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Artigo - o modelo brasileiro de composição do STF

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O MODELO BRASILEIRO DE COMPOSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL:
uma análise contemporânea
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 89/2014 | p. 217 - 276 | Out -
Dez / 2014
DTR\2014\20175
Renato Vaquelli Fazanaro
Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da PUC-SP. Estagiário do Ministério
Público Federal.
Área do Direito: Constitucional; Internacional
Resumo: Com a promulgação da Constituição de 1988, o STF teve, de forma
exponencial, sua importância e notoriedade popular recrudescidas, sendo o apogeu no
julgamento da APn 470. Essa conjuntura deu ensejo ao presente estudo, em que se
propôs o resgate da discussão sobre o modelo de composição da Corte, mas sob um
enfoque contemporâneo para, ao fim, conceber-se direcionamentos para o
aperfeiçoamento da atual sistemática, em sintonia com dois princípios gerais do direito
constitucional, expressamente previstos na Carta Magna: a separação dos Poderes e o
Estado Democrático de Direito. Para tanto, adotou-se como método de estudo a técnica
da documentação, a partir da realização de pesquisas de natureza bibliográfica e
documental, sendo utilizadas as mais variadas fontes, tais como livros, monografias,
jornais etc. Por meio dessa investigação, foram esclarecidos pontos necessários sobre o
papel da Corte no sistema político-constitucional, bem como examinada sua evolução
histórica, os modelos de composição dos Tribunais Constitucionais europeus e os
predicados elementares dos referidos princípios. Ao fim, realizado um cotejo geral,
concluiu-se que o atual modelo carece de legitimidade popular e confere um alto risco à
autonomia e à independência do STF, ferindo a divisão de Poderes e, por corolário, o
perfil constitucional do Estado brasileiro; o seu aperfeiçoamento depende,
essencialmente, da abolição do critério unicamente político-partidário que o norteia e da
implantação do critério proporcional, com as garantias de pluralismo, representatividade
e complementariedade da sua composição.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal - Modelo de composição - Estado
Democrático de Direito - Separação dos Poderes.
Abstract: Due to the promulgation of the 1988 Constitution, the Supreme Federal Court
had its importance and public notoriety increased exponentially, peaking with the trial of
Criminal Case 470. This situation created the opportunity to perform the present study,
in which is proposed the rescue of the discussion of the Court's composition model, but
in a contemporary focus in order to conceive ways of improving the current system, in
line with two general principles of the Constitutional Law, with explicit reference in the
Constitution: the Separation of Powers and the Legal Democratic State. In order to
achieve it, the documentation technique was adopted, starting by conducting researches
of bibliographic and documentary nature, while using an enormous variety of sources,
such as books, monographs, newspapers among others. Through this research, topics
about the role of the Court in the constitutional political system were clarified, while also
examined its historical evolution, the models of composition of European Constitutional
Courts and the elementary predicates of the aforementioned principles. At the end, after
processing and confronting all data collected, it was concluded that the current model
lacks of popular legitimacy and offers a high risk to the autonomy and independence of
the Supreme Court, going against the division of powers and, by consequence, the
constitutional profile of the Brazilian state; its improvement depends essentially on the
abolition of its only political criteria, introducing a new criteria, guided by proportional
representation, attached to guarantees of pluralism, representation and complementarity
of its composition.
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 1
Keywords: Supreme Federal Court - Model composition of the Court - Legal Democratic
State - Separation of Powers.
Sumário:
Introdução - I. O STF na Constituição de 1988 - II. Elementos históricos do STF - III. O
direito comparado - IV. O modelo de investidura dos ministros - V. Propostas de emenda
à Constituição (Pec’s) - VI. Direcionamentos para o aperfeiçoamento do modelo - VII.
Conclusão - VIII. Bibliografia
Introdução
No1 ano de 1967, ao publicar “O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido”,
Aliomar Baleeiro, ilustre ministro da Excelsa Corte durante parte da Ditadura Militar
(1965-1973), certamente não previu que o titulo de sua obra, quarenta e sete anos
depois, estaria em tão grande descompasso com a proeminência adquirida pela Corte no
arranjo político vigente.
Foi apenas com a Constituição de 1988 que o STF passou a figurar no rol das principais
discussões políticas. Esta posição institucional vem sendo paulatinamente ocupada de
forma substantiva, em face da tarefa de guardar tão extensa Constituição. A ambição do
constituinte de 1988 conferiu ao Supremo uma notoriedade nunca antes vista, pois
passou a acumular as funções de Tribunal Constitucional, órgão de cúpula do Poder
Judiciário e foro especializado, tendo o seu papel político ainda mais reforçado pelas
Emendas 3/1993, e 45/2005, bem como pelas Leis 9.868/1999 e 9.882/1999,
tornando-se uma instituição singular em termos comparativos, seja com sua própria
história, seja com a história de Cortes existentes em outras democracias, mesmo as
mais proeminentes.
Dessa forma, a ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional
conferiu à Corte o papel de ser responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras
questões de natureza substantiva, ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos
representativos, outras vezes substituindo as escolhas majoritárias. Se esta é uma
atribuição comum a outros Tribunais Constitucionais ao redor do mundo, a distinção do
Supremo é de escala e de natureza. Escala pela quantidade de temas que, no Brasil, têm
caráter constitucional e são reconhecidos pela doutrina como passíveis de judicialização;
de natureza, pelo fato de não haver qualquer obstáculo para que o aprecie atos do poder
reformador.
Ademais, apenas em 2005, com a adoção de súmula vinculante, completou-se um ciclo
de concentração de poderes nas mãos do Supremo, voltado a sanar sua incapacidade de
enquadrar juízes e Tribunais resistentes às suas decisões. Diante dessa notoriedade,
raros são os dias em que as decisões do Tribunal não se tornam manchete dos principais
jornais brasileiros, seja no caderno de política, economia, ou, eventualmente, nas
páginas de ciências, educação e cultura. Notório exemplo é a APn 470, na qual se julgou
os acusados de envolvimento no escândalo do “mensalão”, condenando grande parte dos
réus, entre eles figuras da política brasileira.
Nessa toada, o que cresce proporcionalmente à notoriedade do STF são as preocupações
acerca de assuntos que possam macular a estrutura de tão alta Corte, especialmente no
que toca a sua independência, enquanto órgão do Poder Judiciário, e legitimidade
popular, enquanto órgão máximo da jurisdição constitucional.
Assim, esta investigação científica abordará um tema central no que tange a essas
preocupações, e que, com a pós-redemocratização, ressurge com vigor no cenário
jurídico-político, estando no centro de acaloradas discussões: o modelo de investidura
dos ministros do STF.
Muito antes da promulgação da Carta Constitucional de 1988, Kelsen e Radbruch há
tempos escreviam sobre como deveria ser a composição dos órgãos incumbidos de
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
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Página 2
guardar as Constituições dos seus países. Radbruch (1999) alertava a respeito do perigo
existente na faculdade do Poder Executivo, essencialmente político, discricionariamente,
poder indicar os integrantes do Poder Judiciário, ou seja, no caso em questão, influir
sobre a mais alta Corte de outro Poder. Outrossim, Kelsen (2003, p. 154), prelecionava
que “não poderíamos preconizar sem reservas nem a simples eleição pelo Parlamento,
nem a nomeaçãoexclusiva pelo chefe do Estado ou pelo Governo”.
Com efeito, sabe-se que “o modo de indicação dos juízes varia segundo o país e nenhum
parece ter encontrado, todavia, a fórmula ótima” (MORAES, 2003, p. 618), sendo
“interessante notar, por exemplo, que mesmo em um sistema como o austríaco, no qual
a indicação se dá de modo hibrido entre o Executivo e o Legislativo, existem criticas
quanto à independência da Corte” (FAVOREU, 2004, p. 42).
O legislador constituinte adotou o formato que corresponde a um retrato fiel da Suprema
Corte dos Estados Unidos, nascida com a Constituição de 1787. Previsto no art. 101,
parágrafo único, da Constituição brasileira, o procedimento é simples: o Presidente da
República nomeia o candidato, o qual deve atender requisitos mínimos de idade,
reputação e capacidade jurídica, após, a escolha deve ser aprovada pelo Senado,
mediante sabatina. Ao discorrer a respeito dessa fórmula, André Ramos Tavares (2008)
anota:
“A fórmula atual, apesar de ter sido exercida com sobriedade na maioria das indicações
nos últimos tempos no País, se baseia em um modelo arcaico e potencialmente gerador
de grandes crises jurídico-políticas.”
Crises estas, aduzidas pelo jurista, que quase se desencadearam na história recente do
País. Em seu mandato, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso criou uma intensa
discussão no mundo jurídico-político quando indicou para o STF o então advogado-geral
da União, Gilmar Mendes. Imediatamente, juristas da mais alta eminência
revoltaram-se, entre eles Dalmo de Abreu Dallari (apud BONAVIDES, 2004), que
afirmou:
“O Presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao
Senado uma indicação para membro do STF, que pode ser considerada verdadeira
declaração de guerra do Poder Executivo Federal ao Poder Judiciário, ao Ministério
Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.”
No governo posterior, de mandato do Presidente Lula, a discussão ressurgiu com a
nomeação de sete dos onze integrantes da Corte, o que lhe possibilitou, pode-se dizer,
“moldar” a Corte ao seu agrado, o que perdurará até a aposentadoria dos magistrados.
Destarte, verifica-se que essa questão não remete apenas ao STF, mas a questões
estruturais de todo o Estado Democrático de Direito, vez que “O Tribunal Constitucional
é possivelmente o tema central de nossa Constituição, atrevo-me a dizer que é aquele
que esta Constituição joga, literalmente, suas possibilidades e futuros” (ENTERRIA,
1983).
