - serviu antes para obscurecê-los. De modo particular, ele acha a te- oria vaga na construção de seus conceitos, uma acusação que foi um tema importante nas discussões sobre representações sociais, que veio à tona de novo recentemente num comentário mais sim- pático de Jan Smedslund (1998; ver também Duveen, 1998). O fato de uma teoria ser vaga é, na verdade, em grande parte, uma questão de ponto de vista. Onde um escritor acha que uma teoria necessita tanto de precisão, que não chega a apresentar nada mais que uma série de quimeras. Para outros escritores, a mesma teoria pode abrir novos caminhos para discutir antigos problemas. Desse modo, Jahoda sugere que, desprovida de sua retórica, a teoria das representações sociais pouco contribuiu, além do que já está contido na psicologia social tradicional das ati- tudes. Mas, como mostraram Jaspars e Fraser (1984), embora a formulação original do conceito de atitudes sociais, na obra de Thomas & Znaniecki (1918/1920), pudesse ter algumas similarida- 24 des importantes como conceito de representações sociais, o con- ceito de atitude sofreu, ele próprio, uma transformação considerá- vel nas teorias sociopsicológicas subseqüentes. Nessa transfor- mação, a idéia de atitude foi despojada de seu conteúdo e de suas origens sociais e simbólicas. Na psicologia social contemporânea, as atitudes aparecem como disposições cognitivas ou motivacio- nais, de tal modo que a idéia duma conexão inerente entre comu- nicação e representação evaporou. Se a pesquisa em representa- ções sociais continuou a empregar alguma tecnologia da mensu- ração da atitude, ela procurou referenciar essas atitudes como parte duma estrutura representacional maior (ver também a dis- cussão das relações entre atitudes e representações na entrevista no capitulo7). A partir de outra perspectiva, as co rrentes mais radicais da teoria do discurso, em psicologia social (por exemplo, Potter & Edwards, 1999), objetaram contra a própria idéia de representa- ção, como sendo um anexo tardio da psicologia cognitiva “moder- nista”. Desse ponto de vista, todos os processos sociopsicológicos se explicam nos efeitos do discurso e nas realizações e reformula- ções fugazes da identidade que ele sustenta. E apenas a atividade do discurso que pode ser o objeto de estudo, nessa forma de psico- logia social, e qualquer fala sobre estrutura e organização no nível cognitivo se apresenta como uma concessão à hegemonia dos mo- delos de processamento da informação (e pouco importa a es ses críticos que a teoria das representações sociais tenha sempre in- sistido no caráter simbólico da cognição; ver também os comen- tários de Moscovici na entrevista do capitulo 7). Aqui, o fato de a teoria das representações sociais ser vaga deve-se ao seu afasta- mento insuficientemente radical dum discurso “mentalista”, mas, como observou Jovchelovitch (1996), a pressa em evacuar o men- tal do discurso da psicologia social está conduzindo a uma re-cria- ção duma forma de comportamentalismo. Apesar de tudo o que seus críticos possam sugerir, a teoria das representações sociais se mostrou suficientemente clara e precisa para apoiar e manter um crescente corpo de pesquisa, através de diversas áreas da psicologia social. Na verdade, a partir dum ponto de vista diverso, poder-se-ia argumentar que a pesqui- sa em representações sociais contribuiu tanto quanto qualquer 25 outro trabalho em psicologia social, senão mais, para nossa com- preensão dum amplo espectro de fenômenos sociais (tais como o entendimento público da ciência, idéias populares sobre saúde e doença, concepções de loucura, ou o desenvolvimento de identi- dades de gênero, para nomear apenas alguns poucos). Contudo, a insistência com que a acusação de ser vaga foi apresentada contra a teoria merece alguma consideração a mais. Alguma compreen- são do que se quer com essa caracterização da teoria pode ser identificada considerando -se alguns dos estudos centrais de pesquisa que ela inspirou. Além do próprio estudo de Moscovici sobre as representações da psicanálise, o estudo de Denise Jodelet (1989/1991; ver também capítulo 1) sobre as representações sociais da loucura numa aldeia francesa oferece um segundo e- xemplo paradigmático de pesquisa nesse campo. Metodologica- mente, esses dois estudos adotam enfoques bastante diferentes (mostrando a importância do que Moscovici chamou de signifi- cância do “politeísmo metodológico”). Moscovici empregou mé- todos de levantamento e analise de conteúdo, enquanto o estudo de Jodelet se baseou na etnografia e entrevistas. O