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CONDUTAS VEDADAS EM ANO ELEITORAL AOS AGENTES PÚBLICOS SOBRE O AUTOR Igor Pereira Pinheiro Promotor de Justiça do MPCE, Especialista, Mestre e Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Coordenador das Pós-Graduações em Direito Político/Prática Eleitoral, Direito Administrativo e Compliance/ Repressão à Corrupção, todas da Faculdade CERS. Autor dos livros “Condutas Vedadas em Ano Eleitoral”; “Crimes Eleitorais e Conexos”; “Lei do Abuso de Autoridade Comentada”, “Lei Anticrime Comentada” e “Vade Mecum de Direito Anticorrupção Comentado”, todos pela Editora JH Mizuno. https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 3 1. Uso de Organização Comercial e Atividades Beneficientes para a Realização de Propaganda ou Aliciamento de Eleitores Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores: Pena - detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o responsável for candidato. BREVE INTRODUÇÃO AO TIPO: Tradicionalmente, um dos mecanis- mos mais utilizados por pré-candidatos, candidatos, partidos políticos e cabos eleitorais para obter vantagem ilícita na corrida pela vitória nas urnas ocorre por meio da distribuição gratuita ou qua- se não-onerosa (à preços módicos ou subvencionados) de benesses em geral (mercadorias, serviços ou prêmios), tudo como forma de aliciar eleitores, em es- pecial aqueles mais humildes. Trata-se de estratégia vil e que deve ser reprimida de maneira exemplar, uma vez que esse tipo de comportamento gera nos eleitores mais incautos uma mistura dos sentimento de gratidão1 e expectativa 1 Nesse mesmo sentido: “A distribuição de mercadorias e de prêmios pode gerar vínculo psicológico no eleitor para com o doador, de maneira a cercear a liberdade do primeiro de escolher livremente o candidato conforme seus próprios critérios e suas próprias convicções político-morais.” (GOMES, José Jairo. Op. cit. p.146). quanto à sua continuidade durante o man- dato político a ser exercido pelo candidato “benfeitor”. Ocorre que esses atos de “caridade política” (leia-se: cooptação eleitoral escu- sa), cuja frequência e intensidade aumen- tam em nível diretamente proporcional à proximidade do pleito eleitoral, podem ter também outro fim que não seja o de aliciar eleitores, mas, sim, o de promover politicamente determinado partido políti- co, pré-candidato ou candidato oficializa- do perante a Justiça Eleitoral. Quem conhece a realidade, sabe da proliferação de bingos, rifas, bolões, baza- res, ou qualquer evento assemelhado com os fins proibidos pelo tipo penal em estu- do, razão pela qual deve-se atentar para a circunstância de que esse delito pode ser praticado a qualquer momento, independentemente de ser ou não ano eleitoral.2 2 - CRIME ELEITORAL. DELITO PREVISTO NO ART. 334 DO CÓDIGO ELEITORAL. RÉU ABSOLVIDO POR SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. REFORMA DE SENTENÇA. 1 - O único objetivo visado pelo acusado na distribuição de cestas básicas foi a propaganda eleitoral, a fim de garantir sua permanência ad eternum no poder. 2 -É irrelevante a ocorrência ou não de pleito eleitoral. 3 - Comprovado está nos autos que o acusado vem praticando este crime eleitoral desde o ano de 1997 até março de 1999, o que subsume a figura penal da continuidade delitiva. 4 - Recurso conhecido e provido para reformar a sentença de primeiro grau. (TRE/ES, RECURSO CRIMINAL n 12, ACÓRDÃO n 100 de 17/09/2001, Relator(a) ALINALDO FARIA DE SOUZA, Relator(a) designado(a) MACÁRIO RAMOS JÚDICE NETO, Revisor(a) MAURÍLIO ALMEIDA DE ABREU, Publicação: DOE - https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 4 Nesse contexto, não se pode deixar de referenciar diversas práticas desse crime no ano de 2020, por efeito da pandemia da COVID-19, quando ges- tores públicos e outros pré-candidatos, supostamente “sensibilizados” com a grave crise sanitária e a queda no rendimento da população em geral, passaram a doar, mi- diaticamente, itens de higiene pessoal, de proteção individual ou de cestas básicas, com a vil estratégia de divulgação e gran- de promoção pessoal nas redes sociais, de natureza institucional ou mesmo particular. Em tais hipóteses, o dolo específico do tipo de aliciamento de eleitores está, em nosso sentir, plenamente caracterizado, devendo o Ministério Público Eleitoral, Polícia Federal e Justiça Eleitoral coibir, de maneira exemplar, práticas dessa natu- reza, pois violadoras, a um só tempo, da igualdade de oportunidades que o crime tutela, bem como indiciária, no campo cível, da conduta vedada do artigo 73, IV e §10 c/c artigo 74 da Lei n°9.504/97 e do abuso de poder econômico e político (no casos dos gestores), sem embargo do desprezível comportamento imoral de al- guém tentar tirar proveito eleitoreiro de uma dramática situação que atinge a to- dos, em especial os os de maior vulnera- bilidade social. Nesse contexto, portanto, de salvaguar- da do processo eleitoral contra o abuso do poder econômico é que foi concebido Diário Oficial do Estado do Espírito Santo, Data 22/10/2001, Página 104). o presente tipo penal (com quatro mo- dalidades delituosas), que não é o único mecanismo da legislação eleitoral a punir essas lastimáveis práticas do cenário polí- tico-partidário brasileiro3. BEM JURÍDICO TUTELADO: O tipo penal em análise tutela dois bens jurídicos eleitorais, a saber: a) a liber- dade do exercício do voto; b) a igualdade de oportunidades no pleito4. SUJEITOS DO CRIME: O crime em análise, que comporta quatro modalidades delituosas, pode ser próprio ou comum, a depender do caso concreto. Se a conduta for praticada por “organi- zação comercial de vendas”, que pressupõe a figura do empresário (de direito ou de fato, regular ou irregular), o crime será próprio, o que não ocorre nas ouras três hipóteses, conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE): 3 Não se deve esquecer que, além do artigo 334, do Código Eleitoral, a doação de bens pode configurar outros ilícitos eleitorais, a saber: a) crime de corrupção eleitoral estrito senso (artigo 299, CE); b)captação ilícita de sufrágio (artigo 41-A, da Lei nº9504/97); c) conduta vedada aos agentes públicos em ano eleitoral (artigo 73, IV ou artigo 73, §10, ambos da Lei nº9504/97); d) abuso de poder econômico, a ser reprimido via AIME ou AIJE; d) irregularidade administrativa na propaganda eleitoral ou gastos ilícitos de campanha (artigo 39, §6º, da Lei nº9504/97). 4 TRE/MS, PROCESSOS E OUTROS FEITOS NAO ESPECIFICADOS n 4/98, Acórdão n 2898 de 02/07/1998, Relator(a) FERNANDO MAURO MOREIRA MARINHO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 07/07/1998, Página 38. https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 5 ------------------------------------------------------------------------------------- Crime Eleitoral. Propaganda ou aliciamento de eleitores - Artigo 334 do Código Eleitoral. Abrangência. O artigo 334 do Código Eleitoral encerra quatro tipos penais, todos ligados a uti- lização de meios objetivando a propaganda ou o aliciamento de eleitores: a) valer-se de orga- nização comercial de vendas; b) distribuir mer- cadorias; c) distribuir prêmios e d) proceder a sorteios. Os três últimos não pressupõem ne- cessariamente, o envolvimento de organização comercial de vendas, podendo resultar de ati- vidade desenvolvida por qualquer outra pessoa jurídica ou natural, como ocorre quando a dis- tribuição de mercadorias seja feita por entidade assistencial, colocando-se nas cestas a fotogra- fia de certo candidato. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 9607, Relator(a) Min. Marco Aurélio Mendes De Farias Mello, Publicação: DJ - Diá- rio de justiça, Data 09/08/1993,Página 15215). ------------------------------------------------------------------------------------- CONDUTAS: Como visto acima, o artigo 334 cri- minalizou 4 (quatro) condutas específicas bem delimitadas, a saber: 1 – Utilizar organização comercial de vendas, que significa usar, empregar, servir-se de sociedade empresarial ou dos seus serviços para os fins específicos de pro- paganda eleitoral (política, partidária e intra- partidária) ou o aliciamento de eleitores. Nesse sentido, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE/ MS) decidiu5 que essa modalidade resta 5 TRE/MS, RECURSO ORDINARIO n 1/98, Acórdão n 3410 de 25/05/1999, Relator(a) ANTONIO RIVALDO MENEZES DE ARAUJO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 27/05/1999, Página 44. caracterizada com “a propaganda eleitoral veiculada por cartazes referentes a festival musical, donde consta dados identificadores dos patrocinadores como sendo candidatos, que se beneficiam politicamente de tal vei- culação”. Outra hipótese factível de ocorrência diz respeito ao fato da “orga- nização comercial” realizar promoções ou “queimas” nos preços dos seus produtos, deixando bem claro que se trata de me- dida possível somente pelo empenho de determinado partido, pré-candidato ou candidato (nesse caso, a promoção é de fachada, pois os beneficiários pagam “por fora” ao empresário o valor correspon- dente aos descontos concedidos). 