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1988-2018: o que constituímos? HOMENAGEM A MENELICK DE CARVALHO NETTO NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 CADERNO DE RESUMOS Belo Horizonte 2018 Marcelo A. Cattoni de Oliveira, David F. L. Gomes & Deivide Júlio Ribeiro ORGANIZAÇÃO 1988-2018: o que constituímos? HOMENAGEM A MENELICK DE CARVALHO NETTO NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Copyright © desta edição [2018] Initia Via Editora Ltda. Rua dos Timbiras, nº 2250 – sl. 103-104, Lourdes Belo Horizonte, MG - CEP 30140-061 www.initiavia.com Editora-Chefe: Isolda Lins Ribeiro. Revisão: autores. Diagramação e Capa: Kívia Bueno. Imagens da Capa: Congresso Nacional por Rodolfo Stuckert; Fachada do Palácio do Planalto por Beto Bara- ta; Fachada do STF por Nelson Jr; Protesto no Congresso Nacional do Brasil por Agencia Brasil. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial deste livro ou de quaisquer umas de suas partes, por qualquer meio ou processo, sem a prévia autorização do Editor. A violação dos direitos autorais é punível como crime e passível de indenizações diversas. Congresso de Direito Constitucional - 1988-2018: O que constituímos? (2. : 2018: Belo Horizonte, MG) 1988-2018: O que constituímos? Homenagem a Menelick de Carvalho Netto nos 30 anos da Constituição de 1988 / organizadores: Marcelo A. Cattoni de Oliveira, David F. L. Gomes, Deivide Júlio Ribeiro - Belo Horizonte : Initia Via, 2018. 127 p. – Caderno de Resumos ISBN 978-85-9547-035-4 1. Direito constitucional - Congressos . 2. Filosofia do direito – Congressos. I. Oliveira, Marcelo A. Cattoni de. II. Gomes, David F. L. III. Ribeiro, Deivide Júlio CDU: 34(061.3) Marcelo A. Cattoni de Oliveira, David F. L. Gomes & Deivide Júlio Ribeiro ORGANIZAÇÃO DO LIVRO 1988-2018: o que constituímos? HOMENAGEM A MENELICK DE CARVALHO NETTO NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Marcelo A. Cattoni de Oliveira, David F. L. Gomes Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira Bernardo Gonçalves Alfredo Fernandes David F. L. Gomes Emílio Peluso Neder Meyer Maria Fernanda Salcedo Repolês Thomas da Rosa de Bustamante Amós Silvestre dos Reis Almir Megali Neto Deivide Júlio Ribeiro Felipe Capareli Giulia Maria Giusti Athayde Pinto Henrique Pereira de Queiroz João Pedro Lopes Fernandes Jéssica Holl Mariana Rezende de Oliveira Marina Leite Raquel Possolo Rayann K. Massahud de Carvalho COORDENAÇÃO GERAL: CONSELHO CIENTÍFICO: COMISSÃO ORGANIZADORA: CADERNO DE RESUMOS 5 apresentação No momento em que celebra seus 30 anos, a Constituição de 1988 vê-se sob um ataque advindo de múltiplos lados. Se esse ataque possui, certamente, uma força e uma ar- ticulação inéditas, não é a primeira vez que isso ocorre: desde antes mesmo de sua promul- gação em 5 de outubro, o tom emancipatório que nela se manifesta já levantava resistências variadas, sendo o célebre discurso do então presidente José Sarney uma espécie de metoní- mia de um processo de crítica destrutiva que acompanharia a Constituição ao longo de sua vigência. Por outro lado, a réplica presente no discurso de Ulysses Guimarães também pode ser lida como uma metonímia, uma metonímia da continuada luta em sua defesa que acom- panharia igualmente a vida dessa Constituição. Se a Constituição de 1988 é luta, luta contínua em sua defesa, nada mais adequado do que homenagear, em um evento que se apresenta como uma etapa a mais nessa luta, um intelectual que sempre sustentou exatamente isto: Constituição é luta, luta constante por sua defesa, início de um projeto que se efetiva no tempo apenas se nos engajamos como ci- dadãs e cidadãos ativas e ativos nessa luta. É com esse sentido que foi realizado o congresso: “1988-2018: O QUE CONS- TITUÍMOS? Homenagem a Menelick de Carvalho Netto nos 30 anos da Constituição de 1988”. Entre as homenagens, estão aqui os trabalhos apresentados no evento, em forma de Caderno de Resumos. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?6 CONTRIBUIÇÕES DE UMA TEORIA CRÍTICA DA CONSTITUIÇÃO PARA A COMPREENSÃO 9 DO CONTROLE JURISDICIONAL DO PROCESSO DE IMPEACHMENT ALMIR MEGALI NETO PRECARIADO E CIDADANIA: 15 APONTAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS ÂNgElA VITóRIA ANDRADE gONçAlVES DA SIlVA & OTáVIO lOPES DE SOuzA PERSPECTIVAS E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DO ARTIGO 68 DO ADCT: 21 O PROCESSO DE RECONHECIMENTO E TITulAçAO DAS COMuNIDADES QuIlOMBOlAS áuREA BEzERRA DE MEDEIROS & MENElICk DE CARVAlHO NETTO AUSTERIDADE FISCAL E A DESNATURAÇÃO CONSTITUCIONAL: 28 A POLÍTICA ECONÔMICA BRASILEIRA DOS ANOS 2008-2016 BRuNO RODRIguES VIEIRA & MARIA ClARA FERNANDES FERREIRA TENTRE NARRATIVAS DE RESSENTIMENTO E URGêNCIA: 33 RISCOS PARA A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ERNANE SAllES DA COSTA JuNIOR A CONSTITUIÇÃO DE 1988 VIVA E VIVIDA: 38 CONTRIBuIçÕES DA ESCOlA MINEIRA DE DIREITO CONSTITuCIONAl FELIPE V. CAPARELI & RAyANN K. MASSAHUD DE CARVALHO MULHERES, POVO E PODER: 44 O QuE NÃO CONSTITuÍMOS? FERNANDA ARAUJO PEREIRA OCUPAÇÃO DANDARA: 51 lITIgÂNCIA ESTRATégICA E A ARTICulAçÃO JuRÍDICA-POlÍTICA NAS luTAS DA ClASSE TRABAlHADORA PRECARIzADA FERNANDA VIEIRA OLIVEIRA & ISABELA DE ANDRADE PENA MIRANDA CORBy REPRESENTATIVIDADE DAS MULHERES NA CâMARA DOS DEPUTADOS: 58 O QuE CONSTITuÍMOS DESDE 1988? JESSICA HOll ENTIDADE DE CLASSE E PLURALISMO: 64 A CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E AS MUDANÇAS SOCIAIS SOB UM CONTEXTO DE SUBCIDADANIA JOÃO luCAS RIBEIRO MOREIRA &TIAgO SOARES SIQuEIRA sumário CADERNO DE RESUMOS 7 ENTRE A REALIDADE DO CÁRCERE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: 69 SOBRE O PAPEL DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NA POLÍTICA DE ENCARCERAMENTO EM MASSA BRASILEIRA lEO MACIEl JuNQuEIRA RIBEIRO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA PRÁTICA CONSTITUCIONAL CONTEMPORâNEA BRASILEIRA, 75 E SUA TENSÃO E CONTRADIÇÕES NO TRATAMENTO DE MINORIAS ÉTNICAS lEONARDO FAuSTINO PEREIRA & SARA zICA RIBEIRO A PROIBIÇÃO DA CONDUÇÃO COERCITIVA PARA INTERROGATÓRIO E O APRIMORAMENTO DA 79 APLICAÇÃO DO DIREITO AO SILêNCIO: uM PEQuENO AVANçO EM MEIO AO RETROCESSO 79 luDMIlA CORRêA DuTRA & CAROlINE MESQuITA ANTuNES FAZER JUSTIÇA A RONALD DWORKIN: 85 A INTEGRIDADE DO DIREITO E A COMUNIDADE DE PRINCÍPIOS INSTITUÍDA PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 À luz DE MENElICk DE CARVAlHO NETTO MARCuS VINÍCIuS FERNANDES BASTOS & MATEuS ROCHA TOMAz O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO A PARTIR DA CONSTITUINTE DE 1988: 94 uMA BREVE ANálISE DA EVOluçÃO DESTE DIREITO NOS 30 ANOS DA CONSTITuIçÃO CIDADà MICAELA AFONSO LAMOUNIER O DIREITO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA DAS PESSOAS COM DEFICIêNCIA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988: 99 PROgRESSOS E DESAFIOS TATIANA RIBEIRO PROVETTI JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO EM 30 ANOS: 106 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E CONSTITUCIONALISMO TRANSICIONAL COMO PROJETO PERMANENTE TAyARA TALITA LEMOS QUE CIDADANIA CONSTITUÍMOS?: 112 uMA ANálISE DA EMENDA CONSTITuCIONAl 95/2016 SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HuMANOS THIAgO álVARES FEITAl OS AMICI CURIAE NA EXPERIêNCIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: 117 DA PLURALIDADE À PARTICIPAÇÃO SOCIAL WAGNER VINICIUS DE OLIVEIRA CADERNO DE RESUMOS 9 Almir CONTRIBUIÇÕES DE UMA TEORIA CRÍTICA DA CONSTITUIÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO CONTROLE JURISDICIONAL DO PROCESSO DE IMPEACHMENT ALMIR MEGALI NETO1 Desde a abertura do processo de impeachment em face da ex-Presidente da Repú- blica Dilma Rousseff, “formou-se no Brasil um campo propício para a teoria constitucional rever aquele instituto” (BACHA E SILVA; BAHIA; CATTONI DE OLIVEIRA, 2017, p. 16). A despeito de se tratar de um instituto cuja ativação causa grandes repercussões para as instituições democráticas e que sempre esteve presente nas constituições2 republicanas bra- sileiras, poucos são os trabalhos que têm em mira a compreensão deste fenômeno constitu- cional a partir do papel político-institucional do Judiciário, principalmente no que se refere a uma possível capacidade de mediação entre os demais poderes.3 As seguidas contestações judiciais decorrentes da abertura do processode impe- achment em face da ex-Presidente Dilma Rousseff trouxeram para o centro dos debates teórico-políticos o tema do impeachment, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de intervenção da jurisdição constitucional. Dessa maneira, pode-se dizer que o tema passou a ser objeto de discussões, divergências e enfrentamentos, conformando uma agenda de pes- quisa a ser explorada. Muito se discutiu se o Supremo Tribunal Federal (STF) teria competência para apreciar as questões que foram levadas à sua jurisdição no curso do processo de impeach- 1 Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG. Linha de Pesquisa: História, Poder e Liberdade. E-mail: almir_megali@hotmail.com. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. 