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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini CONSELHO EDITORIAL Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Científi cos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Dorotéia Fátima Pelissari de Paula Soares Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Valéria Soares de Assis EQUIPE TÉCNICA Projeto Gráfi co e Design Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Artes Gráfi cas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima Maringá 2009 FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD Sociologia da Educação: olhares para a escola de hoje Aparecida Meire Calegari-Falco (ORGANIZADORA) 10 2. ed. revisada e ampliada Coleção Formação de Professores - EAD Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331 Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos Edição e Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio Eliane Arruda Capa: Júnior Bianchi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Copyright © 2009 para o autor Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfi co etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2009 para Eduem. Sociologia da educação: olhares para a escola de hoje/ Aparecida Meire Calegari- Falco, organizadora. 2. ed. rev. e ampl. -- Maringá: Eduem, 2009. 155p. 21cm. (Formação de professores – EAD; n. 10). ISBN 978-85-7628-188-7 1. Educação – Sociologia. 2. Sociologia da educação. 3. Sociologia educacional. 4. Sociedade e educação. I. Calegari-Falco, Aparecida Meire, org. CDD 21.ed. 370.19 S678 Endereço para correspondência: Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3261-4103 / Fax: (0xx44) 3261-1392 http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br 3 Sobre os autores Apresentação da coleção Apresentação do livro CAPÍTULO 1 O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista Tarcyanie Cajueiro Santos CAPÍTULO 2 Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento Mário Luiz Neves de Azevedo / Dalila Andrade Oliveira CAPÍTULO 3 Considerações sobre o trabalho como categoria explicativa do fenômeno educativo Eloiza Elena da Silva CAPÍTULO 4 A educação na obra de Brecht: representações de conquistas e realizações coletivas. Primeiros atos: possibilidades apresentadas Marta Chaves / Sonia Mara Shima Barroco > 5 > 7 > 9 > 13 > 25 > 41 > 49 umárioS SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 4 CAPÍTULO 5 Construção do sujeito na era tecnológica Tarcyanie Cajueiro Santos CAPÍTULO 6 O conhecimento no projeto educativo da “Sociedade do conhecimento” Lizia Helena Nagel CAPÍTULO 7 As funções sociais da escola na atualidade Maria Eunice França Volsi CAPÍTULO 8 Escola: ideologia e indústria cultural Iris Yae Tomita / Tereza Kazuko Teruya / Vanderlei Siqueira dos Santos CAPÍTULO 9 Segregação, integração/inclusão escolar: A educação de pessoas com necessidades especiais Nerli Ribeiro Nonato Mori CAPÍTULO 10 Impossibilidade de educar para a não-violência?: Refl exões preliminares Lizia Helena Nagel CAPÍTULO 11 Fracasso escolar: uma questão sociológica Luciana Grandini Cabreira / Luzia Grandini Cabreira CAPÍTULO 12 Novas demandas educacionais na contemporaneidade: um olhar para a ecopedagogia Aparecida Meire Calegari-Falco / José Ricardo Penteado Falco > 63 > 77 > 89 > 99 > 113 > 127 > 141 > 155 5 APARECIDA MEIRE CALEGARI-FALCO Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutoranda em Educação (UEM). DALILA ANDRADE DE OLIVEIRA Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Ciências Sociais (UFMG), Mestre em Educação (UFMG), Doutora em Educação (USP) e Pós-Doutoramento (UERJ) na Universidade de Montreal (Canadá). Pesquisadora do CNPq (bolsista de produtividade). IRIS YAE TOMITA Professora do Centro Universitário de Maringá (Cesumar). Graduada em Publicidade e Propaganda (Cesumar). Mestre em Educação (UEM). JOSÉ RICARDO PENTEADO FALCO Professor do Departamento de Biologia Celular e Genética da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em Ciências Biológicas (Unesp-Rio Claro). Mestre em Biologia Celular (Unicamp) e Doutor em Biologia Celular e Estrutural (Unicamp). LIZIA HELENA NAGEL Graduada em Filosofi a e História. Mestre em Ensino pela UFRGS. Doutora em Filosofi a da Educação (PUC-SP). Pesquisadora na área de História e Filosofi a da Educação. Participa do Grupo de Pesquisa ‘Transformação Social e Educação nas Épocas Antiga e Medieval’ (UEM). LUCIANA GRANDINI CABREIRA Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Psicologia (UEL). Mestre em Educação (UEL). LUZIA GRANDINI CABREIRA Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Jornalismo (UEL) e Pedagogia (Fafi jan). Mestre em Educação (UEL). obre os autoresS SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 6 MARIA EUNICE FRANÇA VOLSI Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Professora da Fafi par. Pedagoga da Rede Estadual Pública de Ensino. MÁRIO LUIZ NEVES DE AZEVEDO Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em História (UEM). Mestre em Educação (UFSCar-São Carlos). Doutor em Educação (USP). Pesquisador visitante do IESALQ-Unesco (1/2008) e do CNPq (bolsista produtividade). MARTA CHAVES Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em Educação (UFPR). NERLI RIBEIRO NONATO MORI Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Psicologia da Educação (PUC-SP). Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP). SONIA MARI SHIMA BARROCO Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Psicologia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em Educação (Unesp-Araraquara). Pós-Doutoramento pela USP. Pesquisadora do CNPq. TARCYANIE CAJUEIRO SANTOS Formada em Ciências Sociais pela UFPE, Mestre, Doutora e Pós-Doutora em Ciências da Comunicação pela USP. Bolsista jovem pesquisadora da Fapesp, no Programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da Uniso. Faz parte do Grupo de Estudos Filosófi cos da Comunicação-Filocom. TEREZA KAZUKO TERUYA Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual deMaringá (UEM). Graduada em Ciências Sociais (Unesp-Marília) e História (Faculdade Auxilium de Lins-SP). Mestre em Educação (Unesp-Marília). Doutora em Educação (Unesp-Marília). VANDERLEI SIQUEIRA DOS SANTOS Graduado em Jornalismo (Faculdades Maringá). Mestre em Educação (UEM). 7 A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em 2005, com 33 títulos fi nanciados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares. A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o fi nanciamento para esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado Universidade Aberta do Brasil (UAB). A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi- dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB. Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de refl exão que foi pensado para uma disciplina específi ca do curso, mas em nenhum deles seus organizadores e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura, da refl exão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a formação do Pedagogo na atualidade. Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta- dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse processo. Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti- tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta coleção. Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba- lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante presentação da ColeçãoA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 8 específi co, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o fi nanciamento desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De- partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu- desse ser criado ofi cialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma modifi cação signifi cativa da sistemática das atividades docentes. No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES) conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li- beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para aprovação, tendo em vista a ação direta e efi ciente de um número muito pequeno de pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação Geral de Articulação. Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB. Maria Luisa Furlan Costa Organizadora da Coleção 9 A reedição desta obra nos possibilitou acrescentar, bem como suprimir, temáticas que são emergentes nas discussões educacionais na atualidade. Buscamos identifi car, junto aos tutores e professores/orientadores da disciplina, os limites e sugestões que por ventura pudessem ter surgido no trabalho efetivo com os alunos do Curso Normal Superior, a quem a primeira edição se destinava. Dessa forma, atendendo às demandas levantadas por eles e repensando o propósito desta obra, acrescentamos temas que têm por objetivo contribuir na construção de um arcabouço teórico/prático para a formação de professores, uma vez que permite tecer considerações sobre tais problemas que envolvem diretamente a escola. Soma-se a essas questões a necessidade de apresentar um panorama relativo às novas possibilidades de atuação do pedagogo também nos espaços não escolares. Essa abordagem é pertinente em um momento em que se repensa a própria identi- dade dos cursos de Pedagogia e da própria Educação, que indubitavelmente fl exibiliza-se em espaço e tempo para acontecer nos mais diversos setores/lugares que antes sequer se cogitava pensar sob a perspectiva educacional. Franco Cambi1 defi ne com maestria o momento de reavaliação atual da pedagogia: “acontece por solicitação de uma sociedade em profunda transformação e que está assumindo a forma de ‘sociedade aberta’ (plural, dinâmica e até mesmo confl ituosa)”. É importante destacar que, apesar de atender em parte o conjunto de tais temáticas, esta obra certamente pontuará somente as principais questões, uma vez que em seu limite não conseguirá abarcar todas as demandas, considerando que estas se multiplicam rapi- damente. É imprescindível que não percamos de vista a TOTALIDADE da questão envolvida, que apesar de oferecer um panorama das questões atuais, não se confi gura em uma aborda- gem da micro-história; ao contrário, busca compreendê-las sob uma perspectiva histórica desse novo repertório pedagógico. Agradecemos aos autores que se empenharam em contribuir com suas pesquisas para enriquecer a presente obra, permitindo, sob diferentes concepções teóricas, desvelar te- máticas importantes para um curso de formação de professores. Desejamos aos leitores que possam se apropriar adequadamente dos temas que serão 1 Franco Cambi, pedagogo italiano, autos de História da Pedagogia (Editora Unesp, 1999). presentação do livroA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 10 abordados, com a certeza de que somente parte dessa pluralidade aqui se apresenta, mas não como um receituário a ser seguido, e sim como um exercício de compreensão de fatos sociais que interferem em nossas vidas, especialmente na comunidade escolar. Aparecida Meire Calegari-Falco Organizadora do Livro 11 Tarcyanie Cajueiro Santos A Sociologia, ciência que se propõe a estudar a sociedade, surgiu no século XIX, mas sua gestação remonta ao fi nal do século XVI e início do século XVII, quando a sociedade feudal se desagrega e em seu lugar surge a progressiva consolidação da sociedade capitalista, no continente europeu. Esse fenômeno se insere em um outro ainda maior: o advento da modernidade. As transformações que caracterizaram esse período, seja na dimensão social, política, econômica, seja na cultural e existencial, foram “mais profundasque a maioria dos tipos de mudança característicos dos períodos precedentes” (GIDDENS, 1991, p. 14) e produziram modos de vida sem correlação com os tipos tradicionais de ordem social. A modernidade, como uma organização social correspondente a um estilo de vida, inaugura uma nova maneira de conceber o homem e repercute nas relações sociais. O indivíduo emerge progressivamente como sujeito detentor de seu destino. Esse novo modo de vida, cuja característica principal é a de ser emulada por um conjunto de descontinuidades que descentram o homem, trouxe consigo a produção de esti- los diferentes dos das instituições sociais tradicionais (GIDDENS, 1991). A partir da modernidade, a natureza da vida social cotidiana é radicalmente alterada, afetando os aspectos mais pessoais da existência humana (GIDDENS, 1991, p. 9). As Ciências Sociais e a Sociologia são uma tentativa de resposta às transformações geradas no homem e na sociedade pelo advento da modernidade, mais especifi camen- te com a “ruptura do tecido simbólico que encerrava a sociedade do Antigo Regime” (CAILLÉ, 1991, p. 45). É com a derrocada efetiva do mundo baseado na dominação da nobreza e com o surgimento da crença de que o homem é o principal porta-voz de seu destino que as Ciências Sociais vão se desenvolver. Podemos afi rmar que a partir do O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista 1 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 12 fi nal do século XVIII tem início o cumprimento histórico do projeto sociocultural da modernidade, assentado sobre os pilares da emancipação e da regulação. Esse projeto “coincide com a emergência do capitalismo como modo de produção dominante nos países da Europa que integraram a primeira grande onda de industrialização” (SAN- TOS, 1996, p. 78). Renato Ortiz, ao analisar a história da modernidade, distingue dois momentos no século XIX francês: um primeiro, que se estende da Revolução Francesa até a metade do século, e outro, que se inicia com a aceleração da Revolução Industrial. Segundo o autor, duas modernidades caracterizariam esse período. A primeira, descrita por Bau- delaire com ironia e vivacidade, associa-se à Revolução Industrial e as suas descober- tas, como as estradas de ferro, a iluminação a gás, o telégrafo e a fotografi a. A segunda anuncia elementos que marcarão o século XX e que têm como substrato outro sistema técnico: o automóvel, o avião, a eletricidade, a telecomunicação (rádio) e o cinema (ORTIZ, 1991, p. 30-31). Essas duas modernidades são, conforme Ortiz, descontinuidades que inauguram um novo patamar social. É importante compreendermos bem o que ocorre entre o século XVIII e o século XIX, porque isto lança luz sobre a ruptura de sentido e a nova cultura que então emerge e que se espelhará pelo século XX adentro, modifi cando as relações do homem com o espaço e com o tempo. Trata-se de uma mudança de visão dos homens em relação a si mesmos e ao mundo; uma transformação que refl ete o afastamento do capitalismo e dos seus avatares da tradição feudal e do Antigo Regime. Podemos pontuar que, com a nova secularidade daí advinda, os padrões religiosos de interpretação da ordem do mundo foram substituídos por padrões seculares, que tinham a natureza e não mais Deus como princípio explicativo. Ou seja, o mundo dei- xou de ser visto e explicado como perfeição divina e passou a ser encarado como algo em si, imanente e, por isso, propenso a mudanças. O advento de uma nova organização socioeconômica implicou um rompimento com os constrangimentos do século XVIII; promoveu um intercâmbio entre espaços que estavam voltados para si mesmos. Se, durante o Antigo Regime, o tempo e o espa- ço confi navam-se em fronteiras seguras, com a Revolução Francesa o espaço urbano passa a ser pensado cada vez mais como um conjunto formado por partes conectadas entre si e não isoladas (ORTIZ, 1991, p. 198). Ou seja, o dinamismo que a modernida- de imprime ao mundo deriva dessa separação do tempo e do espaço, a qual remete ao desencaixe dos sistemas sociais, que desloca “as relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação por meio de extensões indefi nidas de tempo-espaço” (GIDDENS, 1991, p. 29). Assim, a partir dessa época, a cidade se especializa e o espaço se transforma. As 13 medidas revolucionárias introduzidas na sociedade rompem com o modelo do Antigo Regime, impulsionando o desenvolvimento do capitalismo, que tem se caracterizado pela aceleração do ritmo da vida e pela compressão do tempo-espaço. O princípio de circulação, que emerge no século XIX juntamente com a racionalidade, a funcionali- dade, o sistema e o desempenho, torna-se o elemento estruturante da modernidade. A racionalização do espaço e do tempo ao longo do século XVIII compôs um pro- cesso de reorganização social caracterizado por uma profunda dicotomia, cujo resul- tado nas pessoas que viveram no século XIX foi a sensação de habitarem dois mundos diferentes. Isto gerou um ambiente de constantes crises: de um lado, explosivas con- vulsões em todos os níveis da vida social, pessoal e política; de outro, o sentimento de um mundo que não chega a ser moderno por inteiro (BERMAN, 1986). De acordo com Renato Ortiz, a cidade ainda guarda um passo provinciano, um tempo lento que se contrapõe à rapidez da modernidade a vapor. Apesar do avanço considerável do sistema de comunicações, as impossibilidades técnicas não efetivam o total “encolhi- mento” do espaço, o qual é sentido potencialmente, por meio da imprensa, das lojas de departamento e das exposições universais, como se as pessoas vivessem em um mundo unifi cado. É nesse panorama de turbulência ocasionado pela disseminação dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade da Revolução Francesa, pela inovação tecnológica e por uma industrialização causadora de miséria e de desemprego em uma época que, ao mesmo tempo, ainda respira os ares do passado, que os intelectuais vão pensar uma nova teoria da sociedade, buscando não apenas entender os problemas que surgiam, como também solucioná-los. A esse respeito, Vilma Figueiredo, assinala que: Eram as condições inumanas de trabalho, a exploração de mão de obra in- fantil, as precárias condições de higiene, a miséria generalizada, estruturas de poder pouco fl