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COSTA, Emilia Viotti da Relações entre senhores e escravos In Da senzala à colônia São Paulo Difel, 1966 p 278 329

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COSTA, Emilia Viotti da. Relações entre senhores e escravos. In: Da senzala à colônia. São Paulo: Difel, 1966. p. 278 – 329.
“Os libertos embora restituídos à sua natural condição, entretanto para a comunhão social ficavam submetidos a varias restrições: não podiam ser eleitores, so lhes sendo autorizado votar nas eleições primarias desde que obedecendo aos requisitos gerais para isso.” (p. 279).
 “Conscientes de suas limitações, formavam, as vezes, sociedades secretas – uma espécie de “franco-maçonaria” cuja palavra de ordem era proteção mutua. Numa destas os símbolos de grau eram representados por anéis de prata no polegar esquerdo.” (p. 279).
 “Até as vésperas do movimento abolicionista, o depoimento do escravo nada valia. Comentando esse fato, um viajante dizia que dez zeros não fazem uma cifra e que nenhum depoimento de negro contra um branco faria efeito.” (p. 279).
 “As duas camadas raciais permaneciam, a despeito de toda sorte de contatos, intercomunicações e intimidades, dois mundos, cultural e socialmente separados, antagônicos e irredutíveis um ao outro. “As diferentes modalidades através das quais se processou a discriminação racial tinham por função manter as distancias sociais intransponíveis que dividiam os dois mundos coexistentes e superpostos, e garantir a partilha desigual de direitos e deveres, assegurada pelo regime servil.” (p. 280).
 “A escravidão, dizia, não teve apenas uma influência dissolvente sobre a sociedade inteira, mas corrompeu a noção do dever e do respeito, desonrou o trabalho, enobreceu o ócio, abalou a hierarquia e destruiu a disciplina. Segundo a opinião corrente, trabalhar – submeter-se a uma regra qualquer – é coisa de escravos.” (p. 281).
 “No regime da escravidão, em que o trabalho se desmoraliza e é resultante de um imposição, o grupo dominante vê-se frequentemente obrigado a recorrer à violência física, quando queira alcançar seus desígnios.” (p. 282).
 “Para manter o ritmo de trabalho, impedir atitudes de indisciplina ou reprimir revoltas, para atemorizar os escravos, mantê-los humildes e submissos, evitar ou punir fugas, os senhores recorriam aos mais variados tipos de castigo, pois os acordos e reprimendas pouco valiam.” (p. 282).
 “Numa visão liberal, de um liberalismo da primeira metade do século XIX, explicava: “Os homens livres excedem muitas vezes, por ambição, a tarefa regular do trabalho, mas o lucro e satisfação fazem o contrapeso de tal excesso”. O preto que nada tem a ganhar com este excesso de fadiga, entrega-se ao desespero e brevemente definha. Por isso, impunha-se a vigilância: sem esta, baixaria o rendimento do trabalho.” (p. 283).
 “O negro das fazendas era tratado mais brutalmente do que o da cidade, onde era mais fácil o controle das arbitrariedades, embora a proteção da justiça fosse nos primeiros tempos muito mais teórica do que pratica.” (p. 284).
 “Numa época em que os castigos corporais ainda se achavam incorporados à educação – como meio eficaz – adotados em escolas de renomada, não é de estranhar que os senhores recorressem, sem hesitar, a esses processos para contenção da escravaria. O açoite tornara-se tão normal aos olhos da sociedade, que a própria legislação o consagrava como corretivo disciplinar. A justiça legalizava a ação privada. O chefe policial concedia ao senhor uma autorização para aplicar o castigo, mencionando o numero de chibatadas, que o escravo deveria receber.” (p. 287).
 “Os castigos deixavam estigmas nos ombros, nos rins, nas faces, nas nádegas. Por eles, conhecia o comprador a índole do negro. Durante muito tempo, esses sinais não constituíram boa recomendação para o escravo.” (p. 289).
