Buscar

MOSCOVICI, S - Representações Sociais

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 395 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 395 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 395 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

4 
 
Editado em ingl ês por Gerard Duveen 
Traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi 
© Serge Moscovici and Gerard Duveen 2000 
Título original inglês: Social Representations – 
Explorations in Social Psychology 
Publicado pela primeira vez em 2000 por Polity Press 
em associação com Blackwell Publishers Ltd. 
Direitos de publicação em lingua portuguesa: 2003, Editora Vozes Ltda. 
Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ 
Internet: http://www.vozes.com.br Brasil 
 
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá 
ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios 
(eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em 
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escri ta da Editora. 
Editoração e org literária: Sheila Ferreira Neiva 
ISBN 85.326.2896-6 (edição brasileira) ISBN O-7456-2226-7 (edição inglesa) 
Moscovici, Serge 
Representações sociais: investigações em psicologia social / Serge Moscovici: editado em 
inglês por Gerard Duveen: traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi. -5ª ed. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 2007. 
Título original: Social representations: explorations in social psychology Bibliografia 
1. Interação social 2. Interacionismo simbólico 3. Psicologia social 
 I. Duveen, Gerard. II. Título. III Título: Investigações em psicologia social. 
O3-3O44 CDD-3O2. 1 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
índices para catálogo sistemático: 
1. Representações sociais: Psicologia social: Sociologia 3O2. 1 
Este livro foi composto e impresso pel a Editoras Vozes Ltda. 
 
 
atenção este material foi scaneado e revisado superficialme n-
te, pode conter algum erro de transcrição. 
 
 
Lugi
Selecionar
Lugi
Selecionar
http://www.vozes.com.br/
5 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
Introdução - O poder das idéias, 7 
1. O fenômeno das representações sociais, 29 
2. Sociedade e teoria em psicologia social, 111 
3. A história e a atualidade das representações sociais, 167 
4. O conceito de themata, 215 
5. Caso Dreyfus, Proust e a psicologia social, 251 
6. Consciência social e sua história, 283 
7. Idéias e seu desenvolvimento - Um diálogo entre Serge 
Moscovici e Ivan Marková, 305 
Referências bibliográficas, 389 
 
 
 
 
 
6 
 
 
7 
 
INTRODUÇÃO 
O poder das idéias 
 
 
 
 
 
1. Uma psicologia social do conhecimento 
Imagine-se olhando para um mapa da Europa, sem nenhuma 
indicação nele, com exceção da cidade de Viena, perto do centro, e 
ao norte dela, a cidade de Berlim. Onde você localizaria as cidades 
de Praga e Budapeste? Para a maioria das pessoas que nasceram 
depois da II Guerra Mundial, ambas as cidades pertencem à divi-
são do Leste da Europa, enquanto Viena pertence ao Oeste e, con-
seqüentemente, tanto Praga como Budapeste deveriam se lo-
calizar a Leste de Viena. Mas olhe agora para o mapa da Europa e 
veja a localização real dessas duas cidades. Budapeste, com certe-
za, está afastada, ao Leste, bem abaixo de Viena, ao longo do Da-
núbio. Mas Praga está, na verdade, a Oeste de Viena. 
Esse pequeno exemplo ilustra algo do fenômeno das repre-
sentações sociais. Nossa imagem da geografia da Europa foi re-
construída em termos da divisão política da Guerra Fria, em que as 
definições ideológicas de Leste e Oeste substituíram as geográfi-
cas. Podemos também observar, nesse exemplo, como padrões de 
comunicação, nos anos do pós-guerra, influenciaram esse proces-
so e fixaram uma imagem específica da Europa. E verdade que no 
Oeste houve certo medo e ansiedade do Leste, que antecederam a 
II Grande Guerra e que persistem mesmo até hoje, uma década 
depois da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria. Mas 
essa representação, duma Europa dividida nos anos do pós-guer-
ra, teve sua influência mais forte no eclipse da velha imagem da 
Mitteleuropa, de uma Europa Central, abarcando as áreas centrais 
do Império Austro-Húngaro, e estendendo-se ao norte, em dire-
ção a Berlim. Foi essa Europa Central, desmembrada pela Guerra 
Fria, que reposicionou também ideologicamente Praga ao leste da 
Viena “ocidental”. Hoje, a idéia da Mitteleuropa está sendo nova-
8 
 
mente discutida, mas talvez o sentido da “ outridade” leste marcou 
a imagem de Praga tão nitidamente, que poderemos necessitar de 
muito tempo antes que esses novos padrões de comunicação re-
posicionem a cidade novamente a oeste de Viena. 
Esse exemplo, além de ilustrar o papel e a influência da co-
municação no processo da representação social, ilustra também a 
maneira como as representações se tomam senso comum. Elas en-
tram para o mundo comum e cotidiano em que nós habitamos e 
discutimos com nossos amigos e colegas e circulam na mídia que 
lemos e olhamos. Em síntese, as representações sustentadas pelas 
influências sociais da comunicação constituem as realidades de 
nossas vidas cotidianas e servem como o principal meio para esta-
belecer as associações com as quais nós nos ligamos uns aos ou-
tros. 
Por mais de quatro décadas Serge Moscovici, juntamente com 
seus colegas, fez avançar e desenvolver o estudo das representa-
ções sociais. Esta coleção reúne alguns dos ensaios principais, ex-
traídos de um corpo bem maior de trabalho, que apareceu nesses 
anos. Alguns desses ensaios apareceram anteriormente em inglês, 
enquanto outros são traduzidos aqui para o inglês pela primeira 
vez. Juntos, eles ilustram a maneira como Moscovici elaborou e de-
fendeu a teoria das representações sociais, enquanto na entrevista 
conclusiva com Ivana Marková, ele apresenta os elementos princi-
pais da história de seu itinerário intelectual. No coração deste proje-
to esteve a idéia de construção duma psicologia social do conheci-
mento e é dentro do contexto deste projeto mais vasto que seu tra-
balho sobre representações sociais deve ser visto. 
Com que, então, uma psicologia social do conhecimento pode 
se parecer? Que espaço ela procurará explorar e quais serão as ca-
racterísticas-chave desse espaço? O próprio Moscovici apresenta 
este tema da seguinte maneira: 
Há numerosas ciências que estudam a maneira como as pessoas tra-
tam, distribuem e representam o conhecimento. Mas o e s-
tudo de como, e por que, as pessoas partilham o conhecimento e des-
se modo constituem sua realidade comum, de como eles 
transformam idéias em prática - numa palavra, o poder das idéi-
as - é o problema especifico da psicologia social (Moscovici, 1990a: 169). 
Por conseguinte, da perspectiva da psicologia social, o conhe-
cimento nunca é uma simples descrição ou uma cópia do estado 
de coisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido atra-
9 
 
vés da interação e comunicação e sua expressão está sempre liga-
da aos interesses humanos que estão nele implicados. O conheci-
mento emerge do mundo onde as pessoas se encontram e intera-
gem, do mundo onde os interesses humanos, necessidades e de-
sejos encontram expressão, satisfação ou frustração. Em síntese, o 
conhecimento surge das paixões humanas e, como tal, nunca é 
desinteressado; ao contrario, ele é sempre produto dum grupo es-
pecifico de pessoas que se encontram em circunstâncias especifi-
cas, nas quais elas estão engajadas em projetos definidos (cf. Bauer 
& Gaskell, 1999). Uma psicologia social do conhecimento está in-
teressada nos processos através dos quais o conhecimento é gera-
do, transformado e projetado no mundo social. 
 
2. A La recherche des concepts perdus (À procura dos conceitos 
perdidos) 
 
Moscovici introduziu o conceito de representação social 
em seu estudo pioneiro das maneiras como a psicanálise penetrou 
o pensamento popular na França. Contudo, o trabalho em que esse 
estudo é relatado, la Psicanalyse: Son image et son public, primei-
ramente publicado na França em 1961 (com uma segunda edição, 
bastante revisada, em 1976), permanece sem tradução para o in-
glês, uma circunstância que contribuiu para a problemática recep-
ção da teoria das representações sociais nomundo anglo-saxão. É 
claro que uma tradução inglesa desse texto não iria, por si mesma, 
resolver todas as diferenças entre as idéias de Moscovici e os pa-
drões dominantes do pensamento sociopsicológico na Inglaterra e 
nos EE.UU., mas teria, ao menos, ajudado a reduzir o número de 
maus entendimentos do trabalho de Moscovici, e adicionado uma 
penumbra de confusão às discussões destas idéias em inglês. 
Mais que isso, porém, a falta duma tradução significa que a cultura 
anglo-saxã, predominantemente monolingüe, não teve acesso a 
um texto, em que temas centrais e idéias sobre a teoria das re-
presentações sociais são apresentados e elaborados, no contexto 
vital dum estudo especifico de pesquisa. Quando estas idéias são 
colocadas em ação na estrutura dum projeto de pesquisa, na orde-
nação e no processo de tomar inteligível a massa de dados empíri-
cos que emergem, elas assumem também um sentido concreto, 
que é apenas fracamente visível nos textos teóricos mais abstra-
tos, ou programáticos. 
10 
 
Mas se o trabalho de Moscovici foi obscurecido no mundo an-
glo-saxão, o próprio conceito de representação social teve 
uma história problemática dentro da psicologia social. Na 
verdade, Moscovici intitula o capitulo inicial de La Psychanalyse 
“Representação social: um conceito perdido”, e introduz seu traba-
lho nesses termos: 
As representações sociais são entidades quase tangíveis. 
Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continua-
mente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, 
em nosso mundo cotidiano- Elas impregnam a maioria de 
nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzi-
mos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. 
Nós sabemos que elas correspondem, dum lado, à substân-
cia simbólica que entra na sua elaboração e, por outro lado, 
à prática especifica que produz essa substância, do mesmo 
modo como a ciência ou o mito correspondem a uma práti-
ca científica ou mítica. 
Mas se a realidade das representações é fácil de ser compreen-
dida, o conceito não o é. Há muitas boas razões pelas quais 
isso é assim. Na sua maioria, elas são históricas e é por isso 
que nós devemos encarregar os historiadores da tarefa de 
descobri-las. As razões não-históricas podem todas ser re-
duzidas a uma única: sua posição “mista”, no cruzamento 
entre uma série de conceitos sociológicos e uma série de 
conceitos psicológicos. É nessa encruzilhada que nós temos 
de nos situar. O caminho, certamente, pode representar algo 
pedante quanto a isso, mas nós não podemos ver outra maneira 
de libertar tal conceito de seu glorioso passado, de revitali-
zá-lo e de compreender sua especificidade (1961/1976: 40-41). 
 
