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Artigo Isencao sobre dividendo Kerlly Huback

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ISENÇÃO SOBRE DIVIDENDOS: UMA REVISÃO NECESSÁRIA 
Kerlly Huback Bragança 
 
Sumário: 1. Introdução. 1.1. As vicissitudes da matriz tributária. 1.2. As desigualdades 
e o clamor por reformas. 2. Delimitação do tema. 3. Problemas, justificativas e hipóteses. 
4. Subsídios do Direito Comparado. 5. Simulações e conclusões preliminares. 6. 
Referências. 
 
1. INTRODUÇÃO 
1.1. As vicissitudes da matriz tributária 
A desigualdade socioeconômica no Brasil é uma chaga. Embora as políticas 
estatais venham contribuindo para o acesso dos menos favorecidos a serviços públicos e 
programas de transferência de renda, as iniciativas não lograram eliminar a enorme 
distância entre os estratos da população, o que prejudica a justa distribuição da riqueza 
nacional. 
O gasto público, apesar de eficiente no enfrentamento das diversas formas de 
desigualdade por meio de ações redistributivas, não é capaz, sozinho, de revertê-las. A 
estrutura adequada da malha tributária constitui outra frente de combate que não se pode 
prescindir para equalizar a repartição de renda e tornar os desiguais mais iguais. A 
promoção do bem comum faz-se também por ações distributivas. 
Nesse sentido, Ricardo Lobo Torres alça ao patamar de “princípio da 
distribuição de rendas” a conformação da imposição tributária de tal modo calibrada que 
corrija a repartição de riquezas e previna as concentrações de poder que prejudiquem – 
citando John Rawls – o “justo valor da liberdade política e a igualdade de oportunidades”. 
O saudoso professor ressalta que a melhor diretiva ou programa constitucional que 
contribua para a melhoria da vida comunitária subordina-se à ideia de justiça.1 Na sua 
compreensão, a justiça fiscal – termo que abrange a justiça orçamentária, a tributária e a 
financeira – é o caminho mais promissor para a efetivação da justiça distributiva.2 
 
1 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário: valores e princípios 
constitucionais tributários. v. II., p. 360-362. 
2 Op. cit., p. 121. 
2 
Igualmente na lição preambular de Tipke encontrar-se-á a exigência de que 
Estados de Direito criem um direito justo, inclusive um direito tributário justo, máxime 
quando sejam Estados Sociais de Direito, comprometidos com o bem-estar coletivo.3 
O jurista alemão afirma que 
[o] dever de pagar imposto é um dever fundamental. O imposto não é 
meramente um sacrifício, mas, sim, uma contribuição necessária para 
que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso 
convívio de todos os cidadãos. O Direito Tributário de um Estado de 
Direito não é Direito técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico 
orientado por valores. O Direito Tributário afeta não só a uma relação 
cidadão/Estado, mas também a relação dos cidadãos uns com os outros. 
É direito da coletividade. 
(...) 
A questão da justiça coloca-se antes de tudo quando uma maioria de 
pessoas depende da distribuição das cargas e pretensões, que estão 
ligadas à vida da comunidade. A justiça fiscal é o valor supremo do 
Estado de Direito dependente de impostos e, ao mesmo tempo, o valor 
supremo da comunidade de contribuintes.4 
 
Não obstante, a acanhada tributação sobre a renda e os mecanismos 
desonerativos fazem do País um paraíso para os mais ricos, concentrando ainda mais a 
renda e a riqueza no topo da pirâmide social. O passivo social agrava-se pela política 
fiscal de matriz de incidência focada na produção e consumo, tornando o sistema mais 
regressivo, numa espécie de solidariedade às avessas.5 No fim das contas, o próprio 
sistema tributário é potencializador de desigualdades, quando deveria atuar como 
protagonista na busca pelo desenvolvimento econômico e social. 
Seria ingenuidade pensar que essa ordem de coisas seja obra do acaso. O Brasil 
seguiu, grosso modo, o movimento neoliberal das principais economias nos anos 1980 e 
1990, orientado pela teoria da tributação ótima, cujo mantra pregava a desoneração dos 
tributos sobre os rendimentos do capital e o estabelecimento da tributação proporcional 
(flat tax) como forma de garantir a neutralidade fiscal e evitar distorções econômicas. 
Disseminava-se a idílica tese de que o aumento da riqueza e renda dos mais ricos 
 
3 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva, p. 16. 
4 Op. cit., pp. 16 e 18. 
5 Segundo cálculos da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em 2016, os tributos sobre bens e serviços 
foram responsáveis por 47,39% da arrecadação total, contra 19,97% dos tributos sobre a renda, ou seja, 
perto de duas vezes e meia superior. 
3 
beneficiaria os mais pobres, decorrência natural do escoamento das virtudes do sistema 
econômico, de cima para baixo (efeito trickle down), o que em verdade nunca se 
concretizou. Formou-se, então, certo consenso teórico de que as políticas distributivas 
não deveriam ser implementadas pela via da receita tributária, mas apenas pelo gasto 
público.6 
Thomas Piketty salienta que as guerras do século XX contribuíram para 
transformar as estruturas de desigualdade da época. Até a Primeira Guerra Mundial, os 
impostos não representavam 10% da renda dos países, pois suas funções eram 
preponderantemente ligadas à soberania. A partir dos anos 1920, os estados passaram a 
ter participação destacada na vida econômica e social, o que fez multiplicar por mais de 
três vezes a necessidade de financiamento estatal por meio de impostos. Nascia o Estado 
Social. As décadas de 1970-1980, contudo, registraram certa estabilização do peso dos 
impostos na renda nacional.7 
O último quartel do século XX foi um período fértil de contestação do modelo 
de tributação sobre a renda, sob duas linhas principais de ataque: uma, de raiz ideológica 
e viés liberal-conservador; outra, baseada na teoria da tributação ótima, como assinalado. 
Apesar da diversidade de seus fundamentos, os discursos afinaram-se no combate à 
tributação do capital. 
Indagando-se sobre em que momento os Estados Unidos perderam o norte e 
passaram a trilhar o caminho do aumento da desigualdade, Joseph Stiglitz, Nobel em 
Economia em 2001, afirma que embora não haja uma resposta fácil para a questão, a 
eleição de Ronald Reagan foi um ponto de inflexão naquele país. Dentre os eventos 
precipitantes estão o início da desregulação do setor financeiro e a redução da 
progressividade do sistema tributário.8 
Anthony Atkinson, da mesma forma, aduz que “[o] fator inicial e óbvio que 
explica a queda da desigualdade na Europa pós-guerra é que esse foi um período durante 
o qual o estado de bem-estar e a provisão social aumentaram, financiados pelo menos em 
 
