Buscar

Artigo 01_Niemeyer e o sentido do lugar

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 9 páginas

Prévia do material em texto

Niemeyer e o sentido do lugar: uma visão bioclimática 
Marta Adriana Bustos Romero 
 
• 
Casa das Canoas 
Foto Nelson Kon 
 
O protagonismo do lugar na arquitetura se remonta às primeiras construções do homem, já na 
Antiguidade (1). O lugar incorpora um conteúdo poético que é definido pelas qualidades dos 
elementos e pelos valores simbólicos e históricos, ele é o elo que relaciona o ambiental e o corpo 
humano. A importância do contexto revitaliza-se pelo desenvolvimento da idéia de lugar, que 
implica a introdução de um conteúdo conceitual maior do que a simples localização espacial, 
incorporando as formas de ser desse e nesse lugar. A cultura e o clima de um lugar têm sido, 
através de todas as épocas, constantes geradoras de idéias originais, de vitalidade, assim como 
de preservação dos mais profundos valores humanos (2). 
 
Na arquitetura bioclimática, e no bioclimatismo em geral, há consenso na atribuição de um papel 
central ao lugar. Espera-se que seja ele que determine a propriedade e a adequação de uma 
resposta arquitetônica às necessidades do homem. Assim, é princípio do Bioclimatismo a 
incorporação de elementos que conduzam a uma arquitetura que proporcione sensações 
prazerosas, muito além das visuais, que seja capaz de despertar os sentidos. Para tanto, necessita-
se de uma concepção sensorial polivalente, na qual a água, a luz, o som e a cor sejam elementos 
que entrem a ordenar o espaço como estímulos dimensionais, com a possibilidade de modelar o 
espaço. A resposta do espaço é mais adequada na medida em que os materiais da envoltória não 
ficam ocultos e respondem segundo o solicitado, uma vez que as reverberações, a absorção e a 
reflexão dependerão, em grande medida, da forma dessas superfícies. Devemos lembrar, ainda, 
que as impressões que produzem reações psicológicas e físicas tais como, dureza, maciez, 
densidade e leveza estão intimamente relacionadas com o caráter da superfície dos materiais que, 
sabemos, são destaque na arquitetura de Brasília (3). 
A estrutura do lugar deve ser analisada por intermédio do espaço e do caráter. O espaço é 
entendido na condição de organização tridimensional dos elementos que proporciona a orientação 
(4) do indivíduo. Simplificando, o espaço pode ser descrito através de palavras objetivas, da 
visualização imediata e impessoal do seu conjunto; enquanto o lugar é carregado de percepções 
individuais, de sensações próprias vindas de um repertório único. Confirmam-se, assim, as idéias 
de Norberg-Schulz (1980), para quem compete à arquitetura denotar a visualização do genius loci e 
criar significados para o espaço, ajudando assim o homem a morar, desenvolvendo sua relação 
com o ambiente. 
O caráter é determinado por fatores como proporções, materiais, cores, estratégias de composição 
e pela forma com a qual os edifícios se encontram com o céu, a terra e outros edifícios. Quer dizer, 
com a constituição formal do lugar. 
Uma forma de expressão do caráter é a Casa da Cascata, que Frank Lloyd Wright implantou (5) 
em uma posição que permitia uma melhor orientação em relação ao sol, mas que exigia a 
construção de uma ponte para passar ao outro lado. Com esta decisão, diz Muñoz (6), Wright tenta 
fazer sentir intensamente a natureza desde a casa, através de uma participação extremamente 
próxima ao seu constante fluir, ampliando nos desníveis da cascata e presente também no 
crescimento do bosque recém plantado. 
Outros exemplos desta forma de fazer arquitetura, nos quais a natureza introduz seus materiais e 
suas leis formativas, são fornecidos pela Vila Malaparte, a Fallingwater e a Casa das Canoas: a 
primeira é um espetáculo solar, uma arquitetura banhada permanentemente por uma luz sem 
sombra, a segunda é um espetáculo de claros e escuros e a terceira é um espetáculo verde. Na 
arquitetura de Niemeyer na Casa das Canoas (7) encontramos, como forma de expressão do 
caráter, a integração vital do edificado na natureza, deixando-a como protagonista a ser sentida em 
toda sua plenitude. Segundo Dubois (8), a vista ao mar, a presença do horizonte e o gabarito quase 
horizontal da Pedra de Gávea definiram a forma da cobertura da Casa das Canoas; ele também 
aponta que hoje em dia essa experiência quase sumiu, uma vez que a vegetação ao redor da casa 
cresceu muito. Fotografias da década de 50, entretanto, revelam essa dimensão quase mágica do 
entorno. 
 
