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MATERIAL DIDÁTICO FUNDAMENTOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA 0800 042 0122 www.ipebras.com.br Impressão e Editoração 2 Sumário CAPÍTULO 1 – RADIAÇÃO DO CORPO NEGRO ................................................................................. 3 1.1- RADIAÇÃO DO CORPO NEGRO ............................................................................................. 3 1.2 - MODELO CLÁSSICO PARA A RADIAÇÃO DO CORPO NEGRO .................................................... 5 1.3 A TEORIA DA RADIAÇÃO DO CORPO NEGRO DE PLANCK ......................................................... 8 1.4 O QUANTUM DE AÇÃO DE PLANCK ...................................................................................... 13 CAPÍTULO 2 - QUANTIZAÇÃO DA CARGA, ENERGIA .................................................................... 16 2.1 QUANTIZAÇÃO DA CARGA ELÉTRICA ................................................................................... 16 2.2 Descoberta do elétron ............................................................................................... 16 2.3 EXPERIMENTO DE MILIKAN ................................................................................................ 18 2.4 Propriedade corpuscular da Radiação ...................................................................... 19 2.5 Efeito fotoelétrico ....................................................................................................... 20 2.6 Efeito Compton .......................................................................................................... 25 2.7 Raio X ........................................................................................................................ 28 CAPÍTULO 3: PROPRIEDADES ONDULATÓRIAS DA MATÉRIA .................................................... 34 3.1 POSTULADO DE DE BROGLIE ............................................................................................. 34 3.2 Princípio da Complementaridade de Bohr ................................................................. 38 3.3 Princípio da Incerteza de Heisenberg ....................................................................... 42 CAPÍTULO 4: O MODELO DO ÁTOMO .............................................................................................. 44 4.1 Espectro atômico ....................................................................................................... 44 4.2 O pudim de Thomson ................................................................................................ 47 4.3 O modelo do átomo de Rutherford ............................................................................ 47 4.3.1 O tamanho do núcleo ............................................................................................. 52 4.4 O modelo do átomo de Bohr ...................................................................................... 53 4.4.1 Princípio da correspondência ................................................................................. 58 4.5 Crítica à “velha” mecânica quântica .......................................................................... 58 CAPÍTULO 5: INTRODUÇÃO À MECÂNICA QUÂNTICA .................................................................. 60 5.1 Equação de Schrödinger ........................................................................................... 60 5.2 Condições que a função de onda deve satisfazer ..................................................... 63 5.3 Aplicações da equação de Schrödinger .................................................................... 64 5.4 A mudança do paradigma Clássico para o Quântico ................................................ 64 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 67 3 CAPÍTULO 1 – RADIAÇÃO DO CORPO NEGRO 1.1- Radiação do corpo negro O processo histórico de estudo da radiação do corpo negro iniciou-se em análises empíricas da luz solar e o subsequente nascimento da espectroscopia, utilizando o prisma recém descoberto por Newton. O primeiro espectroscópio foi inventado por Joseph Von Fraunhofer e constituía uma luneta ocular acoplada com um prisma. Esse aparato foi aperfeiçoado por Gustav Robert Kirchhoff e Robert Bunsen, na segunda metade do século XIX, e a partir desse, em 1959, detectaram que cada elemento químico poderia ser caracterizado por um espectro próprio. Em um segundo trabalho, no mesmo ano, Kirchhoff propôs o que seria conhecido como a “lei de Kirchhoff”: Para raios espectrais de igual comprimento de onda, a uma mesma temperatura, a razão do poder de emissão para a capacidade de absorção é a mesma para todos os corpos, independente da sua natureza. λ λ λ λ a P = a P 2 2 1 1 , (1.1) sendo λP o poder emissivo (energia irradiada no comprimento de onda l por unidade de tempo) e λa o poder absorvente. Essa relação evidencia o surgimento do primeiro absoluto na natureza. Kirchhoff introduziu o conceito de corpo negro, como sendo o corpo ideal, cuja superfície absorve toda a radiação que incide sobre ele, visível ou não. Seu coeficiente de transmissão e reflexão é nulo e o coeficiente de absorção é um, 1=aλ . Daí a analogia com objetos pretos, pois sendo toda a radiação incidente absorvida, não é possível identificar uma cor (a cor dos objetos é fruto da radiação refletida nele) e, portanto, o objeto será preto representando a ausência de cor. O conceito de corpo negro é ideal, segundo a lei de Kirchhoff (1.1), se ele absorve toda a radiação, ele será um emissor ideal. O único corpo que se aproxima de ser perfeitamente negro é o sol, mas, embora possamos considerar que ele absorve toda a radiação nele incidente, seu espectro de emissão não é contínuo, como se espera de um corpo negro. 4 O fato da radiação do corpo negro aparentar ser um absoluto da natureza instigou muito cientistas da época, entre eles Max Planck, que em sua autobiografia fala o seguinte a respeito do tema: (...) a radiação, em todas suas propriedades, incluindo sua distribuição espectral de energia, não depende da natureza dos corpos, mas somente e exclusivamente da temperatura. Portanto, a assim chamada distribuição normal de energia espectral representa algo absoluto, e uma vez que eu sempre considerei a procura por absoluto como o principal objetivo de toda a atividade científica, eu ansiosamente me pus a trabalhar. Os estudos de Planck e de tantos outros passaram a ser mais efetivos após Kirchhoff mostrar que a emissão de radiação de um corpo negro é equivalente a radiação emitida por uma cavidade de paredes adiatérmicas (impermeável a radiação térmica) e temperatura T. E, portanto, o estudo do corpo negro podia se restringir a estudar a emissão de radiação de tal cavidade. A distribuição espectral da radiação de um corpo negro é quantificada pela função νRT (radiância espectral), definida de tal forma que dννRT seja a energia emitida por unidade de tempo e área (de uma superfície) em um intervalo de frequência dν para uma temperatura definida T. A primeira medida experimental de νRT foi feita em 1865, por John Tyndall. Mas, foi em 1879, que Josef Stefan deduziu, empiricamente, dos resultados dos experimentos de Tyndall que a emissão do fio de platina aquecido era proporcional a T 4 (em Kelvin). De outro ponto de vista, em 1884, Ludwig Boltzmann, usando considerações termodinâmicas e eletromagnética no estudo da radiação da cavidade, encontrou que a densidade de energia dessa cavidade, assim como o fluxo emitido, seria proporcional a T 4 e o fluxo de radiação dessa cavidade deveria ser igual à radiação total νRT , consolidando a observação empírica deStefan 4σT=νRT . (1.2) Essa relação é conhecida hoje como a lei de Stefan-Boltzman, para σ a constante de Stefan que somente foi calculada quando o problema do corpo negro foi totalmente solucionado por Planck. Wilhelm Wien, em 1984, foi o primeiro físico a fornecer uma tentativa de análise teórica a partir da termodinâmica e das considerações de Boltzman. Ele 5 propôs uma função de distribuição espectral para a radiação do corpo negro, em que, conhecido o espectro de emissão do corpo, seria possível obter νRT . Wien notou, em seus estudos, que a mudança da temperatura altera a distribuição dos comprimentos de onda de maneira constante em uma relação conhecida hoje como a lei de deslocamento de Wien const.