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1 Curso de Capacitação e Aperfeiçoamento em Psicopatologia na Infância e na Adolescência Se ainda não adquiriu o CERTIFICADO de 240 HORAS pelo valor promocional de R$ 57,00. 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17 Desenvolvimento social....................................................................................................... 17 Fases do desenvolvimento infantil .......................................................................................... 18 Sensório-motor: 0 a 2 anos ................................................................................................. 18 Pré-operatório: 2 a 7 anos ................................................................................................... 18 Operatório concreto: 8 a 12 anos ........................................................................................ 19 Operatório formal: a partir dos 12 anos .............................................................................. 19 Psicologia do desenvolvimento infantil ................................................................................... 20 Teoria de Piaget vs. teoria de Vygotsky ............................................................................... 21 Exame Psíquico ou mental da criança .................................................................................. 21 Avaliação Neuropsicológica ................................................................................................. 27 Transtornos do neurodesenvolvimento ................................................................................... 30 Retardo mental ................................................................................................................... 30 A neurobiologia do retardo mental ..................................................................................... 32 Epidemiologia do retardo mental ........................................................................................ 35 Causas de retardo mental ................................................................................................... 37 Síndrome de Down.............................................................................................................. 39 Síndrome do álcool fetal ..................................................................................................... 39 Intoxicação por chumbo ...................................................................................................... 40 Infecções congênitas ........................................................................................................... 41 Síndromes neurocutâneas ................................................................................................... 41 Síndrome de Rett e outras mutações de MECP2 .................................................................. 43 Síndrome do X-frágil ........................................................................................................... 44 Como tratar o retardo mental ............................................................................................. 44 Má-formações cerebrais ..................................................................................................... 46 Erros inatos do metabolismo ............................................................................................... 47 Desnutrição protéico-calórica ............................................................................................. 47 Como investigar o retardo mental ....................................................................................... 48 Transtornos do espectro autista .......................................................................................... 52 3 Genética do transtorno do espectro autista ........................................................................ 53 Testes moleculares e aconselhamento genético no Transtorno do espectro autista ............ 55 Transtornos específicos de aprendizagem ........................................................................... 59 Tipos de transtornos de aprendizagem................................................................................ 60 Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ................................................................. 63 Diagnóstico ......................................................................................................................... 64 Critérios diagnósticos .......................................................................................................... 66 Tipos de TDAH ........................................................................................................................ 67 Comorbidade ...................................................................................................................... 68 Procedimentos para avaliação diagnóstica .......................................................................... 68 Tratamento ......................................................................................................................... 70 Quadros clássicos .................................................................................................................... 75 Depressão ........................................................................................................................... 75 Causas da depressão: .......................................................................................................... 75 Fatores de risco que podem contribuir para o desenvolvimento da depressão: ................... 76 Sintomas da depressão ....................................................................................................... 76 Diagnóstico ......................................................................................................................... 77 Subtipos de Depressão: ....................................................................................................... 77 Tratamento ......................................................................................................................... 78 Prevenção ........................................................................................................................... 79 Transtorno bipolar ................................................................................................. 79 Sintomas do Transtorno Bipolar .......................................................................................... 80 Como o Transtorno Bipolar afeta uma pessoa ao longo do tempo ....................................... 82 Transtorno Bipolar Tipo I ..................................................................................................... 82 Transtorno Bipolar Tipo II ....................................................................................................82 Transtorno Bipolar não especificado em outra parte (BP-NOS) ............................................ 82 Transtorno Ciclotímico ou Ciclotimia ................................................................................... 83 Doenças geralmente coexistem com o Transtorno Bipolar .................................................. 83 Fatores de risco para o Transtorno Bipolar .......................................................................... 84 Diagnostico Transtorno Bipolar ........................................................................................... 85 Esquizofrenia ...................................................................................................................... 86 Curso e prognóstico ............................................................................................................ 93 Exames complementares .................................................................................................... 94 Características Clínicas ........................................................................................................ 94 Epidemiologia ..................................................................................................................... 95 Estudos genéticos ............................................................................................................... 95 4 Estudos bioquímicos ........................................................................................................... 96 Estudos do neurodesenvolvimento ..................................................................................... 96 Tipos de Esquizofrenia ........................................................................................................ 97 Subtipos de esquizofrenia ................................................................................................... 98 Pensamentos suicidas e comportamento ............................................................................ 99 Causas................................................................................................................................. 99 Fatores de Risco ................................................................................................................ 100 Complicações .................................................................................................................... 100 Existem dois tipos principais de medicação antipsicótica: ..................................... 102 Psicoterapia na esquizofrenia ............................................................................................ 