que ambos os estudos partilham, contudo, é uma estratégia de pesquisa similar, em que o passo inicial é o estabelecimento duma distância critica do mundo cotidiano do senso comum, em que as representa- ções circulam. Se as representações sociais servem para familiari- zar o não-familiar, então a primeira tarefa dum estudo cientifico das representações é tornar o familiar não-familiar, a fim de que elas possam ser compreendidas como fenômenos e descritas atra- vés de toda técnica metodológica que possa ser adequada nas cir- cunstânciasespecíficas. A descrição, é claro, nunca é indepen dente da teorização dos fenômenos e, nesse sentido, a teoria das repre- sentações sociais fornece o referencial interpretativo tanto para tornar as representações visíveis, como para tomá-las inteligíveis como formas de prática social. A questão de uma teoria ser vaga pode ser vista como sendo, em grande parte, um problema metodológico, pois ela se refere, fundamentalmente, àquilo que diferentes perspectivas sociopsi- cológicas tornam visível e inteligível. Com respeito a isso, diferentes perspectivas em psicologia social operam com critérios e con- dições diferentes. Armado com o aparato conceptual da psicologia social tradicional, alguém irá lutar para não ver nada mais que atitudes, do mesmo modo que a perspectiva discursiva irá revelar 26 apenas os efeitos do discurso nos processos sociopsicológicos. Cada um desses enfoques opera dentro dum universo teórico mais ou menos hereticamente lacrado. Dentro de cada perspectiva, há uma ordem conceptual que traz claridade e estabilidade á co- municação dentro dela (cada perspectiva, podemos dizer, “esta- belece seu próprio código para intercâmbio social”). O que perma- nece fora duma perspectiva particular mostra-se vago e o precur- sor de desordem. Esse fato, na verdade, não é mais que uma ex- pressão da permanente crise na disciplina da psicologia social que continua a existir como um conjunto de “paradigmas solitários”. O reconhecimento desse estado de coisas, por si mesmo, não confe re status especial, ou privilegiado, à teoria das representações so- ciais. O que dá ao trabalho de Moscovici seu particular interesse e a razão pela qual ele continua a exigir atenção é que seu trabalho em representações sociais forma parte dum empreendimento mais amplo para estabelecer (ou re-estabelecer) os fundamentos para uma disciplina que é tanto social, como psicológica. 5. Para uma psicologia social genética A partir desse ponto de vista, é importante situar os estudos de Moscovici, sobre representações sociais, dentro do contexto de seu trabalho como um todo, pois é como parte duma contribuição mais ampla à psicologia social que esse trabalho permanece de capital importância. Já aludi ao sentido como seu trabalho expres- sou um espírito critico e inovador em relação á disciplina e nesse sentido ele também contribuiu para uma reavaliação critica mais ampla das formas dominantes de psicologia social, que começou na década de 1960 e foi, por um tempo, associada a uma perspec- tiva distintivamente européia da disciplina (algo desse espírito critico é evidente em muitos dos capítulos dessa coleção, mas par- ticularmente no capítulo 2 e na entrevista do capítulo 7). O que marcou a contribuição de Moscovici como inovadora foi o fato de que ela não se limitou a uma crítica negativa das fraquezas e limi- tações das formas predominantes de psicologia social, mas sem- pre procurou, em vez disso, elaborar uma alternativa positiva. A esse respeito, é também importante reconhecer que, embora a teoria das representações sociais tenha sido um ce ntro de seu esforço teórico, o trabalho de Moscovici estendeu-se, numa ampli- tude maior, através da psicologia social, abrangendo estudos de 27 psicologia da multidão, conspiração e decisões coletivas, bem co- mo o trabalho sobre influência social. Em todas essas contribui- ções encontra-se alguma inspiração em ação, uma forma parti- cular do que pode ser descrito como a “imaginação sociopsicológi- ca”. Se o trabalho de Moscovici pode ser visto como oferecendo uma perspectiva distinta em psicologia social, ela é uma perspec- tiva que é mais ampla que o que é conotado simplesmente pelo termo representações sociais, embora esse termo tenha sido, mui- tas vezes, tomado como emblemático dessa perspectiva. O próprio Moscovici raramente aventurou -se em esforços para articular as interconexões entre essas diferentes áreas de trabalho (embora a entrevista no capitulo 7 ofereça alguns pen- samentos importantes). Em parte, isso reflete o