= T ν =Tλ maxmax . (1.3) Ambas as deduções, de Boltzman e Wien, provocaram um grande empenho de parte da comunidade científica para encontrar a descrição do fluxo de emissão de radiação do corpo negro, tido como um problema em aberto da física, no final do século XIX. 1.2 - Modelo clássico para a radiação do corpo negro Antes de seguir com os avanços no estudo da radiação do corpo negro, façamos uma pausa para relembrar a formulação do teorema da equipartição da energia. Em 1845, J.J. Waterston escreveu um artigo para a Royal (que seria recusado pelo argumento de ser descabido) sobre: “A física dos meios que são compostos de muitas moléculas livres e elásticas num estado de movimento”. A conclusão principal foi que “num meio misto a velocidade quadrática média é inversamente proporcional ao peso específico das moléculas”. Em 1860, Maxwell formula a primeira versão do princípio de equipartição da energia, na qual dois conjuntos de partículas distribuem suas velocidades e suas energias cinéticas. Boltzmann generalizou o teorema, em 1868, para todos os tipos de partículas que tivessem números inteiros de graus de liberdade. Ao final do século XIX, a ideia da equipartição da energia pairava no ar e foi finalmente formulada como: a energia total contida num sistema composto por um grande número de partículas individuais, seria igualmente compartilhada, em média, por todas as partículas que se movimentam e colidem randomicamente trocando energias. Para um sistema de moléculas de um gás em equilíbrio térmico a uma temperatura T, o princípio da equipartição da energia, proposto por Boltzmann, afirma que a energia cinética 6 média de uma molécula por grau de liberdade é kT 2 1 , sendo k = 1,38× 10 −23 a constante de Boltzmann. Detalhes da conta podem ser encontrados em livros de mecânica estatística. Em 1900, Lord Rayleigh se propôs a resolver o problema da radiação do corpo negro usando a teoria da equipartição de energia. Rayleigh, que em seguida foi corrigido e aprimorado por J. Jeans, partiu da suposição que dentro da cavidade as ondas eletromagnéticas seriam ondas estacionárias com frequências fixas determinadas pelo tamanho da cavidade, ou seja, a radiação dentro da cavidade seria uma sobreposição de ondas estacionárias possíveis com nós sobre a superfície metálica (borda da cavidade), como mostra a figura 1.1. O campo elétrico para ondas estacionárias possuem uma estrutura de oscilação senoidal no comprimento e no tempo, πνtsen λ x πsenE=E x x 220 (para a componente x, que se repete nas demais) assim, o campo é sempre nulo nas superfícies da cavidade. Usando argumentos geométricos, é possível calcular o número dos diferentes modos de ondas estacionárias possíveis de existir na cavidade, no intervalo de frequência de ν a dν+ν , por unidade de volume (devido às duas possíveis polarizações da radiação o número deve ser multiplicado por dois ao final da conta). dνν c πa =dννN 2 3 38 . (1.4) 7 Sendo a o tamanho da aresta da cavidade e c a velocidade da luz. Figura 1.1: Ondas estacionárias no interior de uma cavidade metálica1 Segundo a teoria clássica da equipartição de energia, cada modo de vibração tem a mesma energia cinética média quando está em equilíbrio térmico: kT 2 1 . No entanto, é preciso considerar que cada onda estacionária que oscila senoidalmente possui uma energia total que é o dobro da sua energia cinética média (propriedade dos movimentos harmônicos simples com um único grau de liberdade). Assim, a energia total média de cada modo vibrante é kT . O número de ondas estacionárias multiplicado pela sua energia média total no intervalo de frequência considerado, por unidade de volume, fornece a densidade de energia νρT (energia média por unidade de volume no intervalo de ν a dν+ν ). Usando as considerações clássicas acima, chegamos à fórmula de Rayleigh-Jeans para a radiação do corpo negro: dν c kTπν =dννρT 3 28 . (1.5) 1 Figura modificada de R. Eisberg “Fundamentals of Modern Physics”, John Wiley&Sons Inc., 1963. 8 Ao comparar a curva teórica com os dados experimentais, como mostra a figura 1.2, podemos observar que para valores baixos de frequência, o comportamento da curva teórica é condizente com os dados experimentais, o que indica que neste limite a teoria consegue descrever o fenômeno. No entanto, para altas frequências, observa-se uma grande discrepância entre a curva teórica e os dados. Enquanto o experimento mostra que a densidade de energia é sempre finita e tende a zero para altas frequências, a equação (1.5) cresce com 2 e tende ao infinito. Essa discrepância ficou conhecida como a “catástrofe do ultravioleta”, pois a teoria clássica não conseguia justificar o comportamento experimental nesta região de frequência. Estava em aberto um problema cuja solução significou uma mudança do paradigma da física clássica. Figura 1.2: A comparação da previsão de Rayleigh e Jeans para a radiação de corpo negro com os dados experimentais em função do comprimento de onda. Evidência da catástrofe do ultravioleta. 1.3 A teoria da radiação do corpo negro de Planck Max Planck estudou a fundo o problema da radiação do corpo negro usando as teorias da termodinâmica clássica, mas não o fez na perspectiva do princípio da equipartição da energia. Planck se fixou na entropia do sistema, ele reformulou a segunda lei da termodinâmica, na qual a entropia de um sistema tende sempre a aumentar e, no limite, pode permanecer constante para o caso de uma cavidade 9 adiatérmica. A partir da sua formulação da segunda lei da termodinâmica, Planck encontrou um análogo a lei de Wien, que, no entanto, não valia para pequenos valores de frequências: ∂ 2 S ∂ 2 U = const U . (1.6) Para S a entropia do sistema e U a energia interna. O cenário do problema do corpo negro, no início do século XIX, indicava que a cada faixa de comprimento de onda em que se trabalhasse, o fenômeno era regido por equações diferentes. Foi então, em 19 de outubro, de 1900, que Planck apresentou um artigo à Sociedade Alemã de Física, no qual propunha uma solução matemática ao problema da radiação do corpo negro baseada na interpolação dos dados experimentais e as soluções válidas em determinadas regiões sem, a princípio, nenhuma justificativa teórica consistente. Em sua autobiografia, Planck revela: Mas, Ainda que a formulação da radiação estivesse perfeita e irrefutavelmente correta, teria sido, afinal de contas, apenas uma fórmula de interpolação descoberta por um feliz acaso de raciocínio e isso nos teria deixado relativamente satisfeitos. Em consequência, a partir do dia da descoberta, dispus-me a dar-lhe interpretação física, o que me levou a examinar as relações entre entropia e probabilidade, segundo os conceitos de Boltzmann. Após algumas semanas do mais intenso trabalho que já realizei na vida, as coisas começaram a clarear e visões inesperadas revelaram-se a distância. Os cálculosdesenvolvidos por Planck são de uma complexidade que não cabe neste texto, no entanto, podemos fazer uma leitura de sua ideia partindo da função de distribuição de Boltzmann que se aplica ao caso da radiação do corpo negro. kT e =εP kT , (1.7) sendo εP a probabilidade de encontrar um dado ente (uma onda estacionária) com uma energia ε , quando o número de estados de energia para o ente independe de ε . O valor médio das energias na cavidade é dado em função da distribuição de Boltzmann (1.7 ) como sendo 10 0 )( )( dP dP ε dεεPdεεPε= . (1.8) Se resolvermos essas integrais, sendo o denominador igual a um (dado que a probabilidade de encontrar um estado com qualquer energia é um), recaímos sobre o princípio de equipartição da energia: kTε =kT , como mostra a figura 1.3. Figura 1.3: Em cima temos o gráfico da distribuição de Boltzmann εP , e embaixo o gráfico de εP , cuja área sob a curva nos dá o valor de ε =kT . O salto qualitativo de Planck foi descobrir que poderia deslocar a posição do valor médio de ε no gráfico da figura 1.3 se considerasse a energia como uma variável discreta e não contínua como até então. Assim, definiu que a energia assumiria valores discretos uniformemente distribuídos (espaçados) de tal forma que os valores possíveis de energia pudessem ser ...32 0, Δε,Δε,Δε,=ε . (1.9) Analisando esse efeito no cálculo da área sobre a curva de (1.3) (o próprio ), quando o intervalo de energia Δε considerado for pequeno ( kTΔε ), a energia 11 média encontrada será da ordem de kT ( kT ). Por outro lado, se o intervalo for da ordem de kT ( kTΔε ), uma parte considerável de εP não irá contribuir, uma vez que o primeiro intervalo é zero, e o valor médio será menor que kT ( kT ). Indo ao extremo, no limite em que o intervalo é muito grande ( kTΔε ), o valor médio se aproxima de zero ( 0 ). Comparando esse comportamento com o que é observado experimentalmente (ver figura 1.2) para o espectro de energia do corpo negro, para baixas frequências temos que kT e para altas frequências 0 , Planck constatou então que precisava que Δε fosse uma função crescente com a frequência. Dessa forma, Planck supôs que esse intervalo fosse diretamente proporcional a frequência νΔε ou como ele mesmo definiu hν=Δε . (1.10) Para 346,6310=h joules, constante que foi definida com o ajuste da função densidade de energia aos dados experimentais e é conhecida hoje como a constante de Planck. A fórmula de Planck para a energia média da radiação foi obtida substituindo as integrais em (1.8) por somatórias e nhν=ε , temos n n n n kT nh n kT nh n e en kT e kT e kT nh 0 0 0 0 1 , (1.11) sendo kT nh =α . Para facilitar, a partir de agora vamos omitir os limites das somatórias que serão sempre de zero a infinito. Planck percebeu que a relação (1.11) também aparece no desenvolvimento de uma função logarítmica. nα nα nα nα nα e nαα = e e dα d α =e dα d α ln . (1.12) Comparando as equações (1.12 ) e (1.11), podemos escrever a energia média como sendo: nαnα e dα d h=e dα d αkT ln)ln( . (1.13) 12 Abrindo a somatória de (1.13) temos que ...1 5432 +e+e+e+e+e+=e αααααnα , na qual podemos identificar uma correspondência com a expansão do elemento 1 1 x quando 1x ...11 321 +x+x+x+=x para o caso de αe=x . Assim, a equação (1.13) pode ser reescrita como: 1e e-1 )e-(1 )e-(1 )e-ln(1 kT h- 2-- 1-- 1-- hehe h = dα d h . (1.14) O que é finalmente a equação de Planck para a energia média, muito diferente da energia