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Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A PROCESSO PENAL I – NESTOR TÁVORA INTRODUÇÃO DO CPP 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.2. Enquadramento O direito processual penal regula a persecução penal. Esta, em apertada síntese, consiste na perseguição do crime, que é composta pelas seguintes etapas: Inquérito; Processo. 1.3. Sistemas processuais Temos três sistemas processuais no mundo. Há o inquisitivo, o acusatório e o misto. O Brasil adota o sistema acusatório, pois Fux suspendeu a aplicabilidade do artigo 3º-A do CPP. Na Santa Inquisição havia o sistema inquisitivo, em que uma só autoridade exercia todas as funções do processo, onde normalmente a sentença era a queima da fogueira. Ou seja, a própria autoridade acusava, defendia e julgava, dotando-se de plena verdade. Nós no Brasil adotamos o sistema inquisitivo em vários momentos. O CPP entrou em vigor em 1942, com a CF/37. Adotamos um código de inspiração fascista (Mussolini). Em 1988 convencionamos que o MP passou a ser o órgão de acusação oficial, com o intuito de retirar o juiz e o delegado da função de acusar. Então houve a separação de função. O Poder Judiciário, então, como um órgão supra partes, imparcial. Trouxe-se, então, a figura dos juízes das garantias. Ele vai atuar na fase do inquérito, despachando com a autoridade. Esse juiz estará impedido de atuar na fase do processo, pois ele tem a ruptura da sua imparcialidade. Há um juiz Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A atuando na fase preliminar. Assim, ele está impedido de atuar em outra fase do processo. O que fizeram? Suspenderam isso (Fux). Teria uma fase preliminar investigativa presidida por um juiz, e depois uma fase processual presidida por outro juiz e com a essência do contraditório e ampla defesa. Esse juiz preliminar é o juiz que investiga, não é o juiz das garantias. 1.3.1. Sistema inquisitivo É caracterizado pela concentração de poder em uma só autoridade, usualmente se antipatizando com o contraditório, ampla defesa, com a imparcialidade e com a paridade de armas. Ou seja, funções de acusar, defender e julgar em uma figura única (juiz). Aqui o que se vê é a mitigação dos direitos e garantias individuais, em favor de um pretenso interesse coletivo de ver o acusado punido. O discurso de fundo é a efetividade da prestação jurisdicional, a celeridade e a necessidade de segurança, razão pela qual o réu, mero figurante, submete0se ao processo numa condição de absoluta sujeição, sendo em verdade mais um objeto da persecução do que sujeito de direitos. Isto é, neste sistema, os interesses de um indivíduo não podem se sobrepor ao interesse maior, o coletivo. O Código de Processo Penal de 1941 seguiu essa linha de raciocínio, inspirado que foi pelo Código Rocco, da Itália, de inspiração fascista. O Brasil tem resquícios do sistema inquisitivo, como, por exemplo, no que se refere á gestão probatória, eis que o art. 156, inciso I, CPP, confere ao magistrado, notadamente, a possibilidade de ordenar, de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. Este dispositivo é de duvidosa constitucionalidade no âmbito doutrinário. 1.3.2. Sistema acusatório Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A Com origem que remonta ao Direito grego, o sistema acusatório é o adotado no Brasil, de acordo com o modelo plasmado na CF/88. Ele revela a separação das funções de acusar, defender e julgar. Exigimos um juiz imparcial (não é neutro) que respeite a paridade de armas, o contraditório e a ampla defesa. Isto é, a CF/88 estabeleceu o MP com a função privativa de promover a ação penal, deixando nítida a preferência por esse modelo, que tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos. Aqui, os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade regem todo o processo. O órgão julgador é dotado de imparcialidade e o sistema de apreciação das provas é o do livre convencimento motivado. OBS: O que diferencia o sistema acusatório do inquisitório, efetivamente, é a posição dos sujeitos processuais e a gestão de prova, não sendo mais o juiz, por excelência, o seu gestor. OBS: Não adotamos um sistema acusatório puro, mas sim um não ortodoxo, pois o magistrado não é um espectador estático na persecução, tendo, ainda que excepcionalmente, iniciativa probatória, e podendo, de outra banda, conceder habeas corpus de ofício. Extrai-se o sistema acusatório não ortodoxo do artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, e do artigo 3º-A, do CPP, suspenso por medida liminar do Ministro Luiz Fux. OBS: O sistema é não ortodoxo em razão do permissivo legal da atuação de ofício na fase processual (já que o pacote anticrime retirou essa atuação na fase do inquérito). Destaca-se que a existência do inquérito policial não descaracteriza o sistema acusatório, pois se trata de uma fase pré-processual, que visa dar embasamento à formação da opinião delitiva pelo titular da ação penal, onde não há partes, contraditório ou ampla defesa. Por fim, em que pese o CPP seja inspirado preponderantemente em princípios inquisitivos, a sua leitura deve ser feita à luz da Constituição, pelo que Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A seu modelo de processo deve se adequar ao constitucional acusatório, corrigindo os excessos inquisitivos. 1.3.3. Sistema misto Tem suas raízes na Revolução Francesa. Caracteriza-se por uma instrução preliminar, secreta e escrita, a cargo do juiz, com poderes inquisitivos, no intuito da colheita de provas, e por uma fase contraditória (judicial) em que se dá o julgamento, admitindo-se o exercício da ampla defesa e de todos os direitos dela decorrentes. A persecução penal se divide em: 1. Investigação preliminar, a cargo da polícia judiciária; 2. Instrução preparatória, patrocinada pelo juiz instrutor; 3. Julgamento: só este último, contudo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa; 4. Recurso: normalmente há o “recurso de cassação”, no qual se impugnam apenas as questões de direito, mas também é possível o “recurso de apelação”, no qual são impugnadas as questões de fato e de direito. Assim, teremos uma fase preliminar inquisitiva presidida pelo magistrado e outra processual respeitando o contraditório e a ampla defesa. 1.4. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO ESPAÇO A lei processual penal pátria é informada pelo princípio da territorialidade absoluta. Logo, tem aplicação a todos os processos em trâmite no território nacional (locus regit actum). Todavia, excepcionalmente, a lei autoriza a incidência de outros diplomas normativos: “Art. 1º. O processo penal reger-se-á em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I – os tratados, as convenções e as regras de direito internacional.” É o caso, por exemplo, de agentes diplomáticos aqui acreditados, como embaixadores, secretários de embaixada, bem como seus familiares, além dos funcionários de organizações internacionais, tal qual a ONU, terão a aplicação da Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A lei material do seu respectivo país, e por via de consequência, o processo lá tramitará. O exercício do processo penal é caracterização clássica de soberania. Por exemplo, se os EUA emitirem Carta Rogatória por crime de brasileiro lá, a citação será de acordo com a norma processual brasileira. Uma coisa é afirmar que se aplica a lei processual brasileira no nosso território, outra coisa é afirmar que toda legislação processual está aglutinada no CPP. Não há no Brasil codificação única. Além do CPP, há outro Código de Processo Penal, que é o Militar. Ou seja, há inúmeras leis especiais que trazemo “submundo” verdadeiro do crime. O CPP é a base. Há, pelo menos, trinta leis especiais importantes. Seguimos o princípio da territorialidade absoluta, já que a legislação processual pátria é aplicada em nosso território, aglutinando o CPP e os outros diplomas normativos (art. 1º, do CPP). OBS: Em razão do princípio adotado, a lei processual brasileira não tem, ao contrário do que ocorre com a lei penal, extraterritorialidade (art. 7º, CP). Contudo, a doutrina aponta exceções a esta possibilidade. 1.5. INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL Ao contrário do direito penal, o processo penal vai tolerar interpretação extensiva e analogia. Nós não indagamos se essa interpretação é a favor ou contra o réu, ou seja, interpretação extensiva amplamente difundida. Exemplo: se o promotor oferece denúncia, se o juiz rejeitar a denúncia, cabe recurso de sentido estrito. Se durante o processo o promotor aditar a petição inicial para incluir outro réu, e o juiz não deferir, a lei não diz que cabe recurso. Mas se pode o mais, pode o menos, até porque o aditamento é uma micro petição inicial. Em outras palavras, admitimos amplamente interpretação extensiva, analogia e aplicação dos princípios gerais do direito (artigo 3º, CPP). Isto é, trata- se de uma interpretação sistemática, em que as normas fazem parte de uma comunidade, inter-relacionando-se. Assim, a interpretação sistemática leva em Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A conta a norma colocada num todo, é dizer, como integrante de um ordenamento jurídico. 