exíveis e impermeáveis aos anseios das grandes massas alguns dos principais temas que ocupavam grande número de intelectuais de então (FIGUEIREDO, 2001, p. 5). A resposta destes pensadores ao caos desse período, fazendo com que as pessoas sentissem o tempo e o espaço fraturados, não apenas se deu no nível intelectual, mas também no campo dos interesses práticos. A crença de que a sociedade era regida por leis naturais incentivava não apenas a tentativa de elaborar um conhecimento sistemá- tico acerca delas, como também a aplicação dessas descobertas na correção e no con- trole do social e dos indivíduos. No caso da Sociologia, é no século XIX que surgem os primeiros esforços sistemáticos de delimitação do objeto de estudo e de estratégias metodológicas para a produção de conhecimento. Deste modo, a Sociologia teve como parâmetro o método das ciências naturais, cujo O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 14 emprego sistemático da observação e da experimentação possibilitou uma progressiva dominação e controle do homem sobre a natureza. Entre o tempo de Copérnico e Newton, as ciências naturais alcançaram um desenvolvimento notável, foram feitas des- cobertas tecnológicas extraordinárias, que se associavam à Revolução Industrial, cujo resultado foi, por exemplo, o surgimento das estradas de ferro, da iluminação a gás, do telégrafo e da fotografi a. Com o fi m de ter o mesmo progresso das ciências naturais e alcançar o status de ciência, a sociologia elaborou um sistemade conhecimentos com base em fatos e tentou livrar-se de concepções dogmáticas, supranaturais, religiosas e de ideias preconcebidas, o que estava dentro do espírito do tempo impregnado pelas ideias iluministas, segundo as quais a razão era a principal aliada do homem. São dignos de atenção os fundadores clássicos da Sociologia, na medida em que deixaram para essa ciência um legado teórico e prático que inspirou inúmeros intér- pretes e seguidores ao longo do século XX e cuja força se estende até os dias atuais: Karl Marx, Èmile Durkheim, baseados na tradição positivista de August Comte e Max Weber. Apesar das diferenças entre si, esses fundadores da Sociologia têm em comum a responsabilidade pela formação da crença de que o conhecimento sociológico poderia controlar a sociedade, seja no sentido de sua organização e conservação, seja no da mudança gradual ou transformação radical: Deixando-nos uma macro-sociologia cujo eixo está nos fatores condicionantes do confl ito e da solidariedade na sociedade industrial, nas razões da ordem e nas possibilidades de mudança lenta ou acelerada, gradual ou não, para so- ciedades mais avançadas, quer sejam mais solidárias, mais igualitárias ou mais racionais (FIGUEIREDO, 2001, p. 7). O impacto das teorizações produzidas por esses pensadores nas sociedades do século XX é apontado por sociólogos como Vilma Figueiredo. Para ela, se Comte, Durkheim e Weber infl uenciaram o desenvolvimento das democracias que se fortale- ceram durante o século XX, por meio de suas teorizações sobre a evolução da raciona- lidade, a natureza do vínculo social e os tipos de dominação, É Marx, entretanto, quem fornece o exemplo mais visível de teoria posta em prática. Isso porque foi em seu nome que se desenvolveram argumentos e des- dobramentos inspiradores e justifi cadores da revolução que pretendeu implan- tar o comunismo na Rússia e criou a União Soviética (FIGUEIREDO, 2001, p. 9). A Sociologia, em seu desenvolvimento, infl uenciou os destinos das sociedades que almejavam se tornar modernas e, ao mesmo tempo, foi por elas infl uenciada, passan- do a ser produzida em diferentes lugares, com multiplicidade de temas, problemas e propostas. Como apregoa Giddens: 15 O discurso da sociologia e os conceitos, teorias e descobertas das outras ci- ências sociais continuamente ‘circulam dentro e fora’ daquilo de que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam refl exivamente seu objeto, ele próprio tendo aprendido a pensar sociologicamente. A modernidade é ela mesma profunda e intrinsecamente sociológica (1991, p. 49). Por isso, ao caminhar da macro para a microssociologia, essa ciência vem se diver- sifi cando tanto metodologica quanto teoricamente, procurando dar conta dos novos problemas sociais que têm aparecido. Assim, durante todos esses anos, as ciências sociais se articularam basicamente em torno de três grandes paradigmas: o marxismo, o funcionalismo e o weberianismo. Normalmente, os cientistas sociais aderiam a uma ou a outra visão de mundo, de modo que se era ou marxista ou funcionalista ou weberiano, quando muito, “fun- cional-weberiano”. Tais paradigmas, apesar dos diferentes conceitos e metodologias, tinham origem no contexto da sociedade industrial e na crença de que o progresso seria alcançado por meio da razão e da ciência. O eixo básico desse pensamento era a ideia de um sujeito e de um fi m unitários e também de superação, que em um futuro iria se efetuar1, ou seja, aquilo que Lyotard designou como as metanarrativas, que são narrações com funções legitimadoras, tais como: Emancipação progressiva da razão e da liberdade, emancipação progressiva ou catastrófi ca do trabalho (fonte do valor alienado no capitalismo), enriqueci- mento da humanidade inteira por meio dos progressos da tecnociência, e até, se considerando o próprio cristianismo na modernidade (opondo-se, neste caso, ao classicismo antigo), salvação das criaturas por meio da conversão das almas à narrativa crística do amor mártir. A fi losofi a de Hegel totaliza todas estas narrativas, e neste sentido concentra em si a modernidade especulativa (LYOTARD, 1993, p. 31). Por conseguinte, os atuais desafi os da Sociologia e, de maneira geral, das ciências sociais emergiram na segunda metade do século XX e tornaram-se mais evidentes ou aguçados no início deste século, quando o mundo parece ter fi nalmente entrado em uma nova fase. Apesar de os pensadores clássicos ainda serem uma fonte inesgotável de conhecimento para se pensar a contemporaneidade, a complexidade e a incerte- za que vivenciamos parecem não condizer mais com muitos dos conceitos por eles elaborados. 1 Weber foi o único desses pensadores clássicos que viu o uso abusivo da razão sob uma perspectiva negativa. Para ele, a racionalização leva ao desencantamento do mundo, criando uma jaula de ferro. Em sua visão, “nem a ciência, nem a fi losofi a podem dar um ‘sentido’ à existência. A modernidade não comporta ‘soluções’. Cabe ao homem conviver com os ‘paradoxos’ (TRAGTENBERG, 1992, p. xiv). O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 16 Diversamente de outros períodos históricos, o século XX desenvolveu, em escala abrangente e dinâmica, tecnologias comunicacionais e informacionais, cujo impacto não parece ser menor do que o de técnicas anteriores, como as da época do surgimen- to da sociologia como ciência. Contudo, se no século XIX a racionalização da socieda- de ainda era uma potencialidade, na conjuntura posterior à Segunda Guerra Mundial sofrerá saltos e redefi nições. David Harvey (1992) vê aí uma intensa fase de compressão do espaço e do tempo similar à ocorrida no fi nal do século XIX, que modifi cou o panorama de então. À medi- da que o século XIX se estendeu, a técnica não apenas passou a ser prolongamento da ciência, como também da sociedade. A modernidade avançou materializando-se nela, permitindo, por meio da separação do tempo e do espaço, o desencaixe das relações sociais. Foi nesse caminhar que, no fi nal do século XX, a tecnologia tornou-se estrutu- radora das próprias sociedades. Em meio ao processo de modernização da sociedade observa-se o aparecimento de uma cultura de massa, que visou à conquista de um maior mercado possível e dirigiu seus produtos a consumidores em expansão. Como propala Renato Ortiz, os meios de comunicação de massa contêm uma dimensão que transcende as territorialidades locais, pois o circuito técnico sobre o qual as suas mensagens se apoiam é responsável por um tipo de civilização que se mundializa. A circulação, princípio estruturante das relações sociais, ocorre com base nesses meios, indicando a existência de uma malha imprescindível para a mobilidade cultural. Portanto, assim “como as antigas estradas de ferro, a materialidade dos meios de comunicação permite interligar as partes desta totalidade em expansão” (ORTIZ, 1991, p. 58-59), mas por meio de uma velocidade cada vez maior e ininterrupta. A vocação mundial sobre a qual se estrutura essa modernidade repousa sobre as exigências de uma civilização urbano-industrial, conectada cada vez mais pelos meios de comunicação voltados ao grande público. Isto signifi ca que, embora já no fi nal do século XIX a emergência de uma “modernidade-mundo”2 possa ser captada em alguns estratos sociais dos países ocidentais mais desenvolvidos, a sua plena realização ocor- re apenas no decorrer do século XX, com o advento da globalização, da precarização do trabalho, da fragmentação das sociedades, da reestruturação do capitalismo e das novas tecnologias comunicacionais, eletrônicas e informacionais, como o conjunto 2 Modernidade-mundo pode, em síntese, ser compreendida com base na “existência de processos globais que transcendem os grupos, as classes sociais e as nações”. Comportaria a emergência de uma sociedade global, em que os homens encontram-seinterligados, independentemente de suas vontades. Para uma compreensão melhor desse conceito, veja: ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1998, p. 7. 