Visto isso, recorrendo novamente à lição de André Ramos Tavares (2009), tem-se que
essa discussão deveria entrar na agenda dos assuntos republicanos a serem
urgentemente tratados. É ao que nos propomos com este estudo.
I. O STF na Constituição de 1988
A Constituição de 1988 foi pensada por cidadãos recém-saídos das amarras de um
regime militar que derrubara um governo legitimamente eleito e permanecera no poder
por mais de duas décadas. Por isso, pairava na Assembleia Constituinte um clima de
satisfação pela volta da democracia. Ela representava diversos grupos, como os
evangélicos – que se multiplicaram exponencialmente desde 1964 –, políticos
integrantes do governo militar e apoiadores do antigo regime, assim como outros que
faziam parte da oposição, exilados que retornavam e, principalmente, jovens criados sob
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as leis ditatoriais, regozijados com o novo cenário.
O resultado foi uma Constituição que pretendia, nas palavras de Emília Viotti da Costa
(2006, p. 15):
“Impedir a volta de um regime autoritário, afirmar ampla gama de interesses, reforçar o
poder do Judiciário, promover a democratização da sociedade, incorporar os excluídos,
cujo numero tinha aumentado nos últimos vinte anos, assegurar direitos adquiridos e
ampliar seu rol.”
Como diz Oscar Vilhena Vieira (2002, p. 6), “não se trata, obviamente, de excentricidade
brasileira”. Muito pelo contrário, nos anos 1980, a democracia já predominava ao redor
do mundo como forma de governo, sendo raras as exceções autoritárias. E com ela,
consolidaram-se ideais que preconizavam a existência de instituições capazes de
assegurar o Estado de Direito.
“Foi inevitável que a Constituição brasileira de 1988 refletisse essa tendência e que o
Supremo fosse afetado por mudanças na sua definição e na sua prática” (VIEIRA, 2002,
p. 7). A Constituinte, acolhendo esse anseio do povo e na esteira da onda global de
transformação do direito constitucional, expandiu os instrumentos ofertados para sua
jurisdição constitucional. Cumpre anotar que, atualmente, todas as Constituições
mencionam a existência de um órgão de cúpula da Justiça Constitucional (Tribunal
Constitucional ou Suprema Corte no exercício das funções de um Tribunal
Constitucional), sendo inconcebível um sistema sem essa instituição, vez que a sua
presença pressupõe o princípio da supremacia da Constituição, a democracia do país e a
liberdade de seu povo.
O processo constituinte de 1988 possibilitou uma Constituição comprometida com um
conjunto de valores, cujo núcleo assenta-se na garantia de direitos fundamentais,
porquanto não há que se falar em sobrevivência da democracia num sistema em que
fiquem desamparadas as liberdades fundamentais. Dessa forma, cabe aos Tribunais
Constitucionais – os quais só existem, efetivamente, numa democracia – promover os
direitos fundamentais na “democracia dos cidadãos” de Haberle,2 pois, como já ensina
Bobbio: “sem respeito às liberdades civis, a participação do povo no poder político é um
engano, e sem essa participação popular no poder estatal, as liberdades civis têm
poucas possibilidades de durar” (1993, p.117). No Brasil, a preocupação com a
efetividade da Constituição, especialmente, com este sistema de direitos, fez do
Supremo a principal instância destinada a zelar pelo cumprimento da Carta Magna.
O constituinte de 1988 não fez modificações vultosas na espinha dorsal do STF. Aos que
esperavam ansiosamente a criação de uma Corte Constitucional, nos moldes das
consagradas – na Europa Continental, restou apenas a desilusão – o que não impede
dizer que o Supremo tenha adquirido também semelhantes atribuições. Todavia, é
inegável que a Constituição conferiu garantias funcionais e institucionais e fez alterações
na esfera de sua jurisdição, o que culminou em uma redefinição considerável do seu
papel no sistema politico-constitucional brasileiro (VIEIRA, 2002).
1.1 Expansão das competências
Ao lado da condição de última instância do Poder Judiciário, o constituinte conferiu ao
STF, no art. 102 da Constituição, a função de guardião da Constituição, competindo-lhe
a guarda de todas as normas, princípios e valores constitucionais.
Referido dispositivo, na sua redação original, dividiu as competências da Corte em
originárias (I, a a r), nas quais atua como juízo único e definitivo, e recursais, que
podem ser ordinárias (II, a a b) ou extraordinárias (III, a a d). Na sua competência
recursal ordinária, julga o crime político e o habeas corpus, mandado de segurança,
habeas data e o mandado de injunção, decididos em única instância pelos Tribunais
Superiores quando a decisão tiver sido denegatória.3
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
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A princípio, chama atenção a novidade consistente na competência para apreciar
institutos da inconstitucionalidade por omissão e do mandado de injunção. Após, o Poder
Constituinte Reformador previu, através da EC 3/1993, a “ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”. Outra novidade é o § 1.º do art.
102, que conferiu ao STF a competência de apreciar “a arguição de descumprimento de
preceito fundamental (…)”.4
Vale ressaltar que, com criação do STJ, foi transferida a ele a competência, que antes
era do STF, de última instância recursal no que se refere à interpretação e aplicação da
lei federal, através do recurso especial.
Especificamente no que diz respeito ao controle de constitucionalidade, foi mantido o
chamado controle difuso,no qual qualquer juiz pode analisar a constitucionalidade de
uma lei, podendo deixar de aplicá-la se a considerar inconstitucional, e se necessário
para a resolução do caso concreto. Essa decisão terá efeito apenas entre as partes no
processo, sendo o STF o órgão recursal máximo dessa forma de controle, com o
chamado recurso extraordinário, de modo a uniformizar a interpretação em matéria
constitucional, evitando decisões contraditórias. O próprio STF pode, através do controle
difuso, declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, mas, nesses casos,
apenas por disposição do Senado Federal é que essa lei terá sua execução suspensa, no
todo ou em parte, tendo, assim, eficácia erga omnes (art. 52, X, CF/1988).
As inovações significativas na competência do STF dizem respeito, entretanto, à parte de
sua competência originária relativa ao chamado controle abstrato de constitucionalidade,
introduzido originariamente pela Emenda 16, de 12.12.1965.
Entre essas alterações, destacam-se: o surgimento da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, do mandado de injunção, da ação declaratória de
constitucionalidade (introduzida pela EC 3/1993), da arguição por descumprimento de
preceito fundamental,5 da súmula vinculante e, principalmente, a ampliação significativa
do direito de propositura do controle abstrato, incorporando entre os entes legitimados
diferentes órgãos constitucionais da União e dos Estados, partidos políticos com
representação no Congresso Nacional etc.
Essa ampliação, contida nos incisos do art. 103, era esperada, porquanto indispensável
para se tirar a concentração de poderes das mãos e da discricionariedade de um único
titular, tornando o Supremo uma arena política mais acessível. Isso porque, desde a
previsão inicial da matéria, com a Constituição de 1946, passando pela Carta Magna de
1967 – que se refletia, respectivamente, na Lei 4.337 de 01.06.1964, e no art. 169 do
RISTF em vigor –, concedeu-se exclusivamente ao Procurador-Geral da República a
legitimidade para arguir a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
Sempre muito criticada pelos doutrinadores, tal atribuição outorgava ao titular a
qualidade de “dono” da ordem jurídica e política nacional, o que, decerto, facilitava a
defesa de interesses político-partidários, defendidos em bastidores. Por fim, salutar
ainda foi a autonomia atribuída ao Ministério Público Federal nessas causas, podendo
não só as promover, mas também devendo manifestar-se previamente em todas elas.
As demais competências originárias do STF – como, por exemplo, julgar o Presidente da
República nas infrações penais comuns – foram mantidas. Apenas com a EC 45/2004, a
competência originária de homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur às
cartas rogatórias, foi repassada ao STJ.
Ademais, impende atentar para a previsão das súmulas vinculantes (estabelecidas no
art. 103-A da CF/1988 e reguladas pela Lei 11.417/2006), surgidas com a EC 45/2004,
expediente que aumentou a capacidade do STF de decidir matéria constitucional,
sobrepondo-se aos juízes, Tribunais inferiores e à Administração Pública, sob o
fundamento de que é necessário garantir a segurança jurídica e conter a multiplicação
de processos. Trata-se de mais uma demonstração da amplitude de seu poder e também
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da responsabilidade que lhe recai sobre os ombros no cumprimento das funções
constitucionalmente outorgadas, atingindo direta e indiretamente a estrutura judiciária e
política do País.
De tudo isso, é importante destacar que as emendas constitucionais e as disposições
legais posteriores confirmaram a tendência de ampliar o papel do STF como guardião da
Constituição através da fiscalização abstrata de normas. Seja pela introdução ou
regulamentação de novas ações judiciais que compõem esse quadro, seja pela ampliação
do objeto passível de se contestar, em face da Constituição, o controle de
constitucionalidade concentrado, exercido pela Corte, saiu ainda mais fortalecido. Assim,
“não é, pois, de se admirar que o STF tenha se tornado um centro de atenções, quer
queiram ou não os ministros, os quais, pela natureza de suas funções, são os guardiões
da Constituição” (COSTA, 2006, p. 188).
Destarte, infere-se que, com a redemocratização do País e a promulgação da
Constituição de 1988, o STF teve o seu papel institucional ampliado, como bem salientou
o Min. Sepúlveda Pertence (COSTA, 2006, p. 188) ao afirmar em discurso no plenário da
Corte em 19.09.1988: “Para alcançar essa realização concreta do projeto de uma
sociedade mais democrática e mais justa, poucos Textos Constitucionais terão confiado
tanto no Poder Judiciário e nele, de modo singular, no STF”. Ou, nas palavras do Min.
Teori Zavascki (ZAVASCKI apud BASILE, 2013): “O Supremo passou a julgar de tudo e
mais um pouco porque a Constituição prevê de tudo e mais um pouco”.