103 Objetivos da psicoterapia .................................................................................................. 103 O papel do terapeuta ........................................................................................................ 105 Seleção e encaminhamento de pacientes .......................................................................... 106 Família e Doença Mental ........................................................... Erro! Indicador não definido. Transtorno oposicional desafiante e transtorno da conduta .............................................. 112 Transtorno de conduta e transtorno de personalidade antissocial ..................................... 115 Transtornos de ansiedade ..................................................................................................... 118 Transtorno de ansiedade de separação ............................................................................. 120 Tratamento ....................................................................................................................... 121 Transtorno de ansiedade generalizada .............................................................................. 121 Tratamento ....................................................................................................................... 122 Fobias específicas .............................................................................................................. 123 Tratamento ....................................................................................................................... 123 Fobia social ....................................................................................................................... 124 Tratamento ....................................................................................................................... 124 Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) .................................................................. 125 Tratamento ....................................................................................................................... 126 Transtorno obsessivo-compulsivo ..................................................................................... 126 Estudos de gêmeos ........................................................................................................... 127 Estudos de famílias ........................................................................................................... 128 Estudos de análise de segregação ..................................................................................... 129 Estudos de associação ....................................................................................................... 130 Genes do sistema serotoninérgico..................................................................................... 130 Genes do sistema dopaminérgico ...................................................................................... 131 Transtornos Menores ............................................................................................................ 133 Alterações de sono ............................................................................................................ 133 5 Padrão normal de sono do período neonatal à adolescência ............................................. 134 Distúrbios do sono ............................................................................................................ 136 Distúrbios do sono em crianças com problemas neurológicos e/ou comportamentais....... 148 Distúrbios do sono em crianças com problemas respiratórios ........................................... 149 Transtornos alimentares ................................................................................................... 150 Transtorno da alimentação da primeira infância................................................................ 151 TRANSTORNOS DE ELIMINAÇÃO: ENURESE E ENCOPRESE ................................................. 158 Tratamento ........................................................................................................................... 161 Psicofarmacoterapia ......................................................................................................... 161 Antidepressivos ................................................................................................................. 161 Indicações gerais ............................................................................................................... 164 Psicoestimulantes ............................................................................................................. 166 Estabilizadores do humor .................................................................................................. 167 Antipsicóticos.................................................................................................................... 168 Indicações gerais ............................................................................................................... 170 Ansiolíticos........................................................................................................................172 Referencias ........................................................................................................................... 174 6 Psicopatologia Definições e Conceitos A Psicopatologia pode ser compreendida como um discurso ou um saber (logos) sobre a paixão, (pathos) da mente, da alma (psiquê). Ou seja, um discurso representativo a respeito do pathos psíquico; um discurso sobre o sofrimento psíquico sobre o padecer psíquico. A psychê é alada; mas a direção que ela toma lhe é dada pelo pathos, pelas paixões. (BERLINCK, 1998 apud CECCARELLI, 2005). A expressão Psicopatologia, que deu nome ao que muitos médicos faziam, principalmente na França, na Alemanha e na Inglaterra, durante todo o século XIX, inaugurou a tradição médica que se manifesta, até hoje, nos tratados de psiquiatria e de Psicopatologia médica. O aparecimento da Psicopatologia como disciplina organizada se dá com a publicação da Psicopatologia Geral Para Jaspers a Psicopatologia é uma ciência complexa: é uma ciência natural, destinada à explicação causal dos fenômenos psíquicos mediante os recursos e teorias acerca dos nexos extra conscientes que determinam esses fenômenos; e é ciência do espírito, voltada para a descrição das vivências subjetivas, para a interpretação das suas expressões objetivas e para a compreensão de seus nexos internos e significativos. A Psicopatologia deve considerar o indivíduo globalmente atentando sempre para os padrões de normalidade aonde o indivíduo a ser questionado está inserido, não se deixando guiar “cegamente” pelos sintomas. Considerar um sintoma isolado é fazer com que o objetivo principal de o entender (compreender o indivíduo) seja esquecido (FIGUEIREDO, 1989 apud MENDOZA, 2007). Barlow & Durand (2008) também salientam que a Psicopatologia é um termo ambíguo: refere-se tanto ao estudo dos estados mentais patológicos, quanto à manifestação de comportamentos e experiências que podem indicar um estado mental ou psicológico anormal. Os transtornos psiquiátricos são descritos por suas características patológicas, ou Psicopatologia, que é um ramo descritivo destes fenômenos. A Psicopatologia como o ramo da ciência que trata da natureza essencial da doença mental - suas causas, as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela https://psicologado.com.br/psicopatologia/ https://psicologado.com.br/psicopatologia/transtornos-psiquicos/ 7 e suas formas de manifestação. A Psicopatologia, em acepção mais ampla, pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano (CAMPBELL, 1986 apud DALGALARRONDO, 2000). Baumgart (2006 apud FERNANDES, 2008) destaca que atualmente a Psicopatologia tem dificuldade de coesão teórica devido aos muitos discursos que abarca. Percebe-se que os conhecimentos a ela relativos parecem constituir-se apenas como um aglomerado de especialidades. A Psicopatologia está ligada a diversas disciplinas: as psicologias, as psiquiatrias e ao corpo teórico psicanalítico. Dentro da Psicologia, liga-se com Psicologia Clínica (direcionada ao diagnóstico, e ao estudo da personalidade), Psicologia Geral (noções de subjetividade, intencionalidade, representação, atos voluntários etc.), e ainda Psicologia ligada às neurociências, tradições hinduístas e outros. Considerando ainda que, a Psicopatologia perpassa e dialoga com diferentes campos do conhecimento (principalmente entre a Psicologia, Psicanálise, Neurologia e Psiquiatria) faz-se imprescindível também, uma melhor definição sobre os limites inerentes a essas áreas dentro das práticas e/ou atuações psicopatológicas; tanto diante dos estados mentais patológicos, quanto frente as suas manifestações comportamentais. Inserida nesse contexto, a Psicanálise é um procedimento investigativo dos processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos, e uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumulou numa "nova" disciplina científica. A Psicologia, entretanto, é a ciência que se preocupa com o comportamento humano em seus aspectos e condutas observáveis, que possam ser medidos, testados, compreendidos, controlados, descritos e preditos objetivamente. (FREUD, 1923 apud HAAR, 2008). Por um lado, a psicanálise se diferencia da psicologia por ter como seu objeto de estudo específico os fenômenos psíquicos inconscientes. Enquanto o estudo da psicologia abrange os