17 convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, optoeletrônica, a engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimentos e aplicações. No momento em que o processo de racionalização sobre o qual se ancora a mo- dernidade ocorre nas diversas esferas do tecido social, a sociedade passa a ser carac- terizada como um conjunto desterritorializado, cujas partes são articuladas umas às outras. Com isso, não foram apenas a Primeira Guerra Mundial, o choque da Segunda Guerra Mundial, a revolução soviética e a ascensão dos movimentos fascistas que fi ze- ram com que o mundo ocidental entrasse em uma nova fase; também o advento do pós-industrialismo, de uma burocratização cada vez mais impessoal, a proliferação de armas químicas e nucleares, a devastação do meio ambiente e a deterioração da vida social, assim como a atuação cada vez maior dos meios de comunicação como cimen- tadores sociais, entre outros acontecimentos, ajudaram a produzir uma desconfi ança em relação às ideologias do progresso e uma incerteza sobre o futuro e colocaram em xeque as metanarrativas que guiaram as ciências sociais. Uma sensação de que “tudo o que é sólido desmancha no ar”, como bem pontuou Marx no Manifesto Comunista, vai a par do processo de secularização e individualização da sociedade e da crise das ciências, as quais parecem não dar mais conta dos acontecimentos, não conseguindo, muitas vezes, prevê-los ou explicá-los. Esse processo de substituição de uma sociedade disciplinar, estruturada com base na noção de dívida infi nita e de dever absoluto, por uma sociedade do controle, as- sentada na informação, na estimulação das necessidades, no sexo, no culto da natura- lidade, da cordialidade e do humor e no levar em conta os “fatores humanos” (LIPO- VETSKY, 1994) indica a passagem da modernidade à pós-modernidade, na teoria e na cultura em geral. O momento de radicalização da modernidade, segundo autores que negam a pós-modernidade, é entendido como um fenômeno de superação daquela3. Essa mutação, que apenas veio a ser amplamente analisada nas últimas décadas do século XX, quando nos deparamos com o processo de reestruturação do sistema capi- talista implementado pela revolução tecnológica da informação, não ocorreu da noite 3 Concordamos com Renato Ortiz, no sentido de que a pós-modernidade pode ser compreendida como uma confi guração social que se projeta para além da anterior, mesmo se construindo com base nela, uma vez que é um momento de radicalização das modernidades anteriores. Ortiz. Mundialização e cultura, op. cit, p. 68-69. O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 18 para o dia4. Todavia, já em 1950, ano do aparecimento da televisão, alguns autores começaram a discutir e analisar esse processo de transformação cultural, social, eco- nômica, tecnológica e política, que impulsionou a nova confi guração social, política, econômica e existencial, cujo marco foi a explosão de maio de 1968. A proclamação desse movimento de todos os desejos, bem como a sua pretensão à autenticidade e ao direito à diferença, como novas visões de mundo, em nome do res- peito ao indivíduo e da erradicação dos dogmatismos morais e religiosos, apontam o novo espírito da época. Com essa mudança normativa, que instituiu sociologicamente o indivíduo puro, o importante passa a ser poder se exprimir e se assumir. Esse novo sujeito soberano e incerto, por não ter mais o peso de morais rígidas para indicar a sua conduta, deve elaborar suas próprias regras (EHRENBERG, 1998, p. 133). Riesman (1971, p. 85), que no início da década de 1950 publicou A Multidão So- litária, com a assistência de Nathan Glazer e Reuel Denney, fi gura entre os cientistas sociais que se preocuparam em analisar o declínio do modelo normativo, baseado na disciplina e na culpa, que guiou a individualidade até 1950. Ele argumentava que a sociedade estava transitando de um estágio “orientado para dentro” para um estágio “orientado para o outro”. As pessoas, antes infl uenciadas pelos pais e outras autori- dades mais velhas, passavam a depender da aprovação de seus pares. No início da segunda metade do século XX, Riesman já percebia que “educação, lazer e serviços ca- minham conjuntamente com um crescente consumo de palavras e imagens dos novos meios de comunicação de massa” (RIESMAN, 1971, p. 85). Se essas técnicas, juntamente com o capitalismo, ajudaram a corroer os laços comu- nitários ao mesmo tempo em que aumentavam a demanda por comportamentos mais “socializados”, a difusão da televisão, após a Segunda Guerra Mundial, criou uma nova “galáxia da comunicação”, aprofundando ainda mais processos iniciados anteriormen- te, como os de individualização e de distanciamento entre o tempo e o espaço. Com a sua introdução, um sistema de comunicação essencialmente dominado pela mente tipográfi ca e pela ordem do alfabeto fonético é deixado para trás. Em seu lugar, emerge “um meio fundamentalmente novo caracterizado pela sua sedução, estimulação sen- sorial da realidade e fácil comunicabilidade, na linha do menor esforço psicológico” (CASTELLS, 1999, p. 358). 4 Steven Connor afi rma que “embora o termo ‘pós-modernismo’ tenha sido usado por alguns escritores dos anos 1950 e 1960, não se pode enunciar que o conceito de pós-modernismo tenha se cristalizado antes da metade dos anos 1970, quando afi rmações sobre a existência desse fenômeno social e cultural tão heterogêneo começaram a ganhar força no interior e entre algumas disciplinas acadêmicas e áreas culturais, na fi losofi a, na arquitetura, nos estudos sobre o cinema e em assuntos literários”. CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. São Paulo, Loyola: 1992, p. 13. Outros autores, como Ciro Marcondes Filho, postulam que o pós-modernismo já existia em 1920. 19 Ao modelar a linguagem da comunicação societal, os media, especialmente a televi- são e o rádio, moldaram o ambiente no qual agimos e interagimos. Quanto mais esses media penetram em nossa vida, mais tendemos a, individualmente, nos absorver. Cas- tells preconiza que a difusão desses media, cujo eixo central é a TV, pressupõe uma importante característica da sociedade em que um número cada vez maior de pessoas está morando sozinhas. Ciro Marcondes Filho, por sua vez, ao mencionar o papel da televisão, distingue nela uma característica única. Para este autor, ela não apenas foi “o veículo dominante no fi nal da modernidade”; como também foi o “veículo de ingresso na nova fase social, fi m da modernidade, interregno pós-modernidade e agora ciber- sociedade” (MARCONDES FILHO, 2000, p. 36). Deste modo, como principal meio de comunicação da modernidade, a televisão, junto com a motorização, contribuiu am- plamente para o confi namento das pessoas em casa, para a implosão da esfera pública e para a política de sedução de massa (MARCONDES FILHO, 2000, p. 36). No fi nal do século XX, a Internet, aliada ao aparecimento e à cotidianização de sis- temas multimediáticos, como o computador, que reúne media dispersos (a televisão, o telefone, o rádio e o jornal), parece aprofundar essa tendência. Por meio deles, conceitos como interatividade, participação e performance indicam novos vetores, como realidade virtual, imagem, digitalização, transitoriedade, entre outros. Ou seja, nos deparamos com o aparecimento de uma sociedade em rede, cujo sistema multimediático se apresenta como o sinalizador de novas tendências culturais, políticas, econômicas e sociais. Se com os media dispersos já vivíamos em um ambiente comunicacional, com a introdução e a difusão dos sistemas multimediáticosentramos na sociedade em rede. Com o teclado e a tela as pessoas já acionam programas via satélite e a cabo, veem o clima e jogam. De fato, atualmente a televisão não apenas está conectada a grandes re- des, TV a cabo e parabólicas; sua tela já integra cassetes, jogos eletrônicos e até mesmo o computador, fazendo o papel de visor (ORTIZ, 1998, p. 63). Diversamente do ambiente de discussão produzido pelo espaço público moderno, como contraponto ao espaço privado, os sistemas multimediáticos, cujo epicentro é a Internet, aparecem como uma esfera pública inteira, “um mundo em que a conste- lação de atividades se acha deslocada e condensada no meio eletrônico”5. A penetra- bilidade em todos os domínios das atividades humanas, atuante nas tecnologias da informação, do processamento e da comunicação, faz com que vivamos em um mundo que já se tornou digital. 