Buscar

Joseph Campbell: trajetórias, mitologias, ressonâncias

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 292 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 292 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 292 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
 
 
 
Carlos Aldemir Farias da Silva 
 
 
 
 
 
 
Joseph Campbell: trajetórias, mitologias, ressonâncias 
 
 
 
 
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2012 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
Carlos Aldemir Farias da Silva 
 
 
 
 
 
Joseph Campbell: trajetórias, mitologias, ressonâncias 
 
 
 
 
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
 
Tese apresentada à Banca Examinadora da 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como 
exigência parcial para a obtenção do título de Doutor 
em Ciências Sociais, área de concentração 
ANTROPOLOGIA, sob a orientação do Prof. Doutor 
Edgard de Assis Carvalho. 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2012 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora 
 
 
__________________________________________ 
__________________________________________ 
__________________________________________ 
__________________________________________ 
__________________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Joseph Campbell. 
 
Aos deuses e heróis de todos os tempos e culturas 
e àqueles que povoam o imaginário de todos os homens. 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Durante o processo de pesquisa e produção desta tese, algumas 
pessoas contribuíram com sugestões, críticas, indicações bibliográficas e 
imagéticas que possibilitaram auto-organizar minhas ideias. Devo a cada uma 
delas os meus sinceros agradecimentos e a minha gratidão. Sem a presença 
desses interlocutores, este trabalho não teria este formato final. 
 
Ao meu orientador, professor Dr. Edgard de Assis Carvalho, pela 
orientação competente, pela compreensão e generosidade. Com habilidade, 
paciência e sabedoria, ele me possibilitou cumprir a caminhada do processo de 
doutorado. 
Ao COMPLEXUS (PUC-SP), lócus privilegiado de discussões 
transdisciplinares e da sétima arte. 
À professora Dra. Maria da Conceição Xavier de Almeida, pelas 
observações enriquecedoras no período de elaboração do trabalho; pela 
amizade, pela troca de ideias. 
Ao Grupo de Estudos da Complexidade – GRECOM (UFRN), élan vital 
de criatividade na ciência desde 1992, pelo apoio constante. 
À professora Dra. Lúcia Helena Vitalli Rangel, pelas contribuições 
durante o exame de qualificação. 
Aos meus professores da PUC-SP, pelos ensinamentos e pelas 
oportunidades de reflexões. 
À Capes, pelo apoio financeiro. 
Às professoras Lia Diskin e Lucia Benfatti, pela concessão das 
entrevistas e pela acolhida sempre carinhosa na Associação Palas Athena. 
Ao professor Dr. Iran Abreu Mendes, pela parceria a cada novo 
amanhecer.
 
 
 
 
À professora Dra. Teresa Vergani, pela amizade sincera, pelos e-mails 
carinhosos e acolhimentos na centenária Casa-Blanca, em Estoril. 
Ao professor Dr. Ubiratan D‟Ambrosio e a Maria José, amigos 
generosos, pela atenção e receptividade sempre renovada. 
À professora Dra. Margarida Maria Knobbe, pela competência nas 
sucessivas revisões dos meus textos e também desta tese. 
Aos amigos queridos, professores doutores Miguel Chaquiam, Maria 
Auxiliadora Lisboa Moreno Pires, Mauro Cezar Coelho e Wilma de Nazaré Baía 
Coelho, pelo apoio e intercâmbio cognitivo. 
Aos companheiros de doutorado na PUC-SP, especialmente, Andréa 
Mousinho, Lindinês Gomes de Barros, Sílvia Maria Carbone e José Messildo 
Viana Nunes, pela amizade, apoio mútuo e troca de ideias nos últimos quatro 
anos em São Paulo. 
A Louize Gabriela Silva de Souza, pelas pequenas delicadezas e pelas 
transcrições das entrevistas; Lorena e Larissa Mendes Cavalcante, e Jefferson 
Oliveira, pela colaboração nas traduções e revisões dos textos em francês e 
inglês; Petrucia Nóbrega, pela revisão do resumo em francês; João Lopes, pelo 
apoio no levantamento do banco de imagens; Francisco Djnnathan Gonçalves, 
pela disponibilidade e apoio técnico; Ivan Júnior, pelo apoio; Waldelino Duarte, 
pela arte de algumas imagens; Nadja e José Maria, pelo carinho e amizade em 
São Paulo. 
A Maria Inês Rosa, pelas ricas indicações culturais na capital paulista. 
A José Roberto Marinho e equipe da Editora Livraria da Física, pela 
amizade e confiança; pelas apostas e parcerias nos projetos editoriais 
empreendidos nos últimos quatro anos. 
À minha família, topoi do acaso de minha existência no mundo. Em 
especial minha mãe, Maria do Rosário Farias, matriz de minhas experiências 
mais arcaicas; meus irmãos e sobrinhos queridos. 
 
 
 
 
 
Carlos Aldemir Farias da Silva 
 
Joseph Campbell: trajetórias, mitologias, ressonâncias 
 
RESUMO 
 
Reservas imemoriais da condição humana, os mitos estão presentes em todas 
as sociedades. Organizam cosmovisões, propõem soluções para dilemas, 
enigmas e contradições que o mundo real não consegue resolver. Máquinas de 
supressão do tempo, como definiu Claude Lévi-Strauss, as narrativas míticas 
não se submetem à linearidade da história. Tema central desta tese, Joseph 
Campbell (1904-1987), norte-americano nascido em Nova York, ocupa lugar de 
destaque no panteão das interpretações mitológicas. A grandeza de sua obra é 
mais do que reconhecida, embora a compreensão de suas ideias ainda 
permaneça tímida nas Ciências Humanas. Trata-se de uma obra aberta aos 
diversos dispositivos da cultura que, além da ciência, inclui a literatura e o 
cinema, esse último responsável pela popularização das ideias de Campbell 
com a série Guerra nas Estrelas. A tese investe na dialogia vida e obra a partir 
de uma incursão bibliográfica; traça os itinerários mais representativos da vida 
de Campbell (Stephen e Robin Larsen) que o levaram a discutir as funções e 
potencialidades do mito na sociedade contemporânea; esboça o cenário da 
ciência no interior do qual desponta o mitólogo norte-americano; expõe uma 
sintética arqueologia das figuras que constituem O herói de mil faces; expõe os 
argumentos do autor no que diz respeito ao seu tratamento dos temas 
recorrentes nas narrativas míticas (diversidade cultural) em direção à 
universalidade da cultura (unidade arquetípica dos mitos); apresenta o 
mapeamento cronológico da obra do autor nas edições originais em inglês e 
suas traduções no Brasil; expõe e problematiza, a partir da pesquisa no Banco 
de Teses da Capes, as ressonâncias das ideias de Campbell na produção 
científica brasileira (1990-2010); e apresenta, na íntegra, entrevistas com duas 
conhecedoras e tradutoras para o português da obra do autor. O argumento 
central da tese é a relação indissociável entre a experiência vivida do autor e o 
interesse pelo estudo dos mitos, isto é, as contingências da vida que iluminam 
a escolha de um tema de estudo, sobretudo aquelas que estão enraizadas na 
infância e adolescência. Por ser um pensador transdisciplinar que transitou nos 
domínios da arte, da literatura, da ciência, da religião, a polifonia contida em 
seu estudo comparado das mitologias do mundo exigiu, desta pesquisa, um 
diálogo com autores de áreas distintas e complementares, como Carl Gustav 
Jung, Jean-Pierre Vernant, Edgar Morin, entre outros. O solo interpretativo 
básico centrou-se em dezenove obras fundamentais traduzidas no Brasil. A 
tese tem como horizonte estabelecer conexões entre ciências e arte, em 
direção à constituição de uma Antropologia fundamental de base universalista, 
complexa e transdisciplinar. 
 
Palavras-chave: Joseph Campbell; diversidade e universalidade míticas; 
itinerários intelectuais; imaginário; complexidade. 
 
 
 
Carlos Aldemir Farias da Silva 
 
Joseph Campbell: trajectories, mythologies, resonances 
 
ABSTRACT 
 
As immemorial reserves of the human condition, the myths are present in all 
societies. They organize cosmovisions, propose solutions to dilemmas, 
enigmas and contradictions that the real world cannot solve. As machines of 
time suppression,as defined by Claude Lévi-Strauss, the mythic narratives do 
not submit themselves to the linearity of history. Joseph Campbell (1904-1987), 
centerpiece of this thesis, a north-american born in New York, occupies a place 
of great remark in the pantheon of mythological interpretations. The greatness 
of his work is more than recognized, although the comprehension of his ideas 
still remains shy in Human Sciences. It is a body of work that is open to the 
various cultural devices which, beyond science, include literature and cinema, 
the latter being responsible for the popularization of Campbell‟s ideas with the 
Star Wars series. The thesis invests in the life and work dialogism from a 
bibliographic incursion; it traces the most representative itineraries of 
Campbell‟s life (Stephen and Robin Larsen) which led him to discuss the 
functions and potentialities of myth in contemporary society; it sketches the 
scenery of science in the interior from which emerges the north-american 
mythologist; it exposes a synthetic archaeology of the figures which constitute 
The Hero of a Thousand Faces; it exposes the author‟s arguments concerning 
his treatment of the recurring themes in mythical narratives (cultural diversity) 
towards the universality of culture (archetypical unity of the myths); it presents 
the chronological mapping of the author‟s work in the original editions in English 
and its translations in Brazil; it exposes and problematizes stemming from the 
research on the Thesis‟ Database of Capes the resonance of Campbell‟s ideas 
in the Brazilian scientific production (1990-2010); and it presents, in full, 
interviews with two experts and translators of the author‟s works to Portuguese. 
The central argument of this thesis is the indissoluble relationship between the 
author‟s lived experience and interest for the study of myths, that is, the 
contingencies of life which illuminate the choice of a study theme, above all 
those which are rooted in infancy and adolescence. Because he is a 
transdisciplinary thinker who moved in the dominions of art, literature, science 
and religion, the polyphony contained in his compared study of world 
mythologies demanded, from this research, a dialogue with authors from 
different and complementary areas like Carl Gustav Jung, Jean-Pierre Vernant, 
Edgar Morin among others. The basic interpretative soil centered on nineteen 
fundamental works translated in Brazil. The thesis has as a horizon to establish 
connections between science and arts, towards the constitution of a 
fundamental anthropology of universalist, complex and transdisciplinary base. 
 