fato de que cada uma dessas áreas de trabalho foi articulada através de procedi- mentos metodológicos diferentes. Seus estudos de influência soci- al e processos de grupo, por exemplo, foram rigorosamente expe- rimentais, enquanto seu estudo sobre multidão se inspirou numa análise crítica das primeiras conceptualizações da psicologia das massas. Em parte, isso pode também refletir a razão pela qual esses estudos enfocam diferentes níveis de análise, desde a intera- ção face a face, até a comunicação de massa e a circulação de idéi- as coletivas. Todos esses estudos, contudo, parecem estar “grávi- dos” das idéias que foram articuladas ao redor do conceito de re- presentações sociais, de tal modo que um focar sobre esse concei- to pode indicar algo de sua perspectiva subjacente. Com respeito a isso, o ensaio sobre Proust, no capitulo 5, oferece um estudo ilu- minador das imbricações das relações entre influência e represen- tação. Outro exempla é sua análise crítica da discussão de Weber sobre a ética protestante em The Invention of Society (Moscovici, 1988/1993).O que é claro em ambos os ensaios é que a influên- cia é sempre dirigida à sustentação, ou à mudança, das represen- tações, enquanto, inversamente, representações especificas se tornam estabilizadas através de um equilíbrio conseguido num modelo particular de processos de influência. Aqui, como nos estu- dos de tomada de decisão nos grupos, é a relação entre comunica- ção e representação que é central. Em seu livro sobre influência social, Moscovici (1976) identi- ficou a perspectiva que ele descreveu como uma “psicologia 28 socialgenética”, para enfatizar o sentido em que os processos de influência emergiram nos intercâmbios comunicativos entre as pessoas. O emprego do termo “genético” faz ecoar o sentido que lhe foi dado tanto por Jean Piaget, como por Lucien Goldmann. Em todas essas instâncias, estruturas especificas somente podem ser entendidas como as transformações de estruturas anteriores (ver o ensaio sobre themata - temas 7 - capitulo 4 desta publicação). Na psicologia social de Moscovici, é através dos intercâmbios comu- nicativos que as representações sociais são estruturadas e trans- formadas. É essa relação dialética entre comunicação e represen- tação que está no cento da “imaginação sociopsicológica” de Mos- covici e é a razão para se descrever essa perspectiva como uma psicologia social genética (cf. Duveen & Lloyd, 1990). Em todos os intercâmbios comunicativos, há um esforço para compreender o mundo através de idéias especificas e de projetar essas idéias de maneira a influenciar outros, a estabelecer certa manei ra de criar sentido, de tal modo que as coisas são vistas desta ma neira, em vez daquela. Sempre que um conhecimento é expres so, é por determinada razão; ele nunca é desprovido de interes se. Quan- do Praga é localizada a leste de Viena, certo sentido de mundo e um conjunto particular de interesses humanos estão sendo projetados. A procura de conhecimentos nos leva de volta ao tu- multo da vida humana e da sociedade humana; é aqui que o co- nhecimento toma aparência e forma através da comunicação e, ao mesmo tempo, contribui para a configuração e formação dos intercâmbios comunicativos. Através da comunicação, so- mos capazes de nos ligar a outros ou de distanciar-nos deles. Esse é o poder das idéias, e a teoria das representações sociais de Moscovici procurou tanto reconhecer um fenômeno social especí- fico, como fornecer os meios para torná-lo inteligível como um processo sociopsicológico. Gerard Duveen 29 29 O FENÔMENO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 1. O pensamento considerado como ambiente 1.1 Pensamento primitivo, ciência e senso comum A crença em que o pensamento primitivo - se tal termo é ain- da aceitável - está baseado é uma crença no “poder ilimitado da mente” em conformar a realidade, em penetrá-lae ativá-la e em determinar o curso dos acontecimentos. A crença em que o pen- samento científico moderno está baseado é exatamente o oposto, isto é, um pensamento no “poder ilimitado dos objetos” de confor- mar o pensamento, de determinar completamente sua evolução e de ser interiorizado na e pela mente. No primeiro caso, o pensa- mento é visto como agindo sobre a realidade; no segundo, como uma reação à realidade; numa, o objeto emerge como uma réplica do pensamento; na outra, o pensamento é uma réplica do objeto; e se para o primeiro, nossos desejos se tornam realidade - ou “wish-- ful thinking” - então, para o segundo, pensar passa a ser transfor- mar a realidade em