5 Marcondes Filho. “Haverá vida após a Internet?”, disponível em: http://www.anpocs.org.br.http://www.eca.usp.br/ nucleos/fi locom/home.html. 2000. O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 20 Essas tecnologias não são apenas ferramentas a serem aplicadas, mas também processos a serem desenvolvidos. Com elas, segue-se uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas) (CASTELLS, 1999, p. 51). As novas tecnologias, ao integrarem mentes e máquinas, funcionam como ampli- fi cadores e extensões do homem. Desse modo, pela primeira vez na história a mente humana se torna uma força direta de produção e não apenas um elemento no sistema produtivo. Na medida em que a fonte de sua produtividade se encontra na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação de símbolos, a maior interdependência entre o homem e a máquina deriva desse novo modo informacional de desenvolvimento. Castells (1999) relaciona esse grande progresso tecnológico do início dos anos 1970 com a cultura da liberdade, da inovação individual e da iniciativa empreendedora oriunda dos campi norte-americanos da década de 1960. A ênfase nos dispositivos per- sonalizados, na interatividade, na formação de redes e na busca de novas descobertas tecnológicas, muitas vezes sem muito sentido comercial, correspondeu a um seguimen- to específi co da sociedade norte-americana que, em interação com a economia global e a geopolítica mundial, concretizou um novo estilo de produção, de comunicação e de gerenciamento de vida, desembocando na cibersociedade ou sociedade tecnológica ou sociedade em rede dos anos 1990. Informa Castells que o espírito libertário dos anos 1960, atuante nessa revolução da tecnologia da informação, não apenas foi de encontro com a tradição cautelosa do mundo corporativo de então, como também se difundiu pela cultura mais signifi cativa das sociedades contemporâneas. Assim, até certo ponto, a disponibilidade de novas tecnologias constituídas como um sistema já na década de 70 foi uma base fundamental para o processo de reestruturação socioeconômica dos anos 80. E a utilização dessas tecno- logias década de 80 condicionou, em grande parte, seus usos e trajetórias na década de 90 (CASTELLS, 1999, p. 69). Por se juntarem ao profundo movimento de individualização das sociedades mo- dernas, essas novas tecnologias simbolizam a liberdade e a capacidade de dominar o tempo e o espaço. O seu sucesso, na visão de Dominique Wolton (2000, p. 87), pode ser compreendido por meio de três palavras chaves: autonomia, domínio e rapidez. A digitalização, a velocidade e o excesso informativo são considerados por Marcondes Filho como os três componentes da era tecnológica. Ao interferirem na ordenação física e psíquica dos agentes, eles produzem novas sínteses, reordenando seu modus 21 vivendi e sua estruturação de mundo6. Apesar de haver grandes áreas e consideráveis segmentos populacionais que não têm acesso a esse novo sistema, sua difusão ocorreu com a velocidade da luz, conec- tando o mundo, em menos de duas décadas, por meio da tecnologia da informação. Ao se difundir por todo o conjunto de relações e estruturas sociais, a tecnologia e as relações técnicas de produção penetram no poder e na experiência, modifi cando-os (CASTELLS, 1999, p. 52, 36). Assim, as últimas décadas do século XX foram caracterizadas por um impacto deso- rientador e diruptivo sobre as práticas políticas e econômicas, equilíbrio de poder de classe, assim como sobre a vida social e cultural. Reiterando Castells: Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação está re- modelando a base material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema variável (CASTELLS, 1999, p. 21). O grande desafi o da sociologia é o de procurar compreender todas essas mudanças. As transformações sociais são tão drásticas quanto as tecnológicas, políticas, culturais e econômicas. O surgimento de uma nova estrutura social coloca inúmeras difi culdades para aqueles que desejam compreendê-la. Ela pressupõe, para ser ao menos delimita- da, uma sociologia humilde e plural. Plural, porque o novo estágio do capitalismo e a globalização a ele atrelada têm nos mostrado um mundo interconectado por uma tecnologia que chega, em maior ou menor escala, a todos os lugares, penetra em todos os domínios de tal forma que a sociologia sozinha não pode mais dar conta de seu objeto. Por isso, inúmeros autores têm chamado atenção à interdisciplinaridade, ou seja, à importância de outras discipli- nas para se entender as transformações sociais e o próprio campo da sociologia. Humilde, porque a neutralidade científi ca e o racionalismo como os modos domi- nantes de pensar da ciência (incluindo-se aí a sociologia) se mostraram um mito. Eles foram postos em xeque pela teoria do caos e da mecânica quântica, levando à neces- sária relativização de seus pressupostos. Neste sentido, uma ciência que se pretendia soberana, acima dos fenômenos, subsumindo-os, foi levada a repensar a própria ativi- dade do investigador diante da precedência dos fatos e dos fenômenos em relação a ele próprio. Como expõe Ciro Marcondes Filho: 6 Marcondes Filho. “Haverá vida após a Internet?” op. cit. O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 22 BERMAN, M. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo, Companhia das Letras, 1986. CAILLÉ. Fim da modernidade?: algumas razões para a perda de sentido nas ciências sociais. Sociedade e Estado: Revista Semestral de Sociologia da UnB, Brasília, DF: v. 6, n. 1, p. 39-57, jan./jun. 1991. CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CONNOR, S. Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. São Paulo, Loyola, 1992. EHRENBERG, Alain. La fatigue d’être soi: dépression et société. 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Referências Levou a uma postura que - combinada à falência do humanismo, à crise dos ide- ais emancipatórios e a todos os mitos que envolveram o despertar científi co do início do século 19 (progresso, evolução,razão, teleologia, história, homem) - se alinhava ao pensamento deste século, muito mais modesto em relação às capacidades humanas diante das máquinas, muito mais crítico em relação aos desenvolvimentos da ciência e muito mais consciente das verdadeiras capacida- des de pesquisa do ser humano (MARCONDES FILHO, 2000). Assim, ao ter uma postura crítica diante dos acontecimentos que marcaram o sécu- lo XX, e sem negligenciar a razão, mas também não fazendo dela a sua musa, a Socio- logia poderá nos dizer muito sobre os rumos que as nossas sociedades estão tomando. 23 LIPOVETSKY, G. O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos. Lisboa: Don Quixote, 1994. LYOTARD. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Dom Quixote, 1993. MARCONDES FILHO, C. Superciber. 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Proposta de Atividade O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista Anotações SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 24 Anotações 25 Mário Luiz Neves de Azevedo / Dalila Andrade Oliveira O liberalismo, como teoria político-econômica e prática de governo, cumpriu fun- ções históricas fundamentais para avançar no sentido de uma sociedade com maior riqueza e liberdade1. O pensamento liberal deu forma a um modo de produzir, pós- medieval, que tem o trabalho livre, apesar dos exemplos de escravismos conhecidos na História, e a liberdade de empreendimento para o capital como conteúdos e o mercado como espaço de relação entre possuidores de mercadorias. Entretanto, o liberalismo não se defi ne de maneira simples. Matteucci (1992), ao escrever o verbete “Liberalismo”, no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, reco- nhece que não existe um conceito unívoco de liberalismo, o que coloca-nos diante do risco de se escrever uma história paralela de diversos liberalismos ou de se chegar a um liberalismo “ecumênico”, “que não tem muito a ver com história” (1992, p. 686). A advertência de Matteucci é bastante atual, pois tal conceito continua equívoco (não unívoco), concorrendo, dessa forma, para uma maior difi culdade na defi nição, não só da complexa matriz liberal, mas, sobretudo, do que se convencionou chamar de neoliberalismo e de suas consequências. Em outro dicionário, agora de Economia, encontramos a seguinte defi nição para o termo liberalismo: doutrina que serviu de substrato ideológico às revoluções anti-absolutistas que ocorreram na Europa (Inglaterra e França, basicamente) ao longo dos séculos XVII e XVIII e à luta pela independência dos Estados Unidos. Correspondendo aos anseios de poder da burguesia, que consolidava sua força econômica ante uma aristocracia em decadência amparada no absolutismo monárquico, o libe- ralismo defendia: 1) a mais ampla liberdade individual; 2) a democracia repre- sentativa com separação e independência entre os três poderes (executivo, le- gislativo e judiciário); 3) o direito inalienável à propriedade; 4) a livre iniciativa e a concorrência como princípios básicos capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e gerar o progresso social [...] (SANDRONI, 1985, p. 241). 