2 Um esclarecimento quanto à utilização do termo constituição se faz necessário. Quando o termo for empre- gado de modo genérico, sem particularizar de qual constituição se está a falar, utilizar-se-á o termo com a letra “c” minúscula. Quando se fizer referência a uma constituição específica o termo será escrito com a letra “c” maiúscula. 3 Para fins deste trabalho, propõe-se a adoção da definição de Salcedo Repolês da expressão, sintetizada na se- guinte passagem: “Outro sentido para o qualificativo ‘político’ usado para a Corte é o que chamaremos aqui de políti- co-institucional, que ajuda a afirmá-la como um terceiro poder capaz de equilibrar os poderes legislativo e executivo. Esse sentido que retira aquela semântica negativa do partidarismo, solidifica o Supremo Tribunal Federal como órgão de consolidação da República e da democracia” (SALCEDO REPOLÊS, 2010, p. 68). 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?10 ment da ex-Presidente Dilma Rousseff. As alegações eram no sentido de que as matérias relativas ao processo de impeachment consistiram questões políticas e que, em virtude disso, não deveriam ser apreciadas pelo Tribunal. Para os defensores desta linha de raciocínio, a questão representaria uma verdadeira judicialização da política, no sentido da instauração de um governo de juízes. A questão teria ficado clara quando do julgamento do mandado de segurança n. 34.441, no qual a ex-Presidente intentava a anulação da decisão proferida pelo Senado Fe- deral, ao fundamento da ausência de justa causa para abertura do processo de impeachment bem como da inobservância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa no trâmite do feito. Alegou-se que o papel do Tribunal se limitaria à definição do rito do processo, sendo-lhe vedado apreciar quaisquer questões que envolvessem direta ou indireta- mente o mérito da acusação em desfavor da ex-Presidente. Sendo assim, é preciso questionar se há espaço para apreciação jurisdicional de questões afetas ao processo de impeachment, ou, se pelo contrário, tais questões se inseri- riam naquilo que se costuma denominar questões políticas. Aqui, sustenta-se que há um legítimo espaço de atuação para o Poder Judiciário no curso do processo de impeachment. Isso porque, com Bacha e Silva, Bahia e Cattoni de Oliveira (2017, p. 95-104), acredita-se que o impeachment está diretamente relacionado ao estudo do princípio da separação dos poderes, do sistema presidencialista de governo e, em última instância, da soberania popu- lar, com o mote do constitucionalismo e suas relações com a democracia, razão pela qual o alcance do instituto não deve ficar à disposição de maiorias parlamentares eventuais. A apreciação jurisdicional da matéria aqui defendida não implica em uma revisão do mérito da decisão proferida pelo Senado Federal, como se passa em algumas experiências constitucionais compradas, principalmente naquelas que possuem Legislativo unicameral, nas quais a Corte Constitucional possui a palavra final sobre a condenação ou não do pre- sidente da república (SAN JUAN; TIOJANCO, 2016).4 Pelo contrário, o propósito deste trabalho é evidenciar que o STF tem um importante papel a desempenhar no curso do processo de impeachment do presidente da república, de modo a evitar que o instituto seja manejado inadequadamente pelo Congresso Nacional. Defende-se, portanto, que o STF deve atuar no sentido da garantia da justa causa para deflagrar o processo, dos direitos do acusado à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal em todas as suas etapas. Aqui, pretende-se questionar se o mero seguimento das etapas do procedimento previstas na Constituição, na Lei n. 1.079/50 e nos Regimentos Internos das Casas legislativas seria capaz de legitimar o processo. Em outras palavras, é preciso questionar se a deflagração das etapas do procedimento prescindiria da observância de requisitos materiais mínimos. Não custa lembrar que em um curto período de tempo, a história constitucional brasileira vivenciou 02 (dois) afastamentos de presidentes da república após a deflagração de 4 Exemplares neste sentido são as Constituições da Albânia, da Coreia do Sul, da Hungria e da República Tche- ca. Para maiores detalhes, cf. SAN JUAN; TIOJANCO, 2016. CADERNO DE RESUMOS 11 processos de impeachment. Isso em um país cuja história é marcada por instabilidades polí- tico-institucionais e em um contexto no qual o impeachment surgiu como um novo padrão de instabilidade político-institucional.5 A razão para tanto, deve-se ao fato das elites locais terem percebido que a nova con- juntura política dos fins dos anos 1980 e início dos anos 1990 não seria mais conivente com a forma tradicional de tomada do poder na região (PÉREZ-LÍÑAN, 2007). Sendo assim, ao invés de golpes militares; de tanques nas ruas; da tomada do poder pela via da força; a nova tendência latino-americana seria a tomada do poder através do manejo de institutos previstos pelas próprias ordens constitucionais, como o impeachment. Agora, a tomada do poder se daria sem a quebra do regime democrático. Manter-se-iam as instituições em fun- cionamento e tudo se daria dentro dos limites previstos pelas próprias constituições. Como é de se imaginar, essa nova tendência, criou um alto grau de insegurança para os políticos da região, convertendo-se o impeachment em “uma arma institucional usada contra os presi- dentes que enfrentam uma legislatura beligerante” (PÉREZ-LÍÑAN, 2007, p. 09). Aponta Pérez-Líñan que, em condições ideais, o impeachment somente poderia ser ativado se houvesse provas suficientes da prática de algum high crime cometido pelo pre- sidente e não com base em acusações pouco fundamentadas ou politicamente motivadas. Referida exigência seria produto da recepção do impeachment pela incipiente república presidencialista norte-americana da experiência monárquica britânica e que se difundiu pela América Latina. Diferentemente dos britânicos, os fundadores procuraram restringir o al- cance das ofensas bem como as pessoas que estariam sujeitas a impeachment. Na tradição norte-americana, a atuação do Judiciário em relação ao processo de im- peachment deveria ser limitada (HAMILTON; MADSON; JAY, 2003, p. 394-398). Para Black Jr. (1974, p. 63), por exemplo, “os tribunais não têm nenhum papel a desempenhar” nos processos de impeachment deflagrados em face do presidente da república. No entanto, é pre- ciso salientar que “a ausência de ‘Judicial Review’ sobre a matéria não significa, contudo, uma licença para o Congresso ignorar os limites e obrigações impostas pelas normas constitucionais do Impeachment” (BACHA E SILVA; BAHIA e CATTONI DE OLIVEIRA, 2017, p. 21).6 Nos 30 anos da Constituição de 1988, haveria um sentimento de frustração por parte de parcela da sociedade brasileira em relação às promessas não cumpridas da Constitui- ção. Isso porque a denominada falta de efetividade das normas constitucionais teria criado uma realidade social distinta daquela prevista pela Constituição. Esta seria, portanto, a razão 5 De acordo com Pérez-Líñan (2007), a conjugação de quatro elementos teria sido decisivapara o desencade- amento de processos de impeachment na América Latina durante o período compreendido entre os anos de 1992 e 2004, pouco importando o fundamento jurídico utilizado, quais sejam: (i) crise econômica; (ii) escândalo de corrpu- ção; (iii) manifestações populares; e (iv) falta de apoio do Executivo no Legislativo. Os casos analisados foram: Fernan- do Collor de Mello (Brasil, 1992), Carlos Andrés Pérez (Venezuela, 1993), Ernesto Samper (Colômbia, 1996), Abdalá Bucaram (Equador, 1997), Raúl Cubas Grau (Paraguai, 1999) e Luis González Macchi (Paraguai, 2002). 6 Cf. BERGER, 1973, p. 86-93; GERHARDT, 2000, p. 103-11; SUNSTEIN, 2017, p. 154-155; TRIBE, 2000, p. 152-153. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?12 para o fracasso institucional brasileiro. Em tal perspectiva, os temas de Direito Constitucio- nal deveriam ser apreendidos de maneira a promover tanto quanto possível a aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Diante deste cenário, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira sustenta, em sua Tese de Titularidade em Direito Constitucional (2017, p. 01), a necessidade de superação dessa “metodologia dualista, entre um enfoque jurídico-normativo (dever-ser) e/ou um enfoque sociopolítico (ser), de abordagem do Direito e do Estado”, ainda presente na teoria tradi- cional da constituição, de modo que efetividade e legitimidade constitucionais sejam ade- quadamente compreendidas. Nesse sentido é que Cattoni de Oliveira (2017, p. 01) afirma que as “Contribuições para uma Teoria Crítica da Constituição [expostas em sua Tese de Ti- tularidade em Direito Constitucional] visam à superação desse impasse entre normativismo universalista e realismo particularista, ainda presente na teoria tradicional da constituição”. Cattoni de Oliveira (2017, p. 102) sustenta a necessidade de superação do trata- mento conferido pela teoria tradicional da constituição às questões normativas compreendi- das como um “contraste ou hiatos entre um Direito Constitucional que se pretende legítimo e realidades político-sociais e econômicas recalcitrantes”. Sua proposta é no sentido de que as questões relativas à legitimidade e efetividade constitucionais no Estado Democrático de Direito devam ser reconhecidas não apenas como conflitos concretos ou tensões constitutivas do direito positivo, mas também, como conflitos inscritos na própria legalidade constitucio- nal. Nessa perspectiva, os conceitos de legalidade, legitimidade e de efetividade estariam di- retamente relacionados ao conceito de constitucionalidade. Dessa forma, romper-se-ia com a teoria tradicional da constituição para a qual a efetividade de uma determinada ordem constitucional estaria diretamente relacionada à correspondência ou à observância de suas prescrições normativas com os processos políticos e sociais observados no seio de uma dada sociedade. Legitimidade e efetividade constitucional não dependeriam da correspondência do conteúdo dos enunciados normativos abstratamente contidos no texto constitucional aos processos político-sociais observados na realidade, mas sim, da disputa interpretativa sobre o sentido de e da constituição. Considerando que “uma constituição não deve ser tratada como uma mera questão de especialistas, pois ela não é monopólio de ninguém, nem mesmo de uma corte consti- tucional ou de um tribunal supremo; o sentido de e da constituição é uma questão que diz respeito à cidadania em geral” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2017, p. 111) (destaques do original). Pois bem, dessa maneira, é preciso ter em vista que a disputa interpretativa em torno do sentido de e da constituição, para dizer com Cattoni de Oliveira, envolve, por um lado, o reforço da centralidade que a constituição adquiriu ao longo de sua vigência e, por outro, a possibilidade de rupturas institucionais a partir da tentativa de lançar uma consti- tuição contra ela mesma, que representaria uma hipótese de fraude à constituição. Assim, espera-se que a compreensão do procedimento não apenas reduzido “à sua significação ‘funcional’ (uma espécie de ‘legitimação pelo procedimento’)” possa contribuir para o estudo das teses jurídicas levantadas nos autos do MS n. 34.441, pressupondo, “num CADERNO DE RESUMOS 13 nível institucional, a garantia do ‘contraditório’ – enquanto coparticipação, em ‘simétri- ca paridade’, dos destinatários das decisões nos procedimentos que as prepara; da ‘ampla defesa’ – como liberdade de argumentação e de negociação sob condições equânimes; da ‘fundamentação racional’– enquanto exigência de justificação ‘interna’ e ‘externa’ das deci- sões; e, enfim, do devido processo legal (e legislativo) – enquanto modelo constitucional de processo” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2017, p. 115-116). Atuação jurisdicional esta que (i) não deve substituir o processo democrático (CATTONI DE OLIVEIRA, 2016, p. 121), mas sim, retroalimentar a disputa interpretativa do sentido de e da Constituição a partir da garantia dos direitos fundamentais como constitutivos da democracia e do reconhecimento de novos sujeitos e novos direitos; e (ii) não se equivale a ouvir o clamor das ruas e manter uma suposta correspondência do sentido normativo do Direito às demandas de determina- dos setores da sociedade. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHA E SILVA, Diogo; BAHIA, Alexandre Melo Franco e CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O impeachment e o Supremo Tribunal Federal: história e teoria cons- titucional brasileira. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. BERGER, Raoul. Impeachment: the constitutional problems. Cambridge: Harvard Uni- versity, 1973. BLACK JR, Charles L. Impeachment a handbook. Yale University Press, 1974. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Contribuições para uma Teoria Crítica da Constituição. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: uma justi- ficação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. 3. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2016. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Processo constitucional. 3. ed. Belo Ho- rizonte: Fórum, 2016b. GERHARDT, Michael. Federal impeachment process: a constitutional and historical analysis. 2. ed. Chicago: Chicago University Press, 2000. HAMILTON, Alexander; MADSON, James; JAY, John. O federalista. Belo Horizonte: Líder, 2003. PÉREZ-LIÑAN, Aníbal. Presidential impeachment and new political instability in La- tin America. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. SALCEDO REPOLÊS, Maria Fernanda. Identidade do sujeito constitucional e controle 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?14 de constitucionalidade: raízes históricas da atuação do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2010. SAN JUAN, Ronald Ray K.; TIOJANCO, Bryan Dennis G. Impeachment. Oxford Ency- clopedia of Comparative Constitutional Law, 2016. Disponível em: <http://oxcon.ouplaw. com/view/10.1093/law-mpeccol/law-mpeccol-e311>. Acesso em: 10 mar. 2017. SUNSTEIN, Cass R. Impeachment: a citizens guide. Harvard University Press, 2017. TRIBE, Laurence. American constitutional Law. 3ª ed. New York: New York Foundation Press. 2010. CADERNO DE RESUMOS 15 ângela e otávio PRECARIADO E CIDADANIA: APONTAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS ÂNgElA VITóRIA ANDRADE gONçAlVES DA SIlVA1 OTáVIO lOPES DE SOuzA2 INTRODUÇÃO A mediação normativa, que havia sido constituída desde o período varguista – tan- to a justiça do trabalho, quanto os modelos legislados de regulação social – que parecia ser a regulação mais permanente e consistente entre Estado e classes e classes entre si, ao ser colocada em xeque por meio das reformas trabalhistas de 2017, traz à tona a tensão entre direitos sociais e uma nova classe em formação, o precariado. Além disso, a flexibilização desses direitos torna evidente as fissuras presentes no interior dessa classe, mas também faz questionar a própria força normativa3 dos direitos sociais como garantiasda classe traba- lhadora, para muito além de sua positivação. Por mais que haja um salto temporal entre o momento de criação da mediação normativa – a invenção do trabalhismo4 (GOMES, 2005) – e o surgimento do precariado enquanto fenômeno (BRAGA, 2012a, 2012b; STANDING, 2014), é possível vislumbrar a correlação entre o trabalhismo, os dilemas da precarização do trabalho como fenômeno e eventos mais contemporâneos. 1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares. Monitora de Direito Constitucional. Pesquisadora VIC/UFJF. E-mail: angelavitoriaandrade@hotmail.com. 2 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares. Membro do Centro de Estudos do Pensamento Político (CEPP/UFJF-GV). Pesquisador BIC/UFJF. E-mail: lopesdesouzaotavio@gmail.com. 3 Para Hesse (2009), a Constituição expressa mais um dever ser, na realidade social, impresso pela sua pretensão de eficácia e conformação. Dessa forma, quando se analisa a constitucionalização dos direitos sociais, tem-se que o texto constitucional age de maneira determinante em relação a essa realidade, sendo também definido por ela, em uma relação mútua, onde surgem essas tensões e questionamentos. 4 O grande marco do fenômeno do trabalhismo no Brasil é o trabalho A Invenção do Trabalhismo, de Ângela Maria de Castro Gomes. Em síntese, trata-se de uma defesa quanto ao fato de os direitos sociais também terem sido conquistados pela classe trabalhadora, em detrimento do entendimento de que foram simplesmente doados por parte do Estado. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?16 Diante do tema, um problema se apresenta: em que medida essas reformas de 2017 representam ainda mais um alijamento desse segmento e o seu assolamento à margem da so- ciedade e do seu status “cidadão”? Como seu surgimento, expansão e inquietação interferem na própria noção de cidadania pós-88? METODOLOGIA E ARGUMENTOS Antes de tecer mais considerações sobre a temática, é necessário realizar, para me- lhor compreensão do tema e do objetivo da pesquisa, esclarecimentos conceituais acerca das noções de precariado. Para Standing (2014, p. 23), tal fenômeno pode ser entendido como uma íntima relação entre o substantivo de “proletariado” e o adjetivo de “precário”. Sendo uma classe-em-formação, ele também é constituído por pessoas desprovidas de uma série de garantias relacionadas à segurança no emprego, segurança do trabalho e segurança de renda. Tais déficits em relação aos demais agrupamentos sociais influenciariam diretamente nas ca- racterísticas do grupo e no seu reconhecimento entre si. Para além das incertezas empregatícias, a precariedade é marcada pela falta de uma identidade, pautada no reconhecimento e baseada no trabalho, o que, em um primeiro mo- mento, obstacularizou a formação de uma consciência de classe por parte desse grupo social. Ademais, sua dispersão espacial e as condições de trabalho individualizadas tornariam difícil a formação de uma solidariedade de classe e formas de organização de ações coletivas. Desde a década de 1930, há um aumento significativo da chamada classe precaria- da, marcada pela