nossos desejos, despersonalizá-los. Mas sendo que as duas atitudes são simétricas, elas somente podem ter a mesma causa e uma causa com a qual nós já estávamos familiari- zados há muito tempo: o medo instintivo do homem de poderes que ele não pode controlar e sua tentativa de poder compensar essa impotência imaginativamente. Sendo esta a única diferença, enquanto a mente primitiva se amedronta diante das forças da na- tureza, a mente científica se amedronta diante do poder do pensa- mento. Enquanto a primeira nos possibilitou sobreviver por mi- lhões de anos e a segunda conseguiu isso em poucos séculos, de- vemos aceitar que ambas, a seu modo, representam um aspecto real da relação entre nossos mundos internos e externos; um as- pecto, além disso, que vale a pena ser investigado. 30 A psicologia social é, obviamente, uma manifestação do pen- samento científico e, por isso, quando estuda o sistema cognitivo ela pressupõe que: 1. os indivíduos normais reagem a fenômenos, pessoas ou acon- tecimentos do mesmo modo que os cientistas ou os estatísti- cos, e 2. compreender consiste em processar informações. Em outras palavras, nós percebemos o mundo tal como é e to- das nossas percepções, idéias e atribuições são respostas a estí- mulos do ambiente físico ou quase-físico, em que nós vivemos. O que nos distingue é a necessidade de avaliar seres e objetos corre- tamente, de compreender a realidade completamente; e o que dis- tingue o meio ambiente é sua autonomia, sua independência com respeito a nós, ou mesmo, poder-se-ia dizer, sua indiferença com respeito a nós e a nossas necessidades e desejos. O que era tido como vieses cognitivos, distorções subjetivas, tendências afetivas obviamente existem. Como nós, todos estamos cientes disso, mas eles são concretamente vieses, distorções e tendências em rela- ção a um modelo, a regras, tidas como norma. Parece-me, contudo, que alguns fatos comuns contradizem esses dois pressupostos: a) Primeiro, a observação familiar de que nós não estamos conscientes de algumas coisas bastante óbvias; de que nós não conseguimos ver o que está diante de nossos olhos. É como se nosso olhar ou nossa percepção estivessem eclipsados, de tal mo- do que uma determinada classe de pessoas, seja devido a sua ida- de - por exemplo, os velhos pelos novos e os novos pelos velhos - ou devido a sua raça - p. ex. os negros por alguns brancos, etc. - se tomam invisíveis quando, de fato, eles estão “nos olhando de fren- te”. É assim que um arguto escritor negro descreve tal fenômeno: Eu sou um homem invisível. Não, eu não sou um fantasma como os que espantaram Edgar Allan Poe; nem sou eu um de vos- sos ectoplasmas dos cinemas de Hollywood. Eu sou um ho- mem concreto, de carne e osso, fibra e líquidos – e de mim pode-se até dizer que tenho inteligência. Eu sou invisível, entenda-se, simplesmente porque as pessoas recusam ver- me. Como a cabeça sem corpo, que às vezes se vê em circos, acontece como se eu estivesse cercado de espelhos de vidro grossa e que distorcem a figura. Quando eles se aproximam de mim, eles vêem apenas o que me cerca, se vêem eles 31 mesmos, ou construções de sua imaginação – na realidade, tudo, exceto eu mesmo (Ellison, 1965: 7). Essa invisibilidade não se deve a nenhuma falta de informação devida à visão de alguém, mas a uma fragmentação preestabeleci- da da realidade, uma classificação das pessoas e coisas que a com- preendem, que faz algumas delas visíveis e outras invisíveis. b) Em segundo lugar, nós muitas vezes percebemos que alguns fatos que nós aceitamos sem discussão, que são básicos a nosso entendimento e comportamento, repentinamente trans- formam-se em meras ilusões. Por milhares de anos os homens estavam convencidos que o sol girava ao redor de uma terra pa- rada. Desde Copérnico nós temos em nossas mentes a imagem de um sistema planetário em que o sol permanece parado, enquanto a terra gira a seu redor; contudo, nós ainda vemos o que nossos antepassados viam. Distinguimos, pois, as aparências da realidade das coisas, mas nós as distinguimos precisamente por- que nós podemos passar da aparência à realidade através de al- guma noção ou imagem. c) Em terceiro lugar nossas reações aos acontecimentos, nos- sas respostas aos estímulos, estão relacionadas a determinada de- finição, comum a todos os membros de uma comunidade à qual nós pertencemos. Se, ao dirigirmos pela estrada, nós encontramos um carro tombado, uma pessoa ferida e um policial fazendo um relatório, nós presumimos que houve um acidente. Nós lemos diariamente sobre colisões e acidentes