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ANAIS DO SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS LITERÁRIOS (SENAEL) 
SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS DA REGIÃO SUL (SELIRS) 
SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS LITERÁRIOS (SINEL) 
© Copyright 2007 – URI 
 
 
Organização: Franciele da Silva Nascimento 
 Lizandro Carlos Calegari 
 Magali Teresa de Pellegrin Reinheimer 
 Marcelo Marinho 
 Nelci Muller 
 Ricardo André Ferreira Martins 
Revisão metodológica: Franciele da Silva Nascimento 
Diagramação: Franciele da Silva Nascimento 
Capa/Arte: Sara Spolti Pazuch 
Revisão Linguística: Responsabilidade dos autores 
 
 
O conteúdo dos textos, redação, abstract e/ou resumen 
é de responsabilidade exclusiva dos(as) autores(as). 
 
Permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 
 
 
 
 S47a 
 
 
Seminário Internacional de Estudos Literários (SINEL)(3.: 2011 : 
Frederico Westphalen, RS) 
 Anais [recurso eletrônico] do Seminário Nacional de Estudos 
Literários (SENAEL), Seminário de Estudos Literários da Região Sul 
(SELIRS), Seminário Internacional de Estudos Literários (SINEL) : 
literatura e territorialidade / Organizadores: Franciele da Silva 
Nascimento...[et. al]. – Frederico Westphalen : URI, 2010. 
 1655p. 
 
 Acompanha CD. 
 ISBN 978-85-7796-060-6 
 
 1. Literatura - territorialidade. I. Nascimento, Franciele da Silva. II. 
Calegari, Lizandro Carlos. III. Reinheimer, Magali Teresa de Pellegrin. 
IV. Marinho, Marcelo. V. Muller, Nelci. VI. Martins, Ricardo André 
Ferreira. VII. Título. 
 
 CDU 82,09 
 
 
Bibliotecária Gabriela de Oliveira Vieira CRB 10/2044 
 
 
 
 
 
Editora: URI 
 
URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões 
Prédio 8, Sala 108 
Campus de Frederico Westphalen 
Rua Assis Brasil, 709 - CEP 98400-000 
Tel.: 55 3744 9223 - Fax: 55 3744-9265 
E-mail: editorauri@yahoo.com.br, editora@fw.uri.br 
 
 
 
Quando Nossa Luta morre e União é preso: o fardo é de Ngunga 
Rafael Hofmeister de Aguiar 
*
 
Daniel Conte
 **
 
Erlon Roberto Adam
***
 
Resumo: O presente trabalho está inserido na pesquisa O Brasil que me (des)silencia: a concepção de leitura e 
leituras inscrita na ficção de Pepetela e identidade sonhada, coordenada pelo professor Dr. Daniel Conte. O 
trabalho tem por objetivo analisar a trajetória da personagem Ngunga na obra As aventuras de Ngunga, de 
Pepetela. A partir da concepção da palavra como vetor ideológico como nos ensina Bakhtin (2010), analisa-se a 
onomástica das personagens com nomes em língua portuguesa (Nossa Luta, União e Avança). Com caráter 
bibliográfico, o trabalho se volta para a influência dessas personagens sobre Ngunga, procurando ressaltar na 
tessitura narrativa a morte de Nossa Luta, por exemplo, feito que abre os horizontes da personagem principal 
para ideais que ultrapassam a libertação de Angola do domínio colonial português em busca de um mundo mais 
justo como um todo. Ainda, procura-se relacionar a obra com a história angolana, sem que, todavia, transforme-a 
em simples documento histórico, mas compreendendo-a nos seus aspectos simbólicos, que são inerentes ao texto 
literário. Como base teórica serão usados Bakhtin, Cassirer, Reis e Lopes, Massaud Moisés e Solival Menezes. 
Palavras-chave: Literatura. História. Brasil. Angola. Pepetela. 
As aventuras de Ngunga, de Pepetela (1973), pode até ser lida sem o conhecimento do 
contexto em que foi produzida, sem os eventos históricos que levaram o escritor a escrevê-la. 
Um leitor, nessas condições, apreenderá o momento histórico, social e político presentes na 
elaboração da narrativa por que ela é um testemunho de um período crucial na história 
angolana e, ainda mais, sua escritura se deu no calor da hora. Entretanto, é reduzir o seu valor 
estético e artístico pensá-la somente como um texto documental que pode ser entendido como 
fonte histórica ou ponto de partida para uma ressignificação da oficialidade lusitana na 
colônia; Pepetela compõe uma obra literária, utilizando recursos estilísticos e simbólicos que 
deixam margens à interpretação (ou interpretações). Para elucidar e sintetizar o que se 
pretendeu expor acima, não é possível que restrinjamos a abordagem da trajetória de Ngunga 
à análise dos eventos históricos que a permeiam; como construção literária, ela está vergada 
de um simbolismo que merece ser objeto de reflexão
1
. 
Se por um lado existe um caráter literário, por isso simbólico, plurissignificativo, 
possibilitador da construção de uma supra-realidade
2
, por outro lado, como toda produção 
 