2 – Distribuir mercadorias, que tem o sentido de dar, doar, oferecer ou entregar bens materiais (como remédios, próteses, combustível, cestas básicas, cal- çados, material de construção ou de es- porte, produtos de beleza, roupas etc) com vistas a realização de propaganda eleitoral (política, partidária e intraparti- dária) ou o aliciamento de eleitores. É importante deixar registrado que nessa modalidade não há obrigatoriedade quanto à gratuidade na distribuição das mercadorias, uma vez que o legislador não fez esse tipo de restrição expressamente. Nesse tocante, aliás, cumpre lembrar o leitor de que a legislação eleitoral, quando quer registrar a gratuidade como funda- mental para a configuração de um ilícito deixa isso registrado sem dúvidas, como é o caso da conduta vedada prevista no artigo 73, §10, da Lei nº9504/97. https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 6 Assim, nesse caso, o importante é que a distribuição represente uma vantagem con- siderável para o beneficiário (não necessa- riamente a gratuidade – que é a regra geral, convenhamos), já que a finalidade é aliciar eleitores e não necessariamente comprar o seu voto (nesse caso, que configura o delito do artigo 299, a distribuição da mercadoria há de ser necessariamente gratuita e com o fim de obter voto ou abstenção). Citamos como exemplo de distribui- ção vantajosa (não-gratuita) interditada por esse tipo a subvenção parcial ou quase total dos produtos distribuídos em determinado evento, em que as pessoas a serem alicia- das apenas pagam uma “taxa” simbólica para cobrir os custos da segurança, energia, ou qualquer desculpa que seja dada. 3 – Distribuir prêmios, que tem o sentido de dar, doar, oferecer ou entre- gar dádivas, que podem ser bens materiais (como remédios, próteses, combustível, cestas básicas, calçados, material de cons- trução ou de esporte, produtos de bele- za, roupas etc) ou a prestação de serviços (corte de cabelo, procedimentos estéti- cos, dentários e de saúde em geral), tudo com vistas a realização de propaganda eleitoral (política, partidária e intraparti- dária) ou o aliciamento de eleitores. Nesse contexto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu6 que configura o crime do artigo 334, do Código Eleito- 6 Recurso Especial Eleitoral nº 16247, Relator(a) Min. José Eduardo Rangel De Alckmin, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 02/06/2000, Página 59. ral, “a distribuição de prêmios em festival musical patrocinado por candidatos com intuito de propaganda eleitoral”. É impor- tante deixar registrado, mais uma vez, que nessa modalidade não há obrigatoriedade quanto à gratuidade na distribuição dos prêmios, uma vez que o legislador não fez esse tipo de restrição expressamente. Nesse tocante, aliás, cumpre lembrar o leitor de que a legislação eleitoral, quando quer registrar a gratuidade como funda- mental para a configuração de um ilícito deixa isso registrado sem dúvidas, como é o caso da conduta vedada prevista no artigo 73, §10, da Lei nº9504/97, que fala exatamente da proibição da “distribuição gratuita de bens”. Assim, no caso do delito sob estudo, o importante é que a distribuição repre- sente uma vantagem considerável para o beneficiário (não necessariamente a gra- tuidade7 – que é a regra geral, convenha- mos), já que a finalidade é aliciar eleitores e não necessariamente comprar o seu voto (nesse caso, que configura o delito do artigo 299, a distribuição da mercado- ria há de ser necessariamente gratuita e com o fim de obter voto ou abstenção). 7 Caso bastante recorrente na prática é a distribuição de prêmios nos comícios eleitorais. Nesse sentido: Crime de aliciamento de eleitores mediante sorteio de bens valiosos (art. 334 do CE.) – acusação contra candidatos a prefeito municipal, vice e terceiros de terem sorteado brindes entre eleitores durante comício - denúncia recebida porque presentes os pressupostos a tanto necessários. (TRE/SP, RECURSO n 743, Acórdão n 133763 de 10/02/1999, Relator(a) Eduardo Bottallo, Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 25/02/1999). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 7 Citamos como exemplo de distribui- ção vantajosa, mas não-gratuita, interdita- da por esse tipo a cobrança de uma “taxa de administração ou de transporte” para o recebimento dos prêmios. 4 – Utilizar sorteios, que significa usar, empregar, servir-se de eventos de sorteamento de prêmios para os fins es- pecíficos de propaganda eleitoral (política, partidária e intrapartidária) ou o alicia- mento de eleitores. É importante deixar registrado, mais uma vez, que nessa modalidade não há obrigatoriedade quanto à gratuidade para participação dos sorteios ilícitos, uma vez que o legislador não fez esse tipo de res- trição expressamente. Nesse tocante, aliás, cumpre lembrar o leitor de que a legislação eleitoral, quando quer registrar a gratuidade como fundamental para a configuração de um ilícito deixa isso re- gistrado sem dúvidas, como é o caso da conduta vedada prevista no artigo 73, §10, da Lei nº9504/97. Assim, no caso do delito sob estudo, o importante é que ocorra o sorteio. Se pa- gou ou não, isso é indiferente para a tipici- dade (servindo apenas para análise quan- do da fixação da pena), já que a finalidade é aliciar eleitores e não necessariamente comprar o seu voto. Citamos como exemplo de distribui- ção vantajosa, mas não-gratuita, interdita- da por esse tipo a cobrança de uma “taxa de participação” módica ou simbólica para que a pessoa possa participar do sorteio de prêmios. Sobre essas quatro modalidades, deve-se atentar para o fato de que a tipicidade do aliciamento de eleitores está condicionada ao direcionamento a eleitores (no plural, portanto, mais de um)! TIPICIDADE SUBJETIVA: Todas as infrações penais eleitorais só comportam a sua prática na modalidade dolosa, motivo pelo qual inexiste crime eleitoral culposo. Essa regra é extraída a partir da consta- tação de que nas infrações penais eleitorais inexiste qualquer menção à possibilidade de sua prática na modalidade culposa, o que faz com que, por força do disposto no artigo 287 do Código Eleitoral, aplique-se o artigo 18, parágrafo único do Código Penal. É importante registrar que, nesse caso,há necessidade de comprovação do fim específico de realizar propaganda ou aliciar eleitores8, sob pena de atipi- cidade da conduta9 ou, até mesmo, 8 Recurso Criminal. Crime eleitoral. Utilização de organi- zação comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda e aliciamento de eleitores. Venda de rifas. Artigo 334 da Lei n. 4.737/65 do Código Eleitoral, na forma do artigo 71, caput, do Código Penal. Para a caracterização do crime pre- visto no art. 334 do Código Eleitoral, é necessária prova robusta do intuito de realizar propaganda eleitoral ou de aliciar eleitores. Na espécie, ausente prova segura da autoria do delito. O recorrente não se desincumbiu do ônus probante que lhe cabia. (TER/RS, Recurso Criminal n 5622, ACÓRDÃO de 09/10/2014, Relator(a) DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Publi- cação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 184, Data 13/10/2014, Página 2). 9 - RECURSO CRIMINAL - CANDIDATO A VEREA- DOR - DOAÇÃO DE PRÊMIO PARA SORTEIO - BI- https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 8 caracterização de outro delito, que pode ser autônomo10 ou em concurso material11. LHETE COM NOME DO CANDIDATO - PROPA- GANDA ELEITORAL - ALICIAMENTO DE ELEITOR - DOLO ESPECÍFICO - INEXISTÊNCIA - CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 334 DO CÓDIGO ELEITORAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - PROVIMENTO DO RE- CURSO. 1. Comporta o art. 334 do Código Eleitoral quatro tipos penais, mediante os quais, o agente, por sua livre e determinada vontade, age com o intuito de promover propaganda eleitoral ou aliciamento de elei- tores. 2. Não há do que se falar no crime contra a propaganda tipificado no art. 334 do CE, apesar de a conduta ter sido praticada em ano eleitoral, quando inexistem provas robustas capazes de comprovar que o agente atuou especificamente com dolo, objetivando angariar qualquer benesse de natureza eleitoral. 3. Recurso provido. (TRE/CE, RECURSO CRIMINAL n 11123, ACÓRDÃO n 11123 de 02/03/2009, Relator(a) HAROLDO CORREIA DE OLIVEIRA MÁXIMO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 51, Data 18/03/2009, Página 138/139). 10 RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. CRIME. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITO- RAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ELEMENTO SUBJE- TIVO DO TIPO. COMPROVAÇÃO. CONDUTA TÍPI- CA. 1. O crime de corrupção eleitoral ativa (art. 299 do CE) consuma-se com a promessa, doação ou ofereci- mento de bem, dinheiro ou qualquer outra vantagem com o propósito de obter voto ou conseguir abstenção. 2. No caso, o candidato a prefeito realizou aproximada- mente doze bingos em diversos bairros do município de Pedro Canário, distribuindo gratuitamente as cartelas e premiando os contemplados com bicicletas, televisões e aparelhos de DVD. 3. Ficou comprovado nas instâncias ordinárias que os eventos foram realizados pelo recor- rente com o dolo específico de obter votos. No caso, essa intenção ficou ainda mais evidente por ter o recor- rente discursado durante os bingos, fazendo referência direta à candidatura e pedindo votos aos presentes. 4. Recurso especial desprovido. (Recurso Especial Eleito- ral nº445480, Acórdão, Relator(a) Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 19/08/2011, Página 15/16). 