1 Segundo Marx e Engels, “a burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas” (1998b, p. 23). Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento 2 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 26 Observamos então que o liberalismo constitui um conjunto de princípios que serve de referencial a seus partidários, portanto, não é um sistema único, imutável e acaba- do. Bobbio (1990, p. 114) afi rma que as características unifi cadoras e fundantes do liberalismo residem na economia e na política, isto porque, como teoria econômica, apoia-se no livre-cambismo e como teoria política propõe um Estado que governe o menos possível. O livre mercado e o individualismo fi rmam-se, historicamente, como sendo as bases do liberalismo. De acordo com Adam Smith, autor clássico do liberalismo anglo-saxão, o indivíduo, ao buscar maximizar o próprio ganho, promove o bem público (1980). Para Smith, a explicação para a existência dessa curiosa energia “ego-fi lantrópica” re- side no mercado. Ou seja, na procura de benefícios para si, o indivíduo é guiado por uma “mão invisível” e “colabora” com o desenvolvimento social. As políticas de orientação liberal clássica apoiam-se em Smith, defendendo maior liberdade de escolha, atribuindo certa racionalidade ao mercado e recomendando que o Estado tenha papel mais restrito. Para Smith, o Estado deve limitar-se a “(1) proteger as fronteiras nacionais; (2) a administrar a justiça interna; e (3) a criar e promover certas obras e instituições públicas” (HUNT, 1989, p. 82). O neoliberalismo O que se conhece por neoliberalismo é um projeto político e econômico que se (re)apresenta na segunda metade do século XX, defendendo, radicalmente, a míni- ma intervenção do Estado e assemelhando-se ao liberalismo defendido pela Escola Neoclássica2, após um período de relativa estabilidade do Estado de bem estar social e de economia política keynesiana3. De modo esquemático, podemos afi rmar que os 2 Segundo Capul e Garnier, a Economia Keynesiana é o “conjunto de análises econômicas inspiradas nos trabalhos de John Maynard Keynes (1883-1946), economista e alto funcionário britânico. A Teoria Keynesiana [...] opõe-se frontalmente à Teoria Neoclássica e defende a necessidade da intervenção do Estado face às crises econômicas” (1996, p. 96). A Escola Neoclássica segue a maioria dos princípios da Escola Clássica (automatismo do mercado, liberalismo, individualismo e mínima intervenção do Estado). O marginalismo, originado na Escola Neoclássica, faz uma fi ssura com a Escola Clássica ao negar a teoria do valor-trabalho. O valor para o marginalismo é gerado a partir de um fator subjetivo a utilidade marginal. Conforme Sandroni, “o valor de cada bem é dado pela utilidade proporcionada pela última unidade disponível desse bem, ou seja, por sua ‘utilidade marginal’” (ibid, p. 256). Além disto, o valor do bem torna-se maior à medida que o produto escasseia, isto é, sua utilidade marginal aumenta. O mercado é o campo desta determinação. O marginalismo é criado e desenvolvido por três escolas diferentes: a) Escola Inglesa: William S. Jevons (1835-1882) sucedido por Alfred Marshall (1842-1924); b) Escola Austríaca: Karl Menger (1840-1921) seguido por Böhm-Bawerk (1851-1914), Friedrich von Wieser (1851-1926), Ludwig E. von Mises (1881-1973) e Friedrich A. von Hayek (1899-1992); c) Escola de Lausanne: León Walras (1834-1910), que teve como discípulo Vilfredo Pareto (1848-1923). 3 A Economia Clássica foi fundada por Adam Smith e David Ricardo. As publicações mais relevantes são “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, de 1776; os “Princípios de Economia Política”, de John Stuart Mill, de 1848, e os “Princípios de Economia Política e Tributação”, de 1817, de David Ricardo. 27 pensadores neoliberais, ao estilo dos economistas neoclássicos, são mais “liberais” que o próprio liberalismo clássico4, desestimando, inclusive, a terceira função doEstado defendida por Smith, qual seja: a criação e promoção de “certas obras e instituições públicas”. Contudo, a roupagem ideológica do neoliberalismo traz novos adereços e o seu conteúdo teórico comporta determinadas características que, conforme dito, inspira- das nas escolas neoclássicas, o diferencia do liberalismo de Adam Smith e o distingue, essencialmente, do keynesianismo. Milton Friedman, referência incontestável do neoli- beralismo, propõe que a principal função do Estado seja “a de proteger nossa liberdade contra os inimigos externos e contra nossos próprios compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforçar os contratos privados; promover mercados competitivos” (1983, p. 12). A participação estatal na economia só é aceita por Friedman em casos excepcionais. Para ele, “além desta função principal, o governo pode, algumas vezes, nos levar a fazer em conjunto o que seria mais difícil ou dispendioso fazer separadamente. Entretanto, qualquer ação do governo nesse sentido representa um perigo” (FRIEDMAN, 1983, p. 12). Curiosamente, a obra de Smith serve como referência tanto para a tradição liberal- conservadora como para o pensamento mais progressista, tanto para a teoria do valor- trabalho, que defende o trabalho como o original fator criador de riqueza, como para a teoria do valor-utilidade, que propugna a utilidade como fonte de valor. Segundo Hunt, As obras de Smith [...] impressionam o leitor por serem extremamente ambí- guas, quanto à questão do confl ito de classes versus harmonia social, no capita- lismo. Um argumento central [...] é de que os proponentes da teoria do valor- trabalho vêem o confl ito de classes como algo de importância fundamental para a compreensão do capitalismo, enquanto que a teoria do valor-utilidade vê a harmonia social como fundamental e leva, inevitavelmente, a uma versão do argumento da “mão invisível”, de Smith. Só quando Smith abandonou a teoria do valor-trabalho é que ele pôde argumentar em favor da “mão invisível” e da harmonia social (1989, p. 82). 4 O monetarismo segue o extremo laissez-faire; caracteriza-se por sustentar que é possível manter a estabilidade do sistema capitalista com medidas de controle sobre a quantidade de moeda no mercado. Contemporaneamente, a Escola de Chicago, representada por seu maior expoente Milton Friedman, é a referência monetarista acadêmica. Entretanto, o monetarismo também não é novo, é atualizado pela Escola de Chicago, pois tem referência no século XIX. Marx, em O Capital, em uma nota de rodapé, considerou os pressupostos monetaristas como absurdos. Ele explica em nota complementar: "Teoria monetária muito divulgada na Inglaterra na primeira metade do século XIX, que partiu da teoria quantitativa do dinheiro. Os representantes da teoria quantitativa afi rmam que os preços das mercadorias seriam determinados pela quantidade de dinheiro em circulação. Os representantes do Currency princi- ple queriam imitar as leis da circulação metálica. No currency (meio circulante) incluíam, além do dinheiro metálico, também as notas bancárias. Eles acreditavam alcançar um curso estável do dinheiro por meio da plena cobertura em ouro das notas bancárias; a emissão devia ser regulada conforme a importação e exportação do metal precioso. As tentativas do governo inglês (lei bancária de 1844) de basear-se nessa teoria não tiveram nenhum sucesso e somente confi rmaram sua falta de sustentação científi ca e sua total inutilidade para fi ns práticos" (MARX, 1983, p. 120). Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 28 A obra de Smith, comportando esse paradoxo (ou ambiguidade), dá margem a uma dupla interpretação. No entanto, segundo a noção de historicidade, a obra deve ser datada e compreendida de acordo com o espírito da época em que foi escrita. Destaquemos que o individualismo, a livre iniciativa e a mínima intervenção do Es- tado eram pressupostos básicos para que regimes e sistemas, baseados no servilis- mo, no artesanato, na agricultura primitiva, na autarquia dos feudos e no misticismo religioso fossem superados e para que se impedissem retrocessos ao estilo de um “neofeudalismo”. Enfi m, o mercado foi um elemento desagregador do modo de produção feudal e a burguesia benefi ciou-se da impessoalidade das novas relações sociais, cujas marcas principais são a troca de coisas e o individualismo do laissez-faire, para pôr fi m às subservientes relações sociais do feudalismo. Desse modo, podemos inferir que a “desregulação” do servilismo é, em essência, uma “regulação” capitalista. A compreensão do movimento neoliberal é um desafi o teórico, pois, à semelhança do liberalismo, não existe um neoliberalismo com sentido unívoco, são vários neo- liberalismos. Grosso modo, os representantes políticos e teóricos dessa corrente de pensamento entendem que a sociedade deve voltar a adotar a política econômica anterior às regulações de matiz keynesiano, isto é, retornar ao caminho que a Escola Clássica indicou e que a Escola Neoclássica radicalizou na forma, entre as variantes mais conhecidas, do marginalismo e da vertente quantitativista do Monetarismo5. Para a ortodoxia neoclássica e para o neoliberalismo, o mercado deve ser livre e deve ser tratado como o principal regulador nas relações sociais, de modo que se destine ao Estado, apenas, o papel de vigilante dos princípios de respeito à propriedade privada, da preservação dos contratos estabelecidos e de promotor do livre mercado. Como já podemos notar o liberalismo clássico e o neoliberalismo preservam tê- nues, mas fundamentais, diferenças entre si. Perry Anderson recorda que o neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de merca- dos por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política (1995, p. 9). 