*
 Mestrando em Processos e Manifestações Culturais na Universidade FEEVALE. Bolsista Capes/Prosup – 
Cursos Novos. 
**
 Doutor em Literatura Brasileira, Portuguesa e Luso-Africana pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 
Professor da Universidade Feevale. 
***
 Graduando em História e Letras pela Universidade Feevale. 
1
 Apesar de nunca, pelo caráter intransparente da linguagem, poder-se chegar a uma interpretação definitiva de 
qualquer obra artística. 
2
 Segundo conceituação de Literatura de Dino del Pino (1972, p. 20), a partir de Fidelino de Figueiredo, 
literatura é ficção, a criação de uma supra-realidade – com os dados profundos e singulares da intuição do 
artista – expressa através de signos verbais plurignificativos. 
 
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-295- 
 
humana, há uma ligação da obra ao seu cronotopo. Em outras palavras, não se pode abordar 
somente a literariedade ou o valor estético-estilístico da narrativa de Pepetela; é preciso 
indagar sobre o tempo e espaço em que ocorre a sua elaboração. Podem-se resumir os 
princípios acima nas proposições que seguem: 
1) Não se deve restringir a obra à abordagem contextual; 
2) Não se deve analisar a obra unicamente em sua construção formal. 
É, pois, como princípio dialético que procura uma terceira via, entre os dados externos 
e internos de As aventuras de Ngunga, que se pretende seguir neste artigo. Dessa maneira, 
para atingir o objetivo proposto no período anterior, a exposição das ideias está organizada 
por partes, que, seguindo a perspectiva dialética, não se opõem ao todo, mas o constroem e 
são (re)construídas no momento que o integram. 
Um pouco de história: a luta anticolonialista 
Solival Menezes (2000, p. 91) afirma que a República de Angola é um dos mais 
recentes Estados da África meridional e que, para entender o processo da luta pela sua 
libertação, é preciso levar em conta o tipo específico de colonialismo exercido pelos 
portugueses no país. Considerando que a obra As aventuras de Ngunga está inserida no 
contexto da luta anticolonial angolana, será exposto um breve panorama do colonialismo 
empregado por Portugal em Angola e do Movimento de Libertação do país africano que 
subjazia ao jugo lusitano. 
Menezes (2000, p. 112) afirma que a colonização portuguesa na África pode ser 
dividida em quatro fases. A primeira corresponde a ―hegemonia ibérica‖, que compreende o 
período que vai do Tratado de Tordesilhas (1494) ao final do século XVI; a segunda de 
acirramento da concorrência comercial entre as metrópoles europeias, indo do início do século 
XVII ao final do XVIII; a terceira que pode ser chamada de ―colonização de dependência‖ se 
estende pelo século XIX; e a quarta, entendida como ―colonialismo tardio‖, inicia no final do 
século XIX e vai até o fim do domínio colonial português na segunda metade do século XX. 
Na última fase, cinco elementos podem ser compreendidos como especificidades do 
colonialismo português: 1) o estatuto do trabalho forçado; 2) a forma empregada de 
colonização; 3) o papel das missões religiosas; 4) a ideologia subjacente ao processo de 
colonização; e 5) a existênciade condomínios encobertos (MENEZES, 2000, p. 134). 
 