 “Os crimes ocorriam no interior das senzalas nem sempre chegavam ao conhecimento público, mas quando isto acontecia, embora a lei nesses casos determinasse a punição do senhor, este acabava absolvido. A justiça era, na maior parte das vezes, conivente e aceitava as suas justificativas.” (p. 291).
 “A principio, era raro ver um fazendeiro às barras dos tribunais por ter castigado excessivamente seus escravos. Mais tarde, com a agitação abolicionista, esses casos tornaram-se mais freqüentes, e já em 1878, queixavam-se os proprietários da interferência de delegados e juízes na sua autoridade.” (p. 291).
 “Entravam em choque as duas mentalidades. A antiga e a nova. A da lavoura tradicionalmente ligada ao sistema escravista, e a da geração nova, urbanizada, muitas vezes desligada dos interesses rurais, mais acessível às idéias novas, empolgada pelo movimento abolicionista, que daí por diante mais se acentuava.” (p. 291).
 “A revolta estendera-se às senzalas. Sentindo-se apoiados pela opinião publica, os escravos protestavam e recorriam às autoridades, às vezes isoladamente, as vezes em grupo.” (p. 293).
 “Vários viajantes assinalaram a excelência da legislação que pretendia proteger os escravos no Brasil. Esqueciam-se de que as boas intenções não bastavam. A eficácia da legislação depende de que a cumpre e as faz cumprir. O intuito protetor da lei podia ser verdadeiro, mas sua eficácia era duvidosa. O corpo de jurados escolhia-se segundo princípios, de sorte que, em sua maioria, era recrutado entre os fazendeiros proprietários de escravos.” (p. 295).
 “A representação do crime e da culpabilidade era inconscientemente deformada pelos estereótipos vigentes, pela caracterização do escravo como primitivo, ignorante, culposo permanente. O senhor aos olhos do júri, parecia sempre ter razão.” (p. 295).
 “Dentro dessas novas condições sociais, o movimento abolicionista encontrava maior receptividade, contribuindo por sua vez para acelerar a tomada de consciência que as mudanças socioeconômicas tinham possibilitado. Passou-se a exercer vigilância sobre os que se excediam em castigos. Os jornais apareciam cheios de denuncias anônimas, referindo-se a senhores que espancavam brutalmente seus escravos. A opinião publica começava a escandalizar-se com tais fatos. Muito provavelmente nas cidades, onde a população aumentava, os novos elementos sociais em ascensão, pertencentes a categorias não comprometidas com a escravidão, entre os quais se recrutava grande numero de abolicionistas, passavam a fazer parte do corpo de jurados. As novas condições sociais e psicológicas estabeleciam maiores condições de seguranças para o escravo e conferiam a legislação, de data muito anterior, a autenticidade que durante tanto tempo lhe faltara.” (p. 296).
 “Quando, às vésperas da abolição, se multiplicaram as insurreições e fugas e as tropas se revelavam insuficientes em numero e pouco atuantes, os fazendeiros organizaram suas próprias milícias, reunindo-se em clubes, sociedades, mais ou menos secretas, que tinham como uma de suas finalidades a defesa do patrimônio escravo e a organização da resistência a possíveis agressões dos oprimidos.” (p. 299)
 “Nas grandes cidades, nos pequenos centros, as posturas dizem sempre o mesmo. Variam apenas a forma de expressão e o grau da penalidade, mas seu objetivo é impedir a fuga de escravos, as revoltas e a agressão.” (p. 299).
CAPÍTULO III
O Protesto do escravizado
 “A amizade, o desejo de angariar as simpatias do senhor, o interesse em receber um premio, as vezes até a liberdade, atuavam como incentivos para tais delações. De outro lado, a pronta repressão policial, sufocando a rebelião, e as severas penalidades impostas aos cabeças do motim diminuíam as possibilidades de êxito.” (p. 300).
 “Por isso, os movimentos de grandes proporções, tão temidos nas áreas em que a população escrava predominava largamente sobre os livres, foram raros nas zonas cafeeiras.” (p. 301).
