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DELEUZE, G Lógica do Sentido

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Gilles· Deleuze
LOGICA DO SENTIDO
~\\,~
~ ~ EDITORA PERSPECTIVA
7/f1\~
© 1969 by Les :tditions de Minuit
Direitos em lingua portuguesa reservados a
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Luis Antanio. 3025
Telefooe: 288-8388
01401 Sio Paulo Brasil
1975
Sumario
"\
Prologo: de Lewis Carroll aos Est6icos XV
Prlmeira serle de Paradoxos: Do Puro Devir 1
Distin~o platanica entre as coisas medidas e 0 devir-
louco - A identidade infinita - As aventuras de Alice
ou "acontecimentos".
FICHA CATALOGRAFICA
(Preparada pelo Centro de Cataloga!;ao-na-fonte,
CAMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP)
Deleuze, Gilles.
D39L L6gica do Sentido; tradu~ao de Luiz Roberto Sali-
nas Fortes. Sao Paulo, Perspectiva, Ed. da Universidade
de sao Paulo, 1974.
(Estudos, 35)
Bibliografia.
1. Paradoxo 2. Razao 3. Semantica (Filosofia)
4. Significado (Filosofia) I. Titulo.
CDD-165
-160
-149.94
74-0979
Indice para 0 catalogo sistematico:
1. Paradoxos: Logica 165
2. Razao: L6gica 160
3. Semantica: Filosofia 149.94
4. Significado: Semantica: Filosofia 149.94
).
Segunda Serle de Paradoxos: Dos Efeilos de Superffcie
Distin!;3.o est6ica dos corpos ou estados de coisas e des
efeitos incorporais ou acontedmentos -' Corte da reIa-
!;io causal - Fazer subir a superficie. .. - Descoberta
da superficie em Lewis Carroll.
Terceira serle: Da Proposi9iio .
Designa!;oo, manifesta~o, significa!;ao: suas re1a!;Oes e
sua circularidade - Haved, uma quarta dimensao da
proposi!;ao? - Sentido, expressao e acontecimento -
Dupla natureza do sentido: exprimivel da proposi!;8.o e
atributo do estado de coisas, insistencia e extra-ser.
Quarla serle: Das Dualidades .
Corpo~linguagem, comer-falar - Duas especies de pala-
vras - Duas dimensOes da proposigao: as designa!;3es e
as expressOes, as consuma!;Oes e 0 sentido - As duas
series.
Quinta Serle: Do Sentido .
A prolifera!;ao indefinida - 0 desdobramento esteril -
A neutralidade ou terceiro estado da essencia - 0 absur-
do ou os objetos impossiveis.
Sexla Serle: Sobre a Coloca9iio em Series .
A forma serial e as series heterogeneas - Sua consti-
tui!;ao - Para 0 que convergem estas series? - 0 para-
doxo de Lacan: 0 estranho elemento (Iugar vazio ou
ocupante sem Iogar) - A Ioja da ovelha.
5
13
25
31
39
Lin
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Balão de comentário
PSICANÁLISE?
Lin
Balão de comentário
FILOSOFIA DA LITERATURA?
Oitava Serie: Da Estrutura .
Paradoxa de Levi-Strauss - Condi~ao de uma estrutura
- Papel das singularidades.
Selima S6rie: Das Palavras Esotericas ::...
SiDtese de contra!rao sobre uma serie (conexao) - Sl~~
tese de coordena!rao de duas series (conjuD!;ao) - 8104
teso de disjUD):3.0 ou de ramifica~ao das series: 0 proble-
ma das palavras-valise.
Nona Serie: Do Problematico
45
51
55
Decima Sexta Serie: Da Genese Estatica Ontol6gica
Genese do individuo: Leibniz - Condi~o da "com-
possibiIidade" de um mundo ou da convergencia das
series (continuidade) - Transforma!;ao do aconteci-
mento em predicado ~ Do individuo apessoa -
Pessoas, propriedades e classes,
Decima Setima S6rle: Da Genese Estatica LOgica
Passagem as dimensOes da proposi\iao - Sentido!e pro-
posil;ao - Neutralidade do sentido - Superficie e forro.
113
123
Singularidades e acontecimentos - Problema e aconte-
cimento - As matematicas recreativas - ponto aleat6-
rio e pontos singulares.
Decima S6rie: Do Jogo Ideal .
Regras dos jogos ordinarios - Urn. jogo extraordinario
- As duas leituras do tempo: Aion e Cronos - Mallar-
me.
Decima Primeira S6rie: Do Nao-Senso .
Caracteres do elemento paradoxa! - Em que ele e nao-
senso; as duas figuras do nao-sensa - As duas faemas
do absurdo (sem signific~ao) que dai decorrem, - Co-
presen~a do nao-sensa ao sentido - 0 sentido como
"efeito",
Decima Segunda S6rie: Sobre 0 Paradoxo .
Natureza do born senso e paradoxa - Natureza do
senso cornurn e paradoxa - Nao-senso, sentido e orga-
niza!rao da linguagem dita secundaria.
Decima Terceira S6rie: Do Esquizofrenico e da Menina
Antonin Artaud e Lewis Carroll - Comer-falar e a lin-
guagern esquizofreriica - Esquizofrenia e falencia da
superficie - A palavra-paixao e seus valores literirios
explodidos, a palavra-al;ao e seus valores tonicos inarti-
cuIados - Distin!tao entre 0 nao-senso de profundidade
e 0 nao-senso de superficie, da ordern prirnaria e da
organiza9ao secundaria da linguagem,
Decima Quarta Serie: Da Dupla Causalidade
Os acontecirnentos-efeitos incorporais, sua causa e sua
quase-causa - ImpassibiIidade e genese - Teona de
Hussed - As condil;Oes de uma verdadeira genese: urn
campo transcendental sem Eu nem centro de individua-
l;aO.
Decima Quinta Serle: Das Singularidades .
A batalha - 0 campo transcendental nao pode conser-
var a forma de uma consciencia - As singularidades
impessoais e pre-individuais - Campo transcendental e
superficie - Discurso do individuo, discurso da pessoa,
discurso sem fundo: havera urn quarto discurso?
61
69
77
85
97
103
Decima Oitava S6rie: Das Tres Imagens de Fil6sofos
Filosofia e altura - Filosofia e profundidade - Urn
novo tipo de fil6sofo: 0 est6ico - Hercules e as super-
ficies.
Decima Nona serle: Do Humor .
Da signific3l;w adesigna!rao - Estoicismo e Zen - 0
discurso cIassico e a indivfduo, 0 discurso romantico e
a pessoa: a ironia - 0 discurso sem fundo - 0 discur-
so das singularidades: 0 humor ou a "quarta pessoa do
singular",
Vigesima S6rie: Sobre 0 Problema Moral nos Est6icos
Os dais p6los da moral: adivinhaliao fisica das coisas
e uso 16gico das represental;oes - Representa!tao, uso
e expressao - Compreender, querer, representar 0 acon-
tecimento.
Vigesima Primeira S6rie: Do Acontecimento .....
Verdade eterna do acontecimento - Efetlla9ao e contra-
efetua!rao: 0 ator - Os dois aspectos da morte como
acontecimento - 0 que significa querer 0 aconteci~
mento.
Vigesima Segunda Serle: Porcelana e Vulcao ....
A "fissura" (Fitzgerald) - Os dois processos e 0 pro-
blema de sua distin~o - Alcoolismo, mania depressiva
- Hornenagem a psicodelia,
Vigesima Terceira Serie: Do Aion .
As caracteristicas de Cronos e sua reversaq por urn devir
das profundidades - Non e a superficie - A organiza-
~ que decorre de Aion e suas diferen93s com rela!tao
a Cronos.
Vigesima Quarta Serie: Da Comunica"ao dos Acon-
tecimentos .
Problema das incompatibilidades al6gicas ---< Leibniz -
Distancia positiva e sintese afirmativa de disjun\iaO - 0
etemo retorno, 0 Aian e a linha reta: um labirinto mais
terrivel ...
131
137
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167
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FILOSOFIA DA LITERATURA: LER
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PSICANÁLISE?
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FILOSOFIA ORIENTAL?
Vig6sima Quinta serle: Da Univocidade .183
o individuo e 0 acontecimento - Sequencia do eterno'
- As tres significa~Oes da univocidade.
Vigesima Sexta serle: Da Linguagem 187
o que torna a linguagem passivel - Recapitu1a~ao da
organiza!rw da linguagem - 0 verba e 0 infinitivo.
Vigesirna setima serle: Da Oralidade 191
Problema da genese dinamica: das profundidades a 8U-
perficie - As "posi!r6es" segundo Melanie Klein ~
Esquizofrenia e depressao. profundidade e altura. Si-
mulacro e tdola - Primeira etapa: do ruido a voz.
Trigesima Quarta serie: Da Ordem Primaria e da
~ganUa9ao Secundaria .. , .
A estrutura pendular do fantasm8: ressonincia e mo-
vimento for~do - Da paIavra ao verbo - Fim da
genese dinamica - Re;ei~. p~aria e secundaria -
Satirica, ir3nica, humoristica.
APBNDICES
I. SIMULACRO E FlLOSOFIA ANTIGA
1. Pla/iio e 0 ;simuJacro
247
259
Vigesima Oitava serie: Da Sexualidade 201
As zonas er6genas r- Segunda etapa da genese din8mi-
ca: aform.~ao das' superficies e sua concordancia -
Imagem - Natureza do complexo de Edipo, papel da
zona genital.
Vigesima Nona Serle: As Boas Inten<;5es sao For-
gosamente Punidas 209
o empreendimento edipiano na sua relalrao com a cons-
titui~o da superlicie - Reparar e fazer vir - A ca5-
tralraO - A intenlrao como categoria - Terceira etapa
da genese: da superlicie fisica a superficiemetafisica
(a dupla tela).
Trigesima Serie: Do Fantasma 217
Fantasma e aconteclmento ----- Fantasma, eu e singulari-
dades - Fantasma. verbo e linguagem.
Trlgesima Primeira serie: Do Pensamento 225
Fantasma, passagem e comelrO - 0 casal e 0 pensamen-
to - A superficie metafisica - A orientalrao oa vida
psiquica, a boca e 0 cerebro.
Trlgesima Segunda Serie: Sobre as Diferentes Espe-
cies de Series 231
As series e a sexualidade: sene conectiva e zona er6ge~
na, sene conjuntiva e concordancia - A terceira forma
de serie sexual, disjun!;30 e divergencia - Fantasma e
ressonancia - Sexualidade e linguagem: os tres tipos de
series e as palavras correspondentes - Da voz a pala-
vra.
Trigesima Terceira Serie: Das Aventuras de Alice 241
Das tres especies de palavras esotericas em Lewis Car-
roll - Resumo comparado de Alice e de DO' outro lado
do espelho - Psicanalise e literatura, romance neur6-
tico familiar e romance-obra de arte.
A dialetica platonica: significa!rio da divisao - A se-
l~iio dos pretendentes.
C6pias e simulacros - As caracteristicas do simulacro.
Hist6ria da representalriio.
Reverter 0 platonismo: a obm de ute modema e a des-
forra dos simulacros - Conteudo manifesto e conteudo
latente do eterno retorno (Nietzsche contra Platiio)
Eterno retorno e simulalriio - Modernidade.
2. Lucrecia e a simulacro 273
o diverso - A Natureza e a soma nao-totalizavel _
Critica do Set, do Um e do Todo.