1.2 A crescente importância e notoriedade popular
Procedida a análise do conjunto de alterações impostas pela Lex Major, verifica-se que,
ao ampliar as atribuições do STF, principalmente aquelas relacionadas ao controle de
constitucionalidade, aumentou-se a possibilidade de litigiosidade constitucional, o que
ocasionou o crescimento da sua importância e relevância político-institucional, a ponto
de ser alçado ao centro do debate político. Ainda, o foco da discussão passou a ser não
mais sua omissão, mas sim a extensão de seus poderes. Dessa forma, embora o
Supremo tenha desempenhado função relevante nos regimes constitucionais anteriores,
não há como se comparar com a proeminência que experimenta nos dias atuais.
As notícias transpareceram que a atuação do STF modificara-se: ele assumia
abertamente sua posição de ator político imprescindível. “Essa alteração ficou evidente
tanto nas declarações do Min. Sepúlveda Pertence, de que ‘Estamos cada vez mais longe
da imagem de bons velhinhos do Supremo’, e do Min. Sydney Sanches, de que ‘o STF
não pode deixar de considerar o momento político e econômico por que passa o país na
época de seus julgamentos’” (OLIVEIRA, 2004, p. 110).
O STF nunca foi tão importante em nossa história como hoje e, também por isso, dele
nunca se esperou e se cobrou tanto. Nesse contexto, defende Luiz Roberto Barroso
(2002, p. 304) que:
“O fortalecimento de uma Corte Constitucional, que tenha autoridade institucional e
saiba utilizá-la na solução de conflitos entre os Poderes ou entre estes e a sociedade
(com sensibilidade política, o que pode significar, conforme o caso, prudência ou
ousadia), é a salvação da Constituição e o antídoto contra golpes de Estado.”
E esse agigantamento jurisdicional foi determinante para a explosão de demandas
trazidas à apreciação da Corte nos últimos tempos (VIEIRA, 2004). Para elucidar essa
evolução em números concretos, basta a consulta ao endereço eletrônico6 do STF, que
disponibiliza a todos o download de tabelas e gráficos que mostram as estatísticas
processuais desde 1940.7
E essa proeminência da Corte no arranjo institucional brasileiro foi denominada por
Oscar Vilhena (2008) de “supremocracia”. Ele estabelece duas acepções para o termo: a
primeira, relativa à sua autoridade em relação às demais instâncias do Judiciário,
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
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Página 6
consistente no poder adquirido, principalmente com a adoção das súmulas vinculantes
em 2005, de governar jurisdicionalmente o Poder Judiciário; assevera, então, que
“finalmente o STF se tornou supremo”. A segunda, toca a expansão de autoridade em
relação aos demais Poderes. Assim, não obstante as tentativas passadas, foi somente
com a Constituição de 1988 que o Supremo deslocou-se para o centro do quadro político
brasileiro. É difícil conceber, atualmente, um tema relevante da vida política
contemporânea que não tenha reclamado ou viesse a exigir a intervenção do Supremo,
como ocorreu com as células-tronco (ADIn 3.510-0), as cotas raciais nos vestibulares
(ADPF 186) etc.
Nesse sentido, mais surpreendentedo que a transformação da vida e atuação do
Supremo em frequente objeto privilegiado de pesquisas, tanto de novos como de
consagrados juristas, é a curiosidade e consequente atenção que os leigos têm dado à
Corte, ou seja, a sua presença no cenário público nacional e a aproximação entre justiça
e povo.
Já à época do período de abertura política – mais especificamente em 1982 – o então
presidente da Corte, Min. Xavier de Albuquerque, sentia essa necessidade de aproximar
o STF da opinião pública, razão pela qual convocou um encontro entre os ministros do
Tribunal, proprietários de jornais e jornalistas, a fim de estabelecer um acordo nesse
sentido. Conforme apontado por Fabiana Oliveira (2004, p. 105):
“Na notícia Revalorizar a Justiça, proposta do Supremo, publicada na FSP em
14.04.1982, há uma declaração do ministro afirmando que a Nação não podia mais
suportar o distanciamento existente entre a opinião pública e o Poder Judiciário,
especialmente o próprio STF. Propunha a valorização do Poder Judiciário, o que
implicava esforços ‘(…) de resgatá-lo das páginas mais modestas da imprensa para as
mais destacadas e condizentes com a sua importância institucional’. O representante dos
jornalistas referiu-se ao encontro como um ‘marco histórico e necessário: a aproximação
do Supremo com a Nação e com o povo brasileiro’.”
E o pedido do ministro foi, paulatinamente, atendido, até a realidade notória dos dias
atuais, em que a cada observação do Ex-Min. Joaquim Barbosa – até pouco tempo
Presidente da Corte – o Supremo torna-se mais presente nos jornais, revistas e
principalmente, nas casas dos brasileiros. Para elucidar essa nova era, basta relembrar
que, à época da sessão que decidiu pelo acolhimento dos embargos infringentes,
propostos por parte dos réus do chamado “Mensalão” (APn 470), muito se viu as
pessoas se esforçando para acompanhar o que diziam os ministros em seus votos,
relevando o fato de utilizarem uma linguagem rebuscada e de difícil compreensão.
Percebendo essa tendência, Oscar Vilhena Vieira (2008, p. 443) anota:
“Um número maior de brasileiros vai se acostumando ao fato de que questões cruciais
de natureza política, moral ou mesmo econômicas são decididas por um Tribunal
composto por onze pessoas, para as quais jamais votaram.”
E esse prestígio do STF reflete-se, em boa medida, na popularidade que o referido
ministro adquiriu, principalmente após o julgamento do “Mensalão”; quase que erigido
ao patamar de herói nacional, tido como incorruptível e justo, sendo pautado até mesmo
para concorrer às eleições presidências do ano de 2014. E essa exaltação chegou ao
ponto de o ministro enfrentar dificuldades para aparecer em público. Segundo o
jornalista Percival de Souza (2013, p. 17), “ir ao shopping para ele, significa enfrentar
uma fila para cumprimentá-lo que chega a ser maior do que a que se faz para entrar no
cinema”. Muitos brasileiros passaram a depositar nele uma esperança política em relação
aos males da sociedade.
Por derradeiro, chama-se a atenção para duas recentes alterações que contribuíram
ainda mais para a expansão desse quadro: a Repercussão Geral e a Central do Cidadão.
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A introdução do mecanismo de Repercussão Geral, a partir da EC 45/2004 confere certa
discricionariedade na apreciação dos recursos extraordinários, principal meio para levar
à Corte questões constitucionais decididas pelas instancias inferiores. Permite-se, com
isso, uma filtragem no processamento e julgamento dos recursos, podendo concentrar
seus esforços nos processos de maior importância e repercussão jurídico-política.
A criação, em maio de 2008, da Central do Cidadão – que se sedimentou como um canal
de comunicação direta entre o cidadão e o Tribunal – facilitou o acesso do cidadão a
informações relacionadas às ações administrativas e finalísticas, e, principalmente,
possibilitou o contato direto com a Corte, seja por carta, email, telefone ou até mesmo
pessoalmente – conforme se vê no endereço eletrônico da Central – 8 de modo a
disponibilizar um canal direto para envio de pedidos e manifestações.9
Em suma, pode-se afirmar que, atualmente, os ministros do STF estão mais próximos da
sociedade do que jamais estiveram, de modo a representá-la de forma mais efetiva.
Outrossim, é nítida a constatação de que a Corte está mais poderosa do que nunca, e
tem sido chamada, cada vez mais, para tomar decisões que interferem diretamente no
cotidiano das pessoas.
1.3 O STF como Corte Constitucional
O STF situa-se no ápice do Poder Judiciário brasileiro, cabendo-lhe, precipuamente, a
guarda da Constituição, sendo o órgão incumbido de dar a palavra final acerca da
jurisdição constitucional.
A sua competência originária está disciplinada no art. 102, I, a até r, da Carta Magna,
com destaque para a alínea a, a qual prevê que lhe cabe processar e julgar,
originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual, instrumento que permite, então, realizar o controle concentrado de
constitucionalidade, desenvolvendo-se num processo sem partes, com vistas à proteção
da ordem jurídica, no qual não há litígio que diga respeito a direitos individuais.
Assevera Carlos Mário Velloso que essa é a competência maior do STF, pois “apenas
essa competência poria o Supremo Tribunal em pé de igualdade com o Tribunal
Constitucional Alemão” (1993, p. 5).
Pois bem. O conceito clássico de Corte ou Tribunal Constitucional envolve o aspecto de
um órgão institucional responsável pelo juízo de conformação de leis e atos políticos com
a Constituição, a quem cabe a última palavra na interpretação, concretização e garantia
da Carta Maior. Assim, ficam a cargo do Tribunal Constitucional matérias de elevada
repercussão política, essencialmente constitucionais, como os conflitos do pacto
federativo, separação de poderes, constitucionalidade de leis, eficácia e primazia dos
direitos fundamentais, entre outras.
O exame inicial e sumário de suas atribuições demonstra que o Supremo exerce a
função típica de um Tribunal Constitucional, ficando, pois, em aberto a dúvida quanto à
sua natureza política-institucional. Pode ser considerado uma genuína Corte
Constitucional, nos moldes dos clássicos Tribunais Europeus?