1.6. LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO A argumentação de retroagir apenas para beneficiar o réu, diferentemente do Direito Penal, não cabe aqui, pois no processo penal é um direito de emergência. Então a nova lei processual penal tem uma aplicação imediata, emergencial, pouco importando se vai beneficiar ou não o réu. Aplica-se o isolamento dos atos processuais, ou seja, os atos anteriores são válidos, mas os posteriores serão regidos pela lei processual nova (tempus regit actum). A nova lei processual tem aplicação imediata, pouco importa se benéfica ou maléfica (art. 2º, CPP). OBS: Para Antônio Vieira e Paulo Queiroz, em posição minoritária, se a nova lei processual é maléfica deveremos aplicá-la tão somente aos casos futuros. OBS: Seguimos o princípio do tempus regit actum, ou seja, o ato processual é regido pela lei em vigor no momento da sua implementação. OBS: A lei nova que apresenta caráter híbrido, isto é, traz, a um só tempo, conteúdo de matéria penal e processual penal, deverá prevalecer o aspecto penal, já que não pode haver cisão. Assim, se for benéfico, a lei retroagirá. No tocante ao aspecto processual, terá aplicação imediata, preservando-se os atos praticados quando da vigência da norma anterior. Se a parte penal for maléfica, anova norma não terá nenhuma incidência aos crimes ocorridos antes de sua vigência e o processo iniciado, todo ele, será regido pelos preceitos processuais previstos na lei antiga. OBS: O recurso é regido pela lei processual vigente no nascimento da pretensão recursal, que ocorre quando a decisão é publicada. A decisão é publicada em mãos do escrivão, no momento em que o juiz a entrega com o correspondente protocolo. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A INQUÉRITO POLICIAL E SISTEMAS PRELIMINARES DA INVESTIGAÇÃO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.2. PAPEL DA POLÍCIA Ela ganhou enfoque do artigo 144 da Constituição Federal e também é tratada na Lei 12.830/2013. A matéria foi bifurcada. Dois braços da polícia: administrativa/ostensiva, aquela que atua próximo à sociedade; anda fardada; com a sua presença física almeja inibir a prática de um delito. Em suma, o papel da polícia administrativa, tem tipicamente a atuação de prevenção. A principal referência é a Polícia Militar, mas não só. Há a Polícia Rodoviária, Ferroviária e Marítima. Dessa forma, subdivide-se o papel da polícia em preventivo e repressivo. Então falar de polícia, primeiro destaca-se: Polícia Administrativa/ostensiva: ela tem um típico papel de prevenção, materializado pela atuação da Polícia Militar, Polícia Rodoviária, Polícia Ferroviária e Polícia Marítima. Visa impedir a ocorrência de infrações. Por mais eficiente que seja, fatalmente as infrações penais irão acontecer. Brasil é o país com maior prática de infração penal no mundo. Daí vem o segundo braço da polícia: Polícia Judiciária/Civil (estadual ou federal): de atuação repressiva, que age, em regra, após a ocorrência de infrações, visando angariar elementos para apuração da autoria e constatação da materialidade delitiva. Hoje, ela é estruturada por delegados de carreira. Isto é, concursados, bacharéis em direito e com tratamento protocolar similar ao das demais autoridades (art. 3º, Lei 12.830/12), que foi conferido pela aludida lei, que foi gerida do berço da polícia federal. Então, em tese, o que se quis foi prestigiar a polícia e isso foi feito. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A OBS: A função da Polícia Civil aglutina duas: (a) auxiliar o Poder Judiciário, isto é, vai realizar diligências, cumprir mandados etc.; e (b) é a Polícia Civil que vai elaborar o inquérito policial. A única autoridade responsável pelo inquérito policial é o delegado de polícia. Então, em suma, cabe à Polícia Civil auxiliar o Poder Judiciário e elaborar o inquérito policial. 2. CONCEITO E FINALIDADE DO INQUÉRITO (AURY LOPES JUNIOR) Segundo Nestor Távora, o inquérito policial é um procedimento de caráter instrumental, cujo fito é o de esclarecer previamente os fatos tidos por delituosos antes de ser ajuizada a ação penal. Sua importância verifica-se pelo fato de ser cediço que o processo penal fere o status dignitatis do acusado. Daí que de sua instrumentalidade decorrem duas funções: Preservadora: embora o inquérito não seja obrigatório, sua instauração é apta à precaução contra ações penais temerárias, sem justa causa ou infundadas, com vantagens à economia processual; Preparatória: colige elementos de informação, protegendo a prova contra a ação do tempo e conferindo robustez à justa causa para a ação penal. OBS: O inquérito policial visa carrear elementos de informação, que são diferentes de elementos de prova. A prova é constituída formalmente quando sua formação perpassa por todas as suas etapas, especialmente pelo crivo do contraditório perante o juízo competente. Assim, como as “provas” colhidas no inquérito policial são produzidas pela autoridade policial, não havendo, em regra, contraditório, tecnicamente são chamadas de elementos de informação. Para AURY LOPES JR.: a) Inquérito é um procedimento administrativo preliminar. OBS: As regras do procedimento administrativo lato sensu são usualmente aplicáveis ao inquérito. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A OBS: O inquérito antecede o processo, mas é um procedimento dispensável, ou seja, é possível que haja processo sem um processo preliminar. b) Presidido pela autoridade policial, isto é, o delegado de polícia. Exceção: quando magistrado comete crime, quem preside o inquérito é outro membro da magistratura. OBS: Cabe ao delegado a presidência do inquérito policial (art. 2º, parágrafo primeiro, da Lei 12.830/13), sem prejuízo da existência de outros tipos de inquérito, presididos por autoridades distintas. c) Tendo por objetivo apurar a autoria, a materialidade delitiva e as circunstâncias da infração. Então apurar quem é o criminoso, se o crime aconteceu e as circunstâncias dessa conduta. Assim, materialidade é sinônimo de existência, revelada pelos vestígios, realizada pelo exame de corpo de delito. Corpo de delito não é necessariamente um cadáver, é qualquer vestígio deixado pelo crime, ainda que não seja em um corpo efetivamente (exemplo: porta quebrada é corpo dedelito). OBS: A materialidade significa a existência da infração. Os vestígios deixados pelo crime são chamados de corpo de delito e a perícia realizada é rotulada de exame de corpo de delito (art. 158, CPP). OBS: O crime que deixa vestígio é chamado de não transeunte ou intranseunte. d) Com prazo e) Tendo por finalidade contribuir na formação da opinião delitiva do titular da ação. Opinião delitiva nada mais é do que convencimento; senso crítico jurídico. O titular da ação (MP), analisando o inquérito, vai construir a opinião delitiva, formular o senso crítico, quanto a deflagrar ou não deflagrar um processo criminal. Então um inquérito é uma peneira, um filtro, contribui para aqueles que Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A concorreram para um crime sejam processados, mas também evita que pessoas inocentes sejam injustamente alocadas no polo passivo de uma ação penal. OBS: Hoje está em vigor o acordo de não persecução penal, que significa que em crimes com pena mínima menor do que quatro anos, o promotor está autorizado a oferecer o suposto autor do crime, uma medida alternativa, uma prestação pecuniária, que vai de 1 a 360 salários mínimos. OBS: Percebe-se que o inquérito servirá para convencer o titular da ação quanto ao início (ou não) do processo. Além disso, o inquérito é uma rica fonte para celebração do acordo de não persecução penal (dispositivo vigente desde janeiro de 2020, art. 28-A, do CPP). OBS: Para adotar qualquer medida cautelar, necessária a justa causa (lastro probatório dando sustentabilidade à uma medida cautelar), ou seja, indícios de autoria e materialidade para decretar prisão preventiva, busca e apreensão, sequestro de bens etc. E normalmente consegue-se esse lastro no inquérito policial. Então este serve de base, usualmente, para que sejam adotadas medidas cautelares durante a persecução penal. Se as cautelares forem adotadas na fase investigativa, será adotado pelos juízes das garantias. Assim, o inquérito serve, ainda, ao fornecimento de justa causa (lastro probatório mínimo) para a adoção de medidas cautelares durante a persecução penal. 2.1. NATUREZA JURÍDICA DO INQUÉRITO A persecução penal é composta pelo processo e pela investigação preliminar. Então a natureza jurídica do inquérito é saber onde enquadrá-lo que, no caso, é na investigação preliminar. Então o inquérito é enquadrado como um procedimento administrativo preliminar de caráter informativo. Em suma, nas palavras de Nestor, “o inquérito é um procedimento de índole eminentemente administrativa, de caráter informativo, preparatório da ação penal. Rege-se pelas regras do ato administrativo em geral”. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A 2.2. DESTINATÁRIOS DO INQUÉRITO POLICIAL Os elementos de informação servem à formação da opinio delicti. Os destinatários imediatos ou diretos do inquérito são o Ministério Público ou o ofendido (e, eventualmente, os sucessores processuais deste). Por outra via, o juiz será, restritamente, destinatário mediato ou indireto. Com o advento do juiz das garantias, como será ele que vai deliberar sobrea a admissibilidade da inicial acusatória, despachar com a autoridade investigante, Ministério Público e defesa, resolvendo sobre toda e qualquer medida da fase investigativa, Nestor admite ser ele o destinatário indireto ou mediato da investigação. OBS: Com relação ao Tribunal do Júri, Nestor entende que os jurados não são destinatários, sequer indiretos, dos elementos de informação do inquérito, a não ser de forma limitada às provas periciais irrepetíveis. Isso porque a decisão dos jurados não pode ser influenciada pelo inquérito policial. 3. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO Elas vão evidenciar a sua natureza jurídica. Permitirão diferenciá-lo na essência da fase processual. 