Os diferentes aspectos do principio de causaIidade _
As duas figuras do metodo - 0 clinamen e a teoria do
tempo. 0 verdadeiro e 0 falso infinito 0-- A pertur-
b3j;ao da alma - EmanalrOes da profundidade, simula-
eros de superffcie, fantasmas teol6gicos, oniricos e
er6ticos - 0 Tempo e a unidade do metodo - Origem
do falso infinito e da perturbalrio da alma.
o NaturaIismo e a critica dos mitos.
II. FANTASMA E LITERATURA MODERNA
3 . Klossowski ou as carpas-linguagem 289
o silogismo disjuntivo do ponto de vista do corpo e da
linguagem - Pornografia e teologia.
Ver e falar - Reflexos, ressonancias, simulacros - A
denuncia - FIexao do corpo e da Iinguagem.
Troca e repetilrao - A repetilrao e 0 simulacro - Papel
das cenas congeladas.
o dilema: corpo-linguagem - Deus e 0 Anticristo: as
duas ordens.
Teona kantiana do silogismo disjuntivo - 0 papel de
Deus - Transformal;ao da teoria em KIossowski.
A ordem do Anticristo - A inten~ao: intensidade e
intencionalidade - 0 eterno retorno como fantasma.
4. Michel Tournier e 0 mundo sem au/rem. .. . .. 311
Robinson, os elementos e os fins - Problema da per-
versao.
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PSICANÁLISE
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PSICANÁLISE E LITERATURA
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FILOSOFIA DA LITERATURA
o efeito de outrem na percepgao - Outrem como estru;"
turn a priori - _0 efeito de outrem, no tempo - A
ausenda de outrem - Os duplos e os elementos.
Os tres sentidos da perda de outrem - Do simulacro
ao fantasma.
Outrem e a perversao.
5. Zola e a fissura 331
A fissura e a hereditariedade - Os instintos e sellS
objetos.
As duas hereditariedades - Instinto de morte e instintos. .
A Besta Humana.
o objeto fantasmado - Tragico e epico.
Pr6logo:
De Lewis Carroll
aos Est6icos
A obra de Lewis Carroll tem tudo para agradar ao lei-
tor alual: livros para crian9as, de preferencia para meninas;
palavras esplendidas, ins6litas, esotericas; crivos, c6digos e
decodifica90es; desenbos e fotos; um conteiido psicanalitico
profundo, um formalismo 16gico e lingiiistico exemplar. E
para alem do prazer atual algo de diferente, um jogo do
sentido e do naowsenso, urn caos-cosmos. Mas as nupcias
da linguagem e do inconsciente foram ja contraidas e cele-
bradas de tantas maneiras que e preciso procurar 0 que
foram precisamente em Lewis Carroll, com 0 que reataram
e 0 que celebraram nele, gra9as a ele.
Apresentamos series de paradoxos que formam a teoria
do sentido. Que esta teoria nao seja separavel de paradoxos
explica-se facilmente: 0 sentido e uma entidade nao existen-
te, ele tem mesmo com 0 nao-senso rela90es muito parti-
culares. 0 lugar privilegiado de Lewis Carroll provem do
fato de que ele faz a primeira grande conta, a prirneira
grande enCena9aO dos paradoxos do sentido, ora recolhendo-
-os, ora renovando-os, ora inventando-os, ora preparan-
do-os. 0 lugar privilegiado dos Est6icos provem de que
foram iniciadores de uma nova imagem do fil6sofo, em rup-
tura com os pre-socraticos, com 0 socratismo e 0 platonis-
mo; e esta nova irnagem ja esta estreitamente ligada a
constitui9ao paradoxal da teona do sentido. A cada serie
correspondem, por conseguinte, figuras que sao nao somente
hist6ricas, mas t6picas e 16gicas. Como sobre uma super-
ficie pura, cerlos pontos de tal figura em uma serie reme-
tem a outros pontos de tal outra: 0 conjunto das constela-
90es-problema com os lances de dados correspondentes, as
hist6rias e os lugares, um lugar complexo, uma "hist6ria
Lin
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Lin
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embrulhada" - este livro e um ensaio de romance 16gico
e psicanalitico.
Apresentamos em apendice cinco artigos ja aparecidos.
N6s os retomamos modificando-os, mas 0 tema permanece
e se desenvolvem certos pontos que s6 sao brevemente in-
dicados nas series precedentes (marcamos a cada vez a liga-
\iio por meio de urna nota). Sao: 1'1) "Reverter 0 plato-
nismo", Revue de mitaphysique et de morale, 1967; 2'1)
"Lucrecio e 0 naturalismo", Etudes philosophiques, 1961;
39) "K1ossowski e os corpos-linguagem", Critique, 1965; 49)
"Uma teoria do outro" (Michel Tournier), Critique, 1967;
5'1) "Introdu~ao a Besta Bumana de ZoIa", Cerele precieux
du livre, 1967. Agradecemos aos editores que se dispuse-
ram a autorizar esta reprodu~ao.
Primeira Serie
deParadoxos:
Do Puro Devir
Alice assim como Do outro lado do espelho tratam
de urna eategoria de coisas muito especiais: os aconteci-
mentos, os acontecimentos puros. Quando digo "Alice cres-
ce", quem dizer que eia se toma maior do que era. Mas
por isso mesmo ela tambem se toma menor do que e agora.
Sem dl1vida, nao e ao mesmo tempo que eia e maior e
menor. MR, e ao mesmo tempo que eia se torna urn e ontro.
Ela e maior agora e era menor antes. Mas e ao mesmo
tempo, no mesmo lance, que nos tornamos maiores do que
eramos e que nos faremos menores do que nos tomamos.
Tal e a simultaneidade de urn devir cuja propriedade e fur-
tar-se ao presente. Na medida em que se furta ao presente,
o devir nao suporta a separa~ao nem a distin~ao do antes
e do depois, do passado e do futuro. Pertence a essencia
do devir avan~ar, puxar nos dois sentidos ao mesmo tempo:
Alice nao cresce sem ficar menor e inversamente. 0 born
senso e a afirma~ao de que, em todas as coisas, ha um
sentido determinaveI; mas 0 paradoxo e a afirma~ao dos dois
sentidos ao mesmo tempo.
Platao convidava-nos a distinguir duas dimens6es: 1'1)
a das coisas Iimitadas e medidas, das qualidades fixas, quer
sejam permanentes ou temporarias, mas supondo sempre
freadas assim como repousos, estabelecimentos de presentes,
designa~6es de sujeitos: tal sujeito tem tal grandeza, tal pe-
quenei em tal momento; 29) e, ainda, urn pure devir sem
medida, verdadeiro devir-Iouco que nao se detem nunca, nos
dois sentidos ao mesmo tempo, sempre furtando-se ao pre-
sente, fazendo coincidir 0 futuro e 0 passado, 0 mais e 0
menos, 0 demasiado e 0 insuficiente na simultaneidade. de
uma materia indocil ("mais quente e mais frio vao sempre
par.a .a frente e nunca permanecem, enquanto a quantidade
defimda e ponto de parada e nao poderia avan~ar sem deixar
de ser; "0 ma~s jovem tor~a-~e mais velho do que 0 mais
velho~ e .0 maIs velh.o, ,maIs Jovem do que 0 mais jovem,
mas fJ~ah~ar este dem e 0 de que eles nao sao capazes, pois
se 0 fmalizassem nao roais viriam a seT, mas seriam... ")1.
Reconhecemos esta dualidade platonica. Nao e em
absoluto, a do inteligivel e a do sensfvel da Ideia e d; ma-
teria, das !deias e dos corpos. e uma dUalidade mais pro-
funda: ?,als se~reta, oculta nos proprios corpos sensfveis e
mater~~s: dualidade subte,;"aneaentre 0 que recebe a a~ao
da Idela e 0 que s~ ~ubtraI a esta a~?o: Nao e a distin~ao
do Modelo e da copJa, mas a das copJas e dos simulacros.
o puro devir, 0 ilimitado, e a materia do simulacro na
medida em que se furta a a~ao da Ideia, na medida' em
que contesta ao mesmo tempo tanto 0 modelo como a c6pia.
As coisas medidas achaIn-se sob as Ideias; mas debaixo das
proprias coisas nao haveria ainda este elemento louco que
subsiste, que "sub-vern", aquem da ordem fmposta pelas
Ideias e recebida pelas coisas? Ocorre ate mesmo a Platao
perguntar se este puro devir nao estaria numa rela~ao mnito
particular com a linguagem: tal nos parece urn dos sentidos
principais do Crtitilo. Nao seria talvez esta rela~ao essen-
c~al a linguagem, como em um "fluxo" de palavras, urn
dlSCurSO enlouquecido que nao cessaria de deslizar sobre
aquilo a que remete sem jaInais se deter? au entao, nao
haveria duas linguagens e duas especies de "nomes" uns
designando as paradas e repousos que recolhem a a~;io da
Ideia e os outros exprimindo os movimentos ou os devires
rebeldes? 2 Ou ainda, nao seriam duas dimensoes distintas
interiores a linguagem em geral, urna sempre recoberta pela
Dutra, mas continuando a "sub-vir" e a substituir sob a
outra?
o paradoxo deste puro devir, com a sua capacidade
de furtar-se ao presente, e a identidade infinita: identidade
infinita dos dois sentidos ao mesmo tempo, do futuro e do
passado, da vespera e do amanhii, do mais e do menos do
demasia~o e do insuficiente, do ativo e do passivo, da c~usa
e do efelto. e a linguagem que fixa os limites (por exem-
plo, ~ momento em que come~a 0 demasiado) , mas e ela
tambem que ultrapassa os limites e os restitni a eqnivalen-
cia infinita de Urn devir ilimitado ("nao segure urn ti~ao
vermelho durante demasiado tempo, ele 0 queimaria; nao
se corte demasiado profundamente, isso faria voce san-
grar"). Daf as inversoes que constituem as aventuras de
1. PL""T1.0. Filebo. 24 d; pormenide&. 154-155.
2. PJ:..A.T.i.O. Crc£tilo. 437 e ss. Sobre tudo 0 que precede, d. Ap&.dice I.
Alice. Inversao do crescer e do diminnir: "em que senti-
do, em que sentido?" pergunta Alice, pressentindo que e
sempre nos dois sentidos ao mesmo tempo, de tal forma
que desta vez ela permanece igual, gra~as a urn efeito de
optica. Inversao da vespera e do aInanhii, 0 presente sen-
do sempre esqnivado: "geleia na vespera e no dia seguinte,
nunca hoje". Inversao do mais e do menos: cinco noites
sao cinco vezes mais quentes do que uma s6, "mas deveriam
ser tambem cinco vezes mais frias pela mesma razao". Do
ativo e do passivD: "sera que os gatos camero os morcegos?"
e 0 mesmo que "sera que os morcegos camero os gatos?".
Da causa e do efeito: ser punido antes de ter cometido a
falta, gritar antes de se machucar, servir antes de repartir.
Todas estas inversOes, tais como aparecem na identi-
dade iufinita tern urna mesma conseqUencia: a contesta~ao
da identidade pessoal de Alice, a perda do nome proprio.