Key-words: Joseph Campbell; mythical diversity and universality; intellectual 
itineraries; imaginary; complexity. 
 
 
 
Carlos Aldemir Farias da Silva 
 
Joseph Campbell: trajectoires, des mythologies, des résonances 
 
RESUMÉ 
 
Réserves immémoriales de la condition humaine, les mythes sont présent dans 
toutes les sociétés. Ils organisent les cosmovisions, proposent des solutions 
aux dilemmes, aux énigmes et aux contradictions que le monde réel ne peut 
pas résoudre. Machines à suppresion du temps, selon la definition de Claude-
Lévi Strauss, les récits mythiques ne sont pas soumis à la linéarité de l‟historie. 
Théme central de cette thèse, Joseph Campbell (1904-1987), nord-américan né 
à New York, occupe une place prépoderante chez le panthéon des 
interprétations mythologiques. La grandeur de son œuvre est plus que 
reconnue, même si la réalisation de ses idées restent encore timide dans le 
sciences humaines. Il s‟agit d‟une œuvre ouverte aux divers dispositifs de la 
culture que au-delà de la science y compris la littérature et le cinéma, ce dernier 
résponsable pour la popularisation des idées de Campbell chez la série Star 
Wars. La thèse étude la dialogie de la vie et de l‟œuvre à partir d‟une incursion 
bibliographique ; la thèse retrace les intinéraires le plus réprésentatives de la 
vie de Campbell (Stephen et Robin Larsen) qui lui ont conduit à débattre les 
fonctions et les potentialités du mythe dans la societé contemporaine; décrit le 
scénario de la science au sein duquel émerge le mythologue américain; expose 
une arqueologie synthétique des figures que constituent Le héros aux milles 
visages; expose les arguments de l‟auteur en ce qui concerne son traitement 
des thèmes qui sont toujours présent dans les récits mythiques (diversité 
culturelle) vers l‟universalité de la culture (unité arquétipique des mythes); 
présente la cartographie chronologique de l‟oeuvre de l‟auteur dans les éditions 
originelles en anglais e leurs traductions au Brèsil; expose et problematise à 
partir de la recherche au Banque de Thèses de la Capes les ressonances des 
idées de Campbell chez la production scientifique brésilienne (1990-2010); et 
présente, intégralement, des interviews avec deux savantes et traductrices pour 
le portuguais de l‟oeuvre de l‟auteur. L‟argument central de la thèse c‟est la 
relation indivisible entre l‟expérience vécu de l‟auteur et l‟interêt pour l‟étude des 
mythes, c‟est-à-dire, les contigences de la vie qui iluminent le choix d‟un thème 
d‟étude, surtout lequelles que sont enraciné dans l‟enfance et dans la jeunesse. 
Étant un penseur transdisciplinaire qui a transité par divers domaine de l ‟art, de 
la littérature, de la science, de la religion, la polifonie présente dans son étude 
comparée aux mythologies de monde a demandé de cette recherche un 
dialogue avec des auteurs des differentes domaines complementaires comme 
Carl Gustav Jung, Jean-Pierre Vernant, Edgar Morin parmi d‟autres. Le terrain 
interprétatif basique s‟ est centré en dix-neuf œuvres fondamentales traduites 
au Brèsil. La thèse a comme horizont établir des liens entre les sciences et les 
arts, vers la constitution d‟une antropologie fondamentale de base universaliste, 
complexe et transdiciplinaire. 
 
Mots-clé: Joseph Campbell; diversité et universalités mythiques; des itinéraires 
intélectuelles; imaginaire, complexité. 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 11 
TRAJETÓRIAS .................................................................................................................................. 22 
FRAGMENTOS DE VIDA E OBRA .............................................................................................................. 23 
O DESPERTAR PELOS MITOS ................................................................................................................. 27 
CONFERÊNCIAS ERANOS ...................................................................................................................... 69 
PATERNIDADES TEÓRICAS ..................................................................................................................... 74 
SINOPSES DAS OBRAS DE CAMPBELL DE MAIOR DIVULGAÇÃO NO BRASIL........................................... 87 
MITOLOGIAS .................................................................................................................................... 91 
O MITO NA SOCIEDADE MODERNA ......................................................................................................... 92 
MITO E LOGOS ....................................................................................................................................... 93 
ALIMENTOS DA ALMA ........................................................................................................................... 101 
O CANTO DO UNIVERSO ...................................................................................................................... 104 
RESSONÂNCIAS ............................................................................................................................ 107 
CAMPBELL NO CINEMA .........................................................................................................................108 
CAMPBELL NO BRASIL ......................................................................................................................... 123 
SINCRONICIDADES E AFETOS .............................................................................................................. 133 
Uma entrevista com Lia Diskin ................................................................................................... 134 
Uma entrevista com Lucia Benfatti ............................................................................................ 145 
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 150 
APÊNDICE ....................................................................................................................................... 161 
PRINCIPAIS OBRAS DE JOSEPH CAMPBELL ......................................................................................... 161 
EDITOR ................................................................................................................................................ 163 
Livros editados e completados da obra póstuma de Heinrich Zimmer ................................ 163 
OUTROS LIVROS EDITADOS ................................................................................................................. 164 
TRADUÇÕES NO BRASIL ...................................................................................................................... 164 
ANEXOS .......................................................................................................................................... 168 
RESUMOS DO BANCO DE TESES DA CAPES 
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 
DOCUMENTOS CONFERÊNCIAS ERANOS 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
INTRODUÇÃO 
Nos anos 1950, quando Joseph Campbell começou a escrever sua série 
As máscaras de Deus, ele anunciou no prólogo de Mitologia Primitiva um alerta 
que ainda ressoa mais de meio século depois: 
 
Claramente, mitologia não é brinquedo para crianças. Tampouco é 
assunto de interesse apenas arcaico e acadêmico, sem nenhuma 
importância para o moderno homem de ação. Seus símbolos – 
estejam eles nas formas tangíveis das imagens ou na forma 
abstrata das ideias – tocam e liberam os centros de motivação 
mais profundos, comovendo instruídos e não-instruídos do mesmo 
jeito, comovendo massas e civilizações.
1
 
 
Talvez uma das razões mais urgentes de atenção consciente ao estudo 
da mitologia é porque continuamos cheios de dúvidas existenciais e questões 
não-respondidas. Campbell, cuja vida se estendeu pelo coração do século 20, 
se deparou com os mesmos dilemas que acompanham a história humana 
desde sempre. Testemunhou duas grandes guerras mundiais, outras menores, 
como a guerra do Vietnã, mas não menos violenta, e uma grande quantidade 
de sofrimentos humanos ao longo das décadas. Viu o potencial destrutivo da 
xenofobia se espalhar pelo mundo. Observou o estilhaçamento das culturas e a 
fragmentação dos símbolos míticos nas sociedades contemporâneas. Para ele, 
“os remédios para a nossa esquizofrenia cultural eram psicológicos e 
mitológicos, não sociológicos ou políticos”2. 
Já se passou um quarto de século desde a sua morte, em 30 de outubro 
de 1987. Segundo seus biógrafos Stephen e Robin Larsen (2002), logo após a 
morte de Campbell, eclodiu uma importante efervescência cultural nos Estados 
Unidos em torno de suas ideias, o que possibilitou sua popularização. Isso 
aconteceu após a apresentação televisiva, em 1988, da série O poder do mito, 
pela PBS – Serviço Público de Radiodifusão. Nessa série, protagonizada por 
Joseph Campbell e pelo jornalista Bill Moyers, as respostas proferidas pelo 
 
1
 CAMPBELL, 2000, p. 22. 
2
 CAMPBELL apud LARSEN, 2002, p. xii, tradução minha. 
12 
 
mitólogo, em tom de sabedoria, comoveram os ouvintes e capturaram a 
atenção do público norte-americano. 
O conjunto das entrevistas foi assistido por um número de espectadores 
que quebrou recordes, e o livro O poder do mito, baseado nessas entrevistas, 
se tornou um best-seller nos Estados Unidos, sendo rapidamente traduzido 
para vários idiomas. “Muitas pessoas desejavam saber se Campbell foi capaz 
de viver de acordo com a sabedoria que extraiu da mitologia”3. 
 Entretanto, antes de 1988, o trabalho de Campbell já era conhecido por 
estudiosos ao redor do mundo: acadêmicos e mitólogos certamente, mas 
também psicanalistas que interpretavam temas míticos a partir dos sonhos de 
seus pacientes, além de escritores, artistas e cineastas como George Lucas, 
que afirmou usar as matrizes de significados míticos de Campbell para incitar 
sua própria visão criativa na primeira trilogia Star Wars. Os seis filmes da série 
Star Wars, organizados em duas trilogias, foram exibidos nos cinemas do 
mundo inteiro nos anos de 1977, 1980 e 1983; a nova trilogia chegou às salas 
de cinema em 1999, 2002 e 2005. Em Ressonâncias, último capítulo desta 
tese, trato sobre os respingos do livro O herói de mil faces, de Campbell, na 
sétima arte, com base na primeira trilogia Star Wars. 
Talvez, àquela altura, Campbell tivesse uma influência na cultura 
contemporânea que precedia a consciência pública de seu pensamento. Tudo 
indica que Yoda, o pequeno personagem de pele esverdeada que prefigura o 
mais sábio, velho e poderoso mestre Jedi de todos os tempos em Star Wars, 
teria ajudado a preparar o caminho para a emergência de Joseph Campbell 
como um homem de ciência e sabedoria no cenário mundial. A série O poder 
do mito criou a oportunidade para milhões de pessoas conhecerem o seu 
trabalho, desenvolvido desde muito cedo, e a sua expressão “siga sua bem-
aventurança”, entendida correta ou incorretamente, havia se tornado uma ideia 
importante ou um norte para orientar aqueles que foram tocados pelas suas 
palavras4. 
 Lia Diskin, uma das fundadoras da Associação Palas Athena do Brasil, 
em entrevista a mim concedida, reitera as afirmações dos biógrafos de 
 
