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Giselly Rodrigues N. S. Gomes Irineu Tamaio Jessica P. Trujillo Souza Kathy de Freitas M. dos Reis Marilena Loureiro da Silva Priscilla Mona de Amorim Raquel Batista Ramos Regina Aparecida Silva Roberta Moraes Simione Romário Custódio Jales Ronaldo E. Feitoza Senra Tatiani do Carmo Nardi Thiago Cury Luiz Vitor Maciel Mello Michèle Sato Aleth da Graça Amorim Aluízio de Azevedo Silva Jr Barbara Yadira Mellado-Perez Carlos Roberto Ferreira Cássia F. dos Santos Souza Celso Sánchez Cristiane C. de Almeida Soares Débora Erileia Pedrotti Déborah L. Moreira S. Santos Denize A. Rodrigues Amorim Elni Elisa Willms Eronaldo Assunção Valles Flavia Lopes Bertier Giseli Dalla-Nora OS CONDENADOS DA PANDEMIA Michèle Sato (Coord.) CNPq-FAPEMAT Banksy Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte – GPEA Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Rede Internacional de Educação Ambiental e Justiça Climática - REAJA CNPq- Fapemat Editora Sustentável Os condenados da pandemia (livro eletrônico) / Michèle Sato (Coord.) e vários autores Cuiabá, MT: GPEA-UFMT | PDF, 157 p. il. Vários autores. ISBN 978-65-00-03844-6 1.Coronavírus (COVID-19) – Epidemiologia 2. Desigualdade social 3. Grupos sociais. 4. Meio ambiente – aspectos sociais 5. Periferia – Brasil – Condições sociais I. Sato, Michèle 20-37282 CDD-305.5 Michèle Sato Aleth da Graça Amorim Aluízio de Azevedo Silva Jr Barbara Yadira Mellado-Perez Carlos Roberto Ferreira Cássia F. dos Santos Souza Celso Sánchez Cristiane C. de Almeida Soares Débora Erileia Pedrotti Déborah L. Moreira S. Santos Denize A. Rodrigues Amorim Elni Elisa Willms Eronaldo Assunção Valles Flavia Lopes Bertier Giseli Dalla-Nora Giselly Rodrigues N. S. Gomes Irineu Tamaio Jessica P. Trujillo Souza Kathy de Freitas M. dos Reis Marilena Loureiro da Silva Priscilla Mona de Amorim Raquel Batista Ramos Regina Aparecida Silva Roberta Moraes Simione Romário Custódio Jales Ronaldo E. Feitoza Senra Tatiani do Carmo Nardi Thiago Cury Luiz Vitor Maciel Mello COMITÊ DE LEITURA (Observare) Angélica Cosenza, UFJF Fátima Marcomin, UNISUL Marco Barzano, UEFS Mauro Guimarães, UFRRJ Philippe Layargues, UnB Figueiredo Cuiabá: 2020 GPEA-UFMT & Ed. Sustentável OS CONDENADOS DA PANDEMIA Capa e colaboradoras de imagens: Cristiane Almeida Soares e Roberta Simione Arte gráfica: Michèle Sato Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Índices para catálogo sistemático: 1. Coronavírus: COVID-19 : Grupos sociais : Desigualdade social : Sociologia 305.5 Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427 RESUMO Buscamos oferecer um breve panorama de 22 grupos sociais em situação de vulnerabilidade, denunciando que há um falso discurso sobre a “democracia” do coronavírus, na afirmação de que é um vírus que atinge todos, sem distinção de classes. É um erro porque se o contágio for universal, as mortes são localizadas. Na cartografia das desigualdades, a Covid-19 mata principalmente os que habitam a geografia da fome. Palavras-chave: Pandemia. Grupos expostos. Emergência climática. Educação ambiental. Tudo será difícil de dizer: a palavra real nunca é suave. Não há piedade nos signos e nem o amor: o ser é excessivamente lúcido e a palavra é densa e nos fere. ~ Orides Fontela Toda palavra é crueldade Transpiração, 1969 ABSTRACT We aim to give a brief overview of 22 social groups in situations of vulnerability, denouncing that there is a false discourse about the “democracy” of the coronavirus, in the affirmation that it is a virus that affects everyone, regardless of class. It is a mistake, because if the contagion is universal, the deaths are localized. In mapping inequalities, Covid-19 mainly kills the inhabitants of geography of hunger. Keywords: Pandemic. Exposed groups. Climate emergency. Environmental education. (4) Ciganos andarilhos: tolhidos para confinamento (3) Ser idoso em tempos de pandemia do coronavirus (2) Crueldades duplas: Covid-19 e a violência contra as mulheres e meninas 30 38 46 54 60 70 76 82 88 94 98 102 108 112 116 120 124 128 132 136 8 Cthulhuceno: esperanças nas ruínas do capitalismo (1) Crianças em risco na pandemia Covid – 19 (5) Como ficam os indígenas em meio aos sóis da Amaral? (7) “Você ainda está em análise”: a população negra e o coronavírus! (8) Florestas: povos, grupos, comunidades e trabalhadores de esperanças (9) Quando as cores se tingem de sangue (10) Covid 19: um triste olhar sobre os migrantes climáticos (11) Os condenados da cidade: população em situação de rua (12) Covid-19 e o vírus que avança pela periferia urbana (13) Pessoas com deficiência (PcD) e a ausência de orientações adequadas (14) Precarização do trabalho, da saúde e da vida digna (20) Em tempos de Covid, de onde vem nosso alimento? (16) Trabalhadores dos supermercados na garantia do alimento de todos (18) Catadores de esperanças: reciclando possibilidades (19) No bem-estar das nossas casas, trabalhadores que não podem “ficar em casa” (21) Transportes e riscos coletivos e individuais (22) Janelas balaustradas de farrapos humanos (15) Valores imateriais das profissionais da saúde 140(17) Entregadores de sonhos: recebedores de solidão GRUPOS FAMILIARES GRUPOS IDENTITÁRIOS GRUPOS TRABALHADORES 66(6) Quilombolas e as precárias condições de saúde no enfrentamento à Covid-19. Autoras & Autores 144 CTHULHUCENO: esperanças nas ruínas do capitalismo Michèle Sato 11 Condenamos, com o coração aflito, esses irmãos que são jogados à ação com a brutalidade quase psicológica que faz nascer e manter uma opressão secular (Frantz Fanon). Abrimos a apresentação deste Caderno de Balbúrdia – “Os condenados da Pandemia”, reconhecendo intensamente viva a obra de Frantz Fanon (2004-original de 1961), “Os condenados da Terra”, que buscou compreender a condição pós-colonial sob a reinvenção de um pensamento entre centro e periferias, numa cartografia que rompesse com as visões binárias entre metrópoles e colônias. O título se refere à parte inicial do hino francês “A Internacional”, e Fanon ajuíza sobre a divisão de raças e as violências geradas entre o colonizador e o colonizado. As autoras e os autores deste Caderno de Balbúrdia acreditam que o período de pandemia explicita claramente o abismo socioeconômico entre os habitantes deste planeta. São centros e periferias que se chocam injustamente em atendimento médico, disposição de leitos, acesso dos remédios e ausência da formação educativa que consiga demonstrar o perigo da pandemia. 10 11 Somos do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em parceria com 5 países e 17 entidades governamentais e não governamentais, sendo que as universidades representam a maioria do Brasil, México, Cuba, Portugal e Espanha. Juntos, compomos a Rede Internacional de Pesquisa em Justiça Climática e Educação Ambiental (REAJA), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - 2014- 16) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat - 2016-20). Temos ciência de que a Covid-19 (COronaVIrus Disease) é consequência das ações capitalistas, que destruíram a natureza e libertaram vírus que viviam em seus hospedeiros. Não é o coronavírus, nem o morcego ferradura e nem o pangolim que são os vilões desta pandemia, mas a interferência humana na natureza, destruindo ambientes, comercializando animais de forma cruel e libertando os vírus para além de seus hospedeiros diretos ou intermediários. Igualmente, recusamos a acreditar que seja um coronavírus “socialista ou democrata” por contaminar todos sem distinção de classe, raça ou credo. Sua forma de contágio pode ter uma cartografia universal,contudo, o índice de mortes é violentamente maior nas periferias, e expressa, novamente, a geografia da fome. Democracia só existe quando as condições de acesso médico forem iguais, quando os trabalhadores conseguirem comprar seus remédios, ou quando as máscaras forem de preços acessíveis a toda população. Frantz Fanon em Accra (Gana), em 1958 (Foto: African American Intellectual History Society). 12 13 Essencialmente, os governantes carecem de valorizar a manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS), na advocacia da saúde pública de excelência para todos os cidadãos. É preciso criar um tempo e espaço diferente de brasilidade. É preciso criar uma era de soberania popular para garantir a JUSTIÇA PANDÊMICA, climática ou socioambiental. A Covid-19 é uma força que enfraquece a Terra, mas o pior talvez esteja ainda por vir, nos desastres avassaladores da crise climática. Primeiro round Patrick Chappatte Climate Home News Paul Crutzen (2002) intitulou o atual período geológico de “Antropoceno (Era do Humano)”, demarcado pelo crescimento acelerado das indústrias nas cidades, e pela pesada mecanização da agricultura no campo, com altíssimo consumo de energia e consequente liberação dos Gases de Efeito Estufa (GEE) – que NÃO se resumem somente em dióxido de carbono (CO2). Estas atividades geraram a crise climática e alguns autores alegam que a interferência humana no ambiente varia de humano para humano, conforme a atividade mercadológica empreendida pelo capital (MOORE, 2016). Após o Antropoceno, diversos artigos científicos desfilam com diferentes propostas e contextos, como Capitaloceno, Plantioceno, Naftaloceno, Ginoceno, Cosmoceno, Ecoceno ou Necroceno, entre outras denominações. São tantas designações, que Clark (2019) resolveu inventar o “Idiotaceno”, uma era de eleições de pessoas incompetentes e ecocidas. A publicação no site do Instituto Interdisciplinar de Pesquisa no Antropoceno traz a fotografia do Donald Trump como ilustração deste período geológico. Entretanto, interessa-nos bastante os discursos de Donna Haraway (2015; 2016), que abrange o debate feminista questionando