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ISSN 2358-4270 Anais do X Congresso da ABraSD: resumos expandidos 55 anos de ensino da Sociologia Jurídica no Brasil Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia do Direito DIRETORIA (BIÊNIO 2018-2019) Diretores Presidente: Fernando Rister de Sousa Lima (MACKENZIE-SP) • 1º Vice-Presidente: Guilherme de Azevedo (UNISINOS-RS) • 2º Vice-Presidente: José Rodrigo Rodriguez (UNISINOS-RS) Conselho Deliberativo Fernanda Busanello Ferreira (UFG) • Igor Suzano Machado (UFES) • Marília Montenegro (UFPE/UNICAP) • Olga Krel (UFAL) • Virgínia Leal (UFPE) Conselho Fiscal David Oliveira (UFC) • Marcelo Pereira de Mello (UFF-RJ) • José Antônio Callegari (UFF) COMISSÃO ORGANIZADORA Alexandre da Maia (UFPE) • Artur Stamford da Silva (UFPE) • Fernando Rister de Sousa Lima (MACKENZIE-SP) • Manuela Abath (UFPE) • Marcelo Labanca (Unicap) • Maria Lúcia Barbosa (UFPE) • Mariana Pimentel Fischer (UFPE) • Marília Montenegro (UFPE/Unicap) • Pedro Parini (UFPE) • Virgínia Leal (UFPE) Comissão Executiva David Oliveria (UFC) • Fernando Mangianelli Bezzi (USP) • Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros (UNIP/USP) • Raphael da Rocha Rodrigues Ferreira (Unisanta/USP) Comissão Científica Ana Cláudia Torrezan Andreucci (Mackenzie-SP) • Antonio Callegari (UFF) • Alessandra de Lucca (Universidade de Firenze) • Artur Stamford da Silva (UFPE) • David Oliveira (UFC) • Fernanda Busanello (UFG) • Fernanda Rosenblatt (Unicap) • Fernando Rister de Sousa Lima (Mackenzie-SP) • Germano Schwartz (UNILASSALE) • Guilherme de Azevedo (UNISINOS) • Igor Suzano Machado (UFV) • João Paulo Allain Teixeira (UFPE/UNICAP) • José Roberto Xavier (UFRJ) • José Rodrigo Rodriguez (UNISINOS) • Kelly Gianezini (UNESC) • Leonel Severo Rocha (UNISINOS) • Marcelo Mello (UFF) • Marília Montenegro (UFPE/Unicap) • Olga Jubert Krell (UFAL) • Orlando Villas Bôas Filho (USP/Mackenzie-SP) • Rafael Lazzarotto Simioni (FDSM) • Rebecca Sandefur (Universidade de Illnois) • Sandra Regina Martini (UNIRITTER) • Susana Henriques da Costa (USP) • Virgínia Leal (UFPE) EDITORAÇÃO Diagramação Carolina Leal Pires (UNIBRA) Normatização e revisão Os autores REALIZAÇÃO PATROCÍNIO APOIO 2019 © Todos os direitos reservados. As informações contidas nos artigos são de responsabilidade de seu(s) autor(es). SUMÁRIO 09 GP 01 – A CULTURA DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO E AS NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ASSEGURAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DA MULHER Coordenação: Arnelle Rolim Peixoto (GEDAI/UFC) Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino (UFMA) 35 GP 02 – A “MULTIDÃO QUEER”: SEXUALIDADES, CORPORALIDADES E TRANSGRESSÕES EM DIÁLOGOS INTERSECCIONAIS Coordenação: Jorge Luiz Oliveira dos Santos (UNAMA) Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith(UFPA) 43 GP 03 – AS AGÊNCIAS DE CONTROLE E A(S) JUVENTUDE(S) NO BRASIL: COMPREENDENDO A RACIONALIDADE NORMATIVA E CONSTRUINDO ITINERÁRIOS DE RESISTÊNCIA Coordenação: Erica Babini (UNICAP) Mariana Chies Santiago Santos (IBCCRIM-SP) Ana Paula Motta Costa (UFRGS) 59 GP 04 – A TUTELA JURÍDICA PROTETIVA DOS GRUPOS SOCIALMENTE VULNERABILIZADOS Coordenação: Andréia Garcia Martin (UEMG) Juliana Izar Soares da Fonseca Segalla (FJÁU/ANHANGUERA-Jaú) Carolina Valença Ferraz (UNICAP) 84 GP 05 – BIOPODER, VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS Coordenação: Camila Holanda Marinho (UECE) Karyna Batista Sposato (UFS) Lídia Valesca Pimentel (UNIFB) 105 GP 06 – (BIO)POLÍTICAS MIGRATÓRIAS BRASILEIRAS: ENTRE DEMOCRACIA E AUTORITARISMO Coordenação: Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth (UNIJUÍ/UNISINOS) Paulo Velten (UFES) Daiane Moura de Aguiar (ANHEMBI MORUMBI) 121 GP 07 – CRIMINOLOGIA CRÍTICA E SOCIEDADE BRASILEIRA: URGÊNCIAS TEMÁTICAS E DESAFIOS METODOLÓGICOS Coordenação: Salo de Carvalho (UFRJ/UNILASALLE) Renata de Almeida Costa (UNILASALLE) 146 GP 08 – CRÍTICA DO DIREITO: DESIGUALDADES DE CLASSE, RAÇA, GÊNERO, NACIONALIDADE Coordenação: Fabiana Severi (USP-Ribeirão Preto) José Rodrigo Rodriguez (UNISINOS) Marcus Dantas (UFJF) 156 GP 09 – DESIGUALDADES E NOVOS PARADIGMAS PARA A PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO Coordenação: Bruna Guapindaia Braga da Silveira (ESTÁCIO-PA/USP) Bruno Takahashi (USP) Daniela Monteiro Gabbay (FGV-SP/USP) João Eberhardt Francisco (USP) Luciana Gross Cunha (FGV/USP) Maria Cecilia de Araujo Asperti (FGV/USP) Susana Henriques Costa (USP) 170 GP 10 – DIREITO E DESIGUALDADE(S) NA TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS Coordenação: Artur Stamford da Silva (UFPE) Guilherme de Azevedo (UNISINOS) 193 GP 11 – DIREITO E DISCURSO: DESIGUALDADE EM CONFLITOS E LUTAS POR RECONHECIMENTO DE IDENTIDADES ÉTNICAS, RACIAIS E RELIGIOSAS Coordenação: Mônica Rugai Bastos (FAAP) Douglas de Castro (FGV-SP) Danielle Mendes Thame Denny (UNISANTOS) 198 GP 12 – DIREITO, ECONOMIA E TEORIA SOCIAL NA PESQUISA EMPÍRICA Coordenação: Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros (USP/UNIP-SP) Lucas Fucci Amato (USP/EDB-SP) Gabriel Ferreira da Fonseca (FACSAL/UNICEUSA/TCE-BA) Luiz Felipe Rosa Ramos (USP) 214 GP 13 – DIREITO E MIGRAÇÕES Coordenação: Marcelo Pereira de Mello (UFF) Luiz Cláudio Moreira Gomes (UFRJ) Livia Salvador Cani (FBM-ES) 240 GP 14 – DIREITO E MÚSICA Coordenação: Germano Schwartz (UNIRITTER) Martorelli Dantas (UNIFG-PE) 253 GP 15 – DIREITO E SOCIOLOGIA AMBIENTAL Coordenação: Rogerio Borba da Silva (UVA) Daniel Braga Lourenço (UNIFG-BA) 266 GP 16 – DIREITO INTERNACIONAL E DESCOLONIALISMO: REPENSANDO A PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS Coordenação: Tatiana Cardoso Squeff (UFU) Cícero Krupp da Luz (FDSM) Gustavo Pereira (PUCRS) 286 GP 17 – DIREITO, PLURALISMO E SOCIOLOGIA DO CONSTITUCIONALISMO Coordenação: João Paulo Allain Teixeira (UNICAP/UFPE) Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (FMP-RS/FURG-RS) 304 GP 18 – DIREITO, RACISMO E DESIGUALDADES RACIAIS Coordenação: André Augusto Pereira Brandão (UFF) Carlos Alberto Lima de Almeida (ESTÁCIO) Delton Ricardo Soares Meirelles (UFF) 317 GP 19 – DIREITO, TECNOLOGIA E SOCIEDADE DE CONTROLE Coordenação: Márcio Pugliesi (USP) Nuria López (DIGITAL HOUSE-SP) 329 GP 20 – GÊNERO, MINORIAS E DIREITOS SOCIAIS Coordenação: Lúcio José Dutra Lord (UEMG) Luísa Helena Marques de Fazio (IMES) Marco Aurélio Serau Júnior (IBDP) Plínio Antônio Britto Gentil (PUC-SP/UNIP) Solange Bassetto de Freitas (UNIP) 348 GP 21 – GÊNERO, SEXUALIDADE, CRIME E VIOLÊNCIA Coordenação: Marília Montenegro Pessoa de Mello (UNICAP/UFPE) Roberto Efrem Filho (UFPB) Mariana Pimentel Fischer Pacheco (UFPE) 375 GP 22 – GÊNERO, SEXUALIDADE E DIREITO Coordenação: Caroline Ferri (UFSC) Crishna Mirella Andrade Correa (UFSC) Fernanda da Silva Lima (UFSC) 405 GP 23 – JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA Coordenação: Flavianne Nóbrega (UFPE) Bruno Galindo (UFPE) Jayme Benenuto (UNILA/UFPE) Lorena Freitas (UFPB) 440 GP 24 – JUSTIÇA FISCAL E GÊNERO Coordenação: Luciana Grassano de Gouvêa Mélo (UFPE) Ana Pontes (UFRPE) Marciano Seabra de Godoi (PUC-MG) 455 GP 25 – JUSTIÇA RESTAURATIVA: AVANÇOS E DESAFIOS Coordenação: Fernanda Fonseca Rosenblatt (UNICAP) Raffaella Pallamolla (UNILASALLE) Daniel Achutti (UNILASALLE) 480 GP 26 – JUSTIÇA SOCIAL, EDUCAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS Coordenação: Kelly Gianezini (UNESC) Fabíola Garrido (UFRRJ) 496 GP 27 – LINGUAGEM E DIREITO Coordenação: José Antonio Callegari (UFF) Rosalice Pinto (UNL-Portugal) Virgínia Leal (UFPE) 524 GP 28 – MODERNIDADE E DIREITO NA SOCIOLOGIA E NA HISTÓRIA Coordenação: Orlando Villas Bôas Filho (USP/UPM) Alexandre da Maia (UFPE) Gustavo Angelelli (UNIV. CRUZEIRO DO SUL) Raphael da Rocha Rodrigues Ferreira (UNISANTA) 540 GP 29 – METODOLOGIA DA PESQUISA E DO ENSINO DA SOCIOLOGIA JURÍDICA Coordenação: Aleteia Hummes Thaines (UNOSOCIESC) Celso Fernandes Campilongo (USP)Fernanda Busanello Ferreira (UFG) Fernando Rister de Sousa Lima (UPM) 553 GP 30 – MÍDIA, JUSTIÇA E NEOLIBERALISMO Coordenação: Sylvio Gadelha (UFC) Karina Valença (UFPE) David Oliveira (UFC) 567 GP 31 – MOBILIZAÇÃO DO DIREITO E MOVIMENTOS SOCIAIS: IMPACTOS ACADÊMICOS E POLÍTICOS Coordenação: Celly Cook Inatomi (INCT-INEU) Fabiola Fanti (CEBRAP) 574 GP 32 – O ENSINO DA SOCIOLOGIA JURÍDICA E A PRÁXIS DA ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR Coordenação: Emiliano Maldonado (IPDMS) Fernando Goya (UNILASALLE) 583 GP 33 – PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS E JURÍDICAS ACERCA DAS INFÂNCIAS E ADOLESCÊNCIAS NOS 30 ANOS DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA Coordenação: Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci (USP/UPM) Michelle Asato Junqueira (UPM) Josilene Hernandes Ortolan Di Pietro (UFMS-CPTL) Laura N. Lora (UBA-Argentina) Paula Noelia Bermejo (UBA-Argentina) 602 GP 34 – O IMIGRANTE E OS INSTITUTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO HUMANITÁRIA À LUZ DA TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS Coordenação: Cynara de Barros Costa (UEPB/UFCG) Dayse Amâncio dos Santos Veras Freitas (UFPE) 610 GP 35 – PROCESSO PENAL, GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E A SUA CRÍTICA Coordenação: Ana Cláudia Pinho (UFPA) André Carneiro Leão (FADIC) Manuela Abath Valença (UFPE/UNICAP) 635 GP 36 – SISTEMAS DEMOCRÁTICOS EM CRISE, CONSTITUCIONALISMO E SOCIEDADE Coordenação: Carina Barbosa Gouvêa (UFPE) Jayme Benvenuto (UFPE) Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco (IESP/UERJ) 664 GP 37 – SOCIOLOGIA DO DIREITO E POLÍTICA SOCIAL Coordenação: Evilasio da Silva Salvador (UNB) Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua (USP) Maria Lúcia Barbosa (UFPE) Maria Raquel Lino de Freitas (PUC-MG/USP) 690 GP 38 – SOCIOLOGIA DO PODER JUDICIÁRIO: CRISES