A perda do nome proprio e a aventura que se repete alraves
de todas as aventuras de Alice. Pois 0 nome proprio ou
singular e garantido pela permanencia de urn saber. Este
saber e encarnado em nomes gerais que designam paradas e
repousos, substantivos e adjetivos, com os quais 0 proprio
conserva uma rela~ao constante. Assim, 0 eu pessoal tern
necessidade de Deus e do mundo em geral. Mas quando
os substantivos e adjetivos com~aIn a fundir, quando os
nomes de parada e repouso sao arrastados pelos verbos de
puro devir e deslizam na linguagem dos acontecimentos,
toda identidade se perde para 0 eu, 0 mundo e Deus. e
a prova~ao do saber e da declama~ao, em que as palavras
vern enviesadas, empurradas de vies pelos verbos, 0 que des-
titui Alice de sua identidade. Como se os acontecimentos
desfrutassem de uma irrealidade que se comunica ao saber
e as pessoas atraves da linguagem. Pois a incerteza pessoal
nao e urna duvida exterior ao que se passa, mas uma estru-
tura objetiva do proprio acontecimento, na medida em que
sempre vai nos dois sentidos ao mesmo tempo e que esquar-
teja 0 sujeito segundo esta dupla dire~ao. 0 paradoxo e,
em primeiro lugar, 0 que destroi 0 born senso como sentido
unico, mas, em seguida, 0 que destr6i 0 senso comurn como
designa~ao de identidades fixas.
l
i
Segunda Serie
de Paradoxos:
Dos Efeitos de Superficie
AS Est6icos, por sua vez, distinguiam duas especles
de coisas: 1) as corpos, com suas tensoes, suas qUalidades
fisicas, suas rela~oes, suas a~oes e paixoes e os "estados de
coisas" correspondentes. Estes estados de coisas,' a~oes e
paixoes, sao determinados pelas misturas entre corpos. No
limite, ha uma unidade de todos os corpos em fun~ao de
um Fogo primordial em que eles sao absorvidos e a partir
do qual se desenvolv·em segundo sua tensao respectiva. a
linico tempo dos corpos e estados de coisas e 0 presente.
Pois 0 presente vivo e a extensao temporal que acompanha
o ato, que exprime e mede a a~ao do agente, a paixao do
padente. Mas, na medida da unidade dos corpos entre si,
na medida da unidade do principio ativo e do principia
passivo, urn presente c6smico envolve 0 universo inteiro:
s6 os corpos existem no espa~o e s6 0 presente no tempo.
Nao ha causas e efeitos entre os corpos: todos os corpos
sao causas, causas nns com relagao aos outros, nns para os
outros. A unidade da causas entre si se chaI!1a Destino,
na exten,lio do presente c6sniico. . ..-
2) Todos os corpos sao causas uns para os outros,
uns com rela~ao aos outros, mas de que? Sao causas de
certas coisas de uma natureza completamente diferente.
Estes efeitos nao sao corpos, mas, propriamente falando,
"incorporais". Nao sao qualidades e propriedades f(sicas,
mas atributos l6gicos au dialeticos. Nao sao coisas ou es-
tados de coisas, mas acontecimentos. Nao se pode dizer
que existam, mas, antes, que subsistem au insistem, tendo
este minima de ser que convem ao que DaD e uma caisa,
entidade nao existente. Nao sao substantivos ou adjetivos.
mas verbos. Nao sao agentes nem pacientes, mas resulta-
dos de a\;oes e palXoes, "impassiveis" - impassiveis resul-
tados. Nao sao presentes vivos, mas infinitivos: Aion iIi-
mitado, devir que se divide ao infinito em passado e em
futuro, sempre se esquivando do presente. De tal forma que
o tempo deve ser apreendido duas vezes, de duas maneiras
complementares, exclusivas uma da outra: inteiro como pre-
sente vivo nos corpos que agem e padecem, mas inteiro
tambem como instancia infiuitamente divisivel em passado-
-futuro, nos efeitos incorporais que resultam dos ~orpos,
de suas a~lies e de suas paixlies. S6 0 presente eXlste no
tempo e reune, absorve 0 passado e 0 futuro, mas s6 0
passado e 0 futuro insistem no tempo e dividem ao infinito
cada presente. Nao tres dimenslies sucessiv30~~. mas <!'!~~
leituras simultaneas do·tempo~··
Como diz EmUe Brehier na sua bela reconstitui~ao do
pensamento est6ico: "Quando 0 escalpelo corta a carne, 0
primeiro corpo produz sobre 0 segundo nao uma proprie-
dade nova, mas um atributo novo, 0 de ser cortado. a
alribulo nao designa nenhuma qualidade real. .. , e sempre
ao contnirio expresso por um verbo, 0 que quer dizer que
e nao um ser, mas uma maneira de ser. .. Esta maneira
de ser se encontra de alguma forma no limite, na superficie
de ser e nao pode mudar sua natureza: ela nao e a bem
dizer nem ativa nem passiva, pois a passividade suporia uma
natureza corporal que sofre uma a~ao. Ela e pura e sim-
plesmente um resultado, um efeito nao classificavel entre os
seres. .. (as Est6icos distinguem) radicalmente, 0 que nin-
guem tinha feito antes deles, dois pIanos de ser: de um
lado 0 ser profundo e real, a for~a; de outro, 0 plano dos
fatos, que se produzem na superficie do ser e instituem uma
multiplicidade infinita de seres incorporais" '.
No entanto, 0 que ha de mais intimo, de mais essen-
cial ao corpo do que acontecimentos como crescer, diminuir,
ser cortado? a que querem dizer os Est6icos quando
opi5em a espessura dos corpos estes acontecimentos incor-
porais que se dariam somente na superficie, como urn vapor
nos campos(menos ate que um vapor, pois um vapor e um
corpo)? _Q. 'lue hli.no~ corpos,. '!a l'r()~undidade do." corpo~
sao misturas:.llm corl'.ope,!et~,,--outr().,,- coexiste .com~le
em todas assua~..l'.artes, como a gota de viu1l.9..1l0lllar ou
o fogo 110·. ferro,- Um corpo se retira de outro, como 0
liquido de um vaso. As misturas em geral determinam es-
tados de coisas quantitativos e qualitativos: as dimenslies
de um conjunto ou 0 vermelho do ferro, 0 verde de uma
arvore. Mas 0 que queremos dizer por "crescer", "dimi-
nuir","avermelhar", "verdejar", "cortar", "ser cortado". etc.,
1. BRunER. Emile. La TheoTie des ineorpoTels dans Z'aneien stOlcisme.
VriD, 1928, pp. 11-13.
I
e de uma outra natureza: nao mais estados de coisas ou
misturas no fundo dos corpos, mas acontecimentos incorpo-
rais na superficie, que resultam destas misturas. A ~rv~re
verdeja . .• 2 a genio de urna filosofia se mede em pnmelro
lugar pelas novas distribui~lies que implie aos seres e aos
conceitos. as Est6icos estao em vias de tra~ar, de fazer
passar uma fronteira onde nenhuma havia sido jamais vista:
neste sentido deslocam toda a reflexao.
a que estao operando e, em primeiro lugar, uma cisao
totalmente nova da rela~ao causal. Eles desmembram esta
rela~ao, sujeitos a refazer uma uuidade de cada lado. Re-
metem as causas as causas e afirmam1!J!lA.ligacao.Aa§.l:.ausas.
entre si (destino). Remetem os efeitos aos efeitos e colo-
··cam certos Ia~os dos efeitos entre si. Mas nlio 0 fazem,
absolutamente, da mesma maneira: os efeitos incorporais
nao sao jamais causas uns em rela~ao aos outros, mas so-
mente "quase-causas", segundo leis que exprimem talvez em
cada caso a uuidade relativa ou a mistura dos corpos de
que dependem como de suas causas reais. Tanto que a
liberdade se ve salva de duas maneiras complementares:
uma vez na interioridade do destino como Iiga~ao das causas,
outra na exterioridade dos acontecimentos como la~o dos
efeitos. Eis por que os Est6icos podem opor destino e ne-
cessidade 3. Os Epicuristas operam uma outra cisao da cau-
salidade, que fundamenta tambem a Iiberdade: conservam
a homogeneidade da causa e do efeito, mas recortam a causa-
Iidade segundo series at6micas cuja independencia respectiva
e garantida pelo clinamen - nao mais destino sem necessi-
dade, mas causalidade sem destino 4. Nos dois casos come-
~a-se por dissociar a rela~ao causal, ao inves de distinguir
tipos de causalidade, como fazia Arist6teles ou como fara
Kant. E esta dissocia~iio nos remete sempre a linguagem,
seja a existencia de uma declin{lfiio das causas, seja, como
veremos, a existencia de uma conjug{lfiio dos efeitos.
Esta dualidade nova entre os corpos ou estados de
coisas e os efeitos ou acontecimentos incorporais conduz
a uma subversao da filosofia. Por exemplo, em Arist6teles,
todas as categorias se dizem em fun~ao do Ser; e a diferen-
2. Cf. os comentluios de Bremer sobre este exemplo, p. 20.
3. Sobre a distincao das causas reais internas e das causas exteriores
que entram em rela~6es limitadas de "confatalidade". cf. aCERO, De fato.
9, 13, 15 e 16.
4. Os Epicuristas t~ tamhem Ulna idMa do acontecimento muito pr6xim.a
da dos Est6icos: Epicuro, carta a Her6doto, 39-40, 68-73; e Lucrecio,
I, 449 e s. Lucrecio analisa 0 acontecimento: "a filha de Tindaro foi segues.
trada... " . Ele opOe os eventa (servidio-liberdade, pobreza-riqueza, guerra.
conc6tdia) aos conjuneta (qualidades reais inseparaveis dos corpos). Os aeon.
tecimentos nio parecem exatamente incorporais, mas sao entretanto apresentado!
como nao existindo por si mesmos, impasslveis, puros resultados dos movimentos
da materia, das ~s e paixOes dos corpos. Entretanto, n§.o parece que ()$
Epicuristas tenham desenvolvido esta teoria do acontecimentOi talvez porque
a dobravam as exigSncias de uma causalidade homogSnea e a faziam depender
de sua propria conc~io do rimulacro. Cf. Ap~dice II.
c;a se passa no ser entre a substancia como sentido primeiro
e as outras categorias que lhe sao relacionadas como aci-
dentes. Para os Est6icos, ao contrario, os estados de coisas,
quantidades e qualidades, nao sao menos seres (ou corpos)
que a substancia; eIes fazem parte da substancia; e, sob este
titulo, se op6em a um eiXtra-ser que constitui 0 incorporal
como entidade nao existente. 0 termo mais alto nao e pois
o Ser, mas Alguma coisa, aliquid, na medida em que sub-
sume 0 ser e 0 nao-ser, as existencias e as insisrencias 5.
Mais ainda, os Est6icos procedem a primeira grande revira-
volta do platonismo, a reviravolta radical. Pois se os cor-
pos, com seus estados, qualidades e quantidades, assurnem
todos os caracteres da substancia e da causa, inversamente,
os caracteres da Ideia caem do outro lado, neste extra-ser
impassivel, esteriI, ineficaz, a superficie das coisas: 0 ideal, /
o ilu:orporal niic pode ser mais do que um "ejeito".
A conseqiiencia e de urna importfutcia extrema. Pois,
em Platao, urn obscuro debate se processava na profundi-
dade das coisas, na profundidade da terra, entre 0 que se
submetia a a9ao da ldeia e 0 que se subtraia a esta a9ao (as
c6pias e os simulacros). Um eco deste debate ressoa quan-
do S6crates pergunta: haven! Ideia de tudo, mesmo do pelo,
da imundicie e da lama - ou entao havenl alguma coisa
que, sempre e ohstinadamente, esquiva-se a ldeia? S6 que
em Platao esta "alguma coisa" nao se achava Dunea sufi-
cientemente escondida, recalcada, repelida na profundidade
dos corpos, mergulhada no oceano. Eis que agora tudo sobe
ii superjieie. :£ 0 resultado da oper~ao est6ica: 0 ilimita-
do torna a subir. 0 devir-Iouco, 0 devir-ilimitado nao e
mais um fundo que murmura, mas sobe a superficie das
coisas e se torna impassivel. Nao se trata mais de simu-
lacros que escapam do fundo e se insinuam por tada parte,
mas de efeitos que se manifestam e desempenham seu papel.
