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CURSO DE NIVELAMENTO DE DIREITO PENAL I UNICENTRO TURMA 2020.1 PROFª JÉSSICA ALMEIDA AULA 01 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL Nesta aula iremos percorrer cada fase da evolução punitiva, cujo capítulo inicial trata do Direito Penal desde seus primórdios até a chegada do Período Humanitário, quando as ideias iluministas ganham forças e começam a interferir e influenciar o Direito Penal daquele momento. Na sequência, será feita uma abordagem histórica do Direito Penal no Brasil, começando com a chegada dos portugueses e suas Ordenações no Período Colonial, as contribuições do Código Criminal do Império, bem como as do Código Penal de 1890 com a chegada da República Federativa do Brasil. 1. Tempos Primitivos A história do Direito Penal confunde-se com a história do próprio homem, pois qualquer que tenha sido sua origem na Terra, seja sob a visão religiosa, seja pela visão das teorias científicas, o Direito Penal tem-lhe acompanhado desde então. Porém, nos tempos primitivos, não havia uma noção de Direito Penal revestido das características de justiça, reabilitação ou reeducação do indivíduo como temos hoje, afinal o objetivo da punição naquela época era tão somente a vingança. Ainda assim, já havia regras de convívio social naquele período, e consequentemente, Direito Penal, daí por se dizer ser o Direito Penal o ramo mais antigo do Direito, ou seja, quando o corpo social ainda era bastante primitivo já se podia observar a reação do homem a qualquer forma de agressão sofrida, como pode ser observada nos clãs e nas tribos primitivas. A esse propósito diz o doutrinador: A história do Direito Penal se perde nas brumas do tempo. Como preleciona E. Magalhães Noronha, ‘a história do Direito Penal é a história da humanidade’. Eis a razão para dizermos que o Direito Penal é o ramo mais antigo do Direito, pois desde o alvorecer da humanidade o homem vem reagindo contra qualquer forma de agressão. A reação penal já era encontrada nos clãs e nas tribos primitivas, pois o homem sempre possuiu um forte espírito de justiça. (SILVA, 1996, p. 35) Nos grupos sociais daquela época havia um ambiente envolto em magia e religiosidade que acabavam por tornar as punições, de cunho religioso e muitas vezes de caráter divino, severas e desproporcionais ao delito cometido. Os fenômenos naturais como a peste, a seca e todos os outros que traziam prejuízos eram tidos como castigos divinos em decorrência dos fatos impuros praticados pelo homem e que, por isso, deveriam ser reparados. Segundo Mirabete (2008) foi desta forma que surgiram as proibições (religiosas, sociais e políticas), conhecidas por “tabu” que não obedecidas geravam castigos e se utilizava para aplacar a ira dos deuses. Tal desobediência tabu, ou como também é chamada, infração totêmica levou ao surgimento do que chamamos hoje de crimes e penas. O castigo para os desobedientes era corporal ou de cunho material e eram oferecidos aos deuses, conforme se pode inferir de MIRABETE (2008, p. 16) “O castigo infligido era o sacrifício da própria vida do transgressor ou a oferenda por estes de objetos valiosos (animais, peles e frutas) à divindade, no altar montado em sua honra”. 1.2 Fases da Vingança Penal Dentro deste contexto místico, várias foram as fases de evolução da vingança penal e, apesar de não se apresentarem de forma sistematizada, vez que essas etapas sofreram influências diversas, normalmente de cunho religioso, didaticamente se aceita a divisão destas fases em: fase da vingança privada, fase da vingança divina e fase da vingança pública. 1.2.1 Fase da Vingança Privada Nesta fase, o homem agredido reagia contra a atitude de seu agressor. Para Silva (1996) quando uma pessoa sofria uma agressão, ela própria exercia o direito de vingança, que também poderia partir de seus parentes e até mesmo do grupo social (tribo) da qual faziam parte. Deste modo, sempre ou quase sempre a vingança despendida era desproporcional e injusta, pois muitas vezes ultrapassava a pessoa do agressor, atingindo seus familiares ou, como resposta a uma agressão leve o agredido tirava a vida de seu agressor. Com o passar dos tempos e com a evolução social, surge a primeira conquista em relação às repressões penais, é o momento do Talião. “Termo derivado do latim ‘talius’ significa desforra igual à