6 GOBETTI, Sérgio Wulff. Tributação do capital no Brasil e no mundo, p. 7. 
7 PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI, pp. 462-463. 
8 STIGLITZ, Joseph. O preço da desigualdade, pp. 28-29. 
4 
parte pela tributação da renda progressiva”.9 Na década de 1980, no entanto, verifica-se 
o achatamento daquelas políticas públicas, materializado em corte de benefícios e 
coberturas, o que resultou no recrudescimento da desigualdade.10 A Grã-Bretanha estava 
sob governo Thatcher (1979-1990), é bom lembrar; célebre defensora do liberalismo 
clássico, reduziu o peso dos tributos diretos e implantou políticas reducionistas do estado 
do bem-estar social. 
Embora as grandes economias capitalistas não tenham passado incólumes pelos 
modelos teóricos neoclássicos, as alterações foram pontuais, concentrando-se 
principalmente na redução da progressividade e na mitigação da tributação sobre o 
capital. Nenhuma delas abraçou inteiramente as ideias da nova cartilha econômica. Mas 
alguns países da periferia econômica trilharam um caminho diferente, destacadamente os 
do leste europeu, após a fragmentação da União Soviética.11 
Fato é que a adoçãodos mecanismos neoclássicos não gerou os resultados 
prometidos. Pelo contrário, observa-se que o mundo está mais desigual, com maior 
concentração de renda nas camadas ricas e menos mobilidade social. Vivenciamos, 
segundo aponta Ricardo Lodi Ribeiro, o fenômeno da neotributação, verdadeira anomalia 
gerada pela competição internacional, na qual “a tributação deixa de basear-se na justiça 
fiscal e na capacidade contributiva para fundar-se em critérios utilitaristas lastreados na 
maior praticabilidade da arrecadação, desaguando em um sistema tributário que, longe de 
servir de instrumento de combate às desigualdades sociais, acaba as agravando”.12 
Quanto ao Brasil, seu modelo tributário amoldou-se ao sabor do mainstream da 
época, concedendo vantagens tributárias aos donos do capital, sobretudo na esperança de 
atrair investimentos estrangeiros. E, à medida que as hegemonias conseguiam emplacar 
seu modelo de frouxidão da tributação sobre a renda, o Estado, premido pela necessidade 
de financiar-se, avançou em direção aos malsinados tributos indiretos. A migração foi 
implantada sem maiores constrangimentos e resistências, já que, sob o prisma 
sociopsicológico, os tributos indiretos, embutidos no preço, são quase imperceptíveis, o 
 
9 ATKINSON, Anthony B. Desigualdade: o que pode ser feito?, pp. 94-95. 
10 ATKINSON, Anthony B. Op. cit., p. 97. 
11 GOBETTI, Sérgio Wulff. Op. cit., passim. 
12 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Neotributação ou Justiça Distributiva? Disponível em 
<http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Ricardo-Lodi-Ribeiro/neotributacao-ou-justica-
distributiva>. Acesso em: 10 AGO. 2018. 
5 
que dá a falsa impressão de que a população de baixa renda não paga tributos 
(invisibilidade tributária). A seu turno, os tributos diretos são extremamente impopulares, 
angariando simpatia o discurso de sua mitigação, o que veio bem a calhar às elites 
empresarial e política. Assim foi se desenhando o sistema tributário nacional, cada vez 
menos progressivo e mais forjado aos interesses das firmas e famílias do topo da pirâmide 
social. 
1.2. As desigualdades e o clamor por reformas 
A fim de traduzir em números a concentração de renda no Brasil e ter em mente 
a dimensão da nossa desigualdade distributiva, fez-se uso do World Inequality Database 
(https://wid.world), banco de dados que subsidiou a elaboração do recente Relatório 
Mundial de Desigualdade 2018.13 
Na plataforma, os dados brasileiros são disponibilizados de 2001 a 2015, e sua 
análise revela que os 10% mais ricos apropriaram-se de quase 60% da renda nacional 
(Gráfico 1). 
 
O Gráfico 2 propõe-se a comparar a concentração de renda brasileira com a de 
algumas regiões do mundo em relação aos 10% mais ricos, para o ano de 2015. 
 
13 A íntegra do Relatório Mundial de Desigualdade 2018 (World Inequality Report 2018) pode ser 
encontrada no endereço <https://wir2018.wid.world/files/download/wir2018-full-report-english.pdf>. 
54%
56%
55%
55%
55%
55%
55%
56%
55% 55%
57%
55%
55%
55%
56%
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: WID/2018.
Elaboração própria.
% da renda dos 10% mais ricosGráfico 1
6 
 