nos jornais a respeito dis- so. Mas esses são apenas “acidentes” porque nós definimos assim qualquer interrupção involuntária no andamento de um carro que tem conseqüências mais ou menos trágicas. Sob outros aspectos, não existe nada de acidental, quanto a um acidente de automóvel. Sendo que os cálculos estatísticos nos possibilitam avaliar o nú- mero de vítimas, de acordo com o dia da semana e da localidade, os acidentes de carro não são mais casuais que a desintegração dos átomos em uma aceleração sob alta pressão; eles estão direta- mente relacionados a um grau de urbanização de uma dada socie- dade, à velocidade e ao número dos seus carros particulares e à inadequação do seu transporte público. Em cada um desses casos, notamos a intervenção de repre- sentações que tanto nos orientam em direção ao que é visível, como àquilo a que nós temos de responder; ou que relacionam a 32 aparência á realidade; ou de novo aquilo que define essa realida- de. Eu não quero dizer que tais representações não correspondem a algo que nós chamamos o mundo externo. Eu simplesmente per- cebo que, no que se refere á realidade, essas representações são tudo o que nós temos, aquilo a que nossos sistemas perceptivos, como cognitivos, estão ajustados. Bower escreve: Nós geralmente usamos nosso sistema perceptivo para interpretar representações de mundos que nós nunca podemos ver. No mundo feito por mãos humanas em que vivemos, a percepção das re- presentações é tão importante como a percepção dos obj e- tos reais. Por representação eu quero dizer um conjunto de estímulos feitos pelos homens, que têm a finalidade de servir como um substituto a um sinal ou som que não pode ocorrer natu- ralmente. Algumas representações funcionam como substitutos de estímulos; elas produzem a mesma experiência que o mundo na- tural produziria (Bower, 1977: 58). De fato, nós somente experienciamos e percebemos um mundo em que, em um extremo, nós estamos familiarizados com coisas feitas pelos homens, representando outras coisas feitas pe- los homens e, no outro extremo, com substitutos por estímulos cujos originais, seus equivalentes naturais, tais como partículas ou genes, nós nunca veremos. Assim que nos encontramos, por vezes, em um dilema onde necessitamos um ou outro signo, que nos auxili- ará a distinguir uma representação de outra, ou uma representa- ção do que ela representa, isto é, um signo que nos dirá: “Essa é uma representação”, ou “Essa não é uma representação.” O pintor René Magritte ilustrou tal dilema com perfeição em um quadro em que a figura de um cachimbo está contida dentro de uma figura que também representa um cachimbo Nessafigura dentro da figura podemos ler a mensagem: “Esse é um cachimbo”, que indica a dife- rença entre os dois cachimbos. Nós nos voltamos então para o cachimbo “real” flutuando no ar e percebemos que ele é real, en- quanto o outro é apenas uma representação1. Tal interpretação, contudo, é incorreta, pois ambas as figuras estão pintadas na mesma tela, diante de nossos olhos. A idéia de que uma delas é 1 Nota do editor: Moscovici está se referindo a um quadro de Magritte, que pode não ser tio familiar aos leitores, O famoso quadro data de 1926 e mostra uma simples imagem de um ca- chimbo com a inscriç~o “Isso n~o é um cachimbo”, embaicho da pintura. Em 1966, ele pintou outro quadro chamado Les deux mistéres (Os dois mistérios), em que o quadro de 1966 é mostra- do em um cavalete, em uma sala vazia, com uma segunda imagem de um cachimbo flutuando no ar, sobre ele. As questões sobre representação relacionadas a ambas as pinturas são extensa- mente discutidas por Michel Foucault (1983). 33 uma figura que está, ela mesma, dentro de uma figura e por isso um pouco “menos real” que a outra, é totalmente ilusória. Uma vez que se chegou a um acordo de “entrar na moldura”, nós já estamos com- prometidos: temos de aceitar a imagem como realidade. Continua contudo a realidade de uma pintura que, exposta em um museu e definida como um objeto de arte, alimenta o pensamento, provoca uma reação estética e contribui para nossa compreensão da arte da pintura. Como pessoas comuns, sem o benefício dos instrumentos ci- entíficos, tendemos a considerar e analisar o mundo de uma ma- neira semelhante; especialmente quando o mundo em que vive- mos é totalmente social. Isso significa que nós nunca conseguimos nenhuma informação que não tenha sido destorcida por re- presentações “superimpostas” aos objetos e às pessoas que lhes dão certa vaguidade e as fazem parcialmente inacessíveis. Quando contemplamos esses indivíduos e objetos, nossa predisposição genética herdada, as imagens e hábitos que nós já aprendemos, as suas recordações que nós preservamos e nossas categorias cultu- rais, tudo isso se junta para fazê-las tais como as vemos. Assim, em última análise, elas são apenas um elemento de uma cadeia de rea- ção de percepções, opiniões, noções e mesmo vidas, organizadas em uma determinada seqüência É essencial relembrar tais lu gares comuns quando nos aproximamos do domínio da vida mental na psicologia social. Meu objetivo é reintroduzi-los aqui de uma ma- neira que, espero, seja frutífera. 