fenômenos conscientes e inconscientes: estes são os objetos de estudos específicos da psicanálise, a qual utiliza, com essa finalidade, uma metodologia própria e específica (FREIRE, 2002). https://psicologado.com.br/psicologia-geral/introducao/o-que-e-psicologia https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-clinica/ https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-clinica/ https://psicologado.com.br/psicologia-geral/ https://psicologado.com.br/psicologia-geral/ https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/ https://psicologado.com.br/ https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/sigmund-freud-biografia 8 Tanto a Psiquiatria quanto a Neurologia são especialidades médicas. A Psiquiatria lida com a prevenção, atendimento, diagnóstico, tratamento e reabilitação das doenças mentais em humanos, sejam elas de cunho orgânico ou funcional. A meta principal é o alívio do sofrimento psíquico e o bem-estar psíquico. Para isso, é necessária uma avaliação completa do doente, com perspectivas biológica, psicológica, sociológica e outras áreas afins. Uma doença ou problema psíquico pode ser tratado através de medicamentos ou várias formas de psicoterapia. A Neurologia estuda e atua nas doenças estruturais, provenientes do Sistema Nervoso Central (encéfalo e medula espinal), do Sistema Nervoso Periférico (nervos e músculos) e de suas estruturas invólucros (meninges). Uma doença estrutural, portanto, refere-se à existência de uma lesão identificável em nível genético-molecular (mutação do DNA), bioquímico (alteração de substância responsável pelas reações químicas mantedoras das funções dos tecidos, órgãos ou sistemas) ou tecidual (alteração da histológica ou morfológica própria de cada tecido, órgão ou sistema). (LAMBERT & KINSLEY, 2006). Em confluência com os diversificados conceitos, através do paradoxo proposto por Lantéri-Laura (1998 apud SALLET e GATTAZ, 2002) ao considerar a Psicopatologia como um fenômeno subjetivo que tramita entre a psicologia do patológico e a patologia do psicológico – verifica-se também, a relevância da Semiologia e das suas técnicas observacionais. Nesse aspecto, Dalgalarrondo (2000) elucida a diferença entre Semiologia e Semiotécnica: O Semiologia é a ciência dos signos, estando presente em todas as atividades humanas que incluam a interação e a comunicação entre dois interlocutores pelo uso de um sistema de signos (falas, gestos, atitudes, comportamentos não verbais etc.). Dedica-se ao estudo dos sintomas e sinais das doenças, permitindo ao profissional da saúde identificar alterações físicas e mentais, ordenar os fenômenos observados, formular diagnósticos e estabelecer métodos de tratamento. A Semiotécnica, por sua vez, refere-se a técnicas e procedimentos específicos da observação, coleta e descrição de sinais e sintomas. Sendo assim, é de essencial importância para a prática da Semiotécnica em Psicopatologia, a observação minuciosa, atenta e perspicaz do comportamento do paciente, do conteúdo de seu discurso e da sua maneira de falar, da sua mímica, da postura, do vestuário, da forma https://psicologado.com.br/psicopatologia/psiquiatria/ 9 como reage e do seu estilo de relacionamento com o entrevistador, com outros pacientes e com seus familiares. Dentro desse contexto mostra-se igualmenteimportante, a compreensão sobre Nosologia e Nosografia. Segundo Karwowski (2015) esclarece, a Nosologia (do grego 'nósos', "doença" + 'logos', "tratado", "razão explicativa") é a parte da medicina, ou o ramo da patologia que trata das enfermidades em geral e as classifica do ponto de vista explicativo (isto é, de sua etiopatogenia). Enquanto a Nosografia as ordena desde o aspecto meramente descritivo (graphos = descrição). Dessa maneira, o diagnóstico nosológico é estabelecido através de um conjunto de dados que envolvem anamnese (pesquisa), exame físico e testes complementares. Consequentemente, revela-se necessários que os pressupostos básicos da Psicopatologia sejam submetidos a indagações concernentes as suas possibilidades. Isto significa que devem ser objeto de uma ciência primeira, conforme o psicanalista francês Pierre Fédida denominou de Psicopatologia Fundamental: uma Psicopatologia Primeira, convocada a dar conta da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade inseridas nas Psicopatologias atuais (BERLINCK, 1998 apud CECCARELLI, 2005). A noção de fundamental deve ser compreendida no sentido de uma "fundamentalidade", uma "intercientificidade dos objetos conceituais". Trata-se de um projeto de natureza intercientífica, onde a comparação epistemológica dos modelos teórico-clínicos e de seu funcionamento propiciaria a ampliação do limite e da operacionalidade de cada um destes modelos e, consequentemente, uma transformação destes últimos. A Psicopatologia Fundamental é o fórum de toda a metaPsicopatologia (Ibidem). De acordo com Barlow & Durand (2008) o transtorno psicológico ou comportamento anormal é uma disfunção psicológica que ocorre em um indivíduo e está associada com angústia, diminuição da capacidade adaptativa e apresenta uma resposta que não é culturalmente aceita. Jaspers (2003) enumera ainda o que deve ser entendido como enfermidade: 1. Processos somáticos; 2. Acontecimentos graves que causam ruptura com a vida até então considerada sã; https://psicologado.com.br/psicopatologia/psicopatologia-definicoes-conceitos-teorias-e-praticas https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/a-teoria-da-angustia-na-psicanalise 10 3. Desvios grandes em relação ao normal estatístico e visto como indesejados pelo afetado ou seu meio. Segundo Leonhard (1997 apud SALLET e GATTAZ, 2002) as falsificações sensoperceptivas podem ser explicadas pela simbolização das representações. Em geral há uma forma singular de perturbação do pensamento abstrato: os pacientes mantêm a crítica para os acontecimentos do dia-a-dia e mostram-se adequados, mas falham nas tarefas que exigem abstração. As alterações sensoperceptivas também são características na alteração de humor e podem abranger todas as áreas do sentido, embora prevaleçam as alucinações auditivas. Entretanto, ainda que a excitação os doentes possam xingar contra as vozes, tal como os doentes paranoides, posteriormente eles sempre demonstram um claro juízo do caráter patológico das mesmas. BRITTO (2004) acentua que as discussões sobre juízo para fins psicopatológicos são tomadas como base os juízos de realidades, principalmente pelo fato dos juízos de valores serem definidos sócio historicamente. Dessa forma, uma patologia do juízo será sempre uma alteração no juízo de realidade. Um termo traduzido da palavra alemã Wahn ou Wahsinn que se refere a uma síndrome constituída por um conjunto de ideias mórbidas que traduzem uma alteração fundamental do juízo, no qual o doente crê com uma convicção inabalável. No delírio, por exemplo, os mecanismos associativos do indivíduo desviam-se da realidade ou da lógica, podendo conduzir a juízos e raciocínios anormais, levando à produção de alucinações, percepções delirantes e ideias delirantes. Entende-se por surto psicótico um estado mental agudo caracterizado por grave desorganização psíquica e fenômenos delirantes e/ou alucinatórios, com perda do juízo crítico da realidade. A capacidade de perder a noção do que é real e do que é fantasia, criação da mente da própria pessoa, é um aspecto muito presente nos quadros agudos da esquizofrenia. A pessoa adoecida pode criar uma realidade fantasiosa, na qual acredita plenamente a ponto de duvidar da realidade do mundo e das pessoas ao seu redor. Fala-se em Percepção Delirante quando o paciente atribui à uma percepção normal da realidade um significado anormal sem que para isso, existem motivos compreensíveis. Não existe, neste caso, uma verdadeira alteração da percepção, mas 11 é a interpretação dessa percepção que sofre um juízo crítico distorcido e patológico. (BARBOSA, 2000 apud Ibidem). Jaspers (2000 apud IORIO, 2005) define o delírio com sendo um juízo patologicamente falseado e que deve, obrigatoriamente, apresentar três características: • Uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável com impossibilidade de se sujeitar às influências de quaisquer argumentações da lógica; • Um pensamento de conteúdo impenetrável e incompreensivo psicologicamente para o indivíduo normal; • Uma representação sem conteúdo de realidade, ou seja, que não se reduz à análise dos acontecimentos vivenciais. Dalgalarrondo (2000) divide as funções psíquicas em: consciência, atenção, orientação, vivências do tempo e do espaço, sensopercepção, memória, afetividade, vontade e psicomotricidade, pe nsamento, juízo de realidade, linguagem. Além das funções psíquicas compostas, que são consciência e valoração do eu, esquema corporal e identidade, personalidade e inteligência. Definiu a sensação como o fenômeno elementar gerado por estímulos físicos, químicos ou biológicos variados, originados de fora para dentro do organismo, que produzem alterações nos órgãos receptores, estimulando-os. Já por percepção entende-se a tomada de consciência de um estímulo sensorial. De acordo com Ballone (2005) a Sensopercepção é a Instância psíquica através da qual apreendemos o mundo externo, utilizando-nos de diversas variedades de estímulos, sendo esses visuais, táteis, auditivos, olfatórios ou gustativos. É a senso percepção que permite a aquisição dos elementos do conhecimento procedente do mundo exterior e do mundo interior, orgânico e psíquico. Ela requer a participação dos cinco sentidos externos (olfato, tato, visão, audição e paladar), dos sentidos internos (cenestésico, cinético e de orientação) e a percepção do mundo mental pela consciência. Esse mesmo autor salienta ainda que a sensação é o elemento primário do senso percepção. É o registro, na consciência, da estimulação produzida em qualquer dos aparelhos sensoriais. Elas podem ser externas (refletem propriedades e aspectos isolados 12 das coisas e fenômenos que se encontram no mundo exterior) e internas (refletem os movimentos de partes isoladas do nosso corpo e o estado dos órgãos internos). As sensações internas são de 3 tipos: 1. motoras ou cinéticas (nos orientam sobre os movimentos dos membros e do nosso corpo); 2. de equilíbrio (provém da parte interna do ouvido e indicam a posição do corpo e da cabeça); 3. E orgânicas ou proprioceptivas (se originam nos órgãos internos). A percepção, todavia, relaciona-se diretamente com a forma da realidade apreendida, ao passo em que a sensação se relacionaria aos fragmentos esparsos dessa mesma realidade. Ao ouvirmos notas musicais, por exemplo, estaríamos captando fragmentos, mas a partir do momento em que captamos uma sucessão e sequência dessas notas ao longo de uma melodia, estaríamos captando a forma musical. Sendo assim, existem três estágios de percepções: A percepção anterior à realidade consciente é a percepção despojada de toda e qualquer subjetividade, é a objetividade pura. Ela é anterior a toda e qualquer interpretação, anterior a toda e qualquer compreensão e anterior a toda e qualquer significação.Ela permite a experiência da própria percepção em estado puro. Ela é radicalmente exterior ao sujeito, é a percepção do mundo exterior objetivo por excelência. É uma sensação vazia de subjetividade. A percepção que se transforma na realidade consciente é a percepção cuja objetividade já remete à uma subjetividade ou à um significado consciente real. Ela não se permite circunscrever apenas ao mundo exterior e passa a pertencer ao mundo interior do sujeito. Trata-se da ponte que une o objeto ao sujeito (o mundo objetal ao sujeito), tal como uma porta que introduz o mundo exterior para dentro da subjetividade. Entretanto, esta percepção que se transforma na realidade consciente é somente uma porta de entrada, e é sempre ao mesmo tempo uma passagem do objeto ao sujeito, é tanto a porta quanto o trânsito através dela, e sempre no sentido que conduz da percepção à subjetividade. A percepção posterior à realidade consciente é a percepção que não contém propriamente uma nova subjetividade, mas toca nela a partir de 13 estímulos atuais. Ela reforça a subjetividade pré-existente e a partir dela, constrói novos elementos subjetivos. Portanto, enquanto a sensação oferece à pessoa o fundamental da realidade, na percepção esse fundamental se organiza de acordo com estruturas específicas, conferindo originalidade pessoal à realidade apreendida. A partir da percepção que se transforma na realidade consciente, o sujeito passa a oferecer às suas sensações um determinado fundo pessoal sobre o qual se assentarão as demais futuras sensações. Sim (2001), no entanto, considera a Psicopatologia como um método de estudo sistemático do comportamento, da cognição e da experiência anormais; o estudo dos produtos de uma mente com um transtorno mental. E conforme os preceitos estabelecidos por esse mesmo autor, essa análise inclui dois tipos de Psicopatologias: A Psicopatologia Explicativa, nas quais existem supostas explicações, de acordo com conceitos teóricos (p. ex., a partir de uma base psicodinâmica, comportamental ou existencial. A Psicopatologia Descritiva, que consiste na descrição e categorização precisa de experiências anormais, como são informadas pelo paciente, e observadas em seu comportamento. Figura 1. O Modelo das Psicopatologias propostas por Sim (2001). Sims (2001) distingue ainda que a Psicopatologia descritiva consiste por duas partes distintas: a observação do comportamento e a avaliação empática da experiência subjetiva. A observação acurada é extremamente importante e um exercício muito mais útil do que simplesmente contar os sintomas; às vezes o uso servil de listas de sintomas, para a verificação de sua presença ou 14 ausência, tem impedido a observação clinica genuína. A objetividade é crucial, além da necessidade de observar mais do que apenas o comportamento. A outra parte da Psicopatologia descritiva avalia a experiência subjetiva através da empatia como termo psiquiátrico, que significa literalmente "sentir-se como". A Psicopatologia refere-se tanto ao estudo dos estados mentais patológicos, quanto às manifestações comportamentais, ou experiências que possam indicar um estado mental patológico (ou psicologicamente anormal). Percebe-se, entretanto, que a sua principal preocupação está direcionada com a doença da mente. Revela-se por isso, um tema vasto a partir do momento em que se defronta com questões subjetivas, como por exemplo: o que é considerado doença? Qual a definição exata de um comportamento atípico? O que é um estado mental patológico? Além disso, a Psicopatologia está diretamente ligada com diferentes áreas do conhecimento, sobretudo, com a Psicologia, Psicanálise, Neurologia e Psiquiatria. Dessa forma, devido aos muitos discursos que ela abrange demonstra uma grande dificuldade de coesão teórica. Bases da psiquiatria infantil Estudos epidemiológicos baseados em critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edição (DSM-IV)1 apresentam a prevalência de transtornos psiquiátricos na faixa etária da infância e adolescência em torno de 10-15%, sendo mais frequentes os diagnósticos de transtornos de conduta/desafiador-opositivo (7,0%) e transtornos ansiosos (5,2%). Não há dados específicos sobre as principais causas de atendimento psiquiátrico emergencial nesta faixa etária no Brasil. Na literatura mundial, predominam: alterações de comportamento sem diagnóstico estabelecido, comportamento suicida, depressão, agressividade, abuso de substâncias e situações de violência. Possivelmente, estes resultados seriam replicados em nosso país. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), as taxas de suicídio entre 5-14 anos são de 1, 5:100.000 em meninos e 0, 4:100.000 em meninas e na faixa de 15-24 anos, 22:100.000 para o sexo masculino e 4, 9:100.000 para o feminino. Nos últimos 50 anos, estas taxas aumentaram entre 15 os mais jovens em relação aos mais velhos. Estes valores não contabilizam tentativas de suicídio, apenas óbitos reportados. Estima-se que o impacto dos atos suicidas, particularmente em adolescentes, seja consideravelmente maior do que os números relatados. Observa-se que muitas das situações de emergência psiquiátrica nesta faixa etária podem estar relacionadas a diferentes diagnósticos e podem tanto configurar o primeiro episódio de um transtorno psiquiátrico como o agravamento de um quadro pré-existente. Portanto, o atendimento emergencial é também o momento de diagnóstico diferencial. O curso é estruturado em três seções: avaliação psiquiátrica emergencial, apresentações clínicas e tratamento. Avaliação psiquiátrica A apresentação clínica de quadros psiquiátricos em crianças e adolescentes tende a ser distinta daquela de adultos. Numa avaliação, deve-se atentar para os sintomas apresentados, o impacto dos sintomas para o paciente e a família, fatores de risco e recursos para intervenção. Durante o exame psíquico, devem-se observar sinais que exijam intervenções imediatas, como agitação psicomotora, agressividade, alterações de nível de consciência e comportamento suicida. Os exames físico e neurológico são necessários para o diagnóstico de complicações clínicas de transtornos psiquiátricos, como intoxicações em dependentes químicos e alterações metabólicas em tentativas de suicídio ou transtornos alimentares, além do diagnóstico diferencial de doenças clínicas que podem apresentar manifestações psiquiátricas. Podem ser necessários exames complementares, como testagem para identificação de drogas, hemograma, perfil hidroeletrolítico, monitoramento cardíaco e tomografia computadorizada. O engajamento da família é fundamental desde a avaliação inicial, para obtenção de dados objetivos sobre a história e o ambiente do paciente, além da avaliação da situação familiar. A presença ou ausência de suporte familiar e social são fatores determinantes na avaliação de risco do paciente e podem determinar a decisão quanto à necessidade de internação. Desenvolvimento Infantil 16 Os primeiros 1.000 dias de vida representam uma oportunidade única e decisiva para o desenvolvimento de todo ser humano. Durante essa janela crucial de oportunidades, as células cerebrais podem fazer até 1.000 novas conexões neuronais a cada segundo – uma velocidade única na vida. Essas conexões formam a base das estruturas cerebrais e contribuem para o funcionamento do cérebro e a aprendizagem das crianças e criam as condições para a saúde e a felicidade delas no presente e no futuro. A falta de atenção integral – que inclui acesso à saúde, nutrição adequada, estímulos, amor e proteção contra o estresse e a violência – pode impedir o desenvolvimento das estruturas cerebrais. Dessas conexões fundamentais. Avanços na neurociência provaram que quando as crianças passam seus primeiros anos – particularmenteos primeiros 1.000 dias desde a concepção até os 2 anos de idade – em um ambiente estimulante e acolhedor, novas conexões neuronais se formam na velocidade ideal. Essas conexões neurais ajudam a determinar a capacidade cognitiva de uma criança, como elas aprendem e pensam, sua capacidade de lidar com o estresse, e podem até influenciar o quanto elas ganharão quando adultas. O desenvolvimento infantil é um processo de aprendizado pelos quais as crianças passam para adquirir e aprimorar diversas capacidades de âmbito cognitivo, motor, emocional e social. Ao conquistar determinadas capacidades, a criança passa a apresentar certos comportamentos e ações (como, por exemplo, dizer a primeira palavra, dar os primeiros passos, etc.) que são esperados a partir de determinada idade. O desenvolvimento infantil acaba por ser um conjunto de aprendizados que, pouco a pouco, vai tornando a criança cada vez mais independente e autônoma. Durante o processo de desenvolvimento, a criança evolui em diferentes aspectos de sua formação. A evolução não se dá somente no crescimento físico da criança, mas também na sua parte cognitiva e social, dentre outras. Desenvolvimento afetivo O desenvolvimento afetivo está relacionado aos sentimentos e às emoções e é perceptível por parte da criança desde a fase de bebê. Um bebê é 17 capaz de compreender a recepção de carinho e de amor, e também de amar e de criar laços afetivos com os pais e com outras pessoas próximas, principalmente com aquelas com as quais tem mais convívio. O estabelecimento dessas relações é fundamental para que a criança desenvolva sua inteligência emocional e não tenha, no futuro, problemas afetivos. Desenvolvimento cognitivo O desenvolvimento cognitivo refere-se à parte mais intelectual do ser humano. Diz respeito à atenção, ao raciocínio, à memória e à capacidade de resolver problemas. A cognição do ser humano é desenvolvida com o tempo. Enquanto bebê, uma pessoa não tem uma capacidade de memória muito aguçada. Em geral, as pessoas não têm, por exemplo, recordações de acontecimentos que tenham tido lugar antes dos seus dois anos de idade. O desenvolvimento cognitivo infantil permite que a criança interprete, assimile e se relacione com os estímulos do ambiente que a cerca e com a sua própria essência. Desenvolvimento físico O desenvolvimento físico é aquele através do qual as crianças desenvolvem habilidades e capacidades motoras como sentar, andar, ficar em pé, pular, correr, etc. Em atividades que requerem mais precisão, como por exemplo, escrever, o desenvolvimento físico fica também dependente do desenvolvimento cognitivo. Desenvolvimento social Com o desenvolvimento social, a criança aprende a interagir em sociedade. É com base nesse tipo de desenvolvimento que a criança estabelece com outras pessoas uma espécie de intercâmbio de informações, que permite adquirir cultura, tradições e normas sociais. A importância de brincar no desenvolvimento infantil está diretamente relacionada com esse tipo de desenvolvimento, pois através da socialização com 18 outras crianças, são desenvolvidas certas capacidades de interação e noções de limites. Fases do desenvolvimento infantil As etapas do desenvolvimento infantil foram o principal tema de estudo do psicólogo suíço Jean Piaget. Durante o tempo em que trabalhava em uma escola, Piaget se interessou por observar o raciocínio utilizado pelas crianças para responder as perguntas de seus professores. Posteriormente, passou a observar também os seus filhos e desta forma, acabou por subdividir as fases da infância. A teoria de Piaget considera que o desenvolvimento infantil consiste em quatro fases no que diz respeito à cognição: Sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Confira as fases do desenvolvimento infantil por idade: Sensório-motor: 0 a 2 anos Nessa fase do desenvolvimento, a criança desenvolve a capacidade de se concentrar em sensações e movimentos. O bebê começa a ganhar consciência de movimentos que, anteriormente, eram involuntários. Ele percebe, por exemplo, que ao esticar os braços pode alcançar determinados objetos. Durante esse período, ocorre o desenvolvimento da coordenação motora. Os bebês nessa faixa etária só têm consciência daquilo que podem ver e é por isso que choram quando a mãe sai do seu campo de visão, mesmo que ela esteja muito perto. Pré-operatório: 2 a 7 anos Esse é o período onde ocorrem representações da realidade dos próprios pensamentos. Nessa fase, algumas vezes a criança não tem a real percepção dos acontecimentos, mas sim a sua própria interpretação. Ao observar um copo fino e alto e um copo baixo e largo que comportam a mesma quantidade, por 19 exemplo, a criança acredita que o copo alto comporte uma quantidade maior. Durante esse período também é possível notar uma fase bastante acentuada do egocentrismo e a necessidade de dar vida às coisas. É a fase dos “porquês” e da exploração da imaginação, ou seja, do dito faz de conta. Operatório concreto: 8 a 12 anos Nessa fase começa a ser demonstrado o início do pensamento lógico concreto e as normas sociais já começam a fazer sentido para a criança. A criança é capaz de entender, por exemplo, que um copo fino e alto e um copo baixo e grosso podem comportar a mesma quantidade de líquido. Nessa faixa etária, o desenvolvimento da criança já contempla conhecimentos sobre regras sociais e sobre o senso de justiça. Operatório formal: a partir dos 12 anos Aos 12 anos a criança já possui a capacidade de compreender situações abstratas e experiências de outras pessoas. Mesmo que a própria criança jamais tenha vivido determinada experiência e nem mesmo nada parecido, ela passa a ter a capacidade de compreender através de situações vividas por outros, ou seja, a compreender situações abstratas. O pré-adolescente também já é capaz de criar situações hipotéticas, teorias e possibilidades e de começar a se tornar um ser autônomo. Os marcos do desenvolvimento infantil consistem em certos comportamentos ou capacidades que se esperam das crianças em determinadas faixas etárias. É importante referir que esses marcos podem acontecer mais cedo para umas crianças do que para outras, mas uma variação de tempo excessivamente grande pode significar algum distúrbio de desenvolvimento. Apesar da definição do conceito de fases do desenvolvimento piagetiano, o próprio Piaget defende que esse desenvolvimento poder ser beneficiado por certos estímulos e por um ambiente apropriado para crianças. Os principais fatores que podem impactar o desenvolvimento infantil são: • Ambiente onde a criança vive. 20 • Hereditariedade. • Alimentação. • Problemas físicos. Psicologia do desenvolvimento infantil A psicologia do desenvolvimento infantil é responsável por estudar as alterações que ocorrem no comportamento do ser humano durante a infância e defende que ele precisa passar por algumas etapas de aprendizado para finalmente adquirir determinada capacidade. Esse estudo engloba não só o desenvolvimento emocional/afetivo (emoções e sentimentos), mas também o cognitivo (conhecimento/razão), o social (relações sociais) e o psicomotor (funções motoras e psíquicas). A psicologia do desenvolvimento busca estudar também os fatores que promovem as mudanças de comportamento que levam a determinado fim. O psicólogo suíço Jean Piaget, fez uma analogia entre o desenvolvimento infantil e o desenvolvimento de um embrião: ele considerou que o percurso do desenvolvimento infantil consistia em fases e que a conclusão de uma determinada fase era condição necessária para passar à fase seguinte, ou seja, defendia que o desenvolvimento ocorria de forma sequencial, sem pular etapas. Piaget definiu o desenvolvimento cognitivo como uma espéciede embriologia mental. A construção da criança enquanto indivíduo está diretamente relacionada com o ambiente que a cerca. A demanda do ambiente pode influenciar diretamente o alcance de determinadas capacidades. Essa condição estabelece algumas relações do desenvolvimento infantil com a aprendizagem: uma criança que não sofre estímulos, pode, por exemplo, desenvolver certas capacidades mais tarde ou até mesmo vir a não as desenvolver. Em outras palavras, se o ambiente não demanda, a criança pode não “reagir” e não “construir”. Em suma, a psicologia do desenvolvimento infantil defende que a construção acontece através da interação com o meio. 21 Teoria de Piaget vs. teoria de Vygotsky No domínio da psicologia, Jean Piaget e Lev Vygotsky foram grandes estudiosos do desenvolvimento infantil. Ambos são considerados construcionistas e interacionistas, pois defendem que nada acontece sem uma interação e que tudo precisa passar por um processo de construção até alcançar determinado fim. A diferença entre a teoria de Piaget e a teoria de Vygotsky são as mediações utilizadas para abordar a interação. Piaget considera que a interação se dê por meio da ação da criança. Desta forma ocorre uma troca com o meio; a criança age e aprende por experiência própria, não há uma pessoa ensinando. Para Vygotsky, a mediação ocorre por meio de ferramentas culturais, ou seja, o aprendizado ocorre quando a criança interage ou coopera com pessoas que fazem parte do seu ambiente. Posteriormente, esses processos de aprendizados são internalizados e passam a fazer parte do desenvolvimento independente da criança. Em outras palavras, para Vygotsky o desenvolvimento infantil é resultado do convívio social. Exame Psíquico ou mental da criança Ao contrário do exame físico, que é descritivo, o exame psíquico tende a ser menos descritivo e mais compreensível, ou seja, a não se transformar em um observador e um observado. O entrevistador deve saber que ele é uma variável de grande significado e que o exame é uma interação entre duas pessoas. Seus sentimentos naquele momento se influenciam mutuamente, e grande parte dessa influência ocorre de uma forma que ambos não se dão conta, ou seja, inconscientemente. No exame psíquico da criança procura-se colher dados necessários para traçar o perfil de seu estado ou funcionamento mental. Este perfil será o resultado da observação de um conjunto de funções psíquicas que correspondem, na sua maior parte, à vida consciente da criança. 