clássica kT. A densidade de energia da radiação do corpo negro, definida da mesma forma que a equação (1.5) passa a ser dν kT hν e hν c πν =dννρT 1 8 3 2 . (1.15) A figura 1.4 mostra a concordância entre a previsão dada pela equação (1.5) e os dados experimentais. Na figura, o gráfico é em função do comprimento de onda, mas, como a relação entre a frequência e o comprimento de onda é ν c =λ a transição de uma descrição para outra é simplesmente νρ λ c =λρ TT 2 . Figura 1.4: Comparação entre as diferentes propostas para a densidade de energia do corpo negro em função do comprimento de onda. 13 Assim, o “truque matemático” de Planck se consagrou por finalmente resolver o problema da descrição do espectro de radiação do corpo negro. Podemos voltar às primeiras discussões qualitativas a respeito do comportamento do espectro. O gráfico da figura 1.5 representa a radiação espectral de um corpo negro para três valores de temperatura. A partir dessa figura, podemos observar que os picos (o máximo da curva) de radiação emitida variam para as diferentes temperaturas de forma linear, e quanto maior a temperatura, maior a frequência. A potência desta radiação é dada pela área embaixo da curva, dessa forma, podemos observar em 1.5 que a potência cresce com a frequência, para uma temperatura fixa, e a potência total irradiada pelo corpo negro cresce abruptamente com a temperatura. Esse foi o resultado observado empiricamente por Stefan e calculado explicitamente por Boltzman, dando origem a lei de Stefan-Boltzman, equação (1.2). Com a equação de Planck foi possível calcular o valor da constante de Stefan: 4028 /105,67 KmW=σ . O deslocamento do espectro que observamos em 1.5 é a visualização da lei do deslocamento de Wien equação (1.3). Figura 1. 5: A radiação espectral de um corpo negro em função do comprimento de onda da radiação, para 3 valores de T. 1.4 O quantum de ação de Planck Em artigos que sucederam a publicação de 19 de outubro, Planck buscou dar interpretação física ao que chamou de um simples “truque matemático”. No ano 14 seguinte, então, Planck formulou sua teoria admitindo que a entropia do corpo negro estivesse sempre em equilíbrio, apresentando a constante h como um “quantum de ação”, pois h tem dimensão de ação, que é energia multiplicada pelo tempo, baseado na ideia do princípio da mínima ação (ação tem o significado que aprendemos na mecânica, princípio de Lagrange). A contribuição de Planck, a lei de distribuição de energia de um corpo negro, foi muito mais importante e transformadora do que o próprio Planck poderia supor. A sua interpretação do comportamento do “ente” que oscila em uma energia que é sempre múltiplo inteiro de hνpode ser estendida a todos os sistemas físicos com um grau de liberdade que oscilam de forma harmônica no tempo (função do tipo seno), como molas e pêndulos. Ao contrário da física clássica em que a distribuição de energia é contínua e o sistema pode adquirir qualquer energia entre zero e infinito, o novo postulado de Planck limitava esses sistemas a múltiplos inteiros de hν , criando o que chamamos de níveis de energia quantizados pelo número quântico n. É importante ressaltar que Planck formulou que apenas a partícula oscilante era quantizada. Esse cenário abriu precedente para um novo campo de estudo, no qual De Broglie buscou compreender o significado e o comportamento do quantum de ação de Planck, Einstein passou a reformular a eletrodinâmica e a estatística segundo essa nova visão do comportamento da radiação, o que culminou na formulação de sua teoria corpuscular da luz, como veremos nos capítulos seguintes. Estava aberto o caminho para a mudança do paradigma da física clássica para a mecânica quântica. Avesso as interpretações que se desdobravam de sua teoria, Planck tentou a todo custo “encaixar” a constante h na física clássica.Sem sucesso, Planck ficou desolado com sua própria contribuição a ciência, ele não esperava que a sua teoria pudesse contradizer qualquer parte da teoria clássica, como ele mesmo escreveu em uma carta a R. W. Wood em 1931: Em poucas palavras posso caracterizar todo o procedimento como um ato de desespero, desde que, por natureza, eu sou sossegado e contrário a aventuras duvidosas. Contudo, eu já tinha lutado por seis anos (desde 1894) com o problema do equilíbrio entre radiação e matéria sem ter alcançado nenhum resultado positivo. Eu estava ciente que este problema era de importância fundamental pra a física, e eu reconhecia a fórmula que descrevia a distribuição de energia no espectro normal (corpo negro); 15 portanto, uma interpretação teórica tinha de ser fornecida a todo custo, qualquer que fosse o preço, por mais alo que ele fosse. O que, finalmente, convenceu Planck do significado mais profundo de sua hipótese quântica foi a reformulação da terceira lei da termodinâmica e a introdução do conceito estatístico da entropia. Planck foi agraciado com o prêmio Nobel, em 1918, como reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento da mecânica quântica. 16 CAPÍTULO 2 - QUANTIZAÇÃO DA CARGA, ENERGIA Neste capítulo vamos abordar os primeiros elementos experimentais e teóricos que dialogando, primeiro a quantização da carga, em seguida da energia. Esse segundo é consagrado com dois prêmios Nôbeis a Einstein, em 1921, e a Milikam, em 1927. Nesses processos, é possível compreender os experimentos, suas hipóteses, análise e consequente refutação da teoria clássica. 2.1 Quantização da carga elétrica A primeira ideia de discretização da matéria surgiu na Grécia com Demócrito, em 450 a.C.. Mas, foi a partir da hipótese de Avogadro, proposta em 1811, a de que todos os gases a uma mesma temperatura possuem os mesmos números de moléculas por unidade de volume, que possibilitou um avanço significativo na descrição dos fenômenos químicos e impulsionou, no final do século XIX, a teoria cinética dos gases. No início do século XX, portanto, já havia um consenso na comunidade científica que a matéria era quantizada, ou seja, composta por fragmentos menores como moléculas e átomos. Nesse sentido, não foi um grande espanto, para os físicos do início do século XX, que a carga elétrica também fosse quantizada, o que ocorreu após o experimento de Milikam, como veremos a seguir. 2.2 Descoberta do elétron O primeiro a propor uma estimativa da ordem das cargas elétricas no interior dos átomos foi Michael Faraday, que estudando a condução de eletricidade em líquidos, em 1833, formulou a lei da eletrólise ou a lei de Faraday para a eletrólise. eN=F a (2.1) Faraday chegou a essa expressão após perceber que ao passar uma corrente contínua em soluções carregadas, elas se decompunham e depositavam-se nos 17 eletrodos. A quantidade de material depositado obedecia a relação de 1 átomo-g para cada quantidade F de eletricidade (F = 96500 C), sendo 1 átomo-g a massa que contém um número de átomos equivalente ao número de Avogadro aN . Em 1874, Stoney fez a primeira estimativa do valor da carga elementar, a qual denominou elétron, usando uma estimativa para o número de Avogadro, a partir da teoria cinética dos gases, obteve C=e 2010 . A primeira experiência de medida direta da carga do elétron foi realizada por Townsend, em 1897, e foi aprimorada por Milikam. Paralelamente a essa linha de experimentação, Pieter Zeeman estudava a luz emitida pelos átomos sobre o efeito de campos magnéticos usando um espectroscópio. Os espectroscópios decompõem a luz emitida pelo material em linha com frequência bem definida, as linhas espectrais (ver raio X seção 2.6), essa técnica, como descreveremos adiante com mais detalhe, foi fundamental para estudar as propriedades do átomo de hidrogênio e a subsequente teoria de Bohr para o átomo. A teoria clássica até então, atribuía à intensidade de radiação emitida pelo átomo o movimento de oscilação, pelo qual as cargas no seu interior eram submetidas. Portanto, segundo a teoria clássica, as linhas espectrais deveriam ser modificadas na presença do campo magnético, uma vez que ele provocaria uma mudança na oscilação inicial no átomo. Zeeman notou que a mesma linha se transformava em três linhas com uma frequência muito próxima uma da outra e espaçadas de um mesmo intervalo (esse fenômeno é explicado na teoria quântica e conhecido como efeito Zeeman). A distância entre essas linhas está associada à razão carga/massa (q/m) da partícula oscilante. Ao medir a distância entre as linhas espectrais do átomo com a aplicação de um campo magnético, Zeeman obteve 111,610/ =mq C/Kg e estudando a polarização das linhas constatou que as partículas emissoras de radiação possuíam carga negativa. 