11 “É possível o concurso material entre o delito de corrupção eleitoral tipificado no art. 299 do CE e o crime do art. 334 do CE, sobretudo quando este é CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: O tipo se consuma a partir do momen- to em que ocorre qualquer das condutas previstas no tipo, pouco importando se houve ou não aptidão para influenciar o cidadão no seu voto. Apenas nas modalidades de distribuir mercadorias e prêmios, faz-se necessária a efetiva entrega para a consumação, pois, impedida a tempo, haverá apenas tentativa. Nas outras duas hipóteses (utilizar or- ganização comercial e realizar sorteios), a simples conduta proibida consuma do delito. É exatamente por isso que não po- dem ocorrer os bingos e rifas com a finali- dade eleitoral12. Como se trata de crime plurissubsis- tente, admite-se a tentativa, como no caso de apreensão do material a ser utilizado para os fins proibidos pelo tipo penal em estudo. praticado sob a modalidade do aliciamento. É o caso, p. ex., em que o autor do delito organiza e dá publicidade de evento em que haverá distribuição de prêmios e, no momento em que os eleitores estão presentes, passa a oferecer dinheiro em troca do voto. Quando, porém, o crime deste art.334 do CE é cometido com a finalidade de propaganda eleitoral, torna-se mais tênue a distinção com a corrupção eleitoral. Parece coerente admitir que se os eleitores são expostos coletivamente à propaganda eleitoral, incide o art. 334; se existe abordagem direta, com pedido de votos, ainda que implícito, aplica-se o art. 299.” (MEDEIROS, Marcílio Nunes. Op. cit., p.669). 12 “Sob esse prisma, também são penalmente proscritos todos e quaisquer sorteios (ex. rifas, bingos) e a distribuição de prêmios, quando presente a finalidade específica de aliciamento do tipo penal.” (ZILIO, Rodrigo López. Op. cit.p.184). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 9 POSSIBILIDADE DE RESPONSA- BILIZAÇÃO PENAL DO DIRETÓRIO LOCAL DE PARTIDO POLÍTICO: O artigo 336, do Código Eleitoral, estabelece que “na sentença que julgar a ação penal pela infração de qualquer dos artigos. 322, 323, 324, 325, 326,328, 329, 331, 332, 333, 334 e 335, deve o juiz ve- rificar, de acordo com o seu livre conven- cimento, se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente”, de modo que, “nesse caso, imporá o juiz ao diretório responsável pena de suspensão de sua atividade eleito- ral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas reincidências.” Trata-se da responsabilidade penal do Diretório local do partido beneficiado com qualquer das condutas delituosas pratica- das por seus membros, cuja eficácia é ple- na à luz da atual Carta Política, desde que o ente partidário participe do processo judicial, isto é, seja denunciado ou chama- do ao processo no primeiro momento em que se verificar a possibilidade aplicação da sanção, haja vista a necessidade de respeito aos postulados constitucionais do contradi- tório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF/88). É importante salientar que, para a inci- dência dessa responsabilização penal das agremiações locais, é necessário compro- var sempre algum comportamento doloso (já que não existe crime eleitoral culposo) de um dos seus membros, que pode se dar com a realização de qualquer das con- dutas proibidas ou se agiu de forma a se beneficiar do ilícito. 2. Investigações Criminais “Guarda- -Chuvas” ou “Fishing Expedition” Sendo o inquérito policial uma ação ad- ministrativa do Estado, deve o mesmo ser conduzido à luz dos direitos e garantias fundamentais elencados no Texto Supremo e dos princípios (explícitos e implícitos) da Administração. Nesse sentido, só se justifica uma in- vestigação oficial quando há fato(s) su- postamente criminoso(s) a ser(em) apurado(s)13, sendo vedada a instauração de procedimentos abstratos e genéricos, que, via de regra, servem apenas para per- seguir pessoas. Infelizmente, ainda se vê muito na prá- tica os “inquéritos guarda-chuvas”, que são exatamente aqueles que possuem o objeto genérico e indeterminado. Trata- -se de expediente ilegal, conhecido na doutrina como “fishing expedition” ou “expedição de pesca”14: “Aplicando-se isso ao processo penal, tem-se que a fishig expedition é a conduta da autoridade que lança mão de um procedimento investigatório 13 Vide artigo 4°, do Código de Processo Penal: A políciajudiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. 14 ARAUJO, Fábio Roque e COSTA, Klaus Negri. Op. cit. P.175. https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 10 sem um objetivo certo ou delimitado, na espe- rança de que – com sorte – algo do interesse da investigação aparecerá. Pode ser um objeto de investigação ou mesmo uma pessoa. Não se sabe. Nas palavras de Ghizoni Silva, Melo e Silva e Morais da Rosa, define-se pesca probatória “como a apropriação de meios legais para, sem objetivo traçado, pescar qualquer espécie de evidência, tendo ou não relação com o caso concreto. Trata-se de uma investigação especu- lativa indiscriminada, sem objetivo certo ou de- clarado, que, de forma ampla e genérica, lança suas redes com a esperança de pescar qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação ou para tentar justificar uma ação já iniciada.” É de se destacar que o uso desse ex- pediente na área criminal15 revela indí- cio forte da prática do crime de abuso de autoridade previsto no artigo 27, da Lei n°13.869/201916, pois a forma como 15 No campo cível, não se pode falar de “fishing expe- dition” no caso de inquéritos civis públicos ou proce- dimentos administrativos que tratam da prevenção e repressão à ilícitos, uma vez que o Ministério Público tem o dever de zelar pela regularidade dos serviços públicos, o respeito às leis e, em especial, combater a corrupção, de modo que a sua lei orgânica autoriza, inclusive, a expedição de recomendações `as auto- ridades públicas e particulares com o fim de evitar ou sustar práticas ilícitas, sendo dominante o entendi- mento institucional a nível disciplicar que a expedição dessas recomendações só pode ocorrer no bojo de um procedimento prévio(vide artigo 27, parágrafo único, da Lei n°8.625/93). Ora, se ao Parquet defere- -se legalmente a possibilidade jurídica de recomen- dar a abstenção de determinados comportamentos ilegais, claro que não existe ilicitude na instauração de procedimentos voltados para esse fim e, se a pes- soa recomendada descumpre as mesmas, já existe fundamento para a continuidade do procedimento e ajuizamento das providências cabíveis. 16 Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar proce- dimento investigatório de infração penal ou adminis- se dá a operacionalização dessas investi- gações criminais genéricas aponta que o investigador quer coletar provas contra al- guém ou um grupo específico (elementar da satisfação pessoal exigida pelo artigo 1° do mesmo diploma legal), mesmo sem possuir qualquer indício, e tenta legitimar essa finalidade específica com discursos genéricos de “defesa da legalidade” etc. Em nosso sentir, não se aplica aqui a consagrada tese jurisprudencial de que as irregularidades cometidas no bojo de um inquérito não contaminam a ação penal17, pois estamos diante de um vício de trativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investiga- ção preliminar sumária, devidamente justificada. 17 HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E POS- SE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. IN- QUÉRITO POLICIAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA. NULIDADE. NÃO OCOR- RÊNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ILE- GALIDADE FLAGRANTE NÃO CONFIGURADA. 1. O inquérito policial, ou outro procedimento inves- tigatório, constitui peça meramente informativa, sem valor probatório, apenas servindo de suporte para a propositura da ação penal. Eventual vício ocorrido nessa fase não tem o condão de contaminar a ação penal, sendo que a plena defesa e o contraditório são reservados para o processo, quando há acusação for- malizada por meio da denúncia (RHC n. 19.543/DF, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 11/2/2008). 2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o processo penal é regido pelo princípio do pas de nullité sans grief e, por consectário, o reco- nhecimento de nulidade, ainda que absoluta, exige a demonstração do prejuízo (CPP, art. 563), o que não ocorreu na espécie (RHC n. 101.956/MG, Ministro Felix Fisher, Quinta Turma, DJe 3/10/2018). 3. Ao to- mar conhecimento das questões levantadas pela de- https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 11 origem que macula a própria finalidade do ato administrativo (sim, atos do inquérito policial possuem essa característica), cuja consequência é a sua nulidade ex tunc (vide artigo 2°, da Lei n°4.717/65), salvo se hou- ver outros elementos de prova coletados, que sejam independentes. Até porque não se trata de irregularidade, mas de crime! 