Casa das Canoas 
Imagem divulgação 
A percepção do sítio revela-se um modo de eleger, evidenciar e tomar consciência das qualidades 
que estão presentes num determinado lugar. O caráter e a identidade possuem um valor de síntese, 
podem ser confrontados e compreendidos nos tipos genéricos de idéias de paisagem. A 
caracterização do lugar relaciona-se com a vivência do homem, com a relação que um experimenta 
com o outro, transformando-o, adaptando-o e absorvendo as regras preestabelecidas pela própria 
natureza. 
 
Integração da paisagem: a riqueza sensível do entorno 
A tendência geral nas culturas ocidentais contemporâneas, é a de diminuir a importância do tato, 
do olfato e do sentido “cinestésico”, ou seja, dos sentidos, do movimento e do equilíbrio. O entorno 
nas nossas culturas atuais tende a especializar-se perigosamente somente na visão, 
desperdiçando muita riqueza sensível. Ficam esquecidos os elementos que fazem da composição 
arquitetônica um fato único. 
Quotidianamente, a vista isola-se do ouvido, do tato e dos demais sentidos. Ver o que não se pode 
tocar ou sentir serve para incrementar a sensação de que o interior é inacessível. Assim, a 
observação à vista de pássaro passa a ser a medida, impedindo que se observem os detalhes 
concretos, retirando-se as relações históricas do lugar ao destruir as diferenças acumuladas ao 
longo do tempo, eliminando-se a sensualidade que os materiais, as texturas e as superfícies, com 
suas infinitas reflexões, poderiam proporcionar. 
É nesse contexto que fazem sentido as palavras de Niemeyer, ao argumentar que “o espaço 
arquitetural permite valorizar a arquitetura: No Palácio do Planalto, por exemplo, afastamos as 
colunas com o objetivo de oferecer aos visitantes os pontos de vista mais variados.”. (9) 
 
Croquis de Oscar Niemeyer 
Imagem divulgação 
Para Niemeyer (10), o “Espaço arquitetural é a própria arquitetura”. Para realizar essa arquitetura, 
ele diz, “nele [no espaço] interferimos externa e internamente, integrando-a na paisagem e nos 
seus interiores, como duas coisas que nascem juntas e harmoniosamente se completam.” E 
continua, assim especificando: “o espaço arquitetural apresenta as formas mais diversas: às vezes 
pesado – se assim o podemos definir – como que apoiado nos edifícios; outras, assumindo formas 
indefinidas, neles penetrando; outras, ainda, como que os mantendo suspensos, tão leves são suas 
estruturas.” O espaço arquitetural faz parte da arquitetura e da própria natureza, que também 
envolve e limita. Entre duas montanhas ele está presente e nas suas formas se integra como um 
elemento de composição paisagística”. (11) 
 
A urbanização excessiva significa, muitas vezes, colocar em segundo plano as características do 
local, inclusive o relevo e outras características morfológicas do sítio. Assim, também, as praças 
deixam de ser o centro, o ponto de referência, passando a ser manchas esparzidas ao acaso entre 
as edificações. De fato, acontece o contrário do que esperava Niemeyer da principal praça de 
Brasília, quando diz que : “A Praça dos Três Poderes, em Brasília, caracteriza-se com tal quando 
o povo nela se instala para ouvir a mensagem de solidariedade e esperança que até hoje não 
recebeu”. (12) 
 