presença de jovens, principalmente, sem qualificação específica para deter- minadas funções no trabalho. No entanto, não se limita a este perfil de pessoas. Para Alba Maria Pinto (2014, p. 230), essa nova classe, caracterizada por ser uma “multidão global em expansão”, constitui-se de (...) milhões de trabalhadores jovens-adultos com alta escolaridade, de- sempregados ou inseridos em contratos de trabalho precários que tran- sitam de uma ocupação para outra, quase sempre com baixos salários, sem projetos de vida e perspectiva de futuro. É uma multidão de jo- vens proletários assalariados, vinculados a camadas médias, com níveis elevados de qualificação profissional, entrando e saindo de empregos precários, a viver em situação de insegurança econômica e social, sem identidade ocupacional, sem garantia de direitos e tomados pelo senti- mento de ansiedade perante o futuro (PINTO, 2014, p. 230). Diferentemente da ideia de passividade relacionada a essa classe social, os precaria- dos demonstraram inquietação social ao longo de sua história. Todavia, por estarem aquém da reconhecida cidadania regulada5 (SANTOS, 1979, p. 75) ligada à noção de populismo, 5 Nas palavras de Wanderley Guilherme dos Santos (1979, p. 75): “Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação CADERNO DE RESUMOS 17 os direitos dessa nova classe social, como os previdenciários e trabalhistas, encontram-se constantemente submetidos à espoliação. Além do mais, essa concepção hermética de cida- dania fortaleceria a blindagem política construída no país ao longo dos anos, limitando ou mesmo afastando essas minorias de debates políticos. O simplismo das massas populares como parceiro-fantasma entre os anos de 1930 até 1964 implica compreender que elas “foram a grande força que nunca chegou a participar diretamente dos grandes embates, sempre resolvidos entre os quadros políticos dos grupos dominantes, alguns dos quais reivindicando para si a interpretação legítima dos interes- ses populares” (WEFFORT, 2003, p. 13), tendo apenas possibilidade de participação, que sempre foi blefada pelos parceiros reais. Todavia, a história cultural contribui para a ruptura dessa história oficial, levando-se em consideração que permite que seu resgate seja feito sem ser pelo seu viés de pensamento dominante, mas sim por meio das ideias, valores, crenças e comportamentos dos próprios trabalhadores brasileiros, inclusive no que se vinculam às políticas desse período. Por conseguinte, tem-se a desconstrução do viés obrigatório de que a legislação trabalhista se deu tão somente como uma “outorga” do Estado, sobretudo no caso de Vargas, em que a sua clarividência de se antecipar, voluntariamente, às demandas sociais e “outorgar” a legislação social significava, no mais das vezes, que ele estava apenas cumprindo um dever do Estado (GOMES, 2005, p. 227). Ressalta-se, ainda, que essa participação já acontecia mesmo antes de 1930 e, nor- malmente, com muita luta e manifestação da classe operária e de seus líderes. Nas palavras de Evaristo de Moraes Filho (1978, p. 196): Por este rapidíssimo escorço histórico dos nossos movimentos sociais proletários de antes da Primeira Grande Guerra e das leis trabalhistas que foram então promulgadas, já se pode ver que constitui exagero e grave ofensa aos trabalhadores brasileiros a constante afirmativa de que nada existiu antes de 1930, que toda a legislação a favor dos operários lhe fora graciosamente outorgada, sem nenhuma luta nem manifesta- ção expressa dos mesmos de que a desejavam (destaque nosso). Nesse sentido, compreender o processo de luta pelos direitos sociais como fruto de uma luta dos próprios trabalhadores – e não meramente como uma dádiva – auxilia na com- preensão do processo de constitucionalização dos direitos sociais no período varguista, com ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocu- pações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece. A implicação imediata deste ponto é clara: seriam pré-cidadãos todos os trabalhadores da área rural, que fazem parteativa do processo produtivo e, não obstante, desempenham ocupações difusas, para efeito legal; assim como seriam pré-cidadãos os trabalhadores urbanos em igual condição, isto é, cujas ocupações não tenham sido reguladas por lei”. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?18 reflexos nos dias atuais, como resultado de inúmeras influências, dentre as quais as memórias coletivas dos próprios trabalhadores, como dito, as raízes positivistas, tenentistas, socialistas, anarquistas e populistas, que não costumam ser esquecidas pela história oficial. Assim, é possí- vel entender o processo de constitucionalização como aprendizagem social sujeito a continui- dades, irrupções e tropeços, mas em constante devir (CATTONI DE OLIVEIRA, 2017). É factível perceber que, com as recentes modificações na legislação trabalhista, acompanhadas da terceirização e da subcontratação, a aceleração na precarização do traba- lho dá sinais de que o fenômeno do precariado não se delineou por completo no período de surgimento do trabalhismo, mas que segue se compondo ainda nesse cenário de crise estru- tural do capital e de contradições da ordem burguesa hipertardia6, ora aprofundando essas contradições, ora expondo a necessidade de se resgatar uma narrativa capaz de compreender e elaborar os mecanismos da ação proletária. Os trabalhos já realizados sobre as etnografias operárias e as revisitas arqueológicas ao fenômeno do proletariado interferem na compreensão de uma memória coletiva, que contribui para explicar o novo precariado que se forma, ora como continuidade da classe trabalhadora da década de 1930, ora como uma nova classe que se acomoda ao neodesenvolvimentismo. Sendo assim, compreender as narrativas de resistência, as memórias enquadradas7 e subterrâneas é o mesmo que tentar compreender o modo através do qual o precariado se forma e se projeta na economia e nas relações sociais atuais, tendo os direitos sociais como mediação. Ao se desvelar tais memórias, torna-se claro que o desmonte dos direitos traba- lhistas por meio das reformas trabalhistas de 2017 implicam, em larga medida, na descon- sideração das lutas históricas dos trabalhadores na conquista dos direitos garantidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, a qual já projetava direitos sociais devidamente positivados tão somente após o período de redemocratização, isto é, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. É justamente por isso que Ruy Braga (2012a), ao comentar sobre esses retrocessos, entende que estes implicam na perda da chamada cidadania salarial, sobre a qual se estabelecem os conjuntos de proteção dos trabalhadores frente aos abusos de seus empregadores. À frente da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (Conaete), Maurício Ferreira Brito alerta para o fato de que, “a depender do que se negocie, você pode legislar práticas de trabalho escravo” (MAGALHÃES, 2017). O problema é ainda maior quando estas são declaradas constitu- cionais. É o que aconteceu com o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição 6 Giovanni Alves tem trabalhado atualmente os conceitos de precariado e proletaróides para caracterizar camadas sociais da classe do proletariado próprias de um neodesenvolvimentismo que expõe as contradições da ordem burguesa hipertardia. Desse modo, o autor aponta as manifestações de junho de 2013 e o fenômeno do “rolezinho” como pró- prios dessas camadas sociais 7 Para Pollack (1989), a memória se expressaria a partir do processo coletivo de acontecimentos e das interpre- tações do passado que se desejaria resguardar. Assim, o enquadramento das memórias se expressaria a partir de “um denominador comum de todas essas memórias, mas também uma tensão entre elas, intervêm na definição de um consenso social e nos conflitos em um determinado momento conjuntural.” (POLLAK, 1989, p. 9-10). Assim, tra- tar das memórias subterrâneas é impulsionar essas interpretações do passado para além do “não-dito”, passando a ser identificada como uma contestação, ou mesmo reinvindicação. CADERNO DE RESUMOS 19 de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral reconhecida, em que 7 dos 11 ministros julgaram ser constitucional a terceirização da atividade-fim8, ainda que experiências como as de Brito apontem para o fato de que o “combate ao trabalho escravo mostra que todos os resgatados são contratados por intermediários que já são autônomos ou terceirizados, e quem contrata busca se esquivar da responsabilidade” (MAGALHÃES, 2017). CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, é plausível afirmar que o significado dessas reformas trabalhistas equivale a retrocessos no status cidadão, assim como na forma com que elas irão fomentar o crescimento do precariado, cujo segmento social é marcado por relações de insegurança e precarização no trabalho. Inseridas em uma lógica de mercadorização (STANDING, 2014, p. 50) das relações políticas e trabalhistas, essas transformações também foram orientadas por uma lógica mercantil características do atual governo golpista. Revestidos