3. Saiba Tudo Sobre Corrupção Eleitoral Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. BREVE INTRODUÇÃO AO TIPO: A corrupção eleitoral, infelizmente, é uma realidade marcante do processo elei- toral brasileiro, sendo eleitores e políticos recorrentes nessa prática criminosa. Estes se dizem “vítimas” daqueles, que suposta- mente se aproveitam do período eleitoral para “tirar alguma vantagem de quem só aparece de 4 em 4 anos”. fesa, o Magistrado abriu novamente o contraditório, dando oportunidade às partes para se manifestarem sobre o assunto. Assim, não há falar em violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 5. Or- dem denegada. (STJ, HC 410.942/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019). É uma simbiose criminosa, sem dúvi- das, mas de maior culpabilidade por par- te dos players da disputa eleitoral. Exigir consciência política e democrática de quem, muitas vezes, não sabe ler/escrever ou não tem o que comer no dia seguinte é ignorar a realidade dos fatos em um ro- mantismo ou garantismo inútil ao aperfei- çoamento de nossa democracia. A gravidade da corrupção eleitoral é severa para a legitimidade do processo de- mocrático e da classe política, uma vez que o povo não se vê representado de fato por quem ostenta essa qualidade formal. A cul- pa, como já dito, não é do eleitor, mas da classe política, que transformou o processo eleitoral em um “vale-tudo”, em que a única vergonha é a de perder. Raras são as exce- ções, infelizmente! Essa triste constatação é estimulada, em certa parte, pela ineficiência penal do artigo 299 do Código Eleitoral, que não pune exemplarmente quem comete um dos mais sérios atentados à higidez das eleições, colocando em xeque o próprio sistema democrático. Praticar “compra de votos” e ter a cer- teza de que, se for primário, poderá gozar dos benefícios da suspensão condicional do processo ou de eventual acordo de não persecução penal é uma das causas que levam cabos eleitorais e políticos a “investirem” nessa conduta, pois o custo benefício compensa. Ah, lembram daque- la célebre frase tupiniquim: “No Brasil, o crime compensa!”? Eis um exemplo claro. https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 12 Exatamente por isso, defendo que não são cabíveis, a priori, os institutos des- penalizadores da suspensão do pro- cesso ou do acordo de não persecu- ção penal para o crime de corrupçãoeleitoral, pois acordos extrapenais não possuem, diante de nossa realidade social, a aptidão para inibir novos comportamen- tos dessa natureza, pois o que se vê, no mundo real, é a sensação da mais absolu- ta impunidade. Ressalvo, porém, que, no caso do criminoso aceitar eventual condi- ção de renúncia a candidatura presente ou futura o acordo de não persecução seria cabível, pois teríamos, de fato, uma medi- da concreta, socialmente perceptível, de que o crime não compensou. Do contrá- rio, é quase um jogo de loteria que vale a pena o corruptor apostar, pois as chances dele ser flagrado duas vezes pelo mesmo crime é muito pequena. Pois bem, o que se espera de lege ferenda é uma punição exemplar para as condutas criminosas do artigo 299, tal como ocorre com o artigo 11, V, da Lei nº6091/74, em que só há uma pena: cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado pela conduta cri- minosa. Até lá, porém, cabe a todos exigir dos órgãos de fiscalização e do Poder Judi- ciário uma postura intransigente contra atos desse jaez, sendo medida de rigor a decretação da prisão preventiva (pelo menos até o dia da eleição) daqueles que forem flagrados praticando esse crime em concurso de crimes18. Essa é a única forma de tutelar a lisura eleitoral, bem jurídico de envergadura constitucional e pressu- posto para a legitimidade da democracia nacional. Cito, nessa linha, os seguintes pre- cedentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): ------------------------------------------------------------------------------------- 1 - “(...) Os requeridos, utilizando recursos públicos e outros de origem não identifica- da, praticaram vários crimes, prometendo e distribuindo dinheiro e diversos bens em troca de votos. Ora, não se pode desconsi- derar que esses atos foram praticados duran- te o período eleitoral. É preciso, pois, punir com rigor aqueles que pretendem ofender o sistema democrático, tencionando in- fluenciar, na livre vontade do eleitor e, em consequência, comprometer a legitimida- de do sufrágio. (...) Ademais, a garantia da ordem pública não é de ser entendida somen- te como medida abortiva de novos crimes que porventura possam os agentes praticarem mas também como elemento tranquilizador da so- ciedade, onde um crime de proporções sérias reverbera mais intensamente, preservando, da mesma forma, a credibilidade da Justiça, con- fiando-se ao Juiz do processo o cotejo destes questões, que é quem melhor pode sopesá-las. Em suma, as imputações que pesam con- tra os requeridos são gravíssimas e, por terem sido praticadas durante o período 18 “A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral entende que incide a regra do concurso formal impróprio quando o candidato, em conduta única, promete bem ou vantagem em troca de voto de dois ou mais eleitores, com desígnios autônomos.” (Recurso Especial Eleitoral nº 4210, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 23/10/2019). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 13 eleitoral, coloca os delitos, sob uma lente de aumento, pois as provas documentais e os conteúdos neles inseridos demonstram que os atos praticados visavam, claramente, a captação do voto dos eleitores. Outrossim, ao atingir a população mais carente, os requeridos atentaram contra a própria dignidade da pessoa humana, na medida em que a doa- ção ou promessa de doação de bens e ser- viços tais como os já demonstrados, gera um processo alienante e de dependência, excluindo as camadas menos favorecidas da sociedade do real conceito de cidadãos, conforme a fundamentação feita em brilhante voto do Excelentíssimo Membro desta Corte Juiz Federal Antônio Francisco do Nascimento, quando de sua passagem por esta Corte, com a propriedade que lhe é peculiar (Ac. TRE n°. 930/2006 de 14.12.2006). Lamentavelmente, ao contrário da campanha empreendida pelo Eg. Tribunal Superior Eleitoral na mí- dia nacional de que “o voto não tem preço, tem consequências”, verifica-se no presen- te caso que um voto pode valer dinheiro e diversos outros bens como material de construção, telhas e outros. (HC - Habeas Corpus nº 666 - tapauá/AM, Decisão Monocrá- tica de 19/11/2009, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES , Publicação:DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24/11/2009, Página 14-17) 2 – “Sustenta que alegação de que a prisão da paciente seria necessária para conveniência da instrução criminal tem por base mera suposição, visto que não foram apontados fatos concretos que demonstrem que ela poderá distorcer a prova já produzida. Nesse tocante, invoca os fundamentos apresentados em decisão limi- nar concedida nos autos do Habeas Corpus nº 92.914 pelo Ministro Marco Aurélio, no qual se assentou que, ¿ausente a coerência entre a fundamentação fática e o motivo legal invo- cado, há que se reconhecer que não subsiste motivação fática e legal para a manutenção do decreto de prisão” (fl. 22). Ressalta que a prova testemunhal já foi produzida pela Polícia Federal, o que equivaleria ao encerramento da instrução e afastaria o alegado risco de inter- ferência da paciente na instrução, devendo-se aplicar o disposto no art. 648, VI, do Código de Processo Penal. Argui que a autoridade coatora, com base em temor pessoal, está atribuindo à paciente uma capacidade que ela não possui, qual seja a de afetar a lisura do plei- to. Assevera que “a paciente está submetida a medida mais drástica do que enfrentaria no caso de oferecimento de denúncia ou mesmo ao final do processo” (fl. 25), visto que o crime a ela imputado, por prever pena máxima de quatro anos e não incluir, entre suas elementa- res, características relacionadas à violência ou grave ameaça, admite, em tese, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a suspensão condicional do processo. Requer o deferimento do pedido de liminar, a fim de que seja ordenada a ime- diata libertação de Ivanilde da Silva Serrador, com base no art. 5º, LXV, da Constituição Federal. Decido. No caso em exame, o Juiz Marcelo Nazur homologou o auto de prisão em flagrante e decretou a prisão preventiva da paciente, pelos seguintes fundamentos (fl. 29): Da análise das declarações das Testemunhas e das contradições da Indiciada na comparação de seu depoimento para com aquelas, con- cluo tratar-se a Indiciada de pessoa cuja convivência em sociedade neste período eleitoral é perigosa, colocando em ris- co a ordem pública com a devolução de sua liberdade ao promover a eleição de pessoas às custas de votos comprados e ao ser instigada e fortalecida esta práti- ca nojenta entre seus demais criminosos adeptos. Ademais, a soltura da Indiciada tam- bém abalará a credibilidade da Justiça junto aos cidadãos de bem que ainda acreditam na de- mocracia e na liberdade de expressão, pois se sentirão desestimulados a continuar obedien- tes ao ordenamento legal quando da notícia da https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 14 condescendência deste Poder para com aquela cidadã que pouco antes fora flagrada desafian- do a lei e difundindo o crime! Também é da conveniência da instrução criminal sua segregação cautelar, pois a Indiciada, am- parada nos seus mantenedores políticos, poderá exercer grande influência sobre as testemunhas, as quais certamente serão persuadidas a esconder a verdade acaso continue livre, diante das suas hipossufi- ciências financeira e material.Por sua vez, o juiz plantonista do Tribunal Regional Eleitoral do Roraima indeferiu o pedido de liminar em face da prisão preventiva (fls. 30-31): Exami- nando o teor da decisão do Juiz Marcelo Mazur (fls. 41 a 43), observo quea autoridade apon- tada como coatora assinala a existência de for- tes indícios de que a paciente teria cooptado eleitores em episódio de compra de votos. O magistrado apontou que tal conclusão decorre das declarações das testemunhas Sandro Al- meida Silva Figueiredo, Liana Joyce Andrade de Maios, Macedônia Pereira da Silva Souza. Cartegiane Ferreira Rocha da Silva Olenia Go- mes da Silva. Sidney da Silva e Tito Paulo da Sil- va, em que se evidencia que a paciente estava de posse de recibos, cadernos de anotações e placas de candidatos e entregou dinheiro para eleitores, havendo, em um juízo delibatório. indícios de corrupção eleitoral. Em face des- se contexto, tenho que a prisão preventiva está suficientemente fundamentada, sen- do evidente que a convivência da paciente em sociedade durante o período eleitoral ó perigosa e representa risco á lisura do pleito conforme assinalado pela autoridade impetrada à folha 43. Anoto que as questões suscitadas pelos impetrantes, a princípio não se afiguram suficientes para revogação do de- creto de prisão e serão oportunamente exa- minadas quando da análise do mérito do wril. Na espécie, tenho que a decretação da prisão preventiva está devidamente fundamentada, na medida em que o juízo eleitoral a entendeu recomendável, considerado o período eleito- ral em curso, o risco à ordem pública, além do que assinalou a necessidade de segregação, dada a conveniência da instrução criminal, “pois a Indiciada, amparada nos seus mantene- dores políticos poderá exercer grande influên- cia sobre as testemunhas, as quais certamente serão persuadidas a esconder a verdade caso continue livre” (fl. 29). Pelo exposto, indefiro o pedido de liminar. Solicitem-se informações à autoridade coatora. Após, vista ao Ministé- rio Público Eleitoral. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 21 de setembro de 2010. Ministro Ar- naldo Versiani Relator 2996-16.2010.600.0000 HC - Habeas Corpus nº 299616 - bonfim/RR Decisão Monocrática de 21/09/2010 ------------------------------------------------------------------------------------- Não se deve também ignorar que, na maioria das vezes, esse tipo de crime é praticado mediante crimes associa- tivos, que a despeito de exigirem esta- bilidade temporal para a sua caracteriza- ção (caso do artigo 288, do Código Penal ou do artigo 2°, da Lei n°13.850/2013), podem restar caracterizados mediante ação com unidade de desígnios por certo período do calendário eleitoral, não ne- cessitando que seja anterior ao mesmo e que se mantenha após o pleito. Trata-se de constatação para a qual os que investi- gam esse tipo de crime devem ficar aten- tos, até pela possibilidade de medidas importantes para a elucidação dos fatos, como prisão temporária (Lei n°7.960/89). Essa é a linha de pensamento seguida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): ------------------------------------------------------------------------------------- “Para a configuração do delito de associação criminosa (art. 288 do CP), é indispensável de- monstrar a estabilidade e a permanência do gru- po formado por três ou mais pessoas, além do https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 15 elemento subjetivo especial do tipo, consistente no ajuste prévio entre os membros com a finali- dade específica de cometer crimes. Na hipótese, as instâncias ordinárias, com base nas provas dos autos, concluíram que não se tratava de mero concurso eventual de agentes (art. 29 do CP), já que o vínculo entre os acusados era estável e permanente, com divisão de tarefas e papéis de- finidos, não sendo desprezível o tempo em que permaneceram associados - cerca de 1/3 de du- ração da campanha eleitoral -, havendo estrutura para o cometimento de grande número de ilíci- tos de corrupção eleitoral (art. 299 do CE) até a data do pleito.” (TSE, Agravo de Instrumento nº 71790, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 52, Data 17/03/2020, Página 24/25). ------------------------------------------------------------------------------------- Além disso, deve-se ressaltar que esse tipo de crime ocorre, muitas vezes, por meio de smartphones, motivo pelo qual as medidas de interceptação telefônica, quebra do sigilo telefônico mostram-se imprescindíveis para a completa elucida- ção dos fatos19, vez que impera, na sua execução, a “lei do silêncio” entre os en- volvidos. 19 “Atendeu-se no caso à norma de regência, pois o Parquet apontou indícios de prática de corrupção eleitoral e o esgotamento de outros meios de prova. Ademais, a imprescindibilidade da quebra é manifesta na espécie, em que se aponta que o aliciamento de eleitores ocorria principalmente por contatos telefônicos. Precedentes. Inexiste vício na quebra do sigilo telefônico com base na natureza e no modus operandi dos ilícitos, nos obstáculos que impedem esclarecer o crime por outros meios e na busca por medida eficaz que leve a concluir com sucesso as investigações iniciadas. Precedentes.” (TSE, Recurso em Habeas Corpus nº 060043866, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 86, Data 05/05/2020, Página 84-89). Isso sem prejuízo da medida de busca e apreensão, que traz à tona elementos que podem indicar beneficiários de entrega de bens ou dinheiro em troca de votos, recados, bilhetes, cartas, contas de água, luz e outros boletos dos eleitores, que en- tregam os mesmos com o fim de vê-los quitados, o que vai caracterizar, além do crime em tela, provas robustas para abuso de poder econômico e “caixa 2” (crime do artigo 350, do Código Eleitoral)20. 20 “5. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, o abuso de poder econômico ocorre pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura. Precedentes. 6. A Corte a quo concluiu que a elevada quantia de dinheiro apreendida em poder do segundo filho da Prefeita - omitida do ajuste contábil da campanha - fazia parte de esquema de compra de votos destinado a beneficiá-la, apto a desequilibrar o pleito. 7. No que toca ao flagrante, consignou ser inverossímil o argumento de que o filho não teria nada o que esconder, pois, ao ser abordado, retirou rapidamente as sacolas do carro e as jogou por cima do muro. 8. Quanto ao destino dos valores, o TRE/ TO ressaltou a inconsistência da alegação de que, do total, R$ 25.000,00 seriam para pagar honorários advocatícios, porquanto não veio aos autos sequer contrato com o profissional, que, por sua vez, declarou em juízo não ter recebido a importância. A dinâmica dos acontecimentos também remete à fragilidade da tese da defesa. 9. Na mesma linha, ficou evidenciado que a conta bancária de outro dos filhos foi utilizada para abastecer a campanha por meio do irmão, que sacou vários cheques cujos valores somaram R$ 127.700,00, quantia omitida do balanço contábil. 10. O conhecimento dos beneficiários é explícito, já que a conduta foi praticada pelos filhos da candidata, um deles bem atuante na campanha e que assumiu o cargo de secretário municipal de finanças logo depois da posse de sua genitora. 11. A apreensão, às vésperas do pleito, de elevado valor em espécie, após denúncias do crime de corrupção eleitoral (art. 299 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 16 Feita essa análise preliminar, passemos ao estudo do tipo. BEM JURÍDICO TUTELADO: “O art. 299 do Código Eleitoral, ao qua- lificar como crime ‘dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outravanta- gem, para obter ou dar voto e para con- seguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita’, tutela justamente o livre exercício do voto (o direito do eleitor de votar livremente em algum candidato, em branco ou nulo) ou a abstenção do elei- tor no processo eleitoral. (TSE, Agravo de Instrumento nº 20903, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 43, Data 05/03/2015, Página 44/45). SUJEITOS DO CRIME: O crime em análise, tanto na sua mo- dalidade ativa quanto passiva, é classifica- do como sendo comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa, de modo que é plenamente possível a coautoria e suas diversas modalidades. do Código Eleitoral), com anotações de campanha e recibos de transferências bancárias, sem que os agravantes tenham apresentado justificativas e provas consistentes quanto à origem e ao destino desses recursos, leva ao abuso de poder econômico e ao “caixa dois”, com gravidade suficiente para macular a legitimidade do pleito, ainda mais em se tratando de município pequeno, que nas Eleições 2016 teve 1.710 votos válidos e diferença de apenas 148 em favor dos vencedores da disputa. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 105717, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 240, Data 13/12/2019, Página 41-42). No polo passivo, temos o Estado. CONDUTAS: Sobre as condutas que caracterizam a consumação do delito (dar, oferecer, pro- meter, solicitar ou receber), faz-se neces- sário apresentar algumas observações à luz da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a saber: 1 – “Para a configuração do crime de corrupção eleitoral, além de ser necessá- ria a ocorrência de dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou pro- meter abstenção, é necessário que a con- duta seja direcionada a eleitores identifica- dos ou identificáveis21, e que o corruptor eleitoral passivo seja pessoa apta a votar.” 21 “O Tribunal de origem rejeitou denúncia oferecida pela prática do delito do art. 299 do Código Eleitoral, sob o fundamento de que não foi configurado o crime de corrupção eleitoral, por ausência de lastro mínimo para o processamento de ação penal, ante o caráter genérico da promessa de regularização fundiária feito a uma comunidade com 144 famílias. O posicionamento adotado pela Corte de origem está em consonância com a jurisprudência do TSE, firmada no sentido de que, “a realização de promessas de campanha, as quais possuem caráter geral e usualmente são postas como um benefício à coletividade, não configuram, por si só, o crime de corrupção eleitoral, sendo indispensável que a promessa de vantagem esteja vinculada à obtenção do voto de determinados eleitores” (AI 586-48, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 13.9.2011). Segundo a orientação desta Corte, “na acusação da prática de corrupção eleitoral (Código Eleitoral, art. 299), a peça acusatória deve indicar qual ou quais eleitores teriam sido beneficiados ou aliciados, sem o que o direito de defesa fica comprometido” (RHC 452-24, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 25.4.2013).” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 157622, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 218, Data 10/11/2017, Página 106). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 17 Assim, não há falar em corrupção elei- toral mediante o oferecimento de servi- ços odontológicos à população em geral e sem que a denúncia houvesse individuali- zado os eleitores supostamente aliciados.” (Agravo de Instrumento nº 749719, Acór- dão, Relator(a) Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diá- rio de justiça eletrônico, Tomo 35, Data 23/02/2015, Página 54). No mesmo sentido, conferir: ------------------------------------------------------------------------------------- ELEIÇÕES 2006. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PE- NAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. IDENTIFICAÇÃO. CORRUPTOR ELEITORAL PASSIVO. INEXIS- TENTE. ABSOLVIÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A mera indicação de que todos os eleito- res do município são os supostos corrompidos passivos determináveis não é suficiente para a caracterização do delito. 2. Se a instrução processual não revela qual- quer pessoa que comprovadamente tivesse sido agente passivo do delito, alterar a conclu- são do julgamento envolveria o reexame das provas, o que é refutado pelo verbete nº 24 do Tribunal Superior Eleitoral. 3. “Ausente a adequada identificação do cor- ruptor eleitoral passivo, fato esse que impede a aferição da qualidade de eleitores, como im- põe o dispositivo contido no art. 299 do Códi- go Eleitoral, devem ser reconhecidas a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para submissão do paciente à ação penal” (RHC nº 13316/SC, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 10.2.2014). ------------------------------------------------------------------------------------- 2 – Ainda que na esfera cível-eleitoral já exista o reconhecimento jurisprudencial objetivo de que configura grave abuso de poder a compra de apoio político22, na seara criminal não é bem assim. Infeliz- mente, a Corte Eleitoral tem negado a realidade dos fatos no mundo real para dizer que “a promessa de cargo a correli- gionário em troca de voto não configura a hipótese do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, ante a falta de elemen- to subjetivo do tipo (Precedente: HC nº 812-19/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 20.3.2013)”, uma vez que “não é possí- vel presumir que a nomeação em cargo na Prefeitura implique, necessariamente, oferta de benefícios aos seus familiares.” (Agravo de Instrumento nº 3748, Acór- dão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 237, Data 15/12/2016, Página 24/25). Não há como manter essa interpreta- ção, data máxima vênia, alheia aos malefí- cios sociais e administrativos decorrentes dessa odiosa realidade da politicagem do “toma lá, dá cá”, que começa bem antes 22 Ação de impugnação de mandato eletivo. Corrupção. Caracteriza corrupção a promessa de, caso os candidatos se elejam, assegurar a permanência de pessoas em cargos na Prefeitura Municipal, certamente em troca de votos ou de apoio político- eleitoral. Reconhecidas a potencialidade e a gravidade da conduta, devem ser cassados os mandatos do Prefeito e do Vice-Prefeito, com a posse da chapa segunda colocada. Recurso especial, em parte, conhecido e, nessa parte, provido. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 28396, Acórdão, Relator(a) Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 26/02/2008, Página 05). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 18 das eleições e a partir da qual se verifica o imoral loteamento de cargos, empregos e funções da futura gestão já bem antes do resultado das urnas. Não é possível que essa prática tão co- mum nas eleições continue sendo tolerada como uma forma “natural” de se fazer polí- tica, deixando que a simpatia de alguém por um projeto no qual o mesmo está contem- plado derrogue as condutas do tipo e torne letra morta os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade administrativa e finalidade. O artigo 299 do Código Eleitoral diz ser crime dar, oferecer ou prometer algo para outrem em troca de voto, sem dife- renciar a condição de apoiador ou não, sendo indevida essa exclusão realizada pela Corte Eleitoral. A inclinação política do destinatário da promessa ou entrega ilícita não é elemen- tar do tipo! Esperamos a reversão dessa jurisprudência o mais rápido possível, para que os apoios políticosde cabos eleitorais ou simpatizantes sejam decorrentes da real crença de que o candidato é o melhor para a coletividade e não para os interes- ses particulares daqueles. 3 – Felizmente, no que tange ao uso direto da pecúnia pública para atos políti- co-partidários (passeatas, carreatas ou co- mícios, por exemplo), a Corte tem agido mais firmemente e consignado que a con- duta de doar dinheiro ou vales-combustível (à custa do erário) para a participação em atos daquela natureza pode configurar o crime em tela (artigo 299, CE) em concur- so23 com o crime de peculato (artigo 312, do Código Penal ou artigo 1°, do Decreto -lei n°201/67, se um dos responsáveis for o Prefeito Municipal266), tudo dependendo dos elementos do caso concreto, in verbis:24 23 “1.Tem-se que o TRE do Maranhão reformou parcialmente a sentença condenatória (condenação pelos crimes do art. 1º, I do DL 201/67 e do art. 299 do CE) para reduzir as penas impostas aos agravados, por entender que a culpabilidade, as circunstâncias do crime e as circunstâncias agravantes haviam sido indevidamente valoradas pelo Juízo de 1º grau.2. É indevida a exasperação da pena-base, a partir de valoração negativa da culpabilidade do agente e dos motivos e consequências do crime, na hipótese em que esses elementos são inerentes ao próprio tipo penal. Precedente: HC 275.496/MG, rel. Min. LAURITA VAZ, <i style=”font-size: 10pt;”>DJe</ i> 2.9.2014.3. O desvio de recursos públicos com finalidade particular constitui delito com alto grau de reprovabilidade, sobretudo quando se trata de recursos que deveriam ter sido destinados à educação e ao pagamento de Servidores Públicos. Entretanto, o crime do art. 1º, I do DL 201/67 consiste, exatamente, em se apropriar de bens ou rendas públicas ou desviá- los em proveito próprio ou alheio. Nesse caso, a culpabilidade foi definida pelo Legislador como elemento do próprio delito, motivo pelo qual não pode servir para majorar a pena-base, sob pena de dupla valoração. 4. Nas hipóteses do delito capitulado no art. 1º, I do DL 201/67, está intrínseco no tipo penal que a conduta típica tenha sido praticada em violação ao dever inerente ao cargo. Por tal motivo, é descabida a incidência da agravante prevista no art. 61, II, do CP, como decidido pela Corte Regional. Precedente: HC 107.944/MS, rel. Min. LAURITA VAZ, DJ 21.2.2011.5. Alicerçada a decisão impugnada em fundamentos idôneos, merece ser desprovido o Agravo Interno, tendo em vista a inexistência de argumentos hábeis para modificá-la.” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 123498, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 38, Data 23/02/2018, Página 41/42). 24 Sobre o tema, muito didático o seguinte julgado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “Na origem, o Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 19 contra Edson Peres Ibrahim, José Miguel dos Santos, Jercé Euzébio de Souza, José da Rocha, José Antônio Frutuoso, Paulo Monteiro Mingotti e Nivaldo Silvestre, imputando-lhes a prática dos crimes de corrupção eleitoral (art. 299 do CE), de formação de quadrilha (art. 288 do CP) e de peculato (art. 1º, I e § 1º, do Decreto-Lei nº 201/67), em virtude da utilização de recursos públicos da Prefeitura de Batayporã/MS para a aquisição de combustível que foi distribuído aos eleitores em troca de votos nas eleições municipais de 2008.2. Na sentença, todos os réus foram condenados pelos crimes previstos nos arts. 299 do CE (corrupção eleitoral) e 288 do CP (formação de quadrilha); condenaram-se, ainda, Jercé Euzébio de Souza (prefeito de Batayporã/ MS à época dos fatos), José da Rocha, José Antônio Frutuoso e Paulo Monteiro Mingotti pela prática do crime de peculato (art. 1º, I e § 1º, do Decreto-Lei nº 201/67); e absolveram-se Edson Peres Ibrahim, José Miguel dos Santos e Nivaldo Silvestre dessa última imputação em virtude de não serem agentes públicos ao tempo do crime. (...) Não há distinção ontológica entre o crime de peculato previsto no art. 312 do CP e a figura típica do art. 1º, I e § 1º, do Decreto-Lei nº 201/67. Precedente do STJ. A circunstância de caráter pessoal relativa à função pública se comunica aos coautores e partícipes do delito de peculato previsto no art. 1º, I e § 1º, do Decreto-Lei nº 201/67, ainda que se trate de pessoa alheia ao serviço público, nos termos do que preconiza o art. 30 do CP. Precedentes do STF e do STJ. Diante das premissas fincadas pela doutrina e pela jurisprudência, não se sustenta o fundamento do acórdão recorrido pelo qual foram absolvidos os réus Nivaldo Silvestre, Edson Peres Ibrahim e José Miguel dos Santos do crime de peculato. Da moldura fática delineada pelo acórdão recorrido, é possível concluir que as condutas imputadas aos corréus Nivaldo Silvestre, Edson Peres Ibrahim e José Miguel dos Santos se entrelaçam com os delitos que ensejaram a condenação dos demais, os quais foram praticados em concurso material (art. 69 do CP). Nesse contexto, tendo em vista que a circunstância pessoal de prefeito, ostentada por Jercé Euzébio de Souza, se comunica com os demais copartícipes por se tratar de elementar do delito tipificado no art. 1º, I e § 1º, do Decreto-Lei nº 201/67, não há como afastar a ------------------------------------------------------------------------------------- HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR SUPOSTA INFRAÇÃO AO ARTIGO 243 DO CÓDIGO ELEITORAL. DISPOSITIVO QUE NÃO VEI- CULA TIPO PENAL. CONDUTA QUE, NÃO OBSTANTE, PODE SE ADEQUAR A OU- TROS TIPOS PENAIS. DEPUTADO FEDERAL. COMPETÊNCIA DO STF PARA SUPERVISÃO DO INQUÉRITO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O artigo 243 do Código Eleitoral não veicula nenhum tipo penal. Não obstante, a qualifica- ção legal equivocada do fato não é obstáculo ao prosseguimento das investigações, se a conduta apurada constitui, em tese, uma infração penal. 2. Suposta utilização de dinheiro público no abastecimento de veículos para participarem de passeata. Conduta que, dada a ausência de aprofundamento das investigações, pode carac- terizar, teoricamente, os crimes dos artigos 312 do Código Penal ou 299 do Código Eleitoral. (Habeas Corpus nº 8046, Acórdão, Relator(a) Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 51, Data 16/03/2015, Página 26/27). ------------------------------------------------------------------------------------- É importante ressaltar, contudo, que não é toda doação de combustível que configura o crime de corrupção eleitoral, pois é preciso configurar o dolo específi- co da entrega ou oferecimento em troca condenação dos réus Nivaldo Silvestre, Edson Peres Ibrahim e José Miguel dos Santos, integrantes da quadrilha formada com o objetivo de comprar votos mediante a distribuição de combustível custeado pela Prefeitura Municipal de Batayporã/MS.” (Recurso Especial Eleitoral nº 16454, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 06/11/2018). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 20 do voto. Caso o combustível tenha sido um “estímulo” para que se participe de ato político-partidário (carreata, rally ou qualquer coisa do gênero), sem qualquer menção a voto, não haverá o crime em es- tudo, a despeito de poder configurar abu- so de poder econômico. Há precedente absolvendo nessa hipótese, em que se for- malizou contrato de entrega do combustí- vel em troca da colocação de adesivos no carro e a respectiva participação em ato25. 25 Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “1.O Tribunal Regional Eleitoral de Roraima absolveu os agravados da imputação do delito de corrupção eleitoral ao fundamento de inadequação típica das condutas ao art. 299 do Código Eleitoral, por ausência de demonstração do dolo específico. 2. A prova dos autos, documental e testemunhal, descreve a distribuição de combustíveis para eleitores mediante assinatura de contrato e da assunção da obrigação destes aporem adesivos em seus veículos e com eles rodarem pelo Município. 3. Os elementos probatórios colacionados aos autos não são suficientes para demonstrar a existência do elemento subjetivo especial do tipo do art. 299 do Código Eleitoral - para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção - porque há contraprestação necessária que, em tese, consumiria o insumo recebido.4. A demonstração do dolo específico do delito de corrupção eleitoral, em sua modalidade ativa, exigiria outras provas, distintas das já analisadas, que pudessem descortinar a presença do especial fim de agir dos agravados. 5. Inexistente a demonstração do elemento subjetivo especial do tipo do art. 299 do Código Eleitoral, a decisão regional se revela harmônica com o entendimento desta Corte Superior de que “o crime de corrupção eleitoral requer dolo específico de se obter o voto mediante promessa ou oferta de vantagem indevida” (REspe nº 6308, Acórdão, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 08.8.2018, Tomo 157, Págs. 121/122), operando- se o óbice da Súmula 30 desta Corte Superior. 6. Para se extrair do presente conjunto probatório o dolo específico do art. 299 do Código Eleitoral, seria necessário desconstruir os instrumentos contratuais e a prova oral e, então, desconsiderando todo o valor Trata-se de uma prova documental que, a priori, afasta do delito, mas que, diante das circunstâncias do caso concreto e da primazia da realidade sobre a forma, pode ceder se ficar demonstrado que esse do- cumento é apenas uma forma de burla. 4 - “A prova da corrupção eleitoral ra- ramente surgirá de forma direta. No geral, haverá necessidade de reunir circunstân- cias, criticamente as analisando para se conseguir segurança razoável quanto à ilicitude. Só que isso não pode represen- tar um julgamento especulativo, fundado mais em suposições do que em evidên- cias reais. Não se trata de ser tolerante com a compra de votos, mas de impedir injustiças” (TRE/SC. Acórdão n. 28.687, de 23.9.2013, Juiz Hélio do Valle Pereira). “Sendo elemento integrante do tipo em questão a finalidade de ‘obter’ ou dar voto ou prometer abstenção’, não é suficiente para a sua configuração a mera distribui- ção de bens. A abordagem deve ser direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será obtido ou dado ou haverá abstenção em decorrência do recebimento da dádiva” [TSE. Habeas Corpus n. 463, de 3.10.2003, rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira]” (TRESC. Acórdão que lhes é intrínseco, reordenar os seus elementos que constituíram cada uma dessas provas para que melhor se amoldem à pretensão recursal. Essa pretensão, contudo, é inviável nesta Instância Especial, conforme vedação da Súmula 24 desta Corte Superior. 7. Agravo interno a que se nega provimento.” (TSE, Agravo de Instrumento nº 672, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 45, Data 06/03/2020, Página 50/51). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 21 n. 26.894, de 20.8.2012, Juíza Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli). (RE- CURSO EM PROCESSO-CRIME ELEI- TORAL n 2838, ACÓRDÃO n 30026 de 27/08/2014, Relator(a) SÉRGIO ROBER- TO BAASCH LUZ, Revisor(a) IVORÍ LUIS DA SILVA SCHEFFER, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 152, Data 02/09/2014, Página 3). Exatamente por isso, ajudas humani- tárias realizadas por candidatos, por si só, não configuram o crime em referência26, a despeito de poderem configurar o crime do artigo 334, do Código Eleitoral, quando de- monstrada o dolo específico de aliciar elei- tores ou de realizar propaganda. Contudo, se o candidato ou terceiro intimamente ligado ao mesmo realizam “serviço social”, “ajuda comunitária” ou qualquer denominação para ação que re- presente o oferecimento de benefícios ou 26 “A teor do art. 299 do Código Eleitoral, constitui crime ‘dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita’. O crime de corrupção eleitoral requer dolo específico de se obter o voto mediante promessa ou oferta de vantagem indevida. Precedentes. Na espécie, não há prova de que o agravado ofereceu transporte a Adriana Cherubim em troca do voto dela e de outras seis pessoas, evidenciando-se apenas que o candidato e terceiros, sabedores que a filha da eleitora necessitava de urgente atendimento médico por fratura de um dos membros superiores há mais de uma semana, procuraram auxiliá-la, mas sem a condicionante do sufrágio.” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 6308, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 157, Data 08/08/2018, Página 121/122). vantagens ao eleitor de forma módica ou a preço irrisório apenas como forma de simular o ato de oferecimento/entrega de algo em troca do voto, haverá o crime em referência27. 27 “Hipótese em que foi alegada a prática de corrupção eleitoral prevista no art. art. 299 do CE, visto que, a pretexto de desenvolverem projeto social, o recorrente e sua esposa teriam colocado à disposição da comunidade academia de musculação, com mensalidades a preço irrisório, como forma de oferecer vantagem aos frequentadores do estabelecimento e obter votos para a candidatura da segunda acusada, candidata ao cargo de vereador nas eleições de 2012.2. O acórdão recorrido consignou que a materialidade da conduta ilícita e a autoria ficaram demonstradas mediante as provas produzidas, tendo ressaltado que: (a) o agravante era o real proprietário e gestor da academia de ginástica cujos serviços foram usados para a prática da corrupção eleitoral (promessa e oferecimento de vantagem para obter voto) e que o contrato de locação apresentado não tinha relação com o aludido estabelecimento comercial, visto que se referia a outro imóvel (Espaço Cultural), a ser explorado por empresa do ramo de eventos culturais e artísticos (e não esportivos); (b) o recorrente interferia pessoalmente nos assuntos da academia de musculação, abordando frequentadores com vistas a garantir votos à sua esposa, então candidata à vereadora nas eleições de 2012; (c) é insuficiente o instrumento contratual para demonstrar a sua ausência de vínculo com o empreendimento.3. Chegar a entendimento diverso quanto à comprovação da autoria e da materialidade delitivas ensejaria o indevido reexame de fatos e provas na via do recurso especial. Incidência do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE quanto à pretensão de absolvição do crime de corrupção eleitoral.4. Ausência de indicação do dispositivo legal que teria sido malferido quanto à pretensão de afastamento da circunstância judicial referente à culpabilidade, o que configura deficiência de fundamentação, atraindo o óbice do Verbete Sumular nº 27 do TSE.5. Negado provimento ao agravo interno.” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 8958, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 203, Data 18/10/2019, Página 64/65). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 22 5 – Para finalizar, deve-se destacar que é “descabida a condenação fundada exclusivamente em testemunha co- partícipe na conduta delitiva,ainda que não denunciada” e que não é pos- sível “a oitiva de corréu na qualidade de testemunha, irrelevante o fato de a eleitora corrompida ser denunciada pelo órgão ministerial.” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 18875, Acórdão, Re- lator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 66, Data 05/04/2018, Página 105-106). TIPICIDADE SUBJETIVA: Todas as infrações penais eleitorais só comportam a sua prática na modalidade dolosa, motivo pelo qual inexiste crime eleitoral culposo. Essa regra é extraída a partir da cons- tatação de que nas infrações penais elei- torais inexiste qualquer menção à pos- sibilidade de sua prática na modalidade culposa, o que faz com que, por força do disposto no artigo 287 do Código Eleito- ral, aplique-se o artigo 18, parágrafo único do Código Penal. É importante registrar que, nesse caso, há necessidade de comprovação do dolo específico, “consistente no especial fim de obter ou dar voto, conseguir ou pro- meter abstenção.” (Recurso Especial Elei- toral nº 998471411, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publi- cação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 57, Data 23/03/2017, Página 26). Nesse mesmo sentido: ------------------------------------------------------------------------------------- ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. IM- PROCEDÊNCIA. CORRUPÇÃO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE VALE-COMBUSTÍVEL EM TROCA DA AFIXAÇÃO DE ADESIVOS. DOLO ESPECÍFICO DE CAPTAR VOTOS. AUSÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROVIMENTO. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, para a configuração do crime descrito no art. 299 do CE, é necessário o dolo específico que exige o tipo penal, isto é, a finalidade de “obter ou dar voto” e “conseguir ou prometer abstenção” (RHC nº 142354, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 5.12.2013). 2. Na espécie, o recebimento da vantagem - materializada na distribuição de vale combus- tível -, foi condicionado à fixação de adesivo de campanha em veículo e não à obtenção do voto. Desse modo, o reconhecimento da im- procedência da ação penal é medida que se impõe. 3. Agravo regimental provido para conhecer e prover o recurso especial e julgar improce- dente a ação penal, afastando a condenação do agravante pela prática do crime de corrupção eleitoral. (Recurso Especial Eleitoral nº 291, Acórdão, Relator(a) Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 42, Data 04/03/2015, Página 220). ------------------------------------------------------------------------------------- É importante observar que esse “espe- cial fim de agir” não coincide necessaria- mente com o pedido explícito de votos, sendo suficientes os comportamentos sor- rateiros e ardilosos de candidatos e cabos eleitorais no sentido de deixar “no ar” que aquela conduta de prometer, dar ou ofe- https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 23 recer algo ao eleitor refere-se ao proces- so eleitoral, como ocorre nas frases “não esqueça de mim”, “estamos juntos”, “vou lembrar de você”, “eu ajudo quem me aju- da” etc. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: “O crime de corrupção eleitoral ativa é crime instantâneo, cuja consumação é imediata, ocorrendo com a simples práti- ca de um dos núcleos do tipo (dar, ofere- cer, prometer, solicitar ou receber), bem como se qualifica como crime formal, pois a consumação independe do resultado, da efetiva entrega da benesse em troca do voto ou da abstenção, sendo irrelevante se o eleitor corrompido efetivamente vo- tou no candidato indicado. Exige-se (i) que a promessa ou a ofer- ta seja feita a um eleitor determinado ou determinável; (ii) que o eleitor esteja re- gular ou que seja possível a regularização no momento da consumação do crime; (iii) que o eleitor vote no domicílio eleito- ral do candidato indicado pelo corruptor ativo.” (TSE, Agravo de Instrumento nº 20903, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diá- rio de justiça eletrônico, Tomo 43, Data 05/03/2015, Página 44/45). Além disso, é importante destacar que “o crime de corrupção eleitoral (Cód. Eleitoral, art. 299), na modalidade “prometer” ou “oferecer”, é formal e se consuma no momento em que é feita a promessa ou oferta, independentemente de ela ser aceita ou não”, de modo que “a oferta de dinheiro em troca do voto, realizada em ação única, a mais de uma pessoa, caracteriza o tipo do art. 299 em relação a cada um dos eleitores identifi- cados.” Assim, “há concurso formal im- próprio, ou imperfeito, quando o candi- dato, em conduta única, promete bem ou vantagem em troca do voto de dois ou mais eleitores determinados, agindo com desígnios autônomos (Cód. Penal, art. 70, segunda parte). (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 1226697, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Sil- va, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 183, Data 30/09/2014, Página 487/488). Por fim, não custa lembrar que “a ab- solvição do réu, por falta de provas, da imputação de crime de corrupção eleitoral (art. 299 do CE), nos autos de ação penal, por si só, não tem o condão de afastar a condenação por captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico em sede de ação de investigação judicial eleitoral, pois a jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido da incomunicabilidade das esfe- ras criminal e civil-eleitoral.” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 82911, Acórdão, Re- lator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publi- cação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume, Tomo 170, Data 02/09/2016, Pá- gina 72/73). https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 https://www.editorajhmizuno.com.br/produto/crimes-eleitorais-e-conexos-aspectos-materiais-e-processuais-eleicoes-2020-81151 24 4. Imunidades Prisionais e Crimes Eleitorais A despeito da não-recepção do arti- go 236 do Código Eleitoral, a Constitui- ção Federal e algumas leis extravagantes preveem hipóteses de imunidade prisio- nal que devem ser observadas. Vejamos, pois, cada uma delas resumidamente. 4.1 – O REGIME PRISIONAL DO PRE- SIDENTE DA REPÚBLICA E DEMAIS CHEFES DO PODER EXECUTIVO: De- ve-se salientar que o Chefe do Poder Exe- cutivo Federal goza, por expressa disposi- ção constitucional, imunidade para prisão cautelar durante todo o seu mandato, só podendo ocorrer a sua segregação no caso de surgir sentença penal condenató- ria irrecorrível. É o que deflui do §3° do artigo 86, da Constituição Federal à luz do julgado pelas ADC’s n°43 e 44 pelo Supre- mo Tribunal Federal. Ocorre que, enquanto o Presidente da República só pode ser preso após o trânsito em julgado, o mesmo não ocorre com os demais Chefes do Poder Executivo, merecendo destacar que a Suprema Corte (STJ) já decidiu que é in- constitucional qualquer previsão de imunidade prisional a Governadores ou Prefeitos: PRINCÍPIO REPUBLICANO E RESPONSABI- LIDADE DOS GOVERNANTES. - A responsa- bilidade dos governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais a configuração mesma da ideia republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Po- der Executivo, além de refletir uma conquista basica do regime democratico, constitui con- sequencia necessaria da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir da ideia central que lhe e subjacente, o dogma de que todos os agentes publicos - os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente responsaveis perante a lei. RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVER- NADOR DO ESTADO. - Os Governadores de Estado - que dispoem de prerrogativa de foro ratione muneris perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a) - estao permanente- mente sujeitos, uma vez obtida a necessaria licenca da respectiva Assembléia Legislativa
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