Efeitos no sentido causal, mas tambem "efeitos" sonoros,
6pticos ou de linguagem - e menos ainda, ou muito mais,
uma vez que eles nao tem mais nada de corporal e sao
agora toda a ideia... 0 que se furtava a ldeia subiu a
superficie, limite incorporal, e representa agora toda a idea-
lidade possivel, destituida esta de sua eficacia causal e es-
piritual. Os Est6icos descobriram os efeitos de superficic.
Os simulacros deixam de ser estes rebeldes subterraneos,
fazem valer seus efeitos (0 que poderiamos chamar de "fan-
tasmas", independentemente da terminologia est6ica). 0
mais encoberto tornou-se 0 mais manifesto, todos os velhos
paradoxos do devir reaparecerao numa nova juventude -
transmuta9ao.
s. Cf, Plotina, VI, I, 25: a expDSi~o das categorias est6icas (Bremer,
p. 43).
,
o devir-ilimitado torna-se 0 pr6prio acontecimento,
ideal, incorporal, com todas as reviravoltas que Ihe sao pr6-
prias, do futuro e do passado, do ativo e do passivo, da
causa e do efeito. 0 futuro e 0 passado, 0 mals e 0 menos,
a mnite e 0 ponco, 0 demasiado e 0 insuficiente ainda, 0 ja
e 0 niio: pois 0 acontecimento, infinitamente divisivel, e
sempre os dois ao mesmo tempo, eternamente 0 que acaba
de se passar e 0 que val se passar, mas nunca 0 que se
passa (cortar demasiado profundo mas nao 0 bastante). 0
ativo e 0 passivo: pois 0 acontecimento, sendo impassivel,
traca-os tanto melhor quanto nao e nem um nem outro,
mas seu resultado comum (cortar-ser cortado). A causa e
o efeito: pois os acontecimentos, niic sendo nunca nada
mals do que ejeilos, podem tanto melhor uns com os outros
entrar em fun96es de quase-causas ou de rela90es de quase-
-causalidade sempre reversiveis (a ferida e a cicatriz).
Os Est6icos sao amantes de paradoxos e inventores.
E preciso reler 0 admiravel retrato de Crisipo, em algumas
piiginas, por Di6genes Laercio. Talvez os Est6icos se sir-
Yam do paradoxo de um modo completamente novo: ao
mesmo tempo como instrumento de analise para a linguagem
e como meio de sintese para os acontecimentos. A dialetiea
e precisamente esta ciencia dos acontecimentos incorporais
tais como sao expressos nas proposi90es e dos la90s de
acontecimentos tais como sao expressos nas relac;6es entre
proposi90es. A dialeticae realmente a arte da eonjugarao
(cf. as eonjalalia, ou series de acontecimentos que depen-
dem uns dos outros). Mas e pr6prio da linguagem, simul-
taneamente, estabelecer limites e ultrapassar os limites esta-
belecidos: por isso compreende termos que nao param de
deslacar sua extensao e de tornar possivel uma reversao da
liga9ao em uma serie considerada (assim, demasjado e in-
suficiente, mnito e pouco).
o acontecimento e coextensivo ao devir e 0 devir, por
sua vez. e coextensivo a linguagem; 0 paradoxo e, pois,
essenciahnente "sorite" isto e, serie de proposi9&s interro-
gativas prOcedendo segundo 0 devir por adi90es e subtra90es
sucessivas. Tudo se passa na fronteira entre as coisas e as
proposi90es. Crisipo ensina: "se dizes a1guma coisa esta
coisa passa pela boca; ora, tu dizes uma carrara, logo uma
carr09a passa por tua boca". Hii ai um uso do paradoxo
que s6 tem eqnivalente no budismo Zen de um lado, e do
outro no non-sense IngleS ou norte-americano. Por urn lado
o mals profundo e 0 imediato; por outro, 0 imediato est.
na linguagem. 0 paradoxa aparece como destitui9ao da
profundidade, exibi9ao dos acontecimentos na superficie,
desdobramento da linguagem ao longo deste limite. 0 hu-
mor e esta arte da superficie, contra a velha ironia, arte
III
l
das profundidades ou das alturas. as Sofistas e os Cinicos
ja tinham feito do humor uma arma filosofica contra a
ironia socratica, mas com as Est6icos 0 humor encontra
sua dialetiea, seu principio dialetieo e seu lugar natural, seu
puro conceito filosofico.
Esta opera~ao inaugurada pelos Estoieos, Lewis Carroll
a efetua por conta propria. au entao, por conta propria,
ele a retoma. Toda a obra de Carroll trata dos aconteci-
mentos na sua diferen~a em rela~ao aos seres, as coisas e
estados de coisas. Mas 0 come~o de A lice (toda a primei-
ra metade) procura ainda 0 segredo dos acontecimentos e
do devir i1imitado que eles implicam, na profundidade da
terra, po~os e tocas que se cavam, que se afundam, mistura
de corpos que se penetram e coexistem. A medida que
avan~amos na narrativa, contudo, os movimentos de mer-
gu1ho e de soterramento dao lugar a movimentos laterais de
deslizamento, da esquerda para a direita e da direita para
a esquerda. as animais das profundezas tornam-se secun-
darios, dao lugar a jiguras de carras de baralho, sem espes-
sura. Dir-se-ia que a antiga profundidade se desdobrou na
superficie, converteu-se em largura. a devir i1imitado se
desenvolve agora inteiramente nesta largura revitada. Pro-
fundo deixou de ser um elogio. So os animais sao pro-
fundos; e ainda assim nao os mais nobres, que sao os ani-
mais pIanos. as acontecimentos sao como os cristais, nao
. se transformam e nao crescem a nao ser pelas bordas, nas
bordas. :E realmente este 0 primeiro segredo do gago e do
canhoto: nao mais penetrar, mas deslizar de tal modo que
a antiga profundidade nada mais seja, reduzida ao sentido
inverso da superficie. De tanto deslizar passar-se-a para
o outro lado, uma vez que 0 outro lado nao e senao 0 sen-
tido inverso. E se nao ha nada para ver por tras da cor-
tina e porque todo 0 visivel, ou antes, toda a ciencia possi-
vel, esta ao longo da cortina, que basta seguir 0 mais longe,
estreita e superficialmente possivel para inverter seu lado
direito, para fazer com que a direita se tome esquerda e
inversamente. Nao ha, pois, aventuras de Alice, mas uma
aventura: sua ascensao a superficie, sua desmistific~ao da
falsa profundidade, sua descoberta de que tudo se passa na
fronteira. Eis por que Carroll renuncia ao primeiro titulo
que havia previsto, "As aventuras subterrlineas de Alice".
Com maior razao para Do ourro lado do espelho. Ai,
os acontecimentos, na sua diferen~a radical em rela~ao as
coisas, nao sao mais em absoluto procurados em profundi-
dade, mas na superficie, neste tenue vapor incorporal que
se desprende dos corpos, pellcula sem volume que os en-
volve, espelbo que os reflete, tabuleiro que os torna pIanos.
Aliee nao pode mais se aprofundar, ela libera 0 seu duplo
incorporal. E seguindo a fronteira, margeando a superfieie,
que passamos dos corpos ao incorporal. Paul Valery teve
uma expressao profunda: 0 mais profundo e a pele. Des-
coberta estoica, que supoe mnita sabedoria e implica toda
uma etica. :E a descoberta da menina que so cresce e di-
minni pelas bordas, superficie para enrubescer e verdejar.
Ele sabe que os acontecimentos concemem tanto mais os
corpos, cortam-nos e mortificam-nos tanto mais quanto per-
correm toda sua extensao sem profundidade. Mais tarde
os adultos Sao aspirados pelo fundo, recaem e nao com-
preendem mais, sendo muito profundos. Por que os mes-
mos exemplos do estoicismo continuam a inspirar Lewis
Carroll? A arvore verdeja, 0 escalpelo corta, a batalha
sera ou nao travada ...? :E diante das arvores que Alice
perde seu nome, e para uma arvore que Humpty Dumpty
fala sem olhar Alice. E as falas anunciam batalbas. E
por toda parte ferimentos, cortes. Mas serao mesmo exem-
plos? 'au entao sera que todo acontecimento nao e deste
tipo, floresta, batalha e ferimento, sendo tudo tanto mais
profundo quanto mais isso se passe na superficie, incorporal
de tanto margear os corpos? A historia nos eosina que
os bons caminhos nao tern funda~ao, e a geografia, que a
terra so e fertil sob uma tenue camada.
Esta redescoberta do sabio estoico nao esta reservada
a menina. :E bern verdade que Lewis Carroll detesta em
geral os meninos. Eles tern profundidade demasiada; logo
falsa profundidade, falsa sabedoria e animalidade. a bebe
masculino em A lice se transforma em porco. Em regra ge-
ral, somente as meninas compreendem 0 estoicismo, tern 0
senso do acontecimento e Iiberam urn duplo incorporal. Mas
ocorre que urn rapazinho seja gago e canhoto e conquista,
assim, 0 sentido como duplo senlido da superficie. a odio
de Lewis Carroll com rela~ao aos meninos nao e devido a
uma ambivalencia profunda, mas antes a uma inversao su-
perficial, conceito propriamente carrolliano. Em Silvia e
Bruno e 0 garoto que tern 0 papel inventivo, aprendendo as
Ii~oes de todas as maneiras, pelo avesso, pelo direito, por
cima e por baixo, mas nunca "a fundo". 0 grande roman-
ce Silvia e Bruno conduz ao extremo a evolu~ao que se es-
bo~ava em Alice, que se prolongava em Do ourro ladO do
espelho. A conc1usao admiravel da primeira parte e pela
gloria do Este, de onde vem tudo aquilo que e born, "tan-
to a substfmcia das coisas esperadas como a existencia das
coisas invisiveis". Mesma 0 barometro DaD sobe nem desce,
mas vai em frente, de lado e da 0 tempo horizontal. Uma
maquina de esticar aumenta ate mesmo as can~oes. E a
bolsa de Fortunatus, apresentada como anel de Moebius, e
feita de len~os costurados in the wrong way, de tal forma
que sua superficie exterior esta em continuidade com sua
superficie intema: ela envolve 0 mundo inteiro e faz com
que 0 que esta dentro esteja fora e 0 que esta fora fique
dentro 6. Em Silvia e Bruno a tecnica da passagem do real
para 0 sonho, e dos corpos para 0 incorporal, e multipli-
cada, completamente renovada, levada a sua perfei~ao. Mas
e sempre contomando a superficie, a fronteira, que passa-
mOs do outro lado, pela virtude de urn ane!. A continui-
dade do avesso e do direito substitui todos os mveis de pro-
fundidade; e os efeitos e superficie em urn so e mesmo
Acontecirnento, que vale para todos os acontecimentos, fa-
zem elevar-se ao myel da linguagem todo 0 devir e seus 1',/
paradoxos 7. Como diz Lewis Carroll num artigo intitulado IP"
The dynamics of a parti-cle, "superficie plana e 0 carater de
urn discurso '... "
6. Esta descric;:ilo da bolsa esta entre as mais belas paginas de Lewis
Carroll: Sylvie and Bruno concluded, cap. VII.
7. Esta descoberta da superlfcie, esta critica da profundidade formam
uma constante da literatura moderna. Elas inspiram a ohra de Robbe-Grillet.