o termo masculino “Homem – Antropo”. Por meio do Cthulhuceno, ela também combate o capitalismo, o racismo, o colonialismo e promove a união da natureza e cultura, no convite ético de considerar a vida selvagem próxima às vidas humanas, como preconiza Gudynas (2019), em suas proposições biocêntricas e de direitos éticos da natureza. Cthulhu and Lovecraft By Michael Wolf Crise climática 14 15 Haraway (2016) associa uma aranha de 8 patas (Pimoa cthulhu) com a criatura dos abissais, Cthulhu, criado em 1934 por Harold Lovecraft (2017): um ser cósmico, gigante e mortalmente poderoso que dorme nas profundezas do Pacífico, sendo metade polvo (8 tentáculos), e metade dragão (muito presente nos jogos atuais e com enorme presença nos filmes de terror). Não se trata de adicionar uma personagem apocalíptica nas equações dos desastres, mas de valorizar os invertebrados (97% da biodiversidade), nos diálogos com outros saberes literários ou mitológicos. Haraway (2015), clama para construir uma nova era geológica intitulada Cthulhuceno, como proposta para se viver nas ruínas do capitalismo, com mais cuidado com os animais, menos episódios racistas, finalização dos ideários colonizadores e mais dignidade nas relações de gênero. Em palavras abreviadas, o essencial da era Cthulhuceno é tornar visíveis as inúmeras existências invisibilizadas. É este também nosso objetivo, já que o contágio da Covid-19 pode ser universalizado, contudo, os índices de mortes são muito maiores nos subúrbios. Boaventura Santos (2020) lembrou de 8 grupos mais atingidos pela pandemia: 1) Mulheres; 2) Trabalhadores precários (ou desempregados); 3) Trabalhadores de rua; 4) Populações de rua; 5) Moradores da periferia; 6) Refugiados e deslocados; 7) Deficientes e 8) Idosos. A) GRUPOS FAMILIARES: crianças (1), mulheres (2) e idosos (3). B) GRUPOS IDENTITÁRIOS: ciganos (4), indígenas (5), quilombolas (6), negras e negros (7), povos da floresta (8), Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e demais (LGBT+) (9), migrantes (10), pessoas em situação de rua (11), moradores da periferia e favelas (12); além das Pessoas com Deficiência (PcD) (13). C) GRUPOS TRABALHADORES: desempregados (14), trabalhadores da saúde (15), de supermercados (16), entregadores (17), gari e catadores (18), trabalhadores dos condomínios (19), trabalhadores do campo (20), motoristas e passageiros (21), além dos agentes de segurança e presidiários (22). Nesta obra, tratamos de 22 grupos sociais em situações de riscos, e estamos cientes de que podemos estender esta lista, incluindo grupos como os frentistas de postos, empregadas domésticas ou bombeiros, entre outros. No limite de nossa contribuição, e para efeito didático, dividimos os 22 coletivos em 3 grandes seções: 16 17 Não foi nossa intenção registrar números de contágios, mortes ou quadros que rapidamente oscilam num momento de pandemia. Nossa meta foi evidenciar os grupos de maneira breve, mas incisiva em teimar pelas suas existências, suas dores e ser uma espécie de lanterna no túnel escuro, mostrando os contornos de corpos que estão invisibilizadas pelo sistema excludente. Algumas vezes são grupos que não conseguem se defender das violências verbais, físicas ou sexuais, sofrendo diversos tipos de agressões e abusos. Outras vezes são grupos étnicos, cujas dimensões culturais se chocam violentamente contra as orientações oficiais brancas, hegemônicas e capitalistas. Na maioria das vezes, são pessoas economicamente desfavorecidas, em situação de vulnerabilidade, que não possuem o direito de “Ficar em Casa”, não têm facilidade para acessar água limpa e sabão, e muito menos comprar uma máscara para minimizar o contágio. Vivem ainda em colônias escravocratas, muitas vezes sob o chicote do patrão, ou exercem aquilo que chamamos de “serviços essenciais”. A capa desta obra foi desenhada pela Cristiane C. Almeida Soares e Roberta Simione, retratando uma situação real de uma política fascista contaminada pelo coronavírus, com um bozoniano de verde amarelo usando seu tempo de isolamento social no fitness, na direção oposta ao entregador negro, que tem a sua bike lotada de caixas e produtos para entrega. O muro branco lembra o disco do Pink Floyd (The Wall), e a música “Hey you”, parece ressoar neste parágrafo, cujo trecho merece ser destacado: “Hey you, do not help them to bury the light! Do not give in without a fight!” (Ei você, não os ajude a enterrar a luz! Não desista sem lutar!). Pink Floyd The WALL Michelle Blues 18 19 Toda situação é observada pelo Cthulhu, e de tempos em tempos, ele surgirá nas páginas da obra, no convite reflexivo de construir uma nova era, pois o que estava antes não pode ser considerado “normal”, já que foi o período que mais promoveu as desigualdades e os preconceitos, além da destruição de animais silvestres, florestas, matas, rios, oceanos e ares, gerando uma crise sem precedentes. O cenário político é um verdadeiro coquetel de desigualdades explosivas (LATOUR, 2018), com desregulamentação da governança e a conversão do sonho da globalização em pesadelo. A única maneira de sobrevivência, para a minoria dos ricos, é não compartilhar o futuro com a maioria pobre. Disso decorre o maciço investimento ao negacionismo da crise climática e o absurdo da Terra plana. Insatisfeitos com os ideários da Modernidade, aumentam a proteção das bordas de países com preconceitos étnicos ou dos fluxos migratórios, crescendo a xenofobia de maneira neonazista. Estamos vivendo uma guerra e as pessoas nem sequer sabem! Estamos diante do colapso planetário que demarca o caos civilizatório! No panorama das disputas de podres poderes, Andrew Korybko (2018) denuncia que a Guerra Híbrida é a combinação entre as revoluções coloridas e as guerrasnão convencionais. O termo “colorido” está relacionado com diversos movimentos do início da década dos anos 2000, que tiveram origem na Rússia e China. São revoluções não- violentas de “pretensa” resistência, como greve, protestos ou manifestações de pressão. Tais movimentos adotaram cores ou símbolos que se evidenciaram como a revolução rósea da Georgia (2003), a revolução laranja da Ucrânia (2004), ou a revolução azul do Kuwait (2005), entre outros exemplos.Observatório da evangelização https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/ 20 21 A guerra híbrida é uma estratégia de guerra que mescla vários meios – artilharias conhecidas e também as irregulares e não consagrados, como protestos, redes sociais ou hackers. Há um estudo intenso sobre psicologia e semiótica nas redes sociais, visando criar mecanismos para desestabilizar alguma política com fakenews, provocando insegurança nas informações, escandalizando a imagem, semeando as mentiras, fomentando as agressões das palavras, provocando contradições ou frases abstratas para confundir, chocar ou incendiar uma situação de conflito. Uma outra fase mais agressiva tem uso das armas convencionais, e se caracteriza como um “golpe rígido” (Ibidem, p. 10), usando forças insurgentes como as guerrilhas, as milícias, a diplomacia, o cyberwar, golpes ou terrorismos bastante presentes no Brasil atual, como o assassinato da Marielle! Se estamos aprendendo a realizar diversos tipos de guerras, é bom deixar eloquente de que a crise climática e a pandemia do coronavírus não são fenômenos naturais, mas são antropogênicos, com fortes intervenções humanas no planeta. Por isso, o negacionismo e a Terra plana são estratégias da guerra híbrida para confundir e gerar incertezas sobre a emergência climática. No Brasil, a reunião pública do governo federal (maio 2020), com seus ministros, revelou uma mórbida necropolítica da natureza e do genocídio Covid-19, que Ritchie e outros (2020) projetam estudos de previsão de mortes com números assustadores no Brasil. Anônimo – analfabeto político https://www.facebook.com/pg/analfapolitico/about/?ref=page_internal 22 23 O Observatório do Clima (2020) alerta que houve redução da emissão dos gases estufa na ordem de 6% em todo o mundo. Fruto da baixa poluição e isolamento social, diversos vídeos são compartilhados nas redes sociais, com os animais invadindo as cidades. Contudo, na contramão do processo, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa acusa que as taxas do Brasil aumentaram entre 10% e 20% em razão do desmatamento na Amazônia, o que desvia e fere brutalmente a Política Nacional de Mudança do Clima. Os filmes e as animações de distopia sobre o futuro abordam o ser humano vivendo de maneira primitiva. Para Watson (2019), é imprescindível vivermos de maneira simples, e ela oferece outras propostas de se viver com baixa tecnologia e muito indigenismo. Publicações de como fazer pontes, casas, hortas e pequeno manual de sobrevivência começam a surgir nas ofertas das livrarias. Marques (2020) apresenta bons argumentos na hipótese de que a próxima pandemia poderá ser originada por alguma zoonose da Amazônia. É provável que as máscaras sejam um novo perfil social que integrará a cultura da humanidade. Alguns realistas demais (talvez pessimistas) já condenaram a Terra, buscando alternativas que possam conduzir o humano a continuar sua jornada em outro planeta. A depressão vai vagando nos labirintos existenciais, mas a esperança ainda busca energia para não sucumbir entre uma pandemia que mata rápido, e um fascismo que vai matando aos poucos por meio de torturas da atual política federal. Entretanto, não estamos cristalizados, e cada qual faz o melhor de si. Uns realizam pesquisas científicas, outros escrevem poesia. Uns escrevem livros, outros pintam cenários. Uma mão borda, a outra segura um doente no hospital. Uma lágrima escorre e, por vezes, o desespero chega doloroso. Tarsila do Amaral antropofagia 24 25 Sempre será um desafio, e