3.1. Procedimento inquisitivo. Se ele é inquisitivo, o principal vetor do inquérito é que usualmente ele não comporta nem contraditório, nem ampla defesa. Isso porque no inquérito policial não há partes, não há relação processual ou demanda; há uma autoridade investigando e um suposto autor dos fatos, que é um sujeito de direito e não um objeto. A inquisitoriedade permite agilidade nas investigações, otimizando a atuação da autoridade policial. Contudo, como não houve participação do indiciado ou suspeito no decorrer do procedimento, não poderá o magistrado, na fase processual, se valer apenas do inquérito para proferir sentença condenatória, pois incorreria em violação ao texto constitucional. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A Então a lógica da inquisitoriedade convive com o sistema acusatório, que é para o procedimento processual. Em outras palavras, o inquérito contempla concentração de poder em autoridade única, usualmente afastando o contraditório e a ampla defesa, já que não temos partes ou relação processual. OBS: Processualização dos procedimentos investigativos. Nós temos uma corrente acadêmica na Bahia, defendida por Didier e por Miguel Calmon, que defendem a aplicação do princípio do devido processo legal a todo e qualquer processo investigativo. Quando se faz isso, traz-se a carga axiológica do devido processo legal e, com isso, no procedimento investigativa, terá contraditório e exercício da defesa na dosagem adequada para preservar os direitos fundamentais. A inquisitoriedade do inquérito não é absoluta, na medida em que há o exercício da defesa técnica como prerrogativa do advogado (Estatuto da OAB). Ou seja, o defensor está autorizado a acompanhar o seu cliente perante qualquer autoridade, podendo interferir em qualquer oitiva. Mas a presença do advogado não é imprescindível na oitiva do inquérito, sendo obrigatória apenas no interrogatório perante o juiz. Assim, segundo Didier e Miguel Calmon, devemos aplicar o princípio do devido processo legal e sua carga axiológica aos procedimentos investigativos. Com isso, teremos contraditório e exercício da defesa (e não ampla defesa) na dosagem adequada para preservar os direitos e garantias fundamentais. OBS: O artigo 7º, inciso XXI, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), confere ao advogado o direito de acompanhar o suspeito perante qualquer autoridade investigante (não apenas o delegado). • Primeira conclusão: o advogado pode formular razões e apresentar quesitos durante a oitiva, sob pena de nulidade do ato; Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A • Segunda conclusão: se o delegado ou a autoridade investigante impedir o acesso do advogado, haverá nulidade do ato e dos demais que dele decorrem (princípio da consequencialidade). • Terceira conclusão: se o suspeito comparecer sozinho será ouvido normalmente. Situação distinta ocorre no processo, onde a presença do advogado no interrogatório é imprescindível (art. 185, CPP). OBS: De acordo com o artigo 14-A, do CPP (Pacote Anticrime), os servidores vinculados às instituições dispostas do artigo 144 da Constituição Federal (forças policiais e bombeiros militares), quando empregarem força letal no exercício funcional, devem ser “citados”(intimados, pois citação é para defender processo) para constituir advogado em até 48 horas. Se não o fizerem, a instituição a qual estavam vinculados, à época do fato, deve ser intimada, constituindo advogado para assisti-los em até 48 horas da intimação. ADVERTÊNCIA: Este mesmo procedimento deve ser aplicado aos membros das Forças Armadas (art. 142, CF/88), quando investigados por fatos decorrentes de missões para a Garantia da Lei e da Ordem (missões GLO). Segundo Távora, essa configura a maior mitigação da característica inquisitorial do inquérito, na medida em que a constituição de advogado em tais investigações passa a ser obrigatória, sob pena de nulidade absoluta, por ausência de defesa técnica, aplicando-se o enunciadon.º 523, do STF. Entretanto, não se exige que o advogado constituído seja intimado a participar de todos os termos da investigação, nem a sua presença na oitiva do suspeito foi dada como imprescindível. De todo modo, a previsão é de duvidosa constitucionalidade, pois restrita a certa qualidade de investigados (funcionário vinculado à segurança pública). OBS: Existem inquéritos extrapoliciais onde o contraditório e ampla defesa são impostos por lei. É o que ocorre no inquérito para expulsão do estrangeiro, regulado pela Lei de Imigração. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A 3.2. Procedimento discricionário O delegado conduz o inquérito com margem de conveniência e oportunidade, adaptando a investigação às necessidades do fato apurado. OBS: Delegado pode, por exemplo, negar a oitiva de testemunhas de defesa, justamente porque o procedimento do inquérito é discricionário. Então os requerimentos apresentados pela vítima ou pelo suspeito podem ser indeferidos (art. 14, CPP), salvo o exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios (art. 184, CPP). Ou seja, infere-se que a discricionariedade do inquérito não é absoluta. OBS: As requisições emanadas do juiz das garantias e do Ministério Público devem ser cumpridas por imposição normativa, mesmo inexistindo vínculo hierárquico (art. 13, inciso II, CPP). OBS: “O inquérito policial não possui rito”. Essa assertiva é verdadeira, na medida em que quem define o rito é o delegado. 3.3. Procedimento sigiloso Inquérito é um procedimento sigiloso. A ideia de sigilo é a antítese da publicidade, mas o sigilo existe concatenado com a pretensão de eficiência. 3.3.1. Conceito O inquérito nasce sigiloso com nítida pretensão de eficiência da investigação, cabendo ao delegado velar pelo sigilo (art. 20, caput, CPP). 3.3.2. Princípio da presunção de inocência Informações do inquérito não serão apontadas na certidão de antecedentes criminais. 3.3.3. Classificação do sigilo Bifurca-se essa classificação com a seguinte abordagem: Sigilo externo: é aquele aplicável aos desinteressados na investigação. Dentro destes, a figura mais exponencial é a imprensa. Nós nos habituamos a Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A consumir informação ruim. Quanto mais se sangra no Jornal Nacional, por exemplo, mais se chama atenção. A exposição midiática traz um julgamento antecipado da causa, que é o julgamento social, extremamente preconceituoso. Então, em suma, o sigilo externo é o aplicado aos terceiros desinteressados, notadamente a imprensa. Sigilo interno: é o aplicado aos atores da persecução penal. Mas esse sigilo interno é frágil, pois, por exemplo, o delegado não vai opor sigilo ao Promotor. Da mesma maneira, o delegado não pode opor sigilo aos juízes das garantias e os advogados têm o direito de acesso aos autos da investigação. O advogado tem acesso sem precisar apresentar procuração, teoricamente, mas na prática não é assim que ocorre. E se a autoridade investigante, de maneira irresponsável, nega o acesso? Se isso ocorrer, há múltiplas ferramentas para conseguir acessar: (a) apresentar reclamação constitucional ao STF, pois esse direito é verbalizado em Súmula Vinculante; (b) impetrar Habeas Corpus, pois a liberdade do investigado, mesmo que indiretamente, está em risco; (c) impetrar Mandado de Segurança; (d) e, por fim, o Estatuto da OAB permite que peticione ao juiz, por petição simples, para que os juízes das garantias conceda o acesso. De todo modo, a prerrogativa não deve ser invocada por advogado que não esteja atuando no interesse de suspeito, investigado ou indiciado. Para prevenir abusos, deve a autoridade policial ou encarregado registrar os acessos aos autos da investigação preliminar pelos advogados, viabilizando controle do sigilo em favor dos direitos do imputado, evitando-se a exposição de sua imagem ou intimidade. Assim, se o sigilo quanto aos atores é fraco, necessárias as seguintes observações: OBS: O delegado não pode opor o sigilo ao membro do MP ou aos juízes das garantias. OBS: O advogado tem direito de acessar os autos do inquérito, tendo contato com o que já foi produzido e está documentado (art. 7º, inciso XIV, da Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A Lei 8.906/94 – Estatuto da OAB e Súmula Vinculante nº 14). Diante disso, O ACESSO INDEPENDE DE PROCURAÇÃO. TODAVIA, SE FOR DECRETADO SEGREDO DE JUSTIÇA (SIGILO JUDICIAL), O ACESSO DO ADVOGADO CONTINUA PERMITIDO, MAS A PROCURAÇÃO PASSA A SER NECESSÁRIA. O advogado, ao acessar os autos, pode tomar apontamentos e copiar os autos. Nesse sentido, a cópia pode ser física (o que é bastante difícil, pois a autoridade não vai deixar fazer carga do inquérito) ou digital, que é o mais comum. E se tiver boicote ao acesso? É, usualmente, o que tem de mais frequente. Esse boicote caracteriza abuso de autoridade. Há tipificação disso na nova Lei de Abuso de Autoridade. Por fim, o advogado, diante da negativa, poderá impetrar Mandado de Segurança, Habeas Corpus (profilático), manejar Reclamação Constitucional ou apresentar uma petição simples ao juiz (das garantias), para que conceda o acesso. Por outro lado, olhando-se pela perspectiva da vítima, a sua exposição pode violar a intimidade, vida privada e família. Assim, pensando na tutela da vítima, o juiz poderá decretar o segredo de justiça para proteger a vítima, para que ninguém compartilhe informações com a imprensa, nem mesmo os advogados, preservando a intimidade, a vida privada e a família (art. 201, CPP), blindando-a, portanto, de mazelas sociais. 3.4. Inquérito como procedimento escrito O CPP entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942 e, naquela época, toda forma de documentar era em papel. Ainda hoje, os atos produzidos oralmente devem ser reduzidos à termo; o delegado deve subscrever todas as laudas do inquérito, conferindo autenticidade ao inquérito. Nesta senda, no inquérito prepondera a forma documental (art. 9º, CPP). Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A OBS: Os atos produzidos oralmente devem ser reduzidos à termo. OBS: O delegado deve subscrever todas as laudas, conferindo-lhe autenticidade. OBS: As novas ferramentas tecnológicas podem ser empregadas, como, por exemplo, captação de som e imagem ou a estenotipia. Esta é uma técnica de redução de palavras por símbolos. 3.5. Inquérito como procedimento indisponível Se o delegado de polícia instaurou inquérito policial, existe algum fundamento que o autorize a arquivá-lo no departamento de polícia? Por exemplo, descobriu que o fato não aconteceu ou que o crime prescreveu. DELEGADO NUNCA PODE ARQUIVAR INQUÉRITO (SEM EXCEÇÕES). O recado dado pela lei é que toda investigação iniciada tem que ter concluída e encaminhada para a autoridade competente. O art. 17, do CPP, o proíbe expressamente. Então, respondendo à pergunta, tem-se que concluir a investigação imediatamente e encaminhar para a autoridade competente, que é o juiz das garantias. Ou seja, pode terminar de maneira prematura, imediatamente, mas jamais arquivá-lo. Em outras palavras, o delegado nunca poderá arquivar o inquérito no departamento de polícia (art. 17, CPP). Assim, toda investigação iniciada deve ser concluída e encaminhada à autoridade competente. 3.6. Inquérito como procedimento dispensável Para que um processo criminal comece, precisa da prévia elaboração de inquérito policial? NÃO. Um membro do MP precisa de indícios de autoria, materialidade e circunstâncias da infração, que ele pode obter do inquérito policial ou de qualquer fonte de informação idônea. Ou seja, o inquérito é apenas mais uma fonte idônea. O Promotor não tem olhos apenas ao inquérito. Assim, a deflagração do processo independe da prévia elaboração de inquérito policial. Leonardo David – Processo Penal I –Nestor Távora – T8A O delegado de polícia é a autoridade que vai presidir o inquérito policial. Mas no Brasil existem outros tipos de inquérito ou só o delegado pode investigar? Existem outros tipos, como, por exemplo, a CPI. Esta elabora o que se chama de Inquérito Parlamentar. Assim, diante desse inquérito parlamentar, o Promotor convencido, poderá ajuizar a ação penal sem o inquérito policial. Inquéritos não policiais: são aqueles presididos por autoridades distintas da polícia judiciária. Principais hipóteses: (a) inquérito parlamentar, que é aquele elaborado pela CPI; (b) inquérito militar. Os militares vivem em um ambiente hermeticamente fechado, onde as infrações militares serão apuradas em inquérito militar. E o MP, em um futuro próximo, poderá utilizar esse inquérito para ajuizar a ação. Quem preside este inquérito é um membro da própria instituição militar; (c) os membros do MP não serão investigados e indiciados por delegado, de forma que serão investigados ou indiciados pelo Procurador Geral ou por sua assessoria direta; (d) juízes também não são investigados ou indiciados por delegados de polícia. Assim, compete ao tribunal respectivo a investigação ou o indiciamento dos magistrados; (e) PIC (Procedimento Investigativo Criminal), em que Nestor Távora apelida de “Inquérito Ministerial”. Se afirmar que o membro do MP preside inquérito policial está totalmente equivocado. Mas o MP pode presidir o PIC. O Pleno do Supremo teve que avaliar essa situação, pois quando Nelson Jobim era Ministro do Supremo, foram impetrados dois HC’s, em que Jobim decidiu afirmando que MP não pode presidir investigação criminal no Brasil, sob o fundamento de que o inquérito policial é presidido pelo delegado. Algum tempo depois, a ex-Ministra Ellen Gracie, seguida por Marco Aurélio, se insurgiu e disse que o MP pode investigar, afirmando que o órgão Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A ministerial conduzirá investigação que sobreviverá harmonicamente com o inquérito policial, em que o promotor poderá se valer de qualquer dos inquéritos, dos dois, ou de nenhum deles para instaurar a Ação Penal. O Supremo embasou esse fundamento na teoria dos poderes implícitos, isto é, se a CF/88 conferiu o poder de processar explicitamente, implicitamente conferiu todos os demais poderes nesse sentido, englobando, assim, a investigação. O grande problema é que não tem Lei Federal regulamentando a investigação criminal do MP, apenas uma Resolução. OBS: De acordo com o Pleno do STF, o Ministério Público poderá presidir investigação criminal, que conviverá harmonicamente com o inquérito policial. OBS: O STF INVOCOU A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS, AFINAL, COMO A CONSTITUIÇÃO CONFERE EXPRESSAMENTE O PODER DE PROCESSAR (ART. 129, INCISO I, CF/88), É SINAL QUE, IMPLICITAMENTE, ENTREGOU AO MP TODAS AS FERRAMENTAS PARA QUE CUMPRA O SEU PAPEL. OBS: De acordo com a Súmula 234 do STJ, o promotor que investiga não é suspeito ou impedido de atuar na fase processual. OBS: Segundo Luiz Flávio Borges D’urso, as críticas à investigação ministerial repousam nos seguintes argumentos: (a) não há lei federal regulando a matéria, subsistindo a Resolução nº 13, do CNMP; (b) aglutinar funções revela um sério problema para manutenção do equilíbrio da autoridade. 4. VALOR PROBATÓRIO Quanto ao valor probatório, inquérito policial, a rigor, não produz prova. Assim, ele tem valor probatório relativo, pois carece de confirmação por outros elementos colhidos durante a instrução processual. Prova é aquilo que é produzido na relação processual, perante o juiz, com a presença do contraditório, ampla defesa e paridade de armas, já que o inquérito é inquisitivo. No inquérito se produz elementos indiciários, que servem para o ajuizamento da ação e para que o juiz adote medidas cautelares, mas não provas. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A 4.1. Conceito O inquérito, historicamente, tinha valor probatório relativo, servindo de base para a adoção de medidas cautelares e para o ajuizamento da ação, mas não se prestando, sozinho, a sustentar condenação, em razão da inquisitoriedade (art. 155, CPP). 4.2. Elementos de investigação x elementos de prova Segundo Fauzi Hassan e Luigi Ferrajoli, os elementos de investigação são colhidos de maneira inquisitiva, sendo típicos do inquérito, servindo para o ajuizamento da ação e para a adoção de medidas cautelares. Por outro lado, os elementos de prova são produzidos perante o juiz competente, respeitando-se o contraditório, a ampla defesa e a paridade de armas. Podem alicerçar, inclusive, condenação. Os elementos indiciários podem justificar absolvição? Sim. 4.3. Elementos de migração Os elementos migratórios são aqueles que se pode extrair do inquérito, transpor ao processo e podem alicerçar, inclusive, condenação por autorização legal. Mas isso é exceção. Então, eventualmente, elementos do inquérito podem ser transportados ao processo e justificar eventual condenação, vejamos: (a) Provas irrepetíveis. São aquelas de fácil perecimento e que dificilmente podem ser reproduzidas no processo. Ou seja, os vestígios tendem a desaparecer, e por isso a impossibilidade do seu refazimento. Exemplo: bafômetro; (b) Provas cautelares: São aquelas justificadas pelo binômio “necessidade e urgência”, para que os elementos não venham a se esvair. Exemplo: interceptação telefônica, captação ambiental (pacote anticrime) ou busca e apreensão; Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A OBS: Na fase processual, as provas cautelares e as irrepetíveis serão submetidas ao contraditório e à ampla defesa (diferido ou postergado). (c) Incidente de produção antecipada de prova: Mesmo durante o inquérito, ele é instaurado perante o juiz, com a intervenção das futuras partes do processo, assim como com o contraditório e a ampla defesa. 4.4. Pacote anticrime De acordo com o parágrafo terceiro do art. 3º-C, do CPP, ainda suspenso, o que se quer é a extração física do inquérito dos autos do processo. Entretanto, parte da doutrina entende que a interpretação é restrita aos elementos de investigação que passam pela deliberação do juiz das garantias, ressalvadas as provas irrepetíveis, cautelares e as produzidas em incidente de produção antecipada. 5. VÍCIOS OU IRREGULARIDADES DO INQUÉRITO 5.1. Conceito Os vícios são os defeitos existentes no inquérito, pelo descumprimento da lei ou dos princípios constitucionais. Os vícios ocorridos no inquérito policial não atingem a ação penal, na medida em que o inquérito é um procedimento dispensável. Este é o entendimento dos tribunais superiores, que tem se manifestado endossando a tese de que eventuais vícios no inquérito policial não contaminam, necessariamente, o processo penal (STF – Primeira Turma – Inq 3621 ED- segundos – Rel. Min. Rosa Weber – publicado em 22 out.2019 e STJ – Sexta Turma – AgRg no HC 495.749/RJ – Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro – Dje 23 out.2019). Em que pese entendimento majoritário, AURY LOPES JR., em posição minoritária, reconhece a possibilidade de contaminação do processo pelos vícios ocorridos no inquérito policial, principalmente pelo mau vezo de alguns Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A magistrados em valorar os elementos colhidos no inquérito como prova em suas sentenças, advertindo que “o rançoso discurso de que as irregularidades do inquérito não contaminam o processo não é uma verdade absoluta e tampouco deve ser considerada uma regra geral. Todo o contrário, exige-se do juiz uma diligência tal na condução do processo que o leve a verificar se, no curso do IP, não foi cometida alguma nulidade absoluta ou relativa (quando alegada). Verificada, o ato deverá ser repetido e excluída a respectiva peça que o materializa, sob pena de contaminaçãodos atos que dele derivem. Caso o ato não seja repetido, ainda que por impossibilidade, a sua valoração na sentença ensejará a nulidade do processo”. 