Percebe-se que concentração da renda no Brasil (56%) é um pouco mais elevada 
do que a média mundial (52%), mas bem superior à da Europa (38%), o que indica 
estarmos ainda longe das nações que alcançaram alto padrão de bem-estar social. Destaca-
se o patamar elevado da América do Norte (47%), puxado não só pelo México, mas 
também pelos Estados Unidos, país em que o nível de desigualdade tem crescido 
alarmantemente. 
Estudos revelam que em 2017 as seis pessoas mais ricas do País possuíam a 
riqueza equivalente à da metade mais pobre da população, enquanto mais de 16 milhões 
viviam abaixo da linha da pobreza. Segundo o último Relatório de Desenvolvimento 
Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), somos o 10º 
país mais desigual do mundo, num ranking de mais de 140 jurisdições.14 
Contrariando a tese de que a alta concentração de renda é um pseudoproblema 
se a população de modo geral tiver acesso a um padrão de vida digno, Ricardo Lodi 
Ribeiro nos dá notícia de interessante estudo dos epidemiologistas britânicos Richard 
Wilkinson e Kate Pickett, os quais demonstram que não só os pobres são afetados pela 
escalada da desigualdade social, pois o sentimento de injustiça social acaba por 
contaminar toda sociedade, provocando o agravamento das divisões de classes e o 
consequente abalo da confiança entre os diversos segmentos. A partir da análise de dados 
estatísticos, os autores chegam à conclusão que 
[...] não é a pobreza, mas o grau de desigualdade social de um país, o 
fator que mais diretamente relaciona-se ao bem estar de toda a 
sociedade, como a vida comunitária, a saúde física e mental, o consumo 
de drogas, a expectativa de vida, a obesidade, o desempenho 
 
14 OXFAM (2017). A distância que nos une – um retrato das desigualdades brasileiras, p. 21. 
38%
47%
52% 55% 56%
64%
Fonte: WID/2018.
Elaboração própria.
% da renda dos 10% mais ricos em 2015
Europa América do Norte Mundo América Latina Brasil Oriente Médio
Gráfico 2
7 
educacional, a violência urbana, o grau de encarceramento e a 
maternidade na adolescência.15 
 
Outras análises qualitativas e quantitativas poderiam ser levantadas para 
escrutinar e mensurar as desigualdades que assolam a população. Certo é que o aumento 
da concentração de renda e riqueza no mundo reacendeu o debate sobre o papel da 
tributação como agente corretor de desigualdades. O binômio “concentração de renda e 
riqueza” e “reforma do sistema tributário” ganhou centralidade nos círculos político e 
acadêmico. Quais instrumentos tributários devem ser manejados para mitigar as 
iniquidades sociais, promover o bem-estar geral e alcançar a justiça fiscal, estão na ordem 
do dia. 
A discussão encontrou solo fértil no Brasil em vista do cenário de crise fiscal, 
depauperamento da população e vexaminoso grau de concentração de renda e riqueza. 
Nessa ambiência afloram debates e propostas de todos os matizes. Na campanha eleitoral 
à Presidência da República de 2018, a temática sobre a reforma do sistema tributário fez-
se presente nas plataformas dos candidatos, assunto caro a todos. A propósito, está em 
curso no Congresso Nacional a proposta apresentada pelo deputado federal Luiz Carlos 
Hauly, em 2017. Busca, sobretudo, trazer racionalidade e simplicidade ao sistema 
tributário nacional, o que é alvissareiro, mas de pouca efetividade para corrigir o atual 
quadro de desigualdade social. 
A tarefa de reformar o sistema tributário brasileiro não é banal, nomeadamente 
em vista de sua complexidade, do receio de perda de arrecadação e dos interesses difusos 
das ordens federativas parciais. A reorientação da base de incidência para a renda e o 
patrimônio tem sido apontada como o melhor caminho a seguir. Aposta-se que a reversão 
da desigualdade passa necessariamente pela progressividade da tributação, tributando-se 
mais pesadamente a renda e riqueza dos mais ricos, posição que tem em Piketty um 
ferrenho defensor. 
Quanto à progressividade, Luís Cesar Souza de Queiroz expõe a discussão, que 
remonta ao fim do século XVII, sobre a conveniência de sua aplicação ao imposto sobre 
a renda. Ao lado dos que veem a técnica de tributação como corolário da justiça fiscal, 
 
15 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Piketty e a reforma tributária igualitária no Brasil. Revista de Finanças 
Públicas, Tributação e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 6. 
8 
permitindo fundar uma sociedade melhor, outros, em sentido oposto, enxergam-na como 
extremamente nociva ao desenvolvimento econômico e social. Tratando-se de princípio 
informador do impostode renda brasileiro, expresso na Constituição Federal (art. 153, § 
2º), deve ser aplicado imperativamente, não se cogita o contrário. A exposição do autor 
sobre a dissensão da adequação da progressividade a este imposto objetiva alertar que 
“(...) a quantidade de tributo que um Estado consegue arrecadar depende diretamente do 
desenvolvimento econômico, que pode ser afetado se a progressividade for elevada.”16 
Assim, quer-se deixar assentado, como contraponto aos que depositam na 
progressividade da tributação uma panaceia para eliminar as desigualdades distributivas, 
que a ferramenta, para gerar os efeitos queridos e não tombar para as raias da tirania fiscal, 
deve ser bem calibrada, alinhada com os princípios da capacidade contributiva e da 
igualdade. Não é demais alertar que remédio também mata. Doravante, quando nos 
referimos à “progressividade”, “tabela progressiva” e quejandos, assumimos que o 
critério quantitativo está bem alinhado aos cânones constitucionais. 
2. DELIMITAÇÃO DO TEMA 
Este estudo não tem a pretensão de fornecer uma proposta completa de reforma 
do sistema tributário, nem mesmo de traçar todas as possibilidades que tornariam um 
modelo de taxação sobre a renda e do patrimônio mais equitativo, mas contribuir para o 
debate e propor alternativas em relação a um ponto específico e de fundamental 
importância: a conjugação da (i) dedutibilidade fiscal dos juros pagos a titular, sócio ou 
acionista, a título remuneração do capital próprio (JCP) com (ii) a cláusula isentiva do 
imposto sobre o lucro ou dividendo distribuído,17 benefícios previstos nos arts. 9º e 10 da 
Lei 9.249/1995, respectivamente. 
Não se ignora que o País precise de uma profunda reforma tributária que seja 
inclusiva e igualitária, virando do avesso o atual establishment. Este trabalho, porém, tem 
pretensões mais singelas, tocando nos dois pontos assinalados, mas que não deixam de 
causar enormes repercussões na sociedade brasileira. 
 