Ab initio, detendo-se um pouco mais no estudo do controle de constitucionalidade no
Brasil, anota-se que, originariamente, foi adotada puramente a matriz norte-americana,
centrada no modelo difuso, em que o papel exercido pelas Cortes Constitucionais, qual
seja, a defesa e o cumprimento das disposições constitucionais, é exercido por todo o
Poder Judiciário, através de qualquer juiz ou Tribunal. Seja qual for a natureza do litígio,
apresentando questão constitucional, esta é julgada de modo a produzir efeitos inter
partes, no caso concreto, de forma que a jurisdição constitucional não é exercida
exclusivamente por uma Corte Constitucional, como ocorre na Europa, mas por um
sistema de controle difuso, em que qualquer juiz ou Tribunal tem competência para
apreciar a questão constitucional.10
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
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No decorrer do século XX, passou-se a incorporar gradualmente mecanismos do modo
concentrado, criado na Europa a partir dos anos 1920, que permite discutir a
constitucionalidade dos atos normativos em abstrato, num número limitado de ações,
exclusivamente perante o STF, com efeitos gerais (erga omnes). Nas décadas recentes,
assistiu-se a um progressivo reforço do controle concentrado com a criação da ação
declaratória de constitucionalidade, em 1993, e da súmula vinculante, em 2004.11
Sobre o assunto, Arantes (apud OLIVEIRA, 2002, p. 4) leciona:
“Essa transformação veio se processando ao longo da história da instituição. Observando
as mudanças das atribuições constitucionais do STF, percebe-se que o Tribunal
caminhou no sentido de transitar de Corte de assuntos da União para uma ‘quase Corte
Constitucional’, partindo de um sistema difuso-incidental em 1891em direção ao
sistema concentrado-direto, mas sem atingi-lo plenamente, configurando-se em um
sistema singular, híbrido, mesclando características dos dois sistemas.”
A combinação desses dois sistemas confere ao STF, de acordo com Gilmar Ferreira
Mendes (2005, p. 21):
“Uma peculiar posição tanto como órgão de revisão de última instância, que concentra
suas atividades no controle das questões constitucionais discutidas nos vários processos,
quanto como Tribunal Constitucional, que dispõe de competência para aferir a
constitucionalidade direta das leis estaduais e federais no processo de controle abstrato
de normas.”
Ou, conforme Guilherme Pupe da Nóbrega (2009):
“O STF, no Brasil, acumula as duas técnicas de controle de constitucionalidade
consagradas pelos modelos europeu e americano: concentrado e difuso. Em decorrência
deste perfil híbrido adotado, a Constituição reservou ao STF um feixe de competências,
além de algumas estranhas ao próprio mecanismo de controle, que faz com que esse
Tribunal tenha que conciliar duas funções: a de cúpula do Poder Judiciário (funcionando
como verdadeira Corte de Apelação, face à banalização de sua condição de instância
extraordinária) e a de Corte Constitucional.”
E esse hibridismo conflita frontalmente com uma das características essenciais de
qualquer Tribunal Constitucional, o de ser “o órgão incumbido, nos sistemas
constitucionais de jurisdição concentrada, de realizar a jurisdição constitucional, sem que
se possa, de sólito, exercê-la nas instâncias da jurisdição ordinária” (AGRA, 2005, p.
55).
Desse modo, ante essa somatória de competências do Supremo, verifica-se que, quanto
à jurisdição constitucional, o Brasil vem adotando um sistema diferenciado e complexo,
fazendo surgir um modelo híbrido, com características próprias, cuja inspiração tem
origem tanto no sistema difuso norte-americano, quanto do sistema concentrado
europeu, culminando em um terceiro modelo, com natureza político-institucional
autônoma (VIEIRA, 1994).
Para que um órgão seja uma genuína Corte Constitucional, segundo Louis Favoreu
(2004, p.1), o contencioso constitucional não deve se equiparar ao contencioso
ordinário, uma vez que “as questões constitucionais são de competência exclusiva de
apenas um Tribunal, o qual é especialmente designado para esta finalidade, cujas
decisões tem força de coisa julgada erga omnes ”. Assim, possuem uma jurisdição
constitucional de natureza concentrada, a qual centraliza suas decisões em um só
Tribunal.
Ademais, nos países europeus que têm Tribunais Constitucionais, como, por exemplo, a
Alemanha, esse Tribunal é órgão constitucional cuja atuação repercute em todos os
Poderes, situando-se no organograma do Estado ao lado do Executivo, Legislativo e
Judiciário, não sendo, portanto, órgão do Poder Judiciário e nem se situando acima dos
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 9
Poderes Executivo e Legislativo.
No Brasil, no entanto, esse requisito também não se verifica, pois, conforme se observa
do art. 92, I, da CF/1988, o STF constitui-se, efetivamente, em órgão do Poder
Judiciário. Outrossim, outro fator que o distancia das Cortes é o modelo de investidura
dos seus ministros, baseado na nomeação vitalícia dos seus membros pelo chefe do
Poder Executivo.
Com isso, os Poderes Judiciário e Legislativo não participam eficazmente da escolha dos
ministros, como seria correto. O Senado Federal apenas aprova ou rejeita o nome
indicado pelo Presidente da República. O Executivo é o único dos três Poderes que pode
indicar e nomear juiz integrante do STF.
A cognição exauriente das características de uma Corte Constitucional não deixa
dúvidas: sob nenhuma hipótese pode ser ao STF atribuída essa natureza
política-institucional.12 Isso se dá, com base no “retrato modelo” de Favoreu (2004,
p.27) composto, em linhas gerais, da seguinte ordem de fatores:13
a) foi-lhe outorgada uma série de competências estranhas às de uma Corte
Constitucional, verbi gratia o papel de solucionar conflitos entre Tribunais Superiores, ou
de instância de apelação ou unificador de jurisprudência em determinados casos, as suas
competências originárias, para decidir sobre matérias expressamente enumeradas na
Constituição, como nos conflitos que envolvem autoridades federais de alto nível etc.,
portanto, nada têm a ver com a incidência ou interpretação direta das normas
constitucionais, mas sim com a manutenção da ordem constitucional pelo seu intérprete
maior. Ressalte-se que eram ainda mais extensas até Constituição de 1988, quando se
criou o STJ. A ele foi destinada a palavra definitiva sobre a interpretação da lei federal
no País. Isso, como já se observou, não impediu o STF de continuar sobrecarregado.
Desse modo, detém a condição de Tribunal Constitucional, mas tal competência ficou
sendo apenas mais uma entre as várias outorgadas, não se falando em exclusividade do
contencioso constitucional;
b) é um órgão do Poder Judiciário, falta-lhe, portanto, a característica da independência
em relação aos Poderes do Estado, ou como afirma Hans Kelsen (2007, p. 150), “de
qualquer outra autoridade estatal”;
c) seus ministros possuem cargos vitalícios e são indicados pelo chefe do Executivo, com
a ratificação do Senado Federal. Isso, aliado com o disposto no item b potencialmente
tolhe sua liberdade de exercício, sem se ater a qualquer tipo de pressão ou de
subordinação;
d) não detém o monopólio da jurisdição constitucional, vez que esta pode ser exercida
na jurisdição ordinária por meio do controle difuso.
Por fim, para corroborar, válida a ressalva feita por Dalmo de Abreu Dallari (2007,
p.112-113):
“Ao ser elaborada a atual Constituição, foi proposta a Assembleia Constituinte a criação
de um Tribunal Constitucional, o que tornaria possível um tratamento muito mais
eficiente do controle de constitucionalidade das leis e de atos de autoridades públicas,
bem como a promoção da responsabilidade dos que praticassem atos contrários à
Constituição Federal. Entretanto, por entender que assim perderia principal atribuição e,
em consequência, grande parte do prestígio de que goza desde sua instituição, em 1891,
o STF fez oposição cerrada a essa ideia e atuou intensamente junto aos constituintes,
conseguindo, assim, impedir a criação daquele Tribunal.”14
Pode-se dizer, então, que o STF mudava de local e de competência, devendo ser o STJ
de hoje. Todavia, o lobby feito pelos então ministros da Corte acabou por frustrar a
expectativa do constitucionalismo comunitário brasileiro de se criar um Tribunal
Constitucional, e isso, para não perder a sua condição de tribunal máximo do País,
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 10
porquanto as funções constitucionais seriam transferidas para a Corte Constitucional,
restando ao STF apenas a tarefa de guardar respeito ao direito federal.
II. Elementos históricos do STF
Constatado que as atribuições recebidas pelo STF na Constituição Federal de 1988 o
agigantaram, colocando-o de vez no cenário politico-institucional brasileiro e
aumentando seu reconhecimento perante as camadas mais populares, resta saber como
se deu o nascimento da Corte.
É verossímil dizer que o cumprimento de seu mister fundamental, o de guardião da
Constituição, foi árduo e tormentoso ao logo do tempo, sofrendo, no decorrer de sua
trajetória, limitações de competência, pressões e até mesmo intervenções.15 E diante
essas tentativas de condicionamento político da justiça, raramente se manifestou de
forma incisiva o exercício independente da jurisdição, de modo que a resistência nunca
foi uma marca da história do Supremo. Dessa forma, em virtude dessa omissão,
ostentava um papel secundário em nosso sistema político, podendo-se considerar que “o
órgão que, desde 1822 até 1937, mais faltou à República não foi o Congresso, foi o STF”
(BALEEIRO, 1968, p. 69).
Dito isso, a elaboração de um escorço da história institucional e política da Corte,
partindo de 1890 – ano de sua criação – e chegando a 1988 – ano de promulgaçãoda
Constituição em vigor – é salutar para se compreender a razão pela qual o Supremo
tanto lutou para conseguir assumir e exercer efetivamente a função a ele reservada
pelas Constituições brasileiras, bem como para assimilar o quão substanciais foram as
mudanças trazidas pela Constituição de 1988.
Nesse sentido, os órgãos de cúpula da justiça no Brasil, em ordem sucessiva,
considerada a sua precedência histórica, foram (1) a Casa da Suplicação do Brasil
(instituída pelo Príncipe Regente D. João, mediante Alvará Régio de 10.05.1808), (2) o
STJ (Império) e (3) o STF (República). Esses órgãos de cúpula, ao longo de nosso
processo histórico, desde a fase colonial (Casa da Suplicação do Brasil), passando pelo
regime monárquico (STJ) e chegando à República (STF), abrangem um período de 206
anos (10.05.1808 até o presente ano) (MELLO FILHO, 2011).