3
 LARSEN, 2002, p. xv-xvi, tradução minha. 
4
 LARSEN, 2002. 
13 
 
Campbell e expõe de forma clara como aconteceu essa explosão e interesse 
sobre o trabalho do mitólogo logo após a sua morte. O conteúdo da entrevista 
de Diskin encontra-se na íntegra em Ressonâncias, capítulo final desta tese. 
Enquanto Campbell estava vivo, já se reconhecia nele uma expressão 
nas letras norte-americanas do século 20. Prova disso são os títulos e prêmios 
importantes que foram concedidos a ele como, por exemplo, o título de doutor 
honoris causa pelo Pratt Institute, do Brooklyn (Nova York), em 1976. Porém, 
foi sobretudo depois de morto que esse pensador da cultura, cujos detratores 
haviam retratado como um elitista intelectual, tocou o coração de milhões de 
pessoas com suas palavras. Junto com o status de reconhecimento intelectual 
vieram também os ataques pessoais póstumos, inevitáveis parceiros das 
recompensas da fama5. 
Quando Campbell começou a se tornar popular, e mesmo durante a sua 
vida, o público sempre lhe fez inescrutáveis perguntas, que no melhor dos 
sentidos seriam dirigidas a oráculos e gurus: “Qual é o sentido da vida? Como 
eu a conduzo?” Ao abraçar tais questões, ao invés de se esquivar, ele 
costumava responder com afirmações aparentemente simples: “siga sua bem-
aventurança”. Na verdade, o que Campbell fez durante a vida inteira foi refinar 
décadas de pesquisa sobre temas complexos para comunicar de maneira 
simples, ou seja, mantinha o gradiente eloquente para se fazer entender. 
Outra estratégia que ele comumente utilizava era devolver a pergunta ao 
questionador: “Se você quer me perguntar como deve viver sua vida, eu lhe 
pergunto qual é a coisa mais significativa para você, sua razão de ser, e sugiro 
que você se alie a isso, sua bem-aventurança”6. Alguns críticosiriam julgar as 
afirmações de Campbell, como “siga sua bem-aventurança”, de forma 
superficial, sem ler, ao menos, um de seus muitos livros para encontrar o 
contexto maciço para tal sabedoria dita de forma simples e direta. 
Nesses tempos de dilemas abundantes e respostas esparsas, Campbell 
foi capaz de sintetizar sabedoria antiga e vida moderna de uma maneira que 
pudesse ser útil para a vida das pessoas. “Encorajou-nos a encontrar nossos 
 
5
 LARSEN, 2002. 
6
 CAMPBELL apud LARSEN, 2002, p. xii, tradução minha. 
14 
 
heróis interiores, e não apenas a estudar mitos, mas ousar viver miticamente”7. 
Isso acontecia frequentemente em suas conferências, aulas, cursos e 
palestras, quando ele citava seus textos de sabedoria favoritos, dentre eles os 
Vedas, os Sutras e o Evangelho Gnóstico de São Tomás no qual Jesus fala 
como um mestre zen: “Se você trouxer à tona o que está dentro de você, o que 
está dentro de você irá salvá-lo. Se você não trouxer à tona o que está dentro 
de você, o que está dentro de você irá destruí-lo”8. 
Segundo seus biógrafos, é possível que Campbell tenha se tornado 
vítima de um mito americano e que ele próprio pode ter previsto isso, pois o 
que aconteceu após a sua morte pode ser entendido como “uma variação de 
um tema antigo: a criação de heróis ou mesmo semideuses, a partir de seres 
humanos, para expor seus calcanhares feridos e seus pés de argila, seja na 
primeira página do The New York Times ou do National Enquirer”9. 
Para Campbell (2000), isso acontece porque perdemos nossas 
referências sagradas dos deuses; nossos maiores heróis míticos devem ser 
revelados como falivelmente humanos. Independente das críticas, dos 
oponentes e dos estudiosos que defendem a obra de Campbell, não se pode 
negar que a presença e o trabalho desse mitólogo deixaram uma marca na 
cultura acadêmica ocidental do século 20. Seu saber era grande em proporção 
ao seu alcance. 
Essa ideia sobre a eloquência de Campbell é continuamente reiterada 
por seus entrevistadores, ex-alunos e amigos que privaram de sua intimidade 
pessoal. Tais afirmações estão registradas em apresentações, prefácios e 
aberturas de livros de entrevistas concedidas por Campbell ou nas introduções 
dos seus livros editados postumamente. Todos reiteram seu saber 
enciclopédico e, o mais importante, uma forma de comunicação capaz de tocar 
a alma humana. 
Tema central desta tese, Joseph Campbell foi um profundo estudioso da 
mitologia mundial durante toda a sua vida. Minha incursão pela sua obra não 
brotou em cursos na universidade. Brotou no pomar da minha curiosidade por 
 
7
 LARSEN, 2002, p. xvi, tradução minha. 
8
 CAMPBELL apud LARSEN, 2002, p. xii, tradução minha. 
9
 LARSEN, 2002, p. x, tradução minha. 
15 
 
autores que tratam sobre temas relativos à mitologia e aos seus 
desdobramentos, cujo interesse há muito me acompanha. Geralmente seus 
livros não são indicados em programas de disciplinas na graduação em 
Ciências Sociais, tampouco em Antropologia, nas universidades brasileiras, 
pelo que pude observar na minha pesquisa. Quando suas referências 
aparecem em disciplinas na pós-graduação em Ciências Sociais, geralmente 
estão ligadas diretamente à discussão do mito, apesar dos temas discutidos 
em seus livros abrangerem várias áreas do conhecimento. Essa afirmação 
pode ser constatada no levantamento feito por mim no Banco de Teses da 
Capes no período de 1990-2010, no qual sua obra é utilizada como referência 
para dissertações de mestrado e teses de doutorado em diversos programas 
de pós-graduação no Brasil. 
No espaço desta tese, reflito sobre os eventos pessoais que definiram 
seu pensamento, que o levaram a elaborar uma obra sobre os mitos, 
independentemente do seu reconhecimento tardio. O argumento central que 
orienta a tese é a relação entre a experiência vivida de um autor e o interesse 
pelo estudo dos mitos; contingências da vida que iluminam a escolha de um 
tema de estudo; sobretudo aquelas que estão enraizadas na infância e 
adolescência. Ao que parece, ele pôs em prática o que ensinou durante trinta e 
oito anos na Faculdade Sarah Lawrence: o começo de uma transformação nos 
modelos psíquicos no Ocidente. A psicóloga Jean Houston, em entrevista 
concedida aos biógrafos de Campbell, sumariou sua significância histórica para 
o estudo dos mitos. Para Houston, “Campbell forneceu a chave mítica para 
destrancar a codificação da alma, pois sabia que o mito é o DNA da psique 
humana, um universo complexo e desconhecido, maior que nossas 
aspirações”10. 
Foi a partir de fragmentos do universo campbelliano que procurei refletir 
sobre sua vida e obra. Esta tese integra a linha de pesquisa Itinerários 
intelectuais e transdisciplinaridade do Núcleo de Estudos da Complexidade – 
COMPLEXUS, coordenado por Edgard de Assis Carvalho na Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo. Trata-se de uma reflexão acerca dos 
 
10
 HOUSTON apud LARSEN, 2002, p. xiii, tradução minha. 
16 
 
estudos empreendidos por Campbell na área da mitologia. Tem como foco a 
produção do autor sobre a diversidade das imagens míticas que servem de 
base para a construção da cultura humana. 
Além do levantamento da obra de Campbell traduzida no Brasil, que 
contabiliza dezenove livros e um DVD duplo com trezentos e cinquenta e 
quatro minutos de duração, ou seja, aproximadamente seis horas de gravação, 
me debrucei sobre livros que tratam diretamente sobre a sua vida. A sua 
biografia escrita por Stephen e Robin Larsen, Joseph Campbell: a fire in the 
mind (2002), e o livro de entrevistas An open life (1990), ambos sem tradução 
no Brasil, me permitiram adentrar em detalhes importantes sobre sua história 
vivida em Nova York, cidade onde nasceu em 1904. 
Grande parte dos dois livros mencionados no parágrafo anterior teve 
uma tradução livre feita por mim e se constituiu em uma matriz importante para 
decifrar partes dos cenários de vida do autor em estudo. Sua biografia foi 
escrita como um cenário cronológico da vida, dos temas de pesquisa e da 
produção do mitólogo. Dividida em quatro partes, que equivalem aos períodos 
de 1904-31; 1931-38; 1938-55; 1955-87; esse itinerário intelectual se inicia com 
o nascimento do autor e vai até a sua morte. 
O tratamento que foi dado à obra lida do autor demandou o exercício de 
releitura do conjunto escolhido – obras publicadas em português – e, 
simultaneamente, a leitura de operadores cognitivos capazes de redimensionar 
o alcance dos temas tratados por Campbell, observando ressonâncias, 
aproximações e paralelismos desse pensador com outros pensadores que 
retotalizam a compreensão da cultura humana em seus patamares complexos, 
quer dizer, na religação entre os itinerários míticos e lógicos da condição 
humana. 
Foi nesse sentido que a leitura de Edgar Morin, Carl Gustav Jung, Jean-
Pierre Vernant, Karen Armstrong, Maria da Conceição de Almeida e outros 
interlocutores me permitiram construir ecos para um pensamento universal 
desse mitólogo de expressão do século 20. É importante dizer já nesta 
introdução que Joseph Campbell figura no livro Os 100 maiores visionários do 
século XX, ao lado de Carl Gustav Jung, de quem recebeu uma profunda 
17 
 
inspiração para interpretar mitos que jazem no inconsciente coletivo da 
humanidade. 
O referido livro reúne excertos da vida e da obra de cem grandes 
homens e mulheres que inspiraram a humanidade por meio de suas ideias e 
visões. A influência das ideias exercidas pelos cem „visionários‟, que inclui 
cientistas, pensadores, filósofos, sociólogos, ambientalistas, líderes religiosos, 
etc., permitiu repensar, por exemplo, o apartheid e os regimes autoritários, bem 
como fomentar o surgimento de uma consciência ecológica, transdisciplinar e 
espiritual que ressoa fortementena sociedade atual. Organizado em 2006 por 
Satish Kumar e Freddie Whitefield, o livro ganhou tradução no Brasil em 2011 e 
se divide em três partes: (1) Visionários ecológicos; (2) Visionários sociais e, 
por fim, (3) Visionários espirituais. Nessa última parte, Campbell figura ao lado 
de grandes líderes do Oriente como o Dalai Lama e Jiddu Krishnamurti. Nesse 
livro sobre os „visionários‟, Robert Butler apresenta Campbell em seu artigo 
como o mestre da mitologia do século 20. 
É importante lembrar que Campbell encontrou Krishnamurti pela primeira 
vez durante uma viagem transatlântica na década de 1920, ambos ainda muito 
jovens. 
 