O ponto de partida fundamental para essa jornada intelect u-
al, contudo, foi a insistência de Moscovici no reconhecimento da 
existência de representações sociais como uma forma característi-
ca de conhecimento em nossa era, ou, como ele coloca, uma in-
sistência em considerar “como um fenômeno, o que era antes con-
siderado como um conceito” (capitulo 1). 
Na verdade, desenvolver uma teoria das representações so-
ciais implica que o segundo passo da jornada deve ser começar a 
teorizar esse fenômeno. Mas, antes de nos voltarmos para esse se-
gundo passo, gostaria de parar, por um momento, no primeiro 
passo e perguntar o que significa considerar como um fenômeno 
11 
 
o que era antes visto como um conceito, pois o que pode parecer 
como um pequeno aperçu (apanhado), de fato, contém alguns 
tropos especificamente moscovicianos. Antes de tudo, há certa 
coragem nessa idéia, em não ter receio de afirmar uma generaliza-
ção conclusiva, uma generalização que tem ta mbém o efeito de 
separar radicalmente a concepção de Moscovici, com respeito aos 
objetivos e ao escopo da psicologia social, das formas predomi-
nantes dessa disciplina. Mais precisamente, Moscovici se filia aqui 
à corrente de pensamento sociopsicológico que foi sempre uma 
corrente minoritária, ou marginal, dentro duma disciplina domi-
nada, em nosso século, primeiro pelo comportamentalismo e, mais 
recentemente, por um cognitivismo não menos reducionista e, du-
rante todo esse tempo, por um individualismo extremo. Mas, em 
suas origens, a psicologia social se construiu ao redor dum con-
junto diferente de preocupações. Se Wilhelm Wundt é lembrado 
hoje principalmente como o fundador da psicologia experimental, 
ele é também, cada vez mais, reconhecido pela contribuição que 
sua Völkerpsychologie trouxe ao estabelecimento da psicologia 
social (Danziger, 1990; Farr, 1996; Jahoda, 1992). 
Apesar de todas as suas falhas, a teoria de Wundt, contudo, 
situou claramente a psicologia social na mesma encruzilhada, en-
tre os conceitos sociológicos e psicológicos indicados por Mosco -
vici. Longe de abrir uma linha produtiva de pesquisa e teoria, o tra-
balho de Wundt foi logo eclipsado pelas crescentes correntes de 
pensamento psicológico que rejeitaram toda a associação com o 
“social”, como se ele fosse comprometer o status científico da psi-
cologia. O que Danziger (1979) chamou de “o repúdio positivista 
de Wundt” serviu para garantir a exclusão do social do campo de 
ação da psicologia social emergente. Ao menos, esse foi o caso que 
Farr (1996) chamou de sua forma “psicológica”, mas, como ele tam-
bém mostra, uma forma “sociológica” também persistiu, brotando 
principalmente do trabalho de Mead, no qual a Völkerpsychologic de 
Wundt teve uma grande influência (e devemos dizer que uma 
preocupação com o social é também característica da psicologia de 
Vygotsky; ver capítulos 3 e 6). Na verdade, Farr chegou a sugerir 
que a separação radical, feita por Durkheim (1891/1974), de re-
presentações “individuais” e “coletivas”, contribuiu para a insti-
tucionalização duma crise na psicologia soc ial, que perdura 
até hoje. Durante o século vinte, sempre que formas “sociais” de 
psicologia surgiram, nós testemunhamos o mesmo drama de ex-
clusão, que marcou a recepção do trabalho de Wundt. 
12 
 
 
Uma “compulsão em repetir” mascara um tipo de neurose i-
deológica, que foi mobilizada sempre que o social ameaçou invadir 
o psicológico. Ou, para passar duma metáfora freudiana para uma 
antropológica, o social representou, consistentemente, uma amea-
ça de poluição à pureza da psicologia científica. 
Por que se mostrou tão difícil estabelecer uma psicologia so-
cial que incluísse tanto o social como o psicológico? Embora Mos-
covici sugerisse, na citação acima, que isso era uma questão para 
historiadores, ele mesmo contribuiu, de algum modo, para escla-
recer esse enigma, como muitos dos textos aqui coletados teste-
munham (ver capítulos 1, 2, 3 e 7). Num ensaio histórico importan-
te, The Invention of Society, Moscovici (1988/1993) oferece mais 
um conjunto de considerações que discutem a questão comple-
mentar de por que as explicações psicológicas foram vistas como 
ilegítimas, na teoria sociológica. Durkheim formulou suas idéias 
explicitamente em seu aforismo de que “sempre que um fenôme-
no social é diretamente explicado por um fenômeno psicológico, 
podemos estar seguros que a explicação é falsa” (1895/1982: 129). 
Mas, como mostra Moscovici, esse preceito contra a explicação 
psicológica não apenas percorre, como um fio unificador, através 
do trabalho dos escritores clássicos da teoria social moderna, mas 
é também sub-repticiamente contradito por esses mesmos textos. 
Pois, ao construir explicações sociais para fenômenos sociais, es-
tes sociólogos (Weber e Simmel são os exemplos analisados por 
Moscovici, junto com Durkheim), necessitam também introduzir 
alguma referência aos processos psicológicos para fornecer coe-
rência e integridade a suas análises. Em síntese, nesse trabalho 
Moscovici é capaz de demonstrar, através de sua própria análise 
destes textos fundantes da sociologia moderna, que o referencial 
explanatório exigido para tornar os fenômenos sociais inteligíveis 
deve incluir conceitos psicológicos, bem como sociológicos. 
Aquestão, contudo, de por que foi tão difícil conseguir um re-
ferencial teórico estável, abrangendo tanto o psicológico como o 
social, permanece obscura. Para dizer a verdade, a hostilidade da 
parte dos psicólogos ao “sociologismo” foi tanta quanto a dos so-
ciólogos ao “psicologismo”. Ao dizer que a psicologia social, como 
uma categoria mista, representa uma forma de poluição, ficamos 
apenas nas palavras, enquanto nós não compreendermos por que 
o social e o psicológico são considerados como categorias exclusi-
vas. 
13 
 
 Esse é o centro do enigma histórico que retém seu poder es-
pecifico até hoje. Embora fosse ingênuo pretender oferecer uma 
explicação clara de sua origem, nós podemos vislumbrar algo de 
sua história na oposição entre razão e cultura que, como discute 
Gellner (1992), foi tão influente desde a formulação do racionalis-
mo de Descartes. Contra o relativismo da cultura, Descartes pro-
clamou a certeza que brota da razão. O argumento em favor do co-
gito introduziu um ceticismo sobre as influências da cultura e do 
social que foi difícil de superar. Na verdade, se Gellner está correto 
ao constatar nesse argumento uma oposição entre cultura e razão, 
então toda a ciência da cultura será uma ciência da não-razão. A 
partir daqui, é um curto passo chegar-se a uma ciência desprovida 
de razão, o que parece ser a reputação dada a toda tentativa de 
combinar os conceitos sociológicos com os psicológicos numa 
ciência “mista”. Mas foi justamente tal “ciência desprovida de ra-
zão”, que Moscovici procurou ressuscitar, através dum retorno ao 
conceito de representação, como central a uma psicologia social 
do conhecimento. 
 
 
3. Durkheim, o ancestral ambíguo 
 
Ao procurar estabelecer uma ciência “mista”, centrada no 
conceito de representação, Moscovici reconheceu uma dívida du-
radoura ao trabalho de Durkheim. Como vimos acima, contudo, a 
formulação feita por Durkheim do conceito de representações co-
letivas mostrou-se uma herança ambígua para a psicologia social. 
O esforço para estabelecer a sociologia como uma ciência autôno-
ma levou Durkheim a defender uma separação radical entre repre-
sentações individuais e coletivas e a sugerir que as primeiras de-
veriam ser o campo da psicologia, enquanto as últimas formariam o 
objeto da sociologia (interessante notar que em alguns de seus 
escritos sobre esse tema Durkheim flertou com a idéia de chamar a 
esta ciência de “psicologia social”, mas preferiu “sociologia”, a fim de 
eliminar toda possível confusão com a psicologia (cf. Durkheim, 
1895/1982). Não é apenas Farr quem mostrou as dificuldades que 
a formulação de Durkheim trouxe para a psicologia social. Numa 
discussão anterior, sobre a relação entre o trabalho de Durkheim e a 
teoria das representações sociais, Irwin Deutscher (1984) tam-
14 
 
bém escreveu sobre a complexidade de tomar Durkheim como um 
ancestral para uma teoria sociopsicológica. O próprio Moscovici 
sugeriu que, ao preferir o termo “social”, queria enfatizar a quali-
dade dinâmica das representações contra o caráter mais fixo, ou 
estático, que elas tinham na teoria de Durkheim (ver capítulo 1, 
onde Moscovici ilustra a maneira como Durkheim usou os termos 
“social” e “coletivo” de maneira intercambiável). Ao comentar este 
ponto, depois na sua entrevista a Marková, no capitulo 7, Moscovi-
ci se refere à impossibilidade de manter qualquer distinção clara 
entre o “social” e o “coletivo”. Esses dois termos não se referem a 
ordens distintas na organização da sociedade humana, mas tam-
bém não é o caso de que os termos “representação social” e “repre-
sentação coletiva” apenas colocam uma distinção, sem estabelecer 
uma diferença. Em outras palavras, a psicologia social de Moscovici 
não pode simplesmente ser reduzida a uma variante da sociologia 
durkheimiana. Como devemos, então, entender a relação das re-
presentações sociais com o conceito de Durkheim? 
A partir duma perspectiva sociopsicológica, podemos ser ten-
tados a pensar que a resolução dessa ambigüidade pode ser bus-
cada através dum esclarecimento dos termos “individual” e “cole-
tivo”, como empregados na argumentação de Durkheim. Não é 
absolutamente claro, contudo, que tal esforço possa conseguir, 
com sucesso, algum espaço teórico para a psicologia social, parti-
cularmente porque, como mostra Farr (1998), a questão se tornou 
problemática, devido ao reconhecimento do individualismo como 
uma poderosa representação coletiva na sociedade moderna. 
 