2.1 A Casa da Suplicação do Brasil
Com a chegada da Família Real Portuguesa, que fugia da invasão do Reino pelas tropas
de Napoleão, era inviável a remessa dos agravos ordinários e das apelações para a Casa
da Suplicação de Lisboa. Decidiu, então, o Príncipe Regente, D. João, por alvará de
10.05.1808, converter o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em Casa da Suplicação do
Brasil – investida da mesma competência atribuída à Casa da Suplicação de Lisboa –
dispondo:
“I – A relação desta cidade se denominará Casa da Suplicação do Brasil, e será
considerada como STJ para se findarem ali todos os pleitos em última instância, por
maior que seja o seu valor, sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das
Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso, que não seja o das Revistas,
nos termos restritos do que se acha disposto nas Minhas Ordenações, Leis e mais
Disposições. E terão os ministros a mesma alçada que têm os da Casa da Suplicação de
Lisboa (…).”
O decreto real, ao instituir o primeiro órgão de cúpula da justiça brasileira, determinou
que se findassem, na Casa da Suplicação do Brasil,
“Todos os pleitos em última instância, por maior que seja o seu valor, sem que das
últimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor
outro recurso (…), valendo referir que a alçada dessa elevada Corte judiciária
estendia-se, não só aos processos instaurados no Brasil, mas, igualmente, às causas
provenientes das ‘Ilhas dos Açôres, e Madeira (…)’” (FILHO, 2001, p.8).
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 11
Mediante Carta de Lei expedida em 16.12.1815, o Príncipe Regente elevou o Estado do
Brasil à categoria de Reino, ficando, assim, constituído o Reino Unido de Portugal e do
Brasil e Algarves.
2.2 O STJ
Proclamada a independência do Brasil, estabeleceu a Constituição Imperial de
25.03.1824, no art. 163:
“Na Capital do Império, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais
Províncias, haverá também um Tribunal com a denominação de – STJ – composto de
juízes letrados, tirados das relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o
título do conselho. Na primeira organização poderão ser empregados neste Tribunal os
ministros daqueles que se houverem de abolir.”
Cumpriu-se o preceito com a Lei de 18.09.1828, decorrente de projeto de Bernardo
Pereira de Vasconcelos, que, após exame da Câmara e do Senado, foi sancionado pelo
Imperador D. Pedro I.
O STJ, integrado por 17 juízes, foi instalado em 09.01.1829, na Casa do Senado da
Câmara, tendo subsistido até 27.02.1891.
2.3 O STF
A denominação “Supremo Tribunal Federal” foi adotada na Constituição Provisória da
República dos Estados Unidos do Brasil, publicada com o Dec. 510 de 22.06.1890, o qual
dispôs sobre a criação, composição e competência da Corte, e repetiu-se no Dec. 848 de
11.10.1890, que organizou a justiça federal.
Essas disposições foram confirmadas pela Constituição Republicana, promulgada em
24.02.1891, que instituiu o controle da constitucionalidade das leis – através,
essencialmente, do art. 59 –16 e dedicou ao STF os arts. 55 a 59. Inspirado na matriz
norte-americana, por influência de Ruy Barbosa, o Supremo foi concebido como órgão de
cúpula do Poder Judiciário, recebendo, todavia, atribuições eminentemente políticas,
tendo em vista que a ele cabia limitar a atuação dos Estados federados aos parâmetros
constitucionais.
Nesse sentido, à luz dos ensinamentos de Leda B. Rodrigues (RODRIGUES apud VIEIRA,
2002, p. 118), essa inspiração no modelo norte-americano era corrente no Brasil
pré-republicano: o aludido Dec. 848/1890 foi vanguardista no sentido de autorizar os
juízes deixassem de aplicar uma lei que considerassem inconstitucional, consagrando o
controle difuso. Mesmo considerado oficialmente obra da República, o Supremo já
aparecia como ideia monárquica, segundo a referida doutrinadora (RODRIGUES apud
VIEIRA, 2002, p. 1), in verbis:
“Em julho de 1889, indo Salvador Mendonça, acompanhado de Lafayette Rodrigues
Pereira, despedir-se de D. Pedro II, a fim de cumprir missão oficial nos Estados Unidos,
ouviu do Imperador as seguintes palavras: Estudem com cuidado a organização do STJ
de Washington, creio que nas funções da Corte Suprema está o segredo do bom
funcionamento da Constituição norte-americana. Quando voltarem, haveremos de ter
uma conferência a este respeito. Entre nós as coisas não vão bem, e parece-me que se
pudéssemos criar aqui um Tribunal igual ao norte-americano, e transferir para ele as
atribuições do Poder Moderador da nossa Constituição ficaria esta melhor. Deem toda
atenção a este ponto.”
O STF era composto por quinze Juízes, nomeados pelo Presidente da República com
posterior aprovação do Senado. A instalação ocorreu em 28.02.1891, conforme
estabelecido no Dec. 1, de 26 do mesmo mês. Ocorre que, para frustração dos que
esperavam a “pronta ação do novo Poder Judiciário” (VIERA, 2002, p. 119), a
composição permaneceu, basicamente, a mesma do Tribunal anterior, que possuía
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 12
funções típicas de cassação do modelo europeu, estando sempre subordinados ao
Imperador.
Dito e feito, quase concomitantemente com a sua criação, em 23.11.1891, o Marechal
Floriano Peixoto, então vice-presidente da República, com a renúncia do Pres. Marechal
Deodoro da Fonseca, tomou o poder, sem que se fizessem novas eleições, conforme
mandava a Constituição em vigor. Para conter as manifestações, de imediato reformou
os generais signatários dos manifestos.
Nesse contexto, durante seu governo, o Brasil foi submetido a decretações de estado de
sítio, com prisões arbitrárias e penas de desterro e exílio para adversários políticos do
presidente. Foi nessa época que surgiu a chamada doutrina brasileira do habeas corpus,
devido à extensão que foi sendo dada ao instituto enquanto defesa dos direitos inscritos
na Constituição, por influência de Ruy Barbosa, que chegou a impetrar o writ até em
favor de seus adversários e para a proteção da liberdade de imprensa.
Segundo consta, isso “provocou a ira do presidente. Irritado, Floriano Peixoto teria dito
na ocasião: ‘Se os juízes do Tribunal concederem o habeas corpus aos políticos, eu não
sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão’”
(COSTA, 2006, p.30).
As diversas intervenções a que o STF foi submetido nesse período revelam o desconforto
que provocou. Floriano Peixoto deixou de preencher as vagas de ministros que foram se
aposentando, impedindo que a Corte atingisse o quórum mínimo para deliberação, assim
como não cumpriu decisões relativas a alguns habeas corpus. Posteriormente, o
Presidente Hermes da Fonseca também deixou de acatar decisões do STF.
Após a Revolução de 1930, o Governo Provisório decidiu, pelo Dec. 19.656 de
03.02.1931, reduzir o número de ministros para onze.
A Constituição de 1934 manteve o número de onze ministros, dele tratando nos arts. 73
a 77, e alterou a denominação constitucional do STF, passando a designá-lo como Corte
Suprema. Com o advento da Carta de 1937 – que lhe destinou os arts. 97 a 102 –
restabeleceu-se a anterior denominação(STF), mantida, até hoje, pelas sucessivas Leis
Fundamentais da República.
Nessa esteira, na denominada Era Vargas (1930-1945), o STF viveu um dos períodos
mais difíceis de sua história, com a remoção e aposentadoria compulsória de ministros,
alteração de seu funcionamento e invasão de suas prerrogativas. Do conflito inicial entre
o Supremo e o Governo, prevaleceu, entretanto, a submissão da Corte, já que Getúlio
Vargas acabou por conseguir manter no STF apenas aqueles que assim se posicionaram.
A Carta de 1937 chegou a excluir da competência do STF as chamadas questões
políticas, bem como a possibilidade de o Congresso reverter a declaração de
inconstitucionalidade prolatada pela Corte, o que retirava dela a prerrogativa de dar a
última palavra sobre a constitucionalidade de uma norma (COSTA, 2006, p.69-71).
Com a redemocratização do País, a Constituição de 18.09.1946 dedicou ao Tribunal os
arts. 98 a 102.
Em 21.04.1960, em decorrência da mudança da Capital Federal, o STF transferiu-se para
Brasília. Está sediado na Praça dos Três Poderes, depois de ter funcionado durante 69
anos no Rio de Janeiro.
Depois do golpe de 1964, quando o poder foi assumido pelos militares, à semelhança do
que aconteceu no Estado Novo, os poderes do Executivo foram aumentados, e os do
Judiciário e Legislativo, reduzidos. Os atos do Executivo passaram a escapar do controle
do Judiciário e os direitos fundamentais ficaram subordinados ao conceito de segurança
nacional. Inicialmente, o STF – apesar de não se posicionar formalmente nem contra
nem a favor do novo regime, conforme dito pelo seu ministro presidente à época, Ribeiro
da Costa – deu diversas decisões resistindo às pressões dos militares, concedendo,
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 13
inclusive habeas corpus a presos políticos que supostamente teriam cometido crime
contra a segurança nacional.
Foi, então, baixado o Ato Institucional 2 (AI-2), que aumentou o número de ministros do
STF de 11 (onze) para 16 (dezesseis) e excluiu da apreciação do Judiciário “atos
revolucionários praticados com base na nova ordem”. O Supremo foi sendo, assim,
tomado por ministros indicados pelos militares e, aos poucos, foi mais uma vez
assumindo um papel submisso em relação ao Poder Executivo.
Com base no Ato Institucional 5 (AI-5), de 13.12.1968, foram aposentados, em
16.01.1969, três ministros. Posteriormente, o Ato Institucional 6 (AI-6) reduziu
novamente o número de ministros para 11 (onze), aposentando os que ainda eram do
antigo regime e ficando a Corte quase que totalmente renovada por ministros escolhidos
pelo regime militar.