Na viagem de volta da Europa, em 1924, havia três jovens de pele 
escura sentados nas cadeiras recicláveis do convés. Notei que 
uma moça os conhecia. Eu nunca havia visto antes pessoas como 
aquelas, porque não havia hindus por aqui naquele tempo. Eles 
todos acabavam indo para a Inglaterra, nunca vinham para os 
Estados Unidos. Acontece que um deles era Jiddu Krishnamurti. 
Os outros eram seu irmão Nityananda e seu secretário na época, 
Rajagopal. Essa foi a minha introdução ao mundo da Índia. E a 
moça que nos apresentou me deu o livro A luz da Ásia, de Edwin 
Arnold, sobre a vida de Buda extraída dos Sutras. E essa foi uma 
abertura; como se uma luz fosse acesa.
11
 
 
Autor lido e relido por várias áreas das ciências humanas e sociais 
(psicólogos, psicanalistas, teólogos, mitólogos, cineastas, comunicólogos, 
antropólogos, sociólogos, educadores, etc.), o espectro de dispersão de sua 
 
11
 CAMPBELL, 2003, p. 61. 
18 
 
obra traz como consequência um enigma difícil de decifrar. Logo, não pretendo 
fazer desta tese um lugar de verdade e de leitura completa sobre o autor. Devo 
dizer, entretanto, que o exercício intelectual exigiu um minucioso acesso a 
fontes bibliográficas, documentais, filmografia, imagens e entrevistas sobre as 
ressonâncias da obra de Campbell no Brasil nas duas últimas décadas, de 
1990 e 2010. 
Paralelamente à incursão na obra e, em parte da produção advinda da 
obra do autor, procurei construir cenários vivos a partir de entrevistas que se 
constituem em uma produção inédita sobre as ideias de Joseph Campbell. As 
entrevistas, concedidas em novembro de 2011, por Lia Diskin e Lucia Benfatti, 
ambas da Associação Palas Athena, em São Paulo, tratam sobre a importância 
das ideias de Campbell para além do universo acadêmico, posto que os ecos 
de suas elaborações teóricas vazam para terapeutas formais e informais; se 
fazem presentes em palestras, cursos, colóquios e abordagens de pesquisa. 
Conhecedoras da obra de Campbell, elas falaram sobre a importância do seu 
trabalho para a compreensão da cultura contemporânea tão fragmentada e da 
perda dos valores humanos fundamentais para o convívio em sociedade. 
Um mapa introdutório da cosmologia campbelliana elenca os seguintes 
índices norteadores de uma compreensão do autor: a organização interna da 
narrativa mítica; o mito como narrativa de uma criação e/ou explicação do 
mundo e da cultura; a relação entre mito e história; o mito como relato de um 
tempo primordial; as transformações do mito visto em diferentes épocas e 
sociedades; o mito como uma linguagem arcaica e moderna; a conexão entre 
mito e religião; mito e arquétipo do inconsciente coletivo e a representatividade 
do mito na contemporaneidade. 
Certamente esses índices não deveriam ser compreendidos como uma 
fragmentação da obra aqui estudada. Mais do que especializações não 
comunicantes, tais índices temáticos revelam faces do complexo maior da 
produção da cultura, ou mesmo chaves de leituras complementares à 
interconectada e totalizadora matriz do pensamento de Joseph Campbell. 
De forma operacional, empreendi o seguinte cronograma de pesquisa: 
19 
 
a) Levantamento realizado em 2010 e em maio de 2011, no Dedalus 
(Banco de Dados Bibliográficos da USP) e no SciELO12, de artigos que tratam 
ou utilizam referências de Joseph Campbell, nas principais revistas científicas 
(versão online e/ou impressa) das universidades brasileiras e algumas 
estrangeiras. O período levantado teve como intervalo as décadas de 1990-
2010. 
Desse levantamento constaram os periódicos listados a seguir: Revista 
de Antropologia da USP; Revista Educação e Pesquisa da Faculdade de 
Educação da USP (coleção online); Estudos Avançados da USP (coleção 
online); Revista Psicologia USP (coleção online); Revista de História da USP 
(coleção online); Cadernos CERU; Textos CERU e Anais CERU (Centro de 
Estudos Rurais e Urbanos da USP); Anais do Museu Paulista: História e 
Cultura Material da USP; Revista Paideia USP (Ribeirão Preto); Revista Andes 
– Antropologia e História do Centro Promocional de Investigações em História e 
Antropologia, do Instituto pertencente à Universidade Nacional de Salta, 
Argentina; Avá (Posadas) Revista de Antropologia do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da Secretaria de Investigação e Pós-
Graduação da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade 
Nacional de Misiones, Argentina; CAMPOS – Revista de Antropologia Social do 
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal 
do Paraná (edições 2001-2009); Cronos – Revista do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte (versão online e impressa, 2001-2009); Revista Margem – Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo; Revista Thot da Associação Palas Athena 
do Brasil (versão online e/ou impressa); Boletim de Psicologia; Revista da 
Abordagem Gestáltica; Anais do Simpósio Nacional sobre Consciência, 
realizado em Salvador, 2007 (CD-ROM); Anais do IV Encontro Nacional de 
Professores de Letras e Artes, realizado em Campos dos Goytacazes, Rio de 
Janeiro, 2009 (CD-ROM); Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos 
Literários do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual 
de Londrina; Enagrama – Revista Interdisciplinar da Graduação da 
Universidade de São Paulo; Revista Elementa Comunicação e Cultura, 
 
12
 A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica que abrange uma 
coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros (www.scielo.br). 
20 
 
Sorocaba, SP; Revista Letras de Hoje, Porto Alegre, RS; Revista Brasileira de 
História das Religiões da Universidade Estadual de Maringá, Paraná; Revista 
História, Imagem e Narrativas (Edição Especial, n. 10, abr. 2010); Anais do II 
Simpósio RPG e Educação (CD-ROM). 
O levantamento elencado, que posso considerar exaustivo, se 
materializou em um volume que pode servir de material de pesquisa para 
estudos futuros sobre Campbell. Trata-se de uma produção que guarda uma 
certa autonomia em relação a esta tese. Nos anexos listei todos os artigos 
científicos levantados sobre o autor e apresento também o material das 
Conferências Eranos. 
b) Levantamento em bibliotecas dos livros que tratam sobre Joseph 
Campbell, realizado junto às bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo (PUC-SP); Universidade de São Paulo (USP) e Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O levantamento foi realizado nos 
anos de 2009; 2010 e maio de 2011. 
c) Participação em cursos e seminários que tinham como temas a obra 
de Joseph Campbell e Carl Gustav Jung, ministrados pela Associação Palas 
Athena do Brasil, em janeiro e fevereiro de 2009; e em abril de 2010. 
Esta tese se compõe de três capítulos: Trajetórias; Mitologias e 
Ressonâncias, construídos de forma a se tornarem autônomos e 
complementares. Em Trajetórias, apresento fragmentos dos cenários da 
infância e adolescência de Joseph Campbell; a emergência e curiosidade pelas 
histórias míticas; parte de suas raízes intelectuais e uma sinopse das obras 
que o tornaram conhecido no Brasil. Mitologiasproblematiza a temática dos 
mitos e apresenta a conexão entre Joseph Campbell e alguns dos mais 
expressivos estudiosos do tema. Ressonâncias trata dos ecos da cosmologia 
campbelliana no Brasil. Nessa última parte, mapeia-se a presença do autor no 
cinema, sobretudo na primeira trilogia Star Wars; na produção acadêmica 
brasileira no período 1990-2010, a partir dos resumos das dissertações e teses 
do Banco de Teses da Capes e dos artigos científicos em periódicos (ver 
Anexo). Aqui aparecem na íntegra as entrevistas com Lia Diskin e Lucia 
Benfatti, que fizeram parte da equipe de tradução da obra de Campbell para a 
língua portuguesa. Por fim, apresento um apêndice com a organização 
21 
 
cronológica das obras do autor em inglês, seguida das traduções brasileiras até 
o momento. 
22 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRAJETÓRIAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
Fragmentos de vida e obra 
 
Não é a vida em si, mas uma reconstrução. 
 