18 2.3 Experimento de Milikan Experimento famoso, pois a partir de um modelo simplificado, foi capaz de medir a carga do elétron. Usando um aparato experimental que podemos reproduzir em laboratório didático, como mostra a figura 2.1, Milikan borrifa gotas de óleo dentro de um capacitor de placas paralelas. O método empregado neste burrifador é tal que a gota de óleo ao sair dele adquiri carga elétrica. E, portanto, ao aplicarmos um campo elétrico E sobre o capacitor, a bolha sofrerá efeito da força elétrica ( Eq=F ne ) no sentido contrário a ação da força gravitacional ( mg=Fp ), dado que a bolha tem carga negativa. Além dessas duas forças, age sobre o corpo da bolha a força de empuxo ( lρgv=F ) que vamos desprezar e a força viscosa ( bv=Fv ), devido ao atrito da bolha com o ar. Sendo b o coeficiente de viscosidade definido pela lei de Stokes como sendo πηa=b 6 para a o raio da gota e η o coeficiente de viscosidade do fluido (ar). Dessa forma, ligando e desligando o campo elétrico no capacitor temos duas equações de movimento para a bolha, são elas respectivamente: dt dv m=bvmg d , (2.2) dt dv m=bvmgEq sn , (2.3) A partir dessas equações de movimento é possível calcular as respectivas velocidades terminais (quando 0= dt dv ) de subida e decida da bolha: b mg =vd , (2.4) b mgEq =v ns . (2.5) Combinando as equações (2.4) e (2.5) podemos eliminar b e obtemos uma expressão para a carga da bolha ds d n v+v Ev mg =q (2.6) 19 No experimento de Milikan, as velocidades terminais de subida e decida eram calculadas medindo o tempo que a bolha demorava a percorrer um mesmo espaço L conhecido. Dessa forma, s s T L =v e d d T L =v . Durante o processo de subida e decida, a gota “adquiri” mais carga elétrica, portanto, em medidas sucessivas das velocidades terminais, elas serão diferentes, pois, como mostra a relação (2.5) ela depende da carga. O aumento da carga da bolha pode ser calculado através da diferença entre os tempos de subida: ss d ss d nn T ' TE T mg=+vv' Ev mg =qq' 11 (2.7) E, foi usando a relação (2.7) para várias medidas de um mesma bolha (Milikan chegou a ficar diversas horas calculando o tempo de decida e subida de uma mesma bolha), que Milikan constatou que a diferença entre as cargas era sempre um múltiplo inteiro do valor C=e 19101,591 . E, então, a carga era sempre ne=qn o demonstra novamente a quantização da carga elétrica. Com medidas mais precisas, o valor foi corrigido para C=e 19101,6021 , o que Milikam atribuiu a um erro no coeficiente de viscosidade η . Depois de corrigido, com os mesmos dados do seu experimento de 20 anos antes, Milikan conseguiu reproduzir o mesmo valor C=e 19101,6021 para a carga do elétron. Figura 2.1: Aparato experimental similar ao utilizado por Milikan 2 2.4 Propriedade corpuscularda Radiação 2 figura modificada de WWW.deltate.com.br. 20 Nesta seção, vamos estudar processos nos quais ocorrem espalhamento, absorção ou produção de radiação pela matéria, são eles: efeito fotoelétrico, efeito Compton, produção e aniquilação de pares e bremsstralung. Nesses processos, veremos que diferente do comportamento ondulatório, conhecido na propagação da radiação, na interação com a matéria, ela se comporta como uma partícula. 2.5 Efeito fotoelétrico O Efeito Fotoelétrico é a denominação usada para a emissão de elétrons provocada por ação de radiação (luz), especialmente, a radiação ultravioleta. A primeira observação desse fenômeno foi feita por Heinrich Hertz, em 1886 e 1887, enquanto realizava as experiências que vieram a confirmar a existência de ondas eletromagnéticas e, a teoria de Maxwell sobre a propagação da luz. Durante as experiências, Hertz percebeu um curioso fato de que a luz ultravioleta facilitava a descarga elétrica entre dois eletrodos; isto decorre do fato da luz ultravioleta provocar a emissão de elétrons da superfície do catodo. Em 1900, usando um aparo experimental descrito na figura 2.2, Lenard comprova que a radiação faz o metal emitir elétrons. Nesse experimento, a luz atinge o catodo C e provoca emissão de elétrons. O número de elétrons que atingem o ânodo A é medido pela corrente no amperímetro sendo que o ânodo pode ficar positivo ou negativo em relação ao catodo, a fim de atrair ou repelir elétrons. Figura .2.2 – Esquema do aparelho utilizado para investigar o efeito fotoelétrico. 21 Estudos detalhados do efeito fotoelétrico levaram a teoria ondulatória da radiação eletromagnética a ser contestada, pois as características desse efeito não podiam ser, satisfatoriamente, explicados pela teoria clássica. O quadro abaixo mostra as características esperadas segundo a teoria clássica e as observadas experimentalmente do fotoelétrico. Teoria Clássica (Ondulatório) Não existe limite para a energia cinética máxima dos elétrons; Energia cinética dos elétrons dependeria da intensidade da luz incidente; Existiria um tempo de absorção de energia pelo elétron; Ocorreria independente da frequência da luz. Efeito fotoelétrico Existe energia cinética máxima igual a eV0; Energia cinética independe da intensidade da luz; Ocorre instantaneamente, não existe tempo mínimo para absorção de energia; Depende da frequência de radiação incidente, pois existe frequência de corte, onde abaixo dela não ocorre o efeito fotoelétrico. Segundo a teoria clássica, o aumento da intensidade da luz estaria ligado a um consequente aumento da energia cinética do elétron emitido. No entanto, como mostra a figura 2.3, essa relação não foi observada no experimento de Lenard. A figura 2.3 mostra a corrente (portanto, o número de elétrons detectados) em função de V para dois valores da intensidade da luz incidente sobre o catodo. Quando V for negativo, os elétrons são repelidos pelo ânodo e somente os elétrons que tenham as energias cinéticas iniciais maiores que |eV| podem atingir o ânodo. Ainda, se V for menor que –V0, nenhum elétrons consegue chegar ao ânodo. O potencial V0 é chamado de potencial de corte. 22 Figura. 2.3: Corrente fotoelétrica i pela voltagem V, para dois valores da intensidade da luz. Em 1905, Einstein usou o efeito fotoelétrico para generalizar a proposta de Planck para radiação do corpo negro e propôs a nova teoria corpuscular da luz, segundo a qual a energia radiante é uma composição de minúsculos pacotes de energia, ou seja, é quantizada em pacotes concentrados chamados de fótons. O trabalho de Einstein sobre o efeito fotoelétrico lhe rendeu o Prêmio Nobel, em 1921. Segundo a teoria corpuscular da luz, o campo eletromagnético é composto de fótons de energia hν=E . Elétrons presos na superfície do metal possuem uma energia eφ , em que φ é a função trabalho do metal, associada a energia de ligação do elétron no material. Se a luz que incide sobre o metal possuir uma frequência ν tal que eφ>hν ,então, é possível arrancar fotoelétrons do metal. A energia excedente é convertida em energia cinética do elétron. Desse modo, a equação fotoelétrica é dada por: eφ+mv=hν 2 2 1 . (2.8) Isolando-se a energia cinética do elétron na equação (2.8), nota-se que ela depende linearmente da frequência da radiação incidente. Portanto, se fizermos um gráfico da energia cinética do elétron em função da frequência, obteremos a sua energia de ligação ( eφ ) como coeficiente linear e a constante de Planck (h) como coeficiente angular. Quando o elétron é submetido, há um potencial de freiamento, como mostramos na figura 2.4, podemos escrever a energia cinética do elétron mais veloz como sendo 0 eV=Ee , para 0V o potencial de corte, ou seja, aquele potencial a partir do qual a corrente fotoelétrica cai a zero. Assim, podemos escrever a equação energia da forma: 23 φν e h =V 0 . (2.9) Em 1914, Millikan verificou, em uma experiência que lhe rendeu o Prêmio Nobel, de 1923, que o potencial de corte não depende da intensidade da luz incidente, e que ele está associado a uma frequência de corte, abaixo da qual o efeito fotoelétrico deixa de ocorrer, como mostra a figura 2.4, provando a equação (2.9). Milikam também calculou o valor da constante h a partir do mesmo experimento e chegou ao mesmo valor obtido por Planck. A frequência (ou comprimento de onde) de corte para que o efeito fotoelétrico seja observado, tν (ou tλ ), são obtidos fazendo o potencial de corte nulo ( 00 =v ) t t λ hc =hν=φ . (2.10) Figura.2.4: Dados obtidos por Millikan para o potencial freador V0, em função da frequência, no efeito fotoelétrico, para νL=43,9.10 13 Hz. A teoria corpuscular de Einstein introduz a comunidade científica a quantização da energia. Todo quantum de luz, o fóton, possui uma energia proporcional a frequência de oscilação: hν=E . É preciso tomar cuidado com a distinção entre a energia de um fóton e de um conjunto de fótons, que teriam uma energia nhν=E sendo n o número de fótons. A teoria de Einstein deu um passo muito importante na mudança do paradigma da teoria clássica para a teoria quântica. No entanto, o reconhecimento da sua contribuição à mecânica quântica, veio muitos anos após sua publicação. Planck, em discurso de indicação de Einstein para membro da Academia Prussianas de Ciências diria o seguinte a respeito da teoria corpuscular de Einstein: 24 (...) em resumo, podemos dizer que dificilmente haverá um grande problema, dos quais a física moderna é tão rica, ao qual Einstein não tenha dado uma importante contribuição. Que ele tenha algumas vezes errado o alvo em suas especulações, como por exemplo em sua hipótese sobre os quantum de luz (fótons), não pode ser realmente colocado contra ele, pois é impossível introduzir ideias fundamentalmente novas, mesmo nas ciências mais exatas, sem ocasionalmente correr um risco. 