Com a restauração da democracia, a Constituição ora vigente, promulgada em
05.10.1988, realçou expressamente a competência precípua do STF, cabendo-lhe a
guarda da Constituição, dedicando-lhe os arts. 101 a 103.
Pelo exposto, infere-se que o STF tem sido agente e paciente da história nacional, a
qual, ipso facto, confunde-se com a própria história da Corte, vez que sempre foi “sendo
inevitavelmente levado a participar das lutas políticas que se travam à sua volta e
sofrendo suas consequências”. E não poderia ser de outra forma, pois, conforme Emilia
Viotti da Costa (2006, p.23):
“Em um país onde as sublevações e os golpes de estado se repetem, as constituições se
sucedem e o estado de direito tem sido várias vezes interrompido por períodos de
exceção; num país em que o Executivo, de tempos em tempos, ignora dispositivos
constitucionais, dissolve o Congresso, governa por decreto, cria atos institucionais que
contrariam a Constituição, declara estado de sítio durante o qual ficam suspensas as
garantias constitucionais, prende e desterra cidadãos sem qualquer processo; num país
cujos governantes se recusam às vezes a obedecer às decisões emanadas da mais alta
Corte de Justiça, interferindo diretamente nela, negando-se a preencher vagas ou
alterando o número de ministros – é de se esperar que esta funcione como uma caixa de
ressonância que registra os ritmos agitados da história nacional.”
III. O direito comparado
Antes do lançamento de sua obra “As Cortes Constitucionais”, Louis Favoreu examinou a
legitimidade e a composição da justiça constitucional pelo mundo em um artigo (1995),
em que aponta duas características comuns no processo de indicação dos magistrados
dos Tribunais que a exercem. A primeira é que, via de regra, os juízes são designados
por autoridades políticas, podendo ser apenas pelo Governo (Canadá, Japão, Noruega,
Dinamarca), ou pelo Executivo mediante aprovação de uma assembleia (Estados Unidos
e Brasil), ou por uma assembleia em conjunto com o rei (Bélgica), ou por uma (Portugal)
ou duas assembleias (Alemanha), ou pelo Executivo e pelo Parlamento (Áustria e
França) ou cada um dos três Poderes de Estado (Itália e Espanha).
O segundo ponto em comum reside no fato de os magistrados constitucionais serem
escolhidos obedecendo-se determinados critérios relativos às suas qualidades pessoais e
profissionais, sendo os mais correntes: a idade, o sexo, a qualificação profissional ou
acadêmica, a orientação política, a pertença a uma comunidade linguística, religiosa ou
étnica, e, finalmente, os antecedentes.
Com isso, o estudo comparado dos principais modelos de investidura dos integrantes do
órgão máximo responsável pela jurisdição constitucional é um importante subsídio para
que se possa posteriormente ingressar na análise aprofundada do modelo brasileiro.
Será, assim, permitida a identificação das raízes deste modelo, assim como se conceber
uma alternativa ou um espelho para que se possa aperfeiçoá-lo.
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 14
O objeto central do presente capítulo e do próximo, assim como do estudo, como um
todo, toca à morfologia subjetiva17 do STF. Serão utilizadas como alicerce, muitas vezes,
lições doutrinárias referentes aos Tribunais Constitucionais, o que não impede de se
fazer as adaptações necessárias ao caso brasileiro, vez que, como já visto
anteriormente, no Brasil não se tem, tipicamente, uma Corte Constitucional, quando se
leva em conta os requisitos ensejadores, mas uma Corte Suprema no exercício de
funções de Tribunal Constitucional.
Ademais, quando se tem uma morfologia subjetiva que se considere a mais adequada
aos princípios fundadores de um Estado, o fato de pertencer a outro que adote uma
Corte Constitucional genuína não é empecilho para que se tente aproximar as duas
realidades, tendo em vista que o que se busca, acima de tudo, é a consecução dos
interesses da coletividade e a ordem pública e constitucional.
Pois bem. A escolha ou recrutamento dos integrantes do Tribunal Constitucional pode
variar, de tal modo a até mesmo descaracterizá-lo como tal.
Preliminarmente, ressalta-se que, como visto, o rol de formas de recrutamento é vasto,
mas não exaustivo. O fator determinante para adoção de um ou outro se condiciona a
algumas variantes, como o contexto federativo de atuação da Corte, a ideologia,
costumes políticos e raízes históricas do Estado etc.
O que se deve ter sempre em mente é que a escolha daqueles que comporão o órgão
incumbido da jurisdição constitucional repercute diretamente em todos os segmentos da
sociedade, com implicações sociais, jurídicas, políticas, econômicas e
democrático-constitucionais. Assim, fatalmente, atrai um forte interesse
político-partidário, dando margem a intervenções contrárias a princípios fundadores,
dentre os quais se destaca o Estado Democrático de Direito e a Separação dos Poderes.
Isso, quando previsto constitucionalmente, acaba por comprometer a própria
independência da Corte, a existência de um controle efetivo das leis e sua aplicação
isonômica e imparcial.
3.1 O modelo norte-americano
A Constituição dos EUA, em seu art. 2, seção 2, cláusula 2, dispõe que incumbe ao
Presidente da República indicar os potenciais candidatos à Suprema Corte, que serão
nomeados somente após parecer e aprovação do Senado por quórum de maioria
simples. O número de juízes daquele Tribunal alterou-seseis vezes até fixar-se, em
1869, nos atuais nove justices.
Trata-se, assim, de um modelo eminentemente político, historicamente adotado pelo
Brasil, e, atualmente, é o vigente em ambos os países.
Impende frisar que, no país norte-americano, a indicação de juízes da Suprema Corte
mobiliza organizações da sociedade e dos meios políticos, havendo pressões a favor ou
contra determinada escolha, de acordo com o posicionamento do candidato frente a
temas relevantes ou controversos, tais como, aborto, liberdade de expressão, direitos
civis; as sabatinas do Senado são complexas e são travados intensos debates,
eventualmente se estendendo por semanas ou meses e são até mesmo transmitidas
pela televisão.
Até hoje, de acordo com o site do Senado norte-americano,18 não foram aprovados
cerca de vinte e quatro nomes indicados pelo chefe do Poder Executivo, sendo que isso
acompanha o curso da história norte-americana. A primeira rejeição propriamente dita –
19 que, ao total contabilizam doze – de que se tem notícia foi de John Rutledge e ocorreu
no governo de George Washington, em 10.12.1795.
Para Ronald Dworkin (2006, p.21), as rigorosas sabatinas do Senado para a nomeação
de um juiz a Suprema Corte permitem ao público norte-americano a sua última
oportunidade de avaliar um funcionário público que terá um enorme e incontrastável
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
Página 15
poder de definir os direitos fundamentais desse povo.
Nesse sentido, válidas são as conclusões de Fernando Neustein (2006, p. 121):
“Pode-se concluir que nos Estados Unidos: (I) o indicado efetivamente sofre escrutínio;20
a sabatina é capaz de se sofisticar, adentrando até mesmo temas relacionados à filosofia
do direito; (II) a rejeição é fato relativamente comum na história americana, tendo-se
verificado ao longo dos anos, independentemente da corrente política do chefe do
Executivo; (III) o Executivo volta atrás nas indicações, quando conclui pelas poucas
chances de sucesso da nomeação.”
Ainda, não há exigência expressa de requisitos de capacidade, podendo a escolha recair
sobre qualquer cidadão americano, ainda que não tenha formação jurídica,21 sendo que
os juízes nomeados permanecem no cargo enquanto bem servirem à Nação [during good
behavior], sem que haja um limite de idade prefixado para a aposentadoria compulsória,
de modo que o exercício do cargo somente se encerra pela renúncia, aposentadoria ou
impeachment de seu ocupante. Na prática, esse panorama significa que a ocupação do
cargo é vitalícia.
3.2 Os modelos dos países da Europa Ocidental
Como já se aludiu previamente, Kelsen defendia que, para se alcançar uma real
conformidade do ordenamento jurídico com os postulados constitucionais que lhe servem
de fundamento de validade, segundo a concepção do sistema normativo como uma
pirâmide hierarquizada, o Tribunal Constitucional deve se manter independente tanto do
Parlamento – órgão incumbido de produzir as leis – como do Executivo e do Judiciário,
fugindo, assim, da conceituação típica dos três poderes. Dessa forma, reparte-se o
exercício da jurisdição ordinária legal e da jurisdição constitucional. A primeira é
incumbência do Poder Judiciário, enquanto a segunda do Tribunal Constitucional.
Esse foi o modelo adotado pelos países da Europa Ocidental. Entre eles variam, contudo,
os critérios de acesso ao posto de ministro, lastreados em diversas variantes, como a
cultura constitucional, a consolidação do regime democrático, a importância no cenário
internacional e demais peculiaridades de cada sistema.
Do rol de Cortes Constitucionais da Europa Ocidental apresentado por Louis Favoreu
(2004), cingindo-se a análise às que mais fielmente representam o “modelo europeu”,
consagrado por Kelsen, em nenhuma delas (Áustria, Alemanha, Itália, França, Espanha e
Portugal) o Executivo detém a prerrogativa exclusiva de indicar os ministros, conforme
se mostra a seguir.
3.2.1 Alemanha
O Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht) é composto por
dezesseis membros. Destes, segundo o art. 94 da Grundgesetz, oito são eleitos pelo
Parlamento (Bundestag) – sendo indiretamente, por meio de uma comissão de doze
parlamentares escolhida por todos os parlamentares segundo as regras de eleições
proporcionais – e oito diretamente pelo Conselho Federal (Bundesrat), por maioria de
2/3. Tratando-se de ato vinculado, ao Presidente da República cumpre realizar a
nomeação. O mandato é de doze anos, vedada a recondução e limite idade é sessenta e
oito anos.