de um véu de legitimidade e legalidade, aquém de objetivar a concretização de direitos fundamentais e, consequentemente, concretizar as conquistas de uma democracia relativamente nova, essas reformas buscaram consolidar os interesses do patronato, tratando-se de um fato caracte- rístico de um golpe parlamentar, que pode ser entendido como um fenômeno típico das democracias representativas (SANTOS, 2017, p 13). Traçando um paralelo com a metáfora que Guy Standing (2014) utilizou para analisar o status cidadão desse segmento margina- lizado da sociedade enquanto habitantes, e não como cidadãos, esse grupo, em constante crescimento, há de ficar ainda mais à margem da sociedade. A despeito dos retrocessos empreendidos neste tempo de crise política, analisar o precariado como um segmento apartado da noção de cidadania é uma afronta ao texto cons- titucional. Isso porque, ao avaliar o processo de constitucionalização brasileiro do ano de 1988, que completa agora 30 anos, diferente da lógica de cidadania regulada empreendida anteriormente, tem-se uma noção ampliativa de cidadania, onde todas as pessoas humanas são partes dela, e não apenas aquelas que gozam da regulação do trabalho. A noção tradi- cional deixa de ser suficiente para analisar uma realidade pós-88, uma vez que o sentido da constitucionalização se relaciona diretamente com o exercício de disputa interpretativa por diversos grupos, a qual é aberta a lutas políticas diversas e plurais que, até mesmo por isso, englobam o precariado. Dessa forma, em um contexto democrático, de uma democracia sem espera (CATTONI DE OLIVEIRA, 2017, p. 111), abrem-se possibilidades ao futuro nos mais diversos moldes, permitindo que seja afirmada a condição cidadã dessa classe em formação e expansão. 8 Registra-se que a terceirização da atividade-fim é só um dos exemplos dentre outros que podem ser considerados (in)constitucionais, tais como o aumento das formas de contratação de profissionais autônomos e possibilidade de aumento de negociação da jornada de trabalho até 12h diárias. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?20 REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo; USP: Programa de Pós-Graduação em sociologia, 2012a. ______. A Rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul Global. São Paulo: Boitempo; Jinkings Editores Associados Ltda., 2012b. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Contribuições para uma Teoria Crítica da Constituição. 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CADERNO DE RESUMOS 21 áurea e menelick PERSPECTIVAS E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DO ARTIGO 68 DO ADCT: O PROCESSO DE RECONHECIMENTO E TITulAçAO DAS COMuNIDADES QuIlOMBOlAS áuREA BEzERRA DE MEDEIROS1 MENELICK DE CARVALHO NETTO2 A proposta de trabalho ora apresentada visa a demonstrar a importância da luta pelo reconhecimento dos territórios quilombolas na Constituinte de 1988, como resultado da atuação do Movimento Unificado Negro que alcançou incluir o seguinte comando no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias “Aos remanescentes das co- munidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. No entanto, trinta anos se passaram da promulgação da Constituição e a luta pela efetividade desse direito assegurado às comunidades quilombolas ainda não se tornou uma realidade para a maioria dessas comunidades. Com o objetivo de efetivar o referido artigo foi publicado o Decreto 3912/2001, que dava poderes à Fundação Cultural Palmares para certificar e conceder o título definitivo das referidas terras às Comunidades Quilombolas. No obstante, este decreto foi revogado pelo Decreto 4887/2003 que passou a com- petência para reconhecimento e titulação dos Remanescentes de Territórios Quilombolas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria INCRA, este decreto foi questiona- do por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239, julgada no Supremo Tribunal Federal em 6 fevereiro de 2018, sendo então, considerado constitucional. O tema está in- trinsicamente ligado à proposta do congresso a ser realizado cujo tema é 1988-2018 O que Constituímos? Homenagem a Menelick de Carvalho Netto nos 30 anos da Constituição. A pesquisa realizada, está baseada na análise dos Anais da Constituinte de 1988, do Decreto 3.912/2001, do Decreto 4.887/2003 e dos dados estatísticos da Fundação Cultural Palmares e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria INCRA. 1 Mestranda em Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cida- dania (PPGDH) da Universidade de Brasília, Professora do Instituto Ensino Superior de Brasília (IESB). aureabm0104@gmail.com. 2 Doutor em Direito, Professor da Universidade de Brasília na Faculdade de Direito, e do Programa de Pós Gra- duação em Direitos Humanos e Cidadania – PPGDH. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?22 Assembleia Nacional Constituinte, instaurada em 1986 teve uma grande participa- ção ativa dos movimentos sociais que contribuíram com propostas visando alcançar direi- tos, com o intuito de que as mesmas fossem acolhidas pelos Constituintes. Os movimentos sociais, segundo (Souza Junior, 2008) instauram um novo espaço público onde a sociedade passa a tematizar as suas mensagens e a traduzir as reivindicações em exigências de tomada de decisão política, passando a assim afirmar a autonomia conquistada no processo de luta, e a desse modo marcar decisivamente o próprio processo constituinte. Nos dizeres de (Rocha,2013), a Assembleia Nacional Constituinte baseada em seu regimento interno vivia de início, a fase da “Constituinte popular”, resultante de um arca- bouço de funcionamento altamente descentralizado, ensejando e trazendo para o interior do Congresso a participação de vasto rol de atores extraparlamentares principalmente os movimentos sociais mais diversos. Neste diapasão desponta o Movimento Unificado Negro3 que convocou a “Con- venção Nacional do Negro pela Constituinte”, encontro este que foi realizado em Brasília, nos dias 26 e 27 de Agosto de 1986, um ano antes do início do processo constituinte, no qual foi debatido uma pauta de reinvindicações dentre essas o questionamento das come- morações do dia 13 de maio, que para o movimento estava fundamentada em uma visão histórica comprometida com a branquitude, pois como demonstra (Rios,2012) com essa investida agressiva contra o 13 de Maio, o movimento não sepultava apenas uma data come- morativa alusiva à liberdade dos negros: introduzia-se na cena histórica um novo marco rei- vindicatório, que tinha em seu horizonte o igualitarismo. É nesse sentido que o movimento negro ergue a figura de Zumbi como símbolo da resistência negra. Não se trata apenas da troca simbólica de uma princesa branca por um guerreiro palmarino. Houve, em verdade, a assunção do tema da igualdade como bandeira política. A mudança das comemorações do 13 de maio para o 20 de novembro segundo (Gomes,2011) também tinha por objetivo personificar o momento histórico da luta de Zumbi dos Palma- res, em uma releitura da história da resistência negra, e de toda a escravidão vivida pelo negro a época, como também o de compreender o lugar da história e de sua verdadeira narrativa, nesse sentido (Guimarães,2007), diz que uma historização da memória, das formas como as sociedades se lembram, é parte de um exercício para compreender o lugar da história e da historicidade em determinada sociedade, essa é a mudança que o Movimento Unificado Negro pleiteava com o intuito de delimitar um novo marco na história da escravidão. Outrossim, conforme consta das discussões provenientes da Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, também foi ponto de defesa a titulação das terras ocupadas por negros remanescentes de quilombos fossem essas rurais ou urbanas, o que foi publicado no Diário da Assembleia Legislativa Nacional Constituinte de 9 de maio de 1987 na página 3 O Movimento Negro Unificado (MNU) é uma organização pioneira na luta do Povo Negro no Brasil. Funda- da no dia 18 de junho de 1978, e lançada publicamente no dia 7 de julho, deste mesmo ano, em evento nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo em pleno regime militar. O ato representou um marco referencial histórico na luta contra a discriminação racial no país. http://mnu.org.br/ Acesso em 19 de julho de 2018. CADERNO DE RESUMOS 23 531, no título IX Sobre a Questão da Terra: “Será garantido o título de propriedade da terra às comunidades negras remanescentes de quilombos, quer no meio urbano ou rural. Sendo assim, alguns Constituintes abraçaram as reinvindicações do Movimento Uni- ficado Negro, como a constituinte Benedita da Silva4, que apresentou a proposta defenden- do o direito à terra para as Comunidades Quilombolas registrada no Diário da Assembleia Constituinte de 29 de maio de 1987, vejamos: “Sabemos que existem, espalhadas pelo nosso território, comunidades negras isoladas, ameaçadas de expulsão de suas terras, apesar de ocu- pá-las, em muitos casos, desde o século passado. Também está comprovado que a maioria da população destituída de terras e que se concentra nas regiões