1.2 A natureza convencional e prescritiva das representações De que modo pode o pensamento ser considerado como um ambiente (como atmosfera social e cultural)? Impressionistica- mente, cada um de nós está obviamente cercado, tanto individu- almente como coletivamente, por palavras, idéias e imagens que penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa mente, quer quei- ramos quer não e que nos atingem, sem que o saibamos, do mesmo modo que milhares de mensagens enviadas por ondas eletromag- néticas circulam no ar sem que as vejamos e se tomam palavras em um receptor de telefone, ouse tomam imagens na tela da televisão. Tal metáfora, contudo, não é realmente adequada. Vejamos se po- 34 demos encontrar uma maneira melhor de descrever como as re- presentações intervêm em nossa atividade cognitiva e até que pon- to elas são independentes dela, ou, pode-se dizer, até que ponto a determinam. Se nós aceitamos que sempre existe certa quantidade, tanto de autonomia, como de condicionamento em cada ambiente, seja natural ou social - e no nosso caso em ambos - digamos que as representações possuem precisamente duas funções: a) Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pes- soas ou acontecimentos que encontram. Elas lhes dão uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradual- mente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo de pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo e se sintetizam nele. Assim, nós passamos a afirmar que a terra é redonda, associamos comunismo com a cor vermelha, inflação como decréscimo do valor do dinheiro. Mesmo quando uma pessoa ou objeto não se adéquam exatamente ao mo- delo, nós o forçamos a assumir determinada forma, entrar em deter- minada categoria, na realidade, a se tornar idêntico aos outros, sob pena de não ser nem compreendido, nem decodificado. Bartlett conclui, a partir de seus estudos sobre percepção, que: Quando uma forma de representação co mum e já conven- cional está em uso antes que o signo seja introduzido, exi s- te uma forte tendência para características particulares d e- saparecerem e para que todo o signo seja assimilado em uma forma mais familiar. Assim “o pisca-pisca” quase sempre é identifi- cado a uma forma comum e regular de ziguezague e “quei- xo” perdeu seu ângulo bastante agudo, tornando-se mais semelhante a representações convencionais dessa caracte- rística (Bartlett, 1961: 106). Essas convenções nos possibilitam conhecer o que represen- ta o que: uma mudança de direção ou de cor indica movimento ou temperatura, um determinado sintoma provém, ou não, de uma doença; elas nos ajudam a resolver o problema geral de saber quando interpretar uma mensagem como significante em relação a outras e quando vê-la como um acontecimento fortuito ou casu- al. E esse significado em relação a outros depende ainda de um número de convenções preliminares, através das quais nós pode- mos distinguir se um braço é levantado para chamar a atenção, para saudar um amigo, ou para mostrar impaciência. Algumas ve- zes é suficiente simplesmente transferir um objeto, ou pessoa, de 35 um contexto a outro, para que o vejamos sob nova luz e para sa- bermos se eles são, realmente, os mesmos. O exemplo mais provo- cante foi o apresentado por Marcel Duchamp que, a partir de 1912, restringiu sua produção cientifica em assinar objetos já prontos e que, com esse único gesto, promoveu objetos fabricados ao status de objetos de arte. Um outro exemplo não menos chocante é o dos criminosos de guerra que são responsáveis por atrocidades que não serão facilmente esquecidas. Os que os conheceram, contudo, e que tinham familiaridade com eles tanto durante como depois da guer- ra, elogiaram sua humanidade e sua gentileza, assim como sua efi- ciência tradicional, comparando-os aos milhares de indivíduos tranqüilamente empregados em trabalhos burocráticos. Esses exemplos mostram como cada experiência é somada a uma realidade predeterminada por convenções, que