Barbara Tuchman 
 
 “A vida nas ideias e as ideias na vida”. Essa expressão de Edgar Morin, 
quando se autodefine como autor e como intelectual, serve aqui como um 
ponto de partida ou um guia para que possamos compreender, a partir dos 
fragmentos biográficos de Joseph Campbell, um pouco de sua trajetória 
pessoal e profissional no campo da mitologia. 
Três questões orientam a minha reflexão: o que aconteceu na vida de 
Joseph Campbell para que ele viesse a desenvolver ao longo da sua vivência 
profissional uma obra inteiramente dedicada aos mitos do mundo inteiro? 
Como suas experiências no campo pessoal contribuíram para que ele 
sistematizasse teoricamente o que viveu? Como as experiências de sua 
infância imprimiram sentidos e significados à sua obra como um todo? 
Em Meus demônios, Edgar Morin afirma: “não sou daqueles que têm 
uma carreira, mas dos que têm uma vida. Minha vida intelectual é inseparável 
de minha vida. Não escrevo de uma torre que me separa da vida, mas de um 
redemoinho que me joga em minha vida e na vida”13. Em toda a obra de Edgar 
Morin, a dialógica experiência vivida e produção do pensamento é fartamente 
demonstrada e, mais do que isso, lança as bases de uma compreensão do 
pensador e do intelectual: 
 
O que é o intelectual? Quando nos tornamos intelectuais? Quer 
sejamos escritor, universitário, cientista, artista ou advogado, a 
meu ver, só nos tornamos intelectuais, a partir do momento em 
que tratamos – seja através de ensaio, seja por texto de revista, 
por artigo de jornal, de maneira não-especializada e além de 
nosso campo profissional restrito – dos problemas humanos, 
morais, filosóficos e políticos. É então que o escritor, o filósofo ou 
cientista se autodenominam intelectuais. O termo intelectual tem 
uma significação missionária, divulgadora, eventualmente 
militante. Assim, a qualidade de intelectual não é determinada pela 
 
13
 MORIN, 2000, p. 9. 
24 
 
integração profissional na intelligentsia, ela vem de um uso ou da 
superação da profissão nas ideias.
14
 
 
Seria lugar comum repetir a tentativa de tornar original uma biografia de 
Joseph Campbell. Muitos foram os que, em momentos distintos, interrogaram 
sobre sua vida, suas bases teóricas, suas incursões e ousadias de 
pensamento. Sua biografia publicada originalmente em 1991, portanto, 
postumamente, atesta que Campbell nunca foi afeito a uma biografia pessoal; 
comumente dizia para “aqueles que queriam escrever sobre sua vida que 
trabalhassem em suas próprias vidas, não na dele”; ele repetiu isso diversas 
vezes, segundo seus biógrafos Stephen e Robin Larsen15. 
Para Campbell, “o corpo de seus próprios escritos deveria constituir a 
sua assinatura como um homem de ciência, não os detalhes incidentais de sua 
vida”16. Um registro curioso, escrito no prefácio da obra de Larsen sobre o 
material autobiográfico de Joseph Campbell, é revelador no que se refere à sua 
não intenção de escrever sobre sua vida pessoal. 
 
Uma vez Jean [sua esposa] o encontrou entusiasticamente 
destruindo cartas de seus arquivos, e interrompeu-o alarmada. Foi 
um momento estranho para os dois, conforme as respectivas 
necessidades de mortalidade e imortalidade competiam em cada 
uma de suas mentes; pois a correspondência dele incluía cartas 
de muitas pessoas historicamente significantes. O Joseph privado, 
mortal, finalmente desistiu com um sorriso pesaroso, deferindo 
para a imortalidade histórica; e assim algumas dessas cartas 
permanecem conosco.
17
 
 
Foi dessa maneira que Campbell, consciente ou inconscientemente, 
deixou intacta uma riqueza de materiais autobiográficos não publicados, como 
correspondências, diários privados, cadernos de registro diário de sonhos, 
esboços, notas marginais e narrativas de ficção. A partir desse material, seus 
biógrafos reconstituíram grande parte de sua história. Se sua esposa não o 
tivesse interrompido naquele dia em que ele destruía seus documentos, é 
 
14
 MORIN, 2000, p. 205. 
15
 LARSEN, 2002, p. xvi, tradução minha. 
16
 LARSEN, 2002, p. xvi, tradução minha. 
17
 LARSEN, 2002, p. xvii, tradução minha. 
25 
 
quase certo que grande parte do precioso material pessoal de Campbell teria 
desaparecido. 
 
Capas da Biografia de Joseph Campbell (esq. edição 1991; dir. 2002) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Arquivo pessoal (reprodução) 
 
No espaço desta tese, procuro operar por bricolagem, para reordenar 
fragmentos narrativos anunciados por Campbell em diferentes momentos a 
interlocutores de pertencimentos disciplinares distintos e nacionalidades 
diversas. Somente a partir da reorganização de seus fragmentos biográficos 
iremos conhecer um pouco mais de sua história e o que o levou a empreender 
uma obra tão vigorosa sobre os mitos. 
 
A bricolagem é um processo que se define basicamente pela 
ausência de um projeto que ajuste, de modo linear e causal, meios 
e fins. Nela se desfazem as dualidades entre arte e ciência, 
ciência e mito, razão e desrazão. Seu papel é criar signos e 
26 
 
significados valendo-se de resíduos culturais acabados, 
imprimindo-lhes rearranjos e reorganizações. De certo modo, a 
bricolagem expressa o dilaceramento e as desavenças do homo 
duplex consigo mesmo e com outros.
18
 
 
Construir um mapa a partir dos fragmentos biográficos de um autor, na 
perspectiva de uma ciência da complexidade, supõe concatenar cenários de 
um contexto que inclui necessariamente as experiências do sujeito. Assim, 
para construir um perfil de Joseph Campbell, me faço valer aqui, 
principalmente, de interlocutores como Michael Toms (1990), Bill Moyers 
(1998), Fraser Boa (2004), Phil Cousineau (2003), respectivamente nos livros 
An open life (Uma vida aberta); O poder do mito; E por falar em mitos...; A 
jornada do herói. Esses quatro livros levam sempre a autoria ou a coautoria de 
Campbell. Vejamos, a seguir, de forma sumária, do que tratam esses títulos. 
Em Uma vida aberta (1990), temos uma compilação de entrevistas 
concedidas por Campbell a Michael Toms, locutor da rádio New Dimensions, 
durante um período de doze anos (1975-1987). Toms planejava apresentar o 
conjunto das entrevistas concluído no aniversário de 84 anos de Campbell, em 
março de 1988, que seria comemorado no Instituto Esalen, na Califórnia. A 
morte de Campbell, em 1987, interrompeu, em parte, os planos de Toms. A 
reunião das entrevistas pode ser tomada como uma introdução às grandes 
ideias mitológicas do autor de O herói de mil faces; expressa a celebração de 
uma vida de dedicação ao estudo dos mitos e apresenta uma visão geral de 
sua perspectiva acerca da espiritualidade. 
Em O poder do mito (1998), Joseph Campbell e Bill Moyers 
protagonizam um longo diálogo sobre mitologias que permeiam o imaginário e 
a vida do homem moderno. Tratam detemas complexos, como os mitos que 
deram suporte para religiões, ritos e manifestações culturais do inconsciente 
coletivo. O livro trata, ainda, dos sistemas filosóficos ou religiosos que dão 
suporte às sociedades do passado e do presente, pois o homem moderno, 
racional e lógico da sociedade atual, guarda consigo um ancestral inconsciente 
que é regido pelos ensinamentos míticos que povoam as sociedades humanas. 
 
18
 CARVALHO, 2003, p. 9. 
27 
 
E por falar em mitos... (2004) reúne oito capítulos que tratam dos temas: 
deuses, deusas, símbolos, iniciações, sacrifícios, animais, abismo pessoal, 
conflito e liberdade. Para Fraser Boa, Campbell “juntou o histórico e o teórico à 
sua experiência pessoal”19 e traduziu os temas tratados nesse livro em uma 
linguagem familiar que contempla a todos nós. 
Em A jornada do herói (2003), temos um livro-testamento de Campbell. 
A edição reúne profundas entrevistas concedida pelo mitólogo nos últimos anos 
de sua vida. As transcrições das conversas foram ampliadas com trechos de 
suas palestras proferidas entre os anos de 1982 até o início de 1985. O livro 
apresenta um panorama vasto de trajetória, que inclui sua carreira docente na 
Faculdade Sarah Lawrence. São fragmentos de memória da infância, da 
adolescência; da formação intelectual e profissional; das viagens; das 
influências teóricas e dos encontros com pessoas notáveis da ciência. Trata, 
sobretudo, do universo mítico que povoou a vida e a obra de Campbell, tema 
do qual ele se ocupou durante a vida. 
 
O despertar pelos mitos 
Joseph John Campbell nasceu em 26 de março de 1904, na cidade de 
Nova York, Estados Unidos da América. Joe, como ficaria conhecido, foi o 
primogênito de um casal católico de classe média, Charles W. Campbell e 
Josephine E. Lynch. Charles William Júnior nasceu um ano depois, e Alice 
Marie, a caçula, nasceu três anos depois de Charles, em 1908. Conforme a 
moda antiga, a tarefa de Charles era fornecer um estilo de vida sólido e 
confortável à família, enquanto Josephine administrava os muitos deveres 
domésticos, com atenção especial à criação e educação dos filhos. Ela era 
uma mulher “de cabelos escuros e olhos claros cuja firmeza de convicção, 
energia e mobilidade ascendente se igualava à de seu marido”20. 
 