Um enfoque mais produtivo pode ser constatado através 
duma reflexão posterior sobre o próprio argumento de Durkheim. 
Durkheim não estava simplesmente interessado em estabelecer o 
caráter sui generis das representações coletivas como um elemen-
to de seu esforço para manter a sociologia como uma ciência autô-
noma. Toda sua sociologia é, ela própria, consistentemente orien-
tada àquilo que faz com que as sociedades se mantenham coesas, 
isto é, às forças e estruturas que podem conservar, ou preservar, o 
todo contra qualquer fragmentação ou desintegração. É dentro 
desta perspectiva que as representações coletivas assumem sua 
significância sociológica para Durkheim; seu poder de abrigar, 
ajuda a integrar e a conservar a sociedade. De fato, é em parte essa 
capacidade de manter e conservar o todo social que dá às repre-
sentações coletivas seu caráter sagrado na discussão que Durkheim 
15 
 
faz em The Elementary Forms of Religious Life (1912/1995). A psi-
cologia social de Moscovici, por outro lado, foi consistentemente 
orientada para questões de como as coisas mudam na sociedade, 
isto é, para aqueles processos sociais, pelos quais a novidade e a 
mudança, como a conservação e a preservação, se tornam parte 
da vida social. Já aludi a esse seu interesse na transformação do 
senso comum, em seu estudo das representações sociais da psi-
canálise. É no curso de tais transformações que a ancoragem e a 
objetivação se tornam processos significantes (ver capítulo 1). 
Uma afirmação mais clara desse enfoque do trabalho de Moscovici 
pode ser encontrada em seu estudo sobre influência social (1976) 
que, na verdade, tem o titulo de Influência Social e Mudança So-
cial. O ponto de partida para esse estudo foi a insatisfação com os 
modelos de influência social, que apreenderam apenas a confor-
midade ou a submissão. Se esse fosse o único processo de influên-
cia social que tivesse existido, como seria possível qualquer mu-
dança social? Tais considerações levaram Moscovici a se interes-
sar pelo processo de influência da minoria, ou na inovação, um in-
teresse que ele levou adiante através de uma série de investiga-
ções experimentais. É esse interesse com a inovação e a mudança 
social que levou também Moscovici a ver que, da perspectiva so-
ciopsicológica, as representações não podem ser tomadas como 
algo dado nem podem elas servir simplesmente como variáveis 
explicativas. Ao contrário, a partir dessa perspectiva, é a constru-
ção dessas representações que se torna a questão que deve ser 
discutida, dai sua insistência, tanto em discutir como u m fenôme-
no que antes era visto como um conceito, como em enfatizar o ca-
ráter dinâmico das representações, contra seu caráter estático de 
representações coletivas da formulação de Durkheim (uma dis-
cussão mais ampla desse ponto, feita por Moscovici, pode ser en-
contrada no capitulo 1). 
 
Por conseguinte, enquanto Durkheim vê as representações co-
letivas como formas estáveis de compreensão coletiva, com o po-
der de obrigar que pode servir para integrar a sociedade como um 
todo, Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e 
a diversidade das idéias coletivas nas sociedades modernas. Essa 
própria diversidade reflete a falta de homogeneidade dentro das 
sociedades modernas, em que as diferenças refletem uma distribui-
ção desigual de poder e geram uma heterogeneidade de represen-
tações. Dentro de qualquer cultura há pontos de tensão, mesmo de 
16 
 
fratura, e é ao redor desses pontos de clivagemno sistema repre-
sentacional duma cultura que novas representações emergem. Em 
outras palavras, nestes pontos de clivagem há uma falta de sentido, 
um ponto onde o não-familiar aparece. E, do mesmo modo que a 
natureza detesta o vácuo, assim também a cultura detesta a ausên-
cia de sentido, colocando em ação algum tipo de trabalho represen-
tacional para familiarizar o não-familiar, e assim restabelecer um 
sentido de estabilidade (veja-se a discussão de Moscovici sobre não-
familiaridade como uma fonte de representações sociais, no capítu-
lo 1). As divisões de sentido podem ocorrer de muitos modos. Po-
dem ser muito dramáticas, como todos nós vimos ao assistir à queda 
do muro de Berlim e sentimos as estruturas de sentido que manti-
veram uma visão estabelecida do mundo, desde o fim da guerra, 
evaporarem. Ou de novo, quando a aparição súbita dum fenômeno 
ameaçador, tal como HIV/Aids, pode oferecer uma oportunidade 
para um trabalho representacional. Mais freqüentemente, as re-
presentações sociais emergem a partir de pontos duradouros de 
conflito, dentro das estruturas representacionais da própria cultu-
ra, por exemplo, na tensão entre o reconhecimento formal da uni-
versalidade dos “direitos do homem”, e sua negação a grupos espe-
cíficos dentro da sociedade. As lutas que tais fatos acarretaram 
foram também lutas para novas formas de representações. 
 
 
O fenômeno das representações está, por isso, ligado aos pro-
cessos sociais implicados com diferenças na sociedade. E é para 
dar uma explicação dessa ligação que Moscovici sugeriu que as 
representações sociais são a forma de criação coletiva, em condi-
ções de modernidade, uma formulação implicando que, sob outras 
condições de vida social, a forma de criação coletiva pode também 
ser diferente. Ao apresentar sua teoria de representações sociais, 
Moscovici, muitas vezes, traçou esse contraste (ver capítulo 1), e 
sugeriu, às vezes, que esta foi a razão principal de preferir o termo 
“social”, ao termo “coletivo” de Durkheim. Existe aqui uma alusão a 
uma complexa explicação histórica da emergência das repre-
sentações sociais que Moscovici apenas delineia muito de leve e, 
sem querer apresentar uma explicação mais detalhada ou exten-
sa, será útil, para se poder compreender algo do caráter das repre-
sentações sociais, para chamar a atenção, nesse ponto, de dois as-
pectos relacionados dessa transformação histórica. 
17 
 
A modernidade sempre se coloca em relação a algum passado 
que é considerado como tradicional e embora seja errado (como 
Bartlett, 1923, viu muito previdentemente) considerar as socieda-
des pré-modernas - ou tradicionais - como efetivamente homogê-
neas, o fio condutor central do argumento de Moscovici sobre a 
transformação das formas de criação coletiva na transição para a 
modernidade se relaciona à questão da legitimação. Nas socieda-
des pré-modernas (que, nesse contexto, são as sociedades feudais 
na Europa, embora este ponto possa ser também relevante para 
outras formas de sociedade pré-moderna), são as instituições cen-
tralizadas da Igreja e do Estado, do Bispo e do Rei, que estão no 
ápice da hierarquia de poder e regulam a legitimação do conheci-
mento e das crenças. De fato, dentro da sociedade feudal, as pró-
prias desigualdades entre diferentes estratos, dentro dessa hierar-
quia, foram vistas como legitimas. A modernidade, em contraste, 
se caracteriza por centros mais diversos de poder, que exigem au-
toridade e legitimação, de tal modo que a regulação do conheci-
mento e da crença não é mais exercida do mesmo modo. O fenô-
meno das representações sociais pode, neste sentido, ser visto 
como a forma como a vida coletiva se adaptou a condições des-
centradas de legitimação. A ciência foi uma fonte importante de 
surgimento de novas formas de conhecimento e crença no mundo 
moderno, mas também o senso comum, como nos lembra Mosco-
vici. A legitimação não é mais garantida pela intervenção div ina, 
mas se torna parte duma dinâmica social mais complexa e contes-
tada, em que as representações dos diferentes grupos na socieda-
de procuram estabelecer uma hegemonia. 
 
A transição para a modernidade é também caracterizada pelo 
papel central de novas formas de comunicação, que se originaram 
com o desenvolvimento da imprensa e com a difusão da alfabeti-
zação. A emergência das novas formas de meios de comunicação 
de massa (cf. Thompson, 1995) gerou tanto novas possibilidades 
para a circulação de idéias, como também trouxe grupos sociais 
mais amplos para o processo de produção psicossocial do conhe-
cimento. Esse tema é muito complexo para ser tratado adequada-
mente aqui, exceto para dizer que, em sua análise das diferentes 
formas de representação da psicanálise nos meios de comunica-
ção da França, Moscovici (1961/1976) mostrou como a propaga-
ção, propaganda e difusão foram do modo que foram, porque os 
diferentes grupos sociais representam a psicanálise de diferentes 
18 
 
modos e procuram estruturar diferentes tipos de comunicação 
sobre esse objeto, através dessas diferentes formas. Cada uma 
dessas formas procura estender sua influência na construção du-
ma representação especifica e cada uma delas também reivindica 
sua própria legitimação para a representação que ela promove. É a 
produção e circulação de idéias dentro dessas formas difusas de 
comunicação que distinguem a era moderna da pré-moderna e 
ajudam a distinguir as representações sociais como a forma de 
criação coletiva, distinta das formas autocráticas e teocráticas da 
sociedade feudal. As questões de legitimação e comunicação servem 
para enfatizar o sentido da heterogeneidade da vida social moderna, 
uma visão que ajudou a dará pesquisa sobre representações sociais 
um foco distinto, na emergência de novas formas de representa-
ção. 
 