sempre será uma oportunidade para lembrar da travessia entre os moinhos de vento para que Quixote não abandone seus sonhos. Da teimosia de Luther King por exigir seus sonhos, HOJE! Do afinco do empate de Chico Mendes para combater a noção de propriedade da natureza. Da libertação contra o opressor nas aprendizagens mãos dadas com Paulo Freire. E no anoitecer da luta, depois de engolir a seco as violências de um dia, será preciso dominar a dor para alvorecer e tentar de novo. E se não der certo, tentar outro meio. E de novo. E sempre! A arte de esculpir uma nova humanidade talvez esteja longe de ser concretizada, mas várias lições podem ser aprendidas quando a morte se avizinha tão rapidamente. Quando o Estado se ausenta, as favelas se organizam, pois os coletivos unem forças para que nunca percamos a marca essencial da existência humana: a esperança. Banksy 26 27 REFERÊNCIAS CLARK, John. Welcome to the Idiocene. Institute for Interdisciplinary Research into the Anthropocene, 10/07/2019. Retrieved on 20/05/2020 <https://iiraorg.com/2019/07/10/welcome-to-the-idiocene/> CRUTZEN, Paul. Geology of mankind. Nature, v. 415, p. 23, january, 2002. FANON, Frantz. The wretched of the Earth. New York: Grove Press, 2004 [first published on 1963]. GUDYNAS, Eduardo. Direitos da Natureza - ética biocêntrica e políticas ambientais. Trad. Igor Ojedas. São Paulo: Elefante, 2019. HARAWAY, Donna. Anthropocene, Capitalocene, Plantionocene, Cthulhucene: making kin. Environmental humanities, v. 6, p.159-165, 2015. Retrieved on 17/07/2017 [https://environmentalhumanities.org/arch/vol6/6.7.pdf]. HARAWAY, Donna. Staying with the trouble - making kin in our Cthulhucene. London & Durham: Duke University Press, 2016. KORYBKO, Andrew. Guerras híbridas - das revoluções coloridas aos golpes. Trad. de Thyago Antunes. São Paulo: Expressão Popular, 2018. LATOUR, Bruno. Down to Earth - Politics in the new climate regime. Cambridge: Polity Press, 2018. LOVECRAFT, Harold. Medo clássico v. 1. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2017. MARQUES, Luiz, Serão as pandemias gestadas na Amazônia? Instituto Humanitas Unisinos, em 15/05/20 – Acesso in 22/05/20 [http://www.ihu.unisinos.br/598974-serao- as-proximas-pandemias-gestadas-na-amazonia-analise-de-luiz-marques] MOORE, Jason (Ed.). Anthropocene or Capitalocene? Oakland: PM Press, 2016. OBSERVATÓRIO do Clima. Brasil contraria tendência global e pode ter alta em emissões na pandemia 21/05/2020. Acesso em 21/05/2020 [http://www.observatoriodoclima.eco.br/brasil-contraria-tendencia-global-e-pode-ter-alta- em-emissoes-na-pandemia/]. RITCHIE, Hanna et al. Coronavirus pandemic (Covid-19) in Brazil. Our World in Data, May 23th, 2020. Retrieved on May 23th, 2020 [https://ourworldindata.org/coronavirus- brazil?country=BRA]. SANTOS, Boaventura S. A Cruel Pedagogia do Vírus. Coimbra: Almedina, 2020. WATSON, Julia. Lo-Tek design by radical indigenism. Cologne: Taschen, 2019. GRUPOS FAMILIARES Modigliani 30 31 No atual cenário pandêmico, as crianças merecem nossa total atenção, pois como anuncia Guimarães Rosa (2010) na epígrafe, elas quase nunca sabem das ameaças e por isso ficam mais expostas, tanto pela Covid-19, como pelas agressões dos adultos: ...Miguilim não sabia, Miguilim quase nunca sabia as coisas das pessoas grandes. ~ Guimarães Rosa [Campo Geral] (1) https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/criancas-na-pandemia-pais- devem-explicar-a-doenca-e-ficar-atentos-aos-pequenos-em-casa/ Acesso em 09/05/2020 O boletim mais recente [maio] da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro já contabiliza 23 crianças de 0 a 10 anos contaminadas pelo novo coronavírus, no entanto, segundo os especialistas, essa faixa etária sofre menos com os sintomas da doença (1). Damaris Martins FA MI LI AR 32 33 A presidente do Departamento Científico de Adolescência da SBP, Dra. Alda ElizabethAzevedo esclarece que: Devemos sempre dizer abertamente ao paciente infantil que ele é dono do seu corpo e explicar que ninguém pode tocá-lo sem autorização. Além disso, esclarecer quais são os limites do carinho e ajuda, até mesmo com os cuidados de limpeza e saúde. (AZEVEDO, 2018). A promoção dessa autonomia no indivíduo desde pequeno é fundamental, pois na maior parte dos casos, as violações de direitos acontecem no âmbito familiar, por aqueles que deveriam zelar e garantir a segurança das crianças e adolescentes. Infelizmente, o agressor próximo dificulta a detecção e a visibilidade do abuso. Mais uma razão por que precisam ser protegidas como garante o Art. 227 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), e assegurado no Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente que aponta: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão(BRASIL, 1990). Pediatras e professores ocupam uma posição privilegiada para perceber, reconhecer e denunciar ameaças usadas contra as crianças. Devemos estar atentos para evitar violências que podem provocar danos com repercussões negativas para a vida e saúde física e emocional dos pequenos. Se suspeitarmos de negligência, violência ou exploração é nosso dever entrar em contato com o Disque 100. É gratuito e não precisa identificar-se. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) ao percebermos os sinais a seguir devemos estar atentos: lesões ou comportamentos atípicos; medo por pessoa, mudança brusca de comportamento, atitudes violentas, fugas repentinas sem motivo aparente. Saber reconhecer esses indicadores é parte fundamental da assistência que um adulto pode oferecer a uma criança que sofre algum tipo de violência. Embora todos os dias sejam importantes para proteger uma criança, o dia 18 de maio é considerado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes. 34 35 Listamos alguns materiais produzidos recentemente com orientações para cuidar e proteger as crianças: Cartilha com orientações da FIOCRUZ para dar subsídios aos adultos que cuidam e educam crianças (1). Como falar sobre o Coronavírus com as crianças? Livro Pequenos cientistas: mundo invisível (2). Coronavírus: vamos nos proteger. Material acessível às crianças, produzido pela secretaria de saúde do governo federal (3). As colunas diárias do psicólogo e educador português Eduardo Sá trazem importantes contribuições para adultos e educadores. Conferir alguns dos textos nesse Blog do autor https://www.eduardosa.com/blog/a-escola- toda/as-crian%C3%A7as-com-m%C3%A1scara-ser%C3%A3o-as-mesmas-de- todos-os-dias/ “El estado emocional de las/os niñas/os y adolescentes a más de unmesdelaislamiento social, preventivo y obligatorio”. Material produzido na Argentina pode ajudar adultos e educadores a bem guiar as crianças neste tempo de pandemia (4).. (1). https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/05/crianc%cc%a7as_pandemia.pdf Acesso em 08/05/2020 (2).http://www.ensp.fiocruz.br/portalensp/informe/site/arquivos/anexos/3215a7cc0290409c2e269c019856 66f97fa3f3fb.PDF Acesso em 09/05/2020 (3). https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/Cartilha--Crian--as-Coronavirus.pdf Acesso em 09/05/2020 (4). https://www.sap.org.ar/uploads/archivos/general/files_estado-emocional-cuarentena-present-04- 20_1588036236.pdf Candido Portinari Meninos brincando 36 37 PARA SABER MAIS FIOCRUZ - Crianças na pandemia Covid – 19. Disponível em<https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp- content/uploads/2020/05/crianc%cc%a7as_pandemia.pdf> Acesso em 08 maio 2020. Sociedade Brasileira de Pediatria - Crianças na pandemia. Pais devem explicar a doença e ficar atentos aos pequenos. Disponível em:<https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/criancas-na-pandemia-pais-devem- explicar-a-doenca-e-ficar-atentos-aos-pequenos-em-casa/> Acesso em 09 maio2020. UNICEF - Nota técnica: Proteção da Criança durante a Pandemia do Coronavírus. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/media/7561/file> Acesso em 06 maio 2020. UNICEF - Dicas para proteger crianças e adolescentes da violência em tempos de Coronavírus. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/unicef-da-dicas-para-proteger- criancas-e-adolescentes-da-violencia-em-tempos-de-coronavirus/> Acesso em 06 maio 2020. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Alda Elizabeth.Pelo enfrentamento ao abuso e à exploração sexual, SBP divulga orientações aos pediatras. Sociedade Brasileira de Pediatria. 8/05/2018. Disponível em https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/pelo-enfrentamento- ao-abuso-e-a-exploracao-sexual-sbp-divulga-orientacoes-aos-pediatras/Acesso em 09/05/2020 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 06 maio 2020. BRASIL. Lei Federal n. 8.609, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do adolescente. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em 06 maio2020. ROSA, João Guimarães. Corpo de baile. Volume I. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. 