ofensa”. (SILVA, 1996, p. 36). E continua: Nem sempre a vingança retribuía à agressão sofrida; na maior parte das vezes, senão em sua totalidade, ocorria uma desproporção entre a conduta criminosa e a resposta do agredido. Como resposta a um tapa, às vezes o agredido tirava a vida de seu agressor. Temos aí uma flagrante desproporção entre a agressão e a retorsão. O revide à agressão sofrida deveria ser fatal, não havendo qualquer preocupação com a proporcionalidade, nem mesmo com a verdadeira justiça. A primeira conquista no terreno repressivo, com relação à pena, foi o talião. (SILVA, 1996, p. 36) Se ainda parece severo demais (olho por olho, dente por dente), pelo menos já havia uma preocupação com a proporcionalidade, devendo-se, portanto, entender esse período como de grande avanço para aquela época. Sendo, também, adotado pelo Código de Hamurabi, século XXIII a. C., na Babilônia, Código de Manu, na Índia, Lei das Doze Tábuas, em Roma, dentre outros de igual aplicação. Logo depois, surge a primeira manifestação de humanização do Direito Penal com a chamada composição, cujo sistema era a substituição da pena aflitiva e física por uma indenização ou mesmo por uma prestação de serviço ao ofendido ou a sua família. Neste sentido, dispõe MIRABETE (2008, p. 17): “Posteriormente, surge a composição, sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas etc.)”. Ainda sobre este assunto temos: Agora, a humanização do Direito Penal começou com a composição, quando ocorreu a substituição da pena aflitiva e física, por uma indenização, ou pena pecuniária (patrimonial), ou mesmo por uma prestação de serviço do criminoso ao ofendido, ou sua família. A composição, [...] é a substituição de uma pena corporal aflitiva, por uma pena pecuniária ou patrimonial. Hodiernamente, como ocorre no sistema penal brasileiro, temos como exemplo, a prestação de serviços à comunidade, ou as penas restritivas de direitos, onde o agente deixa de cumprir a pena de enclausuramento para ter uma restrição de direitos, compondo assim, com o Estado-Juiz, de forma retributiva e preventiva, a satisfação pelo dano causado ao ente social. (SILVA, 1996, p. 40) 1.2.2 Fase da Vingança Divina Nesta época, o delito era visto como um atentado a ordem religiosa. É a fase teocrática do Direito Penal, que também pode ser chamado de sacerdotal ou religioso, pois o crime é confundido com o pecado, e a punição, por consequência, deveria ser rigorosa, pois forma de desagravo do deus ofendido. Sendo assim, conforme Mirabete (2008), a interpretação das leis e o castigo cabiam aos sacerdotes, que eram os representantes de Deus na Terra. Sendo tal procedimento, adotado por vários países, dentre eles: Judéia, China, Pérsia e Babilônia. Sobre esse contexto vejamos o que diz a doutrina: A fase da vingança divina deve-se a influência decisiva da religião na vida dos povos antigos. O Direito Penal impregnou-se de sentido místico desde seus primórdios, já que se devia reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social. O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação. (MIRABETE, 2008, p. 17) Deste modo, percebe-se que as grandes religiões do Oriente foram decisivas para a história do Direito Penal, deixando, com isso, muitas de suas características impregnadas na LegislaçãoPenal ao longo dos tempos. 1.2.3 Fase da Vingança Pública Pode-se dizer que neste período o Direito Penal já havia alcançado um estágio avançado em relação às punições, pois apesar de ainda ser uma vingança imposta ao malfeitor e com penas ainda cruéis e desumanas, pelo menos passou a ser exercida pelo soberano, demonstrando, com isso, maior organização social. Para Mirabete (2008), essa era uma forma de proteção ao príncipe ou soberano, dando maior estabilidade ao Estado. Porém, ainda bastante ligado ao sentido religioso, onde o rei respondia em nome de Deus, sendo seu intérprete e mandatário. Por este motivo, ao rei era dado muito poder, suas palavras tinham força de Lei e sua vontade se impunha acima de tudo e de todos, cometendo inúmeros erros e injustiças. Neste sentido, assevera SILVA (1996, p.43): “Na Grécia, o direito e o poder emanavam de Júpiter, o criador e protetor do universo. Dele provinha o poder dos reis, e em seu nome se procedia ao julgamento do litígio e a imposição do castigo.” 