5.2. Consequências a) O delegado chefe poderá, de forma motivada, avocar o inquérito e distribuí-lo a uma outra autoridade (art. 2º, da Lei 12.830/13); b) De acordo com o art. 12 do CPP, quando o MP oferece a denúncia com base no inquérito, os autos acompanham a petição inicial. Parte da doutrina interpreta o parágrafo terceiro do artigo 3º-C do CPP de forma radical, entendendo que o artigo 12 do CPP está tacitamente revogado, extraindo-se integralmente o inquérito dos autos. De acordo com Rogério Sanches, a interpretação é restrita, ficando limitada à matéria de competência do juiz das garantias. Segundo o Supremo, os vícios do inquérito não contaminam o processo, afinal, o inquérito é meramente dispensável. 6. PRAZO DELEGADO ESTADUAL SUSPEITO PRESO: 10 DIAS, COM PRORROGAÇÃO POR + 15 DIAS SUSPEITO SOLTO: 30 DIAS (PRORROGÁVEIS PELO TEMPO E QUANTIDADES NECESSÁRIAS) DELEGADO FEDERAL SUSPEITO PRESO: 15 DIAS, PRORROGÁVEIS UMA VEZ POR ATÉ MAIS 15 DIAS. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A SUSPEITO SOLTO: 30 DIAS (PRORROGÁVEIS PELO TEMPO E QUANTIDADES NECESSÁRIAS) TRÁFICO DE DROGAS SUSPEITO PRESO: 30 DIAS, PRORROGÁVEIS UMA VEZ POR + 30 DIAS. SUSPEITO SOLTO: 90 DIAS, PRORROGÁVEIS UMA VEZ POR + 90 DIAS. INQUÉRITOS MILITARES SUSPEITO PRESO: 20 DIAS. SUSPEITO SOLTO: 40 DIAS PRORROGÁVEIS POR + 20. OBS: A deliberação quanto à prorrogação do prazo ficou na competência do juiz das garantias. Para que ele delibere, ele vai ouvir o MP. Mas quem provoca o juiz das garantias é o delegado de polícia, ou seja, é o delegado que mensura se deve haver ou não prorrogação. Então cabe ao juiz das garantias deliberar quanto à prorrogação, diante da provocação do delegado, ouvindo o MP. OBS: Segundo a doutrina, quando o sujeito está preso, o prazo é contado de acordo com o art. 10 do Código Penal. Estando solto, o prazo é processual, sendo inspirado pelo art. 798 do CPP. 6.1. Contagem do prazo Távora entende que se o indiciado estiver preso, o prazo do inquérito deve ser contado na forma do art. 10, do Código Penal, ou seja, incluindo-se o dia do começo e excluindo-se do vencimento. Em estando solto, o prazo deve ser contado de acordo com o art. 798, do Código de Processo Penal, isto é, excluindo- se o dia do começo e incluindo-se o último dia. OBS: A jurisprudência pátria tem admitido um sistema de compensação caso ocorra excesso prazal na conclusão do inquérito, levando em conta o prazo de que dispõe o MP para ofertar denúncia. Assim, caso o delegado, estando o indiciado preso, conclua o inquérito em doze dias, mas o promotor oferte a denúncia em dois dias – apesar de dispor de 5 dias – não há que se falar em Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A constrangimento ilegal a viabilizar o relaxamento da prisão, concluindo que o Estado-investigação e o Estado-acusação dispõem, juntos, de 15 dias para manter o suposto autor do fato preso (dez dias para conclusão do inquérito e 5 dias par aa oferta da denúncia). 7. INDICIAMENTO 7.1. Conceito Revela a convergência da investigação em face de determinada pessoa, saindo de um juízo de possibilidade e ingressando em um mais robusto de probabilidade. Assim, o indiciado é visto como o principal suspeito. 7.2. Legitimidade Cabe ao delegado, privativamente, no âmbito do inquérito policial, realizar o indiciamento, por despacho motivado, em análise técnico-jurídica, apontando os indícios de autoria, da materialidade e das circunstâncias da infração. 7.3. Classificação (a) Indiciamento direto: é aquele feito ao suspeito presente; (b) Indiciamento indireto: ocorre sem a presença do suspeito. 7.4. “Menor” O CPP considerava como menores as pessoas entre 18 e 21 anos incompletos, exigindo a nomeação de curador pela pouca idade. Com o advento do artigo 5º do Código Civil, considerando os maiores de 18 como absolutamente capazes, resta concluir que o artigo 15 do CPP está tacitamente revogado. OBS: Vale lembrar que o curador subsiste para os inimputáveis por doença mental. 7.5. Desindiciamento 7.5.1. Conceito: É a reversão do indiciamento, que pode ocorrer por inciativa do delegado ou pelo êxito de um Habeas Corpus impetrado para trancar o inquérito. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A OBS: O desindiciamento não significa que o delegado está arquivando a investigação. OBS: Cabe ao juiz das garantias julgar o Habeas Corpus (ação constitucional) impetrado para trancar o inquérito, indicando se o delegado como autoridade coatora (art. 3º-B, inciso XII, CPP). 8. ATRIBUIÇÃO 8.1. Conceito: Significa o poder/dever conferido por lei a uma determinada autoridade, definindo a sua margem de atuação. 8.2. Critérios definidores I. Critério territorial: delegado com atribuição é aquele que atua na circunscrição da consumação da infração. OBS: Circunscrição é a delimitação territorial da atuação do delegado. OBS: Se na mesma Comarca existe mais de uma circunscrição, estão dispensadas as precatórias entre delegados. II. Critério pessoal: a atribuição é definida em razão da figura da vítima. Exemplo: delegacia da mulher. III. Critério material: teremos delegacias especializadas na apuração de um determinado tipo de infração. Exemplo: delegacia de furtos e roubos. 9. PROCEDIMENTO 9.1. Primeira etapa: Início Diante da constatação que o inquérito é um procedimento escrito, qual é a peça que demarca o início do inquérito? Por meio de uma Portaria. I – Conceito Assim, uma portaria é a peça escrita que demarca o início da investigação policial. II – Conteúdo Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A No aspecto, a portaria é constituída pelo (a) fato a ser investigado; (b) os sujeitos envolvidos; (c) as diligências que serão imediatamente realizadas. Na portaria o delegado solta os agentes para agir, já apontando as diligências a serem imediatamente realizadas; e (d) desfecho, que é a determinação da instauração do processo. III – Substituição No sentido prático, não há a substituição. É algo que na prática fica esvaziada. Algumas peças podem funcionar como se fossem a própria portaria, dispensando o delegado de baixar uma nova peça. Por exemplo: o auto de flagrante pode ser utilizado como portaria. Na prática, o delegado sempre baixa nova portaria, mas ela poderá ser dispensada com o lavramento do auto de flagrante. IV – Notícia crime É o conhecimento pela autoridade, espontâneo ou provocado, de um fato aparentemente criminoso. Normalmente é endereça à autoridade policial, ao membro do MP ou ao magistrado. Para que o delegado baixe a portaria, é extremamente usual que ele tenha conhecimento do delito. Esse conhecimento normalmente acontece quando alguém vai ao departamento de delícia, prestando uma notícia crime (jamais se presta “queixa” em uma delegacia, em que pese sair da delegacia com um “Termo de Queixa”) a) Conceito: assim, notícia crime é a comunicação da ocorrência de uma infração à autoridade, com atribuição para apurar; b) Legitimidade: ela será bifurcada para a notícia crime. Primeiro se quer encontrar quem são os destinatários. Afinal, se quer noticiar o crime, se bate na porta de quem? Os destinatários primários de uma notícia crime são (a) os delegados, (b) o Ministério Público e (c) os juízes. OBS: Diante da notícia crime, o membro do MP terá as seguintes alternativas: Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A • Requisitar a instauração do inquérito; • Instaurar PIC; • Ordenar o arquivamento da notícia; • Oferecer denúncia no prazo de 15 dias, desde que a notícia já apresente lastro indiciário; • Propor acordo de não persecução penal.OBS: Diante da notícia, o juiz poderá adotar as seguintes medidas: • Requisitar ao delegado a instauração do inquérito (mas diante do sistema acusatório, Nestor fala que é a pior situação, vez que o certo seria remeter ao Ministério Público); • Diante do sistema acusatório, é mais adequado que o juiz abra vistas ao Ministério Público, para que ele resolva a questão. b.2) Legitimidade ativa: noticiantes (classificação) b.2.1) Notícia crime direta (notícia crime de cognição imediata) É aquela atribuída à atuação das forças policiais ou da imprensa. Ou seja, se a imprensa, por exemplo, noticia um fato criminoso desconhecido, o delegado será obrigado a baixar portaria e instaurar o inquérito. Imprensa tem um papel democrático e, assim, pode e deve noticiar um fato criminoso. OBS: Notícia apócrifa/inqualificada (insere-se como subespécie de notícia-crime de cognição imediata): é uma notícia não assinada, isto é, anônima. Mas a Constituição veda o anonimato. O delegado, nesse caso, deve fazer verificação de existência prévia (VEP), ou seja, realizar diligências, colher elementos de verossimilhança e, se for o caso, baixar portaria. Então delegado não poderá instaurar inquérito imediatamente após notícia anônima, sob pena de abuso de autoridade. De acordo com os tribunais superiores e com o magistério de Antônio Scarance Fernandes, a notícia anônima não autoriza a imediata instauração de inquérito. Inicialmente o delegado deve aferir a verossimilhança e a Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A plausibilidade da notícia, promovendo verificações prévias (VEP’s), para deliberar se baixa ou não a portaria. b.2.2.) Notícia crime indireta/cognição mediata É o conhecimento da infração pela autoridade mediante provocação de terceiros. É aquela atribuída à pessoa estranha à polícia, mas devidamente identificada. Hipóteses: (a) a vítima/representante