5 “Nome dado pelo presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt, em 1933, a sua política econômica de luta contra a crise [...], marcando uma ruptura com a tradição econômica liberal dos Estados Unidos da América, segundo a qual o Estado não podia intervir na vida econômica” (CAPUL; OLIVIER, 1996, 185). 29 Segundo Perry Anderson, Hayek entra assim na luta ideológica e no clima de disputa eleitoral do pós-II Guerra Mundial: “O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria” (1995, p. 9). Anderson nota o que, abertamente, anuncia e reconhece Hayek nas primeiras páginas de sua obra: “quando um estudioso das questões sociais escreve um livro político, seu primeiro dever é declará-lo francamente. Este é um livro político [sem grifos no original]” (ANDERSON, 1995, p. 7). Enquanto os fundamentos do Estado de bem-estar se estruturavam na Europa do pós- guerra (II Guerra Mundial) e o New Deal6 consolidava-se nos EUA, Hayek, em 1947, três anos após a publicação de O Caminho da Servidão, convocou várias celebridades que compartilhavam de sua orientação ideológica para uma reunião em Mont Pèlerin, na Suí- ça. Conforme Anderson, Na seleta assistência encontravam-se Milton Friedman, Karl Popper , Lionel Rob- bins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. Aí se fundou a Sociedade de Mont Pèlerin, uma espécie de franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livrede regras para o futuro (1995, p. 9-11). As propostas econômicas referenciadas na obra teórica de representantes desse grupo passam a ser consideradas relevantes por policymakers somente a partir da década de 1970, mais precisamente com a crise 1973, pois as décadas de 1950 e 1960, conhecidas como “Os Anos Dourados” do capitalismo, constituíram um período infrutífero para o neoliberalismo7. Os princípios do liberalismo radical não podiam ser aplicados em países que conheciam os mais altos índices de crescimento econômico da história e que maravi- lhavam-se com a assistência do Estado de bem-estar social. A crise dos anos 1970 foi a grande prova para o keynesianismo, pois as políticas sociais e econômicas dos governos tinham por pressupostos que os problemas seriam temporários sem a necessidade de mudanças de fundo (HOBSBAWM, 1995, p. 398). Contudo, dada a falta de efeito das usuais intervenções, parecia ter se esgotado a política de keynesiano. De acordo com Hobsbawm, o neoliberalismo tornou-se uma opção para os governantes: 6 Esse é um testemunho do que signifi cou os "Anos Dourados" em uma região da Itália: "foi nos últimos quarenta anos que Modena viu de fato o grande salto à frente. O período que vai da Unifi cação até então fora uma longa era de espera, ou de lentas e intermitentes modifi cações, antes que a transformação se acelerasse até a velocidade do raio. As pessoas agora podem desfrutar um padrão de vida antes restrito a uma minúscula elite" (MUZZIOLI apud HOBSBAWM, 1995, p. 253). 7 Adam Smith sugere: "Mesmo que o Estado não viesse a tirar qualquer vantagem da instrução das camadas infe- riores do povo, deveria mesmo assim, interessar-se por que não fossem completamente ignorantes" (1980, p. 425). Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 30 A única alternativa oferecida era a propagada pela minoria de teólogos econô- micos ultraliberais. Mesmo antes do crash, a minoria [...] de crentes no livre mercado irrestrito já começara seu ataque ao domínio dos keynesianos e outros defensores da economia mista administrada e do pleno emprego. O zelo ideo- lógico dos velhos defensores do individualismo era agora reforçado pela visível impotência e o fracasso de políticas econômicas convencionais, sobretudo após 1973 (1995, p. 398). Além disso, essa variação ortodoxa de liberalismo como programa econômico de governo ganhou maior crédito político internacional com a premiação de dois de seus maiores intelectuais: Friedrich von Hayek e Milton Friedman, que receberam o Prêmio Nobel de 1974 e 1976, respectivamente. Entre os países centrais, a Inglaterra, em 1979, sob o Governo de Margareth Tha- tcher, foi a primeira a tentar cumprir a agenda neoliberal, seguida pelos EUA, sob a presidência de Ronald Reagan, em 1980. Perry Anderson faz um conciso relato sobre o processo de implantação do modo de governar neoliberal no Reino Unido: o modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles so- bre os fl uxos fi nanceiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, fi nalmente [...], se lançaram num amplo programa de privatização, começan- do por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água (ANDERSON, 1995, p. 12). Resumidamente, o neoliberalismo, na teoria e na prática de governo, também pode ser considerado um resgate radicalizado da “Lei de Say”, conhecida pelo nome de “lei dos mercados”. Jean Baptiste Say (1767-1832), inspirado na “mão invisível” de Adam Smith, defende que a iniciativa privada deve ser a empreendedora por exce- lência, que o mercado deve ser o sinalizador e o regulador dos negócios, dos inves- timentos, do cotidiano e das condições de vida dos sujeitos e que o Estado deve se privar de qualquer intervenção no mercado. Para Say (1983), portanto, a partir dessa visão de mundo e sob a perspectiva da “lei dos mercados”, que nada mais é que a ideologização das relações de troca, não ocorre crise de superprodução, pois, equi- vocadamente (e a História o comprova), entende a oferta cria a sua própria procura e o mercado tende ao equilíbrio. O NEOLIBERALISMO E A EDUCAÇÃO Sistematicamente, os fundamentos do liberalismo, principalmente suas correntes mais ortodoxas, tomam por base o individualismo para a formulação das políticas sociais. Não diferentemente, as reformas neoliberais identifi caram o mercado como 31 referência para as mudanças na relação Estado, sociedade e educação8. O projeto de sociabilidade neoliberal marca-se pelo afastamento da democracia tradicional e pelo menosprezo da ideia de justiça social9. A educação é um direito social e uma obrigação do Estado. Historicamente, é considerada uma atividade de socialização, de integração social, de formação de cidadãos e preservação da vida em sociedade. Em suma, “a educação é um instrumento público, potencialmente civiliza- dor, criador, por excelência, de cidadãos. Além disso, antes de ser somente um setor do Estado, é uma conquista popular extraída a duras penas do Estado” (AZEVEDO, 1995, p. 17). Diante de tanta força criativa, da complexidade das relações humanas e, ao mesmo tempo, do défi cit educacional ainda existente em grande parte do Planeta e, em especial, no Brasil, o que propõe o neoliberalismo para a educação? Na opinião de Friedman, a questão educacional encontra-se no âmbito do mercado. Ele admite tão somente que a educação possa ser fi nanciada pelo Estado se “justifi cada pelos efeitos laterais” (1983, p. 86). Entretanto, a execução do projeto do sistema educa- cional é retirada do âmbito público e transferida para a iniciativa privada. Para Friedman, A intervenção governamental no campo da educação pode ser interpretada de dois modos. O primeiro diz respeito aos ‘efeitos laterais’, isto é, circunstâncias sob as quais a ação de um indivíduo impõe custos signifi cativos a outros indi- víduos pelos quais não é possível forçar uma compensação, ou produz ganhos substanciais pelos quais também não é possível forçar uma compensação - cir- cunstâncias estas que tornam a troca voluntária impossível. O segundo é o inte- resse paternalista pelas crianças e por outros indivíduos irresponsáveis. Efeitos laterais e paternalismos têm implicações muito diferentes (1) para a educação geral dos cidadãos e (2) a educação vocacional especializada (1983, p. 83). Os pensadores neoliberais costumam distinguir educação e instrução, argumen- tando que, até certo limite, justifi ca-se a construção de políticas públicas para a for- mação geral, pois, necessariamente, a construção de uma sociedade democrática e estável demanda (prioritariamente) indivíduos alfabetizados com um grau mínimo de conhecimentos. Dessa maneira, a educação geral é considerada pelo neoliberalismo como um usufruto pessoal/familiar, entretanto, para além das possíveis vantagens in- dividuais, a universalização da educação possibilita um ganho para toda a sociedade, ou seja, o benefício gerado pela educação diretamente ao sujeito não se descola do 8 “Descobrir o signifi cado do que se costuma chamar de 'justiça social' tem sido, há mais de dez anos, uma das minhas maiores preocupações. Não consegui esse intento - ou melhor, cheguei à conclusão de que, com referência a uma sociedade de homens livres, a expressão 'justiça social' não tem o menor signifi cado” (HAYEK apud BUTLER, 1987, p. 89). 