De urna outra maneira sao encontradas em KlosSO'Wski. na relao;:ao entre a
epiderme e a luva de Roberte: cf. as observ~s de Klossowski a este respeito.
no po$f.facium das Leis do hospitalidade, pp. 335, 344. Ouentao Michel Tour-
nier, em Sexta-jeiT4 au os limbos do Pacifico. pp. 58-59: "Estranho preconceito.
conmdo, que valoriza cegamente a profundidade em detrimento da superlicie
c que pretende que swperficial significa nno de vasta dimerl3ao, mas de pouca
profundjdade, enquanto que profundo significa ao cootrano de grande profun~
d1dade e nao de fraca superffcie. E, entretanto. um sentimento como 0 amor ,.
mede-se bern melhoc, ao que me pacece, se e que pode sec medido, pela
importin.cia de sua superficie do que pelo grau de profundiclade" ," Cf.
Ap8ndices III e IV.
Terceira Serie:
Da Proposi~ao
Entre estes acontecimentos-efeitos e a linguagem ou
mesmo a possibilidade da linguagem, ha uma rela9ao essen-
~
cial: eproprio aos acontecimentos 0 fato de serem expresSDs
ou exprimiveis, enunciados ou enunciayeis por meio de pro-
posi\{i:ies pelo menos possiveis. Mas ha muitas rela~Oes na
proposi~ao; qual a que convem aos efeitos de superficie,
aos acontecimentos?
Muitos autores concordam em reconhecer ireS reJa~5es -<1-=
distintas na proposicao. A primeira e chamada ~-
.~ao ou indica~ao: ~ a relacao da prooosicao a urn estado de t
COisas extenores (datum). 0 estado de coisas e individual,
eomporta tal ou tal corpo, misturas de corpos, qualidades \ "'
e quantidades, rela~5es. A designacao opera pela associa- \ ~ Il
~ao das proprias palavras com irnagens particulares que de- v-
vern "re resentar" 0 estado de coisas: entre todas aquelas ,.. .~
que sao associa as a pa avra, tal ou tal palavra a proposi~ao, \,-r-'{
e preciso escolher, selecionar as que correspondem ao com- '*'"
plexo dado. A intui~ao desiguadora exprime-se entao sob a
forma: "6 ista", "nao e ista". A questao de saber se a
associa~ao das palavras e das imagens e primitiva ou deri-
vada, necessaria ou arbitraria, nao pode ainda ser posta. 0
que conta, no momento, e que certas palavras na proposi~ao,
certas particulas lingiifsticas, servem como formas vazias
para a sele~ao das irnagens em todo e qualquer caso, logo
para a desigua~ao de cada estado de coisas: estariarnos
errados se as tratassemos como conceitos universais, ja que
(
sao singulares formais,' que tem 0 papel de puros "desig-
nantes", au, como diz Benveniste, indicadares. ",Estes judj.
cadores formais sao· ;8001 aqnj10j ele; aa..ui, acohl: ontem,
1. Cf. a teoria dos embrayeul's tal como e apresentada por Benveniste,
Problemes de linguistique generale, Gallimard. cap. 20. Separamos "amanhi"
de ontem ou agora, porque "amanhi" 6 primeiramente expressl10 de cren9Q
e s6 tem um valor indicativo secundano.
de cera, Descartes nao busea de forma nenhuma 0 que per-
manece na cera, problema que nem mesmo chega a colo-
car neste texto, mas mostra como 0 Eu manifestado no Co-
gito fundamenta 0 jnizo de designa~ao segnndo 0 qual a )
\. cera e identificada. \
Devemos reservar 0 nome de signiflCa~ao a uma ter~
ceira dimensao da proposi~o: trata-se esta vez da relacao
da palavra com conceitos universais au gerais, e das liga_
soes sintaticas com impllca!iOes de conceito. Do ponto de)
vista da significa~ao, consideramos sempre os elementos da
proposi~ao como "significante" das implica~5es de coneei-
tos que podem remeter a outras proposi~oes, capazes de ser-
vir de premissas a primeira. A signifiea~ao se define por
esta ordem de impliea~ao conceitual em que a proposi~ao
eonsiderada nao intervem senao como elemento de urna
"demonstra~ao", no sentido mais geral da palavra, seja como
premissa, seja como conelusao. Os significantes lingiifsti-
cos sao entao essencialmente "implica" e "logo". A impli-
cGfiio e 0 signo que define a rehi~ao entre as premissas e a
conelusao; "logo" e 0 signo da asserr;iio, que define a pos-
sibilidade de afirmar a eonclusao por si mesma no final das
implica90es. Quando falamos de demonstra~ao no sentido
mais geral, queremos dizer que a signifiea~ao da proposi-
~ao se acha sempre assim no procedimento indireto que Ihe
corresponde, isto e, na sua rela~ao com outras proposi~oes
das quais e eoncluida, ou, inversamente, cuja eonclusao ela
torna possive!. A designa~ao, ao eontrario, remete ao pro-
cedimento direto. A demonstra~ao nao deve ser somente
entendida no sentido restrito, silogistico ou matematico, mas
tambem no sentido fisico das probabilidades, ou no sentido
moral das promessas e compromissos, sendo a asser~ao da
eonclusao neste Ultimo caso representada polo momento em
que a promessa e efetivamente eurnprida 2. 0 valor logico
da signifiea~ao ou demonstra~ao assim eompreendida nao e
mais a verdade, como 0 mostra 0 modo hipotetico das im-
pliea~oes, mas a condir;ao de verdade, 0 eonjunto das eon-
di~oes sob as quais urna proposi~ao "seria" verdadeira. A
proposi~ao condicionada ou concluida pode ser falsa, na me-
dida em que designa atualmente urn estado de coisas ine-
xistentes ou nao e verifieada diretamente. A signifiea~ao
nao fundamenta a verdade, 8em tomar ao mesmo tempo 0
~~err..o .1'.ossive.!.~po.r 'l"e a eondisao <!"-V~<l'!.<!E...'1.~.o ..... ssI .Qp(j!''!.Q..!.'l!~_tll'!.s..aoabsurdo:. 0 que .L~.!'!!L~j,g):ti!ica~ap.
~ que naopode..~~E yeE~<lejg) .lle1J].fll!sq.
2. Por exemplo. quando Brice Parain op5e a denominal;ao (designat;a?)
e a demonstracao (significaclio), e1e entende demonstracao de urna maneua
que eng10ba 0 sentido moral de um programa a preencher, de uma promessa
a cumprir. de urn possivel a realizar, como em urna "demonstrac1i.o de amor"
ou em "cu te amarei semwe". Cf. Recherches sur 14 nature et les foru;ticn3 du
langage, GaIlimard, cap. v.
agora etc. Os nomes proprios tamb6m sao indicadores ou l
designantes, mas de urna importancia especial porque sao
os Unicos a formar singnlaridades propriamente materiais.
Logicamente, a designa~ao tem como criterio e como ele-
mento 0 verdadeiro e 0 falso. Verdadeiro significa que
urna designa~ao e efetivamente preenchida pelo estado de
coisas, que os indicadores sao efetuados, ou a boa imagem
selecionada. "Verdadeiro em todos os casos" significa que
o preenchimento se faz para a infinidade das imagens parti-
culares associliveis as palavras, sem que haja necessidade de
sele~ao. Falso significa que a designa~ao nao esta pre-
enchida, seja por urna deficiencia das imagens selecionadas,
seja por impossibilidade radical de produzir uma imagem \1 associayel as palavras. J
Uma se da rela a da proposi~ao e frequentemente
~ehamada de manifesta ao. Trata-se da rela~ao da proposi-
£ao ao sujeito que fala e que se exprime. A manifesta~ao
se apresenta pois como 0 enunciado dos desejos e das cren-
~as que correspondem a proposi~ao. Desej08 e cren~as sao
inferencias causais, nao associa~oes. 0 d!'.s.£iQ_L'!..£'ll!gt~
lidade interna ~e urna imagem no-'J:l!e.se!.el~re ,~ ..eltis~encia
do objeto ou do estado de coisas correspondente; correla-
rlvamente;i,,:re~a'{-a- esper. deste 'objeto ou-estado de
coisas, e~uanto sua existencj~eve sllE.prodUZIda por urna
causalida<!!,.~,,!!,rna. Nao concluiremos que a manifesta~ao
seja seeundaria relativamente a designa~ao: ao contrario,
. ela a torna possivel e as inferencias formam uma unidade
sistematica da qual as assoe~a~oes derivam. Hume vira
isto profundamente: na associa£ao de causa e eteito "e-,,'a
inf~rell"ia_segIl,!d() a_rela9ao" queprecede apE§priai."1'!.~­
sao. Este primado da manifesta~ao e confirmaao pela ana-
lise lingUistica. Pois ha na proposiGao "manifestaJltes"
como particulas especiais: eu, tu; amanha,_~~~~ ~
em toda parte etc. E da mesma forma '1ue 0 nome pro-
prio e um indieador privilegiado, Eu e 0 manifestante de
base. Mas nao sao somente os outros manifestantes que
dependem do Eu, e 0 eonjunto dos indieadores que se re-
ferem a ele 1. A indica~ao ou designa~ao subsumia os es-
tados de eoisas individuais, as imagens partieulares e os
designantes singulares; mas os manifestantes, a partir do Eu,
eonstituem 0 domfnio do pessoai, que serve de principio a
toda designa~ao possive!. Enfim, da designa~ao a manifes-
ta~ao se produz urn desloeamento de valores logieos repre-
sentado pelo Cogito: nao mais 0 verdadeiro e 0 falso. mas
a ",eracidade e 0 engano. Na analisecelebre do peda~o"""--------"--
l
A pergunta: a significa~ao e, por sua vez, primeira
com rela<;ao a manifesta<;ao e a designa<;ao? deve receber
~ma. re~posta complexa. pois. se a propria manifesta<;ao
e pnmelra com rela<;ao a desIgna<;ao, se ela e fundadora,
e de Urn pouto de vista mnito particular. Para retomar
urna distin~ao chissica, digamos que e do ponto de vista
da tala, amda que fosse uma fala silenciosa. Na ordem
da fala, e 0 Eu que come<;a e comec;a em termos absolutos.
Nesta ordem ele e pois primeiro, nao so em rela<;ao a toda
d~~gn~<;ao possivel que fundamenta, mas com rela<;ao as sig-
mflca<;oes que envolve. Mas justamente deste ponto de vis-
ta, as significa90es conceituais DaD valem e DaD se desen-
volvem por si mesmas: elas permanecem subentendidas pelo
!"u, 9ue se apresenta, ele proprio, tendo uma significa<;ao
ImedIatamente compreendida, identica a sua propria mani-
festa<;ao. Eis por que Descartes pode opor a defini<;ao do
homem como animal racional a sua determina<;ao como Co-
gito: poi~ a I:'ri~~ira exige urn desenvolvimento explicito
dos conceltos slgmflcados (que e animal? 0 que e racional?)
enquanto que a segunda e suscetfvel de ser compreendida,
no momento mesmo em que for proferida '.