4. Representações sociais e psicologia social 
 
A recepção da teoria das representações sociais dentro duma 
disciplina mais ampla da psicologia social foi tanto fragmentada, 
como problemática. Se alguém olhar para trás, para a “era domada” 
da psicologia social, pode ver certa afinidade entre o trabalho de 
Moscovici e o de certos predecessores, como Kurt Lewin, Solomon 
Asch, Fritz Heider ou, talvez o último representante desta era, Leon 
Festinger — uma afinidade mais que uma similaridade, pois embora 
o trabalho de Moscovici partilhe com esses predecessores uma pre-
ocupação comum na análise das relações entre processos sociais e 
formas psicológicas, seu trabalho retém uma qualidade distintiva, 
do mesmo modo como esses autores diferem entre si. Não é difícil, 
contudo, imaginar a possibilidade dum diálogo produtivo baseado 
nessa afinidade. Mas é difícil imaginar tal diálogo produtivo na dis-
ciplina de psicologia social como ela existe hoje, onde a predomi-
nância dos paradigmas de processamento da informação e a emer-
gência de variedades de formas “pós-modernistas” de psicologia 
social aumentaram a segmentação do campo. 
O próprio Moscovici (1984b) sugeriu que a psicologia social 
contemporânea continua a exibir um tipo de desenvolvime nto 
descontinuo de paradigmas que mudam e se substituem, “para-
digmas solitários”, como ele os descreve. Dentro deste fluxo, cada 
paradigma aparece mais ou menos desconectado de seus prede-
19 
 
cessores e deixa pequenos traços em seus sucessores. Nesse co n-
texto, tem sido destino comum das intervenções teóricas, na psi-
cologia social, bruxulear brevemente, antes de passar para um tipo 
de território de sombras, ás margens duma disciplina que trocou 
seu centro para o próximo paradigma, deixando pouco tempo para 
que as idéias fossem assimiladas e para um uso produtivo. Desse 
ponto de vista, há algo de notável na persistência da teoria das re-
presentações sociais durante um período de quarenta anos. No 
espírito de sua problemática relação com o terreno cambiante da 
corrente em voga da disciplina, a teoria das representações sociais 
sobreviveu e prosperou. Ela se tomou não apenas uma das contri-
buições teóricasmais duradouras na psicologia social, mas tam-
bém uma contribuição que é amplamente difundida por todo o 
mundo. 
Nessa discussão sobre os paradigmas em psicologia social, 
Moscovici vai à frente afirmando que: 
Conceitos que operam em grandes profundidades parecem 
necessitar mais de cinqüenta anos para penetrar as camadas mais 
baixas da comunidade cientifica. É por isso que muitos de nós es-
tamos apenas agora começando a perceber o sentido de 
certas idéias que estiveram germinando na sociologia, psi-
cologia e antropologia, desde o limiar desse século (Mosco-
vici, 1984b: 941). 
É essa constelação de idéias que forma o foco para alguns dos 
ensaios dessa coleção (ver especialmente os capítulos 3 e 6 e a en-
trevista no capítulo 7), dentro dos quais a teoria das representa-
ções sociais tomou forma. 
Para compreender a especificidade da contribuição de Mos-
covici é importante lembrar, em primeiro lugar, de tudo aquilo 
contra o qual sua inovação psicossociológica reagiu. A revolução 
cognitiva, na psicologia, iniciada na década de 1950, legitimou a 
introdução de conceitos mentalistas, que tinham sido proscritos 
pelas formas mais militantes do comportamentalismo, que domi-
nou a primeira metade do século vinte e, subseqüentemente, as 
idéias de representações foram o elemento central na emergência 
da ciência cognitiva, nas duas últimas décadas. Mas a partir desta 
perspectiva, a representação foi geralmente vista num sentido 
muito restrito, como uma construção mental dum objeto externo. 
Embora isso tenha permitido o desenvolvimento dum cálculo in-
formacional, em que representações foram termos centrais, o ca-
ráter social, ou simbólico, das representações raramente figurou 
20 
 
em tais teorias. Para retornar, por um momento, ao exemplo do 
mapa da Europa, embora formas contemporâneas de ciência cog-
nitiva possam reconhecer o deslocamento de Praga nas represen-
tações populares, elas não possuem conceitos com os quais pos-
sam compreender o significado desse deslocamento, nem as in-
fluências dos processos sociais que subjazem a ele. Na melhor das 
hipóteses, tal deslocamento irá aparecer como uma das muitas 
“distorções” do pensamento comum, que foram documentadas 
em teorias de cognição social. Mas enquanto tais teorias em psi-
cologia social tenham discutido “distorções” como exemplos de 
como o pensamento comum se afasta da lógica sistemática da ci-
ência, do ponto de vista das representações sociais elas são vistas 
como formas de conhecimento produzidas e sustentadas por gru-
pos sociais específicos, numa determinada conjuntura histórica 
(cf. Farr, 1998). 
 
Conseqüentemente, enquanto as formas “clássicas” de psico-
logia cognitiva (incluindo a cognição social, que se tomou a forma 
contemporânea predominante de psicologia social) tratam a re-
presentação como um elemento estático da organização cogniti-
va, na teoria da representação social o próprio conceito de repre-
sentação possui um sentido mais dinâmico, referindo-se tanto ao 
processo pelo qual as representações são elaboradas, como às es-
truturas de conhecimento que são estabelecidas. Na verdade, é 
através dessa articulação da relação entre processo e estrutura, na 
gênese e organização das representações, que a teoria oferece, na 
psicologia social, uma perspectiva distinta daquela da cognição 
social (cf. Jovchelovitch, 1996). Para Moscovici, a fonte dessa relação 
está na função das próprias representações. Fazendo eco a formu-
lações anteriores de McDougal e Bartlett, Moscovici argumenta 
que “o propósito de todas as representações é tomar algo não-
familiar, ou a própria não-familiaridade, familiar” (cf. capitulo 1). A 
familiarização é sempre um processo construtivo de ancoragem e 
objetivação (cf. capítulo 1), através do qual o não-familiar passa a 
ocupar um lugar dentro de nosso mundo familiar. Mas a mesma 
operação que constrói um objeto dessa maneira é também consti-
tutiva do sujeito (a construção correlativa do sujeito e objeto na 
dialética do conhecimento foi também um traço característico da 
psicologia genética de Jean Piaget e do estruturalismo genético de 
Lucien Goldman). As representações sociais emergem, não 
apenas como um modo de compreender um objeto particular, mas 
21 
 
também como uma forma em que o sujeito (indivíduo ou gru po) 
adquire uma capacidade de definição, uma função de identidade, 
que é uma das maneiras como as representações expressam um 
valor simbólico (algo que também empresta à noção de famili-
arização de Moscovici uma inflexão que é distinta da de McDou gall 
ou Bartlett). Nas palavras de Denise Jodelet, colega durante muito 
tempo de Moscovici, a representação é uma “forma de co-
nhecimento prático [savoir] conectando um sujeito a um objeto” 
(Jodelet, 1989: 43), e ela continua dizendo que “quantificar esse 
conhecimento como ‘prático ’ refere-se à experiência a partir da 
qual ele é produzido, aos referenciais e condições em que ele é 
produzido e, sobretudo, ao fato de que a representação é empre-
gada para agir no mundo e nos outros” (Jodelet, 1989: 43-44). 
As representações são sempre um produto da interação e co-
municação e elas tomam sua forma e configuração específicas a 
qualquer momento, como uma conseqüência do equilíbrio especifico 
desses processos de influência social. Há uma relação sutil, aqui, en-
tre representações e influências comunicativas, que Moscovici 
identifica, quando ele define uma representação social como: 
Um sistema de valores, idéias e práticas, com uma dupla 
função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará 
as pessoas orientar-se em seu mundo material e social e 
controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunica-
ção seja possível entre os membros de uma comunidade, fo r-
necendo-lhes um código para nomear e classif icar, sem am-
bigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua histó-
ria individual e social (1976: xiii) . 
 
A relação entre representação e comunicação pode bem ser o 
aspecto mais controverso da teoria de Moscovici e em seu próprio 
livro ela está expressa, de forma muito clara, na segunda parte de 
seu estudo La Psychanalyse, a análise das representações na 
mídia francesa, como mostrei acima (e esse é um ponto devido ao 
qual uma compreensão da teoria das representações sociais foi di-
ficultada de maneira muito séria, pela falta duma tradução inglesa 
do texto, como notou Willem Doise (1993); essa secção do livro ra-
ramente figurou nas discussões anglo-saxãs da teoria). 
Em relação à psicologia cognitiva, não é difícil ver por que es-
sa concepção deva ser controversa, pois a força duradoura da i-
déia de psicologia como uma ciência natural, concentrada em pro-
22 
 
cessos segregados da influência poluidora do social, tornou im-
pensável a idéia de que nossas crenças, ou ações, possam ser for-
madas fora de tais influências. 
É claro que a psicologia de Moscovici não é a primeira a pro-
por tal tema. A psicanálise de Freud, por exemplo, procurou as 
origens dos pensamentos nos processos libidinais, que, especial-
mente para a escola das relações objetais, refletem as primeiras 
experiências da criança no mundo dos outros (Jovchelovìtch, 
1996). Mead também pode ser considerado como tendo feito uma 
argumentação semelhante, em sua análise do desenvolvimento do 
self (ver Moscovici, 1990b). Mas o trabalho de Moscovici não enfoca 
as origens libidinais de nossos pensa mentos (embora Lucien 
Goldmann, 1996, tenha construído um paralelo sugestivo entre a 
organização das construções psicanalíticas e as sociais), nem está 
ele fundamentalmente interessado com as fontes interpessoais do 
self seu foco principal foi argumentar não apenas que a criação 
coletiva está organizada e estruturada em termos de representa-
ções, mas que essa organização e estrutura é tanto conformada 
pelas influências comunicativas em ação na sociedade, como, ao 
mesmo tempo, serve para tornar a comunicação possível. As represen-
tações podem ser o produto da comunicação,mas também é verda-
de que, sem a representação, não haveria comuni cação. Precisa-
mente devido a essa interconexão, as representações podem tam-
bém mudar a estabilidade de sua organização e estrutura depende 
da consistência e constância de tais padrões de comu nicação, que 
as mantêm. A mudança dos interesses humanos pode gerar 
novas formas de comunicação, resultando na inovação e na emer-
gência de novas representações. Representações, nesse sentido, 
são estruturas que conseguiram uma estabilidade, através da 
transformação duma estrutura anterior. 
Se a perspectiva oferecida pela teoria das representações so-
ciais foi, em geral, contrastada muito acentuadamente com a cor-
rente em voga da disciplina, para que pudesse emergir daí um diá-
logo construtivo (embora um interesse nesse diálogo esteja come-
çando a emergir nos EE.UU. (cf. Deaux & Philogene, 2000), o que foi 
tanto mais surpreendente, como mais decepcionante, foi a re-
cepção da teoria entre aquelas correntes de pensamento sociopsi-
cológico, que tinham sido suas vizinhas nessa terra de sombras 
marginal. Com algumas exceções marcantes (por exemplo, Billig, 
1988, 1993; Harré, 1984, 1998, que entraram num diálogo de enga-
jamento construtivo a partir das perspectivas retóricas e discursi-
23 
 