 
 
 
19
 BOA, 2004, p. 10. 
20
 LARSEN, 2002, p. 8. 
28 
 
Joseph Campbell com treze semanas de vida, na companhia de seus pais, 1904 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: A jornada do herói (reprodução) 
 
Josephine Lynch com os três filhos: 
Joseph Campbell (esq.), Charles Jr. e Alice, c. 1913-14 
 
Fonte: Arquivo pessoal (reprodução) 
29 
 
De ascendência celta-irlandesa, Joseph Campbell relata, em entrevista, 
que seus avôs paternos chegaram à América do Norte fugindo da Grande 
Fome irlandesa em meados do século 19, quando a nação foi assolada por 
uma praga que atacou as plantações de batata por um período de quatro anos 
(1845-49), causando uma escassez de víveres que matou mais de um milhão 
de pessoas e levou dois milhões a imigrar, a maioria para os Estados Unidos. 
Nos anos que se seguiram e no final do século 19 para o século 20, outros 
milhões de irlandeses também deixariam a Irlanda para desembarcar em 
território norte-americano. 
Estima-se que a população da Irlanda foi reduzida em um terço ou, em 
algumas estimativas, pela metade. As condições de vida do povo irlandês, que 
poderiam ter sido melhoradas, tornaram-se mais severas devido ao 
desinteresse do governo inglês, que considerava os irlandeses subumanos. Na 
época, dizia-se que eles ocupavam o espaço necessário para gados e cavalos. 
O pai de Josephine, mãe de Joseph Campbell, também tinha vindo da 
Irlanda. Era um refugiado das devastações econômicas da Fome da Batata. 
Suas origens estavam em Dublin, na costa oeste urbana e relativamente mais 
próspera da ilha. O único membro não-irlandês dessa genealogia céltica era a 
mãe de Josephine, Ann New Lynch, cuja família havia vivido na cidade costeira 
de Dundee, na Escócia21. 
Josephine tinha uma irmã mais velha, Clara, que se mudou para o 
Canadá e perdeu o contato com sua irmã após um desentendimento em 
família; o irmão, Jack Lynch, sofria de diabetes. Em várias passagens de suas 
entrevistas, Campbell relembra a afeição especial pelo tio, apesar de ele ter 
morrido bastante jovem vitimado pela doença, que na época não tinha 
tratamento. 
Quando fala sobre sua origem celta-irlandesa, Joseph Campbell (2003) 
afirma que, durante muito tempo, não deu muita importância ao fato de ser 
descendente daquele povo. O seu interesse despertou apenas quando ele se 
preparava para ir à faculdade. Foi naquele momento que ele começou a avaliar 
o que era a consciência céltica e o seu reino de fantasia verbal tão rico e 
 
21
 LARSEN, 2002. 
30 
 
maravilhoso com o universo dos contos de fadas. Não é por acaso que 
Campbell vai se interessar pelas publicações sobre o personagem do rei 
Arthur, de origem celta. Ao que parece, a consciência desse universo já estava 
cunhado em seu DNA22. Como veremos, ele apenas daria continuidade à 
herança simbólica e mítica trazida pelos seus ancestrais que desembarcaram 
na América do Norte. 
O interesse de Joseph Campbell por mitologia foi despertado na primeira 
infância. Para os seus biógrafos, foi por volta do sexto ou sétimo ano de vida 
que Campbell foi arrebatado pelo poder de uma imagem mítica pela primeira 
vez. Isso aconteceu por volta de 1910, quando o Show do Oeste Selvagem de 
Buffalo Bill desembarcou na cidade de Nova York, e seu pai o levou junto com 
o seu irmão Charles Jr. para vê-lo. 
William Frederick Cody (1846-1917) ou simplesmente Buffalo Bill foi um 
ícone notável no velho oeste norte-americano. Um dos criadores do espetáculo 
Buffalo Bill’s Wild West Show, que estrelou a partir de 1883, quando contratou 
índios, caubóis e outros personagens para fazer uma espécie de circo móvel, 
cuja temática era o Oeste Selvagem. Passava de cidade em cidade 
apresentando o espetáculo para pagantes, junto com suas demonstrações de 
habilidades de cavaleiro. Ganhou fama e dinheiro; se tornou uma lenda. Em 
1944, sua história de vida inspirou o filme “Buffalo Bill”, sob a direção de 
William A. Wellman. 
A beleza e a grandiosidade desse espetáculo sobre o Oeste Selvagem 
podem ser reconstituídas a partir de fragmentos de memórias do próprio 
Campbell, espalhados em seus livros de entrevistas e em sua biografia. Há 
também diversas fotografias históricas de Buffalo Bill posando ao lado de 
chefes indígenas e cartazes do Wild West Show reproduzidos em livros e 
disponibilizados no site do museu Buffalo Bill na internet23. 
 
22
 Campbell afirma em entrevista a Fraser Boa “que via a mitologia como uma função da 
biologia, ou seja, expressões de imagens oníricas das energias que formam o corpo; já que 
somos frações da natureza, as energias que formam a natureza também formam nosso corpo; 
e as energias que formam nosso corpo são as mesmas que formam a vida” (BOA, 2004, p. 16). 
23
 O Museu Buffalo Bill no Colorado (Estados Unidos), onde ele está sepultado, disponibiliza 
um banco de imagens na internet para pesquisa online com mais de 1300 imagens de sua 
coleção de fotografia. Os arquivos das fotografias podem ser utilizados sem nenhum custo ou 
permissão especial para uso pessoal ou acadêmico, segundo informações contidas no site. 
Disponível em: <http://www.buffalobill.org>. Acesso: 22 ago. 2011. 
31 
 
Buffalo Bill (centro) rodeado por chefes indígenas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Buffalo Bill Museum and Grave, Lookout Mountain, Golden, CO (reprodução) 
 
 
Buffalo Bill Wild West Show, c.1890 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Buffalo Bill Museumand Grave, Lookout Mountain, Golden, CO (reprodução) 
 
32 
 
Buffalo Bill (em pé) entre um chefe indígena e um senhor segurando uma bengala 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Buffalo Bill Museum and Grave, Lookout Mountain, Golden, CO (reprodução) 
 
No show havia os batedores e os soldados, a cavalgada e os atiradores, 
os guerreiros indígenas brilhantemente emplumados montados em cavalos e 
pôneis, e os caubóis; estes últimos, segundo seus biógrafos, eram as 
verdadeiras estrelas, pois, para o público norte-americano na virada do século 
20, Buffalo Bill se agigantava radiante quanto qualquer herói étnico24. 
Não podemos precisar como “essa mitologia ricocheteou em Joseph 
Campbell ainda criança, mas foram os indígenas que capturaram sua 
imaginação e identificação; nem o próprio Campbell conseguia explicar por 
quê”25. A partir desse momento, ele se tornou um leitor ávido de livros sobre 
temas indígenas. Em um de seus favoritos, encontrou uma figura que se tornou 
para ele um tipo de imagem totêmica: “Eu cedo me tornei fascinado, capturado, 
obcecado pela figura de um índio norte-americano com sua orelha encostada 
no chão, arco e flecha na mão, e um olhar de conhecimento especial em seus 
 
24
 LARSEN, 2002. 
25
 LARSEN, 2002, p. 3, tradução minha. 
33 
 
olhos”26. Esse registro foi escrito por Campbell alguns anos mais tarde em um 
diário pessoal27. 
 “Como uma imagem podia causar uma excitação na mente, levando-a 
além de seus próprios limites, para uma nova terra de descoberta e 
significado?”28 Essa pergunta feita por Stephen e Robin Larsen, seus biógrafos, 
expressa a força de um evento que em grande parte definiu sua vida. “Seria 
alguma lembrança primitiva que estivera espreitando debaixo das 
preocupações de garoto, ou um símbolo premonitório de alguns dos maiores 
temas que o ocupariam quando adulto? Iria o garoto Campbell, de alguma 
forma que ele ainda não entendia, crescer para ser o descobridor de 
caminhos?”29 
 
Cartaz do espetáculo Buffalo Bill’s Wild West 
que alimentou o imaginário infantil de Joseph Campbell 
 
Fonte: Buffalo Bill Museum and Grave, Lookout Mountain, Golden, CO (reprodução) 
 
 
26
 CAMPBELL apud LARSEN, 2002, p. 3, tradução minha. 
27
 LARSEN, 2002. 
28
 LARSEN, 2002, p. 3, tradução minha. 
29
 LARSEN, 2002, p. 3-4, tradução minha. 
34 
 
Em uma longa entrevista concedida ao jornalista norte-americano Bill 
Moyers no início da década de 1980, Campbell revelou que “seus pais eram 
muito generosos e lhe deram de presente todos os livros escritos para 
crianças, até aquele momento, sobre os índios norte-americanos, seus mitos e 
lendas”30. 
Ainda criança, ao visitar o Museu Americano de História Natural, de Nova 
York, Campbell ficou fascinado pelos mastros totêmicos e pelas máscaras dos 
povos indígenas da América do Norte. “Costumávamos ir ao Museu de História 
Natural, onde eu fiquei tremendamente impressionado com a grande sala cheia 
de totens”, afirma o mitólogo31. 
 
 
Prédio do Museu Americano de História Natural, Nova York (detalhe) 
 
Fonte: Arquivo pessoal (reprodução) 
 
 
 
 
30
 CAMPBELL, 1998, p. 6. 
31
 CAMPBELL, 1990, p. 35. 
35 
 
A leitura dos livros do 
antropólogo, historiador e naturalista 
norte-americano George Bird 
Grinnells (1849-1938) sobre os 
indígenas da América do Norte 
também povoaram o imaginário 
infantil de Campbell e marcaram para 
sempre a sua vida. Definiram, sem 
que ele tivesse consciência, a sua 
obsessão por mitologia. Campbell 
acabou se tornando uma espécie de 
colecionador e estudioso sobre a 
temática indígena norte-americana; 
leu todos os livros escritos para crianças até aquele momento e, aos onze anos 
de idade, conseguiu permissão para frequentar a ala do público adulto na 
biblioteca pública de New Rochelle. 
 