16 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Imposto sobre a renda: requisitos para uma tributação constitucional, 
pp. 78-79. 
17 Doravante, faz-se referência a “dividendo(s)” (lato sensu) para designar tanto a retribuição do capital sob 
a forma de distribuição de lucro quanto de dividendo (stricto sensu). 
9 
Pois bem. A isenção do dividendo foi implementada no Brasil sob às 
justificativas de estimular o investimento em atividades produtivas com a atração de 
novos capitais, principalmente estrangeiros, e impedir a bitributação econômica, uma vez 
que o lucro já fora tributado na pessoa jurídica.18 
O mecanismo da dedutibilidade dos JCP é um pouco mais sofisticado. Guarda 
semelhança com o allowance for corporate equity, que consiste na possibilidade de a 
pessoa jurídica abater do lucro contábil o rendimento equivalente ao que o sócio ou 
acionista obteria no mercado financeiro ao investir na sociedade de que é titular. Permite-
se, assim, a neutralidade alocatícia, pois passa a ser indiferente do ponto de vista tributário 
tomar recursos de terceiros ou próprios. 
O benefício brasileiro é apurado sobre certas contas do patrimônio líquido e 
limitado à variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). A dedutibilidade é 
condicionada ao efetivo pagamento ou crédito e à existência de lucros, computados antes 
da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante de pelo 
menos duas vezes o valor dos juros. O beneficiário dos JCP é tributado na fonte em 15%. 
3. PROBLEMAS, JUSTIFICATIVAS E HIPÓTESES 
O Direito Comparado registra, com variações, os dois benefícios desonerativos, 
no qual o legislador brasileiro se inspirou. Nossa singularidade está na simultaneidade da 
isenção tout court dos dividendos com a dedutibilidade dos JCP, verdadeira jabuticaba, 
que, conjugada com o desalinhamento da tributação de outras rendas do capital, é 
causadora de graves distorções, beneficiando sobremaneira a tributação do capital, como 
veremos. 
O exemplo a seguir (Tabela 1) visa simular a retribuição máxima do capital, 
líquida de tributos, quais sejam, o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), o 
Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) e a Contribuição Social sobre o Lucro 
Líquido (CSLL). Note-se que além de o lucro líquido ser integralmente distribuído sem a 
incidência do imposto de renda, a opção pela remuneração do capital próprio permite uma 
distribuição ainda maior, equivalente a 9% dessa mesma remuneração. 
 
18 Necessário pontuar que pelo prisma jurídico, não haveria óbice à dupla exigência; sequer poderia cogitar-
se de bis in idem tributário, posto que “obter lucro” e “receber dividendo” são hipóteses diversas, assim 
como os seus beneficiários. 
10 
Assumindo-se que o dividendo não distribuído aumenta o patrimônio líquido da 
pessoa jurídica, a alienação futura das quotas ou ações poderá acarretar ganho de capital 
tributável. Dessa forma, há estímulo ao pagamento dos JCP (a dedutibilidade depende do 
efetivo pagamento ou crédito) e à não retenção do lucro, restando patente que a legislação 
fiscal é indutora, e não é neutra, em relação às decisões dos agentes econômicos. 
Tabela 1 
Economia efetiva dos sócios com o pagamento de JCP(1) 
Demonstração do resultado Com JCP Sem JCP Economia 
Lucro Contábil 1.100 
 
1.100 
 
(-) JCP (100) 
 
0 
 
(=) Lucro antes IRPJ/CSLL 1.000 
 
1.100 
 
(-) CSLL (9%) (90) 
 
(99) 
 
9 
(-) IRPJ (25%) (150) 
 
(165) 
 
15 
(=) Lucro Líquido 760 
 
836 
 
24 
Rendimento dos sócios 
 
Diferença 
(=) Lucro Líquido 760 
 
836 
 
(+) JCP 100 
 
(-) IRRF JCP (15%) (15) 
 
(15) 
(=) Rendimento líquido 845 
 
836 
 
9 
Elaboração própria. 
Nota: (1) adotou-se um modelo simplificado de cálculo, não se levando em conta, por exemplo, que a 
despesa com a CSLL é indedutível para apuração do IRPJ e que o adicional de 10% do IRPJ só incide sobre 
o lucro do período que superar R$ 20.000 por mês-calendário ou fração. 
Igualmente reveladora é a análise dos dados agregados da Declaração do 
Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) do exercício 2017, divulgada pela Secretaria 
da Receita Federal do Brasil (RFB). Conforme explicitado no Gráfico 3, à medida que a 
renda total (RT) cresce pelas faixas de salários mínimos, decresce proporcionalmente a 
base de cálculo do imposto (rendimento tributário líquido – RTL) e eleva-se a 
participação dos rendimentos isentos, nos quais o dividendo tem peso preponderante. Ou 
seja, a base tributável comporta-se de forma inversa à renda total, visto que aquela é cada 
vez menos representativa com o acréscimo da renda. 
 
 
 
 
11 
Enquanto os contribuintes com renda bruta de 30 a 40 salários mínimos, por 
exemplo, oferecem a metade desse valor à tributação, os com renda 10 vezes superior 
(mais de 320 salários mínimos) tributam cerca de 10%, o que representa grave violação 
ao princípio da equidade na forma de participação do custeio da máquina pública. 
 