claramente define suas fronteiras, distingue mensagens significantes de men- sagens não-significantes e que liga cada parte a um todo e coloca cada pessoa em uma categoria distinta. Nenhuma mente está livre dos efeitos de condicionamentos anteriores que lhe são impostos por suas representações, linguagem ou cultura Nós pensamos atra- vés de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações, como por nossa cultura. Nós vemos apenas o que as convenções subjacentes nos permitem ver e nós permanece- mos inconscientes dessas convenções. A esse respeito, nossa po - sição é muito semelhante à da tribo étnica africana, da qual Evans- Pritchard escreveu: Nessa rede de crenças, cada fio depende dos outros fios e um Zande não pode deixar esse esquema, porque este é o única mundo que ele conhece. A rede não é uma estrutura externa em que ele esta preso. Ela é a textura de seu pensamento e ele não pode pensar que seu pensamento esteja errado (Evans- Pritchard, 1937: 199). Podemos, através de um esforço, tornar-nos conscientes do aspecto convencional da realidade e então escapar de algumas exigências que ela impõe em nossas percepções e pensamentos. Mas nós não podemos imaginar que podemos libertar-nos sempre de todas as convenções,ou que possamos eliminar todos os pre- conceitos. Melhor que tentar evitar todas as convenções, uma es- 36 tratégia melhor seria descobrir e explicitar uma única representa- ção. Então, em vez de negar as convenções e preconceitos, esta estra- tégia nos possibilitará reconhecer que as representações constitu- em, para nós, um tipo de realidade. Procuraremos isolar quais representações são inerentes nas pessoas e objetos que nós en- contramos e descobrir o que representam exatamente. Entre elas estão as cidades em que habitamos, os badulaques que usa- mos, os transeuntes nas ruas e mesmo a natureza pura, sem polui- ção, que buscamos no campo, ou em nossos jardins. Sei que é dada alguma atenção às representações na prática de pesquisa atual, na tentativa de descrever mais claramente o contexto em que a pessoa é levada a reagir a um estimulo particu- lar e a explicar, mais acuradamente, suas respostas subseqüentes. Afinal, o laboratório é uma realidade tal que representa uma outra, exatamente como a figura de Magritte dentro de um quadro. Ele é uma realidade em que é necessário indicar “isso é um estimulo” e não simplesmente uma cor ou um som e “isso é um sujeito” e não um estudante de direita ou de esquerda que quer ganhar algum dinheiro para pagar seus estudos. Mas nós devemos tomar isso em consideração em nossa teoria. Por isso, nós devemos levar ao cen- tro do palco o que nós procuramos guardar nos bastidores laterais. Isso poderia até mesmo ser o que Lewin tinha em mente quando escreveu: “A realidade é, para a pessoa, em grande parte, deter- minada por aquilo que é socialmente aceito como realidade” (Le- win, 1948: 57). b) Em segundo lugar, representações são prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que es tá presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que de- creta o que deve ser pensado. Uma criança nascida hoje em qual- quer país ocidental encontrará a estrutura da psicanálise, por exemplo, nos gestos de sua mãe ou de seu médico, na afeição com que ela será cercada para ajudá-la através das provas e tribula- ções do conflito edípico, nas histórias em quadrinhos cômicas que ela lerá, nos textos escolares, nas conversações com os co- legas de aula, ou mesmo em uma análise psicanalítica, se tiver de recorrer a isso, caso surjam problemas sociais ou educacionais. Isso sem falar dos jornais que ela terá, dos discursos políticos que 37 terá de ouvir, dos filmes a que assistirá etc. Ela encontrará uma resposta já pronta, em um jargão psicanalítico, a todas essas questões e para todas as suas ações fracassadas ou bem- sucedidas, uma explicação estará pronta, que a levará de volta a sua primeira infância, ou a seus desejos sexuais. Nós menciona- mos a psicanálise como uma representação. Poderíamos do mes- mo modo mencionar a psicologia mecanicista, ou uma psicologia que considera o homem como se fosse uma máquina, ou o para- digma científico de uma comunidade específica. Enquanto essas representações, que são partilhadas por tantos, penetram e influenciam a mente de cada um, elas não são pensadas por eles; melhor, para sermos mais precisos, elas são re- pensadas, re-citadas e re-apresentadas. Se alguém exclama: “Ele é um louco”, pára e, então, se corrige dizendo: “Não, eu quero dizer que ele é um gênio”, nós imediata- mente