25 2.6 Efeito Compton Em 1927, o Físico alemão Arthur H. Compton foi agraciado com o prêmio Nobel devido a seus experimentos com raio X e γ , em 1923. Nesses experimentos, ele observou o espalhamento elástico de fótons por elétrons livres, denominado Efeito Compton, o qual constituía em mais uma evidência de que a luz interagia com a matéria como uma partícula e não como uma onda, confirmando de forma definitiva a teoria corpuscular de Einstein. Em seu experimento, Compton fez incidir um feixe de raio X (será introduzido na seção seguinte) sobre um alvo material, e mediu a intensidade dos raios X espalhados em função do comprimento de onda paradiferentes ângulos de espalhamento. Os resultados obtidos por Compton, para o grafite como alvo, estão dispostos na figura 2.5. A partir deles, Compton observou que, embora a radiação incidente tenha sempre o mesmo comprimento de onda, λ , os raios espalhados possuem uma distribuição em um intervalo de comprimentos de onda, com dois picos, o primeiro é de mesmo valor ao comprimento incidente e o segundo em λ' . Esse deslocamento é definido como deslocamento Compton λλ'=δλ , e é diferente para cada ângulo de espalhamento. A teoria clássica não podia explicar esse comportamento, segundo ela os elétrons vibrariam na mesma frequência da radiação incidente e irradiaria na mesma frequência. Compton, por sua vez, apropriou-se da teoria corpuscular de Einstein para explicar o fenômeno observado. E, então, cada quantum de luz do feixe de radiação incidente irá colidir elasticamente com um elétron do material, como esquematizado na figura 2.5. A analogia de Compton foi com o tratamento clássico dado a dois corpúsculos que colidem, como duas bolas de bilhar 26 Figura 2.5: espalhamento elástico Compton de forma esquemática. Dessa forma, supondo que o fóton incide no material com momento ν p , se choca com o elétron, que se encontra inicialmente em repouso, e este adquire momento e p e energia e E , resultando em um fóton de momento final νp' . Considerando uma colisão elástica, temos conservação de energia e momento linear, portanto, com base no esquema da figura 2.5, é possível obter as equações: hν=φEp+θp'=p eνν coscos (2.11) sinφp=sinθp' eν (2.12) ehνν'+=hν+cm 2 0 (2.13) sendo θ e φ os ângulos de espalhamento do fóton e do elétron, respectivamente, 0m é a massa de re Patrícia Camargo Magalhães pouso de elétron e eE é a energia relativística, uma vez que os fótons sempre se movimentam em velocidades relativísticas ( cv ), que pode ser obtida a partir da Equação 42022 cm+cp=Ee . (2.14) A expressão para o momento linear do fóton é obtida igualando a equação da energia relativística (2.14) à energia do fóton hν=E . Dado que a massa de repouso do fóton é zero, seu momento linear é: λ h =pν . (2.15) Dessa forma, juntando as relações (2.11-2.15), podemos obter uma equação para a energia do fóton remanescente em função do ângulo de espalhamento (θ ): θ cm hν + hν =hνν cos11 2 0 , (2.16) esta equação é equivalente à obtida por Compton : θ cm h =λλ' cos1 0 . (2.17) 27 Assim, segundo a equação (2.16), ao colocarmos o detector de elétrons fazendo um determinado ângulo θ com o eixo de incidência do fóton, obteríamos um pico de contagens numa determinada energia hνν . Um espectro típico do 137 Cs, obtido por um detector de cristal cintilador pode ser visto na figura 2.6. O pico com energia máxima, correspondente a energia dos fótons incidentes e é causado pelo efeito fotoelétrico que ocorre no detector, quando toda a energia do fóton é transmitida ao elétron (fotopico). Figura 2.6: Gráfico do número de contagens por energia do fóton, obtido para uma fonte de 137 Cs. Na figura 2.6, o pico com energia máxima, corresponde à energia dos fótons incidentes (hν ), é causado pelo efeito fotoelétrico que ocorre no detector, quando toda a energia do fóton é transmitida ao elétron. A queda do número de contagens é a chamada borda Compton, correspondente à energia máxima na qual o elétron pode ser espalhado. Neste caso oθ 180 e oφ 0 . Para energias mais baixas temos um contínuo, pois, em função dos ângulos de espalhamento, podemos obter todas essas energias. O pico menor que se sobrepõe a este contínuo, é causado pelo efeito Compton que ocorre fora do detector (pico de retroespalhamento). Superposto ao espectro de espalhamento temos uma radiação de fundo, que é inevitável, mas pode ser medida e posteriormente subtraída do espectro. Até agora, vimos que a luz pode interagir com a matéria de duas formas distintas: fotoelétrico e Compton, dependendo da energia do fóton incidente e do 28 material. Mas, existe também uma terceira forma: a produção de pares. A Produção de Pares são predominantes em raios γ de altíssimas energias com absorvedores de grandes números atômicos, ocorrem quando o fóton tem energia suficiente para se desintegrar em um par elétron-pósitron. Figura 2.7: Regiões em que predominam as 3 formas possíveis de interação da radiação γ com a matéria. Em função da energia e do número atômico Z do material. A análise de Compton expõem um cenário no estudo da interação da radiação com a matéria, no qual é necessário supor que o fóton seja uma partícula pontual, quantizada. No entanto, a interpretação ondulatória da radiação ainda é necessária para explicar os fenômenos de interferência e difração. A constatação do comportamento dual partícula-onda da radiação, causou muito estranhamento na comunidade científica da época. Até ser formulada formalmente por De Broglie como uma característica de todas as partículas quânticas. 2.7 Raio X Após a descoberta dos raios X, quase que acidentalmente por Wilhelm Konrad Röentgen, em 1985, despertou imediatamente o interesse de outros cientistas por essa radiação. As duas seções que antecederam esta foram consequência dessa descoberta. 29 Esses raios, inicialmente considerados misteriosos3 por Röentgen e por isso a denominação do nome de Raios X, trouxe grandes aplicações em várias áreas. Os raios X são utilizados, na área médica, em radiografias de ossos e outros órgãos, devido ao seu alto poder penetrante. São utilizados também em tratamentos de câncer, por radioterapia. São usados na detecção de falhas estruturais em materiais como aço, concreto, entre outros. Atualmente, todas as propriedades do Raio X, que são muitas, são compreendidas. O Raio X é uma radiação eletromagnética de comprimento de onda entre ~10-1m e ~10-7m. É uma radiação muito penetrante, pouco ionizante e que pode atravessar, sem absorção apreciável, meios materiais com espessura bastante grande. Não difere essencialmente de um raio gama, distinguindo-se os dois tipos de radiação, na maioria dos casos, pela respectiva origem. Em seguida, vamos discutir algumas das características fundamentais dos Raios X. i) Emissão de raios X Raios X podem ser produzidos quando elétrons são acelerados em direção a um alvo metálico. O choque do feixe elétrons (que sai do catodo com energia da ordem de 30 000 eV) com o ânodo (alvo) produz dois tipos de raios X. Um deles constitui o espectro contínuo, ou bremsstrahlung em alemão, e resulta da desaceleração do elétron durante a penetração no ânodo. O outro tipo é o raio X característico do material do ânodo. Assim, cada espectro de raios X é a superposição de um espectro contínuo e de uma série de linhas espectrais características do ânodo, conforme ilustrado na figura 2.8. 3 Detalhes desta história podem ser consultada nas referências [2] e [3]. 30 Figura 2.8: espectro de emissão de raios X A radiação bremsstrahlung tem origem em uma partícula carregada em alta velocidade se aproximando do núcleo de um átomo, sendo desacelerada neste processo e tendo sua trajetória desviada. A diferença de energia entre o estado final e inicial da partícula é liberada na forma de raios X a uma taxa R dada por: 3 22 0 3 2 4 1 c aq R (2.18) onde q é a carga da partícula, a é a aceleração da mesma e c é a velocidade da luz. A emissão de energia pela carga é máxima na direçãoperpendicular e nula na direção do vetor aceleração. A energia do raio X emitido é dada por: hc =EEE fiRX (2.19) onde Ei e Ef são, respectivamente, as energias cinéticas inicial e final da partícula e λ é o comprimento de onda do raio X emitido. Como se pode observar a partir da equação (2.18), a energia do raio X emitido por assumir uma série contínua de valores, desde zero (sem colisão nem emissão) até Ei (partícula totalmente freada). Assim, o espectro de emissão devido à radiação bremsstrahlung é contínuo, com um valor mínimo para o comprimento de onda emitido (hc/Ei). O raio X característico é produzido por um mecanismo quântico4 dado pela interação de elétrons incidentes com elétrons das camadas internas dos átomos que 4 Essa característica já preestabelece o modelo atómico de Bohr, para detalhes leia o capítulo 3. 31 constituem o material do ânodo tubo. Se a energia cinética do elétron incidente for maior que a energia de ionização da camada na qual se encontra o outro elétron, o incidente transfere energia para o elétron do átomo e este é arremessado para fora, deixando um espaço vazio na camada em que se encontrava. Em seguida, um elétron pertencente a uma camada superior decai para ocupar o espaço deixado pelo elétron arremessado. Como as camadas interiores possuem menor energia, ao decair o elétron emite um fóton de raio X com energia equivalente à diferença de energia entre as camadas inicial e final desse elétron. Sendo os níveis de energia de um átomo quantizados5 as energias dos fótons emitidos também são, formando assim um espectro de linhas (discreto). As linhas são denominadas da forma Y em que Y significa a camada onde ocorre a ionização e ξ corresponde ao número de camadas saltadas pelo elétron que decai (α=1, β=2, γ=3,..). Como os níveis de energia de cada linha dependem do número atômico Z do elemento e são tabeladas, é possível identificar os elementos químicos presentes no objeto bombardeado através da análise do espectro de raios X. ii) Difração de Raio X A incidência de raios X em um material, com uma determinada estrutura cristalina, produz interferências coerentes que geram, nos raios transmitidos, picos de intensidade. A existência e localização desses picos dependem, em essência, da geometria do material que é atravessado pelo feixe. Picos são devidos a diferenças de caminho óptico iguais a números inteiros de comprimento de onda da radiação incidente. Numa estrutura que tem planos cristalinos bem definidos, essa condição é satisfeita para todo ângulo tal que: θ i = θ r = θ , (2.20) nλ=senθ2d , (2.21) em que λ é o comprimento de onda da radiação incidente, iθ e rθ os ângulos de incidência e de reflexão respectivamente, n é a ordem de reflexão e d o 5 A quantização dos níveis de energia , condição fundamental para explicar o espectro característico dos átomos, será abordado do capítulo 3. 