Logo Passei Direto
Buscar

Conhecimento unívoco & conhecimento analógico_daniel gomide

User badge image
Sueli Fajardo

em

Ferramentas de estudo

Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

CONHECIMENTO ANALÓGICO E CONHECIMENTO 
UNÍVOCO 
Daniel Gomide 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................... 7 
O CONCEITO VANTILIANO DE ANALOGIA ...................... 9 
REVISITANDO O CONCEITO VANTILIANO DE 
ANALOGIA ............................................................................. 23 
O REVISIONISMO DE JOHN FRAME ................................. 32 
R. SCOTT CLARK E O MAL USO DA TRADIÇÃO 
REFORMADA ......................................................................... 44 
GORDON CLARK E O CONHECIMENTO UNÍVOCO ....... 49 
ESTABELECENDO O CASO EM FAVOR DO 
CONHECIMENTO UNÍVOCO ............................................... 85 
CONHECIMENTO ANALÓGICO, PARADOXO E 
MISTÉRIO ............................................................................. 104 
REALISMO CONCEITUAL TEÍSTA E SIMPLICIDADE 
DIVINA .................................................................................. 115 
APENDICE ............................................................................ 159 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
Na década de 40 uma disputa foi iniciada entre 
dois apologetas célebres: Cornelius Van Til e Gordon 
Haddon Clark.
1
 A controvérsia levantou pontos que 
perduram em debate até os dias de hoje. Um desses pontos 
diz respeito à teoria do conhecimento. Existe um ponto de 
contato entre o nosso conhecimento e o conhecimento 
divino? Seria o nosso conhecimento unívoco ou análogo? 
Apesar de essas questões parecerem irrelevantes, sem 
muita relação com nosso cotidiano, a resposta a essas 
perguntas é de crucial importância, pois a compreensão da 
realidade última é diretamente afetada por nossa 
cosmovisão. Numa tentativa de esclarecer a disputa, 
 
1
 A controvérsia foi desencadeada pela recepção de um documento 
que ficou conhecido como Reclamação. Dentre os que assinaram o 
documento, redigido em oposição à ordenação de Clark, estava 
Cornelius Van Til. Vale lembrar que o presbitério da OPC (Orthodox 
Presbyterian Church) decidiu o caso em favor de Clark. 
8 
 
procuraremos entender a definição desses termos e, sem 
muito suspense, recomendaremos a epistemologia 
clarkiana como solução para o caso. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
O CONCEITO VANTILIANO DE 
ANALOGIA 
 
 
 
Para que possamos compreender melhor a 
controvérsia Clark-Van Til, especificamente a 
definição de conhecimento analógico e de 
conhecimento unívoco, faz-se mister investigar a 
terminologia desses grandes pensadores da fé cristã. 
É lugar-comum para os vantilianos afirmarem que o 
conceito de analogia de Van Til difere do conceito 
aristotélico-tomista. Em uma nota de rodapé no livro 
Apologética Cristã, William Edgar salienta: 
Embora não o desenvolva aqui, o 
conceito de analogia é central à 
epistemologia de Van Til. Ele significa 
“pensar os pensamentos de Deus após 
ele”, ou conhecendo em conformidade 
com um modo de criatura. Em A 
Christian Theory of Knowledge [...], ele 
distingue sua visão da doutrina da 
analogia do ser de Tomás de Aquino, 
pela qual o cosmos se move do ser total 
10 
 
de Deus, que é autogovernador, ao ser 
da humanidade, que é parcialmente 
autogovernador, até aos seres inferiores, 
ou mesmo o não ser, matéria não 
diferenciada, incapaz de qualquer 
essência. Na visão de Tomás, não 
podemos nunca falar univocalmente 
acerca de Deus, entretanto não 
precisamos nos limitar ao equivocal, ou 
conhecimento puramente metafórico. 
Analogia é o meio-termo. Para Van Til, 
analogia é bem diferente. Diz respeito 
ao único caminho para o conhecimento 
de um Deus que é tanto Criador e, 
portanto, transcendente, e Redentor, 
logo também imanente. Para ele o 
conhecimento univocal é simplesmente 
conhecer o caminho que Deus conhece, 
ou autonomamente, e conhecimento 
equivocal significa ceticismo. 
 
No centro da epistemologia vantiliana temos, 
então, um termo confuso. De acordo com o Edgar, 
analogia significa “pensar os pensamentos de Deus 
após ele”. Isso parece indicar o modo como a criatura 
conhece, enquanto nada diz acerca do objeto do 
conhecimento. Por outro lado, o conhecimento 
unívoco, de acordo com a descrição de Edgar, refere-
se ao modo autônomo do conhecimento. Definidos 
11 
 
dessa forma, conhecimento analógico e 
conhecimento unívoco são de tal modo antitéticos 
que a fé cristã não pode conciliá-los. O conhecimento 
analógico é dependente e derivado de Deus. O 
conhecimento unívoco é independente e baseado na 
razão autônoma. A distinção Criador-criatura só pode 
ser mantida, na visão vantiliana, quando nosso 
raciocínio é analógico. De acordo com alguns 
vantilianos, como K. Scott Oliphint e R. Scott Clark, 
o conhecimento analógico está plenamente de acordo 
com a tradição reformada. Tal conhecimento se 
fundamenta na distinção básica εἰμι (eimi)/εἰκὼν 
(eikōn), isto é, a distinção ontológica EU 
SOU/Imagem requer uma distinção qualitativa entre 
o conhecimento divino e o conhecimento humano. O 
conhecimento de Deus é original (arquétipo) 
enquanto o nosso é derivado (éctipo). 
A distinção entre teologia arquétipa e 
teologia éctipa na teologia reformada remonta a 
Franciscus Junius (1591 – 1677). Em sua obra A 
Treatise on True Theology ele defende que a 
12 
 
sabedoria (teologia) de Deus não pode ser predicada 
univocamente à sabedoria (teologia) do homem, mas 
deve ser predicada de modo análogo. Vejamos mais 
detidamente as definições de Junius. O tratado de 
Junius pode ser considerado um prolegômeno acerca 
da natureza da teologia. Seu método parte das teses, 
fornece definições e deriva daí as conclusões. Junius 
aponta que a teologia pode ser definida de duas formas: 1) 
teologia é o discurso que o próprio Deus proclama e 2) o 
discurso real que é pronunciado em relação a Deus 
(sabedoria quanto aos assuntos divinos). No tratado, o 
segundo sentido é aplicado com mais frequência. 
Conforme indica Willem J. van Asselt, na introdução, 
Junius utiliza “sabedoria” (sapientia) como um termo 
técnico. A teologia é sabedoria, porquanto abrange o 
domínio teórico e o domínio moral. Sapientia engloba os 
primeiros princípios, as deduções válidas e o que é 
necessário para a piedade. Tendo determinado a existência 
da verdadeira teologia em oposição à falsa, Junius 
investiga o sentido do termo “sabedoria” quando aplicado 
a Deus e quando aplicado a nós. Ou para dizer de outro 
13 
 
modo, uma vez que teologia diz respeito à “sabedoria 
quanto aos assuntos divinos” é necessário determinar o 
que esse termo quer dizer quando aplicado a Deus e 
quando aplicado ao homem. Ao distinguir a teologia de 
Deus da teologia revelada temos um uso equívoco do 
termo teologia. Na predicação, um termo é equívoco 
quando, apesar de ser homônimo, é usado com sentido 
distinto. O gênero da teologia de Deus é ilimitado, 
atemporal, infinito e exaustivo. Mas nossa teologia é 
limitada, pois não podemos saber tudo acerca de Deus. 
Dessa forma, por não compartilhar das mesmas 
qualidades, nossa teologia não pode ser do mesmo tipo da 
teologia de Deus, mas deve ser uma cópia (gr. éctipo). 
Nossa teologia, apesar de não ser do mesmo tipo da 
teologia essencial, mantém com ela uma analogia 
“exatamente como uma imagem pintada de uma pessoa 
não é do mesmo tipo que a pessoa, mas somente por meio 
de raciocínio analógico adquire por equívoco o título de 
‘pessoa’” (JUNIUS, 2014, p. 106). Teologia arquetípica é 
a “sabedoria divina acerca dos assuntos divinos”. Assim, 
Junius diz com os escolásticos que a sabedoria é 
14 
 
predicada de Deus univocamente, mas de nós de forma 
equivocada (JUNIUS, 2014, p. 108). Ele então explica 
porque o termo sabedoria é equívoco aplicando ao nosso 
modo de saber. A teologia arquetípica(o conhecimento de 
Deus acerca Dele mesmo) não tem distinções, partes, não 
é sucessiva, é eterna, é essencial, é imutável e, de fato, é a 
própria essência de Deus. Já o nosso conhecimento é 
discursivo, é acidental, nasce de princípios, envolve 
cadeias de raciocínios (JUNIUS, 2014, p. 109). Sabedoria 
para Deus então não é algo temporal e progressivo, como 
é para nós. Claramente, portanto, o termo sabedoria é 
equívoco quando aplicado a Deus e aos homens. Mas é 
unívoco em cada caso particular. O infográfico
2
 abaixo 
resume de forma didática esses pontos: 
 
 
2
 Adaptado com permissão do artigo The Archetypal/Ectypal 
distinction and Clarkian epistemology de Daniel H. Chew, Disponivel 
em: 
<http://www.angelfire.com/falcon/ddd_chc82/theology/ArchetypalEct
ypalDistinctionClarkianE.pdf>. Acesso em: 15 agosto 2017. 
 
15 
 
 
 
Para Junius, a teologia revelada é “retirada” dessa 
fonte inesgotável denominada teologia arquétipa. Assim, a 
distinção do conhecimento divino e humano é tanto 
qualitativa (modo) como quantitativa (o homem conhece 
apenas a parte retirada da fonte inesgotável). Ele escreve: 
“A teologia éctipa, seja tomada em si mesma, como 
dizem, ou relativamente em relação à outra coisa, é a 
sabedoria dos assuntos divinos, formada por Deus a partir 
do arquétipo de Si mesmo, através da comunicação da 
16 
 
graça para Sua própria glória”.
3
 Os termos “unívoco”, 
“equívoco” e “análogo” são usados por Junius no âmbito 
lógico/semântico. Junius aplica o termo “analogia” para 
afirmar a semelhança entre a teologia arquetípica e a 
teologia éctipa. O termo que Junius correlaciona ao modo 
de nosso conhecimento é “éctipo” ao invés de “análogo”. 
Willem J. van Asselt demonstra esse ponto de maneira 
precisa: 
Ele [Junius] define a teologia 
arquetípica como a teologia de Deus em 
si mesmo. É a teologia segundo a qual o 
Deus trino se conhece e tudo o que está 
fora dele por um ato indivisível de saber. 
É a sabedoria eterna e essencial de Deus 
e, portanto, a própria essência de Deus 
em que todas as coisas estão presentes 
sem ser o resultado de um processo 
discursivo [...].
4
 
 
 
3
 JUNIUS, F. A Treatise on true Theology. Tradução de David C. 
Noe. 2965 Leonard St. NE: Grand Rapids: Reformation Heritage 
Books, 2014. 
http://www.juniusinstitute.org/companion/junius_de_vera/ . 
 
4
 JUNIUS, F. A Treatise on true Theology. Tradução de David 
C. Noe. 2965 Leonard St. NE: Grand Rapids: Reformation 
Heritage Books, 2014. xxxii p. 
http://www.juniusinstitute.org/companion/junius_de_vera/. 
17 
 
A teologia éctipa secundum quid
5
, por outro 
lado, é progressiva e discursiva. Teologia arquétipa e 
teologia éctipa indicam, portanto, quantidades e 
modos distintos de conhecimento. A 
incomunicabilidade do conhecimento arquetípico 
levou os reformados a declararem que finitum non 
capax infiniti, ou seja, a finitude da natureza humana 
é incapaz de compreender a infinitude da natureza 
divina. Em outras palavras, o conhecimento perfeito 
e exaustivo de Deus (arquétipo) é inacessível às 
criaturas. Mas por sua livre vontade e graça Deus 
retira da fonte inesgotável (teologia arquétipa) um 
conhecimento comunicável à criatura humana, 
tornando-se conhecido por sua própria iniciativa. 
Junius coloca da seguinte maneira: “A teologia éctipa, 
seja tomada em si mesma, como dizem, ou relativamente 
 
5
 Junius propõe uma distinção com relação à teologia éctipa: teologia 
éctipa simpliciter dicta e teologia éctipa secundum quid. A primeira 
refere-se ao conhecimento comunicável e acomodado para tornar 
possível sua recepção pelo ser humano. Já a segunda refere-se à 
comunicação da teologia éctipa simpliciter dicta aos seus receptores, 
isto é, enquanto retirada da teologia arquetípica a teologia éctipa 
simpliciter dicta é comunicável. Quando doada à criatura humana, 
passa a ser teologia éctipa secundum quid, ou comunicada. 
18 
 
em relação à outra coisa, é a sabedoria dos assuntos 
divinos, formada por Deus a partir do arquétipo de Si 
mesmo, através da comunicação da graça para Sua própria 
glória”.
6
 
Com essas definições em mente, especificamos 
agora o uso do termo “análogo” por Junius. Junius define 
teologia arquetípica assim: “a teologia arquetípica é a 
sabedoria divina dos assuntos divinos. Na verdade, 
ficamos admirados antes disso e não procuramos rastreá-
la”.
7
 Note que na definição de teologia arquétipa e na 
definição de teologia éctipa Junius utiliza o termo 
“sabedoria”. Não devemos especular acerca da teologia 
arquétipa (Dt 29:29). Antes, devemos adorar a imensidão 
da sabedoria de Deus. Agora, tirada dessa fonte 
inesgotável há uma sabedoria comunicada a nós (teologia 
éctipa). Podemos aplicar de modo unívoco o termo 
“sabedoria” com relação a essas duas relações? Conforme 
 
6
 JUNIUS, F. A Treatise on true Theology. Tradução de David 
C. Noe. 2965 Leonard St. NE: Grand Rapids: Reformation 
Heritage Books, 2014. 114 p. 
http://www.juniusinstitute.org/companion/junius_de_vera/. 
 