Anais do SENAEL, SELIRS, SINEL 
-296- 
 
O estatuto do trabalho forçado foi um dos aspectos mais notórios da colonização 
portuguesa na África. Em 1878, sob a figura de contratos, o trabalho forçado impunha ao 
negro africano o estatuto de mercadoria, desvelando um sistema pior que o da escravatura. 
Em certo sentido, a situação prevalecente era mais crítica que a existência sob a 
escravatura, pois, nesta última, o homem comprado, adquirido como cabeça de gado, 
era tratado como patrimônio. Havia interesse do proprietário em mantê-lo com 
saúde, ágil e robusto, do mesmo modo que cuidava do seu cavalo ou de seu boi. Na 
realidade angolana, corrente em pleno século XX, o nativo não era comprado, mas 
era simplesmente alugado ou arrendado pelo governo, ainda que pudesse ter o status 
de homem livre. (MENEZES, 2000, p. 138). 
Se durante a escravatura, o negro era tratado como animal, bem material do senhor, e, 
por isso, havia uma certa preocupação com o seu bem estar, no estatuto do trabalho forçado, 
ele (o negro) passa por um processo de coisificação, passa a ser visto como uma mercadoria 
que, no momento que não serve mais, pode ser trocada por outra. Como afirma Perry 
Anderson (apud MENEZES, 2000, p. 138), ao ―patrão pouco importava que ele [o negro 
angolano] caísse doente ou morresse, desde que trabalhasse duro enquanto vivesse‖. 
A segunda especificidade é a forma empregada na colonização. Se a exploração da 
África exigia a presença física do branco, Portugal utilizou-se do que Solival Menezes (2000, 
p. 140) chama de ―princípio do mínimo necessário‖, pois os portugueses se notabilizaram por 
em suas colônias o ―investimento‖ em mão-de-obra administrativa ser um dos mais diminutos 
da história. 
Além disso, outro aspecto que chama atenção na funcionalização da administração 
portuguesa da África é que a emigração de portugueses foi, durante muito tempo, 
praticamente pífia. A emigração lusitana para Angola dá-se, sobretudo, no período entre 1939 
e 1958 [período em que a resistência começa a funcionalizar um movimento de sentidos antes 
não visto]. O que justifica essa remessa de colonos portugueses para o território africano é a 
crise econômica em Portugal, caracterizando-se assim como uma espécie de fuga. Cabe dizer 
que o cenário de crise também atinge a colônia, resultando em desemprego do próprio branco-
colono, o que seria impensável em colônias de outras metrópoles europeias. É o preço que 
Portugal pagou por sua administração direta, negando a prática da França e da Inglaterra, por 
exemplo. 
A existência de desemprego branco nas colônias só pode ser interpretado como 
sintoma da emigração fugitiva em combinação com a conquista sob patrocínio 
oficial: as pressões existentes sob a crítica situação econômica metropolitana podem 
ser tão fortes que sobrepõem à racionalidade econômica, ―empurrando suas vítimas, 
cegamente, de uma situação de desemprego ou de subemprego para outra. Ao 
mesmo tempo, o fenômeno sugere que o nível de capitalização do terreno colonial é 
 