2. IDADE ANTIGA 2.1 Direito Penal Romano Indubitavelmente, o Direito Penal Romano deixou um grande legado de contribuições para o Direito Penal que temos hoje, pois bem cedo, com a implantação da República em 509 a.C., ocorreu a dissociação entre o religioso e o laico. Além disso, muitos outros institutos nos foram legados pelo Direito Penal Romano, dentre eles podemos destacar a tentativa e a distinção entre dolo e culpa. Aqui houve a separação entre a religião e o Estado, possibilitando, mais tarde, a afirmação do caráter público da pena, apesar de, o Direito Penal Público Romano, só ter surgido por volta de 500 a. C., com a Lex Valéria. No que diz respeito à função da pena, apesar da grande variedade disponível, ainda prevalecem as de caráter retributivo e intimidativo. Senão vejamos: É corrente a afirmação de que o Direito Penal Público romano inicia-se com a Lex Valéria (509 a.C.), que submeteu ao requisito da confirmação popular (indicium populi) as sentenças condenatórias à pena capital prolatada por magistrados contra cidadãos romanos que recorressem à provocatio ad populum. (PRADO, 2007, p. 68) Apesar de os romanos não terem sistematizado os institutos penais, não estabelecendo funções às penas, que são de variadas espécies, puderam reconhecer o nexo de causalidade, o dolo, a culpa, o caso fortuito, a imputabilidade na menoridade e insanidade mental, legítima defesa, crime tentado, co-autoria e participação. Não davam conceitos nem definições e não enquadravam os crimes em categorias. Porém, não se pode negar que o Direito Penal Romano é um verdadeiro exemplo de progresso e evolução para aquela época. 3. IDADE MÉDIA 3.1 Direito Penal Germânico Segundo Mirabete (2008), o Direito Penal Germânico, assim como o Direito Penal Romano, também não possuía Código penal, ou seja, não era composto de leis escritas, afinal era um direito consuetudinário, sendo constituído apenas pelo costume. Tendo sofrido a influência dos povos bárbaros, os germânicos não possuíam os princípios do cristianismo, que havia se alastrado por todos os povos ocidentais. Sendo, portanto, um direito caracterizado pela vingança privada. Desprezavam o caráter subjetivo da conduta e não puniam a tentativa, tendo como principal característica o objetivismo. O que importa é o elemento objetivo, isto é, o resultado causado com aquela ação. Ou seja, para os germânicos não havia diferença em matar por legítima defesa ou de forma culposa, era o mesmo que matar dolosamente, pois entendiam que o dano era igual em ambos os casos. Somente, em etapas mais avançadas, com o processo de conversão dos germanos ao cristianismo e com o fortalecimento do poder estatal, o caráter vingativo das punições foi sendo substituído, de forma gradativa, pela composição. No princípio, uma composição voluntária e, mais tarde, tornando-se obrigatória. Não se pode deixar de falar, ainda, em relação ao processo criminal que vigorava no Direito Germânico, qual seja as Ordálias que significam, literalmente, “Juízos de Deus”. Sua aplicação se dava através do sacerdote que representava a divindade ofendida. Tendo como consequência as provas impostas que caracterizavam a inocência, caso fosse favorável, ou a culpa, se do contrário fosse desfavorável ao sentenciado. Tais provas podem ser exemplificadas como no caso da ordália do veneno, onde o acusado era obrigado a ingerir veneno e por três dias ficar em observação para que se averiguasse o seu estado. Se permanecesse em estado normal, sem qualquer alteração, deveria ser considerado inocente. Do contrário, o veneno seria a própria sentença e punição. Muitos outros exemplos desta natureza vigoraram no Direito Penal Germânico. Além disso, havia os duelos judiciários, que era uma forma de decidirem os litígios, em embates pessoais ou por lutadores profissionais. Neste sentido, preleciona MIRABETE (2008, p. 18): O Direito Penal germânico primitivo não era composto de leis escritas, mas constituído apenas pelo costume. Ditado por características acentuadamente de vingança privada, estava ele sujeito à reação indiscriminada e à composição. Só muito mais tarde foi aplicado o talião por influência do Direito Romano e do cristianismo. Outra característica do direito bárbaro foi a ausência de distinção entre dolo, culpa e caso fortuito, determinando-se a punição do autor do fato sempre em relação ao dano por ele causado e não de acordo com o aspecto subjetivo de seu ato. No processo, vigoravam as ‘ordálias’ ou ‘juízos de Deus’ (prova de água fervente, de ferro em brasa etc.) e os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios, ‘pessoalmente ou através de lutadores profissionais’. 