7
 Ibid, p. 108. 
19 
 
o esboço aqui apresentado do Tratado de Junius, vimos 
que o gênero da sabedoria divina e o gênero da sabedoria 
humana são distintos. A sabedoria não é uma composição 
no Ser divino. Nós diferenciamos os atributos de Deus, 
mas o Ser de Deus é simples. Portanto, quando predicada 
em relação a Deus e a nós, sabedoria não pode ser 
entendida de maneira unívoca. O uso, pois, de “sabedoria” 
em relação a Deus parte de sua aplicação a nós e, de forma 
meramente didática, é aplicado a Deus por descrição 
análoga. Desse modo, percebemos que Junius empresta o 
termo “analogia” do modelo aristotélico-tomista. Tomás 
de Aquino declara: 
A terceira é que os nomes ditos de Deus e 
das outras coisas não se dizem de todo 
univocamente nem de todo equivocamente. 
Univocamente, com efeito, não podem 
dizer-se, porquanto a definição dos nomes 
ditos da criatura não é a definição dos nomes 
ditos de Deus: mas é necessário que seja a 
mesma a definição dos ditos univocamente. 
De modo semelhante, porém, tampouco de 
todo equivocamente. Com efeito, nos que 
são casualmente equívocos, impõe-se um 
mesmo nome a uma coisa sem nenhuma 
relação com outra coisa: daí que por uma 
não possamos raciocinar sobre a outra. Ora, 
20 
 
os nomes que se dizem de Deus e de outras 
coisas atribuem-se a Deus segundo alguma 
ordem que este tem a estas coisas, nas quais 
o intelecto considera seu significado; por 
isso podemos raciocinar sobre Deus por 
outras coisas. Por conseguinte, tais nomes 
não se dizem de todo equivocamente de 
Deus e das outras coisas, como os 
casualmente equívocos. Dizem-se, pois, 
segundo analogia, isto é, segundo proporção 
a um.
8 
 
É importante ressaltar que, embora situe sua 
ideia de analogia no contexto da predicação, Junius 
não discute a metafísica tomista, conquanto o método 
tomista seja utilizado sem muitas alterações. Para 
Tomás, a razão (sentido empírico) parte das coisas 
criadas, retém o phantasma na imaginação e retira 
daí o conceito. Esse conceito é, então, aplicado a 
Deus mediante o discurso analógico por 
aproximação. Joshua Lee Harris destaca que o 
método tomista é fundamentado no triângulo 
 
8
 AQUINO, T. D. Compêndio de Teologia. Tradução de Carlos 
Nougué. Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro Menino Deus: 
Concreta, 2015. Edição do Kindle. (Locais do Kindle 2220-2227).. 
 
21 
 
semântico aristotélico, cujos constituintes básicos 
são: nome (nomen), conceito (ratio) e a coisa (res).
9
 
O conceito é retirado da coisa a posteriori e, quando 
transita da esfera criada para a esfera não-criada, não 
éaplicado um-a-um, mas “segundo proporção a um”. 
Junius, da mesma forma, estabelece a comparação da 
sapientia divina e da sapientia humana partindo das 
coisas criadas. No entanto, em seu tratado, ele define 
primeiramente teologia arquétipa como a sabedoria 
divina dos assuntos divinos e discute em seguida a 
teologia éctipa
10
 formada pelo próprio Deus para ser 
comunicada por três vias possíveis: a) união; b) 
visão; c) revelação. O conhecimento que podemos ter 
nessa etapa da vida é baseado na Revelação e é aí 
que reside o foco da controvérsia. Mas antes de 
 
9
 HARRIS, J. L. Analogy in Aquinas: The Alston - Wolterstorff 
debate revisited. Faith and Philosophy, 34, 1 janeiro 2017. 
Diponível em: 
https://www.academia.edu/33118788/ANALOGY_IN_AQUIN
AS_THE_ALSTON-
_WOLTERSTORFF_DEBATE_REVISITED. 
 
10
 A distinção entre teologia arquétipa e teologia éctipa faz eco a 
Teoria das Formas de Platão. 
22 
 
desenvolver mais essa ideia correlacionada à 
Revelação, precisamos entender outros detalhes da 
teoria de Van Til. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
REVISITANDO O CONCEITO 
VANTILIANO DE ANALOGIA 
 
 
 
Joel R. Beeke e Michael D. Bell escreveram 
um artigo que busca esclarecer o conceito vantiliano 
de analogia.
11
 Nesse artigo, os autores descrevem o 
conceito vantiliano de analogia não primariamente 
no contexto de predicação, mas em termos de 
relacionamento entre o Criador e a criatura. Esse uso 
atípico de analogia determina o conceito vantiliano 
de univocidade em termos de relação ontológica. 
Devemos observar que o uso incomum de um termo 
 
11
 BEEKE, J. R.; BELL, M. D. Cornelius Van Til's Concept of Man as 
the Analogue of God, 2006. Disponivel em: 
<https://biblicalstudies.org.uk/pdf/ref-rev/15-1/15-1_beeke.pdf>. 
Acesso em: 16 agosto 2017. 
 
 
24 
 
não é problemático em si. Esse uso pode se tornar um 
obstáculo caso a definição se torne ambígua ou caso 
a definição seja incompatível com a realidade. Não 
há óbice, portanto, ao uso atípico que Van Til faz do 
termo. O que pretendemos analisar é a consistência 
lógica de sua teoria. 
Como já dissemos o pressuposto básico para 
o conceito vantiliano de conhecimento analógico é a 
distinção Criador-criatura. Para estabelecer a relação 
analógica entre Deus e o homem, é preciso delimitar 
a continuidade e a descontinuidade dessa relação e 
para superar essa dialética é necessário adotar a 
abordagem transcendental. Essa abordagem foi 
denominada teo-referência pelo Rev. Davi Charles 
Gomes. A relação analógica é, primordialmente, a 
afirmação de dependência que o ser humano tem de 
Deus tanto para fazer parte da realidade como para 
compreendê-la. Van Til ilustrou isso em uma figura 
na qual havia um círculo superior e um círculo 
inferior sem sobreposição ou intersecção, mas 
conectados por duas linhas paralelas. Uma linha 
25 
 
representava a dependência ontológica e a outra a 
dependência epistemológica. Na epistemologia isso 
resulta em um raciocínio espiral
12
 e não linear: 
Se começarmos o curso do raciocínio 
espiral em qualquer ponto do universo 
finito, como devemos porque esse é o 
ponto de partida imediato de todos os 
raciocínios, podemos chamar o método 
de implicação na verdade de Deus um 
método transcendental. Ou seja, 
devemos procurar determinar quais 
pressupostos são necessários para 
qualquer objeto do conhecimento para 
que seja inteligível para nós. Não é 
como se já conhecesse alguns fatos e 
leis para começar, independentemente 
da existência de Deus, a fim de motivar 
desse início a conclusões 
futuras. Certamente é verdade que, se 
Deus tem algum significado para 
qualquer objeto de conhecimento, a 
relação de Deus com esse objeto de 
conhecimento deve ser levada em 
consideração desde o início. É esse o 
fato de que o método transcendental 
 
12
 Segundo Van Til, a partir do método dedutivo ou do método 
indutivo, a razão tenta derivar suas conclusões diretamente de um 
axioma ou de um fato, não correlacionando o objeto e o Deus trino. 
Tal correlação seria o modus operandi do conhecimento analógico e, 
em virtude disso, é indireto, isto é, espiral. 
26 
 
busca reconhecer.
13
 
 
 A analogia entis de Tomás de Aquino, 
segundo Van Til, pressupõe uma cadeia de ser e, 
dessa forma, possibilita certo grau de autonomia para 
o ser humano. Van Til rejeita a proposta tomista e 
sugere que a realidade tem somente dois níveis: 1) o 
nível não-criado e, portanto, absoluto; 2) o nível 
criado e, por isso, derivado e dependente. Van Til 
afirma: 
Quando o homem pensa, portanto, ele 
pensa como uma criatura da aliança 
gostaria de pensar. Isso significa dizer 
que o homem normalmente pensa de 
forma analógica. Ele compreende que os 
pensamentos de Deus são absolutos. Ele 
sabe que sua própria interpretação da 
natureza deve, portanto, ser uma 
reinterpretação do que já está 
completamente interpretado por Deus.
14
 
 
13
 TIL, C. V. A Survey Of Christian Epistemology. 
Phillipsburg, New Jersey 08865: Presbyterian And Reformed 
Publishing Co., 1969. 48 p. 
https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-a-
survey-of-christian-epistemology.pdf. 
14
 TIL, C. V. Apologética Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. 62 
p. 
 
27 
 
 
Aqui Van Til relaciona o conceito de 
analogia com a epistemologia. Ele começou com 
uma definição metafísica de analogia e pretende 
mostrar que a analogia não é somente uma 
propriedade do ser, mas envolve o próprio 
pensamento. Isso precisa ser destacado: Van Til usa 
o termo analogia com um sentido metafísico, 
epistemológico e ético. “Analogia” no sistema 
vantiliano é um termo dinâmico e pode se tornar 
ambíguo. Enquanto o uso de analogia encerra o 
significado de derivação e, em adição, uma acepção 
reflexiva, sua negação, segundo os vantilianos, 
implica a rejeição de toda a tradição reformada. Por 
isso os vantilianos insistem que o modo de 
conhecimento da criatura deve ser analógico. E, 
como vimos, a definição de univocidade, para Van 
Til, é determinada pela definição de analogia. 
Enquanto a relação analógica é de dependência e de 
consciência derivativa e reflexiva, o pensamento 
unívoco reflete a rebelião noética do “livre pensar”. 
28 
 
O pecado, quando visto por esse ângulo, foi uma 
transgressão da dependência epistemológica: 
 
Quando tentou a Adão e Eva no paraíso, 
Satanás procurou fazer com que 
acreditassem que a autoconsciência do 
homem era final em vez de derivativa e 
dependente de Deus. Ele argumentou, de 
certo modo, que era parte da natureza da 
autoconsciência o fazer de si mesma o 
ponto de referência final de toda 
predicação.
15
 
 
Em oposição à autonomia da razão, o ser 
humano deve reconhecer que a interpretação correta 
da realidade requer interpretar os fatos a partir do 
escopo pactual-revelacional: 
Um corolário da doutrina da Trindade é 
que o conhecimento humano é 
analógico. O conhecimento humano 
deve sempre depender do conhecimento 
divino. Qualquer coisa que um ser 
humano conhece deve primeiro ser 
conhecida de Deus. Qualquer coisa que 
um ser humano conheça ele só sabe 
porque conhece a Deus. Por essa razão, 
 
15
 TIL, C. V. Apologética Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. 92 
p. 
 
29 
 
o homem nunca pode saber nada tão 
bem e tão exaustivamente quanto Deus 
sabe.
16
 
 
Podemos notar claramente a natureza 
derivativa e reflexiva como núcleo definidor da 
teoria do conhecimento analógico. Isso pode ser 
corroborado na próxima citação: 
A necessidade do raciocínio de forma 
análoga está sempre implícita na concepção 
teístade Deus. Se Deus deve ser pensado 
como necessário para a interpretação do 
homem sobre os fatos ou objetos do 
conhecimento, ele deve ser considerado 
determinante dos objetos do conhecimento. 
Em outras palavras, ele deve ser considerado 
como o único intérprete final, e o homem 
deve ser considerado um reintérprete finito. 
Como, então, a autoconsciência absoluta de 
Deus é a intérprete final de todos os fatos, o 
conhecimento do homem é análogo ao 
conhecimento de Deus. Como todos os fatos 
finitos existem em virtude da interpretação 
de Deus, a interpretação do homem sobre os 
fatos finitos depende, em última instância, 
da interpretação de Deus dos fatos. O 
 
16
 TIL, C. V. A Survey Of Christian Epistemology. Phillipsburg, 
New Jersey 08865: Presbyterian And Reformed Publishing Co., 1969. 
48 p. https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-a-
survey-of-christian-epistemology.pdf. 
 
30 
 
homem não pode, exceto para seu próprio 
prejuízo, olhar os fatos sem olhar para a 
interpretação de Deus sobre os fatos. O 
conhecimento do homem dos fatos é então 
uma reinterpretação da interpretação de 
Deus. É isso que se entende por dizer que o 
conhecimento do homem é analógico do 
conhecimento de Deus.
17
 
 
Talvez seja imperativo ressaltar que, mutatis 
mutandis, a afirmação de Van Til pode ser 
pacificamente aceita na epistemologia de Clark. Para 
Clark, a verdade é determinada por Deus e o homem 
precisa realmente pensar os pensamentos de Deus 
após Ele. E. Calvin Beisner acertadamente apontou 
que a natureza derivativa e reflexiva do 
conhecimento humano não é nenhuma novidade 
revolucionária para o cristianismo.
18
 Tendo 
 
17
 TIL, C. V. A Survey Of Christian Epistemology. Phillipsburg, 
New Jersey 08865: Presbyterian And Reformed Publishing Co., 1969. 
176 p. https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-a-
survey-of-christian-epistemology.pdf. 
 
18
 BEISNER, E. C. Reflections on the Christian Apologetics of 
Gordon H. Clark. God's Hammer. Disponivel em: 
<https://godshammer.wordpress.com/2017/08/31/reflections-on-the-
christian-apologetics-of-gordon-h-clark-e-calvin-beisner/>. Acesso 
31 
 
estabelecido esse ponto, precisamos analisar como 
Van Til relaciona o modo de conhecimento humano 
com o conteúdo revelacional. Ou seja, nos voltamos 
para a aplicação que Van Til faz de sua teoria 
epistemológica à predicação. Não é nosso interesse 
aqui explorar todas as possíveis falhas da teoria 
vantiliana.
19
 No entanto, antes de explorar esse ponto 
veremos a interpretação que alguns vantilianos mais 
recentes fornecem acerca desse tema. 
 