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-297- 
 
muito lento [...], produzindo apenas oportunidades muito limitadas de ocupação, 
dentro de uma simples e rígida estrutura de emprego‖ (MENEZES, 2000, p. 143)
3
. 
A terceira especificidade do colonialismo português está ligada ao papel exercido 
pelas missões religiosas. A princípio, o papel dela é ―iniciar o nativo no processo de 
adaptação disciplinar às normas culturais europeias‖ (MENEZES, 2000, p. 145). 
A atividade missionária consiste, efetivamente, na domestificação da população 
―indígena‖
4
: subjetivamente liberta o europeu dos seus terrores do africano, 
incluindo-o nas mesmas regras de conduta que são suas, e objetivamente atrai o 
africano para o pensamento e costumes europeus. (MENEZES, 2000, p. 146). 
Todavia, apesar de toda importância das missões religiosas no processo de 
colonização, Portugal não se dedicou efetivamente na catequização dos africanos, o que fica 
evidente quando consta que, em 1850, conforme Menezes (2000, p. 146), só havia cinco 
sacerdotes exercendo as suas funções em Angola. De acordo com o mesmo autor, a ―atividade 
missionária ganharia esplendor, entretanto, sob o regime de Salazar, a partir de 1932, que 
tinha como lema oficial a expressão ―Deus, Família, Trabalho‖ (MENEZES, 2000, p. 146-
147). 
Ademais, a Igreja Católica não se preocupou com a educação da população, abrindo 
espaço para que os protestantes exercessem essa função. Segundo Menezes, nisso se 
manifesta uma aporeticidade do colonialismo português. 
Neste ponto, revela-se uma outra grande contradição do colonialismo português: 
uma nação que se diz extremamente católica, ao longo de sua história, 
repentinamente se vê surpreendida em territórios de seu domínio ao negar sua 
própria autoridade espiritual às populações colonizadas, permitindo que a ação 
protestante e de outras correntes religiosas alimentassem seus rebentos. (MENEZES, 
2000, p. 148). 
Quanto à ideologia colonialista portuguesa, quarta especificidade do sistema colonial 
de Portugal assentava-se em muitos princípios. Procurar-se-á, resumidamente, abordar alguns 
destes princípios (MENEZES, 2000, p. 152). Um dos princípios fundamentais era o de um 
―Portugal pancontinental‖ (MENEZES, 2000, p. 153). Segundo o autor de referência, após a 
Segunda Guerra Mundial, para convencer a opinião pública internacional que se opunha à 
exploração colonial, ―Portugal chegou a incorporar em sua Constituição (artigos 134 e 135) a 
noção de que era um país único, composto de províncias continentais e ultramarítimas‖ 
(MENEZES, 2000, p. 148). Outro, era o da supremacia espiritual do Império português; 
forma de recorrência ao passado das grandes descobertas e das conquistas daqueles heróis 
 
3
 O trecho que se encontra entre aspas na citação é de Perry Anderson e é citado ipsis litteris por Menezes. 
4
 A expressão indígena é utilizada pelos portugueses para se referir à população autóctone, inclusive a negra na 
África. 
 
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portugueses que foram movidos pela fé – clara analogia à proposição de Os lusíadas. Houve, 
dentre os defensores do sistema colonial, ―quem falasse em um ‗colonialismo missionário‘ 
motivado pelo bem de Deus‖ (MENEZES, 2000, p. 153). 
Além desses dois princípios, existia o de uma suposta união entre brancos e negros. 
Plenamente simulacrizado, esse ideal queria vender ao mundo uma democracia racial 
inexistente justificando massacres e encobrindo revoltas, raízes da Guerra anticolonial que se 
desenvolveria nos anos 60 e 70 do século XX. Em suma, a ―ideologia da colonização 
portuguesa, quando comparada ―com as suas equivalentes em qualquer outra parte do 
continente‖, revela-se como uma falsificação grosseira da realidade‖ (MENEZES, 2000, p. 
152). 
Sobre o nome de condomínio encoberto, escondem-se as empresas estrangeiras que 
exploravam os recursos angolanos, gerando um quadro de subdependência da colônia. 
Subdependência por que Portugal dependia das empresas capitalistas internacionais e a 
colônia dependia da Metrópole. 
O papel expressivo do capital estrangeiro em Angola era inegável. Formaram-se 
companhias mistas com um mínimo de capitais portugueses e um máximo de 
direção portuguesa, dando uma aparência de ―empreendimento nacional‖. Os 
registros apareciam sob nomes portugueses, mas, por baixo das formalidades, estava 
montado um verdadeiro ―condomínio encoberto‖ dirigido por estrangeiros. O poder 
de fato situava-se nas mãos dos capitalistas estrangeiros que se tornaram parceiros 
da administração portuguesa na exploração colonial. (MENEZES, 2000, p. 160) 
Então, consoante ao que foi exposto, podem, assim, ser resumidas as especificidades 
do colonialismo português em Angola. Essas especificidades trazidas, de certa forma, 
contribuíram paraque eclodisse a Guerra anticolonial que esvaziou os cofres da Metrópole, os 
lares lusitanos e organizou uma sistêmica máquina mutiladora na colônia. 
A Guerra anticolonial em Angola 
Embora alguns historiadores situem o início do movimento anticolonialista angolano 
―com a luta grevista dos trabalhadores brancos ocorrida no período de 1910 a 1926‖ 
(MENEZES, 2000, p. 164), a guerra anticolonial inicia-se nos anos 60, mais precisamente em 
4 de fevereiro de 1961, quando ―foi organizada uma onda de ataques às posições portuguesas 
em Luanda pelo MPLA‖ (MENEZES, 2000, p. 169). Essa luta é motivada, entre outras 
causas, pela independência de outros países africanos que começavam a delinear-se como 
nações, como o Egito (1952) e Gana (1957). Entretanto, os movimentos de organização dos 
nativos eram fortemente combatidos pela metrópole. 
 