A isenção dos dividendos e a dedutibilidade dos JCP têm contribuído para o 
esvaziamento da tributação sobre a renda do trabalho e sua metamorfose em renda do 
capital. O fenômeno da pejotização é decorrência direta desses benefícios, potencializado 
por regimes fiscais mais brandos, como o Simples Nacional e a tributação pelo lucro 
presumido. As grandes corporações empresariais são useiras e vezeiras desses 
instrumentos desonerativos, sobretudo numa economia de mercado, altamente 
competitiva e de busca do lucro, contexto no qual o peso dos tributos não pode ser 
ignorado. Enfim, resta aos indivíduos que não têm como se organizar por meio de uma 
pessoa jurídica suportar o imposto de renda progressivo, o que evidencia a injustiça do 
sistema tributário, causador de mais concentração de renda. 
Esse não é, indubitavelmente, o rumo correto para a concretização dos objetivos 
fundamentaisencartados na compromissória Carta Política de 1988, com destaque para a 
construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e a redução 
12 
das desigualdades sociais. Muito menos diante da ordem social, erigida por ela mesma, 
com base no primado do trabalho e que objetiva o bem-estar e a justiça sociais. 
As mazelas suscitadas com a isenção dos dividendos e a dedutibilidade fiscal da 
remuneração do capital próprio justificam a investigação de mecanismos que aperfeiçoem 
a legislação brasileira e que sejam capazes de promover a justiça fiscal, desconcentrar a 
renda e a riqueza e reverter suas assimetrias. 
4. SUBSÍDIOS DO DIREITO COMPARADO 
Os erros e acertos vivenciados por outros países servem de valioso ponto de 
partida para o aprimoramento da legislação doméstica. Com tal objetivo em proa, foram 
pesquisados os mecanismos que estabelecem a inter-relação da tributação do lucro com 
as rendas do capital nos países integrantes da Organização para Cooperação e 
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Embora não sejam uniformes, é possível 
catalogar seis espécies principais: (i) sistema clássico; (ii) sistema clássico modificado; 
(iii) imputação plena; (iv) imputação parcial; (v) inclusão parcial; e (vi) isenção.19 
No sistema clássico, os rendimentos do capital (lucro, dividendo, juros etc.) são 
adicionados aos do trabalho a fim de tributar a renda de forma abrangente (comprehensive 
income tax), independentemente do tributo corporativo. É o modelo que prevalecia 
inicialmente no mundo. Na década de 1970, França, Alemanha e Reino Unido 
modificaram seus regramentos de modo a eliminar ou reduzir a dupla incidência 
econômica, tributando distintamente as rendas do trabalho e do capital, no que ficou 
conhecido por modelo dual (dual income tax). A França, um dos poucos países que ainda 
guarda traços do sistema clássico, permite uma dedução de 40% no caso dos dividendos 
(inclusão parcial). O Brasil aboliu o sistema clássico em 1988, quando a tributação do 
dividendo passou a ser exclusiva na fonte com alíquota de 15% (sistema clássico 
modificado), deixando de se submeter ao ajuste anual e à tabela progressiva. Austrália, 
Canadá e Nova Zelândia também integram a renda do capital ao do trabalho, mas o 
imposto corporativo gera crédito total (imputação plena) ou limitado (imputação parcial) 
para o indivíduo, resultando numa carga tributária próxima à incidente sobre a renda do 
trabalho. 
 
19 CASTRO, Fábio Ávila de. Imposto de renda da pessoa física: comparações internacionais, medidas de 
progressividade e redistribuição, p. 52. 
13 
A Estônia foi o primeiro país europeu a isentar os dividendos, em 1994. 
Juntamente com o Brasil, a partir de 1996, são os únicos que atualmente mantêm a 
completa isenção. Outros países adotaram o modelo, mas passaram posteriormente a 
tributá-los de alguma forma. É o caso do México e da Grécia, integrantes da OCDE, que 
aplicam sobre o dividendo uma alíquota de 10% e 15%, cumulativamente à tributação do 
lucro da pessoa jurídica, respectivamente de 30% e 29%. 
A Croácia isentou o rendimento do capital próprio (allowance for corporate 
equity) em 1994, fonte de inspiração para o début, em 1996, do nosso JCP. Na sequência 
vieram Itália (1997), Áustria (2000) e Bélgica (2006). Segundo Alexander Klemm, 
excetuando-se o Brasil e a Bélgica, todos os demais aboliram o mecanismo após pouco 
tempo de experiência.20 
Entre os membros da OCDE, verifica-se a tendência de redução da tributação 
corporativa e a majoração sobre o dividendo, de sorte a manter estável a carga tributária. 
É a forma encontrada para enfrentar os desafios da crescente mobilidade e da opacidade 
do capital, implementando mudanças em seus sistemas de tributação, mais de calibragem 
do que propriamente de paradigma conceitual. Embora a mudança pareça neutra, o alívio 
da tributação corporativa vem ao encontro de uma política fiscal idealizada no contexto 
de competição tributária internacional. Espera-se que o imposto menor das empresas 
estimule a realocação territorial das corporações. Além disso, o ônus tributário integra o 
custo dos bens e serviços, possibilitando seu repasse aos consumidores, diferentemente 
do imposto sobre os dividendos, arcado pelos indivíduos.21 
O modelo dual de tributação tem sido adotado com variações. Por exemplo, na 
Suécia o tributo corporativo sobre o lucro é de 22%, enquanto o dividendo é tributado em 
30%, escapando da tabela progressiva (de 29% a 60%). Na Finlândia, além da tributação 
sobre o lucro (20%), o rendimento do capital é, em regra, tributado em 30%, mas o 
dividendo sofre um corte de 15% (já fora de 30%), o que equivale a reduzir a alíquota 
efetiva para 25,5% (30% x 85%); neste país, as alíquotas progressivas incidentes sobre as 
rendas do trabalho variam de 23% a 54%. A Dinamarca, embora também adote o modelo 
dual, tributa progressivamente o dividendo, com faixas inferiores à da tributação sobre as 
 
20 Apud Sérgio Wulff Gobetti. Op. cit., p. 30. 
21 GOBETTI, Sérgio Wulff. Tributação do capital no Brasil e no mundo, pp. 23 e 37. 
14 
rendas do trabalho (27% a 42% contra 36% a 56%), enquanto o imposto corporativo é de 
22%. Em Portugal, o rendimento do capital é tributado em 28%, embora o contribuinte 
possa optar pelo ajuste anual (englobamento) e alíquotas progressivas. 
A pequena amostra evidencia que o modelo brasileiro destoa manifestamente do 
padrão implantado pelas principais economias mundiais, mesmo de países com perfil 
semelhante ao nosso (México, p. ex.). Conquanto tenham abrandado a tributação do 
capital, o desenho de seus sistemas normativos não chega ao extremo de simplesmente 
isentar o dividendo e ainda permitir a dedutibilidade fiscal dos JCP. 
Ao cabo, aqueles países tributam efetivamente mais a renda do que o Brasil. 
Como demonstra o Gráfico 4, a média dos membros da OCDE, em 2018, está em 40,6% 
(sem ponderar pelo Produto Interno Bruto – PIB, o que seria ainda maior). Os países com 
tributação inferior ao Brasil são, com exceção da Nova Zelândia, pequenas repúblicas 
outrora pertencentes à União Soviética ou sob sua zona de influência, ávidas por atrair o 
capital estrangeiro. 
 