legal noticia um crime por meio de um requerimento. Deve conter a narrativa dos fatos e suas circunstâncias; a individualização do suposto autor da infração, ou seus sinais característicos e razões de convicção de ser o mesmo o sujeito ativo do delito; a nomeação de testemunhas, com indicação da profissão e das respectivas residências. Se o delegado se negar a instaurar inquérito, o código diz que o delegado se sujeita a um recurso administrativo interno, endereçado ao superior do delegado, para que ele delibere se instaura ou não. Mas na prática ninguém interpõe esse recurso. O mais eficiente é comunicar ao Ministério Público, que então requisitará a instauração. OBS: Diante da negativa do delegado, caberá recurso administrativo endereçado ao chefe de polícia (art. 5º, § 2º, CPP). Na prática, o mais adequado é provocar diretamente o Ministério Público. OBS: Nos crimes de ação privada e de ação pública condicionada, a instauração do inquérito depende da prévia manifestação de vontade do legítimo interessado (art. 5º, §§ 4º e 5º, CPP). Exemplo: estelionato, que, com o pacote anticrime, passou a ser delito de ação pública condicionada. (b) Membro do MP ou juiz. Eles noticiam o fato por meio de requisição, cabendo ao delegado instaurar o inquérito (art. 5º, inciso II, CPP). Távora entende que não há mais cabimento de notícia crime por requisição do juiz, apesar de previsão legal do CPP. Adverte que não mais subsiste essa possibilidade, seja Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A pelo sistema acusatório sufragado na Constituição, seja por ter sido essa estrutura acusatória expressamente consagrada no art. 3º-A, do CPP, pela Lei Anticrime. (c) Qualquer pessoa do povo. A notícia é formulada por meio de uma delação. Ela é cabível somente nos crimes de ação pública incondicionada, pois o delegado já deveria instaurar o inquérito de ofício (art. 5º, inciso I c/c § 3º, CPP). OBS: “Delatio criminis” com força coercitiva. É a notícia extraída da prisão em flagrante, podendo ser direta ou indireta, a depender de quem promova a captura (polícia ou pessoa do povo) (art. 301, CPP). OBS: “Delatio criminis” postulatória. Ela retrata o instituto da representação, típico da ação pública condicionada. É a representação da vítima. OBS: Notícia crime por requisição do Ministro da Justiça: em alguns crimes, a persecução penal está a depender de autorização do Ministro da Justiça, também chama de requisição. Todavia, essa requisição apresentada pelo Ministro da Justiça, ao contrário da requisição emanada dos juízes e promotores, não é sinônimo de ordem, e sim uma mera autorização ao início da persecução penal em algumas infrações que a exigem. 9.2. Segunda etapa: evolução. O inquérito vai evoluir por meio do cumprimento de diligências, realizadas de forma discricionária. OBS: Os artigos 6º e 7º do CPP apresentam, de forma não exaustiva, inúmeras diligências que podem ou devem ser cumpridas pelo delegado, para melhor aparelhar o inquérito. Tais diligências podem ser enriquecidas pela previsão do § 2º do artigo 2º, da Lei 12.830/13. Algumas das diligências são: (a) dirigir-se ao local dos fatos, isolando a área para atuação dos peritos (OBRIGATÓRIA); (b) apreender objetos que, segundo STJ, pode ser feito mesmo antes da instauração do respectivo inquérito; Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A (c) colher todas as provas; (d) ouvir o ofendido, que não será compromissado a dizer a verdade, pois não é testemunha. Todavia, se der causa à instauração de investigação ou do processo, imputando infração a alguém sabidamente inocente, incorrerá no crime de denunciação caluniosa. Se o ofendido, devidamente notificado, injustificadamente não comparecer para ser ouvido, poderá ser conduzido coercitivamente à presença da autoridade; (e) ouvir o indiciado. Aqui assegura-se o direito ao silêncio. Presença do advogado é facultativa, mas se este se fizer presente, não está impedido de participar, sob pena de nulidade do ato e dos demais que dele decorrem. Destaca- se que não haverá condução coercitiva do indiciado, haja vista que esta medida teve reconhecida sua inconstitucionalidade pelo STF. Não há sentido conduzir coercitivamente aquele que deseja ficar calado (direito ao silêncio); (f) realização do exame de corpo de delito e outras perícias. A ausência de perícia não pode ser suprida, nem mesmo, pela confissão do suspeito. Eventualmente frustrado o exame, a materialidade será demonstrada pela prova testemunhal, mas nunca pela confissão. OBS: Os artigos 13-A e 13-B do CPP apontam diversas diligências na apuração dos crimes envolvendo tráfico de pessoas. OBS: Reconstituição simulada do crime. É a reconstituição do crime. Ela revela a reprodução simulada do fato, indicando as circunstâncias de sua prática. É pacífico o entendimento de que o investigado não está obrigado a participar, como decorrência do direito ao silêncio positivado na Constituição e do direito à não autoincriminação previsto no Pacto de São José da Costa Rica (CADH). Távora entende que o suspeito não está obrigado a comparecer, já que a ausência representa o exercício da autodefesa. Todavia, prevalece o entendimento de que o comparecimento é obrigatório, sob pena de condução coercitiva. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A Não teremos reconstituição que ofenda a moralidade ou a ordem pública, a exemplo da reconstituição de crime sexual. Identificação criminal (Lei 12.057/09). I – Conceito Revela a colheita de elementos de traço biológico que individualiza a pessoa, a diferenciando das demais, a exemplo da fotografia, impressão digital, mapeamento da íris e colheita de material biológico para realização de DNA. A determinação para a identificação criminal normalmente é originada da autoridade policial, aferida a real necessidade. Já o juiz, na fase processual ou sendo essencial para a investigação preliminar,e por decisão motivada (e não despacho, como sugere a lei), poderá autorizar a medida de ofício ou por provocação do MP, da defesa ou da autoridade policial. A determinação da identificação criminal sem amparo legal caracteriza abuso de autoridade. OBS: A identificação criminal não se confunde com a qualificação, que envolve informações que moldam o perfil social de alguém, como nome, filiação, nacionalidade, naturalidade, profissão, estado civil, RG, CPF e endereço. II – Enquadramento normativo De acordo com o art. 5º, inciso LVIII, CF, aquele que está identificado civilmente (art. 2º, da Lei 12.037/09), não será identificado criminalmente. Caso o indiciado ou o capturado em flagrante não esteja com o documento de identificação civil em mãos, deve a autoridade conceder prazo razoável para que o apresente, ou para que pessoa de sua confiança o traga, já que a imediata identificação criminal seria precipitada. OBS: Eventualmente, aqueles que estão identificados civilmente, serão identificados criminalmente, nas hipóteses conjugadas no art. 3º da Lei 12.037/09. III – Mapeamento genético Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A O inciso IV do art. 3º, da Lei 12.037/09, autoriza, sendo imprescindível para a investigação, que o juiz determine a colheita de material biológico como integrante da identificação criminal. Na doutrina, prevalece o entendimento de que a colheita compulsória viola o princípio da não autoincriminação. Portanto, é viável a realização por elementos de descarte ou por meio da busca e apreensão. Se considerarmos que a identificação criminal não é um meio de prova, o princípio da não autoincriminação fica esvaziado, aceitando-se a compulsoriedade da colheita. De acordo com o artigo 9º-A da Lei 7.210/84 (LEP), os condenados por crime doloso com violência de natureza grave contra pessoa, assim como os condenados por crime hediondo, serão obrigatoriamente identificados por perfil genético, mediante extração de DNA. Almeja-se viabilizar a confrontação para eventuais futuros delitos praticados por esses sujeitos. OBS: Como é presumivelmente inocente, a identificação criminal não constará de certidões ou atestado de antecedentes, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, ressalvadas as requisições emanadas das autoridades que integram a persecução penal, como membros do MP, juízes e delegados. Assim, sobrevindo absolvição, arquivamento do IP ou rejeição da petição inicial, uma vez preclusa a decisão nesse sentido, o indiciado (ou réu) poderá requerer a retirada da identificação fotográfica dos autos da persecução, como forma de preservação da imagem, desde que apresente a competente identificação civil. Havendo denegação, poderá ingressar com mandado de segurança. INDICIAMENTO É a informação ao suposto autor a respeito do fato objeto das investigações. Ou seja, é a cientificação ao suspeito de que ele passa a ser o principal foco do inquérito. Passa do juízo de possibilidade para o de probabilidade e as investigações são centradas em pessoa determinada. Se feito Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A sem lastro probatório mínimo configura-se ilegal, dando ensejo à impetração de HC para ilidi-lo ou até mesmo para trancar o inquérito policial iniciado. O indiciamento é ato privativo do delegado de polícia, de modo que a requisição judiciária de indiciamento é postura incompatível com o sistema acusatório. O indiciamento produz efeitos de natureza extraprocessual e endoprocessual. Extraprocessual, pois aponta à sociedade o provável sujeito ativo do crime. Endoprocessual, pois é antecedente lógico que o suposto autor do delito figure no polo passivo da denúncia ou da queixa-crime, como denunciado/acusado ou querelado. O indiciamento pode ser direto (quando o agente está presente) ou indireto (quando o agente está ausente, a exemplo da situação de foragido ou em lugar incerto). 