mais pobres do meio rural é afro -brasileira” (Diário da Assembleia Nacional Constituinte, 29.05.1987, p. 25). No Brasil será a primeira vez que a condição de ex-escravos gera direitos à proprie- dade de suas terras de uma forma comunitária, como irá prevê a ConstituiçãoFederal de 1988, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias no artigo 68, que aos remanes- centes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras seja reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos, pois após a Abo- lição da Escravatura de 1888 não foram definidos preceitos legais que assegurassem o acesso à terra aos escravos libertos. No trabalho da Constituinte de 1988, as Comunidades Quilombolas tiveram os seus direitos defendidos e o artigo 68 da ADCT ficou definitivamente na Constituição Fe- deral, o constituinte originário a época teve o papel primordial de acolher os reclamos das Comunidades Quilombolas. Para Rosenfeld (2003), os revolucionários vitoriosos que assu- mem o papel de constituintes devem reforçar sua pretensão de ocupar o lugar do legítimo sujeito constitucional ao renunciarem a um significativo montante de poder, se submetendo às prescrições do Direito e ao se limitarem em face dos interesses fundamentais de outros. O Constituinte de 1988 respeitou os interesses fundamentais das Comunidades Quilombolas, o seu direito próprio e específico à Terra, o que ficou consubstanciado no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que ao trazer proteção aos remanescentes das Comunidades Quilombolas visou preservar a identidade cultural e cole- tiva intrínseca dessas comunidades vinculada a um passado de resistência e que se não fosse resguardado pela Constituição de 1988 tenderia a desaparecer. Importante salientar que, no que se refere ao reconhecimento e à titulação das terras das comunidades quilombolas constitucionalmente assegurados, José Afonso da silva defendeu o entendimento de que o referido artigo não exigiria nenhuma lei ulterior para a sua efetividade, ou seja, aos rema- nescentes dessas comunidades seria garantido de imediato a proteção de sua forma de vida diferenciada mediante a propriedade das terras por elas ocupadas, e vem para preservar essas formas de vida e dar dignidade àqueles até então ficaram à margem da história oficial. 4 A constituinte Benedita da Silva (PT/RJ), no dia 29.05.1987. Em uma das sugestões apresentadas à ANC, a parlamentar afirmou: “sabemos que existem, espalhadas pelo nosso território, comunidades negras isoladas, ameaça- das de expulsão de suas terras, apesar de ocupá-las, em muitos casos, desde o século passado” (Diário da Assembleia Nacional Constituinte, 29.05.1987, p. 25.Acesso em 19 de julho de 2018. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?24 A Constituição de 1988, ao reconhecer o direito à titulação definitiva das terras efe- tivamente ocupadas pelas Comunidades Quilombolas aportou um novo desafio para essas comunidades, pois é possível constatar nos dados da Fundação Cultural Palmares5, que em publicação recente divulgou haver hoje no Brasil um quantitativo de 3.051 comunidades já certificadas como remanescentes de Quilombos. E dessas, nos trinta anos de vigência da Cons- tituição, no entanto, apenas 133 obtiveram a titulação definitiva das terras por elas ocupadas. Esses dados revelam tanto a magnitude do patrimônio cultural constitucionalmen- te protegido quanto o grau da dificuldade encontrada no próprio processo de implemen- tação do direito assegurado a essas comunidades em prejuízo da preservação da diversidade e riqueza de nosso patrimônio cultural. As titulações de terras quilombolas teve seu marco inicial com o Decreto 3912/2001, e à Fundação Cultural Palmares6, tinha a competência para iniciar, dar seguimento e concluir o processo administrativo de identificação dos re- manescentes das comunidades dos quilombos, bem como de reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras por eles ocupadas, e assim o fez no período compreendido entre o ano de 2001 a 2003, concedendo o título definitivo a 17 Comunidades Quilombolas. No entanto, o referido Decreto foi revogado pelo Decreto 4.887/20037 que retirou da Fundação Cultural Palmares a competência de reconhecer e titular as Comunidades Qui- lombolas e repassa para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, que agora tem a competência para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pe- los remanescentes das comunidades dos quilombos. O retrocesso vai ser significativo, pois buscando base nos próprios dados do IN- CRA do período de 2003 a 2017 foram titulados apenas 116 Comunidades Quilombolas, sendo possível afirmar com base nesses dados, que a cada ano apenas sete comunidades re- 5 A Fundação Palmares em seu site .http://www.palmares.gov.br/comunidades-remanescentes-de-quilombos- crqs, especifica as comunidades que estão certificadas por Estados e Regiões e a data de sua certificação, é possível acompanhar também neste mesmo portal dados estatísticos de comunidades que estão aguardando a certificação e que já foram certificadas e tituladas pela própria Fundação Palmares. Até o ano de 2003, a competência para titulação territorial (identificação e delimitação dos territórios), na esfera federal, era da Fundação Cultural Palmares. Por força do Decreto 4.887 de 2003, essa competência passou a ser do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). 6 Decreto 3.912 de 10 de setembro de 2001, Regulamenta as disposições relativas ao processo administrativo para identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos e para o reconhecimento, a delimitação, a de- marcação, a titulação e o registro imobiliário das terras por eles ocupadas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Decreto/2001/D3912.htm. Acesso em: 08 de agosto de 2018. 7 ______________. Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003, Regulamenta o procedimento para identifica- ção, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, 21 nov. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm. Acesso em: 08 de agosto de 2018. CADERNO DE RESUMOS 25 ceberam o título definitivo de suas terras. Trazendo para um quadro comparativo, teríamos hoje, segundo dados da Fundação Cultural Palmares, 3051 comunidades certificadas como remanescentes de quilombos, neste ritmo em que o Incra está concedendo o título definitivo de terras, irá levar mais de 500 anos para a titulação apenas das Comunidades Quilombolas já certificadas. Este argumento encontra parâmetro quando buscamos o exemplo do Estado do Rio Grande do Norte que tem 22 Comunidades certificadas, e dessas apenas uma, a Co- munidade Quilombola de Jatobá8, teve o título concedido em 2017. Outrossim, iremos encontrar um quadro emblemático no Rio Grande do Norte na Comunidade Quilombola Macambira que teve seu reconhecimento como comunidade no ano de 2005, certificado este concedido pela Fundação Cultural Palmares e o processo de reconhecimento e titulação no INCRA foi aberto em 2006. No entanto, neste período de 2006 a 2018, a Comunidade sofreu ação de rein- tegração de posse, as suas terras foram ocupadas por uma empresa de energia eólica que implantou no local 283 torres de capitação de energia, tirando da comunidade uma parte significativa de suas terras, e apenas em 2016 foi publicado o decreto de desapropriação, e o processo ainda vai enfrentar novas fases, ou seja, conforme estabelecido em instruções nor- mativas do Incra seria o processo administrativo corresponde à regularização fundiária, com a desintrusão de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação e/ou pagamento de indenização e demarcação do território. Portanto, a efetividade do direito a titularidade definitiva das terras das Comuni- dades Quilombolas, tem sido comprometida com o uso de subterfúgios para inviabilizar e comprometer a aplicabilidade do Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-sitórias, com uma infinidade de ações que tramitam na justiça seja na esfera Federal ou Estadual, com o intuito de protelar e evitar a titularidade das terras das Comunidades Qui- lombolas, como também prazos infinitos nos órgãos responsáveis pela concessão dos títulos, neste caso especifico o INCRA. Outrossim, se não bastasse a base legal expressa no artigo 68 dos Atos das Dispo- sições Constitucionais Transitórias, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que integra a legislação brasileira desde 192, determina que os Estados signatá- rios, entre os quais o Brasil, adotem todas as providências necessárias para a eficácia daqueles direitos. Soma-se a isso a adesão do Brasil à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que também integra a ordem jurídica positiva brasileira e determina que sejam garantidos os direitos dos povos “cujas condições sociais, culturais e econômicas os distin- gam de outros setores da coletividade nacional”, como é o caso dos quilombos9. 8 http://http://www.incra.gov.br/noticias/rio-grande-do-norte-tera-primeira-comunidade-quilombola-titulada -ainda-este-ano. Acesso em 20 de julho de 2018. 