E REFORMAS Coordenação: Flávia Santiago Lima (UPE) Jairo Lima (UENP) João Andrade Neto (PUC-MG/FACULDADE ARNALDO) Vanice Regina Lírio Valle (UNESA) 717 GP 39 – SOCIOLOGIA DO PROCESSO E DA ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS Coordenação: Paulo Eduardo Alves da Silva (USP) Pedro Heitor Barros Geraldo (InEAC/UFF) José Mário Wanderley Gomes (UNICAP/CESMAC) 734 GP 40 – TEORIA SOCIOLÓGICA E PESQUISA DO DIREITO Coordenação: Igor Suzano Machado (UFES) Paula Pimenta Velloso (UFJF) Coordenação: Arnelle Rolim Peixoto (GEDAI/UFC) Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino (UFMA) 10 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA CONTEMPORANEIDADE A PARTIR DA SUSPENSÃO DO JUÍZO E DA OBEDIÊNCIA CEGA: A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA REPRODUÇÃO E NATURALIZAÇÃO DO MACHISMO Ananda Gabriella dos Santos Dornas Graduanda em Direito pela PUC Minas-Serro José Emílio Medauar Ommati Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, Professor do Curso de Direito da PUC Minas-Serro e Professor do Mestrado em Direito da Universidade de Itaúna-MG O presente trabalho tem por intuito principal trazer discussões acerca do machismo presente na violência de gênero estrutural e a forma como esse mecanismo patriarcal (PATEMAN, 1993) reforça as violências multifacetas que ocorrem sobre o gênero feminino em uma sociedade baseada em uma burocracia de massa que retira dos sujeitos a sua faculdade de pensar e faz com que pessoas comuns reforcem as violências de gênero, reproduzindo-as de modo banal. (ARENDT, 1999). Os ambientes institucionais que formam as modernas democracias burocráticas (ARENDT, 1999), afastam do indivíduo sua capacidade de juízo sobre suas ações, uma vez que este não mais consegue observar o resultado das suas ações, uma vez que se coloca como apenas um mecanismo dentro de uma teia muito maior que se engendra nessas burocracias. É, o que chama Arendt (2010) da vitória do animal laborans: “*…+ apenas uma das espécies animais que povoam a Terra – na melhor das hipóteses, a mais desenvolvida” (ARENDT, 2010, p. 104), um ser vivente na solidão perante ao produto de seu trabalho e de vida, e de manter-se em uma dinâmica na qual o estar vivo é compartilhado com outros animais viventes, permanecendo “*…+ adstrito à satisfação de suas necessidades corporais compulsivas, incompartilháveis e significativamente incomunicáveis.” (CORREIRA, 2013, p. 210). Ou seja, é esse ser solitário e comum, na burocracia que pode praticar o mal e torná-lo banal, melhor dizendo, torná-lo comum, tendo em vista que a existência do outro é meramente “animalesca”. Devido à isso, as questões relacionadas as formais mais diversas de violência, podem se perpetuar na contemporaneidade, e, no caso do trabalho em si, esse movimento é uma das explicações para a violência de gênero: a ausência do juízo impede o pensamento crítico, e, nesse espaço de silêncio, o “cumprir” ordenou a invisibilidade do Outro, no caso, o gênero feminino, ou mesmo a matabilidade do outro, torna-se algo comum, esperado e, por vezes, até desejado. Esse sintoma é potencializado com os mecanismos de comunicação midiáticos, quere forçam o machismo no ocidente, moldando esse animal laborans, e sua suspensão do juízo. A mulher nas mídias é desumanizada de uma forma sutil, pois é “*…+ vista apenas como um corpo a ser consumido; a violência de veros crimes de de violência doméstica *…+ de ser excluída dos espaços de decisão, de ser futilizada dia após dia por meio da generalização” 11 (CHAVES, 2010, p. 219). A transformação da mulher em um produto de consume midiático é uma forma de violência de gênero que se aplica na suspensão do juízo praticada pelo animal laborans da teoria de Arendt. O “homem supérfluo”, que é o que labora, é criado por essa suspensão do juízo e produze a violência sutil midiática que reforça a discriminação de gênero e culpabiliza a vítima. Assim, o presente trabalho tem como problema identificar as formas como essa violência pode ser observada na modernidade, discernindo a participação das mídias no mecanismo da violência de gênero. O trabalho tem por objetivos apresentar a teoria de Arendt sobre a banalidade do mal, bem como descrever a forma como esse machismo sútil midiático é tão nocivo quanto à violência explícita contra o gênero feminino. A metodologia será a bibliografia documental com método qualitativo, e tem por conclusões parciais o fato de que a banalidade do mal fomenta, cria e desenvolve o machismo em vários âmbitos, e, sutilmente, se engendra nas esferas midiáticas, na qual principalmente a objetificação e culpabilização da mulher amplia as formas de violência de gênero contra esta. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relatosobre a banalidade do mal. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. CORREIA, Adriano. Quem é o animal laborans de Hannah Arendt? Rev. Filos. Aurora, Curitiba, v. 25, n. 37, p. 199-222, jul./dez. 2013. CHAVES, F. N. A sociedadecapitalista e o feminino: suaestruturafalocêntrica e a questão da aparência. In: MARCONDES FILHO, C. (org). Transporizações. São Paulo: Eca-Usp, 2010. PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. PENSANDO A VIOLÊNCIA DE GÊNERO A PARTIR DA ZONA DO NÃO SER Daniela dos Santos Almeida Mestranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ PROBLEMA INVESTIGADO A presente pesquisa tem como objetivo mapear, à luz do feminismo decolonial e afrodiaspórico, o que se tem conceituado teoricamente como “violência de gênero” ou “violência contra mulheres” e as violências denunciadas por mulheres situadas na zona do não ser, confrontando-as, avaliando e explicitando eventuais problematizações que possam emergir desse encontro. A questão surgiu especialmente do contato com uma pluralidade de dados estatísticos que sugerem que a evolução concreta do cenário de violência contra mulheres no Brasil tem se dado de forma distinta para mulheres brancas e negras bem como com o trabalho de autoras feministasantirracistas que já trazem uma série de produções que dão sentidos aos dados. Verifica-se, à luz dos conceitos de zona do ser e de zona do não ser que a elaboração e implementação de políticas e estratégias de enfretamento à violência contra mulheres é diretamente influenciada pelos sistemas de opressão, que têm a violência como engrenagem estruturante. Uma vez explicitado que a violência opera de maneiras distintas na zona do ser e 12 na zona do não ser, torna-se possível empreender o esforço de reconfigurar o que se registra e entende como violência contra mulheres de modo a visibilizar e efetivamente combater a violência de gênero imposta a mulheres negras. OBJETIVOS O principal objetivo do trabalho é reconfigurar teórico-conceitualmente a noção de violência de gênero desde perspectivas e experiências amefricanas lidas como inseridas em uma matriz de poder composta por sistemas de dominação imbricados. MÉTODO DE ANÁLISE Realiza-se um estudo bibliográfico, de caráter exploratório, nas obras de Frantz Fanon e Martín-Baró, que são tomados como principais referenciais para compreender o modus operandi da violência, seus aspectos, funções e dimensões. Toma-se uma concepção amefricanizada do feminismo como epistemologia, como modo de compreender a realidade política a partir da noção de simultaneidade de opressão. Toma-se como premissa a existência de uma matriz de poder composta por pelo menos quatro sistemas de dominação – o colonialismo, o capitalismo, o racismo e o cisheteropatriarcado – que se sustentam mutuamente porquanto articulados de forma complexa e imbricada. CONCLUSÕES PRELIMINARES Na medida em que a matriz de poder estabelece um sujeito de direitos que se pretende universal mas que, contudo, tem raça, gênero, classe, sexualidade e religião definidos, o direito não se aplica à proteção daquele que não cabem nesse paradigma. Àqueles confinados à zona do não ser a regra é a violência, mas esta também se opera, ainda que na gramática do desvio, na zona do ser, que é heterogênea. A concepção teórica de violência contra mulher deve estar suficientemente aberta de modo que não se proponha a dar conta de todas as modalidades possíveis e, ao mesmo tempo, permita que elas sejam reconhecidas como violentas. Em análise sumária, entendo que as agressões físicas, morais e simbólicas constituem, todas elas, formas de violência que podem estar presentes em modalidades de violência contra mulheres. Reputo necessário atribuir à violência contra mulheres enquanto categoria contornos capazes de distingui -la das modalidades que as violências contra as mulheres podem assumir. É necessário que se tenha uma chave para identificar e explicitar a violência de gênero mesmo quando não se tem o reconhecimento jurídico-formal da respectiva modalidade. É importante que se tenha uma categoria que não se confunda com as agressões que configuram determinada modalidade de violência para que a caracterização do fato em tese como violência de gênero não seja capturada por particularismos. Por isso, inicialmente, me parece que violência de gênero ou violência contra mulheres é uma categoria de violência estrutural que comporta modalidades de violência institucionais e interpessoais, caracterizáveis por variadas formas de agressão (física, psicológica, moral, etc.). 13 A RELAÇÃO SOCIOGEOGRÁFICA COMO PROPULSORA DO ABANDONO DA MULHER NO CÁRCERE FEMININO EM ALAGOAS Dávila Lorena de Jesus Graduanda em Direito pela UFAL/FDA Robson Nazaro da Conceição Bacharel em Ciências Sociais pela UNESP e Graduando em Direito pela UFAL/FDA Constitui-se como um ponto revisitado na literatura jurídica, a presença da dupla punição que recai sobre a mulher criminosa, ora pelo cometimento do ato tido como ilícito, ora pelo estigma advindo da quebra do papel social imposto ao gênero mulher. Em decorrência dessa construção do estigma da mulher criminosa, eminentemente sociocultural, se apresenta um problema no sistema carcerário feminino, a saber, o abandon e consequente solidão da mulher no cárcere. No entanto, sem negarmos essa faceta que consideramos ser a base sustentadora deste problema, o presente trabalho busca trazer à tona outro elemento que contribui de maneira relevante e peculiar para o fenômeno do abandono e decorrente solidão da mulher no cárcere no Estado de Alagoas. O elemento que se pretende explorar é o do caráter sociogeográfico do presidio feminino Santa Luzia em Alagoas, visto que é a única unidade prisional feminina em todo o Estado, fazendo com que, independente do município que estas mulheres provieram e constituam família, suas visitas tenha que deslocar até a capital. É com base nessa dinâmica que se objetiva discutir em que medida a questão geográfica contribui para a problemática do abandono e solidão da mulher no cárcere, diante do obstáculo para o deslocamento periódico dos visitantes até a unidade prisional em questão. Bem como, de que forma este elemento é reafirmador da segregação e invisibilização da situação das mulheres no cárcere feminino, apresentando-se como uma violência simbólica perante estas, de modo que muitas tem inviabilizado o exercício de seu direito à visita. Para tanto, o presente trabalho tem como objeto de estudo o presídio feminino de segurança máxima Santa Luzia, situado no Complexo Penitenciário de Maceió, BR-104, Alagoas. Para explorar a problemática explicitada, ter-se-á como suporte a revisão bibliográfica que se debruça nos aspectos socioespaciais do cárcere e sua relação com o instituto das visitas no âmbito do cárcere feminino, bem como na observação de dados empíricos de base documental sobre esta unidade prisional, a saber: a) As comarcas de origem das mulheres que se encontram em situação de cárcere; b) Número de visitas que cada uma dessas mulheres recebem, mensalmente. Posteriormente, dada à presença, neste mesmo presídio, de mulheres em duas situações jurídicas distintas – presas provisórias (Módulo 1) e condenadas (Módulo 2), observar-se-á, separadamente, como se manifestam os dois pontos supracitados em relação às presas provisórias, mulheres que aguardam o julgamento, quanto para as presas condenadas, mulheres que já cumprem sua pena em definitivo. No tratamento dos dados recolhidos, proceder-se-á, ainda, o cruzamento dos pontos A e B, com vistas a produzir dados que nos permitam quantificar a relação existente entre o número de visitas que cada mulher encarcerada recebe com a sua comarca de origem, observada esta relação em cada módulo. 14 Até então, observou-se que a questão sociogeográfico em relação presídio Santa Luzia coloca-se como um obstáculo para a visitação das mulheres, dado que, como única unidade prisional feminina de todo o estado, abarca em seu seio mulheres advindas das mais diversas localidades, do sertão ao litoral, fazendo com que seus familiares, principalmente, encontre obstáculos na distância e, por consequência, no gasto financeiro para custear a visitação periódica. De mesmo modo, observa-se, desde já, como a categoria de classe precisa ser evidenciada neste cenário, posto que impossibilita e dificulta o translado de muitas famílias em condição de vulnerabilidade socioeconômica. Por isso, a necessidade de discussão dos dados observados, a partir de um viés interseccional. E, por fim, constata-se, centralmente, como essa problemática não se constituindo um afronte direto ao direito de visita, se manifesta como uma violência simbólica naturalizada. VIOLÊNCIA DE GÊNERO E CULTURA ÍNDIGENA EM PERNAMBUCO: ESTUDO ACERCA DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA EM CONTEXTOS DE INTERCULTURALIDADE Glebson Weslley Bezerra da Silva Mestre em Direito pela UNICAP. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UCAM. Graduado em Direito pelo DeVryUNIFAVIP. Professor do Curso de Direito do UNINABUCO-Campus Recife. Membro do Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito UNINABUCO-CampusRecife. Coordenador do Grupo Tejucapapo de Criminologia da UNINABUCO. Advogado, inscrito na OAB -PE. Pesquisador do Grupo Asa Branca Criminologia da UNICAP/CNPq. Extensionista do Grupo Além das Grades da UFPE. Este trabalho busca compreender as situações de violência doméstica que mulheres indígenas tem enfrentado em suas relações interpessoais e perceber como o ordenamento jurídico brasileiro se comporta diante dessas violências sofridas. Entendemos o enfrentamento a violência de gênero como a criminalização da violência as mulheres, não só pela letra das normas ou leis, mas também pela consolidação de estruturas culturais, sociais e políticas que são intimamente ligadas a uma sociedade patriarcal. Desse modo, ao pensar no ordenamento jurídico uma lei com nome de mulher, observamos a Lei Maria da Penha enquanto mecanismo legislativo e como forma de prevenir e coibir a violência doméstica à mulher. Quanto a mulher ser indígena e se encontrar em situação de violência doméstica, temos que levar em consideração a concepção cultural de gênero e suas resoluções de conflito. Assim, a presente pesquisa tem como proposta analisar a aplicabilidade dessa normativa em contextos de interculturalidade, universos de comunidades indígenas do estado de Pernambuco, para investigar a aplicabilidade e efetividade da norma a partir desses marcadores culturais, elegemos desse modo a Vara Criminal localizada no munícipio de Pesqueira. Justifica-se uma vez que quando da aprovação da Lei 11.340/2006 não foram pensadas as situações de violência contra mulheres indígenas no contexto das comunidades ou fora delas por homens do mesmo grupo étnico Tem-se como objetivos específicos a discussão sobre as estruturas de poder que fazem parte do modelo colonial de gestão, bem como a discussão sobre como o feminino foi construído no Sistema de Justiça Criminal. Assim, poderemos entender como que a população indígena feminina é considerada (e se é considerada) pelo Sistema de Justiça Criminal e como as estruturas de poder influenciam numa invisibilidade e na cultura do silenciamento e encobrimento do outro, provocando dessa forma um genocídio cultural. Palavras-chave: Decolonialidade. Interculturalidade. Gênero. Violência Doméstica. Indígenas. 15 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, MEDIDAS PREVENTIVAS E RESPALDO ESTATAL: UMA ANÁLISE ANTIPUNITIVISTA Iasmim Queiroz Grosso Acadêmica de Direito da UFPE Jessica Cristina Souza do Nascimento Acadêmica de Direito da UFPE Cerca de 100 mulheres por dia sofrem violência doméstica em Pernambuco, segundo balanço apresentado no início de 2018 pela Secretaria de Defesa Social do estado (QUASE…, 2018). Nas últimas décadas, importantes mecanismos jurídicos foram criados sob o foco de tal realidade, como a Lei Maria da Penha (2006). Segundo seu art. 1º, a referida Lei, estão entre os objetivos “criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, e “estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. O art. 8º discorre sobre medidas preventivas de responsabilidade pública que visam à desconstrução das condições sociais que perpetuam a violência. Na realidade prática, no entanto, há uma ausência de políticas públicas efetivas de prevenção, sobretudo quanto à eficácia do instrumento de Medida Protetiva de Urgência. O que vê-se, na verdade, é um pedaço de papel sem materialidade preventiva, usado para fins meramente processuais. O respaldo do Estado, dessa maneira, vem apenas quando a violência já está posta; não há um processo de escuta com as acionantes, cujo interesse, muitas vezes, não é ter os seus companheiros submetidos à violência do cárcere, e sim romper o ciclo de violências. Assim, buscamos questionar o papel do Sistema de Justiça Criminal (SJC) em tais casos. A partir de uma criminologia crítica feminista, Vera Regina Pereira de Andrade pontua que: o SJC é ineficaz para a proteção das mulheres contra a violência porque, entre outros argumentos, não previne novas violências, não escuta os distintos interesses das vítimas, não contribui para a compreensão da própria violência sexual e a gestão do conflito e, muito menos, para a transformação das relações de gênero. O sistema não apenas é estruturalmente incapaz de oferecer alguma proteção à mulher, como a única resposta que está capacitado a acionar – o castigo – é desigualmente distribuído e não cumpre as funções preventivas (intimidatória e reabilitadora) que se lhe atribui. Nesta crítica se sintetizam o que denomino de incapacidades protetora, preventiva e resolutória do SJC. (ANDRADE, 2005, p. 75) A partir dessa crítica, este trabalho objetiva aprofundar um debate acerca da atuação do Sistema de Justiça Criminal em seu pretenso papel de combater violências direcionadas a minorias sociais, com recorte para a violência doméstica, analisando qualitativamente como tal violência se constrói sobre a noção de violência de gênero, numa realidade em que nosso Direito Penal, essencialmente punitivista, é o mais forte mecanismo posto pelo poder Estatal para responder a essa questão. Para além, buscamos respostas que possam acolher o problema da violência doméstica no que transcenda seu estereótipo de manifestações, no universo que constitui relações de poder viscerais no lar. Focando nas possibilidades de prevenção de agressões lato sensu que o Estado pode oferecer, preliminarmente concluímos que a violência doméstica não será combatida de maneira eficaz sem a busca por possibilidades de atuação que não se restrinjam à esfera penal ou até mesmo jurídica. Tudo isso ensejando não transformar a dor de tantas que têm suas vidas 16 marcadas pela insegurança em suas próprias casas numa abstração teórica, tratando a pauta com a urgência que lhe é inerente, mas sem esquecer que nossos olhares imediatos são viciados por sentimentos punitivos de eficácia simbólica. REFERÊNCIAS ANDRADE, V. R. P. de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista Seqüência, Florianópolis, v. 26, n. 50, p. 71- 102, jul. 2005. QUASE cem mulheres sofrem violência doméstica a cada dia em pernambuco. JC online. 2018. Disponível em: jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2018/02/15/quase-cem- mulheressofrem-violencia-domestica-a-cada-dia-em-pernambuco-327959.php. Acesso em: 14 jun. 2019. O PATRIARCALISMO, A DIMENSÃO PÚBLICA DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO E O DOMÍNIO (BIO)POLÍTICO SOBRE CORPO FEMININO: MUITO MAIS DO QUE “BRIGA DE MARIDO E MULHER” Joice Graciele Nielsson Professora-pesquisadora do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos), do Curso de Graduação em Direito e Coordenadora da Especialização em Justiça Restaurativa e Mediação na UNIJUI. Integrante do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos, certificado pelo CNPq. Doutora em Direito pela UNISINOS. Mestre em Desenvolvimento e Direitos Humanos pela UNIJUI. Considerando dois fenômenos recentes que tem afetado o Brasil e, especialmente os países latino-americanos: o avanço de uma frente conservadora que busca desqualificar o debate sobre questões de gênero; e o alarmante aumento da violência contra a mulher, este artigo propõe uma reformulação nas teorias clássicas acerca da violência de gênero e seu enclausuramento ao espaço privado, doméstico, considerado como um problema individual decorrente de relações afetivas entre homens e mulheres. Seu objetivo é explorar a existência de uma dimensão pública, política e estatal dos crimes do patriarcalismo como uma pedagogia da crueldade, apresentando como hipótese, a partir dos estudos da antropóloga Rita Segato, e da teoria biopolítica de Giorgio Agamben, a consideração de que a violência patriarcalista é estruturante do modelo estatal colônia da modernidade liberal, e, portanto, sua reprodução torna-se um elemento (bio)político fundamental paraa sustentação e perpetuação deste modelo de poder, especialmente em suas versões mais autoritárias, conservadoras e politicamente fascistas. Em seu desenvolvimento, na primeira parte traça o caminho das formas tradicionais de patriarcado de baixa intensidade da Antiguidade, ao patriarcalismo moderno-colonial, cuja implementação passa pela tomada de controle do corpo (individual e coletivo) das mulheres, agora um corpo-território político. Na segunda, conceitua a violência de gênero como uma violência patriarcalista, ou seja, pública e, portanto, política, que se recrudesce em tempos de avanços de regimes autoritários e fascistas, cuja atuação violenta sistemática contra corpos femininos e feminizados passa despercebida pela construção de um imaginário de privatização e individualização de tais crimes como “crimes de marido e mulher”, nos quais o Estado, no máximo, passa a ter o “dever de meter a colher”. Diante disso, afirma que a violência legitimada, praticada sobre os corpos femininos, constitui uma estratégia política que faz circular marcas de soberania de uma confraria masculina que mantém seu funcionamento e lealdade à um poder soberano estatal, branco, colonial e heteronormativo. Conclui, portanto, que o controle sobre o corpo feminino e feminizado é, portanto, instrumental ao avanço de poderes políticos autoritários e fascistas, e é urgente a necessidade de desvelamento desta função estratégica e biopolítica da 17 violência patriarcalista. Para sua realização, utiliza, na investigação o método de abordagem histórico e o método de procedimento indutivo, em um caráter qualitativo. Palavras-chave: Patriarcalismo. Violência de gênero. Corpos femininos. Fascismo. Biopolítica. A MULHER ENCARCERADA É TRIPLAMENTE DISCRIMINADA Josiane Pantoja Ferreira Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE Maria Helena de Paula Frota Professora-Orientadora do Programa de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE O objetivo deste texto é contribuir com a discussão a respeito da educação em espaço de privação de liberdade e evidenciar que a mulher encarcerada sofre os impactos da tripla exclusão, primeiro por serem das camadas populares da sociedade e não terem seus direitos garantidos, segundo por estarem presas e terceiro por serem mulheres (discriminação de gênero). O lócus da investigação foi o Instituto de Administração Penitenciária do Amapá, mais especificamente no Anexo da Escola Estadual São José - EESJ que fica no interior da Penitenciária Feminina. O método utilizado para a concretização desse estudo científico foi o dialético, de acordo com Gil (2008), ele possibilita uma compreensão dinâmica da realidade, ao considerar os fatores econômicos, políticos, ou seja, o contexto histórico e social. A pesquisa seguiu as seguintes etapas: pesquisa bibliográfica do objeto de estudo; visita de campo e observação. Os instrumentos e as técnicas para coleta de dados foram: questionários; análise documental e grupo focal. O grupo focal foi realizado com as mulheres presas que estudam e a aplicação de questionários foi utilizado com as mulheres encarceradas que não estudam e com as mulheres egressas que estudaram no período de reclusão. Por meio dessas técnicas ficou cristalino que mesmo com todas as dificuldades como: a falta de estrutura física, material, pedagógica e de pessoal dentre outras mazelas, o ensino ofertado na EESJ é capaz de contribuir com o retorno social da mulher privada de liberdade ao possibilitar por meio da educação a ressignificação de sua trajetória de vida e assim alargar seus horizontes fazendo com que seja possível acreditar em um projeto de vida longe da criminalidade ao sair da prisão. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS Josicleide de Oliveira Freire Mestra em Serviço Social pela UFAL e Graduanda em Direito pelo UNIT Fagner Roberto Ferreira Freire Graduando em Direito pelo UNIT Este resumo tem como objetivo analisar a violência contra a mulher à luz dos Direitos Humanos, considerando que na trajetória humana a mulher tem sido vítima de uma série de violências em decorrência do não reconhecimento do seu direito humano enquanto mulher. Foi na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, que após um lapso temporal de 18 omissão, o Estado passou a reconhecer esse direito, com a implementação de legislação e politicas de combate à violência contra a mulher. No entanto, apesar de um conjunto de normas que disciplinam sobre a temática, os casos de mulheres que tiveram a sua vida ceifada pelo preconceito, oriundo de uma sociedade patriarcal só cresceu, exigindo por parte do Estado, não apenas legislação e politicas públicas para uma maior efetivação no enfrentamento a violência contra a mulher, mas a conscientização dos atores envolvidos no crime, visto que a aplicação da lei é ineficaz sem essa consciência. Nessa direção, propomo-nos inicialmente a expor a concepção de Direitos Humanos, tão marginalizada na sociedade, por não concebê-la como um direito de todo ser humano, independentemente de sua raça, gênero, cor ou credo. E na sequência nos dedicaremos em situar à construção da Política de Combate a Violência contra a Mulher no Brasil, desde os tratados internacionais de Direitos Humanos a legislação nacional vigente, bem como, quais os desafios dessa política para a efetivação do direito humano de toda mulher. Levando em consideração a construção histórica desvirtuada da figura da mulher, edificada a partir de uma visão machista e preconceituosa, que ao longo dos anos gerou círculos de violência contra o gênero feminino. Tal concepção contribuiu para que o Estado fosse omisso a problemática da violência contra a mulher, incorporando no seu ordenamento jurídico a Lei Maria da Penha de nº 11.340/06, após um largo período de silêncio e aceitação, o que contribuiu para uma série de arbitrariedades contra a mulher, configurando numa verdadeira violação aos direitos humanos. Apesar da existência de legislação e de politicas públicas voltadas a proteção do gênero feminino, compreende-se que a ausência de conscientização sobre o crime imputado, de nada contribuirá para a sua erradicação, haja vista que fomos marcados por uma sociedade machista e preconceituosa, prova disso é o número cada vez crescente de mulheres que tiveram sua vida ceifada por companheiros que tinham nelas o não reconhecimento enquanto sujeito de direito e sim como um objeto disposto atender seus anseios e devaneios. Assim, todas as formas de violência e opressão ao gênero humano, são uma violação aos Direitos Humanos, um direito fundamental, preconizado pela carta magna de 1988 e seus antecessores, tal direito é banalizado e desvirtuado por não se compreender que os direitos humanos são sinônimos de um direito inerente a todos os seres humanos, essa condição humana independentemente de fatores externos nos tornam únicos e iguais entre si. O RENASCIMENTO DO PARTO: A REESTRUTURAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA GESTANTE EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP Juliana Frei Cunha Mestra em Direito pela UNESP. Professora de Direito e Voluntária da Defensoria Pública-SP Júlio Camargo de Azevedo Mestre em Direito pela USP. Professor de Direito e Defensor Público no Estado de São Paulo. A violência obstétrica apresenta-se como uma prática estrutural no Brasil e como uma espécie de violência de gênero que vulnerabiliza direitos fundamentais da mulher, dos nascituros e recém- nascidos. Esse problema social e de saúde germina no solo mais profundo da cultura, portanto, a despeito da existência de marcos normativos e políticas públicas destinadas a humanização do parto, estas são insuficientes quando apartadas de ações específicas para a transformação da realidade. Essa pesquisa tem como objetivo abordar a recente experiência da reestruturação da política de assistênciaà saúde da gestante no município de São José dos Campos/SP. A identificação e compreensão do problema brotou em 2014 como fruto da iniciativa de movimentos sociais – ÓPIS – Obstetrizes do Vale, 19 Parto do Princípio, Roda Bebêdubem e Centro Dandara de Promotoras Legais Populares - junto ao Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM) da Defensoria Pública Estadual (DPE). Pautadas por perspectivas feministas, emancipatórias e de empoderamento social, essas protagonistas sociais privilegiaram a utilização de um modelo sustentável, cooperativo e extrajudicial fundamentado em uma ampla participação democrática – reuniões administrativas com o Poder Público, Movimentos Sociais e Especialistas, colhimento de depoimentos, audiência pública, elaboração de cartilha informativa - para o enfrentamento da violência obstétrica e a humanização do parto. Desse esforço conjunto, nasceu, em junho de 2018, o Termo de Ajustamento de Conduta nº 01/2018 por meio do qual o município comprometeu-se a cumprir as leis estaduais nº 10.241/99 a lei nº 15.759/15 que versam, respectivamente, sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde e o direito ao parto humanizado nos estabelecimentos públicos de saúde. O TAC estruturou-se em seis eixos centrais: 1. Humanização do atendimento; 2. Direito à informação adequada; 3. Direito ao acompanhante; 4. Respeito à autonomia da mulher; 5. Dever de justificação por escrito das práticas médicas interventivas; 6. Dever de adequação dos métodos e procedimentos às normativas vigentes. Esses eixos cuidam diretamente dos problemas identificados durante a gestação do TAC compreendida entre 2014 e 2018 e, guardadas as circunstâncias dos casos em concreto, essa metodologia foi pensada para ser replicável em outras localidades. Os resultados serão analisados ao longo dos próximos anos por meio de relatórios periódicos e visitações in loco. De imediato, já é possível apontar as seguintes modificações: a readequação da área física do Hospital Municipal com separação entre Pronto Socorro Obstétrico e Centro Obstétrico; a implantação de um Centro de Parto Humanizado; a reestruturação das práticas e procedimentos adotados no serviço de obstetrícia, bem como a capacitação dos profissionais sobre o TAC; livre presença do acompanhante no pré-parto, parto e pós-parto; diminuição do número de cesárias; regionalização do atendimento; obrigatoriedade do Plano Individual de Parto; divulgação acessível do TAC nas maternidades; abertura de curso mensal de natureza informativa para gestantes na rede básica de saúde; dentre outras. Até o momento, as principais dificuldades práticas vivenciadas são a resistência cultural e a violência obstétrica como tabu, já que trata-se de uma violência naturalizada e institucionalizadas, bem como a alteração estrutural de uma política pública em curso. TRAMAS DO FEMINICÍDIO NO DIREITO BRASILEIRO Marcela Dalia Carneiro Este trabalho tem como objeto de estudo o art. 121, §2º-A, II, dispositivo acrescentado ao atual Código Penal pela Lei nº 13.104/15, que previu a qualificadora do feminicídio no referido diploma legal. O feminicídio, disposto no art. 121, §2º, VI, prevê o aumento da pena de reclusão se o homicídio é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, que seria caracterizado no caso de I - violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher (art. 121, §2º-A). Porém, antes da supracitada Lei nº 13.104/15, o Código Penal já previa enquanto qualificadora o motivo torpe (art. 121, §2º, I, CP), definido como “o motivo que atinge mais profundamente o sentimento ético-social da coletividade” (BITENCOURT, 2006, p. 85). Ora, devemos cogitar, portanto, que o legislador, ao prever a qualificadora do feminícidio no caso do menosprezo ou discriminação à condição de mulher, estaria incorrendo em terrível bis in idem, afinal, esta situação deveria atingir o mais elementar sentimento ético, sendo um evidente motivo abjeto. 20 A necessidade da positivação de tal qualificadora, ao que tudo indica, ocorreria porque a violência motivada pela condição de ser mulher não estaria sendo enquadrada como motivo torpe, por não ser percebida como fundamentalmente contrária ao sentimento ético-social da coletividade. Porém, seria acurado crer que os mesmos aplicadores do Direito que não enquadravam tais situações na qualificadora de motive torpe passarão a compreender tal crime como motivado pela discriminação à condição de mulher, aplicando a qualificadora do feminicídio? Para compreender melhor os motivos para a elaboração de tal qualificadora e como ela vem sendo aplicada na prática, pretende-se efetuar uma análise acerca das decisões dos mais diversos Tribunais do país na aplicação do art. 121, §2º-A, II, CP. Ademais, como nosso sistema penal vem conceituando a “condição de ser mulher”, tema sempre abordado no movimento feminista, marcado fortemente pelo questionamento de Simone de Bevoir no prólogo do Segundo Sexo? (BEAVOIR, 2016, p. 14-16). Nesta perspectiva, devemos levar em consideração a crítica de Butler aos estudos sobre o gênero e às formas de ação política que se apoiam em identidades, perquirindo quais grupos e padrões comportamentais estão sendo excluídos da “condição de ser mulher” (BUTLER, s.d., p. 19). Por fim, pretende-se suscitar, como questões a serem analisadas após a depuração dos dados, a problemática abordada por Fraser acerca das coletividades ambivalentes, como o gênero, que necessitam tanto de políticas afirmativas quanto de políticas transformativas (FRASER, 2001, p. 232-239) – estas que, em nosso país, aparentam estar sendo renegadas com o aumento do movimento conservador e as severas críticas traçadas tanto à “ideologia de gênero” quanto ao próprio movimento feminista. O objetivo destas críticas não é o de desqualificar o feminicídio, afinal, temos a quinta maior taxa do mundo (AGÊNCIA BRASIL, 2017) de violência contra a mulher, de maneira que não se deve insistir apenas com divagações teóricas, renegando as lutas práticas. Contudo, deve ser questionado desde já se esta tipificação não seria apenas uma tentativa simplista e paliativa de solucionar um problema multifacetário, mascarando a necessidade de uma abordagem transformativa a respeito da temática do gênero. REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASIL. Taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo. Publicado em 27 de agosto de 2017. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/taxa-de-feminicidios-no-brasil- e-a-quintamaior-do-mundo/. Acesso em: 10 jun. 2019. BEAVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2016. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 2016. BUTLER, Judith. Is kinship Always already heterossexual? Disponível em: http://hartza.com/butler2.pdf. FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça da era pós-socialista. In: SOUZA, J. (org.) Democracia hoje. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. 21 AS EXPRESSÕES DA CULTURA DA VIOLÊNCIA NO ÂMBITO DA SEXUALIDADE: DESAFIOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA MULHER Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino UFMA As discriminações contra as mulheres demonstram a necessidade de se promover uma profunda análise sobre as raízes culturais que manifestam um modelo de dominação simbólica masculina, o que constitui barreira à consolidação do direito legal previsto, prejudicando a eficácia da Lei Maria da Penha e motivando graves violações de direitos humanos contra as mulheres. No ano de 2006, foi sancionada no Brasil a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), com o objetivo de estabelecer uma proteção legal à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Em que pese a pontual previsão normativa, a 11ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública constatou queocorre um estupro a cada onze minutos no país, e que uma mulher é assassinada a cada duas horas. Comparando os anos de 2015 e 2016, verifica-se um aumento gradativo no número de vítimas de violência decorrente do crime de estupro, que saltou de 47 mil casos no ano de 2015 para 49 mil casos no ano de 2016. Apesar da realidade estarrecedora que merece a devida atenção da sociedade e dos órgãos de segurança pública, dados de pesquisa realizada em 2013, pelo Instituto Avon/Data Popular indicam que a violência moral, patrimonial e psicológica ainda não são vistas como passíveis de enquadramento na Lei Maria da Penha. Nesse sentido, é preciso reforçar que a Lei surgiu com o escopo de proteger a mulher não apenas das agressões físicas, mais fáceis de serem identificadas. O inciso III do artigo 7º da Lei Maria da Penha, aborda expressamente a violência sexual, conceituando-a como: Qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. (BRASIL, 2006). Por sua vez, o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, realizado pela Organização Mundial do Trabalho (OMS) em 2002, apontou que a violência física nos relacionamentos íntimos normalmente é acompanhada por abuso psicológico e, de um terço a mais da metade dos casos, por abuso sexual. Dentre 613 mulheres no Japão que alguma vez sofreram abuso, por exemplo, 57% sofreram todos os três tipos de abuso – físico, psicológico e sexual. Menos de 10% dessas mulheres vivenciaram apenas o abuso físico. O Relatório indica também que as mulheres que são vítimas de abuso por parte de seus parceiros têm mais depressão, ansiedade e fobias do que as mulheres que não sofrem nenhum tipo de abuso, conforme estudos realizados na Austrália, nos Estados Unidos, na Nicarágua e no Paquistão. (OMS, 2002). A expressa proteção legal, portanto, não alcança a efetiva proteção da mulher, isto porque, a violência contra a mulher se sustenta em uma cultura da violência de gênero, o que implica na necessidade de se promover um profundo combate à: injustiça cultural dos preconceitos, estereótipos e padrões discriminatórios que constrói a identidade de homens e mulheres, atribuindo-lhes diferentes papéis na vida social, política, econômica, cultural e familiar. (PIOVESAN; PIMENTEL, 2017). 22 Sendo assim, justifica-se a pertinência de analisar as expressões da cultura da violência no âmbito da sexualidade, à medida que esta conduz à objetificação da mulher, como norma socialmente aceita e inquestionável, ao tempo em que se enfatiza que a falha na proteção à integridade sexual feminina resulta em grave violação dos direitos humanos e atingem as mulheres em sua dignidade como pessoa humana. Assim, necessária se faz a busca por explicações que justifiquem o modo de pensar da sociedade e de legitimar a perpetuação da violência abordada contra as mulheres. Ressalte-se que o enfoque da análise em questão será, especialmente, pautado no contexto social contemporâneo. Nesse sentido, o presente estudo busca apontar os principais desafios que envolvem a erradicação da violência de gênero, a partir da violência sexual, em um contexto social de discriminação das mulheres e impunidade para os agressores. Para tanto, utiliza como referencial metodológico a análise do poder simbólico discutido por Pierre Bourdieu, destacando-se as categorias de habitus e pré-construções vulgares. O PAPEL DO MEDO NA DESCONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA, NA NEGAÇÃO DA EMANCIPAÇÃO E DA CIDADANIA FEMINISTA Mariana Veríssimo de Andrade Graduanda em Direito pela UNICAP. Pesquisadora do Grupo Frida de Gênero e Diversidade. As diferentes formas de violência contra a mulher inseridas no contexto familiar e social sempre estiveram presentes na história e se manifestam como forma de reafirmação e autoritarismo do homem, que sempre viveu na busca incessante de se sobrepor à mulher, estabelecendo relações verticais, visando impedir a liberdade e o empoderamento feminino. Diante deste cenário, surge então o machismo, como forma de opressão à autonomia da vontade da mulher. Embora os modelos de família tenham se tornado cada vez mais diversos, visto que a Constituição Federal reconheceu outras formas que divergem da “tradicional”, resguardando os direitos concernentes a cada uma delas, é fato que nas famílias matrimoniais formadas por casais heterossexuais, ainda há uma grande expressão do patriarcado, ou seja, o homem como símbolo de poder e autoridade, destacando a posição de submissão e inferioridade da mulher em relação a si. Cientes dessa campanha machista instituída nas relações interpessoais, faz-se necessário o estudo dos tipos de violência e mecanismos utilizados por esses indivíduos para violentar as vítimas moral, verbal, psicológica e fisicamente, afim de induzí-las a acreditar que são dignas daquele cenário degradante ao qual estão expostas, desconstruindo toda e qualquer possibilidade de luta e engajamento pela estruturação da cidadania feminista como expressão de libertação. Faz-se necessário reconhecer então que a violência pode se expressar de diversas formas, desde que o intento seja desqualificar o outro, diminuí-lo e torná-lo desprovido de desejos, autonomia e voz. No referido trabalho, o objetivo é analisar de que forma essa violência se manifesta nas relações entre homens e mulheres, quais são os diferentes graus atingidos pelos agressores e as estratégias de silenciamento utilizadas por eles, bem como o comportamento das vítimas diante deste contexto. Diante dessa problemática, o estudo busca identificar por meio da metodologia voltada para revisões bibliográficas (BIROLI, 2018; FERRAZ, 2019; OLIVEIRA; CAVALCANTI, s.d.; GUERRA; 23 SANTOS, 2014; PEREIRA, 2017) e análises de casos práticos vivenciados o papel do medo inerente às relações familiares e sociais como fator de desconstrução da identidade e autonomia feminina, a partir de uma análise acerca dos danos e reflexos psicológicos causados na mulher vítima de violência, investigando métodos de intervenção e suporte a elas, afim de assistí-las na recuperação da autonomia da vontade e na construção da cidadania feminista. Palavras-chave: Identidade Feminina. Emancipação da mulher. Cidadania Feminista. Reflexos violência doméstica. REFERÊNCIAS BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. Brasília: Boitempo Editorial, 2018. FERRAZ, Carolina Valença. O direito privado e a opressão feminina nas relações sociais: como o patriarcado construiu relações nefastas de poder em face do gênero, na obra “Manual Jurídico Feminista”. Recife: Letramento, 2019. OLIVEIRA, A. P. G.; CAVALCANTI, V. R. S. Violência doméstica na perspectiva de gênero e políticas públicas. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano. GUERRA, Marcela Gorete Rosa Maia; SANTOS, Andréia Colhado Gallo Grego. Dos reflexos da violência doméstica contra a mulher no exercício da parentalidade responsável e das políticas públicas de enfrentamento. Paraná, 2014. PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. A autonomia de vontade como determinante do feminismo. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60674/aautonomia-da-vontade- como-determinante-do-feminismo. Acesso em: 1 abr. 2019. ENTRE A MANIPULAÇÃO, A PERSUASÃO E O CONSENTIMENTO: RESIGNIFICANDO A VIOLÊNCIA DE GÊNERO, SOB A PERSPECTIVA DE UMA MATRIZ CULTURAL MACHISTA, A PARTIR DO MODELO BOURDIEUSIANO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA Marilene Pantoja INTRODUÇÃO O presente trabalho propõe o estudo de um modelo de violênciade gênero, que embora disseminado nos relacionamentos conjugais, permanece imperceptível para o senso comum, sem nenhuma previsão em lei. Encoberto por discursos sedutores e comportamentos manipuladores, submetem a mulher a uma condição de submissão e inferioridade, sem, contudo, assumir contornos de uma violência tradicional. A coação não se opera pela força, mas pela manipulação e pela sedução, de tal forma que a mulher não percebe que está sendo vítima de violência; na grande maioria dos casos, ela assimila essas condutas opressoras como atos de amor e de cuidado e, então, o seu consentimento deixa de ser um ato de vontade, para tornar-se a satisfação do desejo do opressor. JUSTIFICATIVA Em 2016, um total de 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil, segundo o Anuário de Segurança Pública (2017), o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100.000 brasileiras. Embora esses dados sejam verdadeiros, eles não representam a realidade da violência de 24 gênero no país. No Brasil, muitos assassinatos perpetrados por homens contra suas companheiras são subnotificados e passam ao largo da atuação do Estado. Sequer tornam-se dados estatísticos, porque não chegam ao conhecimento das autoridades que deveriam investigá-los. Ademais, desse total de mortes, apenas 621 casos foram considerados feminicídios. Os demais foram tratados como homicídios comuns, e não com a conotação de conflitos de gênero. Esses dados demonstram como ainda há muita resistência do Estado no reconhecimento da condição de gênero como determinante do crime de homicídio praticado contra mulheres. Por outro lado, o crime de estupro tem apresentado índices estatísticos muito elevados. Em números absolutos, foram levantados pelo 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 49 mil casos. A despeito da alteração do Código Penal, em 2009, quando a tipificação do crime de estupro passou a incluir além da conjunção carnal, o ato libidinoso e o atentado violento ao pudor, permitindo que homens pudessem ser vítimas de tais crimes, historicamente a vítima desse crime é preponderantemente mulher, com valores que se encontram entre 85 a 88% dos casos. Em relação aos agressores, estima-se que em torno de 90% ou mais são homens. De forma mais grave que o homicídio, a subnotificação do estupro mascara a realidade sobre a ocorrência desse crime. Segundo o Atlas da Violência 2017, as polícias brasileiras recolheram um total de 49.497 registros de estupros em 2016. A nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2017 sugere que apenas 10% dos crimes de estupro sejam efetivamente notificados. É consenso que este é um dos crimes mais subnotificados, em razão de suas características. Muitas vítimas, por vergonha, medo e até culpa, deixam de denunciar. Outro fator importante diz respeito ao perfil do autor: na maioria, são pessoas muito próximas da vítima. Dados do IPEA, de 2017, apontam que mais de 50% dos estupros sofridos por crianças e adolescentes foram praticados por conhecidos, como pais, padrastos, namorados ou amigos. Entre adultos esse índice se aproxima dos 40%. Esses dados revelam como dois dos crimes mais graves cometidos contra a mulher, a despeito de um aparato estatal organizado para punir exemplarmente os responsáveis, ainda são subnotificados. Isso implica dizer que muitos desses crimes jamais serão investigados e seus autores jamais serão punidos. Muitas mulheres, que deveriam ser protegidas pelo Estado, irão permanecer sob a dominação de seu agressor, que estimulado pela impunidade, volta a agredir suas vítimas, reiteradamente. Dessa perspectiva, se num contexto mais manifesto, crimes graves ainda são subnotificados, como homicídio e estupro, num espaço mais reservado, que envolve comportamentos sutis e dissimulados dos agressores, muitas mulheres, mergulhadas numa cultura discriminatória e abusiva, silenciam diante da violência sofrida, relativizando a própria dor. São mulheres que não percebem o limite entre o seu direito e o direito do outro. Permitem-se ser invadidas em sua integridade física e moral, na sua intimidade e nos seus sentimentos. Não identificam a violência, tampouco reconhecem a violência do outro, e assim o relacionamento abusivo passa a ser endossado pela própria vítima. Pequenos fragmentos de atos violadores da dignidade das mulheres, uma vez estabelecidos nas relações afetivas, são naturalizados sem que ninguém os questione; eles simplesmente existem. Não se pode negar que esses arranhões na dignidade da mulher, ainda que na forma embrionária da violência, tem potencial para evoluir para crimes graves; sim, eles evoluem. Porém, o que interessa para esta pesquisa é estudar esse embrião de violência, não apenas como um perigo futuro para a sociedade, com potencial para se transformar em crimes graves, 25 mas como ações abusivas por si mesmas. Condutas detentoras de autonomia na exata condição em que são praticadas, independentemente da capacidade de consentimento da vítima estar ou não comprometida. Por si só, são condutas violentas e, portanto, capazes de violar a dignidade das vítimas, desafiando todo o sistema de proteção à mulher. Embora o ordenamento jurídico brasileiro esteja legitimado para apurar a responsabilidade penal de cada sujeito que eventualmente infrinja a lei, violando quaisquer direitos das mulheres tutelados pelo Estado, boa parte dos crimes perpetrados contra mulheres não é punida. As razões dessa inação estatal residem em diversos fatores, inclusive culturais. Em resposta a esse quadro de impunidades, entrou em vigor no Brasil, em 2006, a Lei 11.340, que ficou conhecida como lei Maria da Penha, em alusão à mulher que, vítima de tentativa de homicídio por parte de seu companheiro, lutou para evitar sua impunidade, o que lhe causou seqüelas físicas, inclusive. Muito festejada pelos movimentos feministas, na época de sua publicação, essa lei surpreendeu, entretanto, por não trazer, em seu texto tipos penais, ou seja, condutas descritas como crime; ao contrário, ela utilizou os tipos penais já existentes no Código Penal, para atribuir- lhes maior rigor na apuração, estabelecendo um rito processual diferenciado para eles, a exemplo da obrigatoriedade da prisão em flagrante para qualquer crime que fosse cometido contra mulheres. Com essa teleologia, a citada lei construiu a definição de violência de gênero em cinco categorias: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, conforme estabelece seu art. 7º, I, II, III, IV e V, respectivamente. Assim, o Estado passou a proteger com maior amplitude a violência perpetrada contra a mulher, no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto atual ou passada. Entretanto, para serem consideradas criminosas, as condutas devem estar previstas na lei penal, a fim de que o Estado possa movimentar a máquina judiciária. Caso contrário, em respeito ao princípio da reserva legal, que rege o Direito Penal e exige a previsão em lei de uma conduta anterior ao cometimento do ato, nada poderia ser feito contra o sujeito que praticasse violência contra mulher, caso não fosse possível o enquadramento legal daquela conduta. De um modo geral, esse é o quadro legal no que diz respeito à aplicação da Lei Maria da Penha: que a conduta esteja prevista em lei como crime e que essa conduta seja cometida no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em razão de uma relação íntima de afeto. Pensar acerca de condutas que não sejam reconhecidas como criminosas, pela simples ausência de previsão legal, mas que violam inúmeros direitos das mulheres nas relações conjugais, impondo-lhes sofrimento, já justifica, por si só, a necessidade deste trabalho. Além disso, essa forma silenciosa de violência reifica uma cultura machista ainda muito forte e disseminada na sociedade brasileira, instigadora e motivadora da violência doméstica que vitima milhares de mulheres anualmente no Brasil. PROBLEMAConsiderando que a sociedade brasileira é estruturada a partir de uma cultura machista, onde práticas sexistas são disseminadas e naturalizadas, é possível considerar violência de gênero a conduta de homens que, inseridos e adaptados nessa cultura, apropriam-se de um discurso legitimador da superioridade masculina, para impor seus valores e crenças sobre a mulher que, imersa na mesma cultura, além de não perceber a violência, dissimulada e naturalizada pelo imaginário social, nega sua condição de vítima, tornando-se conivente com a própria agressão? 26 Hipóteses A mulher não tem consciência da agressão por estar culturalmente tão absorvida da cultura machista, que não se percebe no lugar de oprimida; A mulher tem consciência da violência, mas aceita a agressão, por entender que os homens gozam de privilégios sociais que legitimam suas ações agressivas. A mulher percebe a relação de dominação, mas sujeita-se à violência como um instrumento de negociação a ser utilizado na resolução do conflito; OBJETIVOS Geral Compreender se é possível entender como violência de gênero a conduta de homens que, inseridos e adaptados numa cultura machista, apropriam-se de um discurso legitimador da superioridade masculina, para impor seus valores e crenças sobre a mulher que, imersa na mesma cultura, além de não perceber a violência, dissimulada e naturalizada pelo imaginário social, nega sua condição de vítima, tornando-se conivente com a própria agressão? Específicos Relacionar as diversas formas de violência de gênero previstas em lei; Analisar como a cultura machista interfere nos valores da sociedade e afeta comportamentos, por meio de leituras dos teóricos sobre o tema; Identificar discursos estereotipados nas relações afetivas que povoam o imaginário social; Entrevistar mulheres que vivenciam relacionamentos abusivos, mas que não se percebem nessa condição; MÉTODO DE ANÁLISE A metodologia a ser utilizada no presente estudo utilizará a pesquisa pura, recorrendo aos teóricos que produziram acervo bibliográfico sobre o tema, que irão subsidiar a pesquisa. A coleta de dados será por amostragem estratificada por idade, classe social, grau de instrução e opção religiosa. A pesquisa de campo será realizada, com utilização de entrevistas e questionários a serem aplicados em homens e mulheres no âmbito das relações afetivas. O tipo de análise será qualitativo, com vistas a compreender o processo de dominação masculina, identificando comportamentos a partir do papel social dos atores envolvidos. O método a ser utilizado será o dedutivo, vez que partirá da generalidade do tema, para alcançar situações específicas de relacionamentos abusivos. CONCLUSÃO Em um universo machista como a sociedade brasileira, em que a superioridade masculina é historicamente sustentada por um arcabouço sócio-cultural, a desigualdade de gênero encontra- se infiltrada no tecido social de forma tão impregnada, que passa a ser percebida não como uma realidade construída, mas como consequência natural da vida em sociedade. No âmbito das relações afetivas, a naturalização da proeminência masculina determina o cumprimento de papeis sociais a serem desempenhados por homens e mulheres. Numa relação amorosa heterossexual, práticas sexistas submetem a mulher a uma condição de inferioridade em espaços conjugais nem sempre harmônicos, gerando diferentes níveis de conflitos, que podem variar em intensidade e freqüência, assumindo, na maioria dos casos, contornos de 27 relacionamento abusivo, quase sempre com uso de violência física. Os conflitos emergem e crimes são perpetrados no âmbito familiar, quase sempre por homens contra suas mulheres. No mundo inteiro, mulheres são assassinadas e violentadas diariamente por homens que um dia disseram amá-las, pelo simples fato de serem mulheres. Agindo com violência, praticando qualquer delito previsto em lei contra sua mulher, o agressor responderá pelo crime cometido. Denunciado o crime, ele torna-se objeto de investigação policial, ensejando a prisão do criminoso. Seu registro irá compor as estatísticas oficiais de violência doméstica, informando acerca do quadro de vulnerabilidade da mulher no âmbito doméstico e familiar e ensejando políticas públicas de proteção às vítimas. Evidente que pela própria natureza dos crimes cometidos, a vítima encontra-se numa condição de vulnerabilidade maior, em razão da coabitação e/ou da dependência afetiva, sobretudo quando há ameaças recorrentes do agressor. Submetida a essa condição, a mulher pode optar por não denunciar o seu agressor, seja por temer represálias, seja por desacreditar no sistema de proteção estatal. Em ambas as hipóteses, entretanto, ela tem ciência de que foi vítima de violência doméstica, sabe que houve um crime, mas prefere silenciar. São, portanto, crimes subnotificados, o que implica dizer que os dados estatísticos apresentados sobre violência de gênero não refletem a realidade do que acontece numa parcela significativa da sociedade brasileira. Observa-se, então, que uma vez sendo vítima de qualquer tipo de violência prevista em lei, praticada no âmbito doméstico e/ou familiar, a mulher pode denunciar seu companheiro, exigindo a punição estatal correspondente. Pelas razões já demonstradas, ela também pode silenciar acerca da agressão sofrida. Conforme se observa nas duas hipóteses, a análise reporta-se a crimes, ou seja, toda conduta humana prevista na lei penal como típica e antijurídica. São práticas criminosas que estão previstas no ordenamento jurídico de conhecimento de todos os aplicadores da lei. Nenhuma delas, entretanto, é o objeto desta pesquisa. Este trabalho se propõe a analisar uma modalidade diferente de violência; uma violência que não está descrita em nenhum tipo penal, por não ter sido considerada pelo legislador. Ela não é estudada pelos juristas, tampouco está presente na maioria dos discursos feministas ou nos debates acadêmicos, mas está poderosamente infiltrada nos relacionamentos afetivos, ditando regras e definindo papéis sociais. Silenciada por uma forte cultura machista, essa violência torna- se invisível. Num ambiente familiar estabelecido num sistema patriarcal, com evidente assimetria de poder entre seus membros, bastante comum nas estruturas familiares brasileiras, nem sempre as relações familiares podem se revelar abusivas. A incidência de inúmeras variáveis no relacionamento entre um homem e uma mulher no âmbito conjugal pode conduzir a diversas formas de apreensão da realidade e, como conseqüência, de percepção de uma possível violência dentro de uma relação afetiva. Por inúmeras razões, uma mulher pode silenciar acerca da violência infligida por seu companheiro. Se, na maioria das vezes, ela o faz por temer represálias, a intimidação, nesse caso, será sempre um fator manifesto e concreto de uma violência silenciada. Essa concretude, traduzida na presença factual do medo da vítima, contudo, pode não ser tão evidente. Nem sempre uma mulher que silencia sobre a violência praticada por seu companheiro o faz por medo de represálias. O medo pode ser apenas a conseqüência de uma causa subjacente, encoberta pelo que Bourdieu chamou de habitus. Pensar no relacionamento conjugal, dessa perspectiva, implica em 28 afirmar que a subjetividade feminina é individual, mas concomitantemente social e coletivamente organizada por uma cultura machista. A subjetividade feminina é, portanto, uma subjetividade socializada. Há nos relacionamentos afetivos uma espécie de “cumplicidade” nas práticas conjugais, sustentada por valores e crenças que conduzem a um reforçamento de condutas que, ao serem gradualmente engendradas na rotina dos casais, podem vir a naturalizar comportamentos atravessados por discursos machistas, capazes de legitimar práticas abusivas clandestinas, naturalizando-as dentro da relação. A maneira como os casais apreendem essas linguagense as atualizam na rotina dos seus relacionamentos é que demarcará o limite entre um relacionamento abusivo e um relacionamento equilibrado. Dessa perspectiva, os relacionamentos afetivos podem se tornar espaços de produção e reprodução de discriminação da mulher e, portanto, de violência Algumas vezes, porém, podem ser ambientes de consenso entre dominador e dominado; lugares de convivência, conveniência e conivência com a violência. É dessa perspectiva silenciosa da violência e, portanto, distanciada do seu conceito tradicional, que este trabalho se propõe a analisar os relacionamentos afetivos. O cotidiano vivenciado pela mulher, nas relações conjugais espalhadas pelo Brasil, aponta para um gap, um vazio não contemplado pela Lei Maria da Penha, quanto às modalidades de violência doméstica, onde os relacionamentos se desenvolvem a partir da lógica da superioridade masculina, que permite a naturalização de abusos e violências contra mulheres, sem a devida proteção estatal. O interesse pelo tema resultou da observação despretensiosa, e até mesmo casual, mas que pela sua recorrência chamou a atenção para uma análise mais cuidadosa. Independente da classe social, da instrução, da religião, da origem dos casais, é comum encontrar relacionamentos abusivos dissimulados. São abusadores e vítimas que convivem e se reconhecem como amantes apaixonados. Não raro, os abusos são percebidos pelas vítimas como excesso de amor, enquanto que para o abusador esse consentimento inadvertido funciona como reforço positivo, incentivando sua repetição. Uma vez estabelecido o ciclo da violência, ele reproduzir-se-á continuamente. AS MULHERES E O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: A CRIMINALIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO E A FUNÇÃO SIMBÓLICA DA PENA Natalia Girlene Pereira da Silva Graduanda em Direito pela UFPE O crime de feminicídio consiste na conduta de matar mulher vitimando-a por violência doméstica ou familiar, ou por discriminação pela condição de sexo feminino. Este crime tem como uma de suas características o fato de geralmente ser precedido por um histórico de agressões de natureza moral, física, psicológica, e de não tratar-se de um evento isolado durante a relação da vítima com o autor do fato, que geralmente faz parte do seu círculo íntimo de relações. A morte de uma mulher é considerada como a forma mais extrema de um continuum de atos de violência, definido como consequência de um padrão cultural que é aprendido e transmitido ao longo de gerações (PASINATO, 2011). 29 No intuito de viabilizar a proteção à mulher, e de erradicar as mais variadas formas de violência doméstica, o Poder Legislativo nacional nas últimas décadas aprovou uma série de legislações que buscam desde a prevenção geral dos delitos, a meios mais eficazes e severos de retribuição. Neste sentido, os principais marcos destas alterações legislativas a Lei 11.340/2006 popularmente conhecida como Lei Maria da Penha (CNJ, 2018), e, a Lei 13.104 de 2015 que alterou o Código Penal criando a qualificadora do Feminicídio, que eleva os patamares do Homicídio de seis a dez anos para doze a trinta anos de reclusão, insere o feminicídio expressamente no rol dos crimes hediondos o que significa dizer, que a pessoa condenada pelo crime começará a cumprir sua pena necessariamente em regime fechado e com requisitos mais rigorosos para a progressão de regime. Na tentativa de erradicar a violência contra a mulher o direito penal tem sido o segment jurídico que mais cria mecanismos de coerção com vistas à prevenção e retribuição e ressocialização, neste contexto é necessário verificar a efetividade deste âmbito jurídico, com todo o aparato do sistema de justiça criminal na eliminação ou diminuição da violência de gênero, especificamente do feminicídio.Considerando o lapso temporal em que vigora a Lei 13.104/2015, é possível dizer que há condições iniciais de apuração das mudanças no campo social, para tanto o referencial teórico utilizado será a Criminologia Crítica enquanto teoria crítica e sociológica do sistema de justiça criminal (ciência social), que ocupa-se fundamentalmente, da análise de sua complexa fenomenologia e funcionalidades capitalistas e patriarcais (ANDRADE, 2005). Embora o gênero seja o fator central do debate, é imprescindível voltar os olhares para outras questões como a classe e raça, pois um olhar homogeneizado pode simplesmente perpetuar desigualdades que devem ser combatidas. Desta forma a presente pesquisa busca verificar se a criação do feminicídio no Código Penal, resultou na efetiva prevenção da prática desse crime, partindo-se do sentimento de que as evidências indicam para a negação como resposta. O objetivo geral deste trabalho é analisar a tipificação do feminicídio por meio da Lei 13.104/2015 como qualificadora do crime de homicídio cometido contra mulher por razões da condição de sexo feminino, na perspectiva de se verificar os resultados práticos e simbólicos decorrentes de tal alteração legislativa. Para o estudo parte-se de uma revisão bibliográfica da literatura que trata do Feminicídio na Brasil, bem como da jurisprudência nacional e do estado de Pernambuco. Além de análise de conteúdo (AC) das sentenças proferidas no ano de 2019 e, por fim, será realizada a observação não participante das audiências realizadas na cidade do Recife que versem sobre o crime de Feminicídio no segundo semestre de 2019 e no primeiro semestre de 2020, além de se comparar o estudo a pesquisas nacionais.O método aplicado sobre os dados obtidos, é o exame qualitativo de conteúdo das decisões. Apesar de ser considerada uma conquista pelos movimentos que lutam pelos direitos das mulheres, em conclusão preliminar a criação do feminicídio não tem se mostrado fator inibidor da prática do fato, uma vez que em termos quantitativos ainda se tem um número expressivo de homicídio de mulheres decorrente da condição de gênero feminino como demonstra o Mapa da Violência Contra a Mulher 2018. Palavras-chave: Feminicídio. Redução. Pena. Simbolismo. 30 MULHERES NO TRÁFICO: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE VIOLÊNCIA NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS COMETIDOS POR MULHERES NA CIDADE DO RECIFE NO ANO DE 2019 Renata de Oliveira Peregrino da Silva Graduada em Direito pela UNICAP. Mestranda no PPGD da FADIC. Renata Celeste Sales Mestre e Doutora em Direito pela UFPE. Professora do PPGD da FADIC e Coordenadora Adjunta da mesma instituição. Coordenadora do grupo de estudos Direito, Biopolítica e Subjetividade. A taxa da população carcerária feminina é crescente no Brasil, sendo composta, em sua maioria, por mulheres negras e de baixa escolaridade. Nesse universo, os dados oficiais do governo ou decorrentes de pesquisas da sociedade civil organizada, periodicamente publicados, indicam que o tráfico de drogas representa o principal delito no processo de criminalização das mulheres no país. A “feminização da pobreza”, que prevalece em toda América Latina, é um tema essencial para compreensão dessa realidade, visto que, facilita e viabiliza a entrada de mulheres, principalmente, pobres na economia informal, precária e ilegal, da qual o tráfico de drogas se insere. Importa destacar, também, a violência de gênero de caráter simbólico sofrido pelas mulheres que, muitas vezes, cometem o delito de tráfico de drogas, induzidas pelo próprio companheiro. Em consequência, no cárcere, tornam-se vítimas da violência institucional, tendo o sofrimento intensificado devido às suas condições particulares de mulher, de mãe e do próprio abismo social agravado. A criminalização feminina reitera a posição de vulnerabilidade e invisibilidade da mulher perante uma sociedade machista e misógina, acompanhada de um sistema penal que determina a clientela prisional, baseando-se em critérios pré-estabelecidos cultural e economicamente. A análise sobre as questões de gênero e tráfico de drogas faz-se cada vez mais necessária, não apenas para desvendar os fatos
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