32 espaçamento interplanar (figura 2.9). A equação (2.21) é conhecida como Lei de Bragg. O máximo de difração ocorre para n =1 e a energia do feixe incidente que satisfaz a Lei de Bragg é dada por: dsenθ hc =E 2 . (2.22) Figura 2.9: esq. estrutura de cristais de NaCl, na qual d é a distância interplanar; dir. esquema do espalhamento em planos cristalográficos de espaçamento d. iii) Fluorescência A fluorescência é o fenômeno no qual um átomo emite um fóton após ter sido ionizado por um bombardeamento de raios-X. Outros fenômenos como a emissão de elétrons também podem ocorrer nesse processo, no entanto, não serão detalhados. Ao bombardear os átomos com fótons muito energéticos, os elétrons das camadas mais internas são arrancados, resultando em um íon positivo, uma vacância, esse é o efeito fotoelétrico, como já descrevemos anteriormente. A vacância ocorre, geralmente, na camada K (correspondente ao número quântico n=0), assim, os elétrons das camadas mais externas começam a decair para essas 33 vacâncias e o excesso de energia é liberado pelo átomo em forma de fótons de raio X de segunda ordem. A energia desses fótons é necessariamente menor do que a dos fótons incidentes. A probabilidade do decaimento por emissão de raios X é determinada pelo rendimento da fluorescência, que está associado ao número atômico do elemento bombardeado e à camada onde ocorre à vacância. Nesta experiência foram bombardeados átomos cujo número atômico varia de Z = 23 até 30, portanto as linhas K e K dominam o espectro de fluorescência, como pode ser visto na figura 2.10. Figura 2.10: Rendimento de fluorescência 34 CAPÍTULO 3: PROPRIEDADES ONDULATÓRIAS DA MATÉRIA 3.1 Postulado de De Broglie A partir da contribuição de Planck, foi constatado que a radiação, ondas eletromagnéticas eram quantizadas. Em seguida, com a teoria corpuscular, Einstein propôs que a radiação se comportava como uma partícula, como no efeito fotoelétrico em que um fóton colide elasticamente com o elétron como se fossem bolas de bilhar. Instigado pela na ideia da dualidade onda partícula constatada na energia eletromagnética, Louis De Broglie propôs, em 1924, na sua tese de doutorando, em Paris, que a dualidade onda partícula é um comportamento extensível a toda matéria presente na natureza e não só a energia eletromagnética. Assim, todos os corpúsculos ou partículas poderiam se comportar como onda e todas as ondas conhecidas, como o som, poderiam se comportar como partículas. Como o próprio De Broglie apresenta em seu livro: Depois da primeira guerra mundial, pensei muito a respeito da teoria dos quantum e do dualismo onda partícula (...) Foi então que tive uma súbita inspiração. O dualismo onda partícula de Einstein era um fenômeno absolutamente geral, que se estendia a toda a natureza. Foi Einstein o primeiro a reconhecer a genialidade da proposta de De Broglie e a chamar atenção de outros cientistas para ela, no entanto, a falta de evidências experimentais descreditaram a importância da sua proposta. Cinco anos mais tarde, De Broglie ganhou o Prêmio Nobel em física, pois suas previsões foram confirmadas com muita precisão por diversas experiências. A ideia apresentada por De Broglie foi de que a matéria, assim como a radiação, possui uma energia total E dada em função da frequência ν da onda que descreve seu movimento, hν=E . (3.1) 35 O momento do sistema p é dado em função do comprimento de onda λ , da onda que descreve o movimento como: λ h =p . (3.2) Com a equação (3.2), De Broglie conseguia calcular o comprimento de onda de um corpo material se movendo com um momento conhecido p , o que passou a ser chamado de comprimento de onda de De Broglie : ph=λ / . Assim, por exemplo, é possível calcular o comprimento de onda de De Broglie para um bola de tênis com uma velocidade de 30 m/s. Supondo a massa da bola 0,1Kg, temos: 2434 34 2,2102,210 /300,1 106,6 =m= sKg.m J.s = mv h = p h =λ Å , o que é um comprimento de onda muito pequeno. Essa característica explica a dificuldade de observar esse fenômeno por meio de experimentos óticos, pois segundo a ótica geométrica, os efeitos ondulatórios podem ser observados no limite em que 1/ aλ , sendo a o tamanho da fenda ou lente ótica. Nessa situação, o ângulo de difração é dado por aλθsenθ / e os efeitos ondulatórios da luz ou de qualquer objeto material se tornam evidentes. Dessa forma, no caso da bola de tênis, para que a razão aλ / atenda o requisito de ser mensurável do ponto de vista da ótica geométrica temos que 24102,2 a Å o que é impossível do pondo de vista operacional.Mas, para massas centenas de vezes menor, a relação se inverte e os comprimentos de onda aumentam. A ferramenta experimental de menor espessura utilizada por De Broglie para estudar o comportamento ondulatório da matéria foi a distância interplanar de átomos em um metal, nesse caso 1a Å. Usando um aparelho com dimensão característica de 1=a Å, foi possível observar aspectos ondulatórios do elétron, obtendo um comprimento de onda de De Broglie em 1,2=λ Å. Em 1926, Elsasser mostrou que a natureza ondulatória da luz poderia ser observada de maneira análoga ao raio X, fazendo incidir um feixe de elétrons em sólidos cristalinos que difratam os elétrons e criando picos de espalhamento em ângulos bem definidos, da mesma maneira que vimos na difração de raio X no 36 capítulo 2. Essa hipótese foi confirmada experimentalmente por Davisson e Germer e depois por G. P. Thomson6 usando um arranjo experimental totalmente diferente, no qual o elétron é acelerado por uma diferença de potencial V e emerge em um monocristal de níquel com uma energia eV. O detector mede a intensidade do espalhamento para vários ângulos θ. Na análise experimental, foi identificado um máximo de corrente para o=θ 50 a uma tensão de 54 V, como mostra a figura 3.1. Figura 3.1: Corrente eletrônica em função do ângulo do detector para uma energia cinética fixa em 54 eV. A existência do pico mostrado na figura 3.1 mostra que o postulado de De Broglie estava correto, uma vez que essa estrutura de máximos só pode ser explicada como uma interferência construtiva de ondas eletrônicas espalhadas. O fenômeno descrito acima é exatamente análogo a reflexão de Bragg no espalhamento de raios X. Dessa forma, usando a lei de Bragg7 ( senφ=nλ 2d ), é possível calcular o comprimento da onda espalhada, o que foi feito para o experimento descrito acima, com d e φ definidos na figura 3.1. O cálculo explícito do comprimento da onda do elétron pela lei de Bragg é exatamente idêntico ao valor encontrado, usando-se o postulado de De Broglie, o que confirma, agora de maneira quantitativa o postulado de De Broglie. Utilizando um arranjo experimental diferente, em 1927, Thomson mostrou detalhadamente o postulado de De Broglie fazendo um feixe de elétrons altamente energizados incidir sobre filmes finos e observando e analisando as figuras de 6 O filho de J. J. Thomson que descobriu o elétron. 7 A lei de Bragg foi apresentada no estudo dos raios X na seção 2.6. 37 difração dos elétrons. Em 1937, Thomson ganharia o Prêmio Nobel, conjuntamente com Davisson, por obterem experimentalmente a difração do elétron. O experimento, canônico que demonstra visualmente a dualidade onda partícula é o chamado experimento das duas fendas. Nesse experimento, como mostra a figura 3.2, se faz incidir um feixe de elétrons sob uma superfície com duas fendas. O que se observa é uma figura de interferência entre duas ondas, o que evidencia o caráter ondulatório do elétron. Figura 3.2: Imagem da interferência de elétrons na experiência das duas fendas8. A partir de então, estava estabelecida a dualidade partícula onda que se estende para toda a matéria e a radiação. É importante perceber, no entanto, que essa dualidade nunca se expressa simultaneamente, ou o ente é partícula ou é onda, tudo depende da forma como ele é observado. Do ponto de vista da ótica física, toda matéria é onda. A constante de Planck regula a relação de De Broglie, sendo ela muito pequena quando comparável a elementos macroscópicos, define que o comprimento de onda desses corpos deve ser muito pequeno (como vimos na caso da bola de tênis) e por isso não podem ser observados. No capítulo anterior, vimos que a interação da radiação com a matéria se dá de forma corpuscular e não ondulatória, e então, podemos perceber que mesmo para partículas microscópicas a interação se dá preferencialmente na forma de partículas. Assim, também podemos 8 Figura modificada de M. Le Bellac, “Quantum Physics”, Cambridge University Press, 2006. 