9 http://terradedireitos.org.br/2009/03/23/direitos-constitucionais-dos-quilombos/(Dalmo de Abreu Dallari – Jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP) (Artigo publicado em 23/03/09, na Gazeta Mer- 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?26 Portanto, para que seja efetivado o direito das Comunidades Quilombolas é ne- cessário rever as competências concedidas ao Incra no que tange ao reconhecimento e à titulação das terras ocupadas por essas Comunidades, com vistas à efetivação dos direitos garantidos no artigo 68 da ADCT. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19 jul. 2018. _____. 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Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua – experiências populares emancipatórias de criação do Direito. Tese de Doutorado em Direito pela Faculdade de Direito da UnB. Brasília, 2008. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?28 Bruno e Maria AUSTERIDADE FISCAL E A DESNATURAÇÃO CONSTITUCIONAL: A POLÍTICA ECONÔMICA BRASILEIRA DOS ANOS 2008-2016 BRuNO RODRIguES VIEIRA1 MARIA ClARA FERNANDES FERREIRA2 O contexto brasileiro atual, é reflexo de uma mudança gradual no setor econômico e também da adoção de medidas por parte dos governos ao longo dos anos. A sociedade, foi impactada diretamente conforme tais mudanças aconteceram. Isto posto, o presente texto possui o objetivo de analisar como a evolução da economia do país ao longo dos anos, assim como as alterações no modelo normativo do país. No presente momento, com a celebração dos 30 anos da Constituição Federal, faz-se mister examinar se as intenções constitucionais têm sido mantidas. Em 2008, o cenário mundial era de crise: significativa parte dos países desenvolvi- dos eram afetados pela falência do banco estadunidense Lehman Brothers. No Brasil, entre- tanto, os efeitos ocasionados pela crise foram agudos e rápidos, pois uma série de medidas foram adotadas pelo Governo, como a linha temporária de crédito para exportações; inter- venções do Banco Central do Brasil no mercado cambial; estímulo à expansão do crédito por parte dos bancos públicos; aumento do período de concessão do seguro-desemprego e outras várias. Através da adoção dessas condutas, o governo brasileiro “conseguiu evitar uma deterioração mais drástica das expectativas, logrando êxito na recuperação econômica a par- tir de meados de 2009” (PAULA; PIRES, 2017, p. 127). Já em 2010, é possível observar o crescimento da taxa de investimento no país, que alcançou patamar próximo aos 20% do valor do PIB (IPEA, 2016). Essa ascensão repre- senta a intenção governamental da época de incentivo ao crescimento do país, que buscou ser realizado de forma distinta às reformas liberalizantes da década de 90, visto que as ações da época geraram resultados desiguais, uma vez que a expansão dos investimentos privados ficou restrita aos setores mais atraentes (ORAIR, 2016, p.17). Isto posto, foi constatado que 1 Discente do sétimo semestre da graduação em Direito na Universidade de Brasília (UnB). rivieirabruno@gmail.com 2 Discente do quinto semestre da graduação em Direito na Universidade de Brasília (UnB). mclaraffinfo@gmail.com CADERNO DE RESUMOS 29 a taxa de investimentos públicos, naquele momento, respondeu de forma favorável ao repo- sicionamento do governo e à flexibilização da política fiscal atraentes (ORAIR, 2016, p.17). O crescimento do PIB, naquele momento, chegou a 7,5%. A fase seguinte, se inicia em um cenário de abundante liquidez no mercado finan- ceiro internacional, em decorrência das políticas monetárias expansionistas adotadas pelos países mais desenvolvidos e à alta na taxa de juros doméstica. O receio de nova crise devido ao rápido aumento na oferta de crédito, levou o governo da época a adotar medidas ma- croprudenciais: o aumento da taxa de juros e redefinição de metas fiscais. A partir de 2011, houve decrescimento do desempenho econômico, principalmente como resultado do mau desempenho na formação de capital bruto. O produto industrial do Brasil já estava se ate- nuando e o coeficiente de importações ainda aumentava, enquanto a economia doméstica mantinha-se estagnada (PAULA; PIRES, 2017, p. 129-131). A desaceleração econômica era o panorama principal dos anos 2013 e 2014, que pode ser atribuída a múltiplas causas, assim como falha na condução da política econômica; fatores políticos, como as manifestações de 2013; internacionais, uma vez que houve rápida queda nos preços das commodities e fatores institucionais e jurídicos, resultado da operação Lava Jato, que trouxe consequências a setores como petróleo e gás (ROSSI; MELLO, 2017, p.2). Ainda, a forte presença de investimentos do governo em projetos como o Minha Casa Minha Vida e subsídiosaos empréstimos do BNDES, impactaram diretamente na receita do país e o setor privado de investimentos não respondeu em conjunto. Destarte, houve diminuição na arrecadação e os investimentos sociais mantiveram suas taxas de crescimen- to. O baixo crescimento e a baixa arrecadação em conjunto com a permanência de gastos crescentes, trouxeram o Brasil a um cenário desfavorável, levando à tomada de decisões significativas que se mostraram ineficazes, como a adoção de uma nova política fiscal de reclassificação dos investimentos em setores prioritários como saúde, educação e segurança (ORAIR, 2016, p.25-28). O contexto do Brasil em 2015-2016, foi resultado do conglomerado de vários fato- res, como o aumento da taxa de juros Selic, crise hídrica, desvalorização da moeda em con- junto com aumento do desemprego, queda da renda, concentração do mercado de crédito. O investimento econômico público, que em 2014 era cerca de 7%, em 2015 chegou a um valor negativo superior a 30%. O PIB nesse período se manteve na casa dos -3,5% ao ano (IPEA, 2016). Em 2016, o novo governo que assumia trouxe uma nova estratégica econômica, que “passa a privilegiar as reformas estruturais em detrimento do ajuste de curto prazo, seguindo a mesma lógica da austeridade; de desregulamentação econômica, liberalização financeira, redução do gasto público e do tamanho do estado” (ROSSI; MELLO, 2017, p.5). Entretan- to, as tentativas não se mostraram tão bem-sucedidas quanto esperado, como se mostra no PIB de 2017, que não ultrapassou 1%. 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?30 Recentemente tem se vivido no Brasil momentos onde a auto regulação do setor financeiro e a ainda, a mitigação da intervenção estatal e a decorrente redução de investi- mentos públicos fossem valores fundamentais da política econômica nacional, que além de ocasionar um mau desempenho econômico corroboraram com a perpetuação das desigual- dades socioeconômicas presentes no país. Como mencionado, nos últimos anos sobretudo a partir de 2016, houve a inten- sificação da discussão normativa tendente a reduzir prestações estatais positivas e modificar as garantias consolidadas dos trabalhadores sob o pretexto de promover a recuperação da economia nacional. Em relação a redução da atividade financeira estatal, destaca-se a aprovação da emenda constitucional 95/2016 que estabeleceu o novo regime fiscal, atualmente em vigor. A partir dessa medida sedimenta-se a política de austeridade que prevalece no Brasil desde 2016, com vigência de 20 anos. Tal política, apresentada como única alternativa ao déficit das despesas públicas presentes no país à época (PERES; SANTOS, 2016) acarreta no desaquecimento da econo- mia, que pode ser compreendido através de uma explicação simplificada: se os gastos gover- namentais representam renda para o setor privado fica clara a relação de proporcionalidade entre os dois, assim, uma diminuição do primeiro implica na redução do segundo, que con- fiaria seu desempenho na sua pretensa capacidade de auto regulação. No âmbito social os impactos do atual regime fiscal são também alarmantes, pois fomentam a perpetuação da desigualdade que historicamente caracteriza a sociedade brasi- leira. A perpetuação justifica-se, pois, a partir da sua instauração do novo regime fiscal houve a redução de despesas com educação e saúde públicas3, que tem como principal usuário a população mais pobre do país onerada também com a redução da possibilidade de aumento de sua renda, através da nova metodologia de reajuste do salário-mínimo (ALESSI, 2016). Dessa forma, questiona-se mais uma vez a adoção da Emenda Constitucional 95/2016: como se pôde esperar levando em considerando as projeções feitas (ROSSI; DWE- CK, 2016) e ainda a experiência comparada (STIGLITZ, 2017) que uma política de di- minuição dos gastos públicos poderia ocasionar uma melhoria do cenário econômico? e ainda assim, mesmo que vislumbrada à possibilidade de acerto de tal política como se pode considerar quaisquer efeitos benéficos de adoção de medidas, que na prática, acarretam na 3 No Brasil, o mínimo para os gastos públicos com educação, estabelecido pelo Artigo 212 da Constituição Federal, é de 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI). Já o mínimo para a saúde foi modificado recentemente por meio da Emenda Constitucional 86, que estabelece um percentual da Recente Corrente Líquida (RCL) de forma