9.3. Terceira etapa: encerramento O inquérito é um procedimento escrito. Se tem um procedimento escrito, é necessária uma peça escrita que caracteriza a finalização do inquérito. Esta peça é o relatório. I – Conceito: É a peça eminentemente descritiva, que aponta as diligências realizadas e, eventualmente, justifica as que não foram feitas por algum motivo relevante (art. 10, CPP). O relatório não é uma peça opinativa, isto é, ele não diz se o suspeito é culpável ou inocente ou se o inquérito deve ser arquivado, em que pese na prática o delegado sugere o arquivamento do inquérito. O titular da opinião delitiva é o Ministério Público que, inclusive, não está vinculado ao inquérito policial. OBS: Na Lei de Drogas, temos uma acentuada mitigação da descritividade, pois o delegado deve indicar as razões do enquadramento no tráfico e não no porte para uso. Tráfico de drogas é crime equiparado ao hediondo. Porte é crime de menor potencial ofensivo. Então é o relatório com maior teor opinativo de todo o ordenamento jurídico. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A Jamais pode-se dizer que o relatório é uma peça neutra, pois neutralidade não existe. OBS: PRIMEIRO ATO É LER A PORTARIA, O SEGUNDO ATO É LER O RELATÓRIO (ADVOCACIA) 9.4. Desdobramento do procedimento (MUITO IMPORTANTE) a) Tem-se, até agora, os autos do inquérito com o relatório. O que acontece na sequência? O delegado, concluindo o inquérito e relatando o procedimento, irá remeter os autos ao central de inquérito (isso na prática, pois não é o que está previsto no CPP). Mas com o advento do juiz das garantias, isso tem que acabar. Em outras palavras, os autos do inquérito, integrados com o relatório, serão remetidos ao Judiciário (art. 10, § 1º, CPP), para que sejam acessados pelo titular da ação penal. Todavia, em alguns Estados, como a Bahia, os autos são remetidos às centrais de inquérito, vinculadas ao MP, para que a distribuição seja realizada diretamente ao promotor com atribuição para atuar no caso. Temos hoje no CPP a referência do art. 23: concluindo o inquérito, remete ao juiz, para depois ele remeter ao MP. b) Remessa ao juiz (das garantias): em alguns estados da federação, estabelecemos as centrais de inquérito, como órgãos do MP, responsáveis pelo recebimento e distribuição do inquérito entre os membros. OBS: O STF entende que a lei estadual não pode regular a tramitação direta do inquérito entre delegacia e o MP, pois a matéria deve ser objeto de lei federal. Já o STJ, em precedente de duvidosa constitucionalidade, admite a aplicação da Resolução nº 63/CJF (Conselho da Justiça Federal), regulando a tramitação direta. OBS: O delegado deverá oficiar ao Instituto de Identificação e Estatística, ou órgão congênere, mencionando o juízo par ao qual os autos foram remetidos, para que se promova o acompanhamento dos índices de criminalidade, assim Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A como para elaboração do Boletim Individual, como dossiê que registra o histórico de passagens policiais do agente, mas não será apontado na Certidão de Antecedentes. Ou seja, é um controle interno do seu histórico de passagens pela polícia, numa visão bem pragmática, trivial. c) Cabe ao juiz abrir vistas ao Ministério Público: d) Diante do inquérito, o MP possui as seguintes alternativas: PRIMEIRA ALTERNATIVA: Diante da presença do lastro indiciário idôneo, cabe ao MP a oferta da denúncia (petição inicial), na esperança de que seja deflagrado o processo (art. 24, CPP); OBS: Nos crimes com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, preenchidos os requisitos do art. 28-A, CPP, caberá a oferta do acordo de não persecução penal. Para tanto, o sujeito confessa o crime assistido por advogado, submetendo- se a inúmeras obrigações. OBS: Cabe o acordo para prisões em flagrante, pois a confissão não precisa ser voluntária, apenas espontânea.No caso, o flagrante serve como a confissão. Conclusões: • De acordo com a Resolução nº 181/CNMP, o sujeito terá a confissão devidamente gravada. • Cabe ao juiz das garantias homologar o acordo de não persecução penal. • Se o magistrado denegar a homologação, caberá Recurso em Sentido Estrito (Art. 581, inciso XXV, CPP). • Se os termos do acordo forem integralmente cumpridos, declara-se a extinção da punibilidade. Diante do descumprimento, caberá a oferta da denúncia e a confissão valerá como prova. OBS: A confissão pode ser retratada. SEGUNDA ALTERNATIVA: O Ministério Público pode entender que inexiste lastro indiciário suficiente. Todavia, havendo esperança de que tais Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A indícios sejam rapidamente colhidos, caberá a requisição de novas diligências, imprescindíveis ao início do processo (art. 16, CPP). OBS: A requisição passa pelo juiz das garantias, sendo remetida ao delegado para cumprimento, com definição de prazo. Quem define o prazo é o juiz. Realizadas as diligências, retornam ao magistrado, que deverá abrir vistas ao promotor. Satisfeito com o material angariado, cabe ao MP a oferta da denúncia. Caso contrário, em não sendo o material complementar elucidador, restaria a promoção do arquivamento. OBS: Não cabe ao juiz indeferir a remessa. Se o fizer, estará tumultuando o procedimento e o ato desafia correição parcial, como medida administrativa que será julgada pelo Tribunal de Justiça, estando regulada no Regimento Interno do Tribunal. Destaca-se que as diligências complementares só poderão ser requisitadas se o suspeito estiver solto. Caso esteja preso, a sua colocação em liberdade é de rigor, afinal, se ainda não existem elementos para a propositura da denúncia, com muita razão não há lastro para a manutenção da prisão. TERCEIRA ALTERNATIVA (MAIS IMPORTANTE): Se o promotor entender que não há viabilidade para o início do processo, é sinal de que o inquérito deve ser arquivado. Realidade antes do Pacote Anticrime: cabe ao MP requerer o arquivamento ao juiz, que terá as seguintes hipóteses para cumprir: I. Se o juiz concordar, deve homologar o requerimento. Diante disso, percebe-se que o arquivamento é feito pelo juiz, pressupondo requerimento do MP. II. Se o juiz discordar do requerimento de arquivamento, deve remeter os autos ao Procurador Geral do MP. OBS: Diante dos autos, o Procurador Geral pode adotar as seguintes medidas: (a) oferecer a denúncia; (b) designar outro promotor para denunciar. A designação de outro membro ocorre pelo respeito à independência funcional do Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A membro originário. Todavia, para a doutrina majoritária, o membro designado tem que denunciar (dever, não faculdade), pois atua por delegação (longa manus) do Procurador Geral. Em posição minoritária, Rômulo Moreira entende que o membro designado poderá se recusar, prestigiando a sua independência funcional; (c) insistir no arquivamento, restando ao juiz homologar. OBS: Arquivamento no âmbito do STF. O arquivamento do inquérito policial, formulado pelo Procurador-Geral da República, não se submete ao controle do Poder Judiciário. De tal modo, promovido o arquivamento do Inquérito Policial pelo Chefe do Ministério Público da União, sem que se fundamento seja capaz de constituir coisa julgada material, não cabe ao STF manifestar discordância, mas tão somente homologar o arquivamento nos termos da promoção do PGR, nos termos de sua atribuição natural prevista na Lei Complementar nº 75/1993, por decisão de natureza administrativa. Realidade após o Pacote Anticrime: Com a nova redação do caput do art. 28 do CPP, que está suspenso por deliberação do Ministro Luiz Fux, o arquivamento será ordenado pelo próprio promotor, que submeterá o ato à revisão da superior instância ministerial, para homologação. Conclusões: • Segundo a doutrina, a superior instância ministerial, que ainda será definida por lei estadual, provavelmente será o Procurador Geral ou o Colégio de Procuradores; • O promotor deve intimar o delegado, a vítima e o investigado da promoção do arquivamento; • A vítima terá o prazo de 30 (trinta) dias, contados da intimação, para recorrer administrativamente à superior instância, questionando o arquivamento; • A superior instância, em que pese a omissão da lei, poderá designar outro membro do MP para denunciar ou insistir no arquivamento. Se a superior instância for o próprio Procurador Geral, ele também poderá oferecer a denúncia. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A 10. QUESTÕES COMPLEMENTARES 10.1. Consequência do arquivamento. O arquivamento do inquérito, como regra, não é apto à imutabilidade pela coisa julgada. Logo, surgindo novas provas antes da extinção da punibilidade pela prescrição ou por qualquer outra causa, caberá a oferta da denúncia. No aspecto, o CPP autoriza, após o arquivamento, e sem a necessidade de instaurar um outro inquérito, que a autoridade policial continue realizando diligências, objetivando a captação de eventual prova nova. Se assim o fizer, remeterá aquilo que colheu a juízo, para que o MP, tendo acesso ao material conseguido, possa oferecer denúncia (art. 18, CPP). Conclusões: • O arquivamento faz apenas coisa julgada formal; • O arquivamento segue a cláusula “rebus sic stantibus” (como as coisas estão). 