Anais do SENAEL, SELIRS, SINEL 
-299- 
 
As vitórias dos movimentos de libertação de outras colônias africanas possibilitaram 
o material e a base geográfica a partir dos quais os movimentos nacionalistas nas 
colônias portuguesas poderiam lançar-se ao processo de conquista da independência. 
Em Angola, qualquer possibilidade de associação, ou de formação de sindicatos de 
qualquer espécie, era proibida aos nativos, que eram presos por suspeita de 
atividades ―subversivas‖ e deportados para campos de concentração de Cabo 
Verde ou para prisões no interior do território. (MENEZES, 2000, p. 163, grifo 
nosso). 
Um complicador na luta contra a colonização portuguesa em Angola era a cisão que 
ocorria no seio do Movimento. Não havia um único grupo nacionalista a buscar a 
independência, mas, ao menos três. Os principais eram o MPLA (Movimento Popular de 
Libertação de Angola), FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e Unita (União para 
a Independência Total de Angola). Esses três grupos não só lutavam contra o domínio 
português como também um contra o outro, muitas vezes, por motivos de ordem tribal, o que 
demonstra a complexidade da luta anticolonialista em Angola. Além disso, havia a cisão 
interna, na maior parte das vezes, estimulada por Portugal através da inserção de infiltrados 
no movimento, fomentando o divisionismo. A velha máxima do colonizador estava sendo 
reeditada pelos braços de Salazar: ―Dividir para dominar!‖ 
Além dos métodos violentos empregados, o governo procurou atuar no interior das 
organizações nacionalistas, alterando seus estatutos ou criando associações de cunho 
cultural financiadas pelo erário público, com intuito de ―congregar‖ os estudantes da 
colônia (MENEZES, 2000, p. 165). 
O quadro de embate entre as organizações nacionalistas complica-se, sobretudo, 
quando em 18 de julho de 1963, a OUA (Organização da Unidade da África) reconheceu a 
FNLA como a ―única organização representativa dos interesses nacionalista‖ (MENEZES, 
2000, p. 171). Este fato, somado à indicação de que o governo da FNLA, no exílio, fosse 
reconhecido pelos Estados Africanos e que outros grupos anticolonialistas aderissem à FNLA, 
foi questionado pelas demais organizações, principalmente o MPLA. 
Recomendou [a OUA], também, que seu governo [da FNLA] fosse reconhecido por 
todos os Estados africanos e que as demais organizações nacionalistas aderissem a 
FNLA. Mário de Andrade, em 27 de julho, visitando o Cairo, desaprovou a 
formação da FDLA
5
 e anunciou sua saída do MPLA. Agostinho Neto, designado 
presidente da FDLA, em Brazzaville, contestou a decisão da comissão de bons 
ofícios da OUA, dizendo ter sido tomada com base em conclusões inadequadas. 
Esse quadro de desentendimento é capaz, por si só, de mostrar as ancestrais 
dificuldades de integração dos diferentes movimentos nacionalistas angolanos. 
(MENEZES, 2000, p. 171). 
 
5
 Frente Democrática de Libertação de Angola, fruto da fusão do MPLA com três pequenas organizações: 
Ngwisako, Movimento para Defesa dos Interesses de Angola (MDIA) e Movimento Nacionalista de Angola 
(MNA). 
 