concluímos que ele cometeu um ato falho freudiano. Mas essa conclusão não é resultado de um raciocínio, nem prova de que nós temos uma capacidade de raciocínio abstrato, pois nós apenas relembramos, sem pensar e sem pensar em nada mais, a representação ou definição do que seja um ato falho freudiano. Po- demos, na verdade, ter tal capacidade e perguntar-nos por que a pessoa em questão usou uma palavra em vez de outra, sem chegar a nenhuma resposta. É, pois, fácil ver por que a representação que temos de algo não está diretamente relacionada à nossa maneira de pensar e, contrariamente, por que nossa maneira de pensar e o que pensamos depende de tais representações, isto é, no fato de que nós temos, ou não temos, dada representação. Eu quero di- zer que elas são impostas sobre nós, transmitidas e são o produto de uma seqüência completa de elaborações e mudanças que ocor- rem no decurso do tempo e são o resultado de sucessivas g era- ções. Todos os sistemas de classificação, todas as imagens e todas as descrições que circulam dentro de uma sociedade, mesmo as descrições científicas, implicam um elo de prévios sistemas e ima- gens, uma estratificação na memória coletiva e uma reprodução na linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento an- terior e que quebra as amarras da informação presente. A atividade social e intelectual é, afinal, um ensaio, ou recital, mas muitos psicólogos sociais a tratam, erradamente, como se ela fizesse perder a memória. Nossas experiências e idéias passadas não são experiências ou idéias mortas, mas continuam a ser ativas, a mudar e a infiltrar nossa experiência e idéias atuais. Sob muitos 38 aspectos, o passado é mais real que o presente. O poder e a clari- dade peculiares das representações - isto é, das representações sociais - deriva do sucesso com que elas controlam a realida de de hoje através da de ontem e da continuidade que isso pressupõe. De fato, o próprio Jahoda as identificou como propriedades autô- nomas que não são “necessariamente identificáveis no pen- samento de pessoas particulares” (Jahoda, 1970: 42); uma nota a que seu compatriota McDougall identificara e aceitara, meio sécu- lo antes, na terminologia de seus dias: “Pensar, com a ajuda de re- presentações coletivas, possui suas leis próprias, bem distintas das leis da lógica” (McDougall, 192O: 74). Leis que, obviamente, modificam as leis da lógica, tanto na prática, como nos resultados. À luz da história e da antropologia, podemos afirmar que essas re- presentações são entidades sociais, com uma vida própria, comu- nicando-se entre elas, opondo-se mutuamente e mudando em harmonia com o curso da vida; esvaindo-se, apenas para emergir novamente sob novas aparências. Geralmente, em civilizações tão divididas e mutáveis como a nossa, elas co-existem e circulam através de várias esferas de atividade, onde uma delas terá pre- cedência, como resposta à nossa necessidade de certa coerên cia, quando nos referimos a pessoas ou coisas. Se ocorrer uma mu- dança em sua hierarquia, porém, ou se uma determinada imagem- idéia for ameaçada de extinção, todo nosso universo se pre- judicará. Um acontecimento recente e os comentários que ele pro- vocou podem servir para ilustrar esse ponto. A American Psychiatric Association recentemente anunciou sua intenção de descartar os termos neurose e neurótico para defi- nir desordens especificas. Os comentários de um jornalista sobre essa decisão em um artigo intitulado “Goodbye Neurosis” (Inter- national Herald Tribune, 11 de set de 1978) são muito signifi- cativos: Se o dicionário das desordens mentais não mais aceitar o termo “neurótico” nós, leigos, somente podemos fazer o mes- mo. Consideremos, contudo, a perda cultural: sempre que alguém é chamado de “neurótico”, ou “um neurótico” , isso envolve um ato implícito de perdão e compreensão: “Oh, Mano de tal é apenas um neurótico”, significa “Oh, fulano é excessi- vamente nervoso. Ele realmente não quer atirar a louça na tua cabeça. É apenas o seu leito” . Ou então “Fulano é apenas um neurótico” - signif icando “ele não pode se controlar. Não quer dizer que todas às vezes ele vai jogar a louça em sua ca- beça”. 39 Pelo fato de chamar alguém de neurótico, nós colocamos o peso do ajustamento não em alguém, mas sobre nós mes- mos. É um tipo de apelo à gentileza, a uma espécie de genero- sidade social. Seria também assim se os “mentalmente perturbados” atiras- sem a louça? Pensamos que não. Desculpar Mano de tal pelo fato de citar sua desordem mental -
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