4. IDADE MODERNA 4.1 Período Humanitário Tendo como concepção filosófica a ampliação do domínio da razão para todas as áreas do conhecimento humano, o Iluminismo se traduz por uma corrente de ideias e atitudes que objetivam difundir o uso desta razão em detrimento do até então vigente domínio religioso nas ações do Estado. O século das luzes (século XVIII), como é chamado, surgiu de forma humanitária com o intuito de reformar as condições de vida da sociedade que sofria com o domínio da religião e do absolutismo do poder público, cujos interesses entre ambos se confundiam, gerando um Direito causador de desigualdades, excessivamente rigoroso, arbitrário e cruel. Senão, vejamos: Na filosofia penal iluminista, o problema punitivo estava completamente desvinculado das preocupações éticas e religiosas; o delito encontrava sua razão de ser no contrato social violado e a pena era concebida somente como medida preventiva. (PRADO, 2007, p. 78) Neste período, marcado pelas ideias de mudanças e reformas do Iluminismo surge o Período Humanitário do Direito Penal, o qual tem na figura de Cesare Bonessana, Marquês de Beccaria, em sua obra Dos Delitos e das Penas o marco inicial na arte de combater os excessos da opressão e barbárie gerados pela prática da torturas decorrentes das punições aplicadas aos condenados daquela época. Não sendo totalmente original, pois inspirado nas concepções de Montesquieu, Rousseau, Locke dentre outros, Cesare Beccaria, ainda assim teve o mérito de iniciar uma ferrenha campanha contra as arbitrariedades de seu tempo, sendo, pois, o pioneiro nesta luta em prol dos direitos humanos, tendo, até mesmo, ideias suas traduzidas e adotadas na Declaração dos Direitos do Homem, da Revolução Francesa, conforme se infere da afirmação: ...coube a Beccaria a honra inexcedível de haver sido o primeiro que se empenhara em uma luta ingente e famosa, que iniciara uma campanha inteligente e sistemática contra a maneira iníqua e desumana por que, naqueles tempos de opressão e barbária, se tratavam os acusados, muitas vezes inocentes e vítimas sempre da ignorância eperversidade dos seus julgadores. Ao seu espírito, altamente humanitário, repugnavam os crudelíssimos suplícios que se inventavam como meios de punição ou de mera investigação da verdade, em que, não raro, supostos criminosos passavam por todos os transes amargurados de um sofrimento atroz e horrorizante, em uma longa agonia, sem tréguas e lentamente assassina. Ele, nobre e marquês, ao invés de escutar as conveniências do egoísmo, de sufocar a consciência nos gozos tranquilos de uma existência fidalga, [...] ergueu a sua voz, fortalecida por um grande espírito saturado de ideias generosas, em defesa dos mais legítimos direitos dos cidadãos [...] (ARAGÃO, 1955, p. 35) apud (GRECO, 2006, p. 522) Seu pequeno-grande livro, como foi chamado, com ideias que se pautavam nos postulados fundamentais do Direito Penal moderno, período que marca seu surgimento, formava um verdadeiro breviário de política criminal que observava a legalidade penal, estrita necessidade das incriminações e uma aplicação da pena utilitária. Beccaria pregava que a pena não devia ser uma violência de um ou de muitos contra outro cidadão, devendo ser essencialmente pública, eficaz, necessária, aplicada com presteza, a mínima das possíveis, proporcional aos crimes e ditadas por uma lei necessariamente clara. Devendo ser, ainda, abolidas a tortura e a pena de morte. Com isso, seus postulados serviram de inspiração para o desenvolvimento de uma ampla mudança legislativa e importantes construções científicas que prenunciavam uma orientação penal denominada clássica. 