O efeito dos JCP não foi considerado no gráfico, adotando-se por simplicidade 
a incidência conjunta da dupla IRPJ/CSLL (34%). No limite, caso os JCP igualem-se ao 
lucro contábil, não haveria base tributável corporativa, tão somente a tributação do 
beneficiário (15%), percentual não encontrado em nenhum dos países pesquisados. 
15 
Em relação aos países vizinhos da América Latina, o quadro não discrepa muito: 
o Brasil tributa menos a renda, sendo superado apenas por Argentina, Bolívia e Paraguai, 
conforme pesquisa de fôlego empreendida por Fábio Ávila de Castro.22 
5. SIMULAÇÕES E CONCLUSÕES PRELIMINARES 
Tivemos oportunidade de constatar o quanto a política tributária nacional é 
generosa com as rendas do capital; ao subtributá-las, gera anomalias e colateralidades. 
Este trabalho, como salientado, objetiva contribuir para o aperfeiçoamento do regime 
jurídico dos benefícios desonerativos da isenção do dividendo e da dedutibilidade dos 
JCP. As especulações gravitam em torno de indagações vestibulares acerca da 
manutenção, modificação ou extinção de tais benefícios. 
Em vista da diversidade de cenários possíveis, foram utilizados os dados 
agregados da DIRPF 2017 como ferramenta de apoio para simular hipóteses e com isso 
mensurar a repercussão que a modificação de certas variáveis pode causar na arrecadação 
e na massa de contribuintes. Por ora, consideramos quatro cenários, advertindo-se que os 
resultados são aproximativos, interessando no momento mais a ordem de grandeza do que 
a precisão. 
Primeiro cenário: retorno da tributação exclusiva na fonte do dividendo e a 
extinção da dedutibilidade dosJCP. 
Considerando-se que os dividendos somaram R$ 350 bilhões, a arrecadação 
extra seria perto de R$ 52,5 bilhões (350 x 15%). Em relação aos JCP, foram declarados 
R$ 13,40 bilhões de rendimentos sob tal rubrica, o que acarretaria ingresso líquido de R$ 
2,55 bilhões [13,40 x (34% - 15%)]. No total, a arrecadação federal aumentaria R$ 55,05 
bilhões, correspondente a 36% do arrecadado com o IRPF naquele ano. 
Segundo cenário: retorno da tributação progressiva sobre o dividendo e a 
extinção da dedutibilidade dos JCP. 
Distribuindo-se o dividendo de R$ 350 bilhões pelas atuais faixas do IRPF (0% 
a 27,5%), incrementar-se-ia a arrecadação em R$ 71 bilhões, que somados ao ingresso 
 
22 CASTRO, Fábio Ávila de. Imposto de renda da pessoa física: comparações internacionais, medidas de 
progressividade e redistribuição. pp. 45-46. 
16 
líquido de R$ 2,55 bilhões pela indedutibilidade dos JCP, totalizariam R$ 73,55 bilhões, 
quase a metade do que se arrecadou de IRPF naquele ano. 
Terceiro cenário: manutenção da isenção do dividendo e da dedutibilidade dos 
JCP e criação de faixa adicional de 35%. 
Adotando-se uma nova faixa com alíquota de 35%, conforme sugerido na tabela 
abaixo, a arrecadação cresceria, mutatis mutandis, aproximadamente R$ 50 bilhões, 
atingindo cerca de 1,6 milhão de pessoas (6% dos declarantes). 
Tabela Anual de alíquotas IRPF 2018 (modificada) 
Base de cálculo (R$) Alíquota (%) Parcela a deduzir (R$) 
Até 22.847,76 – – 
De 22.847,77 até 33.919,80 7,5 1.713,58 
De 33.919,81 até 45.012,60 15 4.257,57 
De 45.012,61 até 55.976,16 22,5 7.633,51 
De 55.976,16 até 66.939,72 27,5 10.432,32 
Acima de 66.939,72 35 15.452,73 
 
Quarto cenário: manutenção da isenção do dividendo e da dedutibilidade dos 
JCP e criação das faixas adicionais de 35%, 40% e 45%. 
Na hipótese da criação de mais três faixas, de acordo com a tabela proposta 
abaixo, a arrecadação avançaria R$ 80 bilhões, atingindo 5,5 milhões de indivíduos (21% 
dos declarantes). 
 