 “As agitações continuaram durante todo o tempo da escravidão, recrudescendo à medida em que se aproximava o seu fim. Já em 1871, eram os abolicionistas acusados de levar a intranqüilidade as zonas rurais como a sua propaganda. Observaram as autoridades que muita gente da “classe baixa” se ligava aos escravos, instigando-os à revolta.” (p. 304).
 “As convulsões que abalaram os negros da Bahia tiveram repercussão na zona cafeeira. A revolta dosNagôs provocou a prisão no Rio de Janeiro de vários negros, e a Assembléia Provincial votou leis de segurança e emergências, determinando o repatriamento de alguns pretos livres.” (p. 305).
 “É facilmente compreensível o pânico que se apoderava das populações livres ao menos rumor de insurreição em áreas próximas. A desproporção entre a população livre e escrava, dando a ultima, em certos distritos, grande superioridade numérica, tornaria realmente dramática a situação dos brancos, se as insurreições não fossem, desde logo, prontamente dominadas. Por isso, desenvolveu-se todo um mecanismo de defesa e repressão. Ao menor boato, as autoridades mobilizavam forças policiais, comunicavam à administração superior solicitando reforço de policiamento, e noticiavam às cidades vizinhas, chegando, às vezes, a apelar para o Governo Imperial.” (p. 305).
 “As tentativas de insurreição repetiam-se ameaçadoras e as autoridades sentiam-se impotentes para resolver o problema que, bem o sabiam, estava indissoluvelmente ligado à escravidão. Os destacamento policiais e as medidas de repressão revelavam-se insuficientes, incapazes de manter a ordem que se via ameaçada.” (p. 307).
 “A propaganda abolicionista e as perspectivas de libertação tornavam o cativeiro mais difícil de suportar. As leis emancipadoras, o fundo de emancipação, as alforrias criavam situações paradoxais. Libertavam-se os filhos e mantinham-se os pais no cativeiro. As mulheres eram libertas enquanto os maridos continuavam no eito. Situações ambíguas como estas multiplicavam-se a despeito de todas as recomendações feitas no texto da lei de 1871, que concedia preferência na emancipação a escravos pertencentes da mesma família.” (p. 307).
 “A coexistência do trabalho livre e escravo tornava mais gritantes a injustiça e o caráter espoliativo da instituição.” (p. 307).
 “Insurreições, crimes, fugas, suicídios, trabalhos mal ou lentamente cumpridos, a obstinação em resistir a ordens dadas eram os meios de que dispunha o escravo para manifestar-se contra a situação em que era mantido e que so uma mudança radical, fora de seu alcance, poderia dissipar.” (p. 310).
 “Alguns anos mais tarde, em 1868, dizia-se na Assembléia Legislativa que se pagava aos capitães-do-mato salários fabulosos, por vezes, duzentos mil-réis, e que as despesas com apresamento do escravo eram excessivas.” (p. 314).
 “Na esperança de recuperar os negros, prometiam os senhores farta recompensa a quem os entregasse ou deles desse noticia.” (p. 314).
 “Fatores de inquietude das populações livres durante todo o período da escravidão, desde a época colonial foram os quilombos. Reunidos em grupos, os escravos fugidos assaltavam as fazendas e as estradas, pondo em perigo a vida dos passantes. Ocultos nas matas, plantavam suas roças, insuficientes na maioria das vezes, para o próprio sustento. Acuados, viviam de furtos.” (p. 315).
 “As condições tornavam-se cada vez mais favoráveis à fuga. À medida em que crescia o numero de negros livres e alforriados, mais difícil se tornava diferenciá-los dos cativos. Aumentava simultaneamente a demanda de trabalhadores assalariados e as preferências começavam agora a dirigir-se para o trabalho livre. Graças à ampliação do mercado de trabalho, o escavo fugido podia, facilmente, encontrar serviço.” (p. 317).
 “Em São Paulo, os principais agentes eram os “Caifazes” de Antônio Bento, que levavam anarquia às fazendas, intigando e ajudando os escravos a fugir.