 
 
 
 
 
em: 19 setembro 2017. 
 
19
 Algumas falhas indicadas, mas não aprofundadas, no artigo de Joel 
Beeke e Michael Bell são: A interação de Van Til com 
Dooyeweerd se deu com alguns desvios no que tange à 
distinção do pensamento teórico e pré-teórico. Não há 
definições muito claras sobre o “ser”, “imagem de Deus”, 
“arquétipo e éctipo”. 
 
 
 
32 
 
O REVISIONISMO DE JOHN FRAME 
 
A análise que John Frame fornece da 
controvérsia Clark-Van Til parece propor, em 
algumas asserções, a síntese entre dois sistemas 
epistemológicos diametralmente opostos. Mas como 
Frame chegou à conclusão de que, no final, Clark e 
Van Til concordam em substância e discordam 
apenas em terminologia? Frame começa a descrição 
da controvérsia nesses termos: 
Van Til queria preservar a distinção Criador-
criatura na esfera do conhecimento, e Clark 
queria impedir quaisquer deduções céticas 
da doutrina da incompreensibilidade, queria 
insistir em que conhecemos realmente Deus 
baseados na revelação. Daí, Van Til insistia 
em que, mesmo quando Deus e o homem 
estivessem pensando a mesma coisa (numa 
particular rosa, por exemplo), seus 
pensamentos sobre ela jamais seriam 
idênticos – os pensamentos de Deus seriam 
do Criador, os do homem, da criatura. Essa 
linguagem levou Clark a temer algum 
ceticismo. Pareceu a ele que, se houvesse 
alguma discrepância entre o pensamento do 
homem sobre “Isto é uma rosa” e o de Deus 
33 
 
(concernente à mesma rosa), redundaria que 
a asserção do homem teria de estar aquém 
da verdade, de algum modo, desde que a 
própria natureza da verdade é a identidade 
com a mente de Deus. Portanto, se houvesse 
uma necessária discrepância entre a mente 
de Deus e a do homem em todos os pontos, a 
impressão dada é que o homem não poderia 
conhecer verdadeiramente coisa alguma; o 
ceticismo seria a consequência. Sucedeu, 
pois, que a discussão da 
incompreensibilidade – essencialmente uma 
doutrina sobre a relação dos pensamentos do 
homem com o ser de Deus – transformou 
esse debate mais estreitamente numa 
discussão da relação entre os pensamentos 
do homem e os pensamentos de Deus. Dizer 
que Deus é incompreensível veio a significar 
que há uma descontinuidade (muito mais 
profunda no conceito de Van Til do que no 
de Clark) entre as nossas ideias de Deus (e, 
daí, da criação) e as que Deus tem de si 
mesmo (e da criação).
20
 
 
 
Bom, a memória é um bom antídoto contra o 
tipo de expediente que John Frame adota nessa 
descrição. Frame parece reproduzir fielmente o que 
ocorreu na controvérsia. Porém, quando 
 
20
 FRAME, J. A Doutrina do Conhecimento de Deus. São 
Paulo: Cultura Cristã, 2010. 37-38 p. 
34 
 
desmembramos seu parágrafo notamos uma séria de 
imprecisões. Não sei se Frame está sendo desonesto 
ou descuidado aqui. De toda forma, apontarei 
algumas das inexatidões de Frame. O autor diz que a 
preocupação de Van Til era preserva a distinção 
Criador-criatura na esfera do conhecimento. Isso 
pode gerar a falsa impressão de que Clark não 
sustentava tal distinção. Frame dá a entender que a 
essência da epistemologia vantiliana consistia em 
afirmar que Deus conhecia como Criador e o homem 
como criatura: “Daí, Van Til insistia em que, mesmo 
quando Deus e o homem estivessem pensando a mesma 
coisa (numa particular rosa, por exemplo), seus 
pensamentos sobre ela jamais seriam idênticos – os 
pensamentos de Deus seriam do Criador, os do homem, da 
criatura”. Isso é óbvio demais para gerar uma 
controvérsia que perdura até hoje. Observe o que, de 
acordo com Frame, jamais seriam idênticos: “os 
pensamentos de Deus e os pensamentos do homem”. 
Para Frame, o que Van Til queria dizer é que os 
pensamentos do homem sobre um objeto qualquer – 
35 
 
uma rosa – não pode ser idêntico ao pensamento de 
Deus sobre o mesmo objeto, pois o homem pensa 
como criatura e Deus como Criador. Obviamente, a 
visão de Van Til, conforme vimos acima, têm mais 
implicações do que aquelas que Frame nos deixa 
antever. Frame continua: “Clark queria impedir 
quaisquer deduções céticas da doutrina da 
incompreensibilidade, queria insistir em que 
conhecemos realmente Deus baseados na revelação”. 
Isso descreve perfeitamente o posicionamento de 
Clark. Mas então Frame muda o assunto do debate. 
Ele identifica o ponto da controvérsia como sendo o 
conteúdo da revelação e, sem qualquer justificativa, 
começa a tratar o conteúdo de nossos pensamentos 
como alvo de disputa: “Pareceu a ele [a Clark] que, se 
houvesse alguma discrepância entre o pensamento do 
homem sobre ‘Isto é uma rosa’ e o de Deus (concernente à 
mesma rosa), redundaria que a asserção do homem teria de 
estar aquém da verdade, de algum modo, desde que a 
própria natureza da verdade é a identidade com a mente de 
Deus”. Será que dois gigantes da fé cristã entraram em 
36 
 
uma controvérsia supérflua sobre flores? Frame faz Clark 
e Van Til parecerem dois ineptos discutindo disparates 
sobre rosas e sobre se esses pensamentosacerca de rosas 
são idênticos aos pensamentos de Deus em algum ponto. 
Ora, a memória é um excelente recurso didático. É 
impossível para Clark sondar os pensamentos secretos das 
pessoas. Está fora de cogitação, portanto, ser verdade que 
Clark quisesse chegar a uma conclusão sobre pensamentos 
que ele sequer pode conhecer! Não é sobre o que 
pensamos ou sobre o que as pessoas pensam que Clark e 
Van Til entraram em disputa. Antes, é sobre a revelação 
de Deus. Se entendemos apropriadamente as Escrituras, 
então nosso entendimento sobre determinada proposição 
da revelação deve coincidir em pelo menos um ponto ao 
que Deus conhece sobre essa mesma proposição. Não 
podemos determinar o sentido de uma proposição das 
Escrituras sondando a imaginação de cada ser humano! O 
que Frame diz não corresponde fielmente à realidade: 
“Sucedeu, pois, que a discussão da incompreensibilidade – 
essencialmente uma doutrina sobre a relação dos 
pensamentos do homem com o ser de Deus – transformou 
37 
 
esse debate mais estreitamente numa discussão da relação 
entre os pensamentos do homem e os pensamentos de 
Deus”. A discussão não é sobre a relação entre os 
pensamentos do homem e os pensamentos de Deus. Os 
homens podem pensar que o evangelho é loucura ou que o 
evangelho é escândalo. Mas isso não mantém qualquer 
relação com os pensamentos de Deus, pois Deus nos 
revelou que o evangelho é o poder de Deus para salvação 
de todo o que crê! Os homens podem pensar que Deus não 
existe, mas novamente não há um ponto de contato entre 
esse pensamento e o pensamento de Deus, pois a Bíblia 
nos diz que o pensamento ateísta é tolice! Não podemos 
dizer que o nosso conhecimento sobre uma flor em 
particular corresponde ao conhecimento que Deus tem 
dessa flor, pois isso não nos foi revelado. Podemos 
formular uma opinião sobre a tal flor que, talvez, contenha 
algumas verdades. Mas nós não conhecemos essa flor da 
qual Frame fala (“conhecimento” está sendo usado aqui 
como um termo técnico e distinto da opinião). 
Após essa breve descrição do debate, Frame 
faz uma lista sobre as continuidades e 
38 
 
descontinuidades entre nossos pensamentos e os 
pensamentos de Deus. Mas novamente isso é um 
assunto que não toca no ponto principal do debate. 
Apenas para exemplificar, Frame diz: “Deus não 
necessita de que se ‘revele’ alguma coisa a ele; ele 
conhece o que conhece simplesmente em virtude de 
quem ele é e do que faz. Ele conhece, então, por sua 
própria iniciativa. Mas todo o nosso conhecimento é 
baseado na revelação”.
21
 Clark não diz que Deus 
precisa que alguém lhe revele algo. Ou seja, a lista 
destaca pontos importantes, mas que só faz sentido 
em virtude da interpretação errônea de Frame: ele 
mudou o assunto do debate que girava em torno do 
que conhecemos por meio da revelação para a 
relação entre os nossos pensamentos e os 
pensamentos de Deus. Mesmo nessa lista há pontos 
confusos: “Deus possui conhecimento de um modo 
diferente do nosso. Ele é imaterial e, portanto, não 
 
21
 FRAME, J. A Doutrina do Conhecimento de Deus. São 
Paulo: Cultura Cristã, 2010. 39 p. 
 
 
39 
 
obtém conhecimento pelos órgãos de percepção 
sensorial”. Frame parece alegar aqui que nós 
obtemos conhecimento pelos órgãos de percepção 
sensorial. Isso enfrenta as objeções que Clark 
levantou contra o empirismo. É preciso distinguir os 
órgãos sencientes como instrumentos ou como 
fundamentos do conhecimento. É óbvio que preciso 
ter olhos para ler a Bíblia e ouvidos para ouvir a 
Palavra. Mas isso não faz dos órgãos sencientes 
fundamentos do conhecimento. “O que Deus nos 
revela, mostra-nos numa forma própria para a 
criatura. A revelação não nos vem na forma em que 
existe na mente de Deus”. Essa frase é simplesmente 
incompreensível. O que seria essa “forma” que existe 
na mente de Deus e essa “forma” que a revelação 
vem a nós? O que Frame diz em seguida 
simplesmente não nos ajuda a entender o que ele quis 
dizer.
22
 Adiante Frame alega: 
 
22
 Frame parece adotar um continuísmo revelacional que requereria 
outro artigo para analisar as nuances perigosas de sua visão. Ele 
escreve: “Antes, os nossos sentidos, a nossa razão e a nossa 
imaginação são, eles próprios, revelações de Deus – meios que Deus 
40 
 
Mas devemos lembrar que o conceito de 
incompreensibilidade é autorreferencial, 
isto é, se Deus é incompreensível, até a 
sua incompreensibilidade é 
incompreensível. Não podemos dar uma 
explicação mais exaustiva da 
incompreensibilidade de Deus do que a 
que podemos dar da eternidade, da 
infinidade, da justiça, ou do amor de 
Deus.
23
 
 
Se a incompreensibilidade de Deus é 
incompreensível, como Frame chegou a essa 
compreensão? Mas não temos espaço aqui para nos 
deter nesses detalhes paradoxais. A próxima 
contribuição relevante de Frame é sobre o que ele 
denominou “pensamento-conteúdo”. Frame alega: 
“Os seguidores de Van Til insistiam em que, quando um 
homem pensa, por exemplo, numa particular rosa, o 
‘conteúdo’ em sua mente sempre difere do ‘conteúdo’ que 
há na mente de Deus quando ele pensa na mesma rosa”.
24
 
 
utiliza para nos esclarecer a sua verdade. Deus é Senhor; ele não se 
fecha fora do seu mundo”. 
23
 FRAME, J. A Doutrina do Conhecimento de Deus. São 
Paulo: Cultura Cristã, 2010. 41 p. 
24
 FRAME, J. A Doutrina do Conhecimento de Deus. São 
Paulo: Cultura Cristã, 2010. 53 p. 
41 
 
Frame então acrescenta que a ideia de “pensamento-
conteúdo” é ambígua. Ele fornece seis possibilidades de 
definição de “pensamento-conteúdo”. É interessante notar 
de que lado a ambiguidade está, pois Frame não deixa isso 
claro. Para Clark os elementos do conhecimento consistem 
em modo e objeto. Já para os Reclamantes, havia um 
terceiro elemento, isto é, o conteúdo. Todavia, na 
controvérsia o conteúdo veio a significar as proposições 
que o homem conhece e isto nada mais é do que o objeto 
do conhecimento. Frame é da opinião de que algumas 
dessas definições de “pensamento-conteúdo” podem ser 
compatíveis com a ideia de que existe um ponto de contato 
entre o pensamento de Deus e o pensamento do homem: 
Pensamento-conteúdo pode referir-se a 
crenças ou juízos da verdade. Certamente é 
possível a Deus e ao homem terem o mesmo 
“pensamento-conteúdo” nesse sentido; a 
Escritura constantemente nos concita a 
concordar com os juízos de Deus. O 
conceito de Van Til sobre “raciocínio 
analógico” é inconcebível sem referência a 
tal identidade.
25
 
 
 
25
 FRAME, J. A Doutrina do Conhecimento de Deus. São 
Paulo: Cultura Cristã, 2010. 54 p. 
42 
 
Mas esse não parece ser o uso que o próprio 
Van Til faz com relação ao termo “conteúdo”. 
Vejamos o que Van Til diz: 
Quando o cristão reafirma o conteúdo da 
revelação escriturística na forma de um 
‘sistema’, tal sistema é baseado em e, 
portanto, análogo ao ‘sistema 
existencial’ que o próprio Deus possui. 
Sendo baseado na revelação de Deus é, 
por um lado, totalmente verdadeiro e, 
por outro, em nenhum ponto idêntico ao 
conteúdo da mente de Deus. 
 