vas), a maioria dos comentários, fora da corrente em voga, foram 
contrários, ou mesmo hostis, à teoria das representações sociais 
(ver, por exemplo, o catálogo de objeções, na recente contribuição 
de Potter & Edwards, 1999). Não há espaço, aqui, para oferecer 
uma relação sistemática de todas as criticas levantadas contra o 
trabalho de Moscovici, mas um enfoque sobre alguns temas cen-
trais irá não apenas dar o tom das questões levantadas, mas tam-
bém elaborar um pouco mais algumas das características centrais 
da própria teoria. 
Em certo sentido, como mencionei anteriormente, o trabalho 
de Moscovici foi parte da perspectiva européia em psicologia so-
cial, que emergiu nas décadas de 196O e 197O. Olhando para esse 
trabalho agora, contudo, podem-se notar também as diferenças 
dentro desse enfoque “europeu”. Por exemplo, a coleção editada 
por Israel e Tajfel (1972, um trabalho muitas vezes citado como a 
fonte central da visão européia, e para o qual o capitulo 2 dessa co-
leção foi uma contribuição de Moscovici), aparece agora como 
sendo caracterizada mais pela diversidade de seus pontos de vista 
do que por um espírito critico comum entre os colaboradores. 
Algumas das criticas mais fortes à teoria das representações so-
ciais vieram de Gustav Jahoda (1988; ver também a resposta de 
Moscovici, 1988), que pertence à mesma geração de psicólogos 
sociais de Moscovici, e que apresentou sua própria contribuição á 
tradição “européia”. Para Jahoda, longe de ajudar a iluminar os 
problemas da psicologia social, a teoria das representações sociais - 
serviu antes para obscurecê-los. De modo particular, ele acha a te-
oria vaga na construção de seus conceitos, uma acusação que foi 
um tema importante nas discussões sobre representações sociais, 
que veio à tona de novo recentemente num comentário mais sim-
pático de Jan Smedslund (1998; ver também Duveen, 1998). 
O fato de uma teoria ser vaga é, na verdade, em grande parte, 
uma questão de ponto de vista. Onde um escritor acha que uma 
teoria necessita tanto de precisão, que não chega a apresentar 
nada mais que uma série de quimeras. Para outros escritores, a 
mesma teoria pode abrir novos caminhos para discutir antigos 
problemas. Desse modo, Jahoda sugere que, desprovida de sua 
retórica, a teoria das representações sociais pouco contribuiu, 
além do que já está contido na psicologia social tradicional das ati-
tudes. Mas, como mostraram Jaspars e Fraser (1984), embora a 
formulação original do conceito de atitudes sociais, na obra de 
Thomas & Znaniecki (1918/1920), pudesse ter algumas similarida-
24 
 
des importantes como conceito de representações sociais, o con-
ceito de atitude sofreu, ele próprio, uma transformação considerá-
vel nas teorias sociopsicológicas subseqüentes. Nessa transfor-
mação, a idéia de atitude foi despojada de seu conteúdo e de suas 
origens sociais e simbólicas. Na psicologia social contemporânea, 
as atitudes aparecem como disposições cognitivas ou motivacio-
nais, de tal modo que a idéia duma conexão inerente entre comu-
nicação e representação evaporou. Se a pesquisa em representa-
ções sociais continuou a empregar alguma tecnologia da mensu-
ração da atitude, ela procurou referenciar essas atitudes como 
parte duma estrutura representacional maior (ver também a dis-
cussão das relações entre atitudes e representações na entrevista 
no capitulo7). 
 
A partir de outra perspectiva, as co rrentes mais radicais da 
teoria do discurso, em psicologia social (por exemplo, Potter & 
Edwards, 1999), objetaram contra a própria idéia de representa-
ção, como sendo um anexo tardio da psicologia cognitiva “moder-
nista”. Desse ponto de vista, todos os processos sociopsicológicos 
se explicam nos efeitos do discurso e nas realizações e reformula-
ções fugazes da identidade que ele sustenta. E apenas a atividade 
do discurso que pode ser o objeto de estudo, nessa forma de psico-
logia social, e qualquer fala sobre estrutura e organização no nível 
cognitivo se apresenta como uma concessão à hegemonia dos mo-
delos de processamento da informação (e pouco importa a es ses 
críticos que a teoria das representações sociais tenha sempre in-
sistido no caráter simbólico da cognição; ver também os comen-
tários de Moscovici na entrevista do capitulo 7). Aqui, o fato de a 
teoria das representações sociais ser vaga deve-se ao seu afasta-
mento insuficientemente radical dum discurso “mentalista”, mas, 
como observou Jovchelovitch (1996), a pressa em evacuar o men-
tal do discurso da psicologia social está conduzindo a uma re-cria-
ção duma forma de comportamentalismo. 
 
Apesar de tudo o que seus críticos possam sugerir, a teoria 
das representações sociais se mostrou suficientemente clara e 
precisa para apoiar e manter um crescente corpo de pesquisa, 
através de diversas áreas da psicologia social. Na verdade, a partir 
dum ponto de vista diverso, poder-se-ia argumentar que a pesqui-
sa em representações sociais contribuiu tanto quanto qualquer 
25 
 
outro trabalho em psicologia social, senão mais, para nossa com-
preensão dum amplo espectro de fenômenos sociais (tais como o 
entendimento público da ciência, idéias populares sobre saúde e 
doença, concepções de loucura, ou o desenvolvimento de identi-
dades de gênero, para nomear apenas alguns poucos). Contudo, a 
insistência com que a acusação de ser vaga foi apresentada contra 
a teoria merece alguma consideração a mais. Alguma compreen-
são do que se quer com essa caracterização da teoria pode ser 
identificada considerando -se alguns dos estudos centrais de 
pesquisa que ela inspirou. Além do próprio estudo de Moscovici 
sobre as representações da psicanálise, o estudo de Denise Jodelet 
(1989/1991; ver também capítulo 1) sobre as representações 
sociais da loucura numa aldeia francesa oferece um segundo e-
xemplo paradigmático de pesquisa nesse campo. Metodologica-
mente, esses dois estudos adotam enfoques bastante diferentes 
(mostrando a importância do que Moscovici chamou de signifi-
cância do “politeísmo metodológico”). Moscovici empregou mé-
todos de levantamento e analise de conteúdo, enquanto o estudo 
de Jodelet se baseou na etnografia e entrevistas. O que ambos os 
estudos partilham, contudo, é uma estratégia de pesquisa similar, 
em que o passo inicial é o estabelecimento duma distância critica 
do mundo cotidiano do senso comum, em que as representa-
ções circulam. Se as representações sociais servem para familiari-
zar o não-familiar, então a primeira tarefa dum estudo cientifico 
das representações é tornar o familiar não-familiar, a fim de que 
elas possam ser compreendidas como fenômenos e descritas atra-
vés de toda técnica metodológica que possa ser adequada nas cir-
cunstânciasespecíficas. A descrição, é claro, nunca é indepen dente 
da teorização dos fenômenos e, nesse sentido, a teoria das repre-
sentações sociais fornece o referencial interpretativo tanto para 
tornar as representações visíveis, como para tomá-las inteligíveis 
como formas de prática social. 
 
A questão de uma teoria ser vaga pode ser vista como sendo, 
em grande parte, um problema metodológico, pois ela se refere, 
fundamentalmente, àquilo que diferentes perspectivas sociopsi-
cológicas tornam visível e inteligível. Com respeito a isso, diferentes 
perspectivas em psicologia social operam com critérios e con-
dições diferentes. Armado com o aparato conceptual da psicologia 
social tradicional, alguém irá lutar para não ver nada mais que 
atitudes, do mesmo modo que a perspectiva discursiva irá revelar 
26 
 
apenas os efeitos do discurso nos processos sociopsicológicos. 
Cada um desses enfoques opera dentro dum universo teórico mais 
ou menos hereticamente lacrado. Dentro de cada perspectiva, 
há uma ordem conceptual que traz claridade e estabilidade á co-
municação dentro dela (cada perspectiva, podemos dizer, “esta-
belece seu próprio código para intercâmbio social”). O que perma-
nece fora duma perspectiva particular mostra-se vago e o precur-
sor de desordem. Esse fato, na verdade, não é mais que uma ex-
pressão da permanente crise na disciplina da psicologia social que 
continua a existir como um conjunto de “paradigmas solitários”. O 
reconhecimento desse estado de coisas, por si mesmo, não confe re 
status especial, ou privilegiado, à teoria das representações so-
ciais. O que dá ao trabalho de Moscovici seu particular interesse e a 
razão pela qual ele continua a exigir atenção é que seu trabalho 
em representações sociais forma parte dum empreendimento 
mais amplo para estabelecer (ou re-estabelecer) os fundamentos 
para uma disciplina que é tanto social, como psicológica. 
 