38 39 FA MI LI AR A violência contra mulheres e meninas aumentou consideravelmente devido ao isolamento social, medida preventiva adotada na maioria dos países para conter o avanço do contágio da Covid- 19 (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2020a). A violência contra pessoas do sexo feminino não é um fenômeno social extraordinário, pelo contrário, é tão corriqueiro, permanente e danoso à sociedade que também é considerada pela Organização das Nações Unidas como uma pandemia (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2014). Em tempos de angústia causada pela possibilidade da morte e de ansiedade provocada pela insegurança financeira, os alvos da violência doméstica continuam sendo mulheres e meninas isoladas em casa com seus parceiros e parentes, como sempre têm sido na sociedade brasileira (VIEIRA e GARCIA, 202O; MATOS e PARADIS, 2014). Elas têm a vida duplamente ameaçada: uma pela Covid-19; e a outra, social quase patologicamente existente ao lume de todos, com penalidades ainda nas sombras. Sweta Prasad Seleção de algumas manchetes sobre a violência contra as mulheres (por Denize Amorim, 2020) 40 41 42 43 Assim a crueldade contra as mulheres nestes tempos de Covid 19 é denominada de “pandemia das sombras” (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2020b). Uma causada pelo vírus invisível e a outra invisibilizada pelo patriarcado. Nas últimas décadas destacam-se duas ações jurídicas e de segurança para conter tal violência: a) A Lei N°11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, que recrudesceu a violência às mulheres brancas, mas aumentou a das mulheres negras (CERQUEIRA et al, 2014) - isso se deve a fatores interseccionados, destacando o patriarcado reinante e a desigualdade de renda das mulheres deste grupo em relação aos dos demais grupos, causada também pelo racismo estrutural e sexismo (RIBEIRO, 2016); b) A Lei N°13.104/2015, inovação jurídica notável, tipifica o crime de feminicídio, mas ainda não é possível visualizar a diminuição dos atos criminosos. Por causa dessa dupla ameaça à vida, protocolos internacionais estão sendo recomendados aos países, mas apesar do sofrimento pelo qual passa parcela significativa da sua população, o governo brasileiro mantém-se praticamente inerte (ONU BRASIL MULHERES, 2020; TOKARSKI e ALVES, 2020). Em Mato Grosso, o feminicídio aumentou em 400% em março, comparado ao mesmo mês do ano passado (BUENO et ali, 2020). O amplo debate e divulgação de casos enúmeros dos dois temas é importante para que a sociedade se sensibilize e promova, urgentemente, ações públicas e cooperadas às mulheres e meninas nessa situação (BBC News, 2019; CORTEZ, MOREIRA e GODOY, 2020). A Educação Ambiental compreende que as questões socioambientais que tratam das violências e conflitos necessitam rapidamente de uma nova postura de aprendizagem para esses novos tempos (SATO, 2020). Lisa Vollrath 44 45 NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. Chefe da ONU alerta para aumento da violência doméstica durante a pandemia do corona vírus. Nações Unidas Brasil, 2020a. Disponível em: https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumento-da-violencia-domestica-em-meio- a-pandemia-do-coronavirus/. Acesso em: 10 maio 2020. NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. Artigo: Violência contra mulheres e meninas é pandemia das sombras. Nações Unidas do Brasil, 2020b. Disponível em: https://nacoesunidas.org/artigo- violencia-contra-mulheres-e-meninas-e-pandemia-das-sombras/. Acesso em: 11 maio 2020. ONU MULHERES BRASIL. ONU Mulheres faz lista de checagem de ações governamentais para inclusão da perspectiva de gênero na resposta aa Covid-19. ONU Mulheres Brasil, 2020. Disponível em: www.onumulheres.org.br/noticias/onu-mulheres-faz-lista-de-checagem-de- acoes-governamentais-para-inclusao-da-perspectiva-de-genero-na-resposta-a-Covid-19/ Acesso em: 11 maio 2020. RIBEIRO, Djamila. Feminismo Negro para um Novo Marco Civilizatório. SUR 24, v. 13, n. 24, p. 99-104, 2016. Disponível em: https://sur.conectas.org/wp-content/uploads/2017/02/9-sur-24- por-djamila-ribeiro.pdf. Acesso em: 11 maio 2020. SATO, Michèle. O mundo será igual se o ser humano não aprender, alerta pesquisadora para o pós-pandemia. Entrevista concedida [telefone] para PNBonline, 10/05/2020. Acesso em 10/05/2020 <https://www.pnbonline.com.br/geral/mundo-sera-igual-se-o-ser-humano-na-o- aprender-alerta-pesquisadora-para-o-pa-s-pandemia/65948> TOKARSKI, Carolina Pereira; ALVES, Iara. Covid-19 e Violência Doméstica: pandemia dupla para as mulheres. Notícias. ANESP, 5 de abril de 2020. Disponível em: http://anesp.org.br/todas-as- noticias/2020/4/6/Covid-19-e-violncia-domstica-pandemia-dupla-para-as-mulheres. Acesso em: 11 maio 2020. VIEIRA, Pâmela Rocha; GARCIA, Leila Posenato; MACIEL, Ethel Leonor Noia. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Rev. bras. de Epidemiologia, v. 23, abr. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720200033. Acesso em: 11 maio 2020. REFERÊNCIAS CITADAS E CONSULTADAS BBC News. O estupro não é um ato sexual, é de poder, de dominação', diz Rita Segato, a feminista que inspirou 'O estuprador é você'. G1 Notícias, 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/12/21/o-estupro-nao-e-um-ato-sexual-e-de-poder- de-dominacao-diz-rita-segato-a-feminista-que-inspirou-o-estuprador-e-voce.ghtml. Acesso em: 11 maio 2020. BUENO, Samira; LIMA, Renato Sérgio de; SOBRAL, Isabela; PIMENTEL, Amanda; FRANCO, Beatriz; MARQUES, David; MARTINS, Juliana; NASCIMENTO, Talita (Redação). Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19. Nota Técnica. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020. 17p. Disponível em: http://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia- domestica-Covid-19-v3.pdf. Acesso em: 11 maio 2020. CERQUEIRA, Daniel et al. (ORG). Atlas da Violência no Brasil. Brasília; Rio de Janeiro; São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em: www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019. Acesso em: 11 maio 2020. CORTEZ, Rayssa Saidel; MOREIRA, Marina Rago; GODOY, Veridiana Emília. Covid-19, era de crises e a luta das mulheres pela vida. Caderno Diálogos Socioambientais na Macrometrópole, Dossiê Covid-19, São Paulo, v. esp.; n. 5, p. 50-51, 2020. Disponível em: http://pesquisa.ufabc.edu.br/macroamb/wp-content/uploads/2020/05/Di%C3%A1logos- Socioambientais_Covid-19-5.pdf. Acesso em: 11 maio 2020. MATOS, Marlise; PARADIS, Clarisse Goulart. Desafios à despatriarcalização do Estado brasileiro. Dossiê: O Gênero da Política: Feminismos, Estado e Eleições. Cadernos pagu, n. 43, p. 57-118, jul./dez. 2014. Disponível em: www.scielo.br/pdf/cpa/n43/0104-8333-cpa-43-0057.pdf. Acesso em: 11 maio 2020. NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. A violência contra mulheres e meninas se transformou em uma pandemia global que deve ser combatida, diz ONU. Nações Unidas, 2014. Disponível em: https://nacoesunidas.org/a-violencia-contra-mulheres-e-meninas-se-tranformou-em-uma- pandemia-global-que-deve-ser-combatida-diz-onu/ Acesso em: 10 maio 2020. 46 47 FA MI LI AR A situação da população idosa no Brasil é profundamente atravessada pelos estereótipos e estigmas que preenchem o imaginário social com a ideia de decrepitude, da incapacidade e do estorvo para as famílias, o que, é muito próprio da compreensão ocidental de velhice, como o tempo da inutilidade, na perspectiva do pensamento utilitário próprio da sociedade encapsulada nas amarras do capitalismo. A convivência com os problemas e as desigualdades sociais no Brasil impõe aos idosos um conjunto de desafios, que vão desde a mera sobrevivência, até a busca de respeito a sua condição, e escape da lógica da “velhofobia”, caracterizada pela imagem do idoso como sujeito invisibilizado, algemado a sua inutilidade, incapaz de ser percebido como portador de diretos e de um lugar de fala muito privilegiado pelo acúmulo de vivências e de trajetórias de vida. Em tempos de Pandemia, como a que estamos vivendo neste 2020, a condição de maior vulnerabilidade os fragiliza ainda mais frente aos riscos de contaminação. Até o ano de 2018 eram 28 milhões de pessoas com mais de 60 anos no Brasil, o que equivale a 13% da população do país. (PERISSÉ & MARLI, 2019).Salvador Dalípadre 48 49 O envelhecimento natural do organismo, chamado de imunosenescência, pode deixar o idoso mais propenso a contrair doenças e infecções. Dos 70 aos 79 anos, o risco de a doença evoluir para a morte é de 8% e, entre as pessoas de 80 a 89 anos, essa proporção chega a 14,8%. Esclarece Sonia Raboni, médica infectologista chefe do serviço de Infectologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná -UFPR. (MILLÉO & JUSTINO, 2019). Em entrevista com a senhora Maria Loureiro, de 81 anos de idade, em isolamento social na cidade de Belém, no Pará, observou-se, no entanto, um contradito à imagem autorizada da velhice: “...agora, ainda mais com essa doença, é como se o idoso fosse um inválido, alguém que não tem mais valor pra nada, mas todos estão enganados, porque tem valor sim! Um idoso pode fazer muitas coisas, e coisas que um novo não faz! Eu não me sinto assim velha não, de ficar encolhida, sem andar, eu sou velha na idade, mas na disposição eu não me sinto velha, nem um pouquinho. E a gente vai ter que aguentar esse tempo ruim dessa doença, com fé e paciência, que isso vai passar e vai melhorar. Eu não tenho medo dessa doença!” Percebemos, pela narrativa promissora desta senhora moradora de Belém, um vislumbrar de esperança e amorosidade pela vida e pela afirmação da condição de ser idoso, e ser dono de fala própria e autônoma, dono de direitos, um apelo à vitalidade e a riqueza desse momento da vida, o que em tudo contradiz a perspectiva linear e produtivista da sociedade capitalista, excludente e segregacionista. Foto: Kalyne Cruz 50 51 REFERÊNCIAS PERISSÉ, Camille; MARLI, Mônica. Idosos indicam caminhos para uma melhor idade. Revista Retratos, Ag. de Notícias IBGE, 19/03/2019. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/24036-idosos-indicam-caminhos-para-uma-melhor-idade > Acesso em 26/05/2020. MILLÉO, Amanda; JUSTINO, Adriano. Idosos estão em maior risco para o novo coronavírus - Doenças associadas, como diabetes e hipertensão, colaboram para colocar os idosos entre o grupo de maior risco para a Covid-19. Gazeta do Povo,Caderno Saúde, 26/05/2019. Disponível em: <https://www.semprefamilia.com.br/saude/idosos-vulneraveis-estao-em-maior- risco-para-coronavirus/>, acesso em 26/05/2020. Harisson GRUPOS IDENTITÁRIOS 54 55 ID EN TI TÁ RI OS As crises instauradas pela pandemia impactaram os povos ciganos no mundo, no Brasil e em Mato Grosso, principalmente as comunidades itinerantes. Muitos acampamentos não possuem infraestrutura básica como água, luz, esgoto ou recolha de lixo; o que inviabiliza a segurança e as ações de higienização recomendadas pelos órgãos e profissionais de saúde. A pandemia aflorou o racismo histórico já existente contra essas populações, que pertencem a três troncos étnicos, os Kalon, os Rom e os Sinti. No final de março, autoridades das cidades de Cachoeira do Sul (RS), Imbituva (PR) e Dois Vizinhos (PR) expulsaram famílias nômades Kalon, sob alegação de que seriam vetores do coronavírus; violando direitos humanos e o acesso à saúde para todos os povos, garantidos pela Constituição Federal de 1988 (AEEC-MT, 2020). Além disso, as famílias ciganas itinerantes e as que fixaram residência – que representam em torno de 80% do total vivendo hoje no Brasil – tiveram suas rendas bastante impactadas e estão encontrando dificuldades para compra de produtos alimentares e de higiene. Rodrigo Ribeiro dos Santos Zaiden Acampamento Nova Canaã – Brasília (DF), 2017 56 57 A maioria dos romani trabalha com o comércio informal, como a venda de roupas, enxovais, artesanatos, etc.; a troca de produtos de segunda mão (gambira); a leitura de mãos e de tarot; e os trabalhos em circos e parques de diversões; atividades suspensas pelas medidas de isolamento. Desta forma, não possuem acesso à previdência social e existe uma parte que sequer tem registro de nascimento, o que dificulta o acesso a programas como o bolsa família ou o auxílio emergencial. Por outro lado, as comunidades ciganas estão adaptando práticas importantes de suas culturas, como as festas de casamento e o velório/luto, para efetivar a prevenção aa Covid 19. Porém, até o momento, os governos federal, estaduais e municipais não elaboraram políticas específicas para assistir as populações ciganas. Também não emitiram orientações de como acessarão as políticas sociais elaboradas para mitigar as crises pandêmicas. O IBGE não faz a contagem da população cigana no censo. O governo federal estima que são 500 mil pessoas (SILVA JÚNIOR, 2018). Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais” (Munic) do IBGE, dos 5.570 municípios brasileiros, 337 em 22 Estados têm acampamento cigano. Destes, 73 dispõe de área para receber famílias nômades. Em MT, a pesquisa registrou 15 acampamentos em nove municípios. Outras 300 pessoas ciganas vivem em residências, concentrando se nas cidades de Cuiabá, Rondonópolis e Tangará da Serra (CAVALCANTE; COSTA; CUNHA, 2017). Karen Ferreira Ciganos Kalon de Tangará da Serra – MT. 2017 58 59 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO ESTADUAL DAS ETNIAS CIGANAS DE MATO GROSSO – AEEC/MT. Nota Pública: Pesquisadores e Ativistas alertam para racismo contra grupos cigano durante a pandemia e cobram plano emergencial. 08 Abril 2020. Disponível em: <https://aeecmt.blogspot.com/2020/04/nota- publica-pesquisadores-e-ativistas.html>. Acesso em 15 Maio 2020. CAVALCANTE, L.; COSTA, E.; CUNHA, J. Acampamentos “ciganos” 2017: os desafios da implementação de direitos. REIA – Revista de Estudos e Investigações Antropológicas. Recife, ano 4, Vol. Esp. II, 2017, pp. 231-65. Disponível em: < https://periodicos.ufpe.br/revistas/reia/article/view/236305/29111>. Acesso em 28 Março 2018. SILVA JÚNIOR, A. A. A produção social dos sentidos nos processos interculturais de comunicação e saúde: a apropriação das políticas públicas de saúde para ciganos no Brasil e em Portugal. Tese (Doutorado) - Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018, 622p. Disponível em: <https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/33131>. Acesso em 20 Jan. 2020. Candido Portinari Mulheres e meninas 60 61 ID EN TI TÁ RI OS Apesar dos 520 nos de violência e genocídio, muitos povos indígenas ainda resistem às investidas ao criarem táticas que os tornariam protagonistas de suas histórias, cultura e território, via um movimento político de reivindicação do seu próprio sol em meio aos vários “sóis de Tarsila do Amaral”, uma das fortes influências do movimento antropofágico, que em 1922 já questionava sobre as várias “educações”: “quem come quem?”. Atualmente outro dilema vem à tona, como resistir ao aumento de contaminação pelo vírus Covid-19 em meio a cegueira e ignorância alheia? Quem vive e quem morre? Os povos indígenas de hoje vivem em enorme vulnerabilidade. A apatia de parcela da sociedade e os sucessivos ataques vem se intensificando inacreditavelmente nestes dias de pandemia, invasões de terras indígenas, desmatamento e falta de políticas específicas no atendimento a saúde indígena, expõe que a visão que muitos ainda tem desses povos, pouco difere da de séculos anteriores no cuidado e proteção aos indígenas. 62 63 Ao acompanharmos a dinâmica da pandemia no Brasil, percebe-se que a Covid-19 tem se alastrou rapidamente em vários estados e a dinâmica de contaminação não poderia deixar de expor a riscos letais também indígenas. Embora na pandemia os números oscilem rapidamente, o informativo publicado no dia 15 de maio de 2020, pela (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, 2020), mostra que 288 indígenas testaram positivo para Covid-19 e, 80 pessoas já faleceram. Na plataforma de monitoramento da doença pelo (Instituto Socioambiental, 2020), há 301 casos confirmados e 19 mortes. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA) atualmente 896,9 mil pessoas se declararam indígenas no Brasil, conforme dados coletados no Censo de 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Instituto Socioambiental, 2020), com uma estimativa de pessoas localizadas em 7.103 localidades indígenas (Agência IBGE notícias, 2020). Diante deste quadro percebermos que o genocídio continua, exclusão, subnotificação e desassistência de saúde aos indígenas, difícil é não se incomodar com o neofascismo presente na atual Fundação Nacional do Índio (Fundação Nacional do Índio, 2020). Sob título “Os fatos”, a instituição ataca os organismos não- governamentais e religiosos não evangélicos, na contra-mão da história, desqualifica os trabalhos desenvolvidos em favor da proteção das populações indígenas no Brasil. O que observa nesta alegoria neofascista, dada a inexistência e/ou ineficiência de atendimento de saúde às comunidades indígenas (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, 2020), é um projeto de eugenia do atual governo em razão de não apresentar políticas efetivas para conter e amenizar a pandemia da Covid-19 e mascarar e invisibilizar seus efeitos destrutivos junto aos povos indígenas, fato que só tem agravado a vulnerabilidade destes grupos. Tarsila do Amaral Neste mote, vale-nos pensar em que sóis e solos haverá os indígenas de prover sustento, permanecer no território e manter suas práticas culturais e ancestrais? Sendo grandes os desafios (Instituto Socioambiental, 2020), o que fica é o esperançar e resistir em prol destas comunidades em conformidade como o movimento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), cuja tática de resistência articulou a criação de um comitê - Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, afim promover ações de combate aa Covid-19 (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, 2020). REFERÊNCIAS AGENCIA IBGE NOTÍCIAS. Contra Covid-19, IBGE antecipa dados sobre indígenas e quilombolas. 24/04/2020. Acesso em: 09/05/2020 [https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/27487-contra-Covid-19-ibge-antecipa-dados-sobre-indigenas-e-quilombolas] APIB. Apib organiza comitê para registrar avanço da Covid-19 sobre povos indígenas. 13/05/2020. Acesso em: 15/05/2020 [http://apib.info/2020/05/13/apib-organiza- comite-para-registrar-avanco-da-Covid-19-sobre-povos-indigenas/] COIAB. Covid-19 e Povos Indígenas na Amazônia Brasileira. Informativo Coaib. 15-05- 2020. Acesso em: 15/05/2020. [https://coiab.org.br/conteudo/1589575942855x644577865264529400] FUNAI. Os fatos. 04/05/2020 Acesso em: 15/05/2020 [http://funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6079-osfatos] ISA. Covid-19 e os Povos Indígenas. Plataforma de monitoramento da situação indígena na pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil. Acesso em: 15/05/2020 [https://Covid19.socioambiental.org] ISA. IBGE detalha dados sobre povos indígenas. 14/08/2012. Acesso em: 11/05/2020 [https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-monitoramento/ibge-detalha- dados-sobre-povos-indigenas] 64 65 66 67 ID EN TI TÁ RI OS Contempla-nos com suas composições, Seo Jorge, Ulisses Capelleti e Marcelo Fontes (2002) (1). A arte musical nos revelando as desigualdades raciais nas condições de saúde de populações negras, onde a saúde pública no Brasil tem expressão de agressões biológicas, disparidades sociais e discriminação étnica. “A carne mais barata do mercado é a carne negra. Ta ligado que não é fácil, né, mano? Se liga aí!” (1). https://www.youtube.com/watch?v=yktrUMoc1Xw. Acessado: 18 maio 2020.Carlos Roberto Ferreira Mata Cavalo A população dos quilombos há muito vive em situação de vulnerabilidade diante ao enfrentamento a todos os tipos de saúde. Entre essa população, as mulheres são as mais vulneráveis. Estão diretamente ligadas às tarefas domésticas: lavar, cozinhar, realizar a higiene da casa, cuidar dos filhos, administrarem a manutenção da água na residência, que na sua maioria, tem serviço de saneamento precário. É justamente essa precariedade na saúde dos quilombos que já somam estatística negativa no Brasil. “Nos últimos 20 dias, foram registradas 17 mortes pela Covid-19 e 63 casos confirmados de contágio entre quilombolas”, como nos informa a CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (2020). A Covid-19 veio acentuar a situação de vulnerabilidade que já existia nos quilombos, agregando percentual soberano sobre a ausência de uma política que atenda a população negra para além do SUS – Sistema Único de Saúde, que sempre se distanciou dos territórios quilombolas. De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do SUS, são negros, e estes, também são maioria dos pacientes com diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas no país - todos considerados agravantes para o desenvolvimento de quadros mais gravosos da Covid-19. 