O sistema “análogo” ao ‘sistema existencial’ 
que o próprio Deus possui refere-se a “crenças ou 
juízos da verdade”. Frame alega que, se o 
“pensamento-conteúdo” for assim definido, “o 
conceito de Van Til sobre ‘raciocínio analógico’ é 
inconcebível sem referência a tal identidade”. Parece 
que Van Til concebe o inconcebível. Van Til propõe 
que há um sistema na mente de Deus e que o homem, 
baseado na revelação, formula seu próprio sistema 
que é análogo ao sistema de Deus e que, por ser 
análogo, é “em nenhum ponto idênticoao conteúdo 
da mente de Deus”. 
43 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
44 
 
 
R. SCOTT CLARK E O MAL USO DA 
TRADIÇÃO REFORMADA 
 
 
Se por um lado John Frame faz um relato 
inadequado da controvérsia, incluindo novos termos 
e tentando salvar a teoria de Van Til, por outro lado 
Dr. R. Scott Clark tenta conectar a teoria do 
conhecimento analógico à tradição reformada. Van 
Til alegava que a teoria do conhecimento analógico 
era a teoria da Confissão de Fé de Westminster, mas 
ele não mostra qual método devemos utilizar para 
extrair essa teoria de lá, pois a Confissão nada diz 
acerca dela. Mas não apenas Van Til acreditava que 
sua teoria estava em bons termos com a 
confessionalidade como também seus seguidores 
45 
 
alegam que essa teoria é o legado da epistemologia 
reformada. A proposta de Gordon Clark, 
consequentemente, é rejeitada como racionalismo e 
como um modo puramente pagão de pensar. Ainda 
teremos oportunidade para rechaçar essa crítica. 
O Dr. R. Scott Clark tenta conectar a teoria 
vantiliana com a tradição reformada valendo-se dos 
conceitos de teologia arquetípica e teologia éctipa 
que vimos no início desse artigo. Assim como Van 
Til, Scott Clark inter-relaciona ontologia e 
epistemologia. A distinção Criador-criatura requer 
uma epistemologia desconectada do Deus 
incompreensível para resguardar o abismo que há 
entre o Deus Criador e suas criaturas. Não há ponte 
que conecte o conhecimento humano ao divino. 
Antes, eles devem correr paralelamente, isto é, nosso 
conhecimento deve ser análogo ao conhecimento 
divino. 
Então o Dr. Scott Clark parte do que ele 
denomina distinção categórica e constrói sua 
conclusão alinhada ao conhecimento analógico de 
46 
 
Van Til. Primeiramente ele endossa a distinção entre 
teologia arquétipa e teologia éctipa, sem muitas 
distinções daquilo que foi proposto por Junius. A 
teologia éctipa é a auto-revelação de Deus nas 
Escrituras acomodada à finitude humana. Nesse 
ponto, Scott Clark propõe que: 1) a linguagem das 
Escrituras, em sua totalidade, é antropomórfica; 2) 
em consequência da proposição 1, nosso 
conhecimento de Deus é analógico. Sendo vantiliano, 
Scott Clark nega haver univocidade em nossa 
predicação. Mas será que essa conclusão pode 
manter sua conexão com Franciscus Junius? 
Aqui precisamos retornar a Junius para 
investigar a maneira que ele aplica o termo 
“analogia” e sondar se Scott Clark se mantém fiel ao 
sentido que Junius dá a esse termo. Junius distingue 
dois gêneros de teologia: teologia arquetípica e 
teologia éctipa. Quando aplicamos o termo 
“teologia” aos dois gêneros supracitados, de acordo 
com Junius, não podemos fazer de modo unívoco. 
Esses gêneros são tão distintos, que o termo teologia 
47 
 
é equívoco em ambos os casos. Um termo homônimo 
é equívoco quando encerra sentido distinto. Junius 
assevera: 
Devemos primeiro fazer uma distinção 
antes de chegar a uma explicação mais 
completa desta teologia com a qual 
estamos lidando. Pois o significado 
desta distinção é tão grande que esses 
tópicos muito discrepantes não podem 
ser devidamente diferenciados com o 
mesmo termo, nem essas ideias bastante 
disparatadas, que designamos com uma 
palavra, estão contidas em um gênero.
26
 
 
Ou seja, nossa teologia (éctipa) e a teologia 
divina (arquétipa) devem ser classificadas em 
gêneros distintos. Quando consideradas como 
gêneros distintos, o termo “teologia” deve ser 
equívoco, porém não “um equívoco puro, mas um 
analógico”. Mas o que exatamente é esse “equívoco 
analógico”? De acordo com Junius, “um equívoco 
 
26
 JUNIUS, F. A Treatise on true Theology. Tradução de David C. 
Noe. 2965 Leonard St. NE: Grand Rapids: Reformation Heritage 
Books, 2014. p 104. 
http://www.juniusinstitute.org/companion/junius_de_vera/. 
 
48 
 
analógico é aquele em que, das coisas que são ditas 
equivocamente, o significado é o mesmo em um 
aspecto ou relativamente, e, ao mesmo tempo, difere 
em outro aspecto”. Nesse ponto introduziremos a 
visão de Gordon Clark e esclareceremos onde R. 
Scott Clark se distancia de Junius. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
49 
 
GORDON CLARK E O CONHECIMENTO 
UNÍVOCO 
 
 
 
Conforme expusemos acima, o conhecimento 
analógico foi erigido como teste de ortodoxia pelos 
vantilianos. Negar a teoria da “analogia” vantiliana é ser 
racionalista e pagão. Gordon Clark ainda é rotulado assim 
atualmente. Mas não é nosso interesse colocar Clark e Van 
Til diante de um tribunal e acusá-los ou defendê-los. 
Antes, estamos interessados nas implicações da 
epistemologia desses dois gigantes para a doutrina do 
conhecimento de Deus. 
Gordon Clark foi inflexível em sua proposta de 
que, se conhecemos algo, nosso conhecimento deve ser 
unívoco. É importante estarmos atentos à definição dos 
termos na epistemologia clarkiana. Unívoco aqui não é 
sinônimo de conhecimento autônomo, conforme definido 
por Van Til. O termo “conhecimento” foi definido por 
50 
 
Clark como a posse da verdade.
27
 A verdade, ainda de 
acordo com Clark, é característica de uma proposição. A 
revelação especial é proposicional. Tendo isso em mente, 
ficará claro por que Clark recusou a tese de que todo nosso 
conhecimento é analógico. 
Tomás de Aquino propôs a teoria da analogia 
como via média de predicação.
28
 Os termos podem ser 
predicados univocamente, equivocamente ou 
analogicamente. Os termos são equívocos quando, apesar 
da homonímia, a determinação de substância, 
correspondente ao nome, é distinta. Eles são unívocos 
quando, além da homonímia, a determinação de 
substância, correspondente ao nome, é comum. A 
analogia é uma terceira via de aproximação por 
semelhança. Clark esboça sua crítica à teoria tomista nos 
seguintes termos: “Ora, se o significado analógico de 
‘sábio’ ou de ‘existência’ tem uma área comum de 
significado, essa área comum poderia ser designada por 
 
27
 CLARK, G. Uma visão cristã dos homens e do mundo. Brasília: 
Monergismo, 2013, p. 305. 
 
28
 Atribuir predicado a um sujeito. 
51 
 
um termo unívoco. Esse termo então poderia ser aplicado 
univocamente a Deus e ao homem”.
29
 Em outras palavras, 
a analogia requer uma base unívoca. Sem um ponto 
unívoco, a analogia se converte em puro equívoco. 
Franciscus Junius, conforme dissemos, utiliza o 
método tomista com algumas variações e sua ideia de 
predicação se aproxima da proposta de Tomás. Para 
Junius, nossa “sabedoria” (sapientia) é predicada 
equivocamente da “sabedoria” (sapientia) de Deus. Isso 
porque a sabedoria de Deus equivale à sua essência: 
Mas Deus é tão completamente simples em 
Sua essência que, nem mesmo por uma 
experiência de pensamento plausível, 
qualquer composição pode ser atribuída a 
Ele: não de material e forma, não de partes, 
não de essência e de ser, nem de sujeito e 
acidentes. Porque o que existe em Deus é 
Deus.
30
 
 
 
29
 CLARK, G. H. A racionalidade da revelação divina especial. 
Brasília: Monergismo, 2016. (Locais do Kindle 708-710). 
30
 JUNIUS, F. A Treatise on true Theology. Tradução de David C. 
Noe. 2965 Leonard St. NE: Grand Rapids: Reformation Heritage 
Books, 2014, p.108. 
http://www.juniusinstitute.org/companion/junius_de_vera/. 
 
52 
 
Sendo inter-relacionada à essência de Deus, a 
sabedoria divina é eterna, incriada, não discursiva. A 
sabedoria do ser humano, por outro lado, é sucessiva, 
discursiva, criada: 
[...] a sabedoria humana tem um ponto de 
partida de outro lugar, como algo 
acidental. É uma disposição. Nasce dos 
princípios. É nutrida pelo intelecto, que 
coloca as coisas juntas e as separa. Ele 
constrói cadeias de raciocínio. A partir 
disso, conecta as conclusões em 
grupo.Produz conhecimento. A sabedoria 
humana é uma testemunha ocular e 
julgadora de tudo isso. E estabeleceu partes 
e a sequência das partes que estão sujeitas à 
sabedoria humana. A outra sabedoria, de 
fato, é eterna, essencial, e é mesmo a 
essência de Deus. Para ela, as coisas são 
mais presentes, não de qualquer princípio, 
composição ou divisão do intelecto, 
raciocínio, conclusões, conhecimento, 
julgamento e sequencia, mas de maneira 
mais simples: por uma compreensão 
simultânea, incomparável de tudo, e não 
sucessivamente, como acontece com as 
coisas criadas. Ele dá origem a esses 
princípios de si mesmo. Não nasceu a partir 
deles próprios. Esta sabedoria produz 
inteligência, razão, conclusões, 
conhecimento e a própria sabedoria em 
outros. Persiste em si mesmo imutável e sem 
53 
 
variação. Finalmente, essa sabedoria em 
outras coisas fora de si, causando todas as 
variações em partes, ordem e sucessão, é 
como se fosse o princípio universal e 
impassível de todos os princípios, intelectos, 
razões, conclusões e todo o tipo de 
conhecimento. A sabedoria é a mãe de toda 
sabedoria.
31
 
 
 
Em todo esse parágrafo de Junius, podemos 
observar que ele está se referindo à psicologia do 
conhecimento, isto é, ao modo do conhecimento. O 
método de comparação entre a sabedoria divina e a 
sabedoria humana é a posteriori, pois Junius afirma que: 
Por essas palavras [sapientia, teologia], não 
estamos estabelecendo uma definição, mas 
uma definição vaga ou uma descrição 
análoga baseada em um exemplo de nossos 
próprios assuntos, e com uma espécie de 
figura de nosso próprio discurso aplicada a 
questões divinas. Pois o gênero dessa 
teologia não é sapientia, mas, por razões de 
explicação, é posicionado como se fosse um 
 
31
 JUNIUS, F. A Treatise on true Theology. Tradução de David C. 
Noe. 2965 Leonard St. NE: Grand Rapids: Reformation Heritage 
Books, 2014, p. 109. 
http://www.juniusinstitute.org/companion/junius_de_vera/. 
 
54 
 
gênero.
32
 
 
Assim, Junius define o gênero da teologia 
arquétipa como “sabedoria”, mas esse gênero é aplicado a 
Deus mutatis mutandis em virtude de uma distinção 
qualitativa do conhecimento divino. E Clark não negou 
haver uma diferença qualitativa entre o conhecimento de 
Deus e o conhecimento do homem no que diz respeito ao 
modo: 
Que existe uma diferença qualitativa muito 
importante entre a situação do conhecimento 
no caso de Deus e a situação do 
conhecimento para o homem não pode ser 
negada sem repudiar todo o teísmo 
cristão. Deus é onisciente; seu conhecimento 
não é adquirido, e seu conhecimento, de 
acordo com a terminologia comum, é 
intuitivo enquanto o do homem é 
discursivo.
33
 
 
Clark enumera as principais diferenças, mas ele 
reconhece que a lista poderia ser estendida. Para ficar 
 
32
 Ibid, p. 108. 
33
 CLARK, G. H. The Bible As Truth. Trinity Foundation. 
Disponivel em: 
<http://www.trinityfoundation.org/journal.php?id=258>. Acesso em: 
12 setembro 2017. 
 