22 Grande parte das funções psíquicas da criança está sob o domínio do ego, por isso são chamadas de funções do ego. Elas são responsáveis pelo controle das funções motoras, desenvolvimento da fala, memória, percepção, atenção, inteligência, noção de realidade e pensamento. No bebê estas funções estão embrionárias, mas ele possui uma predisposição genética para desenvolvê-las. No exame da criança interessa ao entrevistador a observação das funções psíquicas porque elas revelam, em parte, o caminho seguido pela criança e os fatores que estariam influenciando esse desenvolvimento. No transcorrer do exame psíquico, prioriza-se o funcionamento mental. O ideal seria que a criança fosse avisada, um ou dois dias antes da entrevista, de que irá ao médico e lhe seja informado também o motivo. As explicações deverão ser simples e claras, respeitando a idade da criança. Os pais deverão orientá-las de que se trata de uma consulta diferente, que o médico estará interessado em conhecê-la para poder ajudá-la em suas dificuldades. Dizer que o médico irá colocar à sua disposição jogos, material de desenho, brinquedos que poderá usar, ou, caso preferir, poderá conversar, e não será obrigada a fazer nada que não queira. O entrevistador deve estar atento ao que ocorre com a criança desde o momento de sua entrada na sala até a sua saída. No exame da criança, três variáveis importantes entram em jogo: o entrevistador, a criança e o próprio local do exame. Deve-se dar preferência a um consultório cujo ambiente lembre mais uma sala comum do que uma sala de exames com seu mobiliário convencional. O espaço deve ser suficiente para permitir que a criança brinque à vontade e sua localização deve protegê-la de estímulos sonoros intensos e desagradáveis que possam desviar a atenção da criança. O material que fica à disposição da criança deve estar contido em uma caixa, na qual deve ter: pequenos bonecos, animais selvagens e domésticos, carrinhos, blocos para construção, massa de modelar, lápis de cor, cola, papel, tesoura, tinta, pincel, pedaços de barbante. Alguns profissionais propõem a inclusão de jogos tipo pega-varetas, dominó, jogo da velha, que tem a preferência dos pré-adolescentes (PORTO, 1997). Em algumas circunstâncias, pode-se passear com a criança em volta da quadra ou ir a algum local de seu interesse, até mesmo a sua casa. Tanto o 23 desenho e o brinquedo, como a linguagem, possuem um conteúdo manifesto ou narrativo e um conteúdo latente ou inconsciente. Na avaliação psiquiátrica e psicológica, ambos são importantes, ainda que se dê ênfase ao conteúdo simbólico dos mesmos. Mas é por meio de seu aspecto narrativo que se observa a facilidade de a criança transitar entre a realidade e a fantasia, sua capacidade de expressão ligada a seus estados maturativos, sua riqueza imaginativa ou a pobreza de representação, resultado neste caso de falhas ou déficit cognitivos de ordem cultural, intelectual ou de bloqueio emocional. É colocado à disposição da criança todo o material, e espera-se que ela tome a iniciativa, seja para utilizá-lo ou iniciar um diálogo, mas ela nem sempre o faz. Neste caso, ela não deve ser forçada a brincar, fazer ou dizer alguma coisa. Quando a criança está desacompanhada, no transcorrer da entrevista pode passar-se algo de natureza ansiogênica, consciente ou não, que lhe desperte a vontade de sair da sala. O entrevistador deve permitir, pois sabe que ela necessita se reassegurar junto à mãe de que tudo vai bem para prosseguir e voltar à sala. Com a criança pequena, a dificuldade maior está no início da entrevista. Uma vez obtida sua confiança, a entrevista transcorre dentro da livre iniciativa e espontaneidade de que a criança pequena é capaz. Na criança em fase de latência e nos adolescentes ocorre o contrário. Tenham vindo pela sua própria vontade ou não, eles comumente não se recusam a entrar no consultório para a entrevista, mas é justamente o seu desenrolar que se torna algumas vezes extremamente penoso. A criança até os cinco ou seis anos de idade é capaz de se exprimir espontaneamente e com naturalidade sobre sua vida, amigos, casa. Ela é mais liberal em revelar seus pensamentos e fantasias. Na criança maior, na latência, já começam a operar mecanismos de defesa que vão influenciar na expressão de sua vida de fantasia, empobrecendo-a. A criança, com frequência, torna-se incapaz de expressar fácil e vivamente suas imaginações. No exame da criança, é necessário investigar os seguintes itens: aparência geral; atitude geral; atividade motora; atenção e concentração; temperamento, afeto e humor; memória; orientação e percepção; pensamento; 24 linguagem e fala; defesas, fantasia, imaginação e devaneio. Aparência geral: não é conveniente inspecionar formalmente a criança. A observação da aparência geral se faz ao longo do exame, por meio do “olhar de superfície”. Longe de ser objetivado como superficial, pouco sério, diz respeito a uma cuidadosa, porém discreta, observação da criança no que diz respeito ao seu aspecto físico, harmonia de traços, presença de lesões, anomalias. Verificar seu modo de vestir sugere bom trato ou desleixo, observar sua fisionomia e postura (apática, viva, alegre, triste, inibida, descontraída, ansiosa). Atitude geral: refere-se ao comportamento da criança duranteo exame. Como se comporta na antessala? E ao entrar na sala? Entrou com facilidade? Quis sair antes do tempo? Interrompeu a atividade para ir ver a mãe? Mostrou-se hostil com o entrevistador? • Atividade motora: a suspeita de perturbações da psicomotricidade pode ser levantada, ou mesmo confirmada, a partir da observação das atividades espontâneas da criança ao brincar, desenhar, correr, pular ou andar. Deve ser observada sua marcha enquanto ela se movimenta. Tem boa coordenação para a idade? É lenta? Atenção e concentração: a criança se concentra em alguma atividade ou no diálogo? Passa de uma atividade a outra sem cessar e sem terminar a antecedente? A capacidade de atenção e concentração modifica-se com a idade. Na criança pequena, a atenção e a concentração estão intimamente ligadas ao seu interesse imediato e particular. Na criança maior, é esperado que ela consiga organizar-se e se manter em brincadeiras mais estruturadas e elaboradas. Vários fatores contribuem para este fim, entre eles a atenção e a concentração. Na criança pequena é normal ocorrerem desvios de tema, mudanças de assuntos, associações estranhas, pela falta de atenção e interesse, enquanto, no adolescente e adultos, isso pode ser a tradução de um distúrbio do pensamento. Temperamento, afeto e humor: referem-se aos sentimentos expressos durante o exame. Como variou e, se possível, o que motivou sua flutuação. Sua relação com as atividades verbais e não verbais da criança. Na criança maior e no adolescente é possível obter informações adicionais sobre como se sentem, seu humor e afetos pelos seus próprios relatos. Memória: uma queixa frequente nos consultórios diz respeito à memória e é expressa das mais diversas formas: “Ele esquece todos os seus objetos na escola”. “Aprende a matéria e no dia seguinte já esqueceu tudo”. “Ele 25 não sabe onde colocar suas coisas”. Mesmo com queixas eloquentes, a memória não se torna a função-chave a ser pesquisada no sentido de detectar uma afecção orgânica. Estas lesões são raras na infância. Sabe-se que mecanismos psíquicos inconscientes estão operando ativamente neste período, interferindo na vida consciente da criança, e são observados no seu comportamento, como a indiferença, a falta de curiosidade, o esquecimento e o embotamento cognitivo. A memória está intimamente ligada à atividade da atenção e, portanto, distúrbios da atenção e a hiperatividade motora são fatores que podem comprometê-la. A consciência/vigilância interfere na atenção. Orientação e percepção: estas duas funções dizem respeito à capacidade da criança em perceber e compreender a realidade. O fator idade influencia decisivamente nesta capacidade. Na criança pequena, a fronteira entre a realidade e a fantasia, as noções de tempo e espaço, são vagas e imprecisas. Avaliar a orientação da criança é procurar saber se ela demonstra conhecimento sobre sua pessoa (quem ela é, seu nome, onde mora, sua idade, se estuda) e se tem noção de espaço e tempo. Na criança, estes dois últimos conceitos não estão muito claros e não se deve esperar que ela domine as relações de espaço e lugar (longe, perto, em frente, ao lado, fora da cidade, no centro) e do tempo (ontem, hoje, amanhã, mês, ano). Analisar a percepção é procurar saber em que medida a criança é capaz de diferenciar entre o real e a fantasia e, consequentemente, sua adaptação a esta realidade. Por exemplo: Uma criança de seis anos, intensamente perturbada, reagir com pavor, recusando-se a entrar na sala ao ver um buraco no teto. Em uma criança saudável desta idade, esse mesmo buraco despertaria curiosidade e uma série de perguntas. Em relação à percepção, é importante notar se a criança utiliza seus órgãos sensoriais de forma adequada e se estão organicamente intactos. Pensamento: o pensamento da criança, de modo geral, reflete-se na sua conversa, nas suas brincadeiras, jogos e produções. Ouvir a criança falar permite obter um grande número de informações. É importante lembrar que o pensamento da criança pequena tem características que a diferenciam do 26 pensamento do adulto. Em razão de sua própria imaturidade, seu pensamento pode expressar-se por