 
Desde muito cedo, acho que por volta dos quatro ou cinco anos de 
idade, fiquei fascinado com os índios norte-americanos e esse se 
tornou o meu verdadeiro estudo. Frequentei a escola e não tive 
problemas com os estudos, mas o meu entusiasmo estava 
centrado no dissidente reino da mitologia dos índios norte-
americanos. Naquele tempo, vivíamos em uma casa em New 
Rochelle (estado de Nova York) ao lado da biblioteca pública. Aos 
onze anos de idade eu já tinha lido todos os livros sobre índios 
que havia na biblioteca infantil e consegui ser admitido na 
biblioteca de adultos. Lembro-me de voltar para casa carregando 
pilhas de livros. Acho que foi aí que minha vida como estudioso se 
iniciou. Sei que foi. Todos os livros estavam ali: todos os relatórios 
do Departamento de Etnologia, os livros de Frank H. Cushing e 
Franz Boas, e muitos outros. Quando eu tinha treze anos já 
conhecia tanto sobre os índios norte-americanos quanto um 
grande número de antropólogos que tenho encontrado desde 
então. Eles conhecem todas as interpretações sociológicas sobre 
os índios, como são ou como eram, mas não sabem muito sobre 
os próprios índios. Eu já sabia.
32
 
 
 
32
 CAMPBELL, 2003, p. 35-36. 
George Grinnells 
36 
 
Em síntese, e a partir dos fragmentos biográficos dispersos em livros de 
entrevistas e na sua biografia, identificamos quatro experiências da infância 
que operaram como detonadores do interesse do autor pela mitologia: o 
espetáculo de Buffalo Bill; as visitas ao Museu Americano de História Natural; a 
leitura de livros sobre temas e histórias indígenas; e, por fim, a formação 
escolar em colégio de orientação católica. 
Em 1917, Campbell conhece Elmer Russell Gregor (1870-1954), 
naturalista e especialista em cultura indígena, que se tornou o seu “primeiro 
guru” e professor, conforme suas próprias palavras. Gregor era um conhecido 
autor de livros infantis sobre os povos indígenas norte-americanos. Começa aí 
sua paixão por mitologia comparada. Dois anos depois, em 1919, um incêndio 
consumiu a casa da família em New Rochelle, matou a sua avó, destruiu sua 
coleção de livros e seus artefatos indígenas. Sua paixão pelos estudos 
iniciados, porém, não se desvaneceu. 
 
Capas de alguns livros de Elmer Russell Gregor, professor de Campbell 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
37 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Arquivo pessoal (reprodução) 
 
Pensador da cultura? Epistemólogo dos mitos? Construtor de uma 
genealogia mítica? Não importa como se denomine esse investigador da 
psique humana pelas narrativas atemporais do mundo. Para Joseph Campbell, 
a riqueza dos mitos não está em elucidar ou revelar algum tipo de significado 
para a vida, mas o de ser um registro simbólico da própria experiência de estar 
vivo. O mito capta a vida no seu eterno fluir. Como arqueólogo das culturas, 
Campbell respinga fagulhas do seu pensamento em áreas distintas e 
complementares do conhecimento, sem que seja possível classificá-lo em uma 
especialidade fechada tão cara a uma ciência da fragmentação. 
Campbell é um misto de antropólogo, mitólogo, estudioso das religiões, 
filósofo e epistemólogo. É também um narrador dos alfabetos escondidos nos 
porões da alma humana; um maestro do coral universal dos mitos; um 
fabulador de mitologias universais; um arquivista de expressões arquetípicas 
que pululam nas culturas da oralidade e nas sociedades das tecnoculturas; um 
colecionador de fragmentos da memória mítica; um ouvinte das vozes 
arquetipais dos caminhantes do mundo; um tecelão do tapete da cultura 
humana pelas vozes do inconsciente; um contador de histórias da 
38 
 
modernidade; um construtor de arquétipos que se repetem ad aeternum em 
todas as sociedades humanas; em suma, um humanista universal. 
Talvez Campbell seja ele próprio o herói de mil faces do mosaico dos 
mitos, de uma imagética da cultura, quer dizer, das culturas vivas,sempre 
usadas no plural. Quanto à questão de ser Joseph Campbell um evolucionista 
das religiões, uma digressão se faz necessária logo aqui. O vocábulo 
evolucionismo foi, sobretudo na década de 1970, usado para difamar o 
percurso teórico de alguns intelectuais. Mal compreendido e deslocado de seu 
tempo e, além de tudo, lido por fragmentos, Charles Darwin (1809-1882) ficou 
praticamente reduzido a um cientista do determinismo biológico e das 
generalizações sem fundamentos nas empiricidades. Certamente, o livro A 
expressão das emoções no homem e nos animais33, publicado em 1872, não 
foi visitado e lido com a atenção devida, o que reordenaria a própria 
compreensão da teoria evolucionista das espécies por meio da seleção natural, 
uma bifurcação importante nas ciências, não apenas na ciência biológica, como 
em outros domínios das ciências da mente, das ciências cognitivas, das 
ciências da aprendizagem, etc. 
Quando, de forma recorrente, se afirma ser Joseph Campbell um 
historiador das narrativas míticas e também das religiões, cabe perguntar: o 
autor do clássico O herói de mil faces pode ser classificado como um 
evolucionista dos mitos e das religiões? Como o naturalista inglês Charles 
Darwin, Campbell investigou, ao longo de toda a sua vida, não a evolução das 
espécies, mas a evolução das religiões em diferentes culturas. 
No prefácio do livro A jornada do herói, Stuart Brown (2003) afirma que a 
leitura dos quatro volumes de As máscaras de Deus, de Joseph Campbell, o 
ajudou a entender sobre a violência doméstica na sociedade norte-americana 
na segunda metade do século 20, pois ele descobriu, em sua pesquisa sobre 
homicídios, que “as referências mais antigas escritas sobre a violência humana 
eram mitológicas”. Ficou surpreso ao perceber que a violência descrita nos 
antigos mitos apresentava um paralelismo com os padrões da violência 
contemporânea nos Estados Unidos: 
 
33
 DARWIN, 2009. 
39 
 
 
comecei a ler os quatro volumes de As máscaras de Deus de 
Joseph Campbell. Ao terminar a leitura, compreendi que Campbell 
conectava de forma notável as heranças simbólicas, psicológicas, 
espirituais e artísticas da humanidade, exatamente como um 
exército de cientistas vinha fazendo desde Darwin para entender 
os padrões biológicos.
34
 
 
O resultado mais importante da investigação de Campbell sobre o 
desenvolvimento histórico dos mitos e das religiões em diferentes culturas é a 
série As máscaras de Deus, dividida em quatro volumes: mitologia primitiva, 
mitologia oriental, mitologia ocidental e mitologia criativa. Nos quatro volumes, 
publicados originalmente nos anos de 1959, 1962, 1964 e 1968, 
respectivamente, Campbell apresenta como nasceram mitos que originaram 
religiões em todo o mundo, cruza dados e histórias, aponta semelhanças, 
mostra onde estão os interesses por trás das religiões como forças sociais e, 
até onde as suas pesquisas e seu conhecimento permitem, desvela as 
metáforas das histórias mitológicas. 
Em As máscaras de Deus: mitologia ocidental (2004), Campbell afirma 
que o mais importante desse trabalho é mostrar para as “mentes estreitas ou 
mal orientadas que os mitos tendem a se tornar história”, e isso é lamentável, 
acrescenta. Nesse mesmo livro, cita fragmentos de Mito e ritual no cristianismo, 
do filósofo e estudioso de religião comparada Alan Watts, que afirma ser o 
cristianismo dotado de uma “hierarquia ortodoxa que degradou o mito até 
convertê-lo em ciência e história. Porque, quando o mito é confundido com a 
história”, deixa de cumprir a função de alimento da vida interior do homem35. 
Para Eugene Kennedy, “o propósito de Joseph Campbell em explorar os 
mitos bíblicos não é descartá-los como algo inacreditável, mas sim reabrir seu 
núcleo vivo e fortificante”36. 
 
Muitos elementos da Bíblia parecem sem vida e impossíveis de 
acreditar porque têm sido interpretados como fatos históricos em 
 
34
 BROWN, 2003, p. 14. 
35
 WATTS apud CAMPBELL, 2004, p. 416. 
36
 KENNEDY, 2003, p. 14. 
40 
 
vez de representações metafóricas de realidades espirituais. Têm 
sido aplicados de um modo concreto a grandes figuras como 
Moisés e João Batista, como se fossem relatos reais e vívidos de 
suas ações.
37
 
 
Para Kennedy (2003), a inabilidade de compreensão da natureza 
metafórica das narrativas religiosas leva os homens a organizarem numerosas 
cruzadas e caríssimas expedições para localizar, por exemplo, os restos da 
arca de Noé no Monte Ararat. Como jamais encontram, é claro, acreditam “que 
a perderam por pouco, pois a arca deve ter literalmente existido e a madeira 
usada em sua construção deve estar em algum lugar, ainda escondida dos 
olhos humanos”38. 
Os homens têm dificuldade de entender que a arca de Noé não é algo 
material, concreto e que só pode ser encontrada “por aqueles que entendem 
que ela é um veículo mitológico que faz parte de uma história extraordinária, 
cujo sentido não é a documentação histórica, mas a iluminação espiritual, uma 
vez que interpretar o Livro do Gênesis como mito não é destruí-lo, mas 
redescobrir sua vitalidade e relevância espiritual”39. 
Assim como Joseph Campbell, escritores da área literária têm percebido 
que mitos semelhantes se repetem em diferentes culturas. Algumas 
sociedades podem estar em lados opostos do globo terrestre entre si, mas 
suas narrativas míticas, inevitavelmente, fazem uso dos mesmos símbolos, 
temas e motivos. A escritora belga Anne Provoost (2004) empreendeu uma 
releitura da história da Arca de Noé, a partir da perspectiva de um adolescente 
que não foi escolhido para tomar assento nesse veículo mitológico. 
Para escrever À sombra da arca, Anne Provoost observou que, em 
quase todas as culturas que pesquisou, há uma história mitológica de 
inundação. Ela encontrou mais de cento e cinquenta mitos de inundação 
antigos que foram documentados em todo o mundo. Uma explicação para 
essas similaridades é que a psique humana é essencialmente a mesma em 
 