Anais do SENAEL, SELIRS, SINEL 
-300- 
 
Apesar de a OUA reconhecer a FNLA como governo de Angola, foi o MPLA que 
gozou maiores êxitos, conquistando o domínio de boa parte do país e sendo nomeado para o 
período de transição, como liderança no governo provisório em 1975, declarando a 
independência de Angola em 11 de novembro daquele ano. 
Após este rápido panorama da luta anticolonialista em Angola, voltar-se-á para a obra, 
procurando evidenciar o simbolismo inerente aos nomes das personagens na trajetória de 
Ngunga. Para isso, a palavra será considerada, partindo de Bakhtin (2010), como vetor 
ideológico, chegando a Cassirer (1977) quando o filósofo vê a palavra como elemento 
arquipotente de sentido e passível de habitação. 
O simbolismo dos nomes na trajetória de Ngunga 
Reis e Lopes (2002, p. 301) afirmam que o nome próprio não só é importante para a 
identificação da personagem como também para a caracterização dela e se pensarmos a 
questão do nome como palavra significante do Ser, de acordo com Cassirer (1977), podemos 
dizer que a palavra que designa um ser ou um objeto é por ele habitada de sentido. Dessa 
forma, muitos nomes funcionam como, seguindo os termos empregados pelos autores, 
―nomes motivados ou nomes falantes‖. Estes se caracterizam por remeterem a ―conteúdos de 
ordem psicológica ou ideológica e delimitam um horizonte de expectativa relativamente ao 
percurso da personagem‖ (REIS, LOPES, 2002, p. 301-302). Deste modo, ao examinar a obra 
de Pepetela, é necessário analisar os nomes das personagens, relacionando-os (os nomes) com 
o seu percurso na história e sua influência na trajetória da personagem principal, Ngunga. 
Voltar-se-á para as personagens com nomes em língua portuguesa – Nossa Luta, União e 
Avança. 
Um dos mais fortes personagens de Pepetela, não só nesta obra, mas também em todo 
seu constructo ficcional é Nossa Luta. Ele é o protetor de Ngunga, e o assume depois que os 
pais do menino morrem assassinados pelos portugueses. Todavia, Nossa Luta permanecerá 
pouco tempo no romance, pois, como guerrilheiro, morreu numa ―emboscada do inimigo‖ 
(PEPETELA, 1981, p. 17). Ele representa a luta anticolonial proposta e funcionalizada pelo 
MPLA, sendo para Ngunga a única pessoa adulta que não era egoísta (PEPETELA, 1981, p. 
18). O personagem toma para si todo o comprometimento da revolução que se desenha a 
partir da resistência armada e o sintetiza em seu próprio nome. É aí que podemos pensar em 
Cassirer quando vai dizer da tomada de poder que a palavra detém ao ser-lhe atribuído um 
carácter sacro. Assim como o MPLA se caracteriza na concepção do narrador, como a única 
 
Anais do SENAEL, SELIRS, SINEL 
-301- 
 
organização angolana que realmente busca a independência e autonomia de Angola com 
distribuição de renda e justiça social, uma espécie de aura-sacra da insurgência em contexto 
de crise ou, em outras palavras, o MPLA projeta construir uma nação justa e socialista que 
recusa o ―mundo dos patrões e quer o mel para todos‖ (PEPETELA, 1981, p. 59). Importante 
registrar que Pepetela escreve As aventuras de Ngunga com um intuito alfabetizador. Não só 
uma alfabetização funcional de leitura prática produtora de um sentido imediato, mas uma 
alfabetização ideológica, capaz de trazer a cada um dos indivíduos partícipes da guerra a 
possibilidade de habitar a palavra ―revolução‖ em uma perspectiva sacra, atribuindo-lhe uma 
significação plena e cheia de particularidades. 
Com a morte de seu protetor, opera-se uma transformação lenta e gradual em Ngunga. 
O seu ideal não é mais apenas a libertação de Angola que perece sob o jugo colonial 
desordenado de Portugal. Agora, o que ele quer é mudar o mundo em sua totalidade. Angola é 
só uma delimitação geográfica e mudá-la, exclusivamente, é não resolver o problema; é 
preciso uma revolução infraestrutural das relações de poder entre nações; é preciso 
estabelecer a justiça socialem todas as comunidades que se propõem a não seguir sua 
existência inseridas nos limites impostos por suas Metrópoles. Isto fica evidente quando o 
protagonista cogita a morte do marido de Wassamba [seu primeiro amor], para que pudessem 
fugir, mas ela percebe que esta não é solução: a solução é a construção de um mundo mais 
justo, mais pleno e mais livre, segundo os preceitos de MPLA, consoantes àquelas 
possibilidades levantadas na viagem de sua construção. 
Se o velho morresse... Afastou o pensamento. Não, isso não podia. O velho não era 
colonialista, não era vendido ao inimigo, não era um criado do tuga. Não, isso não. E 
Ngunga teve vergonha de o ter pensado. Era Uassamba que lhe dava esses maus 
pensamentos. Não, ela não tinha culpa. Era o Mundo com suas leis estúpidas. 
Mais uma vez Ngunga jurou que tinha de mudar o Mundo. Mesmo que para isso, 
tivesse de abandonar tudo de que gostava. (PEPETELA, 1981, p. 54, grifo nosso). 
Após a morte de Nossa Luta, Ngunga é recebido na seção do comandante Mavinga, 
sendo enviado para a escola do professor União. Lá, o protagonista passa a ser educado como 
pioneiro do MPLA até que, em um ataque da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do 
Estado), ambos, União e Ngunga, são presos. Dos dois, somente o menino consegue escapar. 
Com União preso, no romance, aparece o divisionismo no movimento, representado pela 
briga entre Mavinga e Avança, comandantes de seções do MPLA. Este divisionismo é um 
fato histórico atestado por Menezes (2000). O fragmento ilustra bem a cisão: 
E abandonaram a Seção, para irem dormir na mata. À volta duma fogueira, longe da 
do Comandante, um guerrilheiro segredou a Ngunga: 
 