38 notar outra leitura do princípio da dualidade, quando está interagindo em uma localização espacial ele o faz como partícula, e quando ele está se movendo, age como onda, se propaga pelo espaço e, portanto, não é localizável em pontos definidos. A física clássica não possuía explicação para esse comportamento dual, ainda pairava no ar alguma explicação teórica contundente que unificasse as duas descrições, ondulatória e corpuscular, que apresentava a matéria e a radiação. 3.2 Princípio da Complementaridade de Bohr Neste contexto de transição de paradigmas (da física clássica para a física quântica), Niels Bohr apresentou o que ele mesmo definiu como sendo um princípio, no qual os modelos corpusculares e ondulatórios devem ser complementares. Para Bohr, a medida de um anularia a possibilidade da medida do outro, no entanto, segundo ele, isso não deveria ser entendido como se a radiação, ou a matéria, fossem apenas onda ou apenas partícula. Bohr clamava por um modelo mais geral que unificasse as duas descrições ondulatória e corpuscular. É uma interpretação probabilística da “função que descreve a trajetória” que unifica os modelos. Mas como poderia ser esse modelo? A resposta a essa questão viria muitos anos após as indagações e problematizações de Bohr, que teve um papel fundamental na concepção e definição da estrutura atômica, como veremos no próximo capítulo, na construção da velha e nova mecânica quântica. Suas discussões com Heisenberg ficaram famosas e estão em livros de literatura9 e peças de Teatro10. Muitos outros físicos importantes como Pauli, Dirac fizeram parte da chamada convenção de Copenhagen, que foi responsável por grandes avanços na definição do novo paradigma da mecânica quântica. A resposta ao questionamento de Bohr viria após o estabelecimento da mecânica quântica de Schrödinger, em um modelo apresentado por Max Born. 9 W. Heisenberg, A parte e o todo, contraponto, 1996. 10 Copenhagen, peça de Michael Frayn 39 Born se espelhou na resposta que Einstein deu quando tentou responder a mesma questão no caso da radiação. Na teoria corpuscular de Einstein (capítulo 2) a intensidade da radiação é dada por Nhν=I , (3.4) em que N é o número médio de fótons por unidade de tempo que atravessam uma área perpendicular a direção de propagação dos fótons. O que introduz um caráter probabilístico, similar a teoria cinética dos gases de Maxwell. Na teoria clássica a intensidade da onda eletromagnética é dada em função do valor médio do vetor de Poynting: 2 . Einstein propôs que 2 poderia ser interpretado como uma medida do número médio de fótons por unidade de volume na descrição ondulatória, igualando a expressão ondulatória e corpuscular, tem-se: Nh cμ =I 2 0 1 . (3.5) O que fica claro de (3.5) é que uma vez que 2 é proporcional a N, representa uma medida probabilística da densidade de fótons. Baseado no que fez Einstein para a radiação, Max Born, por volta de 1930, propôs uma unificação para a dualidade partícula onda na matéria. Para tal, é importante introduzir um objeto crucial, a descrição dos fenômenos quânticos, uma função que representa a função de onda de De Broglie, é a função de onda ψ . Essa função é sempre uma função do espaço, do tempo e da frequência de oscilação da onda ν . Em analogia a onda eletromagnética ela pode possuir a mesma estrutura senoidal νt λ x πAsen=tx,ψ 2 . (3.6) O que é idêntico ao campo elétrico ( ε ) de uma onda eletromagnética unidimensional (como vimos no exemplo do capítulo 2). Nesse caso o 2 2 ψ tem o mesmo papel que 2 , será uma medida da probabilidade de encontraruma partícula por unidade de volume em um dado ponto do espaço-tempo (x,t) . Born ganharia o Prêmio Nobel de física, em 1954, por essa interpretação probabilística da função de onda. Dessa forma, ψ obedece a todas as características de uma onda, então deve 40 sempre satisfazer a equação geral de uma onda que é dada pela equação diferencial 2 2 22 2 1 t ψ ν = x ψ , (3.7) e o princípio da sobreposição é sempre válido: ψ=ψ+ψ 21 , o que está de acordo com as experiências em que se observaram figuras de interferência construtivas e destrutivas no espalhamento de elétrons (por exemplo), um fato impossível de ser compreendido pela física clássica. É muito importante ressaltar que a probabilidade, a ferramenta essencial utilizada por Einstein e Born, introduz uma não localidade da partícula, ela tem sempre uma probabilidade associada a sua posição no espaço-tempo, não é portanto, uma equação determinística. Até agora a probabilidade apareceu como uma consequência ou até mesmo um artifício para unificar as descrições corpuscular e ondulatória da radiação e da matéria, mas, em 1927, Bohr e Heisenberg demonstram a função essencial que a probabilidade possui nessa união. Antes disso, porém, vamos discutir de que maneira a dualidade partícula onda se manifesta na função de onda tx,ψ . A ideia é que da mesma forma como o campo eletromagnético ( ) representa a energia da radiação e é uma onda associada a um fóton, a função de onda tx,ψ está associada a uma partícula material. Assim, se pensarmos na velocidade de ambas as parte, a velocidade de propagação da onda deve ser igual a velocidade (deslocamento cinético) da partícula. A velocidade de propagação de uma onda ( pv ), segundo a teoria canônica de ondulatória é dada por: λν=vp . (3.8) Usando as expressões de De Broglie (3.1) e (3.2), podemos escrever (3.8) como: p E = h E p h =λν=vp , (3.9) na qual sabemos definir a energia E e o momento p do ponto de vista da partícula. Supondo que essa partícula só esteja sujeita a sua própria energia 41 cinética, sem ação de outros campos e forças, temos que 2 2mv =E e p= m v e a equação (3.9) fica: 22 2 v =mv mv = p E =vp . (3.10) Analisando o que diz a equação (3.10), a velocidade da onda seria metade da velocidade da partícula, o que vai de encontro ao que afirmamos acima. Mas, ao contrário do que possa parecer, isso não é uma contradição, apenas elucida a estrutura que a função de onda deve ter. Na realidade, a função de onda tx,ψ não é composta apenas por uma onda, mas sim por várias ondas com diferentes frequências, que se somam construtivamente em uma região finita do espaço, para um dado t, em torno da partícula e se somam destrutivamente no resto do espaço (essa configuração muda com o tempo, o que representa a propagação da partícula pelo espaço) como ilustra a figura 3.3. O pacote formado por todas essas ondas compõem tx,ψ que, como um grupo, se move na mesma velocidade que a partícula. Figura 3.3: Pacotes de onda, (a) o pacote é finito para representar a partícula e (b) é localizado no espaço com diferentes compressões11. A velocidade de grupo de várias ondas juntas é dada, segundo a teoria ondulatória clássica, por dk dν =Vg , em que hdE=dν / , hp=λk //1 e hdp=dk / . O que define a velocidade de grupo como: 11 Figuras modificadas de (a) A.C. Phillips, “ Introduction to Quantum Mechanics”, John Wiley&Sons Inc., 2003 e (b) S. Ivanov, “Theoretical and Quantum Mechanics-Fundamentals for Chemists”, Springer, 2006. 42 v= mdv mvdv = dp dE =Vg . (3.11) E, portanto, provamos que a velocidade do pacote de ondas tx,ψ é igual a velocidade da partícula cujo o movimento ela descreve. 3.3 Princípio da Incerteza de Heisenberg Na mecânica clássica dada a condição inicial de um sistema, podemos evoluí- lo no tempo e o movimento futuro fica determinado de forma exata, o que chamamos de determinismo da física clássica. Mas, o mesmo fenômeno não acontece na mecânica quântica. O princípio da incerteza de Heisenberg é enunciado de tal forma a evidenciar esse fenômeno, segundo ele, quando fazemos uma medida sobre um objeto e você consegue determinar a componente x do momento ( xp ) com uma incerteza Δp , você não pode, ao mesmo tempo, saber a posição x com mais precisão do que Δp =Δx 2/ , em que πh= 2/ . Como decorrência, o produto das incertezas tem que ser maior do que 2/ e portanto o princípio da incerteza é dado por: 2 ΔxΔp . (3.12) O princípio da incerteza fala sobre o produto das incertezas em uma medida simultânea de x e p e não sobre cada uma delas. Portanto, segundo ele, se você medir um deles com uma precisão infinita, ou seja, determinar a posição (ou o momento) de um evento, a incerteza associada ao momento (ou a posição) tem que ser infinita ( =Δp;=Δx 0 ) para satisfazer (3.12). Uma ideia mais geral por detrás desse princípio é que não é possível fazer uma experiência, o das duas fendas, por exemplo, em que consiga determinar qual das alternativas (no exemplo, as fendas) foi escolhida pela partícula sem que com isso destrua o experimento (no exemplo, a figura de interferência). Em uma experiência mental, Heisenberg estabelece que um gato seja posto vivo no interior de uma caixa que é posteriormente vedada. Supondo também que a alimentação ocorre de maneira em que não se abra a caixa, a única 43 forma de descobrir se o gato esta vivo ou morto depois de um tempo é abrindo a caixa, mas, dessa maneira, o experimento seria destruído. Dessa forma, Heisenberg tomou como impossível definir com precisão infinita as duas variáveis e afirmou explicitamente que caso isso fosse em algum momento possível, a mecânica quântica