 
Analisemos os cenários. 
Sob o prisma do acréscimo de arrecadação, os quatro cenários são equivalentes 
dois a dois, isto é, visto por tal aspecto isoladamente, o ganho obtido no primeiro e terceiro 
(R$ 55,05 x R$ 50 bi) e segundo e quarto cenários (R$ 73,55 x R$ 80 bi) não discrepam 
em grandes termos. 
Tabela Anual de alíquotas IRPF 2018 (modificada) 
Base de cálculo (R$) Alíquota (%) Parcela a deduzir (R$) 
Até 22.847,76 – – 
De 22.847,77 até 33.919,80 7,5 1.713,58 
De 33.919,81 até 45.012,60 15 4.257,57 
De 45.012,61 até 55.976,16 22,5 7.633,51 
De 55.976,16 até 66.939,72 27,5 10.432,32 
De 66.939,73 até 77.979,70 35 15.452,73 
De 77.979,71 até 89.019,70 40 19.346,30 
Acima de 89.019,70 45 22.571,88 
17 
Porém, o terceiro cenário é desvantajoso em relação ao primeiro, por três 
motivos. Primeiro, porque, restando a isenção do dividendo, não haverá desestímulo de 
travestir a renda do trabalho em capital, persistindo as anomalias já sinalizadas. Segundo, 
a maior parte dos contribuintes atingidos pela nova faixa está no segmento médio de 
renda, e não no topo; para esses indivíduos, a renda do capital prepondera sobre a do 
trabalho (v. Gráfico 3), o que faz da majoração do tributo um instrumento de pouca 
eficácia distributiva. Por fim, como as propostas de aumento de tributo direto tendem a 
ser rechaçadas pela sociedade, a tentativa de criar outra faixa prenunciaria um inevitável 
desgaste político, que boa parte dos governos não está disposta a enfrentar. 
O quarto cenário padece dos mesmos problemas do terceiro, mas com o 
agravante de onerar um maior número de contribuintes. Advirta-se que, excetuando-se a 
faixa de isenção, com patamar mensal da ordem de dois salários mínimos, o intervalo das 
demais faixas é inferior a um, de modo que rendas abaixo de cinco salários mínimos já 
passam a suportar a alíquota marginal máxima. Levando-se em conta que o quarto cenário 
atingiria 5,5 milhões de contribuintes e que menos de 3% está no terço mais rico, tal 
conformação acabaria massacrando ainda mais a classe média trabalhadora, além de não 
resolver o problema da concentração de renda. 
Portanto, as simulações sugerem que é mais eficiente e menos disfuncional 
alterar o regime jurídico da isenção do dividendo e da dedutibilidade dos JCP do que 
majorar as alíquotas do imposto de renda. Esse é um bom começo, mas não resolve o 
problema de como taxar o dividendo. 
À primeira vista, o modelo de sujeição ao ajuste anual seria o mais adequado, 
tanto em termos distributivos quanto arrecadatórios. Por outro lado, seria como voltar 30 
anos, quando abandonamos os chamados rendimentos cedulares. Considerando-se que as 
maiores economias seguiram outra trilha, o descasamento da política fiscal brasileira 
poderia reduzir seu nível de atratividade no cenário mundial, o que não se pode 
desconsiderar de plano. 
A experiência internacional mais recente, acima retratada (v. item 4), aponta para 
a redução do tributo corporativo e o aumento da tributação do dividendo. Nos países 
nórdicos, apesar de suas variações, a tendência é que a soma das alíquotas incidentes 
sobre o lucro e o dividendo seja próxima da alíquota marginal superior da renda do 
18 
trabalho. México e Grécia convivem com alíquotas mais elevadas sobre o lucro, mas o 
total não difere muito dos países nórdicos. 
Como demonstra a Tabela 2, no somatório, todos tributam mais que o Brasil. 
Tabela 2 
(Alíquotas em %) 
 
 
 
 
Brasil Suécia Finlândia Dinamarca México Grécia 
Imposto corporativo 34 22 20 30 30 29 
Dividendos 0 30 0-25,5 27-42 10 15 
Total máximo 34 52 45,5 72 40 44 
Renda do trabalho 0-27,5 29-60 23-54 36-56 1,92-35 22-45 
Fonte: OCDE. 
 
 
Elaboração própria. 
 
Admitindo-se que a média da OCDE seja um ponto de referência a seguir, há 
espaço para tributar o dividendo em pelo menos 10%. A alíquota total superior a 40%, 
em razão da dupla incidência econômica, nas pessoas jurídica e física, é inquietante, 
diriam alguns, por sugerir a violação do princípio do não confisco. Porém, voltando os 
olhos para o passado, ainda no regime cedular, verifica-se que a alíquota efetiva poderia 
superar o dobro!23 
Uma opção mais delicada é o País alinhar-se totalmente ao modelo nórdico, ou 
seja, adotar o patamar médio da OCDE e ajustar o mix de alíquotas, tributando menos o 
lucro e mais o dividendo. A menor taxação corporativa é copiosamente apontada como 
fator atrativo de capitais, impactando na criação de novos negócios e postos de trabalho, 
o que acaba por repercutir também na arrecadação de tributos. E como o dividendo é mais 
pesadamente onerado (com alíquota fixa ou progressiva), desestimula-se sua distribuição. 
O lucro não distribuído é reinvestido em atividades produtivas, o que retroalimenta a 
 