5. O DIREITO PENAL NO BRASIL 5.1 Código Criminal do Império Primeiro código autônomo da América Latina entrou em vigor no dia 16 de dezembro de 1830 quando foi sancionado pelo imperador D. Pedro I. Recebeu o nome de Código Criminal do Império do Brasil e trouxe grandes inovações, como por exemplo, o esboço do sistema de dias-multa para a sanção pecuniária, pela primeira vez. Seu texto fundava-se nas ideias de grandes pensadores como Bentham, Beccaria e Mello Freire, bem como nos já existentes códigos da França, Baviera, Napolitano e de Louisiana, porém não se filiava a nenhum deles e se mostrou original em vários pontos, pois tentou melhorar e amenizar os erros dos ordenamentos antecedentes. Nosso primeiro Código Penal exerceu influência além de nossas fronteiras, pois foi estudado por vários juristas de Nações vizinhas, provocando inspiração para a elaboração de vários Códigos. Sobre esta passagem temos: O nosso primeiro Código Penal exerceu particular influência no Código espanhol de 1848 e no Código Português de 1852, sendo que, através do primeiro, sobre a legislação penal latino-americana. A seu respeito afirmou-se: ‘Este Código brasileiro (...). Para a sua época continha grandes progressos...’. (PRADO, 2007, p. 119). Em relação às penas, em seu artigo 33 fixava a regra geral de aplicação: “nenhum crime será punido com penas que não estejam estabelecidas nas Leis, nem com mais ou menos daquelas que estiverem decretadas para punir o crime no gráo máximo, médio ou mínimo, salvo ao caso em que aos Juízes se permitir arbítrio”. Todavia, apesar dos avanços ainda continha enormes deficiências, haja vista ainda existirem penas cruéis e possuir vários vícios e erros. Sendo que não reconhecia a modalidade culposa para os delitos e fazia discriminações na aplicação das punições, em que temos, por exemplo, a pena de açoite que era aplicada somente aos escravos. Infere-se este entendimento da afirmação: Mas, como toda legislação, esse Código possuía vícios e erros, como o não reconhecimento da modalidade culposa para os crimes; havia uma discriminação entre os criminosos, quando se tratava de um escravo ou de um senhor, aplicava penas de açoites, galés e morte, com uma diferenciação, o açoite somente se aplicava aos escravos. (SILVA, 1996, p. 62). E ainda: No que tange à pena [...] cominando, entre outras, as seguintes: pena de morte (art. 38); galés (art. 45); banimento (art. 50); degredo (art. 51); desterro (art. 52); multa (art. 55); suspensão de emprego (art. 58); perda de emprego (art. 59); açoites (art. 60). Dispunha, também, sobre a imprescritibilidade das penas (art. 65); o perdão, concedido pelo imperador (art. 66); e o perdão do ofendido (art. 67). (PRADO, 2007, p. 118). Somente no ano de 1871 foi promulgada a Lei dos delitos culposos e, já se avizinhando um novo período da história seus dias estavam contados, pois muito em breve viria a tão sonhada Proclamação da República Federativa do Brasil. 5.2 Período Republicano No dia 15 de novembro de 1889 foi proclamada a República no Brasil e, junto com ela nasceu mais uma legislação penal que já nascia defeituosa, pois aos 11 dias do mês de outubro de 1890 passa a vigorar no Brasil o Código Penal da República, elaborado de forma apressada e antes da Constituição Federal de 1891. Como não poderia deixar de ser, foi alvo de severas críticas, pois apresentava graves defeitos técnicos e não apresentava os avanços doutrinários decorrentes do Positivismo, tornando-se atrasado para a época. Ainda assim, trouxe alguns grandes avanços nas punições, pois aboliu a pena de morte e de açoites, bem como se preocupou com a humanização das penas. Mas não foi suficiente para se manter, pois possuía uma enorme impropriedade gramatical, era prolixo, arcaico e gerava interpretação dúbia. Por esses motivos vários dispositivos sofreram alterações no sentido de se consertar as falhas de impropriedade textual, ficando completamente modificado por diversas Leis extravagantes no intuito de tentar adequá-lo às necessidades existentes. Foi então que surgiu em 1932 a Consolidação das Leis Penais organizadas por Vicente Piragibe numa tentativa de reorganizar o Código. Com este entendimento corrobora a doutrina: Com a proclamação da República, foi editado em 11-10- 1890 o novo estatuto básico, agora com a denominação de Código Penal. Logo, foi ele alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava e que decorriam, evidentemente, da pressa com que fora elaborado. Aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que constituía um avanço na legislação penal. Entretanto, o Código era mal sistematizado e, por isso, foi modificado por inúmeras leis até que, dada a confusão estabelecida pelos novos diplomas legais, foram todas reunidas na Consolidação das leis Penais, pelo Decreto nº 22.213, de 14-12- 1932. (MIRABETE, 