Anais do SENAEL, SELIRS, SINEL 
-302- 
 
- O Mavinga tratou mal o Avança. Não devia ter feito à frente dos guerrilheiros; isso 
tira a disciplina. Mas houve um problema de mulheres entre eles, é por isso que não 
podem ver e falam mal um do outro. 
Ngunga, deitado ao lado de Mavinga, pensava que só mesmo União era perfeito. 
(PEPETELA, 1981, p. 49-50, grifo nosso). 
Apesar de que a briga entre Mavinga e Avança provenha de um desentendimento 
amoroso, ela é emblemática e faz com que se reordene o leque simbólico da guerra. Em 
primeiro lugar, por que ressalta a personagem União como um nome motivado e, em segundo 
lugar, por que demonstra que a cisão encontrava-se no seio do movimento anticolonialista. 
O MPLA foi um movimento de cunho marxista-leninista, por isso é possível pensar a 
personagem Avança como antítese da lição dada por Lenin (1946), em Um passo adiante, 
dois atrás. Nela, o líder da revolução russa afirma que o movimento revolucionário deve 
recuar um passo, se preciso, para poder avançar dois. Avança, no entanto, só recua, ele, 
segundo o que diz Mavinga, se esconde na floresta para não lutar. 
- Para que te serviam as armas, se tu andas a fugir do inimigo? Passas a vida nas 
seções ou nos kimbos; se há uma ofensiva encondes-te na mata. Para que queres 
mais armas. Era só para chatear o Mavinga.... 
- Julgas que és só tu que combates? – arriscou Avança. 
- Vê-se que, entre nós, há uma grande diferença. Mas acabou, dá-me as armas. 
(PEPETELA, 1981, p. 49). 
Apesar do nome de Ngunga não estar em português, mas em Kimbundu, é possível 
pensá-lo como nome motivado. Esta possibilidade se sustenta por que um dos significados 
deste vocábulo é ―correnteza‖, ligando-se à ideia de rio que, desde Heráclito de Éfeso
6
 (1999, 
p. 97), no seu aforismo 91, está ligado à transformação. Ngunga, por passar por um processo 
de transformação em sua trajetória, conforme afirmamos acima, representa o próprio país em 
construção; Ngunga é a própria Angola caminhando em direção ao socialismo. Isto se 
caracteriza também pela idade do personagem: um menino de 13 anos que teve toda sua 
existência dentro do processo de luta anticolonial. Exatamente os treze anos de guerra, 
naquele momento da publicação dos trezentos exemplares mimeografados que foram 
pulverizados nas Frentes de resistência do MPLA. Era o ano de 1974 e Ngunga trazia a 
caracterização plena do novo-homem angolano, o que vai fazer a síntese da história e 
ressignificar seu próprio destino. A ―correnteza‖ que Pepetela nos apresenta é a força que 
move, agora, organizadamente, os sedimentos fossilizados no país negro. 
O elemento fabular: o ensinamento final do narrador aos guerrilheiros angolanos 
 
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 Filósofo pré-socrático que viveu em Éfeso, na Grécia, entre 540 a.C. a 470 a.C. Sua principal ideia é que todas 
as coisas estão em constate transformação, ou seja, em devir. 
 
