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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/295399806 Lições em modelos e simulações hidrológicas Book · January 2009 CITATIONS 3 READS 1,708 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Water conflicts and negotiated allocation in Northern Brazil: The case of Carás valley in Ceará View project Water in the Brazilian Semi-Arid Region View project José Nilson B. Campos Universidade Federal do Ceará 161 PUBLICATIONS 619 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by José Nilson B. Campos on 19 March 2016. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/295399806_Licoes_em_modelos_e_simulacoes_hidrologicas?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/295399806_Licoes_em_modelos_e_simulacoes_hidrologicas?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Water-conflicts-and-negotiated-allocation-in-Northern-Brazil-The-case-of-Caras-valley-in-Ceara?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Water-in-the-Brazilian-Semi-Arid-Region?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose_Nilson_Campos?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose_Nilson_Campos?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Universidade_Federal_do_Ceara?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose_Nilson_Campos?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose_Nilson_Campos?enrichId=rgreq-6da51080ffe045c3067f4e51988f95d5-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NTM5OTgwNjtBUzozNDExNjEwMDE2Njg2MTBAMTQ1ODM1MDUyOTU5Nw%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf Lições em modelos e simulação hidrológica ASTEF Associação Técnico Científica Paulo de Frontin Presidente: Prof. Dr.José de Paula Barros Neto Vice- Presidente: Prof. Dr. Célio L. Cavalcante Júnior Diretores Profa MS. Lucila Naiza Soares Novas Prof. Dr. Francisco Rodrigo Porto Cavalcante Prof. Jonh Kenedy de Araújo Prof. Marcelo Ferreira Mota Lições em modelos e simulação hidrológica Nilson Campos http://www.astef.ufc.br/index.php Equipe editorial Supervisão editorial: Nilson Campos Capa: Ricardo Ribeiro Campos Projeto gráfico: Nilson Campos Editoração eletrônica: Nilson Campos Revisão: Edson Pessoa Ilustrações: Nilson Campos Fotolito, impressão e acabamento: Expressão Gráfica Copyright ©2009 by José Nilson B. Campos Direitos reservados. Proibida a publicação, tradução ou reprodução, no todo ou em parte, sem a autorização escrita do autor e/ou detentor do copyright. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Umbelina Caldas Neta - CRB558-CE C213 Campos, José Nilson B. Lições em modelos e simulação hidrológica /José Nilson B. Campos. Fortaleza 2009 ASTEF/EXPRESSÃO GRÁFICA 166..il. 1 Hidrologia. 2 Recursos Hídricos. Hidrologia – Modelos Matemáticos. I Título CDD 551.48 DEDICATÓRIA A Associação Brasileira de Recursos Hídricos tem desempenhado um papel relevante e fundamental na construção do modelo de gerenciamento de recursos hídricos para a Nação Brasileira. Nos Simpósios Brasileiros de Recursos Hídricos, organizados pela a ABRH, as sociedades técnica e científica brasileira participaram da criação desse novo modelo. Na Carta de Foz do Iguaçu, em 1989, foram estabelecidos princípios e diretrizes que moldaram as leis estaduais e também a Lei Brasileira das Águas. Esse papel relevante da ABRH foi reconhecido pelo Presidente da República ao convidar a Presidente da ABRH para a solenidade na qual sancionou, em Palácio, a Lei Brasileira das Águas, Lei 9433/97. O modelo brasileiro de recursos hídricos, representado e simbolizado pela Agência Nacional de Águas, foi objeto de um prêmio internacional concedido no Fórum Mundial de Haia. No campo da produção científica, no qual o Brasil vem crescendo no cenário mundial, a ABRH também tem papel proeminente. Ousaria dizer que mais de 80% dos cientistas brasileiros que publicam artigos de impacto em periódicos internacionais em recursos hídricos, iniciaram sua prática de publicação científica em simpósios da ABRH. Nada disso teria acontecido se esses eventos não houvessem sido organizados e realizados pelas diretorias da ABRH. São atividades realizadas, em grande parte, por professores universitários como extensão, não remunerada, de suas atividades de pesquisa. Então, dedico esse livro a presidentes, diretores, associados da ABRH e participantes desses simpósios que ao longo dos últimos 32 anos, contribuíram para a construção de um respeitável sistema de recursos hídricos. Dedico também a pesquisadores que, nesses eventos, construíram conhecimentos técnicos e científicos para o conjunto da sociedade. Nilson Campos AGRADECIMENTOS Quero agradecer a pessoas que foram importantes para minha carreira acadêmica e profissional em recursos hídricos. Vou nominar alguns. O Professor Vicente de Paulo Pereira Barbosa Vieira, em meu curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Ceará. O Professor Swami Marcondes Villela, em meu primeiro curso de pós-graduação em Hidráulica. O Professor José Matias Filho, orientador de minha dissertação de mestrado na UFC. O Professor Neil Grigg, meu orientador de doutorado na Universidade do Estado do Colorado. Nesse livro, contei com o apoio inestimável do Dr. Edson Pessoa, brilhante Engenheiro, Professor da UECE e doutorando da UFC, na revisão dos textos e em debates sobre o entendimento dos temas abordados. Agradeço aos muitos anos de apoio de minha família, minha esposa Rosemary, meus filhos Luciana, Vanessa e Ricardo, meu genro Fábio e minha nora Lícia. Esse constante apoio foi a principal motivação para o meu desenvolvimento profissional. Finalmente, agradeço a amigos e colegas do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC, com apoio e idéias contribuíram para esse livro. Nilson Campos Sumário Apresentação .............................................................................................. 11 Prefácio ........................................................................................................13 Modelos e Filosofia ...................................................................................... 15 Introdução ................................................................................................ 15 Filosofias e conhecimento ........................................................................ 16 Encontro da Filosofia com a Engenharia .................................................. 20 O método científico .................................................................................. 21 Síntese ...................................................................................................... 28 Sistemas, modelos e simulação...................................................... 30 Introdução ................................................................................................ 30 Regras para bem definir ........................................................................... 30 Sistema ..................................................................................................... 33 Modelo ..................................................................................................... 35 Simulação.................................................................................................. 43 Análise de sistema .................................................................................... 44 Síntese ...................................................................................................... 47 Os primeiros modelos ................................................................... 49 Introdução ................................................................................................ 49 Escoamento em uma bacia urbana .......................................................... 50 Balanço hídrico de horizonte longo .......................................................... 64 Síntese ...................................................................................................... 69 Chuvas e cheia de projeto .............................................................. 71 Introdução ................................................................................................ 71 A escala da bacia hidrográfica .................................................................. 72 A segurança da obra hidráulica ................................................................ 74 A altura da chuva de projeto .................................................................... 78 A forma da chuva de projeto .................................................................... 92 A cheia de projeto .................................................................................... 97 Síntese ...................................................................................................... 99 O multimodelo HMS .................................................................. 101 Introdução .............................................................................................. 101 Apresentação do HMS ........................................................................... 102 Os componentes do HMS ....................................................................... 103 O primeiro projeto .................................................................................. 108 Síntese .................................................................................................... 121 Propagação de cheias ................................................................. 123 Introdução .............................................................................................. 123 Classificação dos modelos de escoamento ........................................... 124 Aplicação da onda cinemática ................................................................ 140 Síntese .................................................................................................... 145 Simulação: as funções perdas e simulação ..................................... 148 Introdução .............................................................................................. 148 Base teórica ........................................................................................... 148 Simulação da bacia hidrográfica ............................................................ 158 Síntese .................................................................................................... 165 APRESENTAÇÃO Escrever um livro é sempre um desafio e, ao mesmo tempo, uma tarefa prazerosa para qualquer professor e pesquisador. Vale a pena apresentá-los em eventos científicos. Porém, após alguns anos de experiência, em meu empirismo, cheguei à conclusão que na publicação de textos especializados em recursos hídricos, na ótica da economia, o máximo que se consegue é ter pouco prejuízo. Mesmo assim, vale a pena; buscar apoio do Estado, no atual contexto, não vale. Decidi enfrentar o desafio da publicação em sua completude: do intelectual ao financeiro. Assim, foi elaborada e produzida uma edição limitada voltada para o XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos. Os textos foram organizados e construídos a partir de notas de aula do Curso de Simulação Hidrológica que leciono no Programa de Recursos Hídricos da Universidade Federal do Ceará. Também foram colocadas experiências profissionais de atividades que desenvolvi no campo da Engenharia Hidrológica no Nordeste brasileiro. O livro destina-se a um público seleto, porém restrito de professores, pesquisadores, estudantes e estudiosos da área de modelagem hidrológica. No tema há poucas publicações nacionais, o que me motivou ainda mais. Procurei organizar o livro com abordagem didática, com aplicações de modelos computacionais clássicos em recursos hídricos. A idéia tem foco na modelagem hidrológica abrangendo 1) os processos hidrológicos na bacia hidrográfica, tendo como pano de fundo o HEC-HMS; 2) os processos hidráulicos na planície de inundação, para avaliação de cheias e seus impactos na sociedade, com utilização do HEC- RAS e 3)as ações de controle e de regularização das águas estocadas pelos reservatórios com aplicações HEC- RES Sim e, também, do SIMRES, esse que desenvolvemos na Universidade Federal do Ceará. Estamos na primeira fase do projeto. Desenvolvemos as lições iniciais de modelagem hidrológica, cobrindo os primeiros conceitos relacionados com as pequenas bacias urbanas até as bacias médias O HMS foi aplicado para eventos de chuva de curta duração para estudos das cheias. A modelagem hidrológica, como abordada, pode ser usada para dimensionamento de estruturas hidráulicas, para avaliação de impactos de reservatórios no regime de cheias em um vale, para avaliação da urbanização nas cheias em uma bacia hidrográfica e para várias outras análises. Concluindo, esperamos que esse livro seja útil para profissionais de recursos hídricos e almejamos, em breve, um novo encontro com as lições em modelagem das planícies de inundação. Nilson Campos PREFÁCIO A ABRH tem feito um grande esforço de incentivo a publicação de livros técnicos em Recursos Hídricos que contribuam para a consolidação de um acervo em língua portuguesa que difunda e inove boas práticas em Recursos Hídricos. O livro que agora prefaciamos contém importante contribuição para esta literatura. Os problemas de recursos hídricos são água “tanta, tão pouca, tão suja e tão cara”. Estes problemas ocorrem em ambiente de complexidade e incerteza. Neste contexto os modelos matemáticos são instrumentos indispensáveis para o planejamento, projeto e operação de sistemas de recursos hídricos. Este livro trata da modelagem hidrológica cobrindo de forma sistemática o amplo percurso desde os fundamentos filosóficos da modelagem até a aplicação em situações concretasde modelos amplamente consolida. Desta forma serve aos interessados em uma visão acadêmica e sistemática sobre o processo de modelagem, assim como, aquele técnico interessado em uma obra didática que lhe permita acesso a modelos consolidados (notadamente o HEC-HMS). Sendo desta forma uma obra singular. Agradecemos ao autor desta obra por esta importante contribuição. Francisco de Assis de Souza Filho Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará Presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos ______________________________________CAPÍTULO 1 O cientista que não passa pela Filosofia permanece portador de uma doença incurável, por mais cientista que seja. Jean Piaget MODELOS E FILOSOFIA INTRODUÇÃO No estudo de modelos de sistemas naturais, como as bacias hidrográficas, o modelista trabalha com três mundos: o mundo real, da maneira como é; o mundo cognoscível, da maneira como ele, modelista, percebe; e o mundo virtual, da maneira como os modelos mostram. Juntar essas três coisas, quer seja em pesquisas, quer seja em trabalhos profissionais requer bem mais que conhecimentos matemáticos, requer conhecimentos científicos e também conhecimentos filosóficos. Iniciemos, portanto, nossas lições com uma visita aos legados de grandes filósofos. Vamos nos restringir a três pontos relacionados com o tema em estudo: os fundamentos do racionalismo, do empirismo e a junção entre eles. Vale salientar que os referidos conhecimentos são importantes para a formação de nosso espírito crítico, uma vez que nos proporcionará um entendimento mais completo dos problemas e também ferramentas para que possamos desenvolver um melhor trabalho em Engenharia ou em Ciências. Nesse capítulo, refletiremos sobre as incertezas e o ceticismo, o racionalismo de Descartes, o empirismo como visto por Locke e as visões de Kant e Hume na junção do empirismo e o racionalismo. Além disso, veremos como os temas filosóficos podem auxiliar o analista no processo de modelagem de sistemas físicos nas tomadas de decisões. Concluímos o Modelos e Filosofia 16 capítulo com as definições relativas a artigos científicos e as partes principais de um artigo. FILOSOFIAS E CONHECIMENTO Como você sabe, há boas e más filosofias, como há bons e maus modelos. Há, também, bons filósofos e bons modelistas. O segredo de ambos é a aplicação da filosofia ou do modelo certo para a situação certa. As boas filosofias podem nos proporcionar elementos para tomadas de decisões sábias e também para aperfeiçoar nosso senso crítico. A pessoa, ou profissional, dotado de senso crítico tem maiores condições de se inserir na sociedade, não se deixando levar como um carneiro em uma manada. Podemos supor, desse modo, que o senso crítico também é importante para profissionais da modelagem em Engenharia, para que não se encantem pelas belezas das equações matemáticas e dos métodos numéricos e esqueçam que os modelos têm como objetivo reproduzir, com aproximação, um fenômeno do mundo real. Para desenvolver essa consciência, vamos rever, nos tópicos a seguir, as filosofias de grandes pensadores, as quais, se bem analisadas e entendidas, podem ser importantes na sua formação de modelista. Incertezas e ceticismo A inserção de incertezas nos conhecimentos filosóficos remonta ao tempo dos primeiros filósofos gregos. Sócrates afirmou: “a única coisa que sei (tenho certeza) é que nada sei”. Xenófanes ponderou que “embora possamos aprender mais do que sabemos, nunca poderemos ter certeza de ter alcançado a verdade final” Vale salientar que as incertezas debatidas pelos primeiros filósofos foram, de alguma maneira, radicalizadas por Pirro (c. 360-270 a.C.), o qual foi o pioneiro na recusa sistemática de acreditar em qualquer coisa. Reflexão: Procure avaliar situações na vida real nas quais um modelista se encanta com as equações matemáticas e esquece os objetivos do modelo Modelos e Filosofia 17 Entretanto, foi somente no século XX que os filósofos, em sua maioria, aceitaram que as incertezas estão sempre presente no nosso dia a dia. Todo argumento lógico consiste em: se p é verdade então q é verdade. Em lógica, um argumento válido prova que suas conclusões decorrem de suas premissas, mas não prova que a conclusão é verdadeira. A verdade é assumida ao se supor p verdadeiro. Ora, no mundo empírico, nós, como Sócrates, nunca temos certeza. Então, como saber se p é verdadeiro? O racionalismo de Descartes Você possivelmente já notou que René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês, é um dos pensadores de maior presença no dia a dia de estudantes de Engenharia. A palavra cartesiano é, em sentido positivo, usada para o que caracteres racionais rigorosos e metódicos do pensamento de Descartes. Descartes encantava-se com as certezas na matemática e na lógica e não entendia a razão pela qual essas certezas não poderiam estar presentes nas demais ciências. A matematização do mundo era o sonho de Descartes. Ele procurava refutar os céticos1 que sustentavam que nada podia ser conhecido com certeza. Descartes, segundo Magee (2000, p.84-88), argumentou que a matemática se desenvolve com base em premissas tão simples e óbvias que não há como negá-las. Por exemplo, todos aceitam que a menor distância entre dois pontos é uma reta. Porém, questionava ele, haveria, nos conhecimentos não matemáticos, premissas tais que pudessem conduzir à certeza? Foi, portanto, na busca de premissas para formar a base da pirâmide das ciências empíricas que Descartes desenvolveu seu raciocínio em algumas etapas. Primeiro, Descartes buscou as observações por nossos sentidos. Exemplificou que uma haste que colocamos na água parece torta no ponto em que toca na água, porém ao retirarmos a haste vemos que ela é reta. 1 (1) O ceticismo é uma corrente filosófica dos primórdios da filosofia grega. O pai dessa filosofia foi Pirro (c. 365-270 a.C.). Modelos e Filosofia 18 Logo, nossos sentidos e nossas observações não são confiáveis para a obtenção, com certeza, da premissa certa. Em seguida, argumentou que às vezes estamos certo que fazemos alguma coisa, quando acordamos e percebemos que de fato estávamos sonhando. Então, como ter certeza de que não vivemos em um sonho? De fato, nunca poderemos estar absolutamente certos de que não estamos sonhando. Em sua terceira linha de raciocínio, Descartes argumentou: imagine que todos os meus erros e acertos são devidos a um ser superior cujo único objetivo é iludir-me, e que esse ser pode exercer sobre mim um poder sobre-humano – pode me fazer dormir e então sonhar nitidamente que estou desperto; pode fazer com que tudo que olho pareça outra coisa, ou ainda pode me fazer acreditar que dois e dois são cinco. Será que existe alguma coisa acerca da qual, mesmo um espírito maligno como esse, seria incapaz de iludir-me? Descartes concluiu que esse ente existe e que ele são os lampejos de nossa mente que pode imaginar qualquer coisa, mesmo que essa coisa não esteja acontecendo. Assim, alguém pode imaginar que está sentado em uma lareira, mesmo que esteja deitado em uma cama. Dessa maneira, ele conclui que a única coisa que podemos estar indubitavelmente certo é das experiências que estamos tendo ou vivendo em nossas mentes. Descartes resumiu esse argumento na frase: cogito, ergo sum, ineptamente traduzida, para “penso, logo existo” (MAGEE op. cit., p. 87). Note que foi daí que nasceu o racionalismo, o qual se baseia na crença de que o nosso conhecimento do mundo é adquirido pelo uso da razão. Locke e o empirismo John Locke (1632-1704), filósofo inglês, embora não seja o primeiro empirista da história da Filosofia, éconsiderado o fundador do empirismo (MAGEE, op. cit., p.102). Seu projeto mais importante trata da investigação dos limites do inteligível pelo ser humano. Antes de Locke, a maioria dos filósofos aceitava que o limite do conhecimento é tudo o que existe, isto é, que o ser humano poderia conhecer cada vez mais sobre as coisas até não haver mais o que conhecer. Locke defendeu a tese que nossa mente poderia distinguir o que ela consegue entender e o que não consegue. Assim, poderíamos saber o Modelos e Filosofia 19 que é cognoscível e o que não é. A tese central de Locke é que não importa o muito ou o pouco acima do que nos é cognoscível, o que importa é que não haverá modo dessas coisas chegarem a ser conhecidas por nós. Em sua obra prima denominada Ensaio sobre o entendimento humano, Locke resumiu sua tese na seguinte frase: “o conhecimento de nenhum homem aqui pode ir além de sua experiência”. Para Magee (op. cit., p.113), David Hume (1711-1776) é considerado um cético moderado. É de Hume a máxima: “à parte a matemática, não conhecemos nada com certeza; mas temos que viver, e viver é agir: todas as ações têm que se basear em suposições sobre a realidade”. Observe que essa afirmação, em essência, pode ser tomada como princípio fundamental do modelista de sistemas naturais, uma vez que podemos afirmar que todo modelo tem que basear em suposições da realidade. Kant e a junção do empirismo ao racionalismo Imannuel Kant (1724-1804) é considerado, por muitos, o principal filósofo a emergir desde os gregos antigos. Ele foi também o primeiro grande filósofo oriundo da profissão de professor universitário. Vale salientar que o referido filósofo viveu toda sua vida em sua região natal, sem visitar outros países e conhecer culturas diferentes. Contudo, sua visão e percepção da mente humana e da vida, associada à sua rara inteligência, possibilitaram criar conceitos filosóficos que se estenderam ao mundo e ultrapassaram a barreira do tempo. Kant afirmava que: “assim, gostemos ou não de admitir isso, acreditamos de fato que não é só o mundo empírico que existe. Acreditamos que existe um reino não empírico onde são tomadas decisões”. Dessa forma, ele admitia que existem dois mundos: o empírico no qual trabalhamos com um determinado padrão de ciência; o não-empírico, que transcende o mundo das nossas observações. Modelos e Filosofia 20 Para David Hume (1711-1776) o fato de reconhecer que a verdade final não está ao nosso dispor não significa que devamos a tudo negar. Ele afirma que devemos viver e viver é tomar decisões, e tomar decisões nos obriga a julgamentos. Dessa forma, temos que fazer as melhores avaliações possíveis dentro da realidade na qual vivemos, as quais são incompatíveis se considerarmos todas as alternativas com igual ceticismo. ENCONTRO DA FILOSOFIA COM A ENGENHARIA Caso você observe o que os filósofos têm feito na busca do conhecimento, você pode ver certa semelhança com aquilo que engenheiros e cientistas fazem ao modelar um determinado sistema. A necessidade de modelar vem da necessidade de se conhecer o sistema; isto é, de saber como o nosso sistema reage em certas condições, sob certos estímulos. Contudo, há limites no que podemos conhecer, quer seja por nossa limitação de percepção, quer seja por limitações tecnológicas em O astrônomo, o físico e o matemático Há uma anedota da academia que conta que três colegas cientistas, um astrônomo, um físico e um matemático, estavam em uma viagem de trem na Escócia. Ao passarem em uma ampla campina, avistaram uma ovelha de cor negra pastando. O astrônomo, no âmbito de sua ciência de grandes induções, vislumbrou uma situação rara e comentou: - colegas, que interessante, aqui na Escócia todas as ovelhas são negras. O físico, um pouco mais restrito nas induções, e extrapolando visões anteriores, corrigiu: Não colega, podemos apenas afirmar que na Escócia há ovelhas negras e ovelhas brancas. O matemático, completamente inquieto, com os rigores de sua ciência de raciocínio de dedução, considerando apenas o que estava vendo naquele exato momento, exclamou: Não colegas, a única coisa que podemos afirmar é que na Escócia há pelo menos uma ovelha que tem pelo menos um lado preto (Adaptado de STEWART apud SINGH, 2000, p. 147). Modelos e Filosofia 21 criar aparatos para medir grandezas de fenômenos, ou variáveis, que vão além de nossas percepções. Para compreender melhor, vamos recorrer novamente ao filósofo alemão Immanuel Kant, criador dos conceitos de númeno e fenômeno: númeno é a coisa em si mesmo, com todas as suas ilimitadas propriedades. fenômeno é a maneira como percebemos a coisa. Vejamos um exemplo: um campo de futebol é um campo de futebol. Cada pessoa da platéia, ao olhar para esse campo, o vê de um ângulo diferente e segundo seus próprios olhos e suas limitações. É impossível que duas pessoas vejam exatamente a mesma coisa no mesmo instante. Em síntese, há um único campo de futebol (númeno), porém há tantos fenômenos quanto são as pessoas na platéia a observá-lo. Na Engenharia temos algo semelhante. Por exemplo, no campo da Hidrologia, na nossa busca de conhecimento, procuramos conhecer uma bacia hidrográfica por meio de um modelo. Assim, a bacia hidrográfica (sistema real) é o númeno, ou a coisa em si própria, em toda sua plenitude; o modelo, equivalente ao fenômeno de Kant, é a maneira como o analista modela a bacia hidrográfica. Em notação matemática poderíamos escrever: 𝑁ú𝑚𝑒𝑛𝑜 𝐹𝑒𝑛ô𝑚𝑒𝑛𝑜 = 𝑃𝑟𝑜𝑡ó𝑡𝑖𝑝𝑜 𝑀𝑜𝑑𝑒𝑙𝑜 Sabemos que não há analogia perfeita, A analogia é uma forma de representação de númeno por um fenômeno. Nesse contexto, a equação acima, mesmo com suas imperfeições, é uma forma de mostrar a junção dos conceitos da Filosofia e da Engenharia. O MÉTODO CIENTÍFICO Para os pesquisadores, particularmente os estudantes de cursos de pós-graduação, a pesquisa deve ser divulgada por meio de um artigo científico. Portanto, é necessário conhecermos o método científico e as regras para a elaboração de um artigo científico. Se pensarmos especialmente nos profissionais da Engenharia, veremos que o trabalho é apresentado em forma de relatório técnico, o Modelos e Filosofia 22 qual é submetido a um cliente ou, eventualmente, a uma instituição mais alta na hierarquia, como conselhos ambientais, conselhos de recursos hídricos e outros similares. Em síntese, não basta fazer um bom modelo, é necessário produzir um bom documento para ser lido e analisado pelos pares e pela a sociedade. Por essa razão, optamos por apresentar alguns conceitos relacionados ao método científico, aos artigos científicos e também aos relatórios técnicos de Engenharia. Pretendemos chamar a atenção para a importância do tema, de forma especial, para aqueles que desejarem não apenas crescer na arte da escrita técnica e científica, mas também buscar textos especializados. O que é um artigo científico? Esse livro destina-se a estudantes, pesquisadores, engenheiros e pessoas que lidam com a modelagem de sistemas hídricos, profissionais que têm entre suas atividades a elaboração de textos técnicos e científicos para publicação em eventos ou periódicos. Mesmo engenheiros, fora da academia, publicam os resultados de seus trabalhos em encontros e congressos técnicos e científicos. De acordo com Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): Para entender melhor, vamos iniciar nossa reflexão reconhecendo a seqüência de atividades de uma pesquisa científica: identificação do tema; revisão da literatura; definição da abordagem de estudo; planejamento e execução dos experimentos; coleta, análise e interpretação dos resultados; divulgação dos resultados. Nesse contexto, a publicação de um artigo científicoé a etapa final da pesquisa e o momento de sua submissão a uma análise dos pares: “Artigo científico é parte de uma publicação com autoria declarada, que apresenta e discute idéias, métodos, técnicas, processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento” (ABNT NBR 6022, 2003, p. 2). Modelos e Filosofia 23 inicialmente dos editores e revisores e em seguida dos leitores. O sucesso de um profissional nos meios acadêmicos depende da aceitação de seus artigos. Verifica-se, ainda, que modernamente há uma tendência, embora sujeita a críticas, a valorizar os periódicos em função das citações de suas publicações. Na Capes2, por exemplo, a variável utilizada para classificar um periódico é o Fator de Impacto. 2 “A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) nos todos os estados da Federação. As atividades da Capes podem ser agrupadas em quatro grandes linhas de ação, cada qual desenvolvida por um conjunto estruturado de programas: • avaliação da pós-graduação stricto sensu; • acesso e divulgação da produção científica; • investimentos na formação de recursos de alto nível no país e exterior; • promoção da cooperação científica internacional A Capes tem sido decisiva para os êxitos alcançados pelo sistema nacional de pós-graduação, tanto no que diz respeito à consolidação do quadro atual, como na construção das mudanças que o avanço do conhecimento e as demandas da sociedade exigem” (CAPES, 2009). . A qualificação de periódicos O QUALIS é um sistema da CAPES utilizado para classificar os periódicos em uma escala de qualidade. O Fator de Impacto (FI) é um indicador que determina a quantidade de vezes que um periódico é citado em certo intervalo de tempo, dividido pela quantidade de artigos publicados nesse mesmo período. Mede o impacto do periódico na comunidade científica internacional. A Thomson Reuters, antigo Institute for Scientific Information, conhecido como ISI utiliza nessa avaliação um período de dois anos. O Fator de Impacto é publicado no Journal Citation Report (JCR). O FI é o principal índice utilizado pela CAPES nas Engenharias I para classificar os periódicos A1 e A2 no QUALIS. Cada área tem autonomia para classificar os periódicos publicados por pesquisadores de seus programas. O QUALIS está disponível na página da CAPES Modelos e Filosofia 24 Componentes de um artigo científico A maior parte das revistas recomenda uma estrutura de texto semelhante em formato de artigo científico. O formato é composto pelas seguintes divisões: título (title); autores com filiação institucional e endereço (author and affiliation); resumo (abstract); palavras-chave (keywords); introdução; revisão da literatura; área de estudo; metodologia (material e métodos); resultados e discussões; conclusões, agradecimentos; referências bibliográficas (literatura citada). Vamos compreendê-las melhor. TÍTULO (TITLE) O título é o menor resumo do artigo e deve refletir com precisão o problema abordado na pesquisa. O número de palavras no título não deve ser muito grande, nem muito pequeno. A média encontrada por Henz (2003) em uma pesquisa em artigos da revista Horticultura foi de 14 palavras. Esse número deve variar segundo a área temática. Há periódicos que limitam o número de caracteres no título (em torno de 50 caracteres). Em um curso de metodologia científica na UFC, uma pesquisa realizada pelos alunos encontrou uma média de 12. É pelo título do artigo que o potencial leitor vai decidir se vale a pena gastar tempo lendo o resumo e ir a mais detalhes. Modelos e Filosofia 25 AUTOR E FILIAÇÃO (AUTHOR AND AFFILIATION) Na indicação do nome do autor (ou autores) e da instituição a que pertence(m) é comum indicar também o endereço eletrônico do autor que vai receber e deve responder questionamentos. Vale salientar que a maior parte dos artigos é escrita por vários autores, em média quatro autores, como achou Henz (op. cit.). RESUMO (ABSTRACT) No geral o resumo não pode exceder 200 palavras e deve especificar de forma concisa, mas não telegráfica: o que o autor fez; como o autor o fez (se for relevante); os principais resultados (numericamente, se for caso), a importância e alcance dos resultados. Finalmente, é importante observar que o resumo é uma descrição sumária do artigo em seu todo e, portanto, deve entrar na essência do problema sem rodeios. Lembre-se que a maior parte dos periódicos publica livremente os resumos de seus artigos na internet, o que funciona como uma maneira de atrair leitores que podem citar seu trabalho. PALAVRAS-CHAVE (KEYWORDS) Na maioria dos artigos, é solicitada ao autor a apresentação de até três palavras-chave que caracterizam o domínio do artigo a ser publicado. Estas palavras são utilizadas para permitir que o artigo seja encontrado em sistemas de buscas eletrônicas. Por essa razão, as palavras-chave devem ser escolhidas da forma mais geral e comum possível. INTRODUÇÃO A introdução, como está no próprio nome, tem como objetivo introduzir o tema para o leitor. Portanto, deve conter: a natureza do problema abordada no artigo; o estado da arte do domínio estudado (algumas vezes com referências bibliográficas); o objetivo do artigo e a contribuição dos autores; Modelos e Filosofia 26 a maneira como o artigo está estruturado em seções e subseções pode ser colocado no final da introdução Não é comum que se coloquem figuras e tabelas na introdução. Todavia, você pode encontrar alguns artigos de autores renomados, em bons periódicos, com tabelas e figuras. Convém analisar se esse é realmente o melhor local para a colocação desses elementos. REVISÃO DA LITERATURA As questões mais substanciais sobre os temas não devem ser apresentadas na introdução e sim em uma seção específica, denominada revisão da literatura. Ao realizar uma revisão de literatura, você pode e deve fazer referência aos autores clássicos que construíram os alicerces da teoria que utilizará como base conceitual. Resultados de pesquisas mais recentes publicadas em periódicos do tema são indispensáveis. Lembre-se de que na revisão de literatura é importante evitar citações óbvias (domínio comum) somente para referenciar um autor (para agradá-lo). ÁREA DE ESTUDO Em estudos, particularmente os relacionados ao tema ambiental, a descrição das especificidades da área é fundamental para o entendimento do problema. Por essa razão, alguns artigos apresentam uma seção específica com essa finalidade, as quais não devem ser longas, nem apresentar dados irrelevantes para o estudo. Muitas vezes, especialmente em pesquisadores de pouca experiência, esse capítulo é demasiadamente longo e torna-se cansativo. Faça uma leitura de alguns artigos e procure avaliar como a descrição da área de estudo é colocada. METODOLOGIA (MATERIAIS E MÉTODOS) A metodologia apresenta a maneira como a pesquisa/estudo foi desenvolvida. O texto relata os materiais utilizados, as experiências realizadas e as condições nas quais as experiências foram procedidas. Modelos e Filosofia 27 Note que a idéia é permitir que outras pessoas, caso queiram, possam reproduzir o experimento. Essas informações também devem permitir uma análise crítica, feita na seção de resultados, para delimitar seu campo de aplicação. Em Ciências Ambientais e em modelagem, descrevem-se os modelos aplicados, ou construídos, com seus limites de aplicabilidade e os dados utilizados. É sempre bom que se tenha uma comparação dosresultados dos modelos com observações do mundo real. RESULTADOS E DISCUSSÕES Nos tópicos resultados e discussões devem ser apresentados os resultados dos experimentos. Nessa seção, podem aparecer tabelas e resultados numéricos, uma vez que representa a etapa na qual se realiza uma análise crítica e comparam-se os resultados pelo autor com aqueles de outros pesquisadores. É importante fazer uma análise das restrições de aplicabilidade. CONCLUSÕES As conclusões devem ser uma síntese das análises apresentados na seção de resultados. Dessa forma, ela não deve apresentar nada de novo que não haja sido defendido e mostrado nas seções anteriores, tampouco coisas óbvias de conhecimento comum. Precisam, portanto, ser enunciadas claramente e cobrir: o que o trabalho descrito no artigo conseguiu e qual a sua relevância; as limitações dos resultados (região de aplicabilidade); se for o caso, as possíveis aplicações dos resultados obtidos na pesquisa. Em teses e dissertações, o capítulo de conclusões é, muitas vezes, complementado com algumas recomendações para futuros estudos na mesma temática. AGRADECIMENTOS No desenvolvimento da pesquisa normalmente os autores contaram com ajuda em atividades não ligadas ao núcleo da pesquisa, como desenhos, digitação, revisão etc. Também pode haver uma Modelos e Filosofia 28 instituição que financiou a pesquisa. Várias instituições requerem que sejam citadas como financiadora e que se coloque a referência ao número do projeto apoiado. REFERÊNCIAS Trata-se de uma lista dos livros, periódicos ou outros elementos bibliográficos que foram referenciados ao longo do artigo. Lembre-se que toda citação deve ser referenciada. No Brasil geralmente aplica-se a norma ABNT 6023 e a NBR 10520 para as citações e as referências. Em algumas universidades, há programas computacionais que facilitam a elaboração das citações e referências. Em periódicos internacionais há vários padrões. Você pode encontrá-los no portal do periódico onde pretende publicar SÍNTESE A formação do Engenheiro moderno, diante da vastidão de conhecimentos e de recursos tecnológicos sempre em evolução tem, em muitos casos, relegado os aspectos humanos. Contudo, nos tempos atuais os trabalhos importantes envolvem sistematicamente equipes multidisciplinares nas quais profissionais de diferentes formações devem conversar e chegarem a um entendimento para o bem do projeto. As visões e linguagem filosóficas ajudam muito nesse aspecto. A junção da Filosofia e a Engenharia, como primeiro capitulo de um livro de modelagem hidrológica, é uma inovação que se introduziu nesse livro. A elaboração de um artigo científico para divulgação e difusão dos resultados pode ser considerada como a última fase da pesquisa. Um roteiro de como organizar um artigo científico foi apresentado com o objetivo restrito a um capítulo introdutório. DICA: A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) disponibiliza um programa de auxílio a elaboração de citações e referências, no endereço eletrônico: REXLAB. Mecanismo online para referências. Disponível http://www.more.ufsc.br/ Modelos e Filosofia 29 A simulação e a modelagem hidrológicas podem ser pensadas como laboratórios de um mundo virtual. Uma boa estratégia, em um curso de modelagem, é deixar para os alunos, como tarefa, a realização de um experimento e elaboração dos resultados em forma de artigo científico. Os bons trabalhos podem ser publicados em congressos e, se for o caso, aperfeiçoados para publicação em periódicos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HENZ, Gilmar Paulo. Como aprimorar o formato de um artigo científico. Horticultura brasileira, Brasília, v. 21, n. 2, p. 145-148, jun. 2003. MAGEE, Bryan. História da Filosofia. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000. 240 p SINGH, Simon. O último teorema de Fermat. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. 324 p. E-REFERÊNCIAS CAPES. História e missão. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/sobre-a- capes/historia-e-missao>. Acesso em 10 set. 2009. REXLAB. Mecanismo online para referências. Disponível em: <http://www.rexlab.ufsc.br:8080/>. Acesso em 10 set. 2009. http://www.rexlab.ufsc.br:8080/ ______________________________________CAPÍTULO 2 Tudo deve ser tornado o mais simples possível, porém, não mais simples do que isso. Albert Einstein SISTEMAS, MODELOS E SIMULAÇÃO INTRODUÇÃO A formulação de um bom texto, científico ou técnico, além do conhecimento do problema e das ferramentas disponíveis para solucioná- lo, requer a definição dos termos usados nas descrições e nas argumentações. Muitas vezes, na vida real, presenciamos discussões nas quais os atores aparentemente estão divergentes, mas, na verdade, estão partindo de conceitos e definições diferentes. Assim, em um curso de simulação hidrológica é fundamental definir bem os termos que serão aplicados para proporcionar unidade de interpretação. Nessa linha, muitos filósofos se dedicaram a estudar e propor critérios para elaborar uma boa definição. Iniciamos o capítulo apresentando as regras para definir, as quais devem auxiliar pesquisadores e estudantes na elaboração de seus relatórios, dissertações, teses e artigos científicos. Em seguida, apresentamos um conjunto de definições de autores clássicos em análise de sistemas e modelagem de recursos hídricos. REGRAS PARA BEM DEFINIR Como você sabe, há boas e más filosofias, como há bons e maus modelos. Há, também, bons filósofos e bons modelistas: o segredo de ambos é a aplicação da filosofia ou do modelo certo para a situação certa. Sistemas, modelos e simulação 31 Segundo Severino (1990, p. 146), pode-se dizer que o conhecimento humano inicia-se com a formação de conceitos, definido por ele como: “a imagem mental por meio da qual se representa um objeto, sinal imediato do objeto representado. O conceito garante uma referência direta ao objeto real.” Os conceitos são passados para os leitores na expressão lingüística por meio de termos ou palavras. Compreendê-los, ou fazê-los ser compreendidos, faz parte do dia a dia do profissional de modelagem ao descrever um modelo criado ou, simplesmente, ao escrever um relatório. A definição é a forma de representar em palavras a conceitualização de um objeto ou de processo mais elementar. Assim, saber definir é importante para formular questões em trabalhos científicos. Nesse contexto, muitos pensadores dedicaram esforços para estabelecer regras para bem definir. Vamos citar dois deles, Blaise Pascal e Cariosi. Pascal (2000), autor dos princípios da hidrostática, formulou as seguintes regras: não deixar qualquer idéia obscura sem definir; empregar na definição apenas termos suficientemente claros por si próprios ou já definidos anteriormente; não empregar na definição a palavra que se quer definir; nunca pretender definir tudo. Por sua vez Cariosi (citado por RUDIO, 1989, p. 26) propôs as seguintes regras: a definição deve ser conversível ao definido, isto é valer para todos os sujeitos que se incluam no âmbito; a definição deve ser clara; a definição deve ser breve. Somando-se as regras de Cariosi com as de Pascal formamos um conjunto que pode nos auxiliar a fazer boas definições em nossos artigos científicos. Sistemas, modelos e simulação 32 Podemos apresentar nossas definições e depois submetê-las a análise crítica segundo os critérios de nossos filósofos. Contudo, devemos fazer alguns testes (a prova da leitura ou profreading) para defendermos bem nossos trabalhos diante de uma assistência. A prova da leitura, habilidade de encontrar, se houver, erros em um texto escrito, é uma qualidade que se desenvolve com a prática. Nessa seção, apresentamos uma delimitação semântica dos principais termos associados à análise desistema. Vejamos agora as definições de númeno e fenômeno no dicionário Houaiss: “No kantismo a realidade tal como existe em si mesma, de forma independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o conhecimento humano; coisa-em-si, nômeno, noúmeno [Embora possa ser meramente pensado, por definição é um objeto incognoscível].” Por sua vez, fenômeno é definido no kantismo como “o objeto do conhecimento não em si mesmo, mas sempre na relação que estabelece com o sujeito humano que o conhece, e, portanto captado segundo a Uma estória de definição Conta-se que grandes filósofos gregos, reunidos na Academia, buscavam encontrar uma definição para o ser humano. Aconteceram muitos debates e muitas proposições. Normalmente, as proposições caíam rapidamente desconstruídas por contra exemplos. Por fim, os filósofos ficaram satisfeitos com a seguinte definição: O homem é um bípede implume. Na reunião em que se preparavam a formalização e o referendo da definição, um gaiato de fora da academia, que soubera da história, depenou um galo e jogou aquele bípede implume no centro da sala onde os sábios estavam reunidos. A reunião foi prematuramente terminada e a decisão foi adiada por muitos e muitos anos. Sistemas, modelos e simulação 33 perspectiva das formas a priori de intuição (espaço e tempo) e categorias inatas do intelecto. ” SISTEMA Dooge (1973) propôs a seguinte definição para sistema: “É qualquer estrutura, esquema ou procedimento, real ou abstrato, que em um dado tempo de referência inter-relaciona-se com uma entrada, causa ou estímulo de energia ou informação e uma saída, efeito ou resposta de energia ou informação. ” Grigg e Labadie (1978, p. 1-3), propuseram: “sistema é um conjunto de componentes funcionais, os quais interagem de diversas maneiras. Os componentes recebem impulsos, reais ou supostos, e produzem respostas. O sistema pode ser real ou planejado. As interações entre os componentes podem ser físicas, econômicas ou sociais. ” Grigg (1996, p.14) nos deu uma definição voltada para um sistema de recursos hídricos. Para ele, um sistema de recursos hídricos é uma combinação de equipamentos (facilities) de controle de água e de elementos ambientais que trabalham em conjunto para chegar aos objetivos do gerenciamento dos recursos hídricos. Chow et al.(1988, p. 7) definiram um sistema hidrológico como uma estrutura ou volume no espaço, limitado por uma fronteira que aceita água e outras entradas, opera-as internamente e produz respostas ou saídas. De um modo geral, as definições são próximas e podem ser sintetizadas em: um sistema é uma estrutura formada por vários componentes que interagem entre si, recebem impulsos, efetuam transformações e emitem respostas. Vamos agora dois exemplos. Um reservatório superficial pode ser visto como um sistema que transporta água no tempo. É uma estrutura hidráulica formada por vários componentes (barragem, vertedouro, tomada de água etc.) que interagem entre si, recebem impulsos (precipitação pluvial, deflúvios), efetuam transformações e emitem respostas (vazão regularizada, vertimentos e perdas por evaporação). Em resumo, é um sistema que transporta água ao longo do tempo para transformar os padrões aleatórios providos pela natureza aos padrões de consumo da sociedade. Por sua vez, ao se ocupar uma bacia hidrográfica com equipamentos urbanos as consequências são: diminuir a infiltração no Sistemas, modelos e simulação 34 solo, aumentar o volume de escoamento superficial, aumentar o pico de cheia e reduzir as águas subterrâneas. Para mitigar esses impactos a sociedade constrói os sistemas de drenagem de águas pluviais, ou sistema de drenagem de águas urbanas. O sistema de drenagem é formado por vários componentes (vias urbanas, sarjetas, bocas de lobo, galerias, canais de macrodrenagem) que interagem entre si, recebem impulsos (chuvas), executam transformações (as águas precipitadas transformam-se em escoamentos que são conduzidos nas estruturas) e emitem respostas (níveis de cheias e vazões para receptor externo ao sistema). A função desse sistema é evitar que os efeitos negativos provocados pela urbanização atinjam as populações. FIGURA 2.1 – Representação esquemática de um reservatório funcionando como um sistema que transporta água no tempo. FIGURA 2.2 - Representação esquemática do impacto do sistema urbano no hidrograma. O sistema de drenagem urbana evita que os impactos do sistema urbano atinjam as pessoas e bens materiais. Sistemas, modelos e simulação 35 MODELO Um modelo pode ser definido como conjunto de hipóteses sobre a estrutura ou o comportamento de um sistema físico pelo qual se procura explicar ou prever, dentro de uma teoria científica, as propriedades de um sistema. Em sentido mais amplo, o modelo é a conceitualização do sistema, a qual preserva as principais características do sistema sem, necessariamente, preservar todas as características. A construção de um modelo apropriado para resolver, ou dar elementos para solucionar um determinado problema de gerenciamento, é um dos principais desafios da análise de sistema. Grigg e Labadie (op.cit., p.1-6) consideram que esse desafio decorre dos seguintes fatos: entendimento incompleto de como um sistema funciona, tal como os fatos complexos nos processos chuva x deflúvio; a influência de fatos altamente variáveis e “imprevisíveis” tais como chuva e deflúvio; limitações na capacidade computacional (Fenômenos atmosféricos – Teoria do Caos); limitações na capacidade e especialidade dos recursos humanos; tempo limitado (ultra limitado em alguns casos) para desenvolver o estudo. Para Odum (1971) um modelo é um conjunto de equações e procedimentos que podem ser reunidos em quatro grupos: forçantes (ou impulsos), estado, transferência e parâmetros. As forçantes formam as entradas no modelo. Afetam o sistema (variáveis de entrada e de transferência). Podem, ou não, ser por elas afetadas. Nos modelos de bacias hidrográficas as variáveis de entrada são as precipitações e as afluências superficiais e subterrâneas, de fora do sistema em análise. Nos modelos de circulação global (GCM- Global Circulation Model), as temperaturas das superfícies dos oceanos constituem-se em forçantes. Elas interferem significativamente nas trocas de energia que ocorrem no sistema. Ao mesmo tempo, as circulações que ocorrem no sistema atuam modificando as temperaturas dos oceanos. Os modelos podem considerar, ou não, essas mudanças nas forçantes. As equações de estado são relacionadas às variáveis de estado do sistema. Por exemplo, no sistema bacia hidrográfica as variáveis de estado são os volumes de água armazenados nos reservatórios e nos Sistemas, modelos e simulação 36 solos. No sistema atmosfera, nos modelos de circulação global, o teor de umidade na atmosfera é uma variável de estado. As equações de transferência buscam representar os processos que ocorrem no sistema. Em uma bacia hidrográfica, o processo de infiltração no solo pode ser representado por equações como Horton, Philip, Green-Ampt. Nos modelos de circulação atmosféricas a equação de Saint-Venant representa os processos de transferência entre os fluidos no sistema. Os parâmetros são as constantes das equações ou grandezas associadas a características físicas dos sistemas, como por exemplo, a área de uma bacia hidrográfica. Cabem aqui algumas definições no contexto das ciências empíricas. Fenômeno: É um processo físico que produz alteração no estado do sistema. Por exemplo, a precipitação pluvial, o escoamento dos rios, a evaporação, etc., Variável: É uma palavra que se refere a um determinado fenômeno que pode ser descrito quantitativamente, o qual pode variar ao longo do tempo e do espaço. O total de chuvas emum determinado local em um dado ano é um exemplo de variável. Assim, o fenômeno é a chuva, o total de chuva em um dado ano é a variável e, por exemplo, 560mm é o valor da variável medida no ano de 2006. No sistema bacia hidrográfica a variável chuva está no grupo das forçantes enquanto que no modelo CGM a precipitação é um processo que ocorre no sistema. Parâmetro: É um valor característico do sistema. Por exemplo, a área de uma bacia hidrográfica, o percentual de área impermeável em uma dada bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica é um componente do sistema; a área da bacia hidrográfica, por exemplo, 500km2 é um parâmetro. A formulação de um modelo Na seção anterior vimos, em uma abordagem mais geral, as etapas de atividades necessárias para realizar a simulação de um sistema. O âmago da formulação de um modelo de simulação, ou de reprodução do comportamento de um sistema, é conseguir a máxima simplicidade consistente com o grau de detalhe e a acurácia desejados e compatíveis com os objetivos dos estudos (JAMES, 1993, p.1). Sistemas, modelos e simulação 37 A formulação do processo de modelagem e simulação pode ser sintetizada nas etapas apresentadas a seguir: FORMULAÇÃO DOS OBJETIVOS Essa etapa deve ser elaborada com muita clareza e objetividade. A falta desses atributos pode levar a produção de modelos que não atendem aos objetivos desejados. Ademais, o estabelecimento preciso das respostas quantitativas desejadas simplifica consideravelmente as etapas seguintes da formulação. Cuidados especiais são necessários para adaptar modelos existentes incompatíveis com os objetivos do modelo em desenvolvimento. REVISÃO DOS CONCEITOS TEÓRICOS Sempre há na literatura estudos anteriores com tentativas de elaborar modelos e conceitos para condições práticas semelhantes. Então antes de desenvolver o modelo devem ser analisados conceitos e estudos anteriores já estabelecidos. FORMULAÇÃO DO MODELO Essa etapa envolve uma decisão sobre o tipo de modelo o qual pode ser determinístico ou estocástico, transiente ou de equilíbrio, etc. Devem ser avaliados os processos e fenômenos a simular. Devem ser evitadas complicações, como o detalhamento excessivo, eliminando-se relações que não interferem significativamente nos resultados. Vale a pena avaliar modelos alternativos antes de tomar a decisão final. Nessa etapa é importante que se faça um diagrama conceitual. CRIAÇÃO DA ESTRUTURA DO MODELO Essa é uma etapa difícil no processo de formulação dos modelos, especialmente para modelos complexos. Geralmente, é recomendado iniciar identificando as grandes subdivisões do modelo e prosseguir colocando-as em forma de diagrama. Esse procedimento permite estabelecer o fluxo de informações e facilita sub-rotinas individuais que podem ser desenvolvidas e testadas separadamente. Essa técnica também permite criar um modelo mais versátil que pode ser modificado e adaptado futuramente para condições semelhantes. Sistemas, modelos e simulação 38 FORMULAÇÃO DAS EQUAÇÕES Baseado nas revisões conceituais e na estrutura do modelo é possível estabelecer as relações para representar os fenômenos e processos envolvidos no sistema. A colocação de uma hierarquia nos processos permite: uma melhor visualização, o estabelecimento das relações primárias e secundárias e a seleção das equações mais apropriadas. A coleta preliminar de alguns dados pode ser conveniente para direcionar a escolha das equações. Uma vez que as equações hajam sido estabelecidas é possível subdividir o fluxo das informações dentro de cada subdivisão do modelo. FORMULAÇÃO DOS MÉTODOS DE SOLUÇÃO Na prática, em poucos casos é possível resolver as equações diferenciais analiticamente, mas na maioria das vezes aplicam-se métodos numéricos para resolvê-las. A escolha do método ou da técnica numérica apropriada é crucial para estabilidade numérica, para acurácia e para minimizar os esforços computacionais. DESENVOLVIMENTO DOS PROGRAMAS COMPUTACIONAIS Para os modelos mais complexos é indispensável que se desenvolvam programas computacionais que permitam, em tempo razoável, realizar simulações do sistema para diferentes cenários de impulsos (climáticos) ou para diferentes regras de operação do sistema. Há muitas linguagens disponíveis como Pascal, FORTRAN, Visual Basic, Delphi e JAVA. A linguagem FORTRAN foi muito usada nas décadas de 1960, 1970 e 1980 quando foi desenvolvido um grande número de programas para solução de problemas de hidrologia e hidráulica. Nas décadas de 1990 e atual, as linguagens com recursos gráficos para uma interface com os usuários passaram a ser preferidas. Porém, em muitos programas, os cálculos básicos e fundamentais continuaram em FORTRAN. As interfaces com os usuários passaram a ser feitas com linguagens como a DELPHI ou JAVA. CALIBRAÇÃO E VALIDAÇÃO Essa etapa é feita já na execução do modelo. A calibração consiste em selecionar um período com existência de dados observados e procurar qual o conjunto de parâmetros que melhor ajustam os resultados Sistemas, modelos e simulação 39 observados com os resultados do modelo. Como na calibração o modelo guarda na memória os parâmetros e os resultados, recomenda-se fazer a validação. Nessa fase, usa-se um período diferente do utilizado na calibração para verificar os parâmetros e o modelo. Muitas vezes recomenda-se alternar os períodos de validação e calibração. Qual desses períodos seria utilizado para selecionar os parâmetros: o de melhor calibração? Ou, de melhor validação? Essa decisão fica a critério do modelista. ANÁLISE DE SENSIBILIDADE A análise de sensibilidade consiste em fazer pequenas variações em alguns parâmetros do modelo e verificar o quanto as respostas do sistema são sensíveis a essas variações. Se os resultados variam pouco com um parâmetro, diz-se que o modelo é robusto nesse parâmetro. Se o resultado varia muito com pequenas variações do parâmetro diz-se que o modelo é sensível a esse parâmetro. O modelista deve ter cuidados especiais com parâmetros sensíveis. É bom também que se examine o sistema real para avaliar se essas sensibilidades são, ou não, artificialmente colocadas pelo modelo. A classificação dos modelos Segundo a maneira como são elaborados, os modelos podem ser classificados em: 1) físicos, 2) analógicos e 3) matemáticos. Os modelos físicos são os que representam o sistema por uma estrutura menor (modelo reduzido), a qual tem comportamento semelhante à estrutura em análise (sistema). A escala do modelo é feita em termos de adimensionais importantes ao fenômeno. Por exemplo, em estruturas com escoamento turbulento, o modelo reduzido dever preservar o Número de Froude da estrutura, enquanto que em estruturas com escoamento laminar deve ser preservado o Número de Reynolds. Até alguns anos passados, os grandes vertedouros, com estruturas complexas, eram dimensionados por modelos reduzidos. Exemplos, os vertedouros das barragens de Sobradinho rio São Francisco e de Itaipu no rio Paraná, o do açude Orós no Ceará, foram estudados e dimensionados com modelos reduzidos. No Brasil, os grandes centros desse tipo de modelagem são o Centro Tecnológico de Hidráulica da USP Sistemas, modelos e simulação 40 (CTH) e a UFPR (CEPHAR hoje LACTEC). Hoje, muitas vezes os modelos reduzidos são aplicados para gerarem o conhecimento em determinados processos hidráulicos e a partir desses conhecimentos melhorarem os modelos matemáticos. Na engenharia aeronáutica, os projetos de aviões eram quase que exclusivamente modelados em túneis de vento. Embora esses modelos ainda sejam muito usados, também nesse campo, a modelagem matemática ganhou espaço. Os modelos analógicos utilizam analogias entre equações que regem fenômenos diferentes. Por exemplo: circuitos hidráulicos e circuitoselétricos (esses são mais simples e de menor custo). São pouco usados nos dias atuais. Os modelos matemáticos representam a natureza do sistema por meio de equações matemáticas que regem os processos no sistema. São os mais utilizados hoje em dia em função do aumento da capacidade e da velocidade dos computadores, dos avanços científicos e do baixo custo. Esses modelos são os mais aplicados na Engenharia. A aceitação dos mesmos decorre do baixo custo, da versatilidade e da praticidade. Há também muitos modelos, com sistemas complexos, como bacias hidrográficas que só podem ser simulados por modelos matemáticos. Os modelos matemáticos podem ser agrupados em várias classes: segundo o tipo de variável: determinísticos e probabilísticos; segundo as relações espaciais: concentrados ou distribuídos; segundo as relações temporais: estáticos ou dinâmicos; segundo a escala de dados: estáticos e dinâmicos. Os atributos dos modelos matemáticos Os modelos matemáticos têm atributos, qualidades e defeitos, que precisam ser conhecidos para atender os objetivos e limitações do estudo para o qual será elaborado. Para muitos problemas práticos, já existem programas computacionais prontos e disponíveis (pagos ou livres) que podem ser aplicados. Em outros casos é necessário que se desenvolva um modelo específico para o problema. Sistemas, modelos e simulação 41 Para selecionar o modelo, ou para desenvolvê-lo, é importante que sejam conhecidos os atributos dos mesmos, como: a memória, a linearidade e a parcimônia dos parâmetros. A MEMÓRIA A memória é o estado de tempo no passado durante o qual a entrada afeta o estado presente do sistema (DOOGE, 1973). Memória zero significa que a entrada afeta o sistema somente no momento em que ocorreu. Memória infinita significa que o estado do sistema depende de todo o seu passado. Seja o sistema uma bacia hidrográfica onde ocorrem precipitações em forma de neve. Qual a memória do sistema para a ocorrência de um total de neve em um determinado ano? Se em um dado ano, há muita precipitação nival, formam-se pacotes de neve que vão contribuir com as vazões no ano seguinte. Esse Considere agora o sistema como sendo uma bacia do interior do Ceará, assente sobre solo cristalino. Para a chuva anual e a resposta do volume escoado na bacia hidrográfica, qual a memória do sistema? Nesse caso, uma longa estação de estiagem, com alta taxa evaporação, acaba com a memória do sistema. A memória de uma bacia hidrográfica é o tempo mais longo que a água, após precipitar, leva para infiltrar, percolar subterraneamente, até atingir o exutório da bacia, A LINEARIDADE Significa que o sistema obedece ao princípio da superposição. Isto é, se uma causa c1 gera um resultado r1 e uma causa c2 gera um resultado r2, então uma causa c1+c2 gera um resultado r1+r2. Da mesma maneira, uma causa k.c1 gera uma resposta k.r1 Considere uma bacia hidrográfica (sistema) que recebe uma determinada chuva (impulso) e gera como efeito uma vazão efluente (resposta). Pergunta-se: Nesse sistema é estritamente válida a propriedade da linearidade? Os conceitos da hidráulica provam que não, porém, a prática da Engenharia diz que eles podem ser considerados com essa propriedade. O método do hidrograma unitário, apresentado nos próximos capítulos, tem muitas aplicações em modelagem hidrológica e é um modelo linear. Sistemas, modelos e simulação 42 A PARCIMÔNIA DOS PARÂMETROS O número de parâmetros de um determinado modelo não deve ser demasiadamente pequeno para não comprometer a qualidade dos resultados, porém não deve ser muito grande de maneira a comprometer a qualidade das extrapolações. De fato, a lei da parcimônia dos parâmetros já foi explicitada no século XIV pelo filósofo Guilherme de Ockham que defendia a tese que “Entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade. ” O ajustamento de uma série de tamanho n a um polinômio de ordem n dá um ajuste matemático perfeito. Esse modelo pode ser usado para interpolações, porém, para extrapolações é um desastre. Tudo, entretanto, é uma questão de bom senso. A simplicidade é sempre uma boa característica. Ela é a qualidade do que é simples, do que não apresenta dificuldade, enquanto que o simplismo é o vício de raciocínio de deixar de considerar elementos necessários à solução do problema. A navalha de Ockham O princípio da parcimônia, também conhecido entre os filósofos como a navalha de Ockham tem a seguinte formulação: “As entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade. ” (Entia non sunt multiplicanda praeter necessitate). Para Bizarro (2009), o princípio da parcimônia pode ser considerado como ontológico ou metodológico. Como princípio ontológico ele nos diz que devemos acreditar no menor número possível de tipos de objetos. Como princípio metodológico, diz-nos que para explicar qualquer fato, devemos apelar ao menor número possível de fatores. Para Popper (1972, p.155), considera que sua teoria mostra porque a simplicidade é tão altamente desejável. Para ele, os enunciados simples são mais desejáveis do que os menos simples porque “eles nos dizem mais, porque encerram um conteúdo empírico maior, e porque são suscetíveis de testes mais rigorosos.” Sistemas, modelos e simulação 43 As características de um bom modelo Uma das preocupações dos modelistas é construir um bom modelo dentro dos objetivos e recursos disponíveis no projeto em que está engajado. Surge então a pergunta: O que é um bom modelo? Os fatores a considerar na classificação de um bom modelo são produção, sem viezes, das grandezas estudadas; balanceamento esforço computacional x precisão; legibilidade por terceiros. Grau de complexidade. Reconhecer um bom modelo e saber selecionar o adequado para o estudo é um desafio e uma habilidade que se adquire com a prática e com os conhecimentos teóricos. SIMULAÇÃO Simular um sistema consiste em avaliar qual teria sido o comportamento do mesmo se determinadas regras de operação houvessem sido obedecidas, e certos impulsos houvessem ocorrido. O termo simulação, no sentido mais técnico, é usado para descrever o comportamento de um sistema representado por semelhanças com outros sistemas (modelos analógicos) ou equações matemáticas (modelos matemáticos). Para realizar a simulação de um sistema, pode-se pensar na seguinte sequência de atividades: conceitua-se o sistema; elabora-se o modelo que, por equações, representa o funcionamento do sistema; formulam-se as condições de contorno e os impulsos para os quais se pretende avaliar o comportamento do sistema; simula-se o modelo, isto é, calculam-se as equações que fornecem as respostas produzidas pelo modelo. A operação simulada de reservatórios constitui-se em exemplo da aplicação de técnicas de simulação. Utiliza-se uma série histórica de vazões afluentes e outras variáveis, elaboram-se regras de operação, usa- se a equação da continuidade e verifica-se como o reservatório teria se Sistemas, modelos e simulação 44 comportado se aquelas regras houvessem sido obedecidas. Nesse caso, simula-se o passado para decidir o futuro. ANÁLISE DE SISTEMAS É um enfoque racional para permitir decisões de gerenciamento baseadas em uma organização sistemática das informações relevantes. O processo de resolução de um problema por análise de sistemas é executado nas seguintes etapas: identificar e definir o problema que se quer resolver; identificar e delimitar o sistema a analisar e reunir as informações relevantes; definir metas e objetivos; definir indicadores quantitativos para avaliar quão bem uma solução alternativa atende os objetivos procurados; gerar alternativas viáveis que atendam às limitações físicas, sociais, políticas, econômicas e morais nosistema e em seu gerenciamento; avaliar e selecionar a melhor alternativa possível, dentro das limitações de orçamento, mão de obra, tempo etc.. rever, atualizar e retroalimentar o sistema para assegurar que os objetivos originais são atendidos. Termos associados à análise de sistemas A análise de sistemas utiliza diversas técnicas computacionais associadas, geralmente, com metodologias de análise econômicas e financeiras para avaliação de um determinado projeto. otimização; simulação; modelagem; efetividade de custo; análise benefício custo; orçamento de programas. Esses termos são comentados a seguir. Sistemas, modelos e simulação 45 OTIMIZAÇÃO. Em um problema de otimização, busca-se maximizar ou minimizar uma dada quantidade, chamada função objetivo, a qual depende de um número finito de variáveis, as quais podem ser independentes entre si, ou podem ser relacionadas a uma ou mais restrições. Um exemplo de problema de otimização é apresentado na seguinte notação matemática: 𝑀𝑎𝑥𝑖𝑚𝑖𝑧𝑒 𝑧 = 𝑥2 + 𝑦2 𝑠𝑢𝑗𝑒𝑖𝑡𝑜 𝑎: 𝑥 + 𝑦 ≤ 10 O problema acima é de otimizar o objetivo z, com variáveis de entrada x e y, sujeitas às restrições da soma ser menor ou igual a 10. Há várias técnicas de resolução de problemas de otimização tais como: programação matemática, programação linear, programação inteira, programação quadrática, programação dinâmica, algoritmos de rede e outras. O dimensionamento do diâmetro de uma adutora para conduzir água desde uma fonte (ponto de captação) até um reservatório de distribuição é um dos problemas clássicos de otimização. Quanto menor o diâmetro, menor o custo da tubulação, porém maiores os custos com energia elétrica para conduzir a água. Na prática, esse conflito é resolvido achando-se o diâmetro da tubulação que minimiza o valor dos custos de capital (construção da adutora) mais os custos anuais de operação e manutenção da adutora, atualizados a uma determinada taxa de juro, para a vida útil do sistema. Esse é um problema de econometria. Em modelagem, é comum aplicar-se técnicas de otimização para encontrar os valores dos parâmetros do modelo que minimizam as diferenças entre os resultados do modelo e as observações do sistema real (valores medidos). O CUSTO-EFETIVIDADE Muitas vezes, na prática da Engenharia, tem-se um problema que se quer resolver de qualquer maneira. Isto é, está tomada a decisão política de resolver o problema e se deve procurar qual a melhor solução de Engenharia. Por exemplo, conduzir água para uma grande cidade que está ameaçada de um colapso no sistema de abastecimento. Não se pode Sistemas, modelos e simulação 46 pensar em deixar uma população de alguns milhões de pessoas sem água. Supondo-se que haja mais de uma solução viável, política e financeiramente, mesmo sem viabilidade econômica, a efetividade de custo possibilita justificar a opção de menor custo para atender aos objetivos do projeto. Muito associado à análise de efetividade de custo é a análise de custo incremental. Esta análise possibilita avaliar o custo incremental por uma unidade de benefício adicionada. Por exemplo, a capacidade de um reservatório pode ser determinada em função do custo incremental da seguinte maneira: cada incremento na capacidade do reservatório (ΔK) resulta em um aumento da vazão regularizada (ΔM) e um incremento no custo (ΔC). Assim, o custo da unidade de água adicionada ao sistema é igual a ΔC/ΔM. O decisor pode estabelecer um valor máximo que está disposto a pagar pelo ganho em vazão regularizada. Pode se chegar a um ponto que trazer água de outra fonte é mais econômico. ANÁLISE BENEFÍCIO-CUSTO Esse é um critério de agrado dos organismos financeiros e de planejamento econômico. Consiste em quantificar monetariamente todos O Canal do Trabalhador no Ceará Um exemplo de decisão tomada sob o critério de efetividade de custo se deu em Fortaleza em 1993. A cidade estava à beira de um colapso de água, o que seria um desastre. O Governador do Estado solicitou às empresas de consultoria que apresentassem, em uma semana, propostas para resolver o problema em 90 dias. Várias empresas se organizaram e apresentaram duas propostas em uma seção aberta a um público técnico selecionado. A primeira proposta foi construir uma adução, com um trecho em adutoras e outro em canal. Uma segunda alternativa consistiu em construir um canal com manta asfáltica trazendo as águas do rio Jaguaribe para Fortaleza. Essa segunda opção foi a selecionada na discussão e, em seguida, referendada pelo próprio Governador. O Canal, mesmo com alguns contratemos, foi concluído em cerca de 120 dias e evitou o colapso em água da cidade. Sistemas, modelos e simulação 47 os benefícios (B) e todos os custos do projeto (C), utilizando técnicas de econometria para colocá-los todos em uma mesma base temporal (valor atual; valor futuro ou mensalidade). Em seguida calcula-se a relação B/C. Quanto maior o valor de B/C melhor o projeto; projeto com B/C menor do que um é inviável segundo esse critério. SÍNTESE Definir bem os termos em relatórios técnicos, em relatórios de pesquisas ou em artigos científicos é essencial para a boa leitura do texto. Nesse capítulo, apresentamos regras para construir uma boa definição. A preocupação de definir bem está presente nos trabalhos do pensador Blaise Pascal e continua até os nossos dias em textos de epistemólogos. Essas regras, com análises e exemplos, podem ser encontradas em livros sobre metodologia científica. O capítulo apresenta ainda a delimitação semântica dos termos usados em análise de sistema e em simulação hidrológica. Os atributos de um bom modelo foram descritos. Aprendemos A parcimônia nos parâmetros de um modelo, uma das regras para construir um bom modelo foi herdada da filosofia do século XVI. A frase de Einstein, apresentada no início, é a mais brilhante síntese desse princípio. 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