55 
 
claro, no que se refere ao processo cognitivo, isto é, o 
modo ou o ato psicológico, é inegável para Clark a 
existência da distinção qualitativa. Feita essa observação, 
devemos agora apontar que a teoria de analogia de Junius, 
sendo derivada do modelo aristotélico-tomista, enfrentaria 
as mesmas objeções levantadas por Clark ao modelo 
referido se não fosse por uma base unívoca preservada por 
Junius. Essa base unívoca pode ser vista na definição de 
equívoco analógico a qual mencionamos acima. Junius 
aqui não fala de analogia cuja predicação é proporcional a 
um, mas sim de “um equívoco analógico [que] é 
aquele em que, das coisas que são ditas 
equivocamente, o significado é o mesmo em um 
aspecto ou relativamente, e, ao mesmo tempo, difere 
em outro aspecto”. Há nessa definição um núcleo de 
significado que resguarda, ainda que minimamente, a 
identidade. Tal identidade não é o postulado metafísico 
de Leibniz denominado princípio da identidade dos 
indiscerníveis. A predicação analógica que estamos 
discutindo aqui tem uma base unívoca que une os dois 
polos do domínio conceitual sem convertê-los um no 
56 
 
outro. As dessemelhanças não são obliteradas. Postular um 
ponto de coincidência não é afirmar que todos os pontos 
coincidem. 
Diferentemente de Junius, cuja predicação 
analógica mantém uma base unívoca, e apesar de os 
vantilianos insistirem que a teoria de Van Til não deve ser 
confundida com a teoria tomista, a predicação analógica 
de Van Til, assim como a tomista, não preserva uma base 
unívoca, o que redunda em equivocidade. Vale dizer que 
os modelos vantiliano e tomista diferem na modelagem 
metafísica. Contudo, a crítica de Clark ao modelo 
aristotélico-tomista não se concentrou na abordagem 
metafísica, mas justamente nas asserções predicativas e, 
por isso, a mesma crítica se aplica ao modelo vantiliano, 
apesar da distinção supracitada. Na Queixa, assinada por 
Van Til, lemos: 
Seus pensamentos não são nossos 
pensamentos. Seus caminhos são 
inescrutáveis. As coisas secretas pertencem 
ao Senhor nosso Deus. Se não devemos 
rebaixar o conhecimento divino de seus 
pensamentos e maneiras para o 
conhecimento humano, ou elevar nosso 
conhecimento humano até seu conhecimento 
57 
 
divino, não nos atrevemos a manter que seu 
conhecimento e nosso conhecimento 
coincidem em qualquer ponto. Nosso 
conhecimento de qualquer proposição deve 
sempre ser o conhecimento da criatura. 
Como conhecimento verdadeiro, esse 
conhecimento deve ser análogo ao 
conhecimento que Deus possui, mas nunca 
pode ser identificado com o conhecimento 
que o Criador infinito e absoluto possui da 
mesma proposição.
34
 
 
Agora vale notar que esse é um documento cujo 
teor foi tornado público e que foi assinado por Van Til. 
Portanto, as interpretações de seus seguidores devem se 
manter fieis ao que está registrado. Nenhuma das 
proposições a que temos acesso na revelação, de acordo 
com a Queixa, coincide em qualquer ponto com o 
conhecimento que Deus tem da mesma proposição. Essas 
proposições são conhecidas por nós de modo análogo. E 
esse é o teor aristotélico-tomista da predicação. Ainda que 
os vantilianos recorram à escolástica protestante, os 
 
34
 THE Complaint. The Foundation Gordon Clark, 19 setembro 
2017. Disponivel em: 
<http://gordonhclark.reformed.info/files/2015/01/Unpublished-112.-
The-Complaint-typed.pdf>. 
 
58 
 
problemas de sua teoria não se desvanecem ao acrescentar 
ao lado dela o nome de Franciscus Junius, Amandus 
Polanus, Bernardinus de Moor, François Turretini, etc. 
Essa não é uma batalha que se vence pelo número de 
citações acumuladas. 
Conforme asseveramos, Junius utiliza o termo 
“analogia” em conformidade com Tomás de Aquino, mas 
preserva a univocidade. O método tomista era a posteriori: 
Com efeito, por compararmos as outras 
coisas a Deus como à sua origem primeira, 
atribuímos a Deus nomes que significam as 
perfeições das outras coisas significadas. 
Disso se patenteia que, embora, quanto à 
imposição do nome, digamos tais nomes 
prioritariamente das criaturas, porque o 
intelecto que impõe nomes ascende das 
criaturas a Deus, segundo a coisa 
significada, todavia, dizemo-los 
prioritariamente de Deus, de quem as 
perfeições descem às outras coisas.
35
 
 
Esse nomes são atribuídos a Deus de forma 
análoga. Clark resume o método tomista e aponta as 
 
35
 AQUINO, T. D. Compêndio de Teologia. Tradução de Carlos 
Nougué. Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro Menino Deus: 
Concreta, 2015. (Locais do Kindle 2228-2232).. 
 
59 
 
falhas: 
Uma vez que Deus é um ser puro, sem 
partes, cuja essência é idêntica àsua 
existência, os termos aplicados a ele não 
podem ser usados precisamente no mesmo 
sentido em que se aplicam às coisas criadas. 
Se é dito que um homem é sábio e Deus é 
sábio, deve ser lembrado que a sabedoria do 
homem é uma sabedoria adquirida, enquanto 
Deus nunca aprendeu. A mente humana está 
sujeita à verdade; a verdade é seu superior. 
Mas a mente de Deus é a causa da verdade 
por pensá-la, ou, talvez, Deus é a verdade. 
Dessa forma, o termo “mente” não significa 
precisamente a mesma coisa no caso de 
Deus e o homem. Não somente esses termos, 
mas a noção de existência, também, não é a 
mesma. Visto que a existência de Deus é a 
sua essência, uma identidade sem duplicação 
em qualquer outro caso, mesmo a palavra 
“existência” não se aplica univocamente a 
Deus e ao mundo da criação. Ao mesmo 
tempo, Tomás não deseja admitir que esses 
termos são equívocos. Quando se diz que os 
limpos de coração verão a Deus, enquanto o 
verão tem um calor insuportável, a palavra 
não tem nenhum significado em comum. 
Embora as letras e a pronúncia sejam a 
mesma, o conteúdo intelectual nos dois 
casos é completamente diverso. Entre tal 
equívoco e univocidade estrita, Tomás 
afirma que palavras podem ter um uso 
analógico; e que no caso de Deus e o 
60 
 
homem, os predicados são aplicados 
analogicamente. Ora, se o significado 
analógico de “sábio” ou de “existência” tem 
uma área comum de significado, essa área 
comum poderia ser designada por um termo 
unívoco. Esse termo então poderia ser 
aplicado univocamente a Deus e ao homem. 
Mas Tomás insiste que nenhum termo pode 
ser aplicado assim. Isto, com efeito, remove 
todos os vestígios de significado idêntico 
nos dois casos.
36
 
 
Em outras palavras, a analogia sem um termo 
unívoco resulta em equivocidade. Não é preciso muito 
exercício mental para perceber que a crítica se aplica a 
Van Til. Portanto, ainda que se recorra a Franciscus 
Junius, a crítica prevalece. No excelente trabalho de 
William J. van Asselt, ele demonstra a conexão da 
“distinção categórica” com o escolasticismo medieval: 
Embora Junius seja o primeiro teólogo 
protestante a usar explicitamente essa 
distinção, o mecanismo subjacente pode ser 
rastreado até a teologia medieval, a distinção 
de Scotus entre teologia em si (teologia em 
si) e nossa teologia (teologia nostra). Com 
sua distinção entre uma “ordem em si” e 
 
36
 CLARK, G. H. A racionalidade da revelação divina especial. 
Brasília: Monergismo, 2016. (Locais do Kindle 694-711). 
 
61 
 
uma “ordem factual”, ele respondeu a 
sugestão de Aquino de uma analogia do ser 
(analogia entis) entre Deus e a criatura. De 
acordo com Scotus, Deus é o único teólogo 
verdadeiro porque apenas a teologia em si é 
teologia no verdadeiro sentido da palavra. 
Lutero também rejeitou a noção de uma 
teologia humana, que teve a pretensão de 
descrever Deus como Ele é (teologia da 
glória), e considerou que na Terra só 
poderia haver uma teologia da cruz (teologia 
da cruz).
37
 
 
É interessante observar o uso dessa distinção na 
Dogmática Reformada de Herman Bavinck. Bavinck 
estabelece primariamente a definição de alguns termos e 
mostra o seu uso na filosofia e na teologia. Aristóteles, 
ordenando o que mais tarde veio a ser denominado por 
Roderick M. Chisholm o “problema do critério”, 
prescreveu a necessidade de axiomas indemonstráveis. O 
teólogo holandês então observa que o termo latino 
“principium” foi utilizado no mesmo sentido, isto é, no 
sentido axiomático (BAVINCK, 2012). Ele prossegue 
 
37
 ASSELT, W. J. V. Introduction to Reformed Scholasticism. 2965 
Leonard St. NE: Reformation Heritage Books, 2011. (Locais do 
Kindle 2464-2470). 
 
62 
 
apontando os desdobramentos propedêuticos. Em lógica, 
Bavinck constata que “três tipos de principia foram 
identificados: o princípio do ser, da existência e do saber”. 
Nas Escrituras, o termo αρχη (arché) conserva a mesma 
noção e, algumas vezes, “tem um sentido causativo”: 
 
Assim, Deus era o fundamento essencial 
(principium essendi) ou a razão de ser 
(principium existendi) de tudo aquilo que foi 
criado, portanto, também da ciência e, 
especificamente, da teologia. Nesse último 
campo, sempre foi expressamente repetido 
que Deus era o fundamento essencial da 
teologia. Havia uma razão especial para isso. 
Nenhum conhecimento de Deus é possível, 
exceto aquele que procede de Deus e por 
Deus (Mt 11.27; ICo 2.10ss.). [...] Seu 
autoconhecimento e sua autoconsciência são 
a fonte (principium essendi) de nosso 
conhecimento dele. Sem a autoconsciência 
divina, não há conhecimento de Deus em 
suas criaturas [...] A relação do 
autoconhecimento de Deus com o nosso 
conhecimento de Deus costumava ser 
expressa pela máxima de que o primeiro é 
arquétipo do segundo e o segundo é éctipo 
do primeiro. Nosso conhecimento de Deus é 
a estampa do conhecimento que Deus tem de 
si mesmo, mas sempre no nível da criatura e 
somente em uma fraca semelhança, um 
esboço finito, limitado, da autoconsciência 
63 
 
absoluta de Deus acomodada às capacidades 
da consciência humana ou criaturística. Por 
maior que seja a distância, a fonte 
(principium essendi) de nosso 
conhecimento de Deus é apenas o próprio 
Deus, o Deus que se revela de forma livre, 
autoconsciente e genuína. 
 
Tendo estabelecido Deus como a fonte mesma do 
nosso conhecimento acerca Dele, Bavinck delineia o 
princípio pelo qual nós conhecemos (principium 
cognoscendi). Tal princípio é a Auto-Revelação de Deus 
em seu sentido amplo. Mas além desse princípio externo, 
há ainda um princípio interno, pelo qual a revelação deve 
“chegar ao íntimo dos próprios seres humanos” 
(BAVINCK, 2012). Ele assevera: 
Por essa razão, costuma-se fazer uma 
distinção entre o princípio externo e o 
princípio interno do conhecimento, a palavra 
externa e a interna, revelação e iluminação, a 
obra da Palavra de Deus e a obra do 
Espírito. A palavra interna (verbum 
internum) é a palavra principal (verbum 
principale), pois é ela que introduz o 
conhecimento de Deus nos seres humanos, e 
esse é o propósito de toda teologia, aliás, de 
toda a auto-revelação de Deus.
38
 
 
38
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. 1ª. ed. São Paulo: Cultura 
64 
 
 
Os três princípios que fundamentam o 
conhecimento humano (principium essendi, principium 
cognoscendi externum, principium cognoscendi internum) 
são claramente interconectados com a distinção entre o 
conhecimento arquétipo e o conhecimento éctipo, o que 
mostra que Bavinck se alinha aos escolásticos reformados. 
Ele também enfatiza o caráter trinitário que permeia essa 
epistemologia, reconhecendo no Logos a ponte que 
conecta a Revelação ao nosso intelecto: 
Mas essa distinção faz com que a relação 
entre o conhecimento arquetípico e o 
conhecimento ectípico de Deus seja 
mecânica e ignora o fato de que a plenitude 
consiste não somente em quantidade, mas 
também em qualidade. Não obstante, a 
distinção contém a ideia verdadeira de que o 
conhecimento ectípico de Deus, que ele 
concedeu às criaturas mediante a revelação, 
não é o autoconhecimento absoluto de Deus, 
mas o conhecimento de Deus como ele foi 
acomodado e adequado à consciência finita - 
portanto, antropomorfizado. Esse 
conhecimento ectípico de Deus, que está 
objetivamente diante de nós na revelação, é 
 
Cristã, v. I, 2012. 213 p. 
 
65 
 
externo, mas planejado para ser transferido à 
consciência de criaturas racionais para se 
tornar conhecimento ectípico interno de 
Deus, conhecimento de Deus no sujeito. No 
processo, esse conhecimento novamente 
sofre mudanças, de acordocom a natureza 
do sujeito. Ele difere não em substância e 
ordem racional (re et rationé), mas em grau 
e modo (gradu et modo): em Cristo 
(theologia unionis; teologia de união), nos 
anjos e bem-aventurados (theologia visionis; 
teologia de visão) e nos seres humanos sobre 
a terra (theologia viatorum, viae, 
revelationis; teologia do povo em 
peregrinação, em uma jornada de revelação). 
Entre os seres humanos ele novamente 
difere em profetas e apóstolos, e em 
teólogos e povo leigo. Ele é modificado na 
consciência de cada pessoa, dependendo de 
sua capacidade. Mas, materialmente, ele 
permanece idêntico, o conhecimento que 
procede de Deus e é transplantado através de 
revelação à consciência de suas criaturas 
racionais. Esses três princípios, distintos, 
embora sejam essencialmente um, estão 
arraigados no ser trinitário de Deus. E o Pai 
que, através do Filho como Logos, se 
comunica com suas criaturas no Espírito.
39
 
 
 
39
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. 1ª. ed. São Paulo: Cultura 
Cristã, v. I, 2012. 214 p. 
 
66 
 
A substância daquilo que Bavinck expõe em sua 
obra pode ser endossada por qualquer teólogo reformado 
sem muitas modificações. Mas há um problema que 
precisamos ressaltar: a conclusão de que toda a revelação 
é “antropomorfizada” parece ser um non sequitur. Bavinck 
parece apoiar essa conclusão não apenas na distinção 
arquétipa-éctipa, mas no fato de que a teologia éctipa foi 
acomodada à capacidade humana. Isso requer, segundo 
Bavinck, que todo o nosso conhecimento seja analógico: 
“Todo o nosso conhecimento religioso, certamente, é não-
exaustivo, antropomórfico, analógico”.
40
 Infelizmente 
Bavinck não define o termo “analógico” e não exemplifica 
o seu uso. Podemos apenas desconfiar que ele use o termo 
no mesmo sentido que Junius, pois Bavinck cita Junius 
regularmente com aprovação. Mas, conquanto Junius 
ressalte o caráter acomodado da revelação, não 
encontramos em sua obra nada que sugere uma revelação 
plenamente “antropomorfizada”. O desastre dessa 
conclusão é transformar toda a revelação em divulgação 
 
40
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. 1ª. ed. São Paulo: Cultura 
Cristã, v. I, 2012. 559 p. 
 
