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Estudo de caso Memorial da América Latina SP - OSCAR NIEMEYER

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CADERNO TÉCNICO 
 
Artigo de José C. Sussekind, em Caderno Técnico (publicação dirigida principalmente a 
profissionais e estudantes das áreas de arquitetura e engenharia), aborda o trabalho com 
as estruturas dos prédios que compõem o Memorial da América Latina 
 As estruturas do Memorial da América Latina representam, talvez, o 
momento máximo da interação entre engenharia e arquitetura, ao mesmo 
tempo em que atestarão, para os tempos futuros, que houve numa época – 
1988 – no continente "América Latina", num país – Brasil – uma civilização 
que foi capaz de conceber e executar o maior vão livre do mundo. 
 Com esta introdução, fica dispensado enfatizar o entusiasmo que este 
projeto de engenharia me trouxe, como que coroando toda uma vida 
profissional construída na atuação conjunta com Oscar Niemeyer. Como em 
todos e tantos outros projetos, Oscar mostrou seus primeiros croquis; 
especulamos em conjunto sobre tipos de solução estrutural possíveis e, daí – 
lembro-me bem –, passamos um fim de semana definindo apoios, dimensões 
básicas. A obra estava concebida. Daí para frente, os seis meses de 
detalhamento dos projetos e os doze meses da construção. 
 
 Não se pode deixar de particularizar algumas das construções do 
complexo; no vão livre da Biblioteca, de 90 metros, o recorde mundial foi 
vencido por uma viga protendida, internamente oca, com 6,5 metros de altura, 
ligeiramente aporticada nos pilares extremos de apoio (lembrando minaretes 
estilizados) e recebendo o carregamento das cascas curvas que cobrem seu 
espaço. O mesmo tipo de solução se repete para o Salão de Atos, marcado 
pelo seu vão livre de 60 metros, particularmente audacioso porque, além de 
receber carga vertical, a viga de 4,5 metros que o suporta trabalha 
horizontalmente em face das ações de empuxo transmitidas pela casca de 
cobertura (que se desenvolve apenas num dos lados da viga). No grande 
Auditório, novamente três cascas suportadas por duas vigas intermediárias 
com vãos de até 40 metros. 
 
 Um mesmo discurso estrutural para as três notáveis construções: vigas 
retas recebendo cargas transmitidas por cascas curvas. Tudo, em verdade, 
muito simples, simultaneamente singelo e grandioso na escala. Utilizamos 
resistências para o concreto (30 MPa) até então não empregadas nesta 
escala no Brasil, obtendo parâmetros ideais de custo dentro da escala da obra 
– cujas estruturas principais foram, todas elas, protendidas. 
 O Memorial traz assim, em meio a sua força vital, a evidência maior da 
maturidade e da universalidade da engenharia brasileira. E é particularmente 
simbólico que tal venha junto a uma obra do Arquiteto que, mais do que 
ninguém, a desafiou e impulsionou neste século. 
José C. Sussekind 
In Caderno Técnico. Fundação Memorial. sem data 
INTRODUÇÃO 
Dos prédios que compõem o complexo do Memorial da América Latina 
podemos dizer que cada um possui uma solução estrutural diferente. Foram 
soluções originais, decorrentes da própria necessidade da arquitetura, que fez 
com que cada prédio fosse tratado com uma obra independente das demais. 
Em comum todas elas tinham as limitações impostas pelo terreno local. O solo 
apresentava uma camada de aproximadamente 6 a 7 metros de argila mole 
que, mesmo recebendo um aterro de cerca de 1,5 metro, atendendo a uma 
necessidade hidrológica, não permitia a adoção de fundação superficial. 
Mesmo porque, para vencer os vãos arrojados do projeto, os poucos pontos 
de apoio concentravam cargas bem altas. Foram adotadas, então, para as 
fundações principais de todos os prédios, as estacas escavadas de grande 
diâmetro. Nas fundações com cargas menores adotou-se estacas pré-
fabricadas de concreto. Fazemos a seguir alguns comentários sobre as 
estruturas de cada prédio. 
 
BIBLIOTECA 
 
Em termos de estrutura de concreto armado e protendido, este prédio 
poderia se reduzir à sua viga principal. Vencendo um vão de 90 metros, 
recorde na categoria, esta viga de 6,5 metros de altura, relação vão/altura  
14, com seção trapezoidal vazada, tem como armadura principal protendida 
22 cabos de 19 cordoalhas Ø 15,2 mm. Essa viga recebe a carga de duas 
cascas, uma de cada lado, não simétricas, além de seu peso próprio. Dos 
cabos de protensão, 16 deles saem na face externa dos pilares. Para permitir 
a realização de um escoramento rígido da viga principal, capaz de suportar o 
seu peso próprio praticamente sem deformações, projetou-se um sistema de 
cintas entre os dois pilares, sob a viga, com fundações em estacas pré-
fabricadas. Devido à grande rigidez dos pilares, foi necessário um estudo 
especial para a protensão do sistema viga–pilares–cintas, em que se 
considerou também a flexibilidade das sua fundações. As cintas tiveram de 
ser protendidas para reduzir a parcela da protenção da viga retida pela rigidez 
dos pilares. 
Uma viga com estas proporções exigiu alguns cuidados em sua 
execução: foi subdividida em três trechos ao longo do seu comprimento, para 
reduzir o efeito da retração do concreto e cada trecho foi concretado em três 
fases – primeiro o banzo inferior, depois as duas almas e finalmente o banzo 
superior. 
O concreto especificado foi de 32 MPa e, devido à grande concentração 
de armaduras, adotou-se um superfluidificante para garantir o completo 
enchimento das fôrmas. 
 
Não foi dada qualquer contraflecha: a protensão foi suficiente para 
controlar a deformação da viga. 
 
 
Foram colocadas bainhas para a instalação de dois cabos reservas, para 
o caso de acontecer algum problema de protensão em algum dos cabos – 
bloqueio de protensão por vasamento de nata de cimento em alguma bainha. 
Estas bainhas não foram utilizadas. 
 
Para o estudo interativo viga–cascas foi analisado um modelo estrutural 
espacial no computador (SAP-90). Devido à não simetria das cascas, 
apareceram na Viga Principal momentos horizontais que, somados aos 
momentos longitudinais, provocaram na Viga Principal um estado de flexão 
oblíqua. Mesmo assim a viga, com a protensão adotada, continua no Estádio. 
 
As cascas foram calculadas como peças de concreto armado. A outra 
extremidade da casca, que não se apóia na Viga Principal, tem seu empuxo 
horizontal combatido por vigas horizontais protendidas, que estão apoiadas, 
horizontalmente, em 4 cintas que cruzam todo o prédio prendendo as duas 
cascas. 
 
 PRÉDIO DA ADMINISTRAÇÃO 
 
A estrutura deste prédio é constituída por dois pórticos longitudinais, 
compostos cada um por uma viga de concreto armado apoiada em quatro 
pilares. Nestes pórticos se apóiam vigas transversais protendidas, espaçadas 
de 5 metros, que suportam, através de tirantes, os dois pisos do prédio. 
Estes pisos são constituídos por lajes lisas apoiadas nos tirantes através 
de capitéis. Para suporte das lajes adotou-se chapas soldadas às barras dos 
tirantes. A rigidez horizontal do prédio é garantida pela caixa da escada, toda 
em concreto armado. 
 
SALÃO DE ATOS 
 
Chama a atenção nesta obra a altura da casca, lembrando a nave 
principal de algumas igrejas. Esta casca se apóia em uma viga de 60 
metros de vão, de um lado, e uma parede vertical, de outro. Esta viga, 
com 4,5 metros de altura, com seção trapezoidal vazada, recebe todo o 
empuxo horizontal da casca, não sendo este efeito minimizado como na 
Viga Principal da Biblioteca, em virtude da presença de outra casca. 
 
 
Devido à pequena largura da base 
superior do trapézio, não foi 
possível combater o momento 
horizontal com cabos de protensão. 
Este foi resistido por uma armadura 
de CA-50, 45 Ø 32, localizada na 
aresta superior externa da viga. 
Para combater o momento fletor 
vertical, foram necessários 16 
cabos de 19 cordoalhas Ø 15,2 
mm. 
Também nesta viga foram colocadas bainhas para dois cabos de 
reserva. O esforço horizontal que chega nafundação dos pilares foi 
equilibrado através de cintas protendidas, contra o esforço horizontal que 
chega pela parede vertical. 
Os pilares principais são solicitados por cargas normais, flexões 
longitudinais e transversais, e torção, decorrentes das flexões vertical e 
horizontal da viga, devidas às cargas verticais e ao empuxo horizontal da 
casca. Sua seção transversal tem a forma de elipse. Também neste 
prédio foi concebido um modelo estrutural para estudar o efeito da 
interação viga–pilar–casca, analisado pelo programa SAP-90. 
 
PAVILHÃO DA CRIATIVIDADE 
 
Este prédio tem o seu piso e sua 
cobertura formados por peças pré-
moldadas. 
Na cobertura, as peças são do tipo p 
protendidas, vencendo um vão de 20 
metros. Elas se apóiam em dois pórticos 
(espaçados de 20 metros). 
O piso também é de peças do tipo p, só 
que de concreto armado, vencendo vãos 
de 10 metros. 
 