37
 KENNEDY, 2003, p. 14. 
38
 KENNEDY, 2003, p. 15. 
39
 KENNEDY, 2003, p. 15-16. 
41 
 
todo o mundo. Fora desse terreno comum, o que acontece é denominado por 
Jung de arquétipos, que são as ideias comuns dos mitos para Campbell (2003). 
Ao comentar sobre a universalidade dos símbolos mitológicos, o escritor 
mexicano-americano Gregory Nava discute as semelhanças entre os mitos de 
sua infância e outros sistemas de crença, durante uma conversa com o 
jornalista Bill Moyers, em 2002. Moyers foi o jornalista que entrevistou Joseph 
Campbell na primeira metade da década de 1980. As vinte e quatro horas de 
gravação entre os dois resultaram no documentário Joseph Campbell e o poder 
do mito exibido na televisão aberta dos Estados Unidos, em 1988. 
Durante a conversa com Moyers, Nava expressou que a encarnação da 
palavra, ou seja, o ato pelo qual os seres a quem se atribui divindade se 
materializam, existe também na mitologia pré-colombiana na forma do deus 
Quetzalcoatl, a serpente emplumada, que tem sido muitas vezes comparada a 
Jesus Cristo. Logo, podemos inferir que a serpente emplumada também pode 
ser comparada ao Buda porque, como o Buda, qualquer humano pode se 
descobrir uma serpente emplumada, se chegar a um certo ponto de 
iluminação. 
Em uma de suas palestras memoráveis – várias delas reunidas em livros 
e traduzidas no Brasil –, Campbell trata sobre um trecho do livro sagrado do 
budismo, no qual Buda estica uma das mãos e de cada dedo sai um tigre que 
ataca seus inimigos. Se esse trecho estivesse na Bíblia, com Jesus Cristo 
como protagonista, crentes fundamentalistas iriam jurar que foi assim mesmo 
que aconteceu, comenta Campbell. Parece que a “incapacidade de 
acompanhar as estruturas mitológicas da imaginação religiosa tem isolado os 
crentes fundamentalistasem suas ferozes e frequentemente violentas defesas 
de uma fé literal e concreta, em todas as partes do mundo”40. 
Em Tu és isso, transformando a metáfora religiosa, Campbell (2003) 
fornece as bases para a compreensão da tradição judaico-cristã. Ele está 
preocupado em resolver os problemas que surgem das interpretações 
equivocadas que transformam metáforas religiosas em fatos históricos. Para 
ele, o nascimento virginal não se refere à condição biológica de Maria, a mãe 
 
40
 KENNEDY, 2003, p. 16. 
42 
 
de Jesus, mas ao renascimento do espírito, que todos podem vivenciar. Esse é 
apenas um dos vários exemplos tratados por Campbell para elucidar a riqueza 
e os mistérios divinos guardados nos mitos da tradição judaico-cristã. 
Para Campbell (2003), bem diferente das religiões orientais, as religiões 
ocidentais – judaísmo ou cristianismo – “enfatizam bastante o aspecto 
estritamente histórico, de modo que acabamos adorando o evento histórico, em 
vez de sermos capazes de ler por meio do evento e encontrar a resposta 
espiritual por nossa conta”41. 
 
Nasci e fui criado no catolicismo, e era um católico devoto. Minhas 
crenças, porém, se dissiparam porque a Igreja lia e apresentava 
os símbolos em termos concretos. Por muito tempo, tive um 
terrível ressentimento contra a Igreja e nem podia pensar em 
entrar numa igreja católica. Depois, por meus estudos de mitologia 
e assuntos correlacionados, comecei a entender o que realmente 
tinha acontecido – isto é, eu tinha chegado à conclusão que a 
religião organizada deve se apresentar de uma maneira para as 
crianças e de outra para os adultos. O que eu rejeitava eram as 
formas históricas literais, concretas, que só tinham sido 
apropriadas na minha infância. Quando percebi isso, compreendi 
melhor a mensagem. Qualquer um pode fazer isso. É inevitável 
ensinar às crianças em termos puramente concretos. Mas um dia 
a criança cresce e descobre quem é Papai Noel. Ele é, na 
verdade, o papai. Assim, nós também devemos crescer enquanto 
aprendemos sobre Deus, e as igrejas institucionais devem crescer 
na forma como apresentam a mensagem dos símbolos aos 
adultos.
42
 
 
O conflito vivido por Campbell em relação à religião católica parece ter 
sido resolvido no fim da sua vida, quando o estudioso das religiões tratava de 
um câncer em um hospital de Honolulu. Eugene Kennedy (2003) retoma 
fragmentos do artigo Campbell e o catolicismo, da ensaísta Pythia Peay, que 
opera na interface entre a psicologia e a espiritualidade, e revela alguns 
elementos que ajudam a entender a resolução do conflito: 
 
 
41
 CAMPBELL, 2003, p. 99. 
42
 CAMPBELL, 2003, p. 99-100. 
43 
 
Campbell estava passando por um tratamento a laser no hospital 
St. Francis, em Honolulu. O quarto dele, como todos os outros 
naquele hospital, tinha um pequeno crucifixo de bronze na parede. 
Em vez da imagem de Cristo sofrendo, preso à cruz e 
ensanguentado, a figura na cruz estava vestida, com a cabeça 
erguida, os olhos abertos e os braços estendidos no que parecia 
ser um abraço quase alegre do divino. Esse era o Cristo 
Triunfante que Campbell tinha escrito como sendo um símbolo do 
zelo da eternidade pela encarnação no tempo, que envolve a 
dissolução de um em muitos e a aceitação dos sofrimentos de 
maneira confiante e alegre. Segundo Peay, Campbell 
“experimentou profundamente o âmago do símbolo cristão” 
durante as últimas semanas de sua vida. Ela cita a esposa de 
Campbell, Jean Erdman, dizendo: “Ele se emocionava ao ver isso, 
porque para ele era o significado místico de Cristo que refletia o 
estado de reconciliação com o Pai”. No quarto do hospital, 
segundo sua esposa, “ele experimentou emocionalmente o que 
tinha compreendido intelectualmente”. Ver essa imagem num 
hospital católico ajudou-o a libertar-se do conflito que tivera com a 
religião em sua infância.
43
 
 
No seu esforço intelectual em observar as narrativas míticas nas 
culturas ocidentais e orientais, o autor constrói um meta-modelo compreensivo 
que diz respeito às singularidades da evolução mítica da humanidade. 
Segundo Campbell, em todo o Oriente prevalece a ideia de que o último plano 
da existência é algo além do nosso pensamento e do nosso entendimento. 
Sendo assim, podemos acreditar no mistério, mas não racionalizar ou querer 
situá-lo histórica e geograficamente. De maneira que não há no Oriente o culto 
como conhecemos no Ocidente. Linhas orientais de pensamento religioso são: 
saber é não saber, não saber é saber (Upanishads44); os que sabem 
permanecem quietos (Tao Te King); isto és tu (Vedas). Chegar ao outro lado da 
margem do pensamento para encontrar paz e bem-estar é a finalidade do mito 
oriental. 
No mito ocidental existe sempre um criador e uma criatura, sendo que 
os dois estão sempre em conflito e sempre há alguém ou algo a atrapalhar, 
incomodar; um diabo, um extraviado da criação. Diante da pouca importância 
que o homem tem diante de um Deus tão exigente, ele deve ajoelhar-se e 
 
43
 KENNEDY, 2003, p. 18. 
44
 São textos filosóficos considerados a fonte primitiva da religião hindu, cuja elaboração é 
atribuída a diversos autores. 
44 
 
servi-lo, sem questionar; deve obedecer a parâmetros sempre ditados por 
alguma instituição, uma igreja, uma denominação. É uma religião de 
subserviência, cuja gestão é o conflito e o terrorismo psicológico, impostos 
pelas lideranças religiosas ou autoimpostos pelos praticantes. 
Para Campbell (2004), “o divisor geográfico entre as esferas oriental e 
ocidental do mito e do ritual é o planalto do Irã”. O terceiro volume do livro As 
máscaras de Deus, que trata da mitologia ocidental, escrito originalmente em 
1964, conta o nascimento da religião muçulmana e como ela cresceu no 
Oriente Médio, tornando-se ameaçadora para o cristianismo; as tensões que 
abalavam a ordem cristã que era sustentada por uma mitologia de autoridade 
clerical. 
Nenhum adulto hoje se voltaria para o Livro do Gênese com o propósito 
de saber sobre as origens da Terra, das plantas, dos animais, do homem. Não 
houve nenhum dilúvio, nenhuma Torre de Babel, nenhum primeiro casal no 
paraíso, e entre a primeira aparição do homem na Terra e as primeiras 
construções de cidades, não uma geração (de Adão para Caim), mas milhares 
delas devem ter vindo a esse mundo e passado a outro. Hoje nos voltamos 
para a ciência em busca de imagens do passado e da estrutura do mundo. O 
que os demônios rodopiantes do átomo e as galáxias, das quais nos 
aproximam os telescópios, revelam é uma maravilha que faz com que a Babel 
da Bíblia pareça uma fantasia do reino imaginário da nossa mitologia. 
Para Kennedy (2003), “os esforços de Campbell podem ser comparados 
àqueles de um mestre restaurador de arte que quer que nós vejamos 
novamente a obra-prima de nossa herança espiritual ocidental, como era antes 
de ser obscurecida e alterada pela história”45. 
As reflexões de Joseph Campbell aludem a um desdobramento do 
tempo que configura uma cadeia de transformações das narrativas mitológicas 
fundantes da cultura. Tal metamorfose pode bem exemplificar uma cosmologia 
do pensamento que dá conta da evolução dos dispositivos narrativos das 
culturas humanas. 
 
45
 KENNEDY, 2003, p. 20. 
45 
 
O exemplo aludido anteriormente, que fala do Buda do qual saem tigres 
de cada um dos dedos de sua mão, bem poderia ter como analogia a árvore da 
evolução darwiniana. Falar do último plano da existência e dos ritos religiosos 
que partem do Oriente para o Ocidente; de um criador e de uma criatura; de 
um extraviado da criação e da busca de imagens do passado para construir a 
estrutura do mundo do presente são de fato estratégias do pensamento que 
aludem à noção de cadeia de sucessão das

Continue navegando