5. Para uma psicologia social genética 
 
A partir desse ponto de vista, é importante situar os estudos 
de Moscovici, sobre representações sociais, dentro do contexto de 
seu trabalho como um todo, pois é como parte duma contribuição 
mais ampla à psicologia social que esse trabalho permanece de 
capital importância. Já aludi ao sentido como seu trabalho expres-
sou um espírito critico e inovador em relação á disciplina e nesse 
sentido ele também contribuiu para uma reavaliação critica mais 
ampla das formas dominantes de psicologia social, que começou 
na década de 1960 e foi, por um tempo, associada a uma perspec-
tiva distintivamente européia da disciplina (algo desse espírito 
critico é evidente em muitos dos capítulos dessa coleção, mas par-
ticularmente no capítulo 2 e na entrevista do capítulo 7). O que 
marcou a contribuição de Moscovici como inovadora foi o fato de 
que ela não se limitou a uma crítica negativa das fraquezas e limi-
tações das formas predominantes de psicologia social, mas sem-
pre procurou, em vez disso, elaborar uma alternativa positiva. A 
esse respeito, é também importante reconhecer que, embora a 
teoria das representações sociais tenha sido um ce ntro de seu 
esforço teórico, o trabalho de Moscovici estendeu-se, numa ampli-
tude maior, através da psicologia social, abrangendo estudos de 
27 
 
psicologia da multidão, conspiração e decisões coletivas, bem co-
mo o trabalho sobre influência social. Em todas essas contribui-
ções encontra-se alguma inspiração em ação, uma forma parti-
cular do que pode ser descrito como a “imaginação sociopsicológi-
ca”. Se o trabalho de Moscovici pode ser visto como oferecendo 
uma perspectiva distinta em psicologia social, ela é uma perspec-
tiva que é mais ampla que o que é conotado simplesmente pelo 
termo representações sociais, embora esse termo tenha sido, mui-
tas vezes, tomado como emblemático dessa perspectiva. 
 
O próprio Moscovici raramente aventurou -se em esforços 
para articular as interconexões entre essas diferentes áreas de 
trabalho (embora a entrevista no capitulo 7 ofereça alguns pen-
samentos importantes). Em parte, isso reflete o fato de que cada 
uma dessas áreas de trabalho foi articulada através de procedi-
mentos metodológicos diferentes. Seus estudos de influência soci-
al e processos de grupo, por exemplo, foram rigorosamente expe-
rimentais, enquanto seu estudo sobre multidão se inspirou numa 
análise crítica das primeiras conceptualizações da psicologia das 
massas. Em parte, isso pode também refletir a razão pela qual 
esses estudos enfocam diferentes níveis de análise, desde a intera-
ção face a face, até a comunicação de massa e a circulação de idéi-
as coletivas. Todos esses estudos, contudo, parecem estar “grávi-
dos” das idéias que foram articuladas ao redor do conceito de re-
presentações sociais, de tal modo que um focar sobre esse concei-
to pode indicar algo de sua perspectiva subjacente. Com respeito a 
isso, o ensaio sobre Proust, no capitulo 5, oferece um estudo ilu-
minador das imbricações das relações entre influência e represen-
tação. Outro exempla é sua análise crítica da discussão de Weber 
sobre a ética protestante em The Invention of Society (Moscovici, 
1988/1993).O que é claro em ambos os ensaios é que a influên-
cia é sempre dirigida à sustentação, ou à mudança, das represen-
tações, enquanto, inversamente, representações especificas se 
tornam estabilizadas através de um equilíbrio conseguido num 
modelo particular de processos de influência. Aqui, como nos estu-
dos de tomada de decisão nos grupos, é a relação entre comunica-
ção e representação que é central. 
 
Em seu livro sobre influência social, Moscovici (1976) identi-
ficou a perspectiva que ele descreveu como uma “psicologia 
28 
 
socialgenética”, para enfatizar o sentido em que os processos de 
influência emergiram nos intercâmbios comunicativos entre as 
pessoas. O emprego do termo “genético” faz ecoar o sentido que 
lhe foi dado tanto por Jean Piaget, como por Lucien Goldmann. Em 
todas essas instâncias, estruturas especificas somente podem ser 
entendidas como as transformações de estruturas anteriores (ver o 
ensaio sobre themata - temas 7 - capitulo 4 desta publicação). Na 
psicologia social de Moscovici, é através dos intercâmbios comu-
nicativos que as representações sociais são estruturadas e trans-
formadas. É essa relação dialética entre comunicação e represen-
tação que está no cento da “imaginação sociopsicológica” de Mos-
covici e é a razão para se descrever essa perspectiva como uma 
psicologia social genética (cf. Duveen & Lloyd, 1990). Em todos os 
intercâmbios comunicativos, há um esforço para compreender o 
mundo através de idéias especificas e de projetar essas idéias de 
maneira a influenciar outros, a estabelecer certa manei ra de criar 
sentido, de tal modo que as coisas são vistas desta ma neira, em 
vez daquela. Sempre que um conhecimento é expres so, é por 
determinada razão; ele nunca é desprovido de interes se. Quan-
do Praga é localizada a leste de Viena, certo sentido de mundo e 
um conjunto particular de interesses humanos estão sendo 
projetados. A procura de conhecimentos nos leva de volta ao tu-
multo da vida humana e da sociedade humana; é aqui que o co-
nhecimento toma aparência e forma através da comunicação e, 
ao mesmo tempo, contribui para a configuração e formação 
dos intercâmbios comunicativos. Através da comunicação, so-
mos capazes de nos ligar a outros ou de distanciar-nos deles. 
Esse é o poder das idéias, e a teoria das representações sociais de 
Moscovici procurou tanto reconhecer um fenômeno social especí-
fico, como fornecer os meios para torná-lo inteligível como um 
processo sociopsicológico. 
Gerard Duveen 
 
 
 
 
29 
29 
 
O FENÔMENO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 
 
 
 
 
 
1. O pensamento considerado como ambiente 
1.1 Pensamento primitivo, ciência e senso comum 
 
A crença em que o pensamento primitivo - se tal termo é ain-
da aceitável - está baseado é uma crença no “poder ilimitado da 
mente” em conformar a realidade, em penetrá-lae ativá-la e em 
determinar o curso dos acontecimentos. A crença em que o pen-
samento científico moderno está baseado é exatamente o oposto, 
isto é, um pensamento no “poder ilimitado dos objetos” de confor-
mar o pensamento, de determinar completamente sua evolução e 
de ser interiorizado na e pela mente. No primeiro caso, o pensa-
mento é visto como agindo sobre a realidade; no segundo, como 
uma reação à realidade; numa, o objeto emerge como uma réplica 
do pensamento; na outra, o pensamento é uma réplica do objeto; e 
se para o primeiro, nossos desejos se tornam realidade - ou “wish--
ful thinking” - então, para o segundo, pensar passa a ser transfor-
mar a realidade em nossos desejos, despersonalizá-los. Mas sendo 
que as duas atitudes são simétricas, elas somente podem ter a 
mesma causa e uma causa com a qual nós já estávamos familiari-
zados há muito tempo: o medo instintivo do homem de poderes 
que ele não pode controlar e sua tentativa de poder compensar 
essa impotência imaginativamente. Sendo esta a única diferença, 
enquanto a mente primitiva se amedronta diante das forças da na-
tureza, a mente científica se amedronta diante do poder do pensa-
mento. Enquanto a primeira nos possibilitou sobreviver por mi-
lhões de anos e a segunda conseguiu isso em poucos séculos, de-
vemos aceitar que ambas, a seu modo, representam um aspecto 
real da relação entre nossos mundos internos e externos; um as-
pecto, além disso, que vale a pena ser investigado. 
30 
 
A psicologia social é, obviamente, uma manifestação do pen-
samento científico e, por isso, quando estuda o sistema cognitivo 
ela pressupõe que: 
1. os indivíduos normais reagem a fenômenos, pessoas ou acon-
tecimentos do mesmo modo que os cientistas ou os estatísti-
cos, e 
2. compreender consiste em processar informações. 
Em outras palavras, nós percebemos o mundo tal como é e to-
das nossas percepções, idéias e atribuições são respostas a estí-
mulos do ambiente físico ou quase-físico, em que nós vivemos. O 
que nos distingue é a necessidade de avaliar seres e objetos corre-
tamente, de compreender a realidade completamente; e o que dis-
tingue o meio ambiente é sua autonomia, sua independência com 
respeito a nós, ou mesmo, poder-se-ia dizer, sua indiferença com 
respeito a nós e a nossas necessidades e desejos. O que era tido 
como vieses cognitivos, distorções subjetivas, tendências afetivas 
obviamente existem. Como nós, todos estamos cientes disso, mas 
eles são concretamente vieses, distorções e tendências em rela-
ção a um modelo, a regras, tidas como norma. 
Parece-me, contudo, que alguns fatos comuns contradizem 
esses dois pressupostos: 
a) Primeiro, a observação familiar de que nós não estamos 
conscientes de algumas coisas bastante óbvias; de que nós não 
conseguimos ver o que está diante de nossos olhos. É como se 
nosso olhar ou nossa percepção estivessem eclipsados, de tal mo-
do que uma determinada classe de pessoas, seja devido a sua ida-
de - por exemplo, os velhos pelos novos e os novos pelos velhos - 
ou devido a sua raça - p. ex. os negros por alguns brancos, etc. - se 
tomam invisíveis quando, de fato, eles estão “nos olhando de fren-
te”. É assim que um arguto escritor negro descreve tal fenômeno: 
Eu sou um homem invisível. Não, eu não sou um fantasma como 
os que espantaram Edgar Allan Poe; nem sou eu um de vos-
sos ectoplasmas dos cinemas de Hollywood. Eu sou um ho-
mem concreto, de carne e osso, fibra e líquidos – e de mim 
pode-se até dizer que tenho inteligência. Eu sou invisível, 
entenda-se, simplesmente porque as pessoas recusam ver-
me. Como a cabeça sem corpo, que às vezes se vê em circos, 
acontece como se eu estivesse cercado de espelhos de vidro 
grossa e que distorcem a figura. Quando eles se aproximam 
de mim, eles vêem apenas o que me cerca, se vêem eles 
31 
 
mesmos, ou construções de sua imaginação – na realidade, 
tudo, exceto eu mesmo (Ellison, 1965: 7). 
Essa invisibilidade não se deve a nenhuma falta de informação 
devida à visão de alguém, mas a uma fragmentação preestabeleci-
da da realidade, uma classificação das pessoas e coisas que a com-
preendem, que faz algumas delas visíveis e outras invisíveis. 
b) Em segundo lugar, nós muitas vezes percebemos que 
alguns fatos que nós aceitamos sem discussão, que são básicos a 
nosso entendimento e comportamento, repentinamente trans-
formam-se em meras ilusões. Por milhares de anos os homens 
estavam convencidos que o sol girava ao redor de uma terra pa-
rada. Desde Copérnico nós temos em nossas mentes a imagem 
de um sistema planetário em que o sol permanece parado, 
enquanto a terra gira a seu redor; contudo, nós ainda vemos o que 
nossos antepassados viam. Distinguimos, pois, as aparências da 
realidade das coisas, mas nós as distinguimos precisamente por-
que nós podemos passar da aparência à realidade através de al-
guma noção ou imagem. 
c) Em terceiro lugar nossas reações aos acontecimentos, nos-
sas respostas aos estímulos, estão relacionadas a determinada de-
finição, comum a todos os membros de uma comunidade à qual 
nós pertencemos. Se, ao dirigirmos pela estrada, nós encontramos 
um carro tombado, uma pessoa ferida e um policial fazendo um 
relatório, nós presumimos que houve um acidente. Nós lemos 
diariamente sobre colisões e acidentes nos jornais a respeito dis-
so. Mas esses são apenas “acidentes” porque nós definimos assim 
qualquer interrupção involuntária no andamento de um carro que 
tem conseqüências mais ou menos trágicas. Sob outros aspectos, 
não existe nada de acidental, quanto a um acidente de automóvel. 
Sendo que os cálculos estatísticos nos possibilitam avaliar o nú-
mero de vítimas, de acordo com o dia da semana e da localidade, 
os acidentes de carro não são mais casuais que a desintegração 
dos átomos em uma aceleração sob alta pressão; eles estão direta-
mente relacionados a um grau de urbanização de uma dada socie-
dade, à velocidade e ao número dos seus carros particulares e à 
inadequação do seu transporte público. 
 
Em cada um desses casos, notamos a intervenção de repre-
sentações que tanto nos orientam em direção ao que é visível, 
como àquilo a que nós temos de responder; ou que relacionam a 
32 
 
aparência á realidade; ou de novo aquilo que define essa realida-
de. Eu não quero dizer que tais representações não correspondem 
a algo que nós chamamos o mundo externo. Eu simplesmente per-
cebo que, no que se refere á realidade, essas representações são 
tudo o que nós temos, aquilo a que nossos sistemas perceptivos, 
como cognitivos, estão ajustados. Bower escreve: 
Nós geralmente usamos nosso sistema perceptivo para interpretar 
representações de mundos que nós nunca podemos ver. No 
mundo feito por mãos humanas em que vivemos, a percepção das re-
presentações é tão importante como a percepção dos obj e-
tos reais. Por representação eu quero dizer um conjunto de estímulos 
feitos pelos homens, que têm a finalidade de servir como um 
substituto a um sinal ou som que não pode ocorrer natu-
ralmente. Algumas representações funcionam como substitutos de 
estímulos; elas produzem a mesma experiência que o mundo na-
tural produziria (Bower, 1977: 58). 
De fato, nós somente experienciamos e percebemos um 
mundo em que, em um extremo, nós estamos familiarizados com 
coisas feitas pelos homens, representando outras coisas feitas pe-
los homens e, no outro extremo, com substitutos por estímulos 
cujos originais, seus equivalentes naturais, tais como partículas ou 
genes, nós nunca veremos. Assim que nos encontramos, por vezes, 
em um dilema onde necessitamos um ou outro signo, que nos auxili-
ará a distinguir uma representação de outra, ou uma representa-
ção do que ela representa, isto é, um signo que nos dirá: “Essa é 
uma representação”, ou “Essa não é uma representação.” O pintor 
René Magritte ilustrou tal dilema com perfeição em um quadro em 
que a figura de um cachimbo está contida dentro de uma figura que 
também representa um cachimbo Nessafigura dentro da figura 
podemos ler a mensagem: “Esse é um cachimbo”, que indica a dife-
rença entre os dois cachimbos. Nós nos voltamos então para o 
cachimbo “real” flutuando no ar e percebemos que ele é real, en-
quanto o outro é apenas uma representação1. Tal interpretação, 
contudo, é incorreta, pois ambas as figuras estão pintadas na 
mesma tela, diante de nossos olhos. A idéia de que uma delas é 
 
1 Nota do editor: Moscovici está se referindo a um quadro de Magritte, que pode não ser tio 
familiar aos leitores, O famoso quadro data de 1926 e mostra uma simples imagem de um ca-
chimbo com a inscriç~o “Isso n~o é um cachimbo”, embaicho da pintura. Em 1966, ele pintou 
outro quadro chamado Les deux mistéres (Os dois mistérios), em que o quadro de 1966 é mostra-
do em um cavalete, em uma sala vazia, com uma segunda imagem de um cachimbo flutuando no 
ar, sobre ele. As questões sobre representação relacionadas a ambas as pinturas são extensa-
mente discutidas por Michel Foucault (1983). 
33 
 
uma figura que está, ela mesma, dentro de uma figura e por isso um 
pouco “menos real” que a outra, é totalmente ilusória. Uma vez que 
se chegou a um acordo de “entrar na moldura”, nós já estamos com-
prometidos: temos de aceitar a imagem como realidade. Continua 
contudo a realidade de uma pintura que, exposta em um museu e 
definida como um objeto de arte, alimenta o pensamento, provoca 
uma reação estética e contribui para nossa compreensão da arte 
da pintura. 
Como pessoas comuns, sem o benefício dos instrumentos ci-
entíficos, tendemos a considerar e analisar o mundo de uma ma-
neira semelhante; especialmente quando o mundo em que vive-
mos é totalmente social. Isso significa que nós nunca conseguimos 
nenhuma informação que não tenha sido destorcida por re-
presentações “superimpostas” aos objetos e às pessoas que lhes 
dão certa vaguidade e as fazem parcialmente inacessíveis. Quando 
contemplamos esses indivíduos e objetos, nossa predisposição 
genética herdada, as imagens e hábitos que nós já aprendemos, as 
suas recordações que nós preservamos e nossas categorias cultu-
rais, tudo isso se junta para fazê-las tais como as vemos. Assim, em 
última análise, elas são apenas um elemento de uma cadeia de rea-
ção de percepções, opiniões, noções e mesmo vidas, organizadas 
em uma determinada seqüência É essencial relembrar tais lu gares 
comuns quando nos aproximamos do domínio da vida mental na 
psicologia social. Meu objetivo é reintroduzi-los aqui de uma ma-
neira que, espero, seja frutífera. 
 
 
1.2 A natureza convencional e prescritiva das representações 
 
De que modo pode o pensamento ser considerado como um 
ambiente (como atmosfera social e cultural)? Impressionistica-
mente, cada um de nós está obviamente cercado, tanto individu-
almente como coletivamente, por palavras, idéias e imagens que 
penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa mente, quer quei-
ramos quer não e que nos atingem, sem que o saibamos, do mesmo 
modo que milhares de mensagens enviadas por ondas eletromag-
néticas circulam no ar sem que as vejamos e se tomam palavras em 
um receptor de telefone, ouse tomam imagens na tela da televisão. 
Tal metáfora, contudo, não é realmente adequada. Vejamos se po-
34 
 
demos encontrar uma maneira melhor de descrever como as re-
presentações intervêm em nossa atividade cognitiva e até que pon-
to elas são independentes dela, ou, pode-se dizer, até que ponto a 
determinam. Se nós aceitamos que sempre existe certa quantidade, 
tanto de autonomia, como de condicionamento em cada ambiente, 
seja natural ou social - e no nosso caso em ambos - digamos que as 
representações possuem precisamente duas funções: 
a) Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pes-
soas ou acontecimentos que encontram. Elas lhes dão uma forma 
definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradual-
mente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e 
partilhado por um grupo de pessoas. Todos os novos elementos se 
juntam a esse modelo e se sintetizam nele. Assim, nós passamos a 
afirmar que a terra é redonda, associamos comunismo com a cor 
vermelha, inflação como decréscimo do valor do dinheiro. Mesmo 
quando uma pessoa ou objeto não se adéquam exatamente ao mo-
delo, nós o forçamos a assumir determinada forma, entrar em deter-
minada categoria, na realidade, a se tornar idêntico aos outros, sob 
pena de não ser nem compreendido, nem decodificado. 
Bartlett conclui, a partir de seus estudos sobre percepção, 
que: 
Quando uma forma de representação co mum e já conven-
cional está em uso antes que o signo seja introduzido, exi s-
te uma forte tendência para características particulares d e-
saparecerem e para que todo o signo seja assimilado em uma forma 
mais familiar. Assim “o pisca-pisca” quase sempre é identifi-
cado a uma forma comum e regular de ziguezague e “quei-
xo” perdeu seu ângulo bastante agudo, tornando-se mais 
semelhante a representações convencionais dessa caracte-
rística (Bartlett, 1961: 106). 
Essas convenções nos possibilitam conhecer o que represen-
ta o que: uma mudança de direção ou de cor indica movimento ou 
temperatura, um determinado sintoma provém, ou não, de uma 
doença; elas nos ajudam a resolver o problema geral de saber 
quando interpretar uma mensagem como significante em relação 
a outras e quando vê-la como um acontecimento fortuito ou casu-
al. E esse significado em relação a outros depende ainda de um 
número de convenções preliminares, através das quais nós pode-
mos distinguir se um braço é levantado para chamar a atenção, 
para saudar um amigo, ou para mostrar impaciência. Algumas ve-
zes é suficiente simplesmente transferir um objeto, ou pessoa, de 
35 
 
um contexto a outro, para que o vejamos sob nova luz e para sa-
bermos se eles são, realmente, os mesmos. O exemplo mais provo-
cante foi o apresentado por Marcel Duchamp que, a partir de 1912, 
restringiu sua produção cientifica em assinar objetos já prontos e 
que, com esse único gesto, promoveu objetos fabricados ao status 
de objetos de arte. Um outro exemplo não menos chocante é o dos 
criminosos de guerra que são responsáveis por atrocidades que não 
serão facilmente esquecidas. Os que os conheceram, contudo, e que 
tinham familiaridade com eles tanto durante como depois da guer-
ra, elogiaram sua humanidade e sua gentileza, assim como sua efi-
ciência tradicional, comparando-os aos milhares de indivíduos 
tranqüilamente empregados em trabalhos burocráticos. 
Esses exemplos mostram como cada experiência é somada a 
uma realidade predeterminada por convenções, que claramente 
define suas fronteiras, distingue mensagens significantes de men-
sagens não-significantes e que liga cada parte a um todo e coloca 
cada pessoa em uma categoria distinta. Nenhuma mente está livre 
dos efeitos de condicionamentos anteriores que lhe são impostos 
por suas representações, linguagem ou cultura Nós pensamos atra-
vés de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de 
acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas 
representações, como por nossa cultura. Nós vemos apenas o que 
as convenções subjacentes nos permitem ver e nós permanece-
mos inconscientes dessas convenções. A esse respeito, nossa po -
sição é muito semelhante à da tribo étnica africana, da qual Evans-
Pritchard escreveu: 
 
Nessa rede de crenças, cada fio depende dos outros fios e 
um Zande não pode deixar esse esquema, porque este é o única 
mundo que ele conhece. A rede não é uma estrutura externa 
em que ele esta preso. Ela é a textura de seu pensamento e 
ele não pode pensar que seu pensamento esteja errado (Evans-
Pritchard, 1937: 199). 
 
Podemos, através de um esforço, tornar-nos conscientes do 
aspecto convencional da realidade e então escapar de algumas 
exigências que ela impõe em nossas percepções e pensamentos. 
Mas nós não podemos imaginar que podemos libertar-nos sempre 
de todas as convenções,ou que possamos eliminar todos os pre-
conceitos. Melhor que tentar evitar todas as convenções, uma es-
36 
 
tratégia melhor seria descobrir e explicitar uma única representa-
ção. 
Então, em vez de negar as convenções e preconceitos, esta estra-
tégia nos possibilitará reconhecer que as representações constitu-
em, para nós, um tipo de realidade. Procuraremos isolar quais 
representações são inerentes nas pessoas e objetos que nós en-
contramos e descobrir o que representam exatamente. Entre 
elas estão as cidades em que habitamos, os badulaques que usa-
mos, os transeuntes nas ruas e mesmo a natureza pura, sem polui-
ção, que buscamos no campo, ou em nossos jardins. 
Sei que é dada alguma atenção às representações na prática 
de pesquisa atual, na tentativa de descrever mais claramente o 
contexto em que a pessoa é levada a reagir a um estimulo particu-
lar e a explicar, mais acuradamente, suas respostas subseqüentes. 
Afinal, o laboratório é uma realidade tal que representa uma outra, 
exatamente como a figura de Magritte dentro de um quadro. Ele é 
uma realidade em que é necessário indicar “isso é um estimulo” e 
não simplesmente uma cor ou um som e “isso é um sujeito” e não 
um estudante de direita ou de esquerda que quer ganhar algum 
dinheiro para pagar seus estudos. Mas nós devemos tomar isso em 
consideração em nossa teoria. Por isso, nós devemos levar ao cen-
tro do palco o que nós procuramos guardar nos bastidores laterais. 
Isso poderia até mesmo ser o que Lewin tinha em mente quando 
escreveu: “A realidade é, para a pessoa, em grande parte, deter-
minada por aquilo que é socialmente aceito como realidade” (Le-
win, 1948: 57). 
 
b) Em segundo lugar, representações são prescritivas, isto é, 
elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é 
uma combinação de uma estrutura que es tá presente antes 
mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que de-
creta o que deve ser pensado. Uma criança nascida hoje em qual-
quer país ocidental encontrará a estrutura da psicanálise, por 
exemplo, nos gestos de sua mãe ou de seu médico, na afeição com 
que ela será cercada para ajudá-la através das provas e tribula-
ções do conflito edípico, nas histórias em quadrinhos cômicas 
que ela lerá, nos textos escolares, nas conversações com os co-
legas de aula, ou mesmo em uma análise psicanalítica, se tiver de 
recorrer a isso, caso surjam problemas sociais ou educacionais. 
Isso sem falar dos jornais que ela terá, dos discursos políticos que 
37 
 
terá de ouvir, dos filmes a que assistirá etc. Ela encontrará uma 
resposta já pronta, em um jargão psicanalítico, a todas essas 
questões e para todas as suas ações fracassadas ou bem-
sucedidas, uma explicação estará pronta, que a levará de volta a 
sua primeira infância, ou a seus desejos sexuais. Nós menciona-
mos a psicanálise como uma representação. Poderíamos do mes-
mo modo mencionar a psicologia mecanicista, ou uma psicologia 
que considera o homem como se fosse uma máquina, ou o para-
digma científico de uma comunidade específica. 
Enquanto essas representações, que são partilhadas por 
tantos, penetram e influenciam a mente de cada um, elas não são 
pensadas por eles; melhor, para sermos mais precisos, elas são re-
pensadas, re-citadas e re-apresentadas. 
Se alguém exclama: “Ele é um louco”, pára e, então, se corrige 
dizendo: “Não, eu quero dizer que ele é um gênio”, nós imediata-
mente concluímos que ele cometeu um ato falho freudiano. Mas 
essa conclusão não é resultado de um raciocínio, nem prova de 
que nós temos uma capacidade de raciocínio abstrato, pois nós 
apenas relembramos, sem pensar e sem pensar em nada mais, a 
representação ou definição do que seja um ato falho freudiano. Po-
demos, na verdade, ter tal capacidade e perguntar-nos por que a 
pessoa em questão usou uma palavra em vez de outra, sem chegar a 
nenhuma resposta. É, pois, fácil ver por que a representação que 
temos de algo não está diretamente relacionada à nossa maneira 
de pensar e, contrariamente, por que nossa maneira de pensar e o 
que pensamos depende de tais representações, isto é, no fato 
de que nós temos, ou não temos, dada representação. Eu quero di-
zer que elas são impostas sobre nós, transmitidas e são o produto 
de uma seqüência completa de elaborações e mudanças que ocor-
rem no decurso do tempo e são o resultado de sucessivas g era-
ções. Todos os sistemas de classificação, todas as imagens e todas 
as descrições que circulam dentro de uma sociedade, mesmo as 
descrições científicas, implicam um elo de prévios sistemas e ima-
gens, uma estratificação na memória coletiva e uma reprodução 
na linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento an-
terior e que quebra as amarras da informação presente. 
A atividade social e intelectual é, afinal, um ensaio, ou recital, 
mas muitos psicólogos sociais a tratam, erradamente, como se ela 
fizesse perder a memória. Nossas experiências e idéias passadas 
não são experiências ou idéias mortas, mas continuam a ser ativas, 
a mudar e a infiltrar nossa experiência e idéias atuais. Sob muitos 
38 
 
aspectos, o passado é mais real que o presente. O poder e a clari-
dade peculiares das representações - isto é, das representações 
sociais - deriva do sucesso com que elas controlam a realida de de 
hoje através da de ontem e da continuidade que isso pressupõe. 
De fato, o próprio Jahoda as identificou como propriedades autô-
nomas que não são “necessariamente identificáveis no pen-
samento de pessoas particulares” (Jahoda, 1970: 42); uma nota a 
que seu compatriota McDougall identificara e aceitara, meio sécu-
lo antes, na terminologia de seus dias: “Pensar, com a ajuda de re-
presentações coletivas, possui suas leis próprias, bem distintas 
das leis da lógica” (McDougall, 192O: 74). Leis que, obviamente, 
modificam as leis da lógica, tanto na prática, como nos resultados. 
À luz da história e da antropologia, podemos afirmar que essas re-
presentações são entidades sociais, com uma vida própria, comu-
nicando-se entre elas, opondo-se mutuamente e mudando em 
harmonia com o curso da vida; esvaindo-se, apenas para emergir 
novamente sob novas aparências. Geralmente, em civilizações tão 
divididas e mutáveis como a nossa, elas co-existem e circulam 
através de várias esferas de atividade, onde uma delas terá pre-
cedência, como resposta à nossa necessidade de certa coerên cia, 
quando nos referimos a pessoas ou coisas. Se ocorrer uma mu-
dança em sua hierarquia, porém, ou se uma determinada imagem-
idéia for ameaçada de extinção, todo nosso universo se pre-
judicará. Um acontecimento recente e os comentários que ele pro-
vocou podem servir para ilustrar esse ponto. 
A American Psychiatric Association recentemente anunciou 
sua intenção de descartar os termos neurose e neurótico para defi-
nir desordens especificas. Os comentários de um jornalista sobre 
essa decisão em um artigo intitulado “Goodbye Neurosis” (Inter-
national Herald Tribune, 11 de set de 1978) são muito signifi-
cativos: 
Se o dicionário das desordens mentais não mais aceitar o 
termo “neurótico” nós, leigos, somente podemos fazer o mes-
mo. Consideremos, contudo, a perda cultural: sempre que 
alguém é chamado de “neurótico”, ou “um neurótico” , isso 
envolve um ato implícito de perdão e compreensão: “Oh, Mano 
de tal é apenas um neurótico”, significa “Oh, fulano é excessi-
vamente nervoso. Ele realmente não quer atirar a louça na 
tua cabeça. É apenas o seu leito” . Ou então “Fulano é apenas 
um neurótico” - signif icando “ele não pode se controlar. Não 
quer dizer que todas às vezes ele vai jogar a louça em sua ca-
beça”. 
39 
 
Pelo fato de chamar alguém de neurótico, nós colocamos o 
peso do ajustamento não em alguém, mas sobre nós mes-
mos. É um tipo de apelo à gentileza, a uma espécie de genero-
sidade social. 
Seria também assim se os “mentalmente perturbados” atiras-
sem a louça? Pensamos que não. Desculpar Mano de tal pelo 
fato de citar sua desordem mental -

Outros materiais