es- calonada, 13,2% da RCL em 2016, 13,7% em 2017, 14,2% em 2018, 14,7% em 2019 e 15% a partir de 2020. Já a PEC 55 prevê que em 2017 o gasto com educação será 18% da RLI, o gasto com saúde será 15% da RCL e, a partir de então, ambos terão como piso o gasto em 2017 reajustado pela inflação. Ou seja, o gasto federal real mínimo com saúde e educação será congelado no patamar de 2017. Comparando as regras atuais com o mínimo estipulado pela PEC, percebe-se que o piso previsto por ela é, na verdade, um piso deslizante. Isto é, ao longo do tempo o valor míni- mo destinado à educação e saúde cai em proporção das receitas e do PIB. (ROSSI, DWECK, 2016). CADERNO DE RESUMOS 31 redução da possibilidade do exercício de direitos sociais consagrados no ordenamento jurí- dico brasileiro, em detrimento de medidas alternativas existentes com efetivo potencial de resolução do cenário de crise? (PERES; SANTOS, 2016) A perversão dessa medida é ainda agravada considerando a estrutura tributária no- tadamente regressiva do Brasil (GASSEN; D’ARAÚJO; PAULINO, 2013). Assim além de ser atingida diretamente pelas últimas decisões de política econômica adotada a população pobre ainda contribuem mais que proporcionalmente para manutenção da estrutura estatal, que mantém os privilégios da população rica, que contribui menos que proporcionalmente através da tributação e alheia aos impactos negativos da política econômica neoliberal. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho buscou explicitar a desnaturação constitucional vivida nos últi- mos anos no Brasil sob o pretexto de melhoria do cenário econômico. Nesse processo perde- se cada vez mais a possibilidade de materialização de garantias fundamentais individuais em prol da pretensa busca do bem-estar coletivo que efetivamente favorece as elites, que graças ao apontado, gozam da manutenção do status quo. A Constituição Federal, traz como pilar, a in- tenção de consolidar na sociedade brasileira a concretização de garantias fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a solidariedade. O contexto de liberalização da economia nacional e as mudanças analisadas, entretanto, não se mostram como formas de as- segurar tal alicerce. Dessa forma, a reflexão central ora feita, é quanto ao rumo que está sendo traçado, dando indícios de desvio do objetivo constitucional de garantir o equilíbrio social através do cumprimento das previsões positivadas no ordenamento jurídico brasileiro. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALESSI, G. Entenda o que é a PEC 241 (ou 55) e como ela pode afetar sua vida. El País. dez. 2016. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/10/politi- ca/1476125574_221053.html>. ARANTES, D.; LEMOS, M. Em defesa da justiça do trabalho, do direito do trabalho e da CLT: Os ataques e as ameaças da reforma trabalhista. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 83, n. 1, p.89-113, jan a mar. 2017. Trimestral. DIEESE. Nota Técnica - A Reforma Trabalhista e os impactos para as relações de trabalho no Brasil. Número 178. Mai. 2017. 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CADERNO DE RESUMOS 33 Ernane TENTRE NARRATIVAS DE RESSENTIMENTO E URGêNCIA: RISCOS PARA A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ERNANE SAllES DA COSTA JuNIOR1 INTRODUÇÃO A palavra crise, pelo menos no Brasil, é uma daquelas utilizadas de forma corren- te por figuras públicas e pela impressa para traduzir, por vezes, um estado de turbulências e de desconforto com o cenário vigente. Concebido dessa forma, o termo faz referência, muitas vezes, aos problemas e contratempos no interior de uma ordem política e, portanto, a tensões e desafios a serem enfrentados na própria lógica interna das democracias contem- porâneas. É nesse sentido que a sua apropriação rotineira implica, por um lado, a própria banalização da ideia de crise e, em outro, o esvaziamento do seu sentido. Considerando seu significado mais preciso, aquele proveniente dos dicionários de língua portuguesa2, tem-se que crise indica “mudança súbita ou agravamento que sobrevém no curso de uma doença aguda” ou “conjuntura ou momento perigoso” ou mesmo “desacordo que obrigado institui- ção ou organismo a recompor-se ou a demitir-se”. Remete, portanto, a uma anormalidade que conduz à ideia de um momento de transição ou ruptura. Partindo dessa noção tecnicamente mais afinada do termo, há razões para enxergar, mesmo sob uma aparente normalidade institucional, traços de uma verdadeira “crise consti- tucional” na conjuntura político-jurídica brasileira pelo menos desde o “impeachment” da ex presidente Dilma, sem correr o risco de uma banalização ou instrumentalização ideológica do termo. Trata-se de uma “crise”, primeiramente, porque coloca em evidência a excepcio- nalidade e o rompimento como chave de resolução dos problemas. Ela é “constitucional”, porque é a Constituição de 1988 que está colocada à prova, sua função está em risco e “os procedimentos ordinariamente disponíveis para o enfrentamento de impasses e discordân- 1 Pós-doutorando em Direito Constitucional pela UFMG, doutor em Direito pela mesma instituição e mestre em Teoria do Direito pela PUC-MG com a distinção magna cum laude. Realizou estágio doutoral com bolsa san- duíche da CAPES no instituto Fonds Ricoeur, vinculado a École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Professor de Filosofia do Direito e Direito Constitucional, profernanesalles@gmail.com 2 Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/crise Acesso em 15/05/2018 1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?34 cias não são suficientes para resolver o impasse político” (PAIXAO, 2018). Pelo menos desde 2016, um plano de reformas do governo Temer, especialmente a Emenda n.95 que impõe o congelamento dos gastos públicos, inclusive em áreas sociais prioritárias como saúde e educação, nos próximos vinte anos, implicou o recuo das políticas públicas e, portanto, mi- tigação dos direitos sociais da Constituição, que compreende seu núcleo fundamental. Tendo em vista, portanto, que a expressão “crise constitucional” é adequada para traçar o diagnóstico desse atual quadro político-jurídico brasileiro, a pesquisa em questão visa, primeiramente, demonstrar que, embora se expresse em 2016 com o “impeachment”, essa crise não se instaurou ali, havendo desde já um pano de fundo intersubjetivamente compartilhado, legado das jornadas de junho de 2013, e que pode ser percebido numa potencialização da narrativa do atraso nacional, isto é, numa crescente adesão ao discurso desqualificador da política, do Estado e, obliquamente, da Constituição. Seguindo esse ar- gumento, a proposta será ainda de ratificar a tese segundo a qual tal crise se expressa numa nova consciência histórica que se firmou ali e que se configura, por sua vez, numa nova rela- ção entre tempo e Constituição cujo traço mais marcante é o da aceleração, entendido como um surto de impaciência e urgência contra o projeto constitucional que abre caminho para sua desfiguração e retrocessos sociais. METODOLOGIA A presente investigação é fruto do projeto de pesquisa na residência pós-doutoral, em realização no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, sob a supervisão do professor titular de Direito Constitucional, Marcelo Cattoni. Trata-se de pesquisa biblio- gráfica, interdisciplinar (dialogando, em particular, com categorias da teoria da história, da sociologia e da teoria Constitucional) e se desenvolve na vertente metodológica jurídi- co-sociológica, pois se propõe a compreender um fenômeno jurídico específico – no caso um estudo em particular da Emenda Constitucional n.95 do teto dos gastos públicos –, no ambiente social mais amplo, especialmente em relação à noção de consciência histórica pós- junho de 2013. Tal noção é interpretada à luz de autores como Koselleck (2006) e Ricoeur (1994; 1997; 2007). Entende-se por consciência histórica o modo como uma sociedade se situa no tempo que se articula num jogo de tensões que só se realiza no presente entre duas catego- rias – meta-históricas – que são o “espaço de experiência”, entendido como um conjunto de heranças e o modo como percebemos, consciente ou inconscientemente, as vivências e como organizamos, narrativamente, as visões do passado, e o “horizonte de expectativa”, aquele sobre o qual se projetam as previsões, as antecipações, os temores e a esperança, até mesmo as utopias que dão o conteúdo ao futuro histórico. Especificamente para a pesquisa em questão, identifico a crise constitucional como expressão de uma crise dessa consciência histórica – especialmente delineada nas jornadas de junho de 2013 –, na medida em que está atrelada, de um lado, ao encurtamento da experiência político-constitucional brasileira e, de outro, à hipertrofia do horizonte de expectativa. Em outros termos, a narrativa res- CADERNO DE RESUMOS 35 sentida da corrupção do Estado e da inefetividade e ingovernabilidade da Constituição de 1988 como única forma de leitura da tradição política nacional, que se fortaleceu desde as manifestações
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