Este primado da manifesta<;ao, nao somente com rela- ~
<;ao a desi¥"a<;ao mas com rela<;ao a significa<;ao, deve pois ,
ser _entendldo em uma ordem da "fala" em que as signifi-
ca<;oes permanecem naturalmente impHcitas. E so ai que
. 0. En e primeiro em rela9ao aos conceitos - em re]a9ao
ao mundo e a Deus. Mas se existe uma Dutra ordem em I
que as significa<;oes valem e se desenvolvem por si mesmas,
entaD elas sao primeiras, nesta ordem, e fundamentam a
manifesta<;ao. Esta ordem e precisamente a da lingua:
u~a proposi<;ao nao pode aparecer ai a nao ser como prc-
mlssa au conclusao e como significante dos conceitos antes
de manifestar urn sujeito ou mesmo de designar urn estado
de coisas. E deste ponto de vista que conceitos significa-
dos, tals como Deus au 0 mundo, sao sempre primeiros rc-
lativamente ao Eu como pessoa manifestada e as coisas
como objetos designados. Em termos mais gerais, Benve-
niste mostrou que a rela<;ao da palavra (ou antes, de sua
propria imagem acustica) com 0 conceito era a unica ne-
cessaria, nao arbitraria. Somente a rela<;ao da palavra com
o conceito goza de urna necessidade que as outras rela<;oes
nao tern, uma vez que permanecem no arbitra.rio enquanto
as consideramos diretamente e que s6 saem dele na medida
em que as referimos a esta primeira rela<;ao. Assim, a
possibilidade de fazer variar as imagens particulares associa-
das a palavra, de substituir urna imagem por outra sob a
3. DESCARTES. Princfpe6. J. 10.
'
forma oc "nao e ista, e ista", DaD se explica a llao ser pela
constancia do conceito significado. Da mesma forma, os
desejos nao formariam urna ordem de exigencias ou mesmo
de deveres, distinta de uma simples urgencia das necessida-
des, e as cren<;as nao formariam uma ordem de inferencias
distinta das simples opinioes, se as palavras nas quais se
manifestam nao remelessem primeiramente a conceitos e im-
plica<;oes de conceitos que tomam significativos estes dese-
jos e estas cren<;as.
Contudo, 0 suposto primado da significa<;ao sobre a
designa<;ao levanta ainda urn problema delicado. Quando
dizemos "logo", quando consideramos urna proposi<;ao como
conelufda, fazemos dela 0 objeto de urna asser<;ao, isto e,
deixamos de lado as prentissas e a afirmamos por si mesma,
independentemente. Nos a relacionamos ao estado de coisas
que designa, independentemente das implica<;Oes que cons-
tituem sua significa<;ao. Mas, para isto sao necessarias duas
condi<;oes. :E: preciso em primeiro lugar que as prentissas
sejam postas como efetivamente verdadeiras; 0 que nos for<;a
desde ja a sair da pura ordem de implica<;ao para relacio-
na-Ias a urn estado de coisas designado que pressupomos.
Em segnida, porem, mesmo supondo que as premissas A e
B sejam verdadeiras, nao podemos coneluir dai a proposi-
<;ao Z em questao, nao podemos destaca-Ia de suas pre-
missas e afirma-la independentemente da implica<;ao a nao
ser admitindo que ela e por sua vez verdadeira, se A e B
sao verdadeiras: 0 que constitui uma proposi<;ao C que per-
manece na ordem da implica<;ao, nao chega a sair dela, urna
vez que remete a uma proposi<;ao D, que diz ser Z verdadei-
ra se A, B e C sao verdadeiras. .. ate 0 infinito. Este
paradoxo, no cora<;ao da 16gica e que teve urna importancia
decisiva para toda a teoria da implica<;ao e da significa<;ao
simbOlica, e 0 paradoxo de Lewis Carroll, no texto celehre
"0 que a tartaruga disse a Aquiles" 4. Em suma: de urn
lado, destacamos a conclusao das premissas, mas com a con-
di<;ao de que, de outro lado, acrescentemos sempre outras
premissas das quais a conelusao nao e destacavel. :E: 0
mesmO que dizer que a significa<;ao nao e nunca homoge-
nea; ou que as dais signos "implica" e "logo" sao comple-
lamenle heterogeneos; ou que a implica<;ao nao chega nun-
ca a fundamentar a designa<;ao a nao ser que se de a desig-
nac;ao ja pronta, uma vez nas premissas, antra na concIusao.
Da designa<;ao a manifesta<;ao, depois a significa<;ao,
mas tambem da significa<;ao a manifesta<;ao e a designa-
<;ao, somos conduzidos em urn cfrculo que e 0 circuio da
4. Cf. in Logique. sa~ pei.nc, ~. He:mann, trad. Gattegno e Coumet.
Sobre a abundante blbliograha, lirerana, 16g1ca e cientifica, que conceme a
esse paradoxa de Carrol, nOl'; reportaremos aos comentanos de Emest Coumet
pp. 281-288. '
l
proposi~ao. A questao de saber se devemos nos contentar
com estas tres dimensoes, ou s: e preciso acre!centar,alu
elas uma quarta que seria a sent,do, e uma questao econo-\I"
mica ou estrategica. Nao que devessemos construir um mo-
delo a posteriori que correspondesse a dirnensiies prelimina-
res. Mas, antes, porque 0 proprio modelo deve estar apto
do interior a funcionar a priori, ainda que introduzisse uma
dimensao suplementar que nao tivesse podido, em razao de
sua evanescencia, ser reconhecida na experiencia. Trata-se
pois de uma questao de direito e nao somente de fato.
Contudo, ha tambem uma questiio de fato e e precise co-
me~ar por ela: pode 0 sentido ser lo~aliza~o em u,?a. ~es-
tas tres dirnensoes, designa~ao, manifesta~ao ou slgniflca-
~ao? Responderemos primeiro que isto parece impossivel
no que se refere a designa~ao. A de~i~na~a? e 0 que, ~endo
preenchida, faz com que a proposl~ao seJa verdaderra; e
nao preenchida, falsa. Ora, 0 sentido evi~e~temente n.a()~
pode consistir naquilo que torna a proposl~ao verdadelra
ou falsa, nem na dimensao onde se efetuam estes valores:
Alem do mais, a designa~ao nao poderia suportar 0 peso
da proposi~ao a nao ser na medida em que se pudes~ mos-
trar uma correspondencia entre as palavras e as cOlsas ou
estados de coisas designados: Brice Parain fez a conta dos
paradoxos que tal hipotese faz surgir na filosofia grega 5. E
como evitar, entre outras coisas, que uma carruagem passe
pela boca? Mais diretamente ainda, Lewis Carroll pergun-
ta: como os nomes teriam um "correspondente"? E que
significa para algnma coisa "responder" a seu nome? E se
as coisas nao respondem a seu nome, que e que as impede
de perder seu nome? 0 que e que sobraria entao, salvo .0
arbitrmo das designa~Oes as quais nada responde e 0 vazlO
dos indicadores ou dos designantes formais do tipo "isto" -
tanto uns como os outros destituidos de sentido? :£ certo\
que toda designa~ao supiie 0 sentido e que .nos ~nstalamos
de antemao no sentido para operar toda deslgna~ao.
Identificar 0 sentido a manifesta~ao tem maiores chan-
ces de exito, uma vez que os proprios designantes nao tem
sentido a nao ser em fun~ao de um Eu que se manifesta na
proposi~ao. Este Eu e realmente primeiro, pois que faz
come~ar a fala: como diz Alice, "se falassemos somente
quando algnem nos fala, nunca ningnem diria nada". Con-
cluir-se-a que 0 sentido reside nas cren~as (ou desejos) da-
quele que se exprime 6. "Quando emprego uma palavra, diz
tambem Humpty Dumpty, ela significa 0 que eu queroque
~la signifique, nem mais nem menos. .. A questao e saber
quem e 0 senhor e isso e tudo." Mas vimos que a ordem
5. PAR.UN. Brice. Op. cit. Cap. III.
6. CI. Russell, SignificatWn et 1)eme. ed. Flammarion, trad. Devaux. pp.
213-224.
das cren~as e dos desejos estava fundada na ordem das im-
plica~oes conceituais da significa~ao e, ate mesmo, que a
identidade do eu que fala ou diz Eu nao era garantida a
nao ser pela permanencia de certos significados (conceitos de
Deus do mundo ... ) 0 Eu nao e primeiro e suficiente na
orde~ da fala senao na medida em que envolve significa-
~oes que devem ser desenvolvidas por si mesmas na ordem
da lingua. Se estas significa~oes se abalam, ou nao sao es-
tabelecidas em si mesmas, a identidade pessoal se perde -
experiencia dolorosa por que passa Alice - em condi~oes
em que Deus, 0 mundo e 0 eu se tornam os personagens
indecisos do sonho de um algnem indeterminado. Eis por I
que 0 Ultimo recurso parece ser 0 de identificar 0 sentido l
com a sjgnifica~ao.
·Eis-nos jogados no circulo e reduzidos ao paradoxa de
Carroll, em que a significa~ao nao pode nunca exeroer seu
papel de ultimo fundamento e pressupiie uma designa~ao
irredutivel. Mas existe talvez uma razao muito geral pela
qual a significa~ao malogra e 0 fundamento faz circulo com
o fundado. Quando definimos a significa~ao como a con-
di~ao de verdade, nos Ihe damos um carater que !he e co-
mum com 0 sentido, que ja e do sentido. Como, porem,
por sua propria conta a significa~ao assume este carater,
como e que ela faz uso dele? Falando de condi~ao de ver-
dade nos nos elevamos acima do verdadeiro e do falso, uma
vez que uma proposi~ao falsa tern urn sentido ou uma sig-
nifica~ao. Mas, ao mesmo tempo, definimos esta condi~ao
superior somente como a possibilidade para a proposi~ao de
ser verdadeira 7. A possibilidade para uma proposi~ao de
ser verdadeira nao 6 nada al6m do que a forma de possibili-
dade da proposi~ao mesma. Ha muitas formas de possibi-
lidade de proposi~oes: logica, geometrica, algebrica, fisica,
sintatica ... ; Aristoteles define a forma de possibilidade
logica pela rela~ao dos termos da proposi~ao com "lugares"
que dizem respeito ao acidente, ao proprio, ao genero ou
a defini~ao; Kant chega a inventar duas novas formas de
possibilidade, a possibilidade transcendental e a possibilidade
moral. Mas, seja qual for a maneira segnndo a qual defi-
nimos a forma, trata-se de urn estranho empreendimento,
que consiste em nos elevarmos do condicionado a condi~ao
para conceber a condi~ao como simples possibilidade do
condicionado. Eis que nos elevamos a urn fundamento,
mas 0 fundado continua a ser 0 que era, independentemente
da opera~ao que 0 funda, nao afetado por ela: assim, a
designa~ao permanece exterior a ordem que a condiciona, 0
verdadeiro e 0 falso permanecem indiferentes ao principio
que nao determina a possibilidade de urn deles a nao ser
7. Russell, O'p. cit., p. 198: "Podemos dizer que tudo 0 que e afirmado
por um enunciado provido de sentido possui uma certa espeeie de possibilidade".
deixando-o substituir na sua antiga rela~ao com 0 outro.
De tal forma que somos perpetuamente remetidos do condi-
cionado a condi~ao, mas tambem da condi~ao ao condi-
cionado. Para que a condi~ao de verdade escape a este
defeito, serii preciso que ela disponba de urn elemento
proprio distinto da forma do condicionado, seria preciso J
que ela tivesse alguma coisa de incondiciolUldo, capaz de
assegurar uma genese real da designa~ao e das outras
dimensoes da proposi~ao: entao a condi~ao de verdade seria ~ ~
definida nao mais como forma de possibilidade conceitual, ~ '"
mas como materia ou "camada" ideal, isto e, nao mais ,,,", "'=:l
como significa<;ao, mas como sentido. I ~'i
o sentido e a quarta dimensao da proposi~ao. 0 ~
\
Estoicos a descobriram com 0 acontecimento: 0 sentida e . I~
~ 0 expresso da proposifao, este incorporal na superficie das'Z.. q
~ coisas, entiaade complexa irredutivel, acontecimento puro\! \)
que insiste ou subsiste na proposi~ao. Por uma segunda '-.:;
'vez, no seculo XIV, esta descoberta e feita na escola de 'I'
Ockham, por Gregorio de Rimiui e Nicolas d'Autrecourt.