68 69 Michèle Sato Dança do Congo em Mata Cavalo De forma sistemática e instituída, os quilombos sofrem exclusão, morosidade na solução de problemas legais, preconceitos não apenas étnicos, mas também socioeconômicos. No período de pandemia, estes problemas se intensificam e os quilombolas ficam mais expostos, sendo facilmente contaminado pelo coronavírus. Além disso, muitos não conseguem ficar em isolamento social, pois a precária condição exige que o trabalho seja realizado. Os quilombos precisam da garantia de solidez em suas estruturas domésticas, de saúde, de trabalho, de educação para combater a qualquer inimigo, sobretudo uma pandemia como esta, se houvesse o acesso a política púbica. REFERÊNCIAS FREITAS, Daniel Antunes; CABALLERO, Antonio Diaz, et al. Saúde e Comunidades Quilombolas: uma revisão da literatura. Rev. CEFAC; Set-Out; 13(5):937-943, 2011. Fundação Cultural Palmares. Covid-19 se alastra pelos quilombos: 17 mortos e 63 casos confirmados. CUT. Redação RBA, 2020. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/Covid- 19-se-alastra-pelos-quilombos-17- mortos-e-63-casos-confirmados-6ead. Acessado em: 18 maio 2020. 70 71 ID EN TI TÁ RI OS O Brasil é palco de intensas alterações demográficas, sociais, econômicas e políticas, refletindo amplamente na realidade social, em especial na condição de vida da população negra. Compondo a maior parte da população brasileira, os negros têm avançado na conquista de seus direitos, mas ainda são muitos os indicadores sociais que revelam uma intensa desigualdade racial. O título deste texto faz menção à resposta recebida por muitos trabalhadores informais, autônomos e desempregados ao solicitarem o Auxílio Emergencial, benefício financeiro cujo objetivo é fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do Coronavírus – a síndrome respiratória da Covid 19. Associamos esta condição de “ainda estar em análise” à situação que vive a população negra no Brasil, que, excluída, muitas vezes, sofre preconceitos e injustiças sociais como consequência de uma abolição tardia e ineficaz nos aspectos sociais. Na base da pirâmide social é, em sua maioria, a população negra que segue garantindo que a vida não pare, fruto de um passado colonial que persiste ainda hoje. Em seu horizonte, uma sociedade sem iniquidades, discriminação, sem violência, feminicídios, sem as desigualdades de classe social, de orientação sexual, de geração ou de condição física e mental. Ainda assim, continuam em análise. Ainda que violentamente invisibilizada – pois é sufocada em um contexto de racismo, a população negra coloca à disposição da sociedade séculos de lutas, de pensamento a serviço da ação transformadora. Face à pandemia da Covid-19 (infecção causada pelo novo coronavírus), propomos um olhar para mais um destes indicadores sociais: pretos e pardos compõem a maioria das pessoas mortas por Covid-19 no Brasil, segundo os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde. Zumbi 72 73 Devido à desigualdade social que a pandemia agora escancara, vemos as condições socioeconômicas gerarem maior vulnerabilidade em saúde, boa parte dessas comorbidades é ligada a questões sociais, como a falta de saneamento básico e agravada pelas desigualdades raciais, como condições precárias de moradia, ou alimentação inadequada. Realidade já conhecida pelos estudiosos da área, uma vez que pretos e pardos, em maioria, pertencem às classes econômicas mais baixas e com menos assistência médica. Assim, é possível afirmar que as condições econômicas piores significam assistência médica pior, o que resulta em condições piores de atendimento. E o tempo de contágio desta doença não permite que se intensifiquem ações pedagógicas sobre uma Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Apresentamos nossa solidariedade a todas as vítimas, aproveitamos para defender o Sistema Único de Saúde (SUS) e reivindicamos medidas de apoio à população negra, porque não estamos no mesmo barco e, muito menos, se pode afirmar que o vírus não escolhe raça ou classe social. As notícias, narrativas, vivências e informações oficiais dão mostras mais do que suficientes do racismo instituído na sociedade, que se agrava absurdamente nos tempos de pandemia, abrindo mais o fosso das desigualdades e das violações de direitos humanos. “O futuro só será diferente se pensado a partir das filas para pegar o benefício da Caixa” (Você ainda está em análise) BRITO, 2020 Junião https://ponte.org/por-que-o-coronavirus-prejudica-mais-a-populacao-negra/ 74 75 REFERÊNCIAS BRITO, Gisele. Só o seu mundo parou. Uol Canal Ecoa, 20/05/2020. Coluna Opinião. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/opiniao/2020/05/20/so-o-seu-mundo- parou.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 20/05/2020. PARA SABER MAIS... - Por que o coronavírus prejudica mais a população negra. https://ponte.org/por-que-o-coronavirus-prejudica-mais-a-populacao-negra/ - Política Nacional de Saúde Integral da População Negra:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_integral_po pulacao.pdf - População negra e Covid-19: desigualdades sociais e raciais ainda mais expostas: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/sistemas-de-saude/populacao-negra-e- Covid-19-desigualdades-sociais-e-raciais-ainda-mais-expostas/46338/ Tarsila do Amaral A negra 76 77 ID EN TI TÁ RI OS Regina Silva Seringueiro de Guariba, MT Entre os trabalhadores do campo no Brasil podemos considerar as diversas atividades do campesinato, como os(as) agricultores(as) camponeses(as), acampados(as), assentados(as) da reforma agrária, entre outros. Entre os povos da floresta podemos incluir os povos que dependem diretamente da floresta para manutenção de suas vidas, com uma identidade, uma história e uma memória partilhada, algumas vezes vivendo em um território comum, como os(as) seringueiros(as), os(as) ribeirinhos(as), os povos extrativistas e os povos indígenas. Podemos evidenciar que os trabalhadores do campo e os povos da floresta tem em comum o distanciamento que vivem das grandes cidades brasileiras, o que poderia ser um grande benefício em tempos de pandemia, mas ao considerarmos suas péssimas condições de vida e vulnerabilidade econômica e a distância que estão do atendimento médico hospitalar, por certo, poderemos incluí-los como povos mais expostos a contrair a Covid-19. Esses povos sofrem, mesmo antes da pandemia, com uma nefasta atuação política do atual governo federal brasileiro, uma necropolítica que os retiram direitos fundamentais e desmontam as políticas ambientais, destruindo os sistemas e os órgãos de fiscalização que buscam barrar o avanço do desmatamento no Brasil. Infelizmente, essas injustiças se agravam durante a pandemia, recentemente, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou que o desmatamento da Amazônia em abril deste ano teve um aumento de 171% comparado ao mesmo mês em 2019, perdemos 529 quilômetros quadrados de floresta, a maior taxa de desmatamento dos últimos dez anos (1). 78 79 Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, ressalta que “a principal preocupação e ameaças [...] é que garimpeiros, grileiros, madeireiros e invasores em geral, não fazem a quarentena. Ao contrário, aproveitam a falta de fiscalização e de gestão política e administrativa no país para continuar com as ações ilícitas” (2). Aproveitando essa situação pandêmica e incentivados pelo discurso desenvolvimentista do Governo do Brasil, os desmatadores avançam sobre a floresta, espalhando a morte, destruindo a biodiversidade e levando o coronavírus aos povos que lá vivem. O descaso político com os povos e profissionais da floresta são graves, e se acentuam mais nos momentos de pandemia. O coronavírus pode afetar todos, mas a morte é mais certa às populações economicamente desfavorecidas. O tipo de modelo desenvolvimentista que nós adotamos, herança da grande aceleração e revolução industrial, privilegiou o capital como prioridade da felicidade. O coronavírus se libertou exatamente porque o capital destruiu as florestas, aproximou-se de animais silvestres e espalhou a pandemia. Regina Silva A pandemia mostrou o quanto a solidariedade é eficaz à construção das políticas públicas, permitindo o esperançar por uma sociedade que não perca jamais a beleza de ser Humanidade, com suas teias conectadas com os ecossistemas. Não se trata, assim, de retomar à “normalidade” prévia, já que este modelo não mais responde à sustentabilidade planetária. Será preciso reinventar um novo jeito de cuidar da natureza e cuidar de nós mesmos. Sem altos consumos ou emissão de gases do efeito estufa – será urgente recuperar as florestas e construir políticas fortalecidas aos seus povos. REFERÊNCIAS 1 – IMAZON. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia. Boletim do Sistema de Alerta de Desmatamento. Abril de 2020. Disponível em: https://k6f2r3a6.stackpathcdn.com/wp- content/uploads/2020/05/Boletim-SAD-abril-2020.pdf. Acesso em 15 mar 2020. 