23 Até 1974, os dividendos eram oferecidos à tributação na cédula F, sem qualquer dedução específica e 
sujeitavam-se à alíquota progressiva. De 1975 a 1988, a distribuição passou a sofrer retenção na fonte, e o 
contribuinte poderia optar por oferecê-lo à tributação na cédula F, compensando o imposto retido, ou 
considerá-lo tributado exclusivamente na fonte. No último ano do regime cedular (1988), o dividendo era 
retido na fonte em 23%, para companhias abertas, e 25%, para as demais, sem prejuízo do imposto de renda 
da pessoa jurídica à alíquota de 35% e do adicional de 10%. Percebe-se que a incidência composta poderia 
chegar a 70% (25% + 35% + 10%) do lucro. Sendo a alíquota marginal máxima naquele ano de 45%, a 
carga total nominal poderia, em tese, alcançar 90% (35% + 10% + 45%), hipótese que dificilmente ocorria 
na prática, pois os contribuintes optavam por considerar o lucro tributado exclusivamente na fonte. (SILVA, 
Jules Michelet Pereira Queiroz e et. al. Tributação de lucros e dividendos no Brasil:uma perspectiva 
comparada, p. 8). 
19 
economia. Nesse sentido, mais um argumento contra os JCP. A ideia central, em suma, é 
dar um passo atrás para avançar dois: tributa-se menos, arrecada-se mais. 
No entanto, soluções que ponham em risco a arrecadação atual do País, 
principalmente diante do desajuste fiscal, não parecem animar. Corre-se o risco de as 
corporações diferirem a distribuição do dividendo ou simplesmente mudarem o seu perfil 
por outro meio com a exploração de flancos legais (loop holes), resultando em queda 
efetiva de ingresso. Vale lembrar que o imposto de renda é de extrema importância para 
o equilíbrio federativo, pois quase metade da arrecadação é partilhada com os demais 
entes. Qualquer mudança, portanto, deve ser precedida de exaustivos testes e, como 
medida de cautela, implementada de forma gradual, de sorte a não frustrar o fluxo de 
caixa, tão necessário para o Estado cumprir seus misteres, e, ainda, permitir ajustes nos 
dispositivos legais. 
Uma alternativa intermediária seria manter a tributação corporativa (ou reduzi-
la levemente), tributar os dividendos pela tabela progressiva (preferencialmente sujeita 
ao ajuste anual) e atribuir crédito limitado (imputação parcial) do tributo corporativo, de 
modo que a carga total gire em torno de 40% a 45%. A medida tem a vantagem de (i) 
manter o fluxo de caixa corrente; (ii) gerar efeito fiscal líquido positivo em torno de 10%, 
sem discrepar da média da OCDE; e (iii) tributar a renda do capital progressivamente, 
conferindo à parcela do imposto corporativo o papel de antecipação do devido pela pessoa 
natural. 
Em relação a este último aspecto, o trade-off da tributação corporativa para a do 
indivíduo, ainda que tivesse efeito arrecadatório neutro, seria por outro prisma 
substancialmente positiva, uma vez que a tributação do lucro, quase proporcional, é 
substituída pela progressiva, no sócio ou acionista, cumprindo com os princípios retores 
da exação e desacelerando a concentração de renda. 
A nosso sentir, já nos encaminhando para o fim dessas conclusões preliminares, 
a legislação brasileira, ao isentar os lucros ou dividendos e permitir que a remuneração 
do capital próprio reduza o lucro fiscal, é ineficaz e anacrônica. Com efeito, a expectativa 
do aumento de fluxo de capitais, expressa na exposição de motivos do projeto de lei que 
introduziu os benefícios, não se comprovou, pelo menos não há prova empírica disso. 
Logo, pecou na origem. A renúncia bilionária é duplamente perversa: furta receitas do 
20 
Erário, tão significativas para proporcionar o bem coletivo, ao mesmo tempo que as 
carreia para segmentos mais guarnecidos economicamente, verdadeira antítese de Hobin 
Wood. As anomalias se avolumam com a conversão da renda do trabalho em capital, 
afetando também os direitos trabalhistas e as já combalidas contas da previdência social. 
As análises empreendidas até aqui sugerem que os benefícios em exame sejam 
extintos, restando in fieri a forma mais adequada de tributar o dividendo. Embora o 
objetivo último seja otimizar a arrecadação e sobretudo melhorar a distribuição de renda, 
nem sempre as questões técnicas prevalecem dentre todos os interesses políticos e 
econômicos em jogo. Acerca desse panorama, Sérgio Wulff Gobetti escreveu com muita 
felicidade que “as feições do sistema tributário são determinadas em última instância pela 
tensão permanente de interesses e ideologias e apenas secundariamente pelos modelos 
teóricos.”24 
De qualquer modo, ainda que a calibração da tributação do dividendo seja um 
tema aberto a debates e reflexões, reputamos que a opção pela tributação progressiva, no 
lugar da proporcional, é a mais indicada em termos distributivos e de solidariedade, 
valores que permeiam a tributação do imposto sobre a renda e que não podem ser 
desconsiderados numa sociedade marcada por tantas iniquidades sociais, especialmente 
sob a égide de uma constituição progressista e inclusiva. 
As palavras de Ricardo Lobo Torres são pertinentes nesse momento. Embora 
afirme a natureza meramente instrumental do direito tributário, posto que dispor sobre 
tributos não constitui finalidade autônoma, este mesmo direito 
[...] não é insensível aos valores nem cego para com os princípios 
jurídicos. Apesar de não serem fundantes de valores, o orçamento e a 
tributação se movem no ambiente axiológico, eis que profundamente 
marcados pelos valores éticos e jurídicos que impregnam as próprias 
políticas públicas. A lei financeira serve de instrumento para a 
afirmação da liberdade, para a consecução da justiça e para a garantia 
de segurança dos direitos fundamentais.25 
 
Cabe um alerta final. Muitas teorias sustentam a imprescindibilidade do aumento 
da progressividade do sistema para melhor distribuir o ônus dos tributos. No caso do 
imposto sobre a renda, propostas de aumento das alíquotas ou de criação de faixas devem 
 
24 Op. cit., p. 24. 
25 Op. cit., p. 40. 
21 
necessariamente ser acompanhadas da revisão da tributação dos dividendos. Como a 
grande massa da renda dos segmentos do topo é isenta ou tributada modica e 
exclusivamente na fonte, majorar o imposto apenas sobre a renda do trabalho seria inócuo 
para alcançar aquela população. É preciso, portanto, lançar um olhar holístico sobre o 
sistema tributário e vê-lo na sua inteireza. Bem por isso, a revisão da isenção do dividendo 
e da dedutibilidade dos JCP deve estar sob os holofotes em qualquer reforma tributária 
que pugne por uma melhor distribuição de renda e justiça fiscal. 
6. REFERÊNCIAS 
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CASTRO, Fábio Ávila de. Imposto de renda da pessoa física: comparações 
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(mestrado em Economia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2014. 
GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio. Progressividade tributária: a 
agenda negligenciada. Brasília: Ipea, 2016. (Texto para Discussão, n. 2190). 
______. Tributação do capital no Brasil e no mundo. Ipea, 2018. (Texto para Discussão, 
n. 2380). 
OXFAM (2017). A distância que nos une – um retrato das desigualdades brasileiras. São 
Paulo: Oxfam Brasil. 
PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. 
QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Imposto sobre a renda: requisitos para uma tributação 
constitucional. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018. 
RIBEIRO, Ricardo Lodi. Neotributação ou Justiça Distributiva? Disponível em 
<http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Ricardo-Lodi-Ribeiro/neotributacao-ou-
justica-distributiva>. Acesso em: 10 AGO. 2018. 
______. Piketty e a reforma tributária igualitária no Brasil. Revista de Finanças 
Públicas, Tributação e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 2015. 
STIGLITZ, Joseph. O preço da desigualdade. Lisboa: Bertrand Editora, 2014 
TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade 
contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. 
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário: 
valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II.

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