Um
f
a tel~C~ira Mve~, no ~im Hd~ secul0
d
:-:!X
d
' pel~ grande filto- l
so 0 e oglco elDong. a, sem UVI a, razoes para es es
momentos: vimos como a descoberta estoica supunha uma
reviravolta do platonismo; da mesma forma a logica ockha-
miana reage contra 0 problema dos universais; e Meinong
contra a logica hegeliana e sua descendencia, A questao
e a seguinte: hii alguma coisa, aliquid, que nao se confunde
nem com a proposi~ao ou os termos da proposi~ao, nem
com 0 objeto ou 0 estado de coisas que ela designa, nem
com 0 vivido, a representa~ao ou a atividade mental da-
quele que se expressa na proposi~ao, nem com os conceitos
ou mesmo as essencias siguificadas? 0 sentido, 0 expresso
da proposi~ao, seria pois irredutivel seja aos estados de
coisas individuais, as imagens particulares, as cren<;as pes-
seais e aos conceitos universais e gerais. as Est6icos SQll-
beram muito bem como dize-Io: nem palavra, nem corpo,
nem representa~ao sensivel, nem representarao raeional".
Mais do que isto: 0 sentido seria, talvez, "neutro", indife-
rente por 'completo tanto ao particular como ao geral, ao
singular como ao universal, ao pessoal e ao impessoaJ. Ele
seria de urna outra natureza. Serii, preciso, porem, reconhe·
cer uma tal instancia como suplemento - ou entao deve-
mos nos arranjar com aquelas de que jii dispomos, a desig-
na~ao, a mauifesta~ao e a siguifica~ao? Em cada uma das
epocas referidas, a polemica foi retomada (Andre de
8. Hubert Elie, Dum bela livro (Le Complexe significable, Vrin, 1936),
expoe e comenta as doutrinas de Greg6rio de Rimini e de Nicolas d'Autrecourt.
Mostra a extrema seme1han(>a das teorias de Meinong, e como uma mesma
pol&mica se reproduz nos seculos XIX e XIV, mas DaO indica a origem est6ica
do problema.
9. Sabre a diferenca est6ica entre os iDcorporais e as representac5es ra-
cionais, -eompostas de tra~os cOfparais. cf. E. Brewer, op. cit.> pp. 16-18.
Neufchfiteau e Pierre d'Ailly contra Rimini, Brentano e
Russell contra Meinong). 0 fato e que a tentativa de fazer
aparecer esta quarta dimensao e um pouco como a ca~a ao
Snark de Lewis Carroll. Ela e, talvez, esta propria ca~a e
o sentido e 0 Snark. B dificil responder aqueles que jul.
gam suficiente haver' palavras, coisas, imagens e ideias. Pois
nao podemos nero mesma dizer, a respeito do sentido. que
ele exista: nero nas coisas, nero no espfrito, nem como uma
eXlstencia fisica, nem com uma existencia mental. Diremos
que, pelo menos, ele e util e que devemos admiti-Io por sua
utilidade? Nem isso jii que e dotado de urn esplendor ine-
ficaz, impassivel e esteril. Eis por que diziam que, de fato,
nao se pode inferi-Io a nao ser indiretamente, a partir do
circulo a que nos conduzem as dimens5es ordiniirias da
proposi~ao. B somente rompendo 0 drculo, como fazemos
para 0 anel de Moebius, desdobrando-o no seu compri-
mento, revirando-o, que a dimensao do sentido aparece por
si mesma e na sua irredutibilidade, mas tambem em seu
poder de genese, animando entao urn modelo interior a
priori da proposi~ao 10. A logica do sentido e toda inspi-
rada de empirismo; mas, precisamente, nao ha senao 0 em-
pirismo que saiba ultrapassar as dimens5es experimentais do
visfvel, sem cair nas Id6ias e encurralar, invocar, talvez pro-
duzir urn fantasma no limite extrema de uma experiencia
alongada, desdobrada.
Esta dimensao Ultima e chamada por Husser! expressfio:
ela se distingue da designa~ao, da manifesta~ao, da demons-
tra~ao II. p sentido e 0 expressQ. Husser!, nao menDs que
Meinong, reencontra as fontes vivas de uma inspira~ao es-
toica. Quando Husser! se interroga, por exemplo, sobre
o "noema perceptivo" ou 0 "sentido da percepgao", eIe 0
distingue ao mesmo tempo do objeto fisico, do vivido psico-
logico, das representa~5es mentais e dos conceitos logicos.
Ele 0 apresenta como urn impassivel, urn incorporal, sem
existencia fisica nem mental, que nao agenem padece, puro
resultado, pura "aparencia": a arvore real (0 desiguado)
pode queimar, ser sujeito ou objeto de a~ao, entrar em mis·
turas; nao 0 noema da arvore. Hii muitos noemas ou sen->
tidos ara um so e mesmo desi nado: estrela da nOite e
estrela da m a sao O1S noemas, isto e, duas maneiras
pelas quais um mesmo desiguado se apresenta em express5es.
Mas, nestas condi~5es, quando Husser! diz que 0 noema e 0
10. Cf. as observacoes de Albert Lautman sabre 0 anel de Moebius: ele
nao tem senao "urn s6 lado e esta e uma propriedade essencialmente extrinseca,
pois que para nos dannos conta disso precisamos fender 0 anel e revid.-l0.
o que sup5e uma rotacao em torno de um eixo exterior a superficie do anel.
2, entretanto. possivel caracterizar esta unilateralidade por uma propriedade
puramente intriDseca ... " etc. Esaai sur lea notions de structure et d'existence
en 11Ulthbnatiques. ed. Hermann. 1938, t. I. p. 51-
11. Nlio levarnos em conta aqui 0 emprego particular que Hussed faz
de "signHicacao" na sua terminologia. seja para identifica-Ia. seja para liga-Ia
a "sentido".
percebido tal como aparece em uma apresenta,ao, 0 "per-
cebido como tal" ou a aparencia, nao devemos compreen-
der que se trata de urn dado sensivel ou de urna qualidade,
mas, ao contnirio, de uma unidade ideal objetiva como cor-
relato intencional do ato de percep,ao. Urn noema qual-
quer nao 6 dado em uma perceP9aO (nem em uma lembran-
,a ou em urna imagem), ele tern urn estatuto completa-
mente diferente que consiste em nito existir fora da propo-
si,ao que 0 exprime, proposi,ao perceptiva, imaginativa, de
lembran,a ou de representa,ao. Do verde como cor sen-
Slvel ou qualidade, distingnimos 0 "verdejar" como por noe-
matica ou atributo. A arvore verdeja, nao 6 isto, final-
mente, 0 sentido de cor da arvore e a arvore arvorijica, seu
sentido global? 0 noema sera outra coisa al6m de urn
acontecimento puro, 0 acontecimento de arvore (embara
Husser! assim nao fale, por raz6es terminoI6gicas)? E 0
que ele chama de aparencia, que 6 senao urn efeito de su-
perficie? Entre os noemas de urn mesmo objeto ou mesmo
de objetos diferentes se elaboram la,os complexos amUogos
aos que a dial6tica est6ica estabelece entre os acontecimen-
tos. Seria a fenomenologia esta ciencia rigorosa dos efeitos
de superflcie?
~
Consideremos II estatuto complexo do sentido ou do
expresso. De urn lado, nao existe fora da proposicao que
oexplinie. 0 expresso nao existe fora de sua expressao.
Dal por que a sentido nao pode ser dito existir, ma~-
mente insistir Oll subsist". Mas, por outro lado, nao se
'co unde de forma nenhuma com a proposi,ao, ele tern
uma "objetividade" completamente distinta. 0 expresso
nao se parece de forma nenhuma com a expressao. 0 sen-
lido se atribni, mas nao 6 absolutamente atributo da pro-
posi,ao, 6 atributo da coisa ou do estado de coisas. 0
atributo da proposi,ao 6 0 predicado, por exemplo, urn pre-
dicado qualitativo como verde. Ele se atribui ao sujeito
da proposi,ao. Mas a atributo da coisa 6 0 verbo verdejar,
por exemplo, au antes, 0 acontecimento expresso por este
verbo; e ele se atribui a coisa designada pelo sujeito au
ao estado de coisas designado pela proposi,ao em seu con-
junto. Inversamente, este atributo 16gico, por sua vez, nao
se confunde de forma algnma com 0 estado de coisas fisico, \
nem com urna qualidade au rela,ao deste estado. 0 atri-
buto nao 6 urn ser e nao qualmca urn ser; 6 urn extra-ser. '
Verde designa urna qualidade, urna mistura de coisas, urna
mistura de arvore e de ar em que uma clorofila coexiste
com todas as partes da folba. Verdejar, ao contrario, naoI
6 uma q]lalidade na coisa, mas urn atributo que se diz da
coisa e que nao existe fora da proposi,ao que 0 exprime
designando a coisa. E eis-nos de volta a nossO ponto de .
partida: 0 sentido nao existe fora da proposi,ao... etc.
Mas aqni nao se trata de um drculo. Trata-se antes
da coexistencia de duas faces sem espessura, tal qu; passa:
mas de urna para a outra margeando 0 comprimento. In
separavelmente 0 semido e 0 exprimivel ou 0 expresso~a
proposiciio e 0 atributo do estado de coisas. Ele volta uma
face para as colsas, uma face para as proposi,6es. Mas
nao se confunde nem com a proposi,ao que 0 exprime nem
com a estado de coisas ou a qualidade que a proposi,ao
designa. £, exatamente, a fronteira entre as proposi,6es
e as coisas. £ este aliquid. ao mesmo tempo extra-ser e
insistencia, ~ste mfni~o de ser que convem as jnsistenclas 1~
,E oeste sentido que e urn "acontecimento": com a condi~o
de niio co~undir Q acontecimento com sua efetua¢o P£pa-
fa-temporal em urn estado de ~jsat Nao pergtIntaremos"
\
pois, qual 6 0 sentjdo de 11m aNmtecimento: 0 acontecimen- ~
,
to 6 0 pr6prio sentido. 0 acontecimento pertence essen-
cialmente a hnguagem, <;Ie mant6,? uma rela~ao esse~cial
com a hnguagem; mas a linguagem e 0 que se dlZ das cOlSas.
Jean Gattegno marcou bern a diferen,a entre os contos de
Carroll e os contos de fada classicos: em Carroll tudo 0 que
se passa, passa-se na linguagem e passa pela linguagem'
"nao e uma hist6ria que ele nos conta, e um discurso qu~
nos dirige, discurso em varias partes ... 13. £ exatamente
n~ste mu.ndo plano do sentido-acontecimento, ou do expri-
IDlvel-atributo, que Lewis Carroll instala toda sua obra.
Disso decorre a rela,ao entre a obra fantastica assinada
Carroll e a obra matematico-16gica assinada Dodgson. Pa-
rece dificil aceitar que se diga, como ja se fez, que a obra
fantastica apresente simplesmente a amostra das armadilhas
e dificuldades nas quais calmos quando nao observamos as
regras e leis formuladas na obra 16gica. Nao somente por-
que mnitas das arm~di1has subsistem na pr6pria obra 16gica,
mas porque a parlIlha parece-nos outra. £ curiosa cons-
tatar que toda obra 16gica diz respeito diretamente a sig-
nijicariio, as implica,6es e conclus6es e nao se refere ao
sentido a nao ser indiretamente - precisamente por inter-
m6dio dos paradoxos que a significa,ao nao resolve ou at6
mesmo que ela cria. Ao contrario, a obra fantastica se re-
fere imediatamente ao sentido e relaciona diretamente a ele
a potencia do paradoxo. 0 que corresponde aos dois esta-
dos do sentido, ~e fato e de direito, a posteriori e a priori,
um pelo qual 0 mferimos indiretamente do drculo da pro-
posi,ao, outro pelo qual 0 fazemos aparecer por si mesmo
desdobrando 0 drculo ao longo da fronteira entre as pro-
posi,6es e as coisas.
. 12.. Estes te~mos. insistencia e extra-ser. tem seu corl'espoDdente na ter-
nunologIa de Mem.ong, assim como na dos est6icos.
13. Em LOglque sam peine. op. cit.• preU,cio, pp. 19-20.
uual La .;;:JCIIC.
Das Dualidades
A primeira grande dualidade era a das causas e dos
efeitos, das coisas corporais e dos acontecimentos incorpo-
rais. Mas, na medida em que os acontecimentos-efeitos nao
existem fora das proposi~oes que os exprimem, esta duali-
dade se prolonga na das coisas e das proposi~oes, dos corpos
e da linguagem. De onde a alternativa que atravessa toda a
obra de Lewis Carroll: comer ou falar. Em Silvia e Bruno
a alternativa e: bits of things ou "bits of shakespeare". No
jantar de cerimonia de Alice, comer 0 que se vos apresenta
au ser apresentado ao que se come. Comer, ser comido, e 0
modelo da opera~ao dos corpos, 0 tipo de sua mistura em
profundidade, sua a~ao e paixao, seu modo de coexistencia
urn no outro. Mas falar e 0 movimenta da superficie, dos
atributos ideais ou dos acontecimentos incorporais. Pergun-
ta-se 0 que e mais grave: falar de comida ou comer as pa-
lavras. Em suas obsessoes alimentares, Alice e atravessada
por pesadelos que se referem a absorver, ser absorvido.
Ela constata que os poemas que ouve falam de peixes
comestlveis. E se falarmos de alimento, como evitar fa-
ze-Ia diante daquele que deve servir de alimento? Assim,
temos as gafes de Alice diante do camundongo. Como evitar
comer 0 pudim aa qual se foi apresentada? Mais ainda, as
palavras vern de forma atravessada, como atraidas pela pro-
fundidade dos corpos, com alucina~oes verbais, como vemos
nestas doen~as emque as perturba~oes da linguagem sao
acompanhadas por comportamentas orais desencadeados
(levar tudo aboca, comer qualquer objeto, ranger os dentes).
"Estou segura de que nao sao as verdadeiras palavras", diz
Alice resumin~~rr~estino.~a(r~e que ria ~~~~~mill.a. Mas
BIBL .. J;.ul SLG,J...L DL C..."tlIA:i
~U"I..i') t .,"';"....,......1.0)
comer as palavras e justamente 0 contrario: elevamos a ope-
ra~ao dos corpos a superficie da Iinguagem, fazemos subir
os corpos destituindo-os de sua antiga profundidade, prestes
a por em risco toda a Iinguagem neste desafio. Desta vez, as
perturba~oes saO de superficie, laterais, esparramadas da
direita para a esquerda. A gagueira substituiu a gate, os fan-
tasmas da superficie substituiram a alucina~ao das profun-
didades, os sonhos de deslizamento acelerado substituiram
os pesadelos de soterramento e absor~ao diffceis. Assim, a
menina ideal, incorporal e inapetente, 0 meuino ideal, gage
e canhoto, devem se desligar de suas imagens reais, vorazes,
de g1utoes e de desastrados.
Mas esta segunda dualidade, corpo-Iinguagem, comer-
-falar, nao e suficiente. Vimos como 0 sentido, embora nao
• exista fora da proposi"ao gue 0 exprime, e 0 atributo de
, estados de coisas e nao da proposi"ao. 0 acontecimento
subsiste na Iinguagem, mas acontece as coisas. As coisas e
as proposi~oes acham-se menos em urna dualidade radical do
que de urn lade e de outro de urna fronteira representada pelo
sentido. Esta fronteira nao os mistura, nao os refule (nao
ha monismo tanto quanto nao ha dualismo), ela e, antes,
a articula~ao de sua diferen~a: corpo/linguagem. Se com-
pararmos 0 acontecimento a urn vapor nos prados, este vapor
se eleva precisamente na fronteira, na dobradi~a das, coisas
e das proposi~oes. Tanto que a dualidade se reflete dos dois
. lados, em cada urn dos dois termos. Do lade da coisa, hii
as qualidades ffsicas e rela~oes reais, constitutivas do estado
de coisas; alem disso, os atributos logicos ideais que marcam
os acontecimentos incorporais. E, do lado da proposi~ao, hii
os nomes e adjetivos que designam 0 estado de coisas e,
alem disso, os verbos que exprimem os acontecimentos ou
atributos logicos. De urn lade, os nomes proprios singula-
res, os substantivos e adjetivos gerais que marcam as me-
didas, as paradas e repousos, as presen~as; de outro, os
verbos que carregam consigo 0 devir e seu cortejo de acon-
tecimentos reversiveis e cujo presente se divide ao infinito
em passado e futuro. Humpty Dumpty distingue com vigor
as duas especies de palavras: "Algumas tern carater, nota-
damente os verbos: sao as mais diguas. Com os adjetivos
podemos fazer 0 que quiser, mas nao com os verbos. Eu
sou capaz, no entanto, de me servir de todas a meu bel-
-prazer! Impenetrabilidade! Eis 0 que digo". E quando
Humpty Dumpty explica a palavra insolita "impenetrabi-
lidade", da uma razao muito modesta ("quero dizer que
tagarelamos bastante a este respeito"). Na realidade, im-
penetrabilidade quer dizer algo muito diferente. Humpty
Dumpty op5e a impassibilidade dos acontecimentos as a~oes
e paixoes dos corpos, a incomunicabilidade do sentido Ii
comestibilidade das coisas, a impenetrabilidade dos incor-
porais sem espessura as misturas e penetra~oes reciprocas
das substancias, a resistencia da superficie Ii moleza das pro-
fundidades, em suma, a "dignidade" dos verbos as compla-
cencias dos substantivos e adjetivos. E impenetrabilidade
quer dizer tambem a fronteira entre os dois - e quer dizer
que aquele que esta sentado sobre a fronteira, exatamente
como Humpty Dumpty, esta sentado sobre 0 seu muro es-
treito, dispoe dos dois, senhor impenetravel da articula~ao
de sua diferen~a ("eu posso, entretanto, me servir de todas
a meu bel-prazer").
o que nao e ainda suficiente. A Ultima palavra da
dualidade nao se acha neste retorno Ii hipotese do Crlitila.
A dualidade na proposi~ao nao e entre duas especies de
nomes, de repouso e nomes de vir-a-ser, nomes de subs-
tfmcias ou qualidades e nomes de acontecimentos, mas entre
duas dimensoes da propria proposi~ao: a designa~ao e a
expressao, a designa~ao de coisas e a expressao de sentido.
:E como se fossem dois lados de urn espelho: mas 0 que se
acha de urn lado nao se parece com 0 que se acha do outro
("tudo 0 mais era tao diferente quanto possivel. .. "). Pas-
sar do outro lado do espelho e passar da rela~ao de desig-
na~ao Ii rela~ao de expressao - sem se deter nos interme-
diarios, manifesta~ao, significa~ao. :E chegar a uma dimen-
sao em que a linguagem nao tern mais rela~ao com designa-
dos, mas somente com expressos, isto e, com 0 sentido. Tal
e 0 ultimo deslocamento da dualidade: ela passa agora para
o interior da proposi~ao.
o camundongo conta que, quando os senhores proje-
taram oferecer a coroa a Guilhenne, 0 Conquistador, "0
arcebispo achou iSla razoavel". 0 pato pergunta: "Achou
o que?" - "Achou isla, replicou 0 camundongo muito irri-
tado, 0 senhor sabe muito bern 0 que isla quer dizer. -
Sei muito bern 0 que islo quer dizer quando encontro uma
coisa, diz 0 pato; em geral e uma ra ou urn venne. A per-
gunta e: 0 que foi que 0 arcebispo encontrou?" :E claro que
o pato emprega e compreende islO como urn termo de de-
sigu~ao para todas as coisas, estados de coisas e qualidades
possiveis (indicador). Ele chega mesmo a precisar que 0
designado e essencialmente 0 que se come ou se pode comer.
Todo designavel ou designado e, por principio, consumivel,
penetravel; Alice observa em algum outro lugar que nao
pode "imaginar" a nao ser a1imentos. Mas 0 camundongo
empregava iSla de maneira completamente diferente: como
o sentido de uma proposi~ao preliminar, como 0 aconteci-
mento expresso pela proposi~ao (ir oferecer a coroa a Gui-
Iherme). 0 equivoco sobre islo se distribui, por conseguinte,
segundo a dualidade da designa~ao e da expressao. As duas
dimensoes da propos19ao se organizam em duas senes que
nao convergem senao no infinito, em urn termo tao ambfguo
quanto isla, uma vez que se encontram somente na fron-
teira que nao cessam de bordejar. E uma das series retoma
a sua maneira "comer", enquanto que a Dutra extrai a es-
sencia de "falar". Eis por que em muitos poemas de Carroll
assiste-se ao desenvolvimento autonomo das duas dimens6es
simultlineas, uma remetendo a objetos designados sempre
consumlveis ou recipientes de consuma9ao, a outra a sen-
lidos sempre exprimfveis ou, pelo menos, a objetos porta-
dores de linguagem e de senlido, as duas dimensoes conver-
gindo somente em urna palavra esoterica, em urn aliquid
nao idenlificavel. Assim, 0 refrao de Snark: "Voce pode
persegui-Io com dedal e tambem persegui-Io com cuidado,
pode Ca9a-Io com garfos e esperan9a" - em que 0 dedal e 0
garfo se referem a instrurnentos designados, mas esperan9a
e cuidado, a considera90es de sentido e de acontecimen-
tos (0 sentido em Lewis Carroll e freqUentemente apresen-
tado como aqnilo com 0 que se deve "tomar cnidado", objeto
de urn "cuidado" fundamental). A palavra rara, 0 Snark,
e' a fronteira perpetuamente contornada, ao mesmo tempo
que tra9ada pelas duas series. Mais tfpica ainda e a admi-
ravel can9ao do jardineiro em Sf/via e Brurw. Cada estrofe
poe em jogo. dois termos de genero muito diferente que se
oferecern a dois olhares dislintos: "Ele pensava que via .
Ele olhou uma segunda vez e se deu conta de que era "
o conjunto das estrofes desenvolve assim duas sedes hete-
rogeneas, uma feita de animais, de seres ou de objetos con-
sumidores ou consumfveis, descritos segundo qualidades ff-
sicas, sensiveis e sonoras; a eutra, feita de objetos ou de
personagens eminentemente simb6licos, definidos por atri-
butos logicos ou, por vezes, apela90es parentais e portadores
de acontecimentos, de notfcias, de mensagens, de senlidos.
Na conclusao de cada estrofe, 0 jardineiro tra9a uma ala-
meda melancolica, margeada de urna parte e de outra pelas
duas series; pois esta can9ao - e preciso que se saiba - e
sua propria historia.
Ele pensava ver urn e1efante
que se exercitava com uma flauta
olholl por uma segunda vez e se den conta de que era
uma

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