3.2.2 Áustria
O Verfassungsgerichtshof, Corte Constitucional Austríaca, é composto por um
Presidente, um Vice-Presidente, doze membros e seis suplentes. À luz do art. 147, n. 2,
conforme a Lei Constitucional, de 21.12.1994 (TAVARES, 2005, p.377), todos são
nomeados pelo Presidente da Federação, sendo: os dois primeiros e metade do restante
dos membros e dos suplentes por indicação do governo federal; três membros e dois
suplentes por indicação do Conselho Nacional, por maioria qualificada e três membros e
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:
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um suplente pelo Conselho Federal, por maioria absoluta. O cargo é vitalício, com
aposentadoria compulsória no último dia do ano em que completarem setenta anos
(FAVOREU, 2004, p. 43-44).
3.2.3 Portugal
O Tribunal Constitucional português é composto por treze juízes, sendo dez designados
pela Assembleia da República, por maioria de 2/3, e três cooptados por estes (art. 222,
n. 1 e 2, da Constituição), pelo voto de no mínimo sete de seus membros (FILHO, 2006,
p.13). O mandato tem a duração de nove anos e não é renovável (art. 222, n. 3, da
Constituição), sem limite expresso de idade mínima ou máxima.
3.2.4 França
O Conselho Constitucional (Conseil Constitutionnel) possui nove membros. O art. 56 da
Constituição determina que a designação deve se dar na proporção de 1/3 pelo
Presidente da República, 1/3 pelo Presidente da Assembleia Nacional e 1/3 pelo
Presidente do Senado. O mandato é de nove anos, não admitida a recondução. O
Conselho é renovado por terços a cada três anos.
3.2.5 Espanha
Segundo o art. 159, n. 1, da Constituição, o Tribunal Constitucional espanhol compõe-se
de doze membros nomeados pelo Rei, indicados formalmente por um sistema de
proposição entre órgãos do Estado. Assim, quatro são escolhidos pelo Congresso, por
maioria de 3/5 de seus membros, quatro pelo Senado, com o mesmo quórum, dois pelo
Governo e dois pelo Conselho Geral do Poder Judiciário. O mandato é de nove anos, sem
recondução e com renovação por terços a cada três anos (art. 159, n. 2), sem limite
expresso de idade mínima ou máxima.
3.2.6 Itália
O art. 135 da Constituzione prescreve que a Corte Constitucional Italiana será composta
por quinze juízes nomeados, proporcionalmente, sendo 1/3 pelo Presidente da República
– decreto de nomeação deve ser assinado pelo Presidente do Conselho de Ministros, 1/3
pelas “magistraturas ordinárias e administrativas” e 1/3 pelo Parlamento. Aqui, segundo
Louis Favoreu (2004, p. 78):
“A designação é feita pelo Parlamento, durante uma reunião comum das duas Câmaras,
pela maioria de dois terços dos membros componentes da Assembleia, nos dois
primeiros turnos e pela maioria de três quintos, nos turnos seguintes. Essa maioria
qualificada foi decidida para evitar que os juízes sejam designados por uma simples
maioria governamental e para situá-los acima dos partidos.”
O mandato dos membros é de nove anos, vedada a recondução (art. 135), não havendo
limite de idade.
IV. O modelo de investidura dos ministros
O art. 101 da CF/1988,22 ao dispor sobre a forma de composição do STF, manteve-se
fiel à tradição presente no Direito Constitucional brasileiro – influenciada pela
Constituição Americana, que prevê o mesmo procedimento – desde a Constituição de
1891.
Estabeleceu-se que a nomeação é feita pelo Presidente da República, depois de aprovada
a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF/1988, art. 101, parágrafo único).
Quanto aos requisitos pessoais,exige-se: “a) ser brasileiro nato (art. 12, § 3.º, IV); b)
estar no gozo dos direitos políticos (art. 14, § 1.º, I); c) ter mais de trinta e cinco anos e
menos de sessenta e cinco anos de idade; d) ilibada reputação; e) notável saber jurídico
(art. 101)” (BASTOS; MARTINS, 1992, p. 126).
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
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4.1 A influência político-partidária
Esposado nas lições de Miguel Reale, Dalmo Dallari (1998, p. 43) afirma que o poder
nunca deixa de ser substancialmente político, de modo que política e poder estão
umbilicalmente ligados e seus conceitos se confundem. Com efeito, o poder é a
“capacidade de produzir os efeitos pretendidos (ou simplesmente de alterar a
probabilidade de obter esses efeitos), seja sobre a matéria ou sobre as pessoas,
devendo o Estado dispor dos meios adequados para impô-los” (DINAMARCO, 2009, p.
99-100). Poder político é, segundo Norberto Bobbio (2000, p. 167), a posse dos
instrumentos mediante os quais se exerce a força física (as armas de toda espécie e
potência): é o poder coator no sentido mais estrito da palavra.
Assim, a política corresponde à atuação humana ligada ao poder, e o poder estatal, ao
poder de um homem sobre o outro. O Judiciário, portanto, integra o poder, o qual tem o
direito como um de seus instrumentos, sendo este cobrado coercitivamente pelo
primeiro. Percebe-se, assim, a íntima relação entre a tríade Judiciário-Direito-Poder
Político (LIMA, 2009, p. 75).
Do quadro acima exposto, é válido afirmar que os Tribunais do mundo encarregados de
aplicar a jurisdição constitucional têm caráter e função política, mesmo porque sua
atividade envolve um controle de demais Poderes.
No tocante ao Brasil, o STF, como órgão máximo do Poder Judiciário (CF/1988, art. 92,
I), exerce, em conjunto com a função jurisdicional, a função política. Ao analisar o
assunto, Germana Belchior (2008, p. 209), baseada em Francisco Gérson Marques de
Lima, elencou as seguintes características que conferem ao STF tal função política:
ocupa o ápice da pirâmide judiciária, umas das três funções básicas do Princípio da
Separação dos Poderes; as decisões do Judiciário são manifestações de índole política do
Estado no desempenho da jurisdição; submetem-se a sua análise questões referentes à
condução do país, ao comportamento de altas autoridades, à política econômica da
nação, ao controle de constitucionalidade de leis e atos normativos etc.
Resta claro que o STF situa-se numa posição extremamente complexa, estando
exatamente na fronteira entre profissão e política, porque, embora seus membros
devam ter distinção do mérito jurídico, a ascensão a tal posto, na prática, dá-se a partir
de uma estratégia e fortes interesses político-partidários. Tal identidade composta
(profissional e política) traz à tona um problema: por ser uma instituição com poder de
veto ao Executivo e, ao mesmo tempo, ser uma elite profissional, com valores, em tese,
meritocráticos, passando a nomeação de seus membros pelo Executivo e pelo Senado, a
atuação desses profissionais fica, potencialmente, cerceada pela cooptação ao Executivo,
pelo fato de o ministro estar relacionado ao Executivo e ao grupo político presente no
governo que o nomeou (OLIVEIRA, 2002, p. 8).
É imperioso ressaltar que tal função política não se confunde com atuação segundo
critérios político-partidários, devendo, portanto, atuar politicamente sem estar
“politicalizado”. O poder que é incumbido constitucionalmente à Corte é distinto da
política convencional, na medida em que os ministros que o exercem devem pautar suas
atividades, não sob influência de “grupos de pressão”,23 mas sim pelo saber jurídico
elevado e retidão que a Constituição estabelece como requisitos para a ascensão ao
cargo.
Por fim, cumpre esclarecer que não se defende o pensamento anacrônico de
Montesquieu (2010, p. 177), que, em 1748, sustentou que o poder conferido ao juiz era
tão somente de proferir sentenças, de acordo com leis elaboradas pelo Legislativo,
devendo ser ocupado por mandatários desprovidos de interesses e de partidarismos,
com a incumbência de ser a “boca que pronuncia as palavras da lei”.
O próprio ordenamento jurídico estabelece que cabe ao juiz, ao aplicar a lei, atender
“aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (LINDB, art. 5.º).
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Em outras palavras, o magistrado deve agir com equidade, ter ínsito em si o sentido de
justiça, buscando a consecução do justo que, por vezes, separa-se da lei para atender a
circunstâncias concretas que se deve levar em consideração, vez que, somente assim,
ter-se-á a aplicação ideal da norma ao caso concreto.
Ocorre que, conforme adverte Marcus Cláudio Acquaviva (2011, p. 153):
“O verdadeiro sentido da equidade é o de evitar a aplicação mecânica da lei, sem que o
juiz propenda, com isso, para suas convicções pessoais, pois ele deve aplicar a lei e não
julgar a bondade intrínseca do texto, pois, se assim agisse, estaria sendo arbitrário.”
4.2 O papel do Senado
À exceção de dois períodos de anormalidade institucional (durante o Governo Provisório
de Getúlio Vargas – 24.10.1930 a 16.07.1934 – e durante a vigência da Carta Política
outorgada em 10.11.1937 – Estado Novo), em que alguns ministros foram nomeados
sem a prévia aprovação do Senado Federal, desde a instituição do STF, previsto no art.
56 da Constituição de 1891, a nomeação dos seus ministros é realizada pelo Presidente
da República com a aprovação do Senado Federal.
Assim, formalmente o Executivo e o Senado são os poderes do Estado incumbidos de
influir no processo de composição da Corte. Na prática, entretanto, somente o primeiro o
faz.
Em linhas gerais, cabe ao Senado receber a pessoa indicada pelo Presidente da
República para realizar sua sabatina, que visa, supostamente, inquirir acerca de sua vida
pregressa e avaliar seus conhecimentos técnico-jurídicos, colhendo elementos para que
se possa definir se o candidato tem capacidade moral e jurídica para exercer um dos
cargos públicos que detém maior responsabilidade no Estado brasileiro.
Resta patente a importância da sabatina, uma vez que serve de instrumento para
atribuir legitimidade de origem ao indicado ao cargo de ministro do STF, bem como visa
impedir que o Executivo se “apodere” do Supremo (NEUSTEIN, 2006, p. 56). Ainda,
nessa hora, Senado representa o povo, o qual terá, potencialmente, sua vida
influenciada por alguma decisão da pessoa sabatinada, caso venha a ser nomeada. Daí a
observação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1992, p. 216):
“(…) a exigência de aprovação pelo Senado Federal já estava na Constituição de 1891
(art. 56), que, aliás, se inspirara no direito norte-americano. Esta exigência visa impedir
que o Presidente da República nomeie para o alto cargo figuras inexpressivas ou
politicamente comprometidas.”
No mesmo sentido é a lição de Pinto Ferreira (1989, p. 612):
“No Brasil, o dispositivo em apreço (art. 101 da CF/1988), é verdade que com feitura
diferente na Constituição de 1891, serviu para proibir os planos de alguns Presidentes,
como foi o caso de Floriano Peixoto. Este nomeou dois generais e um médico para o STF,
a saber, os generais Galvão de Queiroz e Ewerton Quadros, bem como o médico Barata
Ribeiro.”
Dissertando sobre o critério fundamental que deve orientar as sabatinas, Fernando
Neustein (2006, p. 58), conclui:
“(…) O caminho para a maturidade institucional passa, necessariamente pela reiterada
afirmação da supremacia da Constituição, e não da vontade do governante. Para isso, é
indispensável a absoluta independência do STF (…) Portanto, a despeito de investigar o
currículo jurídico do indicado e a lisura do seu passado civil, cabe ao Senado, sobretudo,
avaliar se a aprovação do nome apresentado pelo Executivo contribuirá para a efetiva
independência do STF e o robustecimento da ideia de supremacia da Constituição.”
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Em que pese o quantodito, abstraindo-se o fato de que a representatividade política do
Senado é bastante inferior à da Câmara dos Deputados, consolidou-se uma verdadeira
ilicitude – por afrontar o Texto Constitucional –, no âmbito do Senado, consistente em
apenas chancelar as indicações presidenciais, tornando a sabatina um ato burocrático,
formalidade necessária para a nomeação do indicado.
Nesse sentido, Aldo Pereira (2005, p. 13) faz a seguinte crítica:
“Nos Estados Unidos, senadores sabatinam o indicado quanto à posição dele perante
grandes temas políticos do momento, como o do aborto voluntário, o da intromissão do
Estado em questões religiosas, o do casamento homossexual, o da política afirmativa de
cotas na admissão a universidades e à administração pública. No Brasil, onde tais
questões repercutem por emulação, o Senado espreguiça e boceja ao carimbar sua
apática avaliação na ficha do juiz escolhido. O cidadão, principal interessado, só passa a
conhecer as opiniões dos indicados depois que, já empossados, estes e seus dez pares
passam a emitir juízos que afetam – e mesmo decidem – a vida de milhões de pessoas.”
Com efeito, ao longo dos cento e vinte e cinco anos (1889 a 2014) da história
republicana brasileira, foram rejeitadas somente cinco indicações presidenciais, que se
deram durante o governo de Floriano Peixoto (1891 a 1894), negando a aprovação e os
consequentes atos de nomeação, para o cargo de ministro do STF, das seguintes
indicações: (1) Barata Ribeiro, (2) Innocêncio Galvão de Queiroz, (3) Ewerton Quadros,
(4) Antônio Sève Navarro e (5) Demosthenes da Silveira Lobo (FILHO, 2011, p. 18).
Tal discussão se reveste de grande importância no atual cenário histórico, notadamente
após o término do considerado por muitos o julgamento mais importante da história do
Supremo: a APn 470. Isso porque oito dos onze ministros que integram atualmente a
Corte foram nomeados por presidentes do mesmo partido político: quatro pelo
ex-Presidente Lula da Silva e quatro pela Presidenta Dilma Rousseff, o que resulta num
total de, aproximadamente, 73% da atual composição.
Isso não seria um problema se o Senado cumprisse de fato seu papel de questionar com
seriedade e profundidade as indicações do Executivo. Porém, os senadores têm atuado
de maneira irrisória, o que permite uma indesejável e perigosa ligação entre o STF e o
chefe do Executivo, haja vista que consegue impor sua vontade, culminando no
cerceamento da independência do Judiciário e no caminho livre para nomeações de
candidatos desqualificados, com consequentes prejuízos aos interesses nacionais,
visando à satisfação de propósitos demagógicos, político-partidários e pessoais.
Por fim, vale a transcrição de valiosa e bem ilustrativa lição de Ronald Dworkin, trazida
por Renato Vieira (2008, p. 385):
“É preciso um número suficiente de pessoas cientes de que a sabatina não é uma
brincadeira de esconde-esconde, e um indicado cujas respostas não sejam objetivas e
reveladoras é moralmente culpado (…) Ainda, seria amesquinhar a tarefa do Senado de
confirmação dos juízes para a Suprema Corte se este tivesse apenas que certificar que o
indicado não é um corrupto e está disposto a jurar obediência à lei.” Em outras palavras:
“Judicial appontments have become more political, and presidents use them
stratregically to play to particular constituencies”.24
4.3 O Poder do Executivo
Conforme se extrai da Constituição Federal e da LC 35/1979 (Lei Orgânica da
Magistratura Nacional), compete ao Chefe do Poder Executivo a nomeação dos onze
vitalícios Ministros do STF, dos trinta e três Ministros do STJ, dos dezessete Ministros do
TST, dos quinze Ministros do STM, de dois dos sete Ministros do TSE, de dois dos sete
juízes que integram os TRE’s dos Estados, dos desembargadores federais dos cinco TRF’s
e dos juízes do Trabalho que compõem os TRT’s.
No que toca ao STF, especificamente, quando essa competência é somada à pratica
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
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existente no Senado de homologar, como ato de rotina, as indicações presidenciais,
tem-se que o Executivo é dotado de um poder extraordinário, que possibilita impor a sua
vontade. Dessa forma, é inevitável a remissão ao exposto no Capítulo II do presente
estudo, em que se realizou uma exposição sumária da história do STF, e se chamou a
atenção para as inúmeras interferências autoritárias e antidemocráticas que a Corte
sofreu na sua atuação pelo Poder Executivo, o qual foi responsável, inúmeras vezes, por
impedir o seu funcionamento regular.
Ocorre que, na atual conjuntura constitucional e política brasileira, é difícil conceber
interferências daquela natureza – do Executivo, direta e explicitamente, na atuação do
Judiciário e do seu órgão de cúpula. Todavia, indiretamente, esse risco é iminente. Isso
porque o crescimento exponencial da notoriedade e dos poderes do Supremo,
ocasionados pela redemocratização, é proporcional ao crescimento do interesse do
Executivo em influenciar sua atuação, tornar mais previsíveis suas decisões, para que
não contrarie suas políticas, de forma a vincular o Judiciário, como um todo, a si.
Para tanto, é necessário lançar mãos dos instrumentos que possui. E o poder de impor
sua vontade nas indicações dos ministros é, justamente, o instrumento mais eficaz.
Assim, o chefe do Executivo, possivelmente indicará pessoas afinadas com a sua
ideologia e sua filosofia, ou melhor, do seu partido político.
Ora, para poder ser eleito ao cargo de Presidente da República, a pessoa deve ser nome
forte dentro de um partido político. Ou seja, certamente já é filiado a ele há muito tempo
e construiu uma história na política defendendo a ideologia desse partido. E quando
consegue ascender ao cargo de Presidente, deve continuar defendendo aquela ideologia,
mesmo porque precisará manter a força do partido e obter apoio político para a
consecução dos seus interesses.
É óbvio, portanto, que os indicados, normalmente, possuem um grau de proximidade
com o Presidente. Para corroborar, cite-se Joaquim Falcão (2002), que, no artigo
intitulado “A escolha do ministro do Supremo”, destacou a pesquisa que partiu da
seguinte interrogação: onde trabalhavam desde 1988 os ministros, quando indicados
pelo Presidente? Obteve-se a seguinte resposta: cerca de 50% dos indicados
trabalhavam diretamente com a Presidência, sendo desvinculados com a justiça
estadual.
Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (BASTOS; MARTINS, p. 322)
afirmam que:
“Em relação ao STF, a escolha é livre. A qualidade dos que hoje ocupam as cadeiras
daquela Corte não impede que no futuro seu nível baixe em função da qualidade do
Presidente eleito. É mais difícil entrar nos concursos da Magistratura do que ser ministro
do Supremo, se o indicado for amigo do Presidente.”
Destarte, considerando-se que tem sido corriqueiro no Brasil que o Chefe do Executivo
conte com a maioria das Casas do Congresso Nacional, mesmo quando há pressão de
várias facções políticas, em regra, consegue exercer indicar para o STF alguém do seu
círculo de simpatia, principalmente ideológica – prestigiando, assim, muito mais o
trânsito político do que o “notório saber jurídico e reputação ilibada” dos indicados
(LIMA, 2009, p. 68). Isso dá azo ao que se tem chamado de “compromisso da toga”,
consistente no potencial compromisso que o ministro assumirá com o Presidente e
demais pessoas que o auxiliaram na sua nomeação, o que é inadmissível, se considerado
sob a ótica institucional, uma vez que a função que irá exercer deve ser absolutamente
blindada a qualquer prerrogativa ou atribuição político-partidária (LIMA, 2009, p. 269).
Por fim, cabe frisar que, de fato, grande parte dos ministros do STF teve circulação
prévia no Governo ou na base partidária que compõe o Executivo. Para ilustrar,
destacam-se os seguintes e atuais exemplos:25 Min. Marco Aurélio de Mello foi indicado
para ocupar o posto de ministro no STF em 1990 pelo ex-Presidente Fernando Collor de
O modelo brasileiro de composição do supremo tribunal
Federal:

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