2 - Garimpeiros, grileiros e madeireiros não fazem quarentena e avançam sobre a floresta e povos indígenas. Entrevista especial com Dom Roque Paloschi http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/598636- garimpeiros-grileiros-e-madeireiros-nao-fazem-quarentena-e- avancam-sobre-a-floresta-e-povos-indigenas-entrevista- especial-com-dom-roque-paloschi Regina Silva Guariba-MT 80 81 82 83 ID EN TI TÁ RI OS Antes de trazer os motivos que incluem a população LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e outras pessoas com orientações sexuais e identidades de gênero) como grupo vulnerável a pandemia do coronavírus, é preciso contextualizar que, para algumas autoridades, sobretudo líderes religiosos, esse grupo não está sendo associado como vítimas, mas como culpado pelo momento que estamos vivendo. O cardeal estadunidense Raymond Burke, que mora em Roma, afirmou que os perigos que rondam o mundo se devem aos esforços para promover igualdade de sexo e gênero (BURKE, 2020). Ralph Drollinger, pastor do gabinete de Donald Trump, e Muqtada al-Sadr, influente clérigo xiita do Iraque, também associaram a pandemia como resposta divina aos avanços dos direitos LGBT+ no mundo (FANG, 2020; BBC, 2020). Tais posicionamentos não são novidade para quem se lembra de que os homossexuais já haviam servido de bode expiatório durante a pandemia da peste negra que assolou a Europa e Ásia no século XIV (TESTONI, 2020). Há, contudo, uma outra verdade: mesmo com as últimas conquistas em relação aos direitos LGBT+ essa população ainda está em situação de vulnerabilidade social, a qual se intensifica nesse período de distanciamento social. Marvel: Wiccan and Hulkling 84 85 Grande parte das pessoas LGBT+, infelizmente, não possuem vínculos afetivos com suas famílias, ora por terem sido expulsas de casa por sua identidade, ora por terem cedo buscado sua independência e privacidade para viver. Proibidos agora de se encontrar com os amigos que acabam se tornando sua nova família, essa população vê afetada sua saúde mental, já tão exposta pelos obstáculos de um mundo sem pandemia, e agora intensificados por ela. Num recorte especial a população de travestis e transexuais, cuja atividade econômica de cerca de 90% é a prostituição, o distanciamento social representa queda drástica no número de clientes e uma maior exposição ao vírus àquelas que precisam se expor para conseguir sobreviver (FERNANDES, 2020). Ao recorrerem ao sistema de saúde, enfrentam muitas vezes discriminação e preconceito, já parte cotidiana da vida dessas pessoas (FERREIRA, 2017). Ironicamente o governo federal brasileiro lançou uma cartilha de orientação à comunidade LGBT+ sobre o coronavírus (BRASIL, 2020). Um material que reforça estereótipos, preconceitos e visivelmente feita por quem pouco conhece as características e necessidades dessa comunidade. Por outro lado, a pandemia traz luz a uma luta que se arrasta há anos: o direito de gays doarem sangue (D'AGOSTINO; RODRIGUES, 2020). A situação dos bancos de sangue brasileiro fez com que uma votação iniciada em 2017 seja retomada e se encerre esse erro discriminatório, o que representa uma vitória para a comunidade que agora pode contribuir para salvar vidas com seu próprio sangue, literalmente. Latuff Bancada evangélica e a “cura gay” 86 87 REFERÊNCIAS CITADAS E CONSULTADAS BBC News. 'Gripezinha ou resfriadinho' e outras 7 frases controversas de líderes mundiais sobre o coronavírus. BBC News Mundo. BBC News Mundo. 07/04/2020. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52205918. Acesso em 20 mai. 2020. BRASIL. Governo Federal. Já sabe o que fazer para se proteger do novo coronavírus? Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Disponível em https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/Corona_banner_LGBT.pdf.Acesso em 21 mai. 2020. BURKE, Raymond Leo Cardinal. Mensagem do Cardeal Burke sobre o combate ao coronavírus. ABIM, 21/03/2020. Disponível em http://www.abim.inf.br/mensagem-do-cardeal-burke-sobre- o-combate-ao-coronavirus/. Acesso em 21 mai. 2020. D'AGOSTINO, Rosanne; RODRIGUES, Mateus. Supremo Tribunal Federal derruba restrições à doação de sangue por homens gays. G1, 09/05/2020. Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/09/supremo-tribunal-federal-derruba-restricoes-a-doacao-de-sangue-por-homens- gays.ghtml. Acesso em 28 mai. 2020. FANG, Lee. Coronavírus: pastor do gabinete de Trump diz que pandemia é ira de deus – e culpa a china, homossexuais e ambientalistas. The Intercept, 26/03/2020. Disponível em http://www.theintercept.com/2020/03/26/coronavirus-pastor-trump-ira-de-deus/ . Acesso em 22 mai. 2020. FERNANDES, Yuri. Prostituição e pandemia: ‘Terei que aceitar 20 ou 30 reais, preciso comer’. Projeto Colabora, 27/03/2020. Disponível em https://projetocolabora.com.br/ods8/prostituicao-e-pandemia-terei-que-aceitar-20-ou-30-reais-preciso-comer/. Acesso em 21 mai. 2020. FERREIRA, Breno de Oliveira et al. Vivências de travestis no acesso ao SUS. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 27, p. 1023-1038, 2017. TESTONI, Marcelo. Como na Peste Negra, Covid-19 põe em risco homossexual, prostituta e gato. Universa UOL, 03/05/2020. Disponível em https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/05/03/como-na-peste-negra-Covid-19-poe-em-risco-homossexuais- prostitutas-e-gato.htm?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996. Acesso em 21 mai. 2020. 88 89 ID EN TI TÁ RI OS A crise do novo Coronavírus prevalece no rosto de mulheres, indígenas, na população afrodescendente, além de trabalhadores informais e migrantes, ressaltada pela desigualdade no acesso à água, saneamento, saúde e moradia para esses grupos, potencializando uma maior taxa de infecção e morte (AGÊNCIA DO RÁDIO MAIS, 2020). Atualmente, há cerca de 763 milhões de migrantes internos em todo o mundo e 272 milhões de migrantes internacionais. Mais de 1 bilhão de pessoas estão em movimento, e quase 71 milhões são forçadas a deixar suas casas devido a conflitos armados, violência generalizada e desastres. Destes, quase 26 milhões são refugiados, 41,3 milhões são deslocados internos e 3,5 milhões são requerentes de asilo (Instituto Humanitas Unissinos, 2020). A população migrante, por todo o mundo tem enfrentado um processo excludente, considerando que uma parcela considerável dos que vivem no Brasil encontram se em situação de vulnerabilidade social (FIOCRUZ, 2020). Nas políticas públicas, são ausentes as legislações que possam atender às suas particularidades, para o reconhecimento dos direitos e as devidas condições de regulamentação e permanência digna (PISTÓRIO; VITALIANO, 2019). Os fluxos migratórios estão cada vez maiores, pelo colapso climático causador de desequilíbrios, extinção de ecossistemas, eventos climáticos e uma pandemia que se alastrou, causando mortes em uma velocidade avassaladora (SATO et al, 2020). 90 91 Os que precisam trabalhar em tempos de pandemia, acabam se expondo prolongadamente, para garantir seu sustento e de suas famílias (MIGRAMUNDO, 2020). No Brasil, ainda enfrentam a morosidade em conseguir documentação local, sendo impedidos de receber o auxílio emergencial do governo, e em muitos casos, sequer conseguem receber o benefício (BRASIL DE FATO, 2020). A realidade dos migrantes descreve histórias de pessoas vítimas de preconceito e xenofobia, muitas vezes sem lar, vivendo em campos de refugiados, retratando solidão e isolamento, sem redes de apoio pelas limitações de língua, conhecimento e cultura. São um grande conjunto que superam as estatísticas e esforços assistencialistas, em uma triste perspectiva, cada vez mais crescente, para este grupo social. Por conta do isolamento social como medida preventiva de transmissão da Covid 19, aumentaram ainda mais as restrições para a mobilidade dos migrantes, que se encontram impedidos de retornar ao convívio de seus familiares, em seus locais de origem. A vida dessas pessoas tem se tornado ainda mais difícil, pois muitos deles, não possuem reservas para se manterem durante a quarentena. Banksy Criança migrante – Veneza, IT 92 93 REFERÊNCIAS AGÊNCIA DO RÁDIO MAIS. Relatório da ONU mostra que mulheres, indígenas e migrantes são os mais afetados pela crise da Covid 19. Agência do Rádio Mais, 2020. Disponível em: https://www.agenciadoradio.com.br/noticias/relatorio da onu mostra que mulheres indigenas e migrantes sao os mais afetados pela crise da Covid 19 pran208774 Acesso em: 14 maio 2020. BRASIL DE FATO. Sem recursos, migrantes enfrentam barreiras para acessar auxílio emergencial. Direitos Humanos, 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/04/14/sem recursos migrantes enfrentam barreiras para acessar auxilio emergencial Acesso em: 16 maio 2020. FIOCRUZ. Saúde mental e atenção psicossocial na Pandemia Covid 19: Pessoas migrantes, refugiadas, solicitantes de refúgio e apátridas. FIOCRUZ, 2020. Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp content/uploads/2020/04/cartilhamigranterefugiados3004.pdf Acesso em: 15 maio 2020. INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Migrações e refugiados na era da Covid 19. Instituto Humanitas Unissinos, 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78 noticias/597414 migracoes e refugiados na era da Covid 19 Acesso em: 15 maio 2020. MIGRAMUNDO. Como a Covid 19 afeta imigrantes e refugiados no Brasil. Refugiados, 2020. Disponível em: https://www.migramundo.com/como a Covid 19 afeta imigrantes e refugiados no brasil/ Acesso em: 10 maio 2020. PARA SABER MAIS Estadão – as desigualdades sociais e a assistência social, SP https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/o-Covid-19-as-desigualdades-brasileiras-e-a-assistencia-social/ Justificando – políticas migratórias no Brasil, SP https://www.justificando.com/2020/04/14/Covid-19-e-as-politicas-migratorias-no-brasil/ UNISSINOS – a Covid-19 em populações que vivem em situações precárias, RS http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/597542-como-se-dara-a-evolucao-de-Covid-19-na-populacao-que-vive-em- condicoes-precarias-entrevista-especial-com-guilherme-werneck-2 PISTÓRIO, Bianca Vasques; VITALIANO, Eliana Aparecida. O Centro de Pastoral para migrantes em Mato Grosso e seus desafios no atendimento integral ao migrante. In: WERNER, Inácio; SATO, Michèle; SANTOS, Déborah (Orgs). Relatório Estadual n.5 – 2019 Fórum de Direitos Humanos e da Terra. 5.ed. Cuiabá: Associação Antônio Vieira, 2019. p. 54 59. SATO, Michèle; et al. Vírus: Simulacro da Vida? Rio de Janeiro: GEA SUR, UNIRIO, 2020; Cuiabá: GPEA, UFMT, 2020. 20 p. il. Disponível em: https://gpeaufmt.blogspot.com/p/materiais e apoio pedagogico.html Acesso em: 10 maio 2020. 94 95 ID EN TI TÁ RI OS “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade. Tanto horror perante os céus?!” (Castro Alves). População de rua de Salvador, BA Rafael Martins - Agência a Tarde A pandemia causada pelo Coronavírus traz reflexões sobre as consequências da degradação e às injustiças ambientais, expondo a incompetência, o preconceito e, a truculência de agentes públicos brasileiros, com a população em situação de rua. Embora instituída em 2009, pelo governo do Partido dos Trabalhadores (PT), a Política Nacional para a População em Situação de Rua, que busca garantir os direitos básicos às pessoas que vivem em extrema pobreza, pouco avançou nos últimos anos, pois, não foi implementada. A população continua invisibilizada nas ações governamentais, e agora, a pandemia escancara o descaso, e o despreparo dos gestores públicos para lidar com esse profundo abismo das injustiças sociais. Em meados de maio, o Brasil é o sexto país em número de mortes por Covid-19, e o mais ineficiente da AméricaLatina na implementação de ações que garantam o direito à saúde às populações em situação de vulnerabilidade. 96 97 Diante da gravidade, as ações dos governantes são brutais e a crueldade é de baixa eficiência. Em São Paulo, a população de rua tem sido expulsa do centro da cidade com uso da violência. No Rio de Janeiro, o prefeito aglomerou no sambódromo todos juntos: idosos, grávidas, e mulheres com crianças. Em Salvador, o Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP) gera aglomerações ao distribuir máscaras, materiais de higiene pessoal e alimentos. REFERÊNCIAS SATO, Michèle. "Mundo será igual se o ser humano não aprender", alerta pesquisadora para o pós-pandemia. PNB Online. 2020. [https://www.pnbonline.com.br/geral/mundo-sera- igual-se-o-ser-humano-na-o-aprender-alerta- pesquisadora-para-o-pa-s-pandemia/65948] Conheça mais: Documentário Situações de Rua (10 minutos). https://www.youtube.com/watch?v=JgbhJAwYlz8 Politica Nacional para a População em Situação de Rua http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2009/Decreto/D7053.htm Skid Robot - Los Angeles – EUA Faz desenhos aos moradores de rua Neste caos, as pessoas em situação de rua sofrem duplamente, primeiro pelo preconceito da sociedade e pelo próprio poder público, como expresso pela ministra de Direitos Humanos: “ninguém pega na mão deles”, demonstrando o descaso com este grupo, além do desejo de mantê-los invisibilizados. Em segundo lugar, pela maior exposição de riscos. Quais são as possibilidades de uma pessoa pobre ter os meios necessários para seguir a orientação de confinamento social, o uso de máscaras, lavagem e assepsia das mãos, roupas ou calçados? Até quando às populações vulneráveis sofrerão às maiores cargas e consequências do desenvolvimento insustentável? Quando a justiça socioambiental reinará no planeta que vive plenamente sua era de Capitaloceno? Quais humanos conseguirão aprender com a Covid- 19? (Sato, 2020). 98 99 ID EN TI TÁ RI OS Morador usa máscara próximo à comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro Foto: Fábio Motta / Agência O Globo A chegada do coronavírus no Brasil afetou inicialmente os grupos sociais mais favorecidos economicamente. No entanto, a doença agora se espalha de forma avassaladora junto à população desassistida e em situação de vulnerabilidade da região periférica urbana. Numa sociedade marcada pela trágica e vergonhosa desigualdade social, doenças infecciosas encontram campo fértil para a sua propagação e extermínio. A pobreza extrema, a falta de saneamento básico, a falta de comunicação sobre a prevenção e a precariedade das moradias, são os desafios de contenção da Covid-19 (Lima, 2020). O impacto da desigualdade social é refletido nos dados de óbitos da cidade de São Paulo no mês de abril, o bairro rico do Morumbi tinha 297 casos confirmados e sete mortes, já o bairro pobre da Brasilândia, situado na periferia, tinha 89 casos confirmados e 54 mortes (Rodrigues, Borges e Figueiredo, 2020). Em uma situação de crise como essa, as regiões periféricas urbanas revelam a tragédia da concentração de renda fruto de um modelo econômico excludente e predatório, onde o lucro, e não a vida, é a única finalidade: como diz Santos (2020, p.18) “habitam na cidade sem direito à cidade, já que, vivendo em espaços desurbanizados, não têm acesso às condições urbanas pressupostas pelo direito à cidade”. O aumento do desemprego, a elevação da taxa de informalidade no trabalho e a falta de investimentos em programas sociais, são fatores que também dificultam a contenção do vírus nas comunidades. Para o sociólogo Tiarajú D’andrea, “a Covid-19 aprofunda e apresenta as gritantes desigualdades do país e a situação de miséria das periferias brasileiras” (Fachin, 2020). 100 99 REFERÊNCIAS FACHIN, Patrícia. A pandemia de Covid-19 aprofunda e apresenta as gritantes desigualdades sociais do Brasil. Ihu Unisinos. 2020. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/159- noticias/entrevistas/597914-a-pandemia-de-Covid-19-apresenta-as- gritantes-desigualdades-sociais-do-brasil-entrevista-especial-com- tiaraju-pablo-d-andrea> Acesso em: 9 de maio de 2020. LIMA, Juliana Domingos de. Por que as periferias são mais vulneráveis ao coronavírus. Nexo Jornal. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/18/Por-que-as- periferias-s%C3%A3o-mais-vulner%C3%A1veis-ao-coronav%C3%ADrus> Acesso em: 9 de maio de 2020. RODRIGUES, Rodrigo, BORGES, Beatriz, FIGUEIREDO, Patrícia. Morumbi tem mais casos de coronavírus e Brasilândia mais mortes; óbitos crescem 60% em uma semana em São Paulo. G1 SP. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao- paulo/noticia/2020/04/18/morumbi-tem-mais-casos-de-coronavirus- e-brasilandia-mais-mortes-obitos-crescem-60percent-em-uma-semana- em-sp.ghtml> Acesso em: 9 de maio de 2020. SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra/Portugal: Edições ALMEDINA, 2020. Candido Portinari Morro da Favela 98 103 ID EN TI TÁ RI OS Ricardo Ferraz Em meio ao caos provocado por uma doença severamente letal à espécie humana, a pandemia da Covid-19 está causando mudanças profundas não apenas em nossa rotina, mas, fundamentalmente, em nossas relações. Buscando romper com a tentação do individualismo, propomos uma reflexão sobre os desafios das pessoas com deficiência, cujas desigualdades sociais têm sido intensificadas pela Covid-19, podendo produzir novas ameaças às suas vidas (1). Historicamente essas pessoas vivenciam o isolamento e exclusão social diante das muitas barreiras que as impedem de ter acesso aos serviços de forma igualitária, além do impedimento à participação social (2). A exemplo das pessoas cegas e com baixa visão, a implementação de medidas básicas de higiene torna-se ainda mais complexa diante da condição de dependência do tato com superfícies, o que aumenta as chances de se contaminarem. Na luta contra a contaminação pelo Sars-Cov-2 (do inglês, coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave), as Pessoas com Deficiência (PcD) relatam as limitações para cumprir com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e reivindicam serem incluídas no grupo de risco. (1) NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. ONUBR. Resposta à Covid-19 deve incluir pessoas com deficiência, diz relatório da ONU, 06 mai. 2020. Disponível em: https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/ Acesso em: 10 mai. 2020. (2). ² WORLD HEALTH ORGANIZATION/THE WORLD BANK. World Report on Disability, 13 dez. 2011. Disponível em: https://www.who.int/publications-detail/world-report-on-disability Acesso em: 10 mai. 2020. Em outras condições de deficiência, quanto maior o grau de limitações de mobilidade ou de comunicação, a dependência de cuidados específicos, seja por meio do auxílio cotidiano de cuidadoras(es), home care, equipe terapêutica, faz com que o distanciamento social seja algo impraticável (3). (3). MODELLI, Laís. 4 pessoas com deficiência relatam a rotina nos tempos de Covid-19: “Preciso tocar nas coisas e nas pessoas para me situar”, 04 mai. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/04/4-pessoas-com-deficiencia-relatam-a-rotina-nos-tempos-de-Covid-19- preciso-tocar-nas-coisas-e-nas-pessoas-para-me-situar.ghtml Acesso em: 13 mai. 2020. 104 105 O cenário de crise ambiental global, evidencia que nos próximos poucos anos novos surtos virais [mais letais] podem ocorrer(4), o que representa uma ameaça à vida humana, especialmente para as pessoas com deficiência, que representam mais de 1 bilhão da população mundial (5). Como forma de irmanar-se a elas, respeitando seus direitos, a Organização das Nações Unidas (ONU), pede que a resposta à crise da Covid-19 seja inclusiva, destacando ações e recomendações abrangentes à todas as PcD, tais como, garantia da acessibilidade das informações, que sejam pertinentes às PcD, com
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