 
AUDITÓRIO E ANEXOS 
 
O prédio do Auditório é formado por três cascas de concreto armado, de 
alturas diferentes. A primeira casca nasce na fundação e chega em uma 
parede. A casca 2 nasce nesta parede e termina em uma viga, onde nasce a 
casca 3, que termina em uma cinta de fundação. Existem cintas protendidas 
que percorrem todo o auditório no sentido longitudinal, para equilibrar os 
empuxos horizontais da primeira e terceira cascas. A parede onde chega a 
primeira casca possui nervuras espaçadas de aproximadamente 2 metros, 
que têm por finalidade resistir à diferença dos empuxos entre a primeira e 
segunda casca. Além desta parede, existem outras duas que também dão 
apoio à segunda e à terceira cascas e que também possuem nervuras, só que 
mais espaçadas, cuja função é a de diminuir os efeitos da segunda ordem. 
Sob a primeira casca se encontra o foyer do Auditório, que possui três 
obras de arte (todas em concreto armado), duas escadas em caracol 
completando uma volta e meia em planta, com seção em caixão, e uma 
rampa que, como a Passarela, teve seu pilar descolado depois de executada 
a fundação. 
Também para este prédio foi analisada uma estrutura espacial de modo 
a se estudar o efeito conjunto casca+paredes. 
Nas laterais existem dois Anexos, que são construções tradicionais de 
vigas sobre pilares. 
As cascas foram concretadas por um processo parecido ao das fôrmas 
deslizantes. Foram colocadas guias de madeira sobre a futura laje, a cada 2 
metros, ao longo de toda a casca. Inicialmente concretava-se um trecho de 2 
metros de altura e, após a pega do concreto, deslocava-se a fôrma para a 
próxima concretagem, e assim sucessivamente. 
 
 
 GALERIA 
Este prédio, com sua estrutura 
redonda de 36 metros de diâmetro, 
apoiada apenas em um único pilar 
central, parecendo um "disco voador", 
teve solução bem criativa: com 16 
vigas radiais chegando em um maciço 
de 8 metros de diâmetro, apoiadas em 
um pilar redondo de Ø = 2,5 metros 
vazado, fica definida a estrutura desta 
cobertura. As vigas radiais, com seus 4 
cabos de 12 Ø 12,7 mm cada um, 
chegam no maciço central sem se 
tocar. 
 
Os cabos, ao entrarem neste maciço, procuram a viga em que irão sair, 
formando assim um desenho viga em que irão sair, formando assim um 
desenho geométrico que, infelizmente, não pode ser visto. Só existem duas 
camadas de cabos se cruzando dentro do maciço. O pilar de concreto armado 
se apóia sobre um bloco com 6 estações de Ø 100 cm. 
O resto da estrutura deste prédio é composto de paredes, lajes e vigas 
apoiadas em estacas. 
O interessante é que na época da desforma, nenhum operário queria executar 
a tarefa com medo de ficar embaixo. 
 
PASSARELA 
 
Com um formato bastante irregular, em forma de "S", 
com largura variável, a Passarela é apoiada em cinco 
pontos. A seção transversal em caixão vazado só tem 
uma viga principal. Em virtude de seu traçado pouco 
ortodoxo, foi necessário analisar o modelo estrutural 
espacial no SAP-90. Também se optou por fazer a 
Passarela em concreto armado, pois a protensão 
apresentava problemas nas saídas dos cabos. A 
armadura principal é toda composta de ferros de Ø 32 
mm. 
O interessante desta obra, que acabou ficando como 
símbolo do Memorial, foi a mudança do pilar central 
exigida pelo arquiteto depois da obra executada e 
desformada: a retirada do pilar central e sua substituição 
por outro fora da Passarela, em forma de "bengala". 
Tirou-se um apoio considerado fixo substituindo-o por um 
flexível (mola). 
O novo pilar tem o seu corpo fora da projeção da Passarela, fazendo uma 
curva em seu topo até pousar sobre a laje da Passarela.Foi possível 
aproveitar a fundação existente do pilar anterior, apenas refazendo o bloco. 
Este novo pilar é basicamente de concreto armado, entrando a protensão 
apenas como elemento de ligação. A colocação deste pilar em carga foi o que 
se pode dizer uma "operação cirúrgica". Depois da Passarela escorada e do 
novo pilar executado, foi dada a protensão até a estrutura da Passarela soltar 
do escoramento, depois puxada ainda mais para recuperar o que ela iria 
perder devido à deformação lenta do pilar e à relaxação dos cabos. Isto sem 
alterar significativamente os momentos nos pilares adjacentes. Esta foi a peça 
estrutural que mais exigiu do calculista. 
 
FECHAMENTO LATERAL 
 
O fechamento lateral do Salão de Atos, da Biblioteca e do Auditório foi feito 
com estruturas espaciais, pintadas pelo processo eletrostático na cor preta, 
sendo revestidas de vidro fumê nos dois lados, formando um sanduíche. 
Esses vidros, por sua vez, foram fixados com silicone estrural em caixilhos 
cujos perfis foram especialmente desenvolvidos para essa obra. 
Como a instalação das estruturas na vertical não é convencional, foi 
necessário fazer uma pré-moldagem e um aperto da estrutura na horizontal, 
sobre o solo, e o posterior içamento através de torres e guindastes, sempre 
obedecendo à distribuição de cargas do projeto. O prazo de montagem foi de 
70 dias. 
No Auditório devido à falta de espaço em torno da obra, a montagem da 
estrutura foi feita "in loco", na vertical, no prazo de 35 dias.

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