As fronteiras mutáveis entre o exterior e o interior 
Considerando que a “natureza” sempre significa o princípio fundamental do cosmos, se aceitamos 
o conceito de que a arquitetura e o espaço urbano não são independentes da natureza, e sim, suas 
prolongações, fundindo-se com ela, então os limites entre o interior e o exterior são indefinidos, ou 
constantemente redefinidos; estabelece-se,assim, uma relação idealmente confortável entre o 
homem e a natureza uma vez que não existiriam fronteiras entre interior e exterior. 
Neste sentido, os espaços urbanos devem ser tratados como uma unidade, na qual os elementos 
ambientais, climáticos, históricos, culturais e tecnológicos entram na condição de estímulos multi-
dimensionais (13). Em depoimento dado a Walter Salles, ao falar de Pampulha, Niemeyer re-afirma 
esse princípio, ao fazer referência à integração de elementos ambientais e climáticos, 
“Na casa do baile, por exemplo, eu comecei a fazer as coberturas em curvas; coberturas que 
se adaptavam muitas vezes melhor à paisagem. Nesse caso, por exemplo, nós tínhamos... 
tratava-se de uma ilha. E as mesas do restaurante deviam ser protegidas nos limites da ilha. 
Isso explica então a marquise que acompanha os limites da ilha protegendo as referidas 
mesas. Essa solução depois eu fiz em outros lugares inclusive na minha casa das Canoas. É 
uma solução que foi se repetindo várias vezes na arquitetura brasileira." (14). 
Fica, portanto, ultrapassada a definição de que a arquitetura começa onde a paisagem termina. 
(15). As paredes, ao invés de serem essencialmente barreiras, enclausurando os elementos 
compositivos, podem servir como filtros de informação, ou pontos de passagem, que fundem e 
dissolvem o tradicional interior/exterior. A interpretação de passagens é infinitamente variável e não 
obedece a nenhuma fórmula. Esta nova perspectiva propõe, basicamente, que as paredes e os 
pisos dos edifícios sejam como fluidos, e que respondam como membranas. Entendidos como 
mutáveis, orgânicos e informais, os conjuntos de conexões entre os edifícios e a paisagem criam 
uma grande flexibilidade para a orientação dos abrigos para serviços. 
O antecedente dessa perspectiva pode ser encontrado na concepção do espaço basicamente 
composto num plano horizontal livre, com fachada transparente, onde o vazio flutua ao redor dos 
elementos pontuais e verticais dos pilares de concreto e aço. Nas palavras de Montaner (16), todo 
o espaço moderno gira em torno de um protagonista estrutural e formal: o pilar; seja este o de 
seção quadrada de Le Corbusier ou o circular de Lucio Costa e Niemeyer no Ministério de Educação 
de Rio de Janeiro ou o de aço de Mies van der Rohe, cuja forma em cruz garante a simetria e obtém 
a máxima leveza e desmaterialização. A fluidez e mutabilidade são claramente explicitadas por 
Niemeyer quando, ao falar do espaço fluido diz que: “até as colunas que afastávamos dos edifícios 
e desenhávamos com formas livres e variadas, eles não conseguiam compreender. Um dia, contei 
como as projetava, como ao desenhá-las me via circular entre elas e os edifícios, imaginando as 
formas que teriam, os pontos possíveis de variar, etc.” (17). Nesses exemplos, a fluidez não pode 
ser atribuída somente ao método compositivo do espaço, mas também, em grande medida, ao 
brilho dos materiais utilizados: o cristal, a pedra e o aço que parecem flutuar no espaço, relacionam-
se entre si e, ao refletirem-se, criam um espaço que harmoniza com o entorno. 
Os espaços urbanos poderiam incorporar a ambigüidade e a possibilidade de surpresa; neste 
sentido, os limites constituem a questão fundamental no desenho dos espaços abertos. A fim de 
permitir que o espaço se ressignifique através do tempo, esses limites devem ser frágeis, 
transponíveis, fluidos, permeáveis. Um espaço fluído com essas características disponibiliza os 
elementos de modo a integrar-se ao meio. 
É a essa fluidez que remete as palavras de Niemeyer quando atribui maior liberdade e, 
simultaneamente, maior rigorosidade a sua arquitetura em Brasília (18): “Livre no sentido da forma 
plástica, rigorosa, pela preocupação de mantê-la em perímetros regulares e definidos.” Essa 
compreensão o faz constituir o Palácio Itamaraty por um volume envidraçado recuado que não 
chega até a laje de cobertura, para deixar fluir um jardim suspenso, iluminado que aumenta no 
observador a sensação de que o volume de vidro é independente da estrutura e que flutua, 
desmaterializa-se ao refletir num espelho d’ água, com a vegetação amazônica, projetada por Burle 
Marx. Também o arquiteto declara sua “preferência em Brasília, pelas colunas de ponta fina que 
adotei desejoso de ter os palácios como que flutuando no céu do planalto.” (19) 
Retomando o exemplo da Casa das Canoas, desta vez da perspectiva de seu uso, a fluidez dos 
espaços é obtida pela sua união em harmonia; o piso do interior continua nos dois terraços 
exteriores e a fachada de vidro apresenta um ritmo fluente. Niemeyer consegue ligar o exterior e o 
interior da casa a partir da rocha na piscina ao lado da Casa das Canoas. O volume da rocha une 
solidamente a casa ao chão: a laje de concreto, a rocha e as esculturas de corpos femininos de 
Ceschiatti, ao redor da piscina, criam uma relação única. Suas curvas são organicamente 
acomodadas ao terreno, a vegetação e as pedras, adaptadas aos obstáculos naturais, a ponto de 
confundir o observador sobre o que está dentro e o que está fora. 
A cultura do organicismo, desenvolvida por Frank Lloyd Wright e os arquitetos nórdicos tais como 
Alvar Aalto, que perseguem um espaço moderno que não seja indiferente ao lugar, reitera 
definitivamente o esvaecimento das fronteiras entre a arquitetura e o lugar. A imagem das casas 
aéreas no conceito de Bachelard (20), que integram o vento, que aspiram a uma leveza aérea... “a 
casa conquista sua parcela de céu, possuem todo o céu por terraço”, encontra uma imagem 
semelhante nos projetos da casa moderna de Niemeyer, que assim a descreve “É possível – o que 
alias preferimos – projetar uma casa moderna, reduzir os pés direitos e ter fachadas envidraçadas. 
Para isso basta adotar elementos protetores, uma planta inteligente e evitar que seus moradores 
fiquem sentados diante de um painel de vidro, desprotegido, ou o cubram com cortinas, uma 
contradição lamentável”. .... “Na residência das canoas – a lembramos sempre como exemplo – o 
local de estar fica em sombra, o que a permite transparente e sem cortinas”. (21). Para Niemeyer, 
a iluminação dos espaços interiores utiliza a luz da abóbada celeste como principal fonte luminosa. 
Nos espaços de transição, em geral, a luz direta do sol é adotada como recurso de composição do 
ambiente, ressaltando seu aspecto dinâmico, variável em intensidade e cor. A intimidade e 
privacidade, na sala de estar da Casa das Canoas, por exemplo, fica por conta da parede fechada 
e ondulada de madeira, com uma pequena janela que dá vista ao mar, colocada numa altura baixa, 
como um quadro. 
 
Croquis de Oscar Niemeyer 
Imagem divulgação 
A transição entre exterior e interior fica por conta das características da envoltória do edifício. 
Quanto mais seja um filtro transpirável, móvel, praticável, modificável, e transparente, melhor. A 
prevalência da luz natural, das vistas, da ventilação natural, evitando-se o tratamento dos edifícios 
altos como se fossem subterrâneos, com climatização e iluminação artificiais são aspectos que 
contribuem para essa transição. A alta e média tecnologia fornecem uma grande variedade de tipos 
de membranas que podem ser sobrepostas, permitindo que as fachadas e divisões internas sejam 
pensadas como peles de características variáveis feitas com elementos como brise-soleil, 
persianas, lâminas, nas quais princípios de repetição e modulação de elementos arquitetônicos 
relacionados à luz, tais como brises, colunas, pilares e aberturas, geram um ritmo na modulação 
da luz, variável no decorrer do tempo. 
Em função do tratamento da envoltória, transparência-claridade (uso de grandes áreas de 
superfície envidraçadas) e opacidade-penumbra (uso de galerias e arcadas) que, ao mesmo tempo 
que atendem às exigências climáticas, conferem monumentalidade as obras de Niemeyer, é 
possível identificar as formas de trabalhar a luz, com materiais que devem ter qualidades filtrantes 
para deixar passar a luz, mas não ver, para ver, mas não ouvir, paraouvir e participar, mas não ser 
visto, para deixar passar o ar, mas não a luz, etc., quer dizer, materiais que reforçam ou dão vida 
ao conceito de fluidez. 
Nas obras de Niemeyer, a iluminação resulta tanto de recursos pré-determinados em projeto como 
de efeitos variáveis e imprevisíveis surgidos face à natureza inconstante e indisciplinada da luz na 
arquitetura. Nesses edifícios, a claridade é substituída pela penumbra acentuada pelos 
revestimentos dos ambientes interiores, sendo também recorrente a adoção de espaços semi-
enterrados. A iluminação é pontual, através de pequenas aberturas que, ao pontuar de claridade 
os espaços em penumbra, produzem uma iluminação de ênfase e de contrastes, enfatizando ora o 
objeto, ora o espaço iluminado. O procedimento projetual predominante refere-se à proteção e 
dosagem da intensidade da luz do sol, prevalecendo a harmonia (22) e o ritmo. Também são 
encontrados pequenos contrastes, entre espaços mais ou menos iluminados, acentuados pelo 
tratamento dos revestimentos. Os recursos da luz utilizados nesta arquitetura servem de 
complemento para a qualificação da arquitetura; nas palavras de Souza (23), o tratamento da luz 
foi realizado “de forma a ultrapassar a simples necessidade de conforto luminoso onde a dimensão 
plástica, a dimensão estética, de conformação tátil dos espaços impõem soluções além das 
estritamente técnicas”. 
O espaço como elemento de expressão identitária e de domínio visual 
Os espaços distinguem-se por suas diferentes qualidades, tais como limites, centralização, 
continuidade, direção, proximidade, luz, clima, textura, vegetação, densidade, topografia, escala, 
proporção, materiais, cores, disposição dos edifícios, sentido de orientação e por fatores 
psicológicos. A exemplo dos gregos, situações diferentes pedem lugares com caráter diferente. 
Sobre isso, Arantes (24) afirma que: “(...) Se se reconhece que as pessoas têm identidades 
múltiplas, pode-se dizer a mesma coisa dos lugares”. 
A ausência de um valor simbólico como referência para as edificações acaba por neutralizar os 
espaços circundantes, diminuindo a sensação de vizinhança. O valor simbólico decorre, em parte, 
da unidade e da harmonia entre edifícios e paisagem, como bem aponta Niemeyer, para quem essa 
harmonia 
“... leva ao passado quando a arquitetura urbana apresentava exemplar unidade e as velhas 
praças- algumas projetadas por um único arquiteto- eram dotadas daquela disciplina de 
alturas e elementos construtivos, de cor e volume, que as tornam, até hoje, tão atraentes para 
nós. A tendência ao discutir esses problemas é reclamar do arquiteto maior respeito pela 
unidade urbana, harmonizando seus projetos com os conjuntos arquitetônicos aos quais vão 
se incorporar. Mas, se examinarmos com atenção esses conjuntos, sentiremos de modo 
diferente sua atuação, convictos de que pouco, muito pouco, dele podemos reclamar.” (25). 
 