iria colapsar. Diversos experimentalistas trabalharam para mostrar que Heisenberg estava errado, mas nunca lograram e a mecânica quântica continua válida até hoje. Existe uma segunda formulação do princípio da incerteza, que não foi formulada inicialmente por Heisenberg, mas é costumeiramente apresentada como tal. Ela diz respeito à medida da energia E de um sistema e o intervalo de tempo em que ocorre a emissão de tal energia, ou de outra maneira, o tempo em que ocorre a própria medida. E, então, 2 ΔEΔt , (3.13) em que ΔE é a incerteza na definição da energia e Δt o intervalo de tempo no qual o sistema muda. O princípio da incerteza não define a mecânica quântica, podemos descrever sistemas e calcular observáveis sem usá-lo. Mas, ele é interessante, pois evidencia uma qualidade fundamental na mecânica quântica, a de que os fenômenos não podem ser descritos de forma determinista e sim por meio de grandezas probabilísticas. Se por um lado a interpretação probabilística foi o grande salto da mecânica quântica moderna, em oposição a velha mecânica quântica que veremos no capítulo seguinte, ela não foi bem aceita logo de início. Einstein, por exemplo, foi um crítico ferrenho a ideia de que a posição da partícula poderia ser apenas definida de maneira probabilística. Em uma frase famosa, em ocasião de uma carta que enviou a Max Born, Einstein disse: “Deus não joga dados com o universo”, ele acreditava que a natureza era única e, isso, segundo ele, ia de encontro a uma descrição probabilística. No entanto, anos mais tarde, Einstein acabou por se convencer após o comprovado sucesso e imenso potencial que a teoria quântica demonstrou ao prever e explicar diversos fenômenos físicos. 44 CAPÍTULO 4: O MODELO DO ÁTOMO Voltando um pouco para o final do século XIX, o espectro de emissão atômico era observado experimentalmente, mas não havia um modelo de átomo que pudesse justificar tal comportamento. Assim, como vimosno desenvolvimento do raio X, no capítulo 2, o final do século XIX foi muito frutífero do ponto de visa de experiências para entender o comportamento da matéria, das estruturas físicas para além do que os olhos podiam enxergar, novas teorias estavam surgindo e ao final, no início do século XX foi consolidado o que chamamos de antiga mecânica quântica composta pelas teorias de Einstein e Planck. A nova mecânica quântica viria só depois com a contribuição de Bohr e Heisenberg. Neste capítulo vamos analisar essa transição e entender o modelo de Bohr para o átomo da forma como o concebemos hoje. 4.1 Espectro atômico A espectroscopia é, até hoje, uma técnica muito importante na física para estudar a composição de elementos químicos de substâncias e compostos. O espectro de emissão dos elementos e compostos químicos é dividido em três categorias: contínuo, em bandas e em linhas. O primeiro ocorre na emissão de radiação de sólidos incandescente, já o segundo, é formado por vários grupos de linhas muito próximas que se assemelham a bandas contínuas, quando vistas em espectroscópio de baixa resolução, a ocorrência desse tipo de espectro é observada quando pequenos sólidos são submetidos a chamas ou descargas elétricas. E, por fim, o espectro de linhas são características da radiação emitida por átomos isolados. Tanto o espectro de bandas, como o de linhas, não possuiam explicação na física clássica, até o início do século XX, foi a partir das teorias de Planck e Einstein, na qual a energia da radiação era quantizada, que o espectro de linhas na emissão de radiação passou a fazer algum sentido, embora a justificativa da razão de cada uma delas só tenha sido entendida após o modelo atômico de Bohr . 45 Ao final do século XIX, com o desenvolvimento de espectroscópios eficientes, era possível medir com bastante precisão os comprimentos de onda de cada linha do espectro. Buscando uma justificativa teórica, os cientistas passaram a buscar e interpretar regularidades no espectro. Foi então que, em 1885, Balmer propôs uma fórmula empírica capaz de prever as nove primeiras linhas do espectro do hidrogênio, que ficou conhecida como a série de Balmer 4 3646 2 2 n n =λ Å . (4.1) Em que n é um número inteiro associado a cada linha do espectro e n=3 para Hα e assim por diante, como mostra a figura 4.1. Balmer foi seguido por muitos outros cientistas que identificaram diferentes séries, também para o hidrogênio, em diferentes regiões de comprimento de onda, como mostra a tabela 4.1. Figura 4.1: Linhas espectrais do hidrogênio12. Rydberg, em 1890, estudou a fundo as séries do Hidrogênio e propôs que os comprimentos de onda de cada série fossem escritos em função do comprimento de onda recíproco k = 1 λ e a série de Balmer, segundo Rydberg passaria a ser: 22 1 2 1 n R=k H Å 1 n = 3,4,... (4.2) 12 Figura modificada de S. Ivanov, “Theoretical and Quantum Mechanics-Fundamentals for Chemists”, Springer, 2006. 46 Para 17101,096776 m=RH , a constante de Rydberg para o hidrogênio. Buscando uma fórmula geral que unificasse todas as séries, Rydberg e, independentemente, Ritz, propuseram a expressão geral que vale para todos os elementos, conhecida como a fórmula de Rydberg-Ritz: 22 11 nm R=k , n > m . (4.3) Sendo a constante de Rydberg ligeiramente diferente para cada elemento (variação máxima é 0,05%). Nomes Faixas de λ Fórmula da série Lyman Ultravioleta 22 1 1 1 n R=k H n=2,3,4... Balmer Ultravioleta e visível 22 1 2 1 n R=k H n=3,4,5,... Paschen Infravermelh o 22 1 3 1 n R=k H n=4,5,6,... Brackett Infravermelh o 22 1 4 1 n R=k H n=5,6,7,... Pfund Infravermelh o 22 1 5 1 n R=k H n=6,7,8,... Tabela 4.1: As várias séries obtidas a partir da análise das linhas espectrais do hidrogênio. 47 4.2 O pudim de Thomson O avanço da espectroscopia não era correspondido, em contra partida, a um modelo de estrutura do átomo que pudesse descrever os fenômenos observados experimentalmente. O modelo vigente, a partir de 1910, era o pudim de Thomson, figura 4.2, em que elétrons eram uniformemente distribuídos em uma esfera carregada positivamente de forma a manter o átomo neutro. Thomson buscava, a partir do seu modelo, configurações estáveis cujos modos normais de vibração correspondessem às frequências observadas na emissão. Um grande problema que esse modelo apresentava, além de não encontrar nenhuma configuração que descrevesse as linhas espectrais observadas, é que a força eletrostática não é suficiente para manter um sistema em equilíbrio e, portanto, as cargas deveriam estar em movimento. No entanto, como sabemos, toda carga em movimento emite radiação, o que não era observado no átomo. O modelo de Thomson foi definitivamente abandonado, em 1911, quando Rutherford mostrou que a carga positiva do átomo estava toda concentrada no centro, formando um núcleo, analisando o espalhamento de partículas α por diferentes átomos. 4.3 O modelo do átomo de Rutherford Rutherford, um antigo aluno de Thomson, investigava a radioatividade natural dos elementos quando descobriu que o urânio emitia dois tipos diferentes de partículas, denominadas α e β. Buscando analisar o comportamento dessas partículas, em um experimento célebre, Rutherford deixou uma amostra radioativa se desintegrar emitindo partículas α em uma câmera de vácuo e, em seguida, submeteu o conteúdo da câmera a uma descarga elétrica. As linhas observadas correspondiam ao hélio. Então, Rutherford percebeu que essa partícula α, uma partícula carregada positivamente e com metade da massa do próton, poderia funcionar como uma sonda no interior de outros átomos, e iniciou uma série de experimentos nessa direção. 48 (a) (b) Figura 4.2: (a) O modelo do Pudim de Thomson13 e (b) O espalhamento de uma partícula α por um átomo de Thomson14. O experimento consistia em colimar um feixe de partículas α emitidas de uma fonte radioativa e fazê-la incidir sobre um alvo metálico. Ao atravessar o átomo, a partícula α sente a força colombiana das cargas positivas e negativas, o que provoca uma mudança na sua trajetória. Uma forma de medir essa divergência é contar o número de partículas α que emerge do átomo com um ângulo de deflexão θ (N(θ)). No modelo de Thomson, como a carga positiva está espalhada por todo o volume do átomo de raio 1010r m, a força colombiana de repulsão não é tão intensa e a força de atração do elétron é ainda menor, uma vez que a partícula α é da ordem da massa do próton. Portanto, como mostra a figura 4.2, no modelo de Thomson é esperado que o ângulo de espalhamento θ seja pequeno. De fato, podemos calcular, usando o modelo de Thomson, a deflexão máxima que a partícula sofre ao passar pelo átomo, ela será 410θ rad. Na experiência realizada por Rutherford em seu laboratório, com ajuda de Geiger e Marsden, foi medido que 99% das partículas α foram espalhadas em ângulos menores do que 3°. No entanto, surpreendentemente, uma fração da ordem 13 Figura modificada de M. Le Bellac, “Quantum Physics”, Cambridge University Press, 2006. 14 Figura modificada de R. Eisberg, “Fundamentals of Modern Physics”, John Wiley&Sons Inc, 1963. 49 de 410 das partículas α foram espalhadas com ângulo maior que 90°, sendo algumas delas espalhadas com um ângulo de 180°. Mesmo sendo pequena essa fração, ela é absolutamente incompatível com o modelo de Thomson. Como o próprio Rutherford declarou: “Foi a coisa mais incrível que aconteceu
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