Anais do SENAEL, SELIRS, SINEL 
-303- 
 
Segundo Massaud Moisés (1999, p. 226), a fábula se caracteriza por apresentar uma 
moral que a encerra e ser protagonizada por animais irracionais. Pepetela, dá ouvidos, o que 
por extensão da voz, às árvores, borboletas e pássaros, no capítulo 28 da obra, introduz um 
elemento fabular, justificando a existência do último capítulo. 
Wassamba pensou, pensou, apertando-lhe a mão. Encostou a boca ao ouvido dela e 
pronunciou uma palavra. Mas fê-lo tão baixinho que o barulho da chinjanguila a 
cobriu e só Ngunga pôde perceber. Nem as árvores, nem as borboletas noturnas, 
nem os pássaros adormecidos, nem mesmo o vento fraquinho, puderam ouvir para 
nos dizer. (PEPETELA, 1981, p. 57). 
A passagem acima permite que o autor introduza uma lição no final de seu romance. A 
construção deste elemento fabular permite que o narrador insinue uma moral da história, ou 
seja, que os guerrilheiros devem se mirar no exemplo de Ngunga e que o menino, 
representando a luta anticolonial, justamente por ter a idade dela, continua pelos campos e 
matas de Angola, agora, já, anônimo. Defendendo seu ideal primeiro que é a justiça universal. 
Então, pode-se dizer que foi possível seguir os princípios enunciados no início deste 
artigo. Utilizamos a história, mas também nos voltamos para os elementos simbólicos da obra, 
utilizando-se o princípio dialético – essência primeira da palavra. 
Resumen: El presente trabajo se insiere en la pesquisa O Brasil que me (des)silencia: a concepção de leitura e de 
leitores inscrita na ficção de Pepetela e a identidade sonhada, coordinada por el profesor Dr. Daniel Conte. El 
trabajo tiene por objetivo analizar la trayectoria del personaje Ngunga en la obra As aventuras de Nugnga, de 
Pepetela. Desde la concepción de la palabra como vector ideológico, como nos enseña Bakhtin (2010), se analiza 
la onomástica de los personajes con nombres en lengua portuguesa (Nossa Luta, União y Avança). Con carácter 
bibliográfico, el trabajo se direcciona a la influencia de eses personajes sobre Ngunga, buscando resaltar en el 
tejido narrativo la muerte de Nossa Luta, por ejemplo, hecho que abre los horizontes del personaje principal para 
ideales que ultrapasan la libertad de Angola del dominio colonial portugués en busca de un mundo más justo 
como un todo. También se busca relacionar la obra con la historia angolana, sin que, sin embargo, se vuelva en 
un simple documento histórico, pero comprendiéndola en sus aspectos simbólicos, que son inherentes al texto 
literario. Como base teórica, serán usados Bakhtin, Cassirer, Reis y Lopes, Massaud Moisés y Solival Menezes. 
Palabras-clave: Literatura. Historia. Brasil. Angola. Pepetela. 
Referências 
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. 
CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva, 1977. 
HERÁCLITO. Fragmentos. In: Os Pensadores: Pré-socráticos. São Paulo: Nova 
Cultural,1999. 
MENEZES, Solival. Mamma Angola: sociedade e economia de um país nascente. São Paulo: 
Edusp/ Fapesp, 2000. 
LENIN, Vladimir Ilích. Um passo adiante, dois passos atras. 1. ed. Rio de Janeiro: Vitória, 
1946 
 
Anais do SENAEL, SELIRS, SINEL 
-304- 
 
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1999. 
PEPETELA. Asaventuras de Ngunga. São Paulo: Ática, 1981. 
REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de narratologia. 7. ed. Coimbra: 
Almedina, 2002.

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