associações pouco claras, mal ordenadas, que fogem à lógica formal do pensamento do adulto. Baseia-se muito mais no seu modo pessoal e autorreferente de ver a realidade. Na criança maior, por exemplo, na fase de latência, já são exigidas uma melhor ordenação e uma clareza maior do seu pensamento. Linguagem e fala: a fala também é objeto de observação, e seus distúrbios são frequentemente motivos de consultas. No exame psíquico, a atenção do entrevistador, muitas vezes, está dirigida ao modo como a criança usa a linguagem, porém ele não deve prescindir de observá-lo na sua forma efetora. Se a criança discursa, deve-se observar se a fala: a) é utilizada como meio de comunicação para se manter uma conversa e fornecer informações. b) é empregada como uma forma de se defender, evitar o contato, expressando- se de forma restrita, lacônica e econômica. c) não tem relação com a comunicação. Neste caso, ela é manipulada como um objeto, um material sonoro. As palavras perdem seu sentido, são emissões sonoras reagrupadas ou remodeladas pela criança. Pode ser observada na linguagem do psicótico ou também fazendo parte de brincadeiras que crianças pequenas gostam de fazer aproximando as palavras, construindo frases por aproximações sonoras mesmo que eles não façam sentidos. É comum o uso de neologismos (criação ou modificação de algumas palavras). Se a criança não fala, deve-se observar se a criança: a) utiliza meios extravertais, como gestos, expressões faciais ou linguagem escrita para se comunicar e se dirige sua atenção e seu olhar ao examinador de forma significativa. b) ou se a ausência da fala faz parte de um quadro em que o aspecto relacional, ou outras funções, também está comprometido. Defesas: são recursos utilizados pela criança de forma consciente ou inconsciente para evitar ou manter a ansiedade no nível mais baixo possível frente a situações antigênicas de origem interna ou externa (PORTO, 1997). São exemplos de recursos utilizados pela criança: 27 • A racionalização que um garoto de 11 anos utiliza quando tenta, por meio de explicações lógicas (pivetes, assaltantes), justificar a sua recusa de sair desacompanhado à rua, mesmo que seja até a esquina bem próxima à sua casa. • A negação da criança pequena que, durante o exame, brinca somente com a mãe, tenta ignorar a presença do entrevistador e negar a situação de exame, utilizando um “faz de conta que estou só com a mamãe”. • A regressão na criança que passa a falar de modo infantilizado. • A adultização observada na criança que passa a falar de modo afetado, com frases bem elaboradas e rebuscadas, ou por meio de suas observações. Como, por exemplo, no menino de sete anos que olhando os brinquedos diz: “Quando eu era criança eu gostava de brincar com eles. Eu não brinco, é só para crianças pequenas”. A repressão pode ser a responsável pelo “branco” que dá na criança que não consegue brincar e à qual não ocorre nada para dizer durante a entrevista. Em outras, a repressão pode ser presumida não pela ausência de produções, mas pelo modo repetitivo e pobre com que se manifesta (PORTO, 1997). Avaliação Neuropsicológica A avaliação neuropsicológica é um procedimento que tem por objetivo investigar as funções cognitivas (conhecimentos complexos) e práxicas (atividade motora fina) dos pacientes, buscando elucidar os distúrbios de atenção, memória e sensopercepção, além de alterações cognitivas específicas como gnosias, abstração, capacidade de raciocínio, cálculo e planejamento, bem como seus diagnósticos diferenciais. Esta complexa avaliação é realizada por psicólogos e neurologistas treinados na avaliaçãodas “funções nervosas superiores” e utiliza de testes neurológicos e psicológicos específicos, padronizados e validados, sendo realizados em etapas sucessivas, baseados em dados comparativos, segundo o 28 esperado para cada faixa etária, nível socioeconômico e escolaridade. Esta extensa e minuciosa testagem, são solicitadas por médicos geriatras, neurologistas, psiquiatras e psicólogos, além de outros profissionais envolvidos com a área de reabilitação em geral, sendo usada para nortear indicações terapêuticas medicamentosas e de reabilitação, com técnicas específicas aplicadas a distúrbios por déficit de atenção, com ou sem hiperatividade associada, diagnóstico diferencial dos déficits cognitivos e avaliação de distúrbios mentais, assim como, as demências (isquêmica por multi infartos, Alzheimer e outras) sendo, também, útil para o diagnóstico diferencial de depressão. A avaliação neuropsicológica na Doença de Alzheimer (DA) é o principal instrumento para diagnosticar o tipo e a intensidade dos distúrbios de atenção, memória e desempenho intelectual, permitindo acompanhar, em exames sucessivos, a progressão mais rápida ou lenta da DA, oferecendo nas fases iniciais a possibilidade de diferenciar os sintomas da DA da depressão. O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade é bastante comum e se caracteriza por dificuldade em manter a atenção, inquietude acentuada (por vezes hiperatividade) e impulsividade. Ele também é chamado de Distúrbio do Déficit de Atenção. É mais comum na infância, embora, em muitos casos, o transtorno acompanhe o indivíduo na vida adulta. Nestes casos, os sintomas são mais brandos, quando comparados aos de crianças. A avaliação neuropsicológica permite, além do diagnóstico, a diferenciação de um distúrbio de atenção secundário apenas a ansiedade, nervosismo e preocupações, além de estimar a intensidade do problema e permitir, em exames sucessivos, o resultado do tratamento. A Epilepsia é uma alteração temporária e reversível do funcionamento do cérebro, que não tenha sido causada por febre, drogas ou distúrbios metabólicos. Durante alguns segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais elétricos incorretos, que podem ficar restritos a esse local ou espalhar-se. Por isso, algumas pessoas podem ter sintomas menos evidentes de epilepsia. Mas isso não significa que o problema tenha menos importância. Os sintomas epilépticos são: crises de ausência, distorções de percepção ou movimentos 29 descontrolados de uma parte do corpo, medo repentino, desconforto abdominal, perda de consciência, confusão e alteração de memória transitórias. Em crises mais graves, o paciente primeiro perde a consciência e cai, ficando com o corpo rígido; depois, as extremidades do corpo se debatem involuntariamente. É comum que os pacientes epilépticos tenham queixa de episódios de “desligamentos” os quais não são necessariamente de natureza epiléptica. Nesses casos, tais desligamentos estar associado a ansiedade, o que pode ser identificado numa avaliação neuropsicológica. Os distúrbios da memória em pacientes epilépticos podem relacionar com alterações anatômicas ou funcionais de regiões do cérebro associadas à memória ou, então, serem decorrentes de distúrbio de atenção ou ansiedade. Isto é diferenciado pela avaliação neuropsicológica. Os pacientes candidatos à cirurgia de epilepsia passam pela avaliação neuropsicológica. O objetivo é indicar a possibilidade de sequelas que venham ser provocadas pela intervenção cirúrgica, como perda de memória e da fala. A Depressão é um distúrbio complexo do humor e não um quadro simples de tristeza. É uma doença do corpo como um todo, físico e mental, com alteração do humor e do pensamento. Uma doença depressiva não é uma "fossa" ou "um baixo astral" passageiro. Na Depressão observa-se perda de memória, desatenção, lentidão, incapacidade de tomar decisões, extrema irritabilidade, fadiga crônica, falta de apetite e dores sem explicação. A avaliação da memória, da atenção, da ansiedade e da depressão com aplicação na neurologia, psiquiatria e psicologia é feita com a avaliação neuropsicológica. A avaliação neuropsicológica na Doença de Alzheimer (DA) é o principal instrumento para diagnosticar o tipo e a intensidade dos distúrbios de atenção, memória e desempenho intelectual, permitindo acompanhar, em exames sucessivos, a progressão mais rápida ou lenta da DA, oferecendo, nas fases iniciais, a possibilidade de diferenciar os sintomas da DA da depressão. 30 Transtornos do neurodesenvolvimento Os transtornos do neurodesenvolvimento resultam de desenvolvimento ou maturação deficiente do sistema nervoso central. Fatores genéticos e ambientais podem contribuir para a patogênese desses distúrbios; no entanto, as causas exatas são frequentemente complexas, pouco claras e geralmente multifatoriais. Indivíduos com transtornos do neurodesenvolvimento podem apresentar déficits com diversas manifestações, incluindo desafios com função sensorial, função motora, aprendizado, memória, função executiva, emoção, ansiedade e habilidade social. Embora essas funções sejam mediadas por múltiplas regiões cerebrais, o hipocampo representa uma importante área, atuando na rede neural de comportamentos relacionados. Atualmente há uma extensa pesquisa que suporta papéis importantes do hipocampo de mamíferos no aprendizagem e cognição. Além disso, com seus altos níveis de plasticidade sináptica dependente de atividade e neurogênese vitalícia, o hipocampo é sensível à experiência, exposição e suscetível a doenças e lesões (LI et al., 2018). Embora a maioria dos achados nesse contexto sejam em modelo animal, podemos ter expectativas positivas acerca do papel do hipocampo na neurobiologia desses transtornos. Retardo mental O retardo mental (RM) é um dos transtornos neuropsiquiátricos mais comuns em crianças e adolescentes. A taxa de prevalência tradicionalmente 31 citada é de 1% da população jovem1,2, porém alguns autores mencionam taxas de 2 a 3%, e há estimativas de até 10%. Há um consenso geral de que o RM é mais comum no sexo masculino, um achado atribuído às numerosas mutações dos genes encontrados no cromossomo X. A razão entre os sexos masculino e feminino é de 1,3 a 1,9 para 13. As crianças acometidas muitas vezes apresentam-se ao pediatra geral com queixa de atraso na fala/linguagem, alteração do comportamento, ou baixo rendimento escolar. O diagnóstico de RM é definido com base em três critérios: início do quadro clínico antes de 18 anos de idade; função intelectual significativamente abaixo da média, demonstrada por um quociente de inteligência (QI) igual ou menor que 70; e deficiência nas habilidades adaptativas em pelo menos duas das seguintes áreas: comunicação, autocuidados, habilidades sociais/interpessoais, auto orientação, rendimento escolar, trabalho, lazer, saúde e segurança. O QI normal é considerado acima de 85, e os indivíduos com um escore de 71 a 84 são descritos como tendo função intelectual limítrofe. Os testes do QI são mais válidos e confiáveis em crianças maiores de 5 anos, e por isso muitos autores preferem termos alternativos ao RM, tais como atraso do desenvolvimento, dificuldade do aprendizado, transtorno do desenvolvimento10 ou deficiência do desenvolvimento11. Além disso, como os testes do QI nem sempre estão disponíveis, há uma tendência natural a utilizar os termos atraso do desenvolvimento e RM como sinônimos, mas é preciso ter em mente que nem toda criança pequena com retardo na aquisição dos marcos do desenvolvimento terá RM quando testada formalmente em uma idade maior. A despeito dos recentes avanços nos instrumentos de investigação médica, a etiologia do RM permanece desconhecida em 30 a 50% dos casos. Utilizam-se diferentes classificações com a finalidade defacilitar a investigação clínica do RM. Pode-se classificá-lo quanto à época do evento causal em pré- natal, perinatal ou pós-neonatal. Classicamente, correlaciona-se a intensidade do RM com o escore do QI. Assim, as crianças com QI de 50-55 a 70 têm RM leve; as com QI de 35-40 a 50-55, RM moderado; aquelas com QI de 20-25 a 35-40, RM grave; e as com QI inferior a 20-25, RM profundo. O RM leve é 7 a 10 vezes mais comum que o RM moderado ou grave. Um esquema mais prático 32 subdivide o RM em leve (QI de 50-70) e grave (QI < 50), o qual será adotado ao longo deste artigo. Frequentemente se afirma que a chance de esclarecer a etiologia é maior naqueles com RM grave, mas à medida que as novas técnicas de diagnóstico genético e molecular se tornam disponíveis para o clínico, a probabilidade de selar o diagnóstico independe da intensidade do RM. As causas de RM podem ser genéticas ou ambientais, e congênitas (por exemplo, exposição fetal a teratógenos, distúrbios cromossômicos) ou adquiridas (por exemplo, infecção do sistema nervoso central, traumatismo craniano). O RM pode, ainda, ser categorizado em sindrômico, isto é, a criança apresenta características dismórficas associadas que levam à identificação de uma síndrome genética, ou não-sindrômico. Convém mencionar que os recém- nascidos diagnosticados com defeitos estruturais congênitos têm uma chance 27 vezes mais alta de receber o diagnóstico de RM aos 7 anos de idade. A neurobiologia do retardo mental O mapeamento do genoma humano e a capacidade de desligar ("nocautear") um determinado gene em animais de laboratório possibilitaram o estudo das alterações intracelulares específicas de cada mutação gênica e a correlação de uma molécula deficiente com o resultante déficit cognitivo, estabelecendo as bases celulares da cognição. Os neurônios são as unidades condutoras de sinais do sistema nervoso e apresentam dois tipos de prolongamentos: vários dendritos curtos, que são arborizados e recebem os sinais de outros neurônios, e um único axônio longo, que transmite os sinais adiante. As espinhas dendríticas são elementos diminutos localizados em locais pós-sinápticos das sinapses excitatórias; como locais de contato entre axônios e dendritos, medeiam a plasticidade sináptica que fundamenta o aprendizado, a memória e a cognição. Isto é, a remodelagem das sinapses e as alterações na forma e no número das espinhas dendríticas são a base anatômica do aprendizado e da memória. Ademais, diversas proteínas codificadas por genes cujas mutações produzem RM ligado ao cromossomo X executam as vias de sinalização que regulam a morfologia das espinhas dendríticas, a liberação de neurotransmissores, o crescimento dos 33 axônios e o citoesqueleto de actina. A hipótese atual é a de que o RM se origina de um defeito da estrutura e função das sinapses neuroniais. Há várias décadas, sabe-se que o RM está associado a anormalidades dos dendritos e das espinhas dendríticas. Recentemente, estudos dos neurônios piramidais no córtex cerebral e hipocampo de pacientes com as síndromes de Down, Rett e do X-frágil confirmaram a presença de anormalidades na forma e ramificação das espinhas dendríticas. O conceito de plasticidade abrange as capacidades do cérebro de ser moldado pela experiência, de aprender e recordar e de reorganizar-se e recuperar-se após uma lesão. A plasticidade se desenvolve a partir da interação das vias excitatórias e inibitórias atuantes nas sinapses, com um predomínio das primeiras, servidas pelo neurotransmissor glutamato. A ativação dos receptores glutamatérgicos de NMDA e AMPA leva à formação e estabilização das sinapses. As proteínas intracelulares Rho-GTPases também estão implicadas, pois regulam o citoesqueleto de actina, o qual é crucial para o crescimento e a diferenciação dos neurônios. O aprendizado e a memória envolvem alterações a curto prazo na força ou eficácia da neurotransmissão nas sinapses, bem como alterações a longo prazo na estrutura e no número das sinapses. A transcrição de genes é a via comum final para o registro das memórias a longo prazo e para a construção de circuitos neuroniais maduros no cérebro em desenvolvimento. Assim, o mecanismo de plasticidade envolve a estimulação por neurotransmissores de receptores na superfície celular, a ativação de cascatas de sinalização intracelular, a transcrição de genes e a síntese de proteínas novas que modificam a forma física e o número das sinapses (figura 1). http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572004000300010#fig01 34 A descoberta recente de que o RM ligado ao X pode decorrer de mutações nos genes que codificam as proteínas PAK3, OPHN1 e ARHGEF6, todas as quais interagem com as Rho-GTPases, enfatiza a importância dos mecanismos celulares descritos acima para a função cognitiva. Em 1999, Amir et al. relataram que mutações do gene MECP2, que codifica a proteína 2 de ligação a metil-CpG ou MeCP2, são responsáveis por mais de 80% dos casos da síndrome de Rett, uma causa de RM no sexo feminino. O córtex cerebral humano exibe um padrão interessante de expressão de MeCP2: a proteína é muito escassa ou ausente nos neurônios imaturos, mas permanece alta nos neurônios maduros pelo resto da vida. Além disso, demonstrou-se uma redução na ramificação dendrítica dos neurônios piramidais em determinadas regiões do córtex cerebral tanto na síndrome de Rett quanto no autismo. A síndrome do X-frágil é uma causa hereditária comum de RM. A síndrome está quase sempre associada à expansão da repetição dos três nucleotídeos CGG presentes no gene FMR1, situado no lócus Xq27.3. O gene 35 FMR1 codifica a proteína FMRP, que se liga ao RNAm, e sua ação reguladora da transcrição-tradução é importante na maturação e função das sinapses. Em indivíduos normais, as repetições CGG possuem de 6 a 54 unidades, enquanto aqueles com a síndrome exibem uma expansão acima de 200 unidades, constituindo a mutação plena. Um número de repetições CGG maior do que 200 resulta em hipermetilação do segmento, silenciando a transcrição do gene FMR1 - portanto, a proteína FMRP está ausente. Os indivíduos com 55 a 200 repetições são considerados portadores da pré-mutação, a qual é instável e tende a expandir-se durante a primeira divisão meiótica feminina. Camundongos que tiveram o gene FMR1 nocauteado apresentaram macroorquidia e déficits do aprendizado e da memória, simulando o fenótipo humano. Estudos patológicos em pacientes com a síndrome do X-frágil e em camundongos modificados geneticamente observaram espinhas dendríticas anormais, fortalecendo o conceito de que a disgenesia das espinhas dendríticas está associada ao RM. A inativação de um dos dois alelos de cada gene do cromossomo X que ocorre no início do período embrionário nas meninas gera duas populações celulares. Este mecanismo genético é responsável pela ampla variabilidade do fenótipo das doenças recessivas ligadas ao X nas meninas heterozigóticas, uma vez que a inativação do alelo mutante se dá em proporções aleatórias. No caso da síndrome do X-frágil, as meninas portadoras da mutação tendem a apresentar manifestações clínicas mais leves. Epidemiologia do retardo mental Um estudo avaliou as características epidemiológicas do RM no estado da Califórnia entre 1987 e 1994. Depois de excluir as crianças diagnosticadas com paralisia cerebral, autismo, anormalidades cromossômicas, infecções, distúrbios endócrinos ou metabólicos, traumatismos ou intoxicações, malformações cerebrais e doenças ou neoplasias do sistema nervoso central, os autores encontraram 11.114 crianças com RM de origem desconhecida. Constataram, então, que um peso ao nascer < 2.500 g foi o fator preditivo mais forte de RM, e encontraram outros fatores de risco associados ao RM, tais como nível educacional inferior da mãe, idade maior da mãe ao
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