Croquis de Oscar Niemeyer 
Imagem divulgação 
Segundo Niemeyer, as obras de Brasília, juntamente com o projeto para o Museu de Caracas, 
marcam uma nova etapa no seu trabalho profissional, que se caracteriza 
“Etapa que se caracteriza por uma procura constante de concisão e pureza, e de maior atenção 
para com os problemas fundamentais da arquitetura. [...] estabelecendo para os novos projetos 
uma série de normas que buscam a simplificação da forma plástica e o seu equilíbrio com os 
problemas funcionais e construtivos. Neste sentido, passaram a me interessar as soluções 
compactas, simples e geométricas; os problemas de hierarquia e de caráter arquitetônico; as 
conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se exprimam 
por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção 
plástica original” (26). 
 
Nesse contexto, de harmonia diz Niemeyer (27), “ o urbanismo garante aos arquitetos, tanto nas 
quadras de habitação como nos setores comerciais, proporções adequadas, isso, infelizmente, 
também se verifica, ao contrário dos primeiros blocos projetados, nos quais, fosse a fachada de 
vidro, combongó ou brise soleil, a proporção era respeitada integralmente. Dividi-las com elementos 
verticais, como se tratasse de dois ou três edifícios, é um erro mais grave e irreparável”. 
As soluções arquitetônicas fora do contexto, comumente encontradas quando as premissas 
individuais superam o coletivo, diminuem a unidade de conjunto do tecido urbano da cidade. Para 
construir uma identidade, sempre dinâmica e que se renova em relação a múltiplos elementos da 
cidade, no é suficiente projetar edifícios que atendam adequadamente o sitio, é fundamental que 
as relações que compõem o espaço como um todo estejam contempladas, assim como o uso que 
dele fazem os indivíduos. 
Numa clara reação a esta situação, a partir de meados dos anos 60, diversos profissionais 
reforçaram a necessidade de um lugar público bem definido e destacado, para assim devolver a 
cidade à coletividade, fato que Otília Arantes (28) percebe como sendo “o antídoto mais indicado 
para a patologia da cidade funcional”. Na busca do lugar público, vários estudiosos perceberam a 
necessidade de devolver o sentido de lugar, ou genius loci, às cidades modernas. 
A convicção de que a população pode expandir infinitamente os espaços do assentamento humano 
é a primeira forma, falando em termos geográficos, de neutralizar o valor de qualquer espaço 
determinado. Perde-se o domínio visual da paisagem, estabelecendo-se, então, as negações 
visuais, que aceitam que a negação sensorial seja normal na vida cotidiana. 
Existe uma dificuldade real para captar o permanente, o característico de cada lugar quando o 
modelo de cultura dominante propõe uma contínua transformação e uma contínua troca de 
imagens. O significado do lugar está determinado pelo sistema de relações que se estabelecem 
entre os objetos que pertencem a esse lugar e as pessoas que os habitam, pelo significado que 
constroem. Por extensão, a reunião urbana pode ser entendida como uma interpretação do gênio 
local, de acordo com os valores e necessidades da sociedade atual. 
Os espaços urbanos que admiramos por sua beleza e harmonia estão em regiões que tem um alto 
grau de adaptabilidade. Assim verificamos nos tecidos antigos, facilmente reconhecidos a partir das 
praças e cidades, em geral lugares com sentido estético e social, lugares que, além da dimensão 
artística, tinham uma forma de circunscrever um espaço próprio à vida pública. 
A noção de permanência 
 
A noção de permanência é fundamental na valoração da história na forma urbana. No que 
permanece revela-se a presença do passado, entendendo-se aí a presença real dos fatos urbanos, 
nos quais se cristalizam as vivências. As permanências podem ser consideradas como testemunho, 
como vestígios e marcas para a análise, pois nelas podem ser descobertas as mudanças havidas. 
Também nelas podem ser revelados os elementos constitutivos ou configuradores do lugar. Em 
geral, podemos dizer que os significados reunidos em um lugar constituem seu genius loci. A noção 
de tradição aparece como a união entre a história e a identidade do lugar. A tradição é o transmitido, 
enquanto que o locus representa essa permanência do lugar e seus elementos ao longo da historia, 
permanência que se articula com a mobilidade que o tempo introduz em diversas situações. 
Niemeyer e Brasília se confundem, não podem ser analisados em separado. Desde a insistência 
de Niemeyer para que o projeto para Brasília fosse objeto de concurso público, com uma escolha 
feita pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, até a familiaridade explicitada com o sitio para os projetos 
dos edifícios monumentais vemos que o que permanece não é fruto do azar. O locus põe em relevo 
as qualidades, as condições que sãonecessárias para a compreensão de um fato urbano singular 
e dão continuidade ao que a tradição de cada lugar tem configurado como a essência do mesmo. 
O que dá ao “homem de Brasília” a sensação de segurançano lugar e no domínio visual sobre a 
paisagem (céu e terra) é a facilidade que a paisagem oferece de se fazer compreender através de 
relações espaciais claras entre os seus elementos, ou seja, sua legibilidade. No vocabulário de 
Norberg-Schulz, estas características situam Brasília, enquanto lugar, entre os domínios do 
cósmico e do clássico, e são essenciais na definição do seu genius loci. 
Em Brasília, a “muralha” das chapadas constitui ao mesmo tempo um horizonte e um fechamento. 
Esta dupla função talvez constitua o mais importante elemento definidor da relação entre o céu e a 
terra no sítio de Brasília. O significado desta estrutura espacial para o caráter do lugar diz que, no 
sítio que recebeu Brasília, o mundo protege o homem, ao mesmo tempo em que lhe revela sua 
ordem cósmica. 
A construção do Lago Paranoá também contribuiu para essa característica “cósmica-classica” 
atribuída à cidade. A construção do Lago Paranoá sintetiza dois dos três modos através dos quais 
os lugares criados pelo homem se relacionam com a natureza, no pensamento de Norberg-Schulz: 
visualização e complementaridade (29). A configuração do relevo que define sua paisagem garante 
a Brasília a visão de um horizonte de 360oe da abóbada celeste como um semi-hemisfério 
completo. A vista alcança grandes extensões e a paisagem espraia-se em cerrados distantes. 
O Lago Paranoá estabelece uma fronteira para a área urbana. Se, por um lado, sua superfície 
reflexiva tem um efeito desmaterializador que se contrapõe à estável estrutura topográfica, por 
outro, a perenidade de suas águas e seu contorno imutável são signos de estabilidade e 
permanência que se contrapõem, respectivamente, à sazonalidade das chuvas e à constante 
transformação da paisagem em processo ininterrupto de urbanização. 
Pode-se dizer, também, que as águas do Lago Paranoá oferecem reflexos mágicos da aurora, do 
crepúsculo e da lua cheia, multiplicando o impacto visual destes fenômenos tão caros ao habitante 
de Brasília. Em Brasília, existe a experiência diária, quase tangível, de testemunhar pela manhã o 
nascer do sol atrás de um horizonte visível, acompanhar seu trajeto ao longo da abóbada celeste 
e seu crepúsculo ao final do dia. 
Algumas implicações: uma acertada leitura do sítio e o protagonismo do seu espaço 
Lucio Costa fez uma acertada leitura do sítio e acomodou seu projeto à forma do mesmo. 
Estabeleceu um vínculo com o espaço e escolheu para a localização o triângulo contido entre os 
braços do Lago. Na linha do espigão, estabeleceu o eixo Monumental acompanhando as curvas de 
nível que descem até o Lago e acomodou o Eixo Rodoviário. Nas próprias palavras do criador: 
“Nasceu de um gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse; dois eixos 
cruzando-se em angulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz. Procurou-se depois a adaptação 
à topografia local, ao escoamento natural das águas, à melhor orientação, arqueando-se um 
dos eixos a fim de contê-lo no triângulo que define a área urbanizada”. (30) 
No gesto primário de concepção da cidade, a sua estrutura fundamenta os dois grandes eixos que 
se cruzam. O primeiro deles atravessa o sítio de leste a oeste, repetindo no chão o trajeto do sol 
no dia mais longo do ano. O segundo, que poderia ter se mantido perpendicular ao primeiro, prefere 
curvar-se a acompanhar o perfil do relevo. O traço fundador de Lucio Costa assenta assim a cidade 
na estrutura da paisagem, conectando-a tanto ao céu quanto à terra. 
Ficam delineados os fundamentos para que Niemeyer entre com a arquitetura e atenda o 
significado de habitar no Planalto, quer dizer, estar em constante contato com o céu e em 
contemplação do horizonte e da paisagem. A leveza que Niemeyer outorga aos edifícios que 
compõem o desenho da Praça dos Três Poderes permite, por exemplo, que o céu continue tendo 
um papel fundamental em concordância com os princípios bioclimáticos e do lugar. Assim a 
abóbada celeste é percebida quase como uma calota completa e, ao longo do dia, a variação da 
luz é absolutamente marcante durante o pôr e o nascer do sol, principalmente nas épocas de céu 
parcialmente nublado, em que as nuvens tingem-se de tons absolutamente surpreendentes, que 
transformam não só a região da abóbada celeste em torno do disco solar, mas toda a paisagem. 
Esta forma de Niemeyer de "pousar” a arquitetura destaca o céu no cenário de outros fenômenos 
importantes para o “habitar” no planalto central de altitude: o nascer da lua cheia, as nuvens de 
chuva e as tempestades vistas a grandes distancias, o arco cintilante da Via Láctea nas noites sem 
nuvens. 
A visão arquitetônica de Niemeyer, mesmo quando se trata de uma temática que tradicionalmente 
é concebida desde uma perspectiva urbanística, nas vastidões de “macro-lugares” dos domínios 
do cerrado, destaca a divisão rítmica do tempo entre uma estação de seca e uma época de chuva. 
Na seca, o céu, absolutamente livre de nuvens, torna-se cinzento e estagnado, na época das 
chuvas, o céu varia de azul brilhante a inteiramente coberto por nuvens baixas de chuva e a 
vegetação recupera o viço e o verde. Corresponde à concepção sensorial polivalente, onde a água, 
a luz, o som e a cor entram a ordenar o espaço como estímulos dimensionais. Quando o cerrado 
torna-se uma paisagem árida e aumenta o contraste entre o verde escuro das matas de galeria e 
as cores amareladas dos campos e cerrados ressequidos, destacam-se as impressões que 
produzem as obras do Niemeyer intimamente relacionadas com o caráter de dureza, maciez, 
densidade e leveza da superfície dos materiais por ele escolhidos. Somente assim, a partir dessa 
concepção, é possível incorporar os materiais do espaço, os espaços do som, da luz e da cor e a 
resposta do espaço mostra-se mais adequada. 
No Planalto de Lucio Costa e Niemeyer as combinações que se escolhem, segundo um plano de 
cor, podem dar lugar a efeitos marcantes da estética da luz, destacando ainda mais os atributos da 
cor, assim como o efeito definidor das veredas e campos de murundus, com caráter também muito 
marcante na paisagem, definido em grande parte pela presença do buriti, cujo porte e silhueta são 
valorizados pela ausência de outras espécies vegetais, além dos capins baixos e eventuais 
arbustos. 
Isso nos leva a concluir que a paisagem e as formas naturais do terreno constituem as bases de 
projeto: somente assim é possível que exista senso do lugar e sensibilidade para o contexto. Se 
juntarmos esses elementos ao fato de o espaço formar-se basicamente através do conjunto de 
relações que vinculam um objeto com o ser humano que o percebe, produz-se, então, a 
correspondência entre os sentidos e o espaço que define e confere identidade ao lugar. 
 
Link: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.151/4609 
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.151/4609

Continue navegando