Os libertos demonstravam, em geral, solidaderiedade para com seus companheiros, auxiliando-os na fuga e dando-lhjes abrigo. Trabalhada pela campanha abolicionista, a força policial agia com menos rigor. O público, por sua vez, começava a insurgir-se contra as apreensões de escravos e a imprensa criticava os capitães-do-mato que se incumbiam da caça aos pretos.” (p. 318).
 “Os escravocratas, por seu lado, também reagiam com violência. Em 1877, o Diário Popular denunciava que na estação de Jundiaí um proprietário conseguira do delegado local dois sargentos e praças a fim de verificar se no trem havia escravos seus.” (p. 319).
 “O anos de 1888 iniciava-se para os escravistas sob maus prognósticos. A agitação social atingira o auge, nos últimos meses. As posições tinham se radicalizado. A violência sucedera à argumentação. A fuga em massa das fazendas ameaçava em certas localidades a ordem publica alarmando os proprietários e as classes produtoras.” (p. 320).
 “Em dezembro de 1887, um grupo de proprietários reuniu-se em São Paulo com fito de dar impulso e direção ao movimento emancipador que se tornara anárquico. Ficou assentado o prazo máximo de três anos para extinção na Província do “sistema servil”. “(p. 323).
 “A tal ponto chegara a agitação que os proprietários, na tentativa de reter os escravos, começaram a conceder alforria com a clausula de prestação de serviço. A principio, por mais cinco anos, limitaram-se depois a exigir que fizessem a colheita pendente. Finalmente, verificada a insuficiência de tais concessões, pois os escravos continuavam a fugir, resolveram que as alforrias seriam imediatas e incondicionais, pagando-se os salários aos libertos. Soltavam os escravos, na esperança de conservá-los depois como trabalhadores.” (p. 324).
 “A questão da emancipação tem duas fases importantes, dizia-se na Assembléia, uma relativa ao escravo, a outra, ao senhor, e muitos dificuldades para a solução do problema vem mais do senhor do que do escravo. Os cativos limitam-se a fugir, mas, uma vez livres, revelam amor ao lugar do trabalho, hábitos de disciplina e diligencia, tudo de mistura com certa ingenuidade infantil revelam, alem disso, tendências pacificas e fácil sujeição, enquanto de outra partem, o que ainda se vê em várias localidades são os proprietários a armar conflitos, “que, no estado presente da questão, são tantos outros embaraços e enormes que levantam à boa terminação dessa fatal e iniludível transição do trabalho”. A vista disto, apelava-se para os senhores: deviam convencer-se da necessidade de uma modificação profunda nos seus hábitos. Olhassem para o sucedido nas Antilhas, onde a emancipação evoluira de maneira diversa, conforme as regiões: nas áreas em que os proprietários haviam colaborado, tudo se processara facilmente, onde houvera resistência, o trabalho ficara completamente desorganizado.” (p. 327).
 “A despeito das resistências, o movimento avançava. Pela matricula de 30 de março de 1887, o numero de cativos existentes na Província era de 107.329. no espaço de um ano, o total de alforrias averbadas nas diversas coletorias da Província ascendera a quase quarenta mil (39.538). um grande numero de escravos fugidos gozava de liberdade, sem que os proprietários resolvessem a dar baixa nas matriculas. Em algumas fazendas o liberto continuava servindo com regularidade mediante a salário e em outras, o estrangeiro substituirá completa e eficazmente o agente escravo, algumas havia em que o trabalho se desorganizara completamente.” (p. 328).
 “A tal ponto haviam chegado os conflitos, e a desorganização que a Assembléia Provincial acabou solicitando do Parlamento, por unanimidade de votos, fosse feita a emancipação. Tudo havia colaborado para esse desfecho. “O esforço decidido dos abolicionistas, as libertações em massa, a fuga numerosa e continua dos escravos que desamparavam as fazendas dos seus senhores, sem que ninguém pudesse embargar-lhes o passo, sendo baldada e impotente a interferência da Força Publica, a quem eles não acatavam principiando esta a não querer prestar-se mais diligencias daquela natureza, criavam para a vida social e econômica da província uma situação perigosa e intolerável, de que era urgente sair.” (p. 328).

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