2008, p. 25) Neste contexto histórico, vários projetos de Código Penal foram apresentados por diversos juristas sem lograr êxito, tendo sido aprovado, somente mais tarde, o projeto de autoria de Alcântara Machado que se tornou o Decreto-lei nº 2.848, de 07-12-1940, cuja aplicação se encontra vigente, com algumas alterações, em especial a reforma da parte geral, até os dias atuais. O sucesso de sua duração se deve ao fato de ser uma legislação eclética, que soube aproveitar os postulados das escolas Clássica e Positiva no que havia de melhor em cada uma delas, bem como se orientou pelas legislações modernas de orientação liberal contidas nos códigos italiano e suíço. Em 1969 tentou-se substituir o Código Penal por um de autoria de Nelson Hungria, porém, não chegou a entrar em vigor, pois foi bastante criticado pelos critérios de inspiração rigorista que predominavam em toda a obra. O autor propunha uma lei mais severa, como no caso do tempo máximo da pena de reclusão em que era elevada para 40 anos; limitava o poder discricionário do juiz na aplicação das agravantes e atenuantes e elevava as penas cominadas a diversos crimes na Parte Especial. Por tal motivo foi modificado substancialmente pela Lei nº 6.016, de 31-12-1973. Ainda assim, sofreu a maior vacatio legis que se tem notícia, e após vários adiamentos da data em que passaria a viger foi revogado em1978, nove anos depois, pelo então Presidente da República, General Ernesto Geisel. 5.2.1 A nova Parte Geral do Código Penal e a reforma do sistema prisional (Lei nº 7.209 de 1984) Em 1980 decidiu-se, mais uma vez, após o insucesso das tentativas anteriores, reformular a Parte Geral do Código Penal, buscando viabilizar a imediata remodelação do sistema prisional brasileiro. Assim, apesar de ter adotado o mesmo sistema houve inúmeras alterações, principalmente na parte relativa às penas. Tal reforma baseou-se em princípios liberais e humanistas e buscou assegurar a dignidade do delinquente enquanto ser humano que é, procurando dar mais importância aos crimes mais graves, criando medidas penais alternativas para os crimes de pequena relevância. Tudo isso com a finalidade de evitar o encarceramento de seus agentes por um curto período de tempo. Com o objetivo de reformulação do elenco tradicional das penas e apoiados no princípio de nullum crimen sine culpa (não há crime sem culpa) a comissão instituída para elaboração do anteprojeto de lei de reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940 teve como membros Francisco Serrano Neves, Miguel Reale Junior, Renê Ariel Dotti, Ricardo Antunes Andreucci, Rogério Lauria Tucci e Hélio Fonseca, capitaneada por Francisco de Assis Toledo. Em relação às penas, a Lei 7.209 de 1984 (Lei alteradora da Parte Geral do Código Penal) fez introduzir grandes modificações. Como por exemplo, propôs que no sistema repressivo passasse a constituir as seguintes espécies de pena: privativas de liberdade, restritivas de direitos e patrimoniais. Para as penas privativas de liberdade instituiu a forma progressiva, cujo cumprimento deve iniciar no regime fechado quando a pena for superior a oito anos ou se tratar de apenado reincidente. Quando, do contrário, o apenado não for reincidente e a pena for superior a quatro anos deverá ser cumprido em regime inicial semi-aberto e, abaixo de quatro anos poderá iniciar em regime aberto. Sendo, ainda, considerado direito subjetivo do preso que deve ser observado pelo magistrado na aplicação da pena, quando o juiz é obrigado a determinar o regime inicial de cumprimento, observados os requisitos legais. Em relação às penas restritivas de direito, estas são aplicadas para o réu cuja pena máxima privativa de liberdade, cominada para o crime cometido seja inferior a um ano ou se o crime for culposo. Exige, ainda, que o réu não seja reincidente e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como, os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que esta substituição seja suficiente. Por fim, nas penas patrimoniais criou-se o instituto da multa, que consiste em pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença e calculada em dias- multa, não podendo incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família. Tal pena pode ser aplicada isolada ou cumulativamente com outra privativa de liberdade.
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