10.2. Definitividade do arquivamento De maneira excepcional, o arquivamento faz coisa julgada material quando amparado na certeza da atipicidade (formal ou material), assim como na certeza da extinção da punibilidade. Neste raciocínio, não seria admissível denúncia nem mesmo se surgissem novas provas, por ofensa à coisa julgada material. OBS: Para os Tribunais Superiores, arquivamento por excludente de ilicitude ou de culpabilidade não é apto à coisa julgada material (STF – Pleno – HC 87395 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – publicado em 13 mar.2018). Recurso e ação privada subsidiária da pública A decisão homologatória do pedido de arquivamento é irrecorrível, não havendo contemplação legal de recurso para combatê-la. Todavia, o indiciado deve ser intimado, não só para ter ciência do ato, mas também para opor-se a Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A eventual denúncia oferecida em momento posterior, uma vez destituída de prova nova. OBS: Não há que se falar em ação privada subsidiária da pública se houve a manifestação pelo arquivamento, afinal, ela só tem cabimento nas hipóteses de inércia do MP, e se o promotor requereu o arquivamento, certamente não está sendo desidioso. 10.3. Termo Circunstanciado de Ocorrência A pretensão da lei dos juizados especiais é de simplificação procedimental. Diante disso, o TCO é a investigação para apurar infrações de baixa complexidade, vale dizer, crimes com pena máxima de até 2 anos e as contravenções. Ao invés de instaurarmos o inquérito, extremamente custoso e mais robusto, a lei dos juizados criou uma investigação extremamente simplificada, em que o inquérito policial é substituído pelo TCO, que é uma peça despida de rigor formal, contendo breve e sucinta narrativa que descreve sumamente os fatos e indica os envolvidos e eventuais testemunhas, sendo encaminhado imediatamente ao juizado especial. OBS: De maneira excepcional, é possível que o delegado instaure um inquérito policial para apurar uma infração de menor potencial ofensivo? Sim. Exemplo: inquérito instaurado perante o STF, de acordo com o seu regimento interno, para apurar as fakenews. Aí a Globo News diz que fakenews é crime. Os crimes eventualmente existentes são os crimes contra a honra. Mas contar mentira não é crime. Os crimes contra a honra normalmente são infrações de menor potencial ofensivo. Não seriam suscetíveis a inquérito policial. Mas porque tem inquérito? Porque tem uma situação em que, sequer, o autor do delito é conhecido. Então instaura-se inquérito diante da complexidade do procedimento. Nestor diz que viola o sistema acusatório. OBS: É mera irregularidade a realização de inquérito policial ao invés do TCO, com exceção apenas ao descrito acima. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A Então, de acordo com o art. 69 da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados), o TCO é a investigação simplificada para apurar as infrações de menor potencial ofensivo. ADVERTÊNCIA: Eventualmente, vamos instaurar inquérito policial para apurar infrações de menor potencial ofensivo, a exemplo do que ocorre quando a autoria do crime é desconhecida. SEGUNDA UNIDADE Não vai ter aula dia 23/05. 1. AÇÃO PENAL Tecnicamente a ação penal deve ser vista dentro de uma palavra: direito. É o direito de exigir do Estado-juiz a aplicação do direito penal objetivo ao caso concreto e resolva a demanda/crise penal. Quando esse direito é exercido, a ferramenta para que ele se implemente é deflagrada, vale dizer, o processo. Dessa forma, a ação é o direito público e subjetivo positivado na Constituição Federal, de exigir do Estado-juiz a aplicação da lei ao caso concreto, para a solução da demanda penal. OBS 1: Já o processo é a ferramenta que viabiliza a implementação da ação. Nessa crise que está ocorrendo nos EUA, o principal vetor de revolta é que o pacto social foi rompido, pois quando o Estado mata, a sociedade perde a crença da organização. E esse pacto social está intimamente ligado ao respeito da Constituição Federal. Então, paralelamente, a ação penal vem de um pacto constitucional. Todavia, parte da doutrina entende que a ação não é direito. Para essa doutrina, o que a CF nos deu foi o direito à justa e adequada prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável. Então temos um direito a uma prestação jurisdicional justa, adequada, por um juiz imparcial e dentro de um prazo razoável. A ação é, portanto, o que eu faço para obter esse direito. Ação- exercida; ação significa quebrar a inércia, exigindo ao Estado que ele entregue o direito que a Constituição assegura. Então a maioria diz hoje que ação é direito, Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A mas tem doutrina que diz que o direito que a CF deu é o direito à justa e adequada prestação jurisdicional num prazo adequado e a ação é o seu agir no intuito de obter esse direito. É separar o joio do trigo. OBS 2: Dito isto, para Fredie Didier Jr., o direito positivado na Constituição é o da justa e adequada prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável. Já a ação, é aquilo que fazemos (ação-exercida), com o objetivo de obter tal direito. 2. MODALIDADES DE AÇÃO PENAL O único parâmetro importante para classificar a ação penal é a titularidade ou a iniciativa para o exercício da ação. Então o que interessa para classificar a ação penal é quem irá exercê-la e, por isso, bifurca-se: ação penal de iniciativa pública e ação penal de iniciativa privada. Destarte, na classificação, levamos em consideração a iniciativa para propositura da demanda, de forma que a ação penal está assim organizada: (a) ação penal de iniciativa pública; (b) ação penal de iniciativa privada. ADVERTÊNCIA: Segundo Hélio Bastos Tornaghi, toda ação penal é pública em razão da qualidade dos interesses versados em juízo. O que pode oscilar é a iniciativa para propor a demanda. Logo, no rigor da técnica, temos a seguinte terminologia: (a) ação pública de iniciativa pública, quando o Ministério Público é legitimado à propositura; (b) ação pública de iniciativa privada, quando a vítima é legitimada para a propositura. Ontologicamente toda ação é pública. 3. AÇÃO PENAL PÚBLICA DE INICIATIVA PÚBLICA 3.1. Conceito É aquela titularizada privativamente pelo Ministério Público, por força do artigo 1291, inciso I, da Constituição Federal (pilar do sistema acusatório), e do artigo 2572, inciso I, do CPP. 1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; 2 Art. 257. Ao Ministério Público cabe: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e II – fiscalizar a execução da lei. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A OBS: Processo judicialiforme. Era a possibilidade de juízes e delegados exercerem ação penal, sem a provocação do MP, revelando um sistema inquisitivo. Era, portanto, a tradução da inquisitoriedade do Brasil. Ou seja, o ordenamento, por meio dos artigos 26 e 531 do CPP, prevê a possibilidade de, em algumas infrações, o início da ação ocorrer através do auto de prisão em flagrante ou por portaria emanada da autoridade policial ou judiciária. Todavia, segundo TÁVORA, estes dispositivos encontram-se revogados pelo inciso I, do art.129, da CF, afinal, a titularidade da ação penal pública foi conferida ao MP pela Carta de 1988, sendo impensável o exercício da ação por iniciativa do delegado ou do magistrado. O art.531 foi revogado pela Lei nº 11.719/2008, mas o art.263 continua em vigor, tacitamente revogado. CONCLUSÃO: Atualmente, o artigo 26 do CPP é letra morta, pois não foi recepcionado pelo artigo 129, inciso I, da Constituição. 3.2. Princípios especializantes São os princípios que dão vida à ação penal de iniciativa pública. Quando o delegado termina o inquérito, envia-o ao juiz das garantias. Havendo as condições, o oferecimento da denúncia é uma mera faculdade ou um dever inerente à funcionalidade do MP? Claro que o exercício de uma ação penal pública materializa a proteção da sociedade, por isso o primeiro princípio de regência é o princípio da obrigatoriedade. a) Princípio da obrigatoriedade Conceito: o exercício da ação penal de iniciativa pública é um dever funcional inerente à atuação do MP. Então não é uma faculdade, é um dever funcional: estando presentes os requisitos legais, o MP está obrigado a patrocinar a persecução criminal, ofertando denúncia para que o processo seja iniciado. Não cabe ao MP juízo de conveniência ou oportunidade. 3 Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial. Leonardo David – Processo Penal I – Nestor Távora – T8A E esse princípio ele é absoluto? Não. Nós temos algumas mitigações desse princípio: princípio da obrigatoriedade mitigada. a.2) Princípio da obrigatoriedade mitigada/da discricionariedade regrada Na década de 1990, nós instituímos no Brasil a justiça penal do consenso. O brasileiro se cansou do conflito da beligerância extrema, instaurando o consenso penal. A própria CF/88 idealizou o juizado especial, que tem um instituto de consenso que é a transação penal. Ao invés de oferecer a denúncia, nas infrações de menor potencial, o promotor pode oferecer ao suposto autor do crime uma medida alternativa. Normalmente, prestação de serviços à comunidade ou pagamento de multa. Se isso acontecer e o suposto autor do crime aceitar a medida alternativa, por consequência esse acordo será homologado pelo juiz e se ele for integralmente adimplido, ocorrerá a extinção da punibilidade, ou seja, não haverá a deflagração do processo regular para as infrações de menor potencial ofensivo. Então nasceu ali uma justiça penal do consenso, ainda muito tímida porque aplicada às infrações de menor potencial ofensivo. Agora com o pacote anticrime temos o maior exemplo da justiça penal do consenso no Brasil: o acordo de não persecução penal (art. 28-A, CPP). Isso significa que para crimes com pena mínima menor do que quatro anos e praticados sem violência ou grave ameaça, quando o promotor recebe o inquérito, ele está autorizado a oferecer ao suposto autor do crime
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