9 Cf.: Oliveira (1997). “Educação e planejamento: a escola como núcleo do sistema”. Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 32 benefício para toda a sociedade. No entanto, seguindoa lógica do Estado Mínimo e do livre-mercado, Friedman propõe a privatização das escolas, com a venda, inclusive, das instalações e dos prédios escolares e com a criação do “vale-educação”, uma espécie de bônus (voucher), distribuídos pelo governo, que os pais trocariam pela educação de seus fi lhos em escolas particulares. As ideias neoliberais tiveram muita força no movimento de reformas educacionais vivido por muitos países latino-americanos na década passada. Alguns deles tiveram seus sistemas educacionais reformados em uma direção contrária ao movimento de construção da educação pública como um direito do cidadão e obrigação do Estado. Tais reformas vieram no bojo de um movimento mais amplo de reforma do próprio Es- tado. O Chile é comumente apontado como o país que sofreu maiores infl uências das ideias neoliberais na reforma de seu sistema educativo, o que resultou em modelo de organização muito peculiar. A educação chilena é administrada por um sistema misto, sendo que ao Estado nacional cabe um papel condutor, apesar da descentralização da educação pública e uma forte área de gestão privada. A educação privada está dividida em dois tipos: aquela fi nanciada pelas famílias e a que recebe recursos fi nanceiros es- tatais, conhecida como “educação particular subvencionada”. A Argentina, a Colômbia, o Peru, entre outros, também viveram processos de reformas educacionais orientadas na direção aqui discutida, sendo que em cada país tais orientações foram sendo incor- poradas de maneira distinta, variando conforme a capacidade de resistência e contra- posição a tais processos. O Brasil, também na década de 1990, viveu um período de importantes reformas tanto no âmbito do Estado quanto da educação. As justifi cativas para tais reformas assentavam-se na necessidade de modernizar o Estado e adequá-lo às exigências da economia mundial. Para tanto, os referenciais perseguidos pelos reformadores estatais foram, em grande medida, as orientações neoliberais. Nesse contexto, as reformas educacionais implementadas estavam imbuídas da mesma racionalidade presente na reforma do Estado brasileiro, cuja maior expressão é a Reforma Administrativa. A su- posta crise do modelo burocrático de administração ensejou o desenvolvimento de outras formas de organização do serviço público, embasadas em maior fl exibilidade. Trata-se de um processo que pressupõe a focalização das políticas públicas nas popu- lações mais vulneráveis, a partir da defi nição de um padrão mínimo de atendimento; a descentralização da cobertura, visando a atenção local, bem como a implementação de ações e programas; a desregulamentação para permitir maior fl exibilidade or- çamentária e administrativa, sobretudo para possibilitar a busca de complementação orçamentária junto à sociedade e, por fi m, atingir maior efetividade das políticas, gerando maior impacto por meio da expansão do atendimento com menores custos. 33 As reformas dos anos 1990 trouxeram importantes mudanças para a gestão da edu- cação pública, os modelos fundamentados na fl exibilidade administrativa promoveram maior desregulamentação de serviços e descentralização de recursos, o que acabou por ampliar a autonomia da escola e fortalecê-la como núcleo do sistema10. Tais modelos foram justifi cados pela busca de melhoria da qualidade na educação, entendida como um objetivo mensurável em termos quantitativos, devendo ser alcançados por meio de inovações incrementais na organização e gestão do trabalho na escola. Tal processo fez com que fossem ampliadas as responsabilidades e espaços de decisão nas unidades escolares, tais como a elaboração do calendário escolar, o orçamento anual da esco- la, bem como a defi nição de prioridades de gastos, entre outras. Em contrapartida, verifi ca-se que através da autonomia, as escolas não só passaram a contar com maiores possibilidades de decidir e resolver suas questões cotidianas com mais agilidade, como também essa abertura tem estimulado-as a buscarem complementação orçamentária junto à iniciativa privada e a outras formas de contribuição da população. VIVE-SE TEMPOS DE PÓS-NEOLIBERALISMO? (À GUISA DE CONCLUSÃO) No fi nal da primeira década do século XXI, mais precisamente a partir da segunda quinzena de setembro de 2008, o sistema capitalista, que se mantinha, em grande medida, referenciado no liberalismo ortodoxo (ou neoliberalismo) e na supremacia do capital fi nanceiro, entra em crise, a qual, do ponto de vista histórico, ganha uma magnitude que somente pode ser comparada à crise de 192911. Apesar de parecer paradoxal, a realidade demonstra que o liberalismo necessita do Estado para a manutenção de sua referência para o capitalismo. Diante da crise de 10 Segundo Canzian, “os norte-americanos estão enfrentando um súbito processo de empobrecimento que já destruiu cerca de US$ 16,5 trilhões da riqueza disponível entre as famílias nos últimos 15 meses. O valor equivale a mais do que tudo o que os EUA produzem em um ano e a quase 13 PIBs do Brasil. Só de setembro para cá, as famílias fi caram US$ 9,5 trilhões mais pobres. Os números são do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), que reúne 380 grandes bancos, e foram divulgados em antecipação a dados semelhantes a serem publicados pelo Fed (o banco central dos EUA) nos próximos dias” (CANZIAN, 08 mar. 2009, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/ fi 0803200911.htm). 11 Olivares e Guedes assim defi nem o chamado Consenso de Washington: “A primeira formulação do chamado “consenso de Washington” se deve a John Williamson. Seu enunciado concre- tiza dez temas de política econômica, nos quais, segundo o autor, “Washington” está de acordo. “Washington” signi- fi ca o complexo político-econômico-intelectual integrado pelos organismos internacionais (FMI, BM), o Congresso dos EUA, a Reserva Federal, os altos cargos da Administração e os grupos especialistas. Os temas sobre os quais existe acordo são: disciplina orçamentária; mudanças nas prioridades do gasto público (de áreas menos produtivas como a saúde, educação e infra-estruturas); reforma fi scal encaminhada para buscar bases tributárias amplas e modelos secundários moderados; liberalizacão fi nanceira, especialmente das modalidades de lucro; busca e ma- nutenção de modelos de câmbios competitivos; liberalização comercial; abertura para entrada de investimentos estrangeiros diretos; privatizações; desregulações; garantia dos direitos de propriedade (2009, http://www.eumed. net/libros/2005/gog/3c.htm). Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE 34 2008, economistas ligados ao establishment dos EUA passam a defender essa interven- ção, inclusive a estatização de determinados símbolos do capitalismo mundial, como os grandes bancos de Wall Street. Richardson e Roubini declaram em artigo intitulado “Agora, todos nós somos suecos”: o sistema bancário dos Estados Unidos está à beira da insolvência e, se não quisermos fi car como o Japão nos anos 90 ou os Estados Unidos nos anos 30, o único meio de salvar os bancos é a estatização. Como economistas defenso- res do livre mercado, professores de uma escola de administração no coração da capital fi nanceira do mundo, sentimo-nos como se dizendo uma blasfêmia quando propomos que o governo assuma totalmente o controle do sistema bancário. Mas o sistema fi nanceiro dos Estados Unidos chegou a um ponto tão crítico que não há muita escolha [sem grifos no original] (RICHARDSON; ROUBINI, 2009). A declaração de que a alternativa é a estatização faz sucumbir a célebre sentença da primeira ministra do Reino Unido (1979-1990), Margareth Thatcher, de que não havia alternativas ao livre mercado, celebrizada pela abreviação TINA (There is No Alterna- tive), quando se espalharam pelo Globo programas de governo de corte neoliberal, privatizantes e desregulamentadores da economia, culminando, em
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