67 
 
de figura de linguagem sem um referente literal de 
interpretação. Ou seja, quando lemos nas Escrituras que 
Deus tem olhos, podemos interpretar esse 
antropomorfismo à luz da informação literal de que Deus é 
espírito. Mas se essa informação também é um 
antropomorfismo, qual é seu referente literal? A 
consequência é que toda a linguagem teológica foi 
comutada para uma sequência interminável de símbolos 
sem referente textual categórico. O perigo aqui é que toda 
teologia se transfigure em antropologia. Tal visão deixa 
transparecer a ideia de que toda ordem criada foi 
concebida como a caverna de Platão e nossos termos são 
as sombras que apontam para um objeto mais sublime e 
perfeito. Todavia, se isso procede, “apontam”, “mais”, 
“sublime”, “perfeito” também são sombras. Quando 
dizemos que “bom”, “sábio”, devem ascender 
proporcionalmente a uma ordem mais perfeita estamos 
apenas dizendo que aquelas sombras devem atingir outras 
sombras. E se nossa gramática está presa ao reino 
criacional, é possível que Kant tenha concluído 
corretamente: o noumeno é incognoscível. Ou ainda, que 
68 
 
Rudolf Otto tenha se expressado de modo preciso ao dizer 
que Deus é “Totalmente Outro”. Se toda revelação é 
antropomorfizada, nossas categorias, mesmo aquelas 
autorizadas pelas Escrituras, estão confinadas ao reino 
imanente, sendo que Deus é alienígena em sua própria 
revelação! E, em última análise, é essa ideia que permeia a 
teoria do conhecimento analógico de Van Til. A teoria da 
analogia proposta por Van Til envolve, como observamos, 
derivar a interpretação da realidade da interpretação pré-
determinada por Deus. Não há fatos brutos no universo e, 
como criaturas pactuais, nossa tarefa epistemológica 
requer um compromisso cognitivo de [re]interpretação dos 
fatos diante de nós em referência a uma realidade última. 
Entendida dessa maneira, a teoria da analogia vantiliana 
subscreve a proposta epistêmica bavinckiana: 
 
A tarefa imperativa do teólogo dogmático é 
pensar os pensamentos de Deus de acordo 
com ele e estabelecer sua unidade. Sua 
tarefa não termina até que ele tenha 
absorvido mentalmente essa unidade e a 
tenha demonstrado em uma dogmática. 
Sendo assim, ele não vai à revelação de 
Deus com um sistema pronto para, da 
69 
 
melhor forma que puder, forçar o conteúdo 
da revelação a encaixar-se dentro dele. Pelo 
contrário, até mesmo em seu sistema, a 
única responsabilidade do teólogo é pensar 
os pensamentos de Deus de acordo com ele 
e reproduzir a unidade que está 
objetivamente presente nos pensamentos de 
Deus e foi registrada para o olhar da fé na 
Escritura.
41
 
 
Não há qualquer objeção a essa proposta. A teoria 
da analogia se esbarra, contudo, nas considerações sobre a 
aplicação da nossa linguagem a Deus. Assim como 
Bavinck, R. Scott Clark propôs que toda a linguagem das 
Escrituras é antropomórfica e, portanto, concluem Bavinck 
e R. Scott Clark, nosso conhecimento é analógico. É 
preciso observar que não são alguns trechos da revelação 
que são antropomorfizados, mas sua plenitude: “A 
revelação, portanto, é sempre um ato de graça: nela, Deus 
condescende a encontrar sua criatura, uma criatura feita à 
sua imagem. Toda revelação é antropomórfica, um tipo de 
humanização de Deus”.
42
 No entanto, o fato de a revelação 
 
41
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. 1ª. ed. São Paulo: Cultura 
Cristã, v. I, 2012. 44 p. 
 
42
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. 1ª. ed. São Paulo: Cultura 
70 
 
ser um ato de condescendência divina não implica ser ela 
toda “antropomórfica”. A humanização de Deus, 
defendida por Bavinck, nada pode nos revelar acerca de 
Deus mesmo. No final, o que Bavinck propõe é que temos 
acesso a um Deus humanizado, enquanto o Deus 
verdadeiro permanece escondido sob o misterioso véu 
kantiano da incognoscibilidade. 
François Turretini, célebre professor na academia 
de Genebra, ao distinguir entre teologia arquétipa e éctipa 
escreve: 
A verdadeira teologia se divide em: (1) 
infinita e não criada, a qual constitui o 
conhecimento essencial que o próprio Deus 
tem de si mesmo (Mt 11:27), na qual ele é, 
ao mesmo tempo, o objeto conhecido 
(epistēton), o conhecimento (epistēmōn) e o 
conhecedor (epistēmē), e aquilo que ele 
decretou revelar-nos sobre si próprio, o que 
é comumente chamado arquétipo; e (2) finita 
e criada, a qual é a imagem e reprodução 
(ektypon) da infinita e arquetípica 
(prōtotypou) (a saber, as ideias que as 
criaturas têm sobre Deus e as coisas divinas, 
assumindo a forma daquele supremo 
conhecimento e comunicando às criaturas 
inteligentes por união hipostática com a 
 
Cristã, v. I, 2012. 310 p. 
71 
 
alma de Cristo [daqui se origina “a teologia 
da união”]; ou por visão beatífica dada aos 
anjos e aos santos que andam pela vista, não 
pela fé, que se chama “teologia da visão”; ou 
por revelação, que é feita aos que estão em 
viagem [a saber, aos que ainda não 
atingiram o alvo e é chamada “teologia da 
revelação”], ou o estádio).
43
 
 
Substancialmente, não há disparidade entre 
Turretini e Junius. Assim como Junius, Turretini 
reconhece o gênero da teologia como sendo sapientia, mas 
não no sentido aristotélico.
44
 Entretanto, nada na distinção 
da teologia entre arquetípica e ectípica sugere que toda a 
revelação seja considerada antropomórfica. É verdade que 
tanto Junius como Turretini defendem a teoria da 
acomodação, mas é um nonsequitur concluir a partir 
dessa teoria que a revelação seja plenamente 
antropomorfizada. As consequências de tal conclusão são 
calamitosas. A natureza de um antropomorfismo exige um 
 
43
 TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São 
Paulo: Cultura Cristã, v. I, 2011. 43 p. 
44
 Por entender que não há modificações abruptas no que tange ao 
tratamento feito por Amandus Polanus, Bernardinus de Moor, 
Antonius Walaeus, Franciscus Gomarus, dentre outros, no que diz 
respeito à distinção arquétipa-éctipa, iremos omitir a contribuição 
deles, buscando preservar a concisão. 
72 
 
referencial não figurativo para atribuir nexo lógico entre a 
figura de linguagem e a realidade. Mas se o referencial da 
figura de linguagem é outra figura de linguagem e assim 
ad infinitum, segue-se que o objeto (no caso da teologia, 
Deus) permanece incognoscível, ainda que as figuras de 
linguagem tenham sido fornecidas por Deus mesmo. Foi 
por perceber que a teoria da analogia conduz ao ceticismo 
que Gordon Clark a rejeitou: 
A declaração que compara um objeto 
conhecido com outro desconhecido não nos 
proporciona nenhum conhecimento do 
objeto desconhecido. Por isso, a 
dependência do conhecimento analógico, de 
paradoxos ou símbolos, com a sua negação 
do conhecimento literal e positivo de Deus, 
destrói tanto a revelação como a teologia e 
deixa-nos na completa ignorância.
45
 
 
O objetivo da analogia é aproximar realidades 
discrepantes, seja por demonstrar semelhanças gradativas, 
seja por ressaltar dessemelhanças também gradativas. A 
condição necessária para que a analogia prospere é o 
conhecimento prévio dos domínios a serem aproximados. 
 
45
 CLARK, G. Uma Introdução à Filosofia Cristã. Brasília: 
Monergismo, 2013. 93 p. 
73 
 
A analogia, com ou sem o termo comparante, redundará 
em equivocidade sem a intersecção de um termo médio 
unívoco que possibilita a relação metafísica entre os entes 
que ocupam estruturas diversas. Robert L. Reymond 
afirma: “O que estou ressaltando aqui é que o êxito de 
uma dada analogia depende do vigor do elemento unívoco 
nela”.
46
 
 
 
 
 
 
 
 
Mas se Deus permanece incompreensível, mesmo 
em sua revelação, sendo esta antropomorfizada, o domínio 
conceitual divino permanece desconhecido e, de acordo 
com Gordon Clark, qualquer aproximação analógica 
fracassa, pois “a declaração que compara um objeto 
 
46
 REYMOND, R. L. Teologia sistemática: parte 1 e 2. 
Brasília: Monergismo. (Locais do Kindle 2793-2794). 
ANALOGIA 
Termo médio unívoco 
Domínio 
conceitual 
"A" 
Domínio 
conceitual 
"B" 
74 
 
conhecido com outro desconhecido não nos proporciona 
nenhum conhecimento do objeto desconhecido”. Quando 
as Escrituras atribuem olhos, mãos, nariz, boca, pés, etc., a 
Deus, sabemos que nada disso é literalmente verdadeiro. O 
salmista, por exemplo, diz: “Os teus olhos viram o meu 
corpo ainda informe...” (Sl 139:16). Nesse verso, “os teus 
olhos” é uma referência à onisciência divina. Mas se 
onisciência é apenas uma analogia, isto é, se onisciência é 
também uma linguagem antropomórfica, então não pode 
ser literalmente verdade que Deus é onisciente. O 
referente literal do antropomorfismo “teus olhos” é a 
onisciência. Mas qual é o referente literal do 
antropomorfismo “onisciência”? Se Bavinck e Van Til 
estão certos, então Friedrich Nietzsche corretamente 
asseverou que a verdade é: 
Um batalhão móvel de metáforas, 
metonímias, antropomorfismos, enfim, uma 
soma de relações humanas, que foram 
enfatizadas poética e retoricamente, 
transpostas, enfeitadas, e que, após longo 
uso, parecem a um povo sólidas, canônicas, 
e obrigatórias: as verdades são ilusões, das 
quais se esqueceu que o são, metáforas que 
se tornaram gastas e sem força sensível, 
75 
 
moedas que perderam sua efígie e agora só 
entram em consideração como metal, não 
mais como moedas. 
 
Para Van Til, a realidade criada e a realidade não-
criada estão separadas por um abismo intransponível. A 
distinção Criador-criatura requer que nosso conhecimento 
seja analógico. Ele escreve: 
Um terceiro corolário da doutrina da 
Trindade é que o conhecimento do homem, 
embora analógico, não obstante, é 
verdadeiro. Ou para colocá-lo mais 
especificamente, o conhecimento do homem 
é verdadeiro porque é analógico. É 
analógico porque o ser de Deus une em si 
mesmo a unidade final e a máxima 
pluralidade mencionada acima. E é verdade 
porque existe tal Deus que une essa ultima 
unidade e pluralidade. Por isso também 
podemos dizer que apenas o conhecimento 
analógico pode ser verdadeiro 
conhecimento.
47
 
 
 
47
 TIL, C. V. A Survey Of Christian Epistemology. 
Phillipsburg, New Jersey 08865: Presbyterian And Reformed 
Publishing Co., 1969. 48 p. 
https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-a-
survey-of-christian-epistemology.pdf. 
76 
 
Já foi dito aqui que o uso que Van Til faz do 
termo “analogia” é dinâmico e, muitas vezes, ambíguo. 
Nesse parágrafo, Van Til usa o termo no sentido de 
derivação. O Deus trino é o conhecedor original e o ser 
humano é uma réplica finita desse arquétipo. O homem 
deve estar satisfeito com a possibilidade de derivar 
conhecimento do Criador. Todavia, o veneno da serpente 
faz com que o homem tente se elevar ao status de 
conhecedor autônomo, isto é, o conhecedor original. Tal 
“conhecedor original” busca interpretar os fatos sem 
referência a Deus e sem referência a Cristo. Ele assume as 
categorias temporais para lidar com as antinomias. O 
“conhecedor dependente”, por outro lado, segue 
prontamente Agostinho e afirma que não está em 
condições de conhecer a realidade sem as categorias da 
eternidade. Ou seja, o “conhecedor dependente” reconhece 
que é preciso crer para reinterpretar os fatos em referência 
a Deus. Ele não se coloca como o pensador autônomo 
capaz de solucionar as antinomias. Antes, ele 
humildemente reconhece que só em Deus o problema 
fundamental do Uno e do Múltiplo encontra solução. 
77 
 
Dessa forma, Van Til estabelece o par de oposições entre 
o conhecimento analógico e o conhecimento unívoco: 
 
CONHECIMENTO 
ANALÓGICO 
CONHECIMENTO 
UNÍVOCO 
Refletivo-
derivativo/dependente 
Deflexionado/autônomo 
 
Enquanto a teoria da analogia descreve o modo 
de conhecimento, nenhuma objeção pode ser feita. Em 
nenhum lugar da epistemologia clarkiana ocorre a 
sugestão do pensamento autônomo, sem referência a Deus. 
O problema com a teoria da analogia é quando diz respeito 
ao objeto do conhecimento. E Van Til não defendeu a 
teoria da analogia apenas em relação ao modo do 
conhecimento, mas também em relação ao seu objeto. 
O conhecimento analógico é corolário da 
triunidade de Deus. Para Van Til, Deus é unipessoal e 
tripessoal. Portanto, no Ser de Deus unidade e pluralidade 
estão relacionadas, solucionando definitivamente o 
problema do Uno e do Múltiplo. Todavia, tal solução 
78 
 
permanece inacessível para a criatura. Apenas Deus 
consegue compreendê-la, pois conhecimento e realidade 
coincidem em Deus, ou seja, apenas Deus conhece 
exaustivamente. Para o ser humano, a solução mantém-se 
incompreensível. Seria necessário conhecer a Deus da 
mesma maneira que Deus conhece a Si mesmo para 
entender a resolução do problema. Mas uma vez que tal 
conhecimento é inacessível para nós, segue-se que: 1) 
dada a distinção ontológica, o conhecimento unívoco é 
impossível ao homem; 2) sendo o conhecimento do 
homem analógico, em nenhum ponto coincide com o 
conhecimento de Deus. 
 Dessa forma, carecendo de correspondência com 
o conhecimento de Deus, o conhecimento do homem está 
fadado a conviver com antinomias: 
O teórico cristão não tentaráresolver o que, 
na natureza do caso, deve ser mistério para 
ele. Se o fizer, é uma indicação de que ele 
não está mais satisfeito em deixar a solução 
dos problemas do universo para Deus. Se o 
fizer, é uma indicação de que ele quer 
estabelecer sua própria mente como o 
padrão da verdade. Se o homem se 
comprometer a harmonizar as “antinomias” 
79 
 
fundamentais do pensamento para ele, ele 
afirmou que não requer o serviço de Deus 
para esse propósito. Todas as “antinomias” 
do pensamento humano, como a relação do 
tempo e da eternidade, um e muitos, unidade 
e diversidade, estão envolvidas no problema 
dos universais. Existem apenas duas atitudes 
possíveis que podem ser tomadas para essas 
“antinomias”. Pode-se dizer que é o negócio 
da mente humana resolver essas 
“antinomias”, e que, a menos que seja bem 
sucedida, não há conhecimento válido para o 
homem. Ou pode-se dizer que, uma vez que 
o homem é finito, claramente não é o 
negócio do homem tentar resolver essas 
“antinomias”, e que elas devem ser 
resolvidas em Deus ou o pensamento do 
homem não terá sentido.
48
 
 
Van Til, ao lidar com o problema do Uno e do 
Múltiplo, introduz uma definição de Trindade totalmente 
alheia ao cristianismo histórico, e conclui a partir desse 
pressuposto questionável que o nosso conhecimento deve 
ser analógico e que devemos estar satisfeitos no reino 
 
48
 TIL, C. V. A Survey Of Christian Epistemology. 
Phillipsburg, New Jersey 08865: Presbyterian And Reformed 
Publishing Co., 1969. 58 p. 
https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-a-
survey-of-christian-epistemology.pdf. 
80 
 
kierkegaardiano do paradoxo! É preciso deixar claro que, 
ao afirmar a dependência de Deus para a resolução de 
paradoxos, Van Til não está sugerindo que teremos acesso 
a tais soluções. Além do mais, Van Til tem uma 
interpretação própria sobre o que é o pensamento unívoco 
e, em sua crítica a Gordon Clark, ele mantém esse sentido 
sem buscar entender o uso clarkiano do termo. Ele diz: “O 
próprio pressuposto do raciocínio unívoco é que não há 
Deus absoluto. Se houvesse um Deus absoluto, é ipso 
facto fora de questão aplicar-lhe as categorias de 
pensamento da mesma forma que são aplicadas ao 
homem”.
49
 Em consonância com Van Til, Michael Horton 
assevera: 
Nem o ser nem o conhecimento são 
compartilhados de forma unívoca (ou seja, 
de forma idêntica) entre Deus e criaturas. 
Como o ser de Deus é qualitativamente e 
não apenas quantitativamente distinto do 
nosso, assim também é o conhecimento de 
Deus. O conhecimento de Deus é 
arquetípico (o original), enquanto o nosso é 
 
49
 TIL, C. V. A Survey Of Christian Epistemology. Phillipsburg, 
New Jersey 08865: Presbyterian And Reformed Publishing Co., 1969. 
96 p. https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-a-
survey-of-christian-epistemology.pdf. 
81 
 
éctipo (uma cópia), revelado por Deus e, 
portanto, acomodado às nossas capacidades 
finitas. Nosso conhecimento imperfeito e 
incompleto depende sempre do 
conhecimento perfeito e completo de Deus 
[...] Uma ontologia pactual requer uma 
epistemologia pactual. Nós fomos criados 
como a analogia de Deus (portadores de 
imagem) em vez de como faíscas 
autoindividuais da divindade; portanto, 
nosso conhecimento também é antes 
dependente do que autônomo. Por 
conseguinte, existe uma verdade absoluta, 
perfeita, exaustiva e eterna, mas esse 
conhecimento é possuído por Deus, não por 
nós. Em vez disso, temos a verdade 
revelada, que Deus acomodou a nossa 
capacidade.
50
 
 
O mais embaraçoso nesse trecho é que ele está 
repleto de asserções verdadeiras misturadas com asserções 
confusas. Por exemplo, Horton indica que para ele 
univocidade é o mesmo que identidade. Logo, nem o Ser e 
nem o conhecimento de Deus são compartilhados conosco 
de modo unívoco. Tomando o termo como Horton o faz, 
se Deus compartilhasse conosco seu Ser univocamente 
 
50
 HORTON, M. S. The Christian Faith: A Systematic Theology for 
Pilgrims on the Way. Michigan 49530: Zondervan, 2011. (Locais do 
Kindle 1037-1060). 
82 
 
resultaria em panteísmo e no caso do conhecimento, em 
onisciência. Ainda em consonância com Van Til, Horton 
conclui que o conhecimento analógico é o conhecimento 
dependente e o conhecimento unívoco é autônomo. Nós 
não possuímos conhecimento exaustivo; somente Deus o 
possui. Portanto, a epistemologia pactual deve ser 
analógica. Colocado dessa forma, qualquer pessoa alheia 
ao pensamento de Gordon Clark ficaria estupefata diante 
do fato de que Clark defendeu o conhecimento unívoco. 
Francamente, a maneira como Horton expõe a questão nos 
leva a questionar se Clark era mesmo cristão ao se igualar 
a Deus! Michael Horton então prossegue: 
Quando dizemos que Deus é bom, 
assumimos que sabemos o que o bem 
significa da nossa experiência comum com 
outros seres humanos. No entanto, Deus não 
é apenas quantitativamente melhor do que 
nós; Sua bondade é qualitativamente 
diferente da bondade da criatura. No 
entanto, porque somos criados à imagem de 
Deus, compartilhamos este predicado com 
Deus de forma análoga [...] Esta doutrina da 
analogia é a dobradiça sobre a qual uma 
afirmação cristã da transcendência e da 
imanência de Deus gira. Uma visão unívoca 
ameaça a transcendência de Deus, enquanto 
83 
 
uma visão equívoca ameaça a imanência de 
Deus. O primeiro conduz ao racionalismo, 
enquanto o último engendra ceticismo.
51
 
 
Esse trecho é uma aplicação prática daquilo que 
Van Til entendeu por “univocidade”: “Se houvesse um 
Deus absoluto, é ipso facto fora de questão aplicar-lhe as 
categorias de pensamento da mesma forma que são 
aplicadas ao homem”. Curiosamente, Horton não indica o 
que o “bem” significa de acordo com nossa experiência 
com outros seres humanos. Além disso, ele reconhece que 
não sabe o que significa a bondade divina: “Não sabemos 
exatamente como é a bondade divina” (HORTON, 2011). 
Então não sei como Horton atravessa esse abismo e 
conclui que nossa bondade é “análoga” a de Deus. Se ele 
não sabe exatamente como é a bondade divina, como ele 
sabe exatamente que nossa bondade é análoga a ela? 
Mas Horton insiste que a epistemologia pactual 
requer o endosso à teoria da analogia: 
Se a univocidade gera racionalismo, a 
 
51
 HORTON, M. S. The Christian Faith: A Systematic Theology for 
Pilgrims on the Way. Michigan 49530: Zondervan, 2011. (Locais do 
Kindle 1057-1070). 
 
84 
 
equivocidade gera ceticismo epistemológico. 
Ambas as posições pressupõem a autonomia 
humana e, portanto, não estão dispostas a 
considerar a realidade e o acesso a essa 
realidade como um presente que nos vem de 
fora de nós mesmos. É significativo que 
Paulo descreva essa recusa perversa de 
aceitar nosso papel como criaturas da 
aliança como ingratidão (Rm 1:20-21). Essa 
recusa não é, portanto, simplesmente um 
problema intelectual, mas está enraizada em 
uma rebelião ética que é intencionalmente 
perpetuada. Como Paulo continua a se 
relacionar nessa passagem, o termo bíblico 
para esta busca da metafísica autônoma é 
idolatria.
52
 
 
Em outras palavras, Gordon Clark e Carl F. H. 
Henry, que são citados por Horton no contexto, não 
passam de idólatras que intencionalmente perpetuam sua 
rebelião ética! 
 
 
 
 
 
52
 HORTON, M. S. The Christian Faith: A Systematic Theology for 
Pilgrims on the Way. Michigan 49530: Zondervan, 2011. (Locais do 
Kindle 1103-1110). 
85 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESTABELECENDO O CASO EM FAVOR 
DO CONHECIMENTO UNÍVOCO 
 
 
 
Terminamos a última seção vendo como alguns 
teólogos vantilianos têm lidadocom a teoria da linguagem 
teológica. Para Horton, os que defendem a univocidade 
são rebeldes intencionais, idólatras e racionalistas 
autônomos. Essa é uma acusação séria e Horton, a meu 
86 
 
ver, não lidou seriamente com a questão para fazer esse 
tipo de acusação. É nosso desejo aqui estabelecer o caso 
em favor do conhecimento unívoco e desfazer alguns dos 
mal entendidos em torno dessa questão. 
Daniel H. Chew percebeu que a distinção do 
escolasticismo reformado entre teologia arquétipa e 
teologia éctipa pode ser acomodada à epistemologia 
clarkiana. Ele aponta que, embora não tenhamos acesso ao 
conhecimento arquetípico de Deus, o qual, segundo 
Junius, deve ser adorado e não investigado, há um ponto 
unívoco entre a teologia ectípica formada pelo próprio 
Deus (teologia simpliciter dicta) e nossa teologia (teologia 
secundum quid). Ele prossegue dizendo que: 
[...] ontologicamente, há uma diferença 
qualitativa entre o conhecimento arquetípico 
de Deus e nosso conhecimento ectípico, mas 
a diferença qualitativa não existe entre o 
conhecimento ectípico de Deus (teologia 
simpliciter dicta) e nosso conhecimento 
ectípico, que não é qualitativamente 
diferente, mas quantitativamente diferente.
53
 
 
53
 CHEW, D. H. The Archetypal/Ectypal distinction and Clarkian 
epistemology. Disponivel em: 
<http://www.angelfire.com/falcon/ddd_chc82/theology/ArchetypalEct
ypalDistinctionClarkianE.pdf>. Acesso em: 21 setembro 2017. 
87 
 
 
A acomodação do que R. Scott Clark chamou de 
“distinção categórica” à epistemologia clarkiana é 
possível. Mas vale ressaltar que tal acomodação não serve 
como síntese entre Gordon Clark e Van Til. Isso porque 
Van Til não reconhece a distinção entre teologia éctipa 
simpliciter dicta e teologia éctipa secundum quid. Ambas 
são proposições que compõem o conhecimento de Deus e, 
por isso, na epistemologia vantiliana não podem ser 
unívocas ao conhecimento do homem. Mas é necessário 
observar como Clark usa o termo “unívoco”, pois as 
conotações que os vantilianos dão ao termo torna 
necessário um esclarecimento, ou qualquer defesa da 
univocidade tomará a aparência de uma apologia ao 
paganismo. 
Van Til basicamente toma por univocidade a 
ideia de pensamento autônomo e a ideia de atribuição de 
categorias humanas a Deus sem as adaptações necessárias, 
bem como a ideia de um conhecimento absoluto e 
exaustivo. Michael Horton exemplificou isso utilizando o 
 
 
88 
 
predicado “bom”. Para Horton, apreendemos o sentido de 
bondade com base em nossa experiência comum que 
temos com outras pessoas e, então, aplicamos 
analogicamente esse predicado a Deus. 
Agora, embora seja compreensível e até certo 
ponto remissível que uma pessoa leiga adote esse 
procedimento, é inadmissível que um teólogo profissional 
recorra a tal expediente. O que Horton admite é que, ao 
visualizar o termo “bom” sendo aplicado a Deus, ele se 
vale de uma experiência comum para interpretar esse 
termo. Além de ser um procedimento questionável, Horton 
parece não admitir que nossa experiência seja, muitas 
vezes, incomum. Alguns consideram que o par antitético 
bem e mal não passa de um construto social. Outros 
subordinam o “bom” a um cálculo prévio que determina o 
maior bem para o maior número de pessoas possíveis. Ou 
seja, o bom nada mais é do que o útil. Peter Singer, um 
filósofo ateu e utilitarista, propõe a ideia de “bondade 
material”. O budista Lama Padma Samten define bondade 
como “a capacidade de ir além da própria identidade e 
encontrar outros seres. É uma imediata prática de 
89 
 
transcendência ativa”.
54
 Qual dessas ideias extraídas de 
nossa “experiência comum” deve ser aplicada a Deus por 
analogia? Além disso, Horton tenta justificar esse 
procedimento afirmando que não sabemos exatamente o 
que a bondade divina é. Mas se Horton está confuso sobre 
o que é a bondade divina, eu desejo sinceramente que ele 
se debruce sobre o precioso trabalho de Stephen Charnock 
intitulado “A Natureza da Bondade de Deus”. A obra de 
Charnock é fruto de um cuidadoso empenho exegético, 
aliado à iluminação do Espírito, ao invés de imposições 
empíricas ao texto bíblico. Horton parece estar confuso 
acerca da teoria da analogia: 
Existe certa plausibilidade para o argumento 
dos ateus modernos de Ludwig Feuerbach a 
Sigmund Freud de que o raciocínio 
metafísico tenta projetar em uma Infinitude 
imaginária os superlativos (ou negações) de 
seres humanos finitos. “Deus” – o “Ser 
Perfeito” – torna-se um espelho de nossos 
próprios preconceitos: um ídolo criado à 
imagem do adorador. No entanto, ao 
 
54
 SAMTEN, L. P. Uma breve introdução ao Budismo. 
Disponivel em: <http://www.cebb.org.br/uma-breve-
introducao-ao-budismo/>. Acesso em: 22 setembro 2017. 
 
90 
 
contrário da metafísica, a teologia começa 
com a auto-revelação de Deus e escuta Deus 
em sua graciosa condescendência.
55
 
 
Esse parágrafo é extremamente confuso. Será que 
a única diferença da metafísica idólatra para a teologia é a 
fonte de onde ela retira suas projeções? Se a teologia 
começa com a auto-revelação de Deus, qual é a 
plausibilidade de Feuerbach ou Freud? Seria a auto-
revelação de Deus um reflexo de nossos preconceitos 
idólatras? Quando a teologia escuta Deus em sua 
condescendência dizendo que é bom, esse “bom” é alguma 
analogia derivada de nossa experiência comum com outras 
pessoas? A advertência de Carl Henry acerca desse 
procedimento é imprescindível: “E o Senhor não é um 
fantoche maior que eu sobre o qual eu projeto meus 
próprios pensamentos e imaginações como a face interior 
da manifestação divina”.
56
 
 
55
 HORTON, M. S. The Christian Faith: A Systematic 
Theology for Pilgrims on the Way. Michigan 49530: 
Zondervan, 2011. (Locais do Kindle 1037-1047). 
56
 HENRY, C. F. H. Deus, Revelação e Autoridade. São 
Paulo: Hagnos, v. II, 2017. 73 p. 
 
91 
 
Não obstante toda confusão, Horton insiste que a 
epistemologia pactual requer uma teoria de analogia. Mas 
isso só é assim porque Horton assumiu que a univocidade 
aplica o termo “bom” a Deus da mesma maneira que é 
aplicado aos homens. Seria isso o que Gordon Clark 
propõe? 
Ao comparar a teoria de Aristóteles e de Tomás 
de Aquino, Clark escreve: 
De fato, é a natureza da existência de Deus 
que faz com que os adjetivos sejam 
analógicos. A essência de Deus e a 
existência de Deus são idênticas; por isso a 
existência de Deus significa algo diferente 
da existência do homem. No caso do médico 
e do livro médico de Aristóteles, embora os 
dois exemplos não sejam estritamente 
unívocos, a ciência médica à qual os dois se 
referem é, no entanto, a mesma ciência. Há 
aqui um ponto de referência unívoco. Mas 
para Tomás, não há tal ponto, pois nenhum 
termo, qualquer que seja, tem o mesmo 
significado para Deus e para o homem. Se 
alguma área fosse comum para ambos os 
significados (como a ciência da medicina em 
Aristóteles), então a essa área comum 
poderia ser dado e univocamente um 
predicado de Deus e de homem.
57
 
 
57
 
92 
 
 
Primeiramente, podemos observar que a 
epistemologia clarkiana tem um lugar para a analogia, 
desde que ela preserve uma base unívoca. Sem essa base, a 
analogia resulta em equivocidade. Em segundo lugar, 
ressaltamos o sentido em que Clark utiliza o termo 
unívoco. Para Clark, em termos negativos univocidade é o 
oposto de ambiguidade, isto é, inequívoco. Em termos 
positivos, é aquilo que preserva apenas um significado. A 
teoria da univocidade de Clark está situada no âmbito 
lógico/semântico ao invés do metafísico.Não significa que 
o homem é o ponto de referência de toda predicação. 
Embora Van Til acreditasse que esse fosse o caso, o 
contrário é verdadeiro. O homem se torna o ponto de 
referência na predicação analógica, pois a predicação é 
desencadeada no homem e ascende a Deus por analogia. 
Em terceiro lugar, não se trata de aplicar as categorias 
humanas a Deus. Antes, quando semelhanças entre Deus e 
suas criaturas são reivindicadas como sendo análogas, a 
similaridade deve repousar em um alicerce unívoco, ainda 
que as dissimilaridades sejam reconhecidas. Em outras 
93 
 
palavras, a continuidade pressupõe um aspecto unívoco, 
por mais geral que seja esse aspecto. 
Outrossim, a definição de Clark do termo unívoco 
não implica autonomia e tampouco a centralidade 
epistêmica do homem. Univocidade é uma característica 
das proposições, ou seja, se relaciona ao significado de 
frases e sentenças. Isso porque Clark definiu 
conhecimento como a posse da verdade e a verdade é 
característica das proposições. Note que univocidade não é 
tomada por Clark como um termo ontológico. Van Til 
acreditava que univocidade implicava monismo porque ele 
confundia epistemologia e ontologia. Mas Clark usou o 
termo no sentido epistemológico. Assim, univocidade diz 
respeito ao significado das frases e o significado de uma 
frase é sua proposição. Uma estátua não pode ser 
verdadeira ou falsa. Ela pode se aproximar ou se distanciar 
de um modelo, mas verdadeiro e falso são categorias de 
proposições apenas: “Declarações, proposições, 
predicados ligados a substâncias são verdadeiros ou falsos 
[...] Somente as proposições podem ser verdades. Se 
apenas pronuncio uma palavra – gato, escola, colagem – 
94 
 
ela não é verdadeira nem falsa: não afirma nada”.
58
 Além 
disso, Clark afirmou que a verdade é determinada por 
Deus. A verdade não é o produto de uma soma aleatória de 
sensações ou resultado de deduções cujas premissas são 
fornecidas pela própria mente. A verdade é proposicional, 
mas sua fonte está alem do tempo e do espaço. Deus 
determina o que é a verdade: “As verdades, ou 
proposições que podem ser conhecidas, são pensamentos 
de Deus, o eterno pensamento de Deus”.
59
 Mas se a 
verdade não é o substrato de nossos processos empíricos 
ou mentais, como então podemos ter acesso à verdade? 
Gordon Clark responde: “Todo sistema deve começar em 
algum ponto e não pode ter iniciado antes de começar [...] 
Nosso axioma é o de que Deus falou. Ou, de modo mais 
completo – Deus falou na Bíblia. De forma mais precisa, 
as afirmações bíblicas são o que Deus falou”.
60
 A 
 
58
 CLARK, G. Em Defesa da Teologia. Brasília: Monergismo, 
2010. 74 p. 
59
 CLARK, G. Uma visão cristã dos homens e do mundo. Brasília: 
Monergismo, 2013. 
60
 CLARK, G. Em Defesa da Teologia. Brasília: Monergismo, 
2010. 38 p. 
 
95 
 
epistemologia de Gordon Clark tem como ponto de partida 
a revelação proposicional, isto é, seu axioma básico é o de 
que a Bíblia é a Palavra de Deus. Clark não exclui a 
revelação geral de seu sistema, mas o discurso epistêmico 
não pode receber sua sustentação em uma fonte que requer 
complemento. Ou seja, embora prontamente admitisse a 
revelação geral, Clark reconheceu que ela era inadequada. 
Todavia, temos acesso à verdade porque Deus 
graciosamente nos concedeu sua revelação. 
Isso posto, convém mencionar que Clark utilizou 
o termo “conhecimento” de duas maneiras: 1) como um 
termo técnico, estando este incluído no universo semântico 
da epistemologia; 2) e como termo distendido, isto é, 
conforme a linguagem usual. O conhecimento, como 
termo técnico, é a posse da verdade por uma mente 
(CLARK, 2013, p. 305). Mais especificamente, pode ser 
definido como a crença verdadeira justificada. Os 
problemas de Gettier não afetam a epistemologia 
clarkiana.
61
 No livro Filosofia Concisa lemos: “O segundo 
 
61
 DOUMA, D.; MINER, L. Scripturalism and the Gettier 
Problem. Disponivel em: 
96 
 
requisito para o conhecimento é que a proposição em que 
acreditamos seja verdadeira. Pois o conhecimento não 
pode ser dependente da sinceridade, ou da convicção 
psicológica, ou do consentimento cultural, ou de qualquer 
outra coisa a não ser da verdade da proposição”.
62
 Por isso 
é afirmado que “a verdade não é individual, mas universal; 
a verdade não começa quando nós nascemos, ela sempre 
existiu” (CLARK, 2013, p. 302). 
Se Deus, portanto, nos deu uma verdade 
proposicional, devemos ter a capacidade de compreender 
tal revelação. Uma revelação incompreensível é um 
oximoro. Obviamente, o pecado entenebreceu nossas 
mentes. Mas o Logos é a Luz que ilumina a todo o 
homem. A regeneração envolve uma mudança de mente, 
de tal forma que somos capacitados a compreender as 
coisas do Espírito. Essa compreensão não é exaustiva e 
não nos torna oniscientes. Continuamos sem qualquer 
 
<http://scripturalism.com/scripturalism-and-the-gettier-
problem/>. 
 
62
 DEWEESE, G. J.; MORELAND, J. P. Filosofia Concisa. 
São Paulo: Vida Nova, 2011. 58 p. 
 
97 
 
acesso ao conhecimento arquetípico de Deus, mas 
podemos compreender aquilo que Deus decidiu revelar. Se 
Deus conhece e revela uma proposição P, nosso 
conhecimento deve ser unívoco a essa proposição P. Para 
Van Til, o nosso conhecimento é qualitativamente distinto 
no que tange ao objeto do conhecimento. Assim, se Deus 
conhece e revela uma proposição P, não podemos 
conhecer a mesma proposição, mas apenas uma analogia 
dela, isto é, P1. 
Clark prontamente reconheceu que não podemos 
saber todas as implicações de uma dada proposição. Mas 
não devemos confundir as implicações de uma frase com 
seu significado. O significado é apenas um (unívoco), mas 
as implicações são diversas. Deus, por ter um 
conhecimento perfeito, abrangente, ou seja, por ser 
onisciente, conhece todas as proposições, reveladas e não 
reveladas, e todas as suas implicações. Nós podemos 
conhecer as proposições reveladas, mas só captamos 
algumas de suas implicações em virtude de nossa 
limitação epistêmica. 
O termo univocidade, conforme o uso clarkiano, 
98 
 
diz respeito ao sentido das proposições. Não se trata de 
atribuir a Deus as mesmas categorias do ser humano. Não 
se trata de dizer que Deus e o homem são bons no mesmo 
sentido. Se a proposição “Cristo morreu pelos pecados” é 
verdade na mente de Deus, nosso conhecimento deve 
coincidir em ao menos algum ponto para que tenhamos 
acesso à verdade. John Frame afirmou que “Pensamento-
conteúdo pode referir-se a crenças ou juízos da verdade. 
Certamente é possível a Deus e ao homem terem o mesmo 
‘pensamento-conteúdo’ nesse sentido”. E esse 
posicionamento foi o que Clark assumiu. Mas Frame não 
está representando Van Til aqui, pois Van Til não concede 
que Deus e o homem tenham o mesmo “pensamento-
conteúdo” verdadeiro. Na Queixa o posicionamento de 
Van Til é que não podemos ter o mesmo conhecimento 
que Deus tem de nenhuma proposição: 
Nosso conhecimento de qualquer proposição 
deve sempre ser o conhecimento da criatura. 
Como conhecimento verdadeiro, esse 
conhecimento deve ser análogo ao 
conhecimento que Deus possui, mas nunca 
pode ser identificado com o conhecimento 
que o Criador infinito e absoluto possui da 
99 
 
mesma proposição.
63
 
 
Ou seja, se Deus conhece P nunca podemos 
conhecer P, mas no máximo uma analogia de P, a saber, 
P1. Se conhecemos a proposição “Davi é rei de Israel”, 
essa proposição não coincide em nenhum ponto com o que 
Deus tem em mente, mas é uma analogia do que Deus 
conhece. O problema é que em nenhum momento temos 
acesso a P para sabermos que P1 carrega tal similaridade. 
Por isso dissemos acima que o conhecimentode ambos os 
objetos a serem aproximados é condição necessária para a 
analogia. Todavia, Deus é incompreensível e 
 
63
 THE Complaint. The Foundation Gordon Clark, 19 
setembro 2017. Disponivel em: 
<http://gordonhclark.reformed.info/files/2015/01/Unpublished-
112.-The-Complaint-typed.pdf>. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
100 
 
Ordem não-
Criada/Arquétipo/ 
Noumeno 
Ordem 
Criada/ 
Éctipo/ 
Fenomeno 
totalmentedistinto da ordem criada e, por isso mesmo, 
permanece indescritível por qualquer discurso 
epistemológico de acordo com Van Til. Sua imanência 
está circundada por sua transcendência e a linguagem é 
elemento de ocultação ao invés de revelação. Dizer que 
Deus é equivale a dizer que Ele não é, pois a linguagem é 
inadequada diante do Deus inefável. Em outras palavras, o 
conceito de analogia de Van Til, ainda que sem intenção, 
termina com um Deus incognoscível: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A distinção ontológica Criador-criatura no 
esquema vantiliano impõe uma barreira entre o mundo 
noumenal e o mundo fenomenal. Percebe-se que Van Til 
Analogia 
101 
 
tentou superá-la por meio da teoria da analogia, entretanto 
a semelhança (analogia) entre o éctipo e o arquétipo não 
pode ser proposta se o arquétipo é incognoscível. A 
afirmação de que nosso conhecimento é semelhante a algo 
que desconhecemos é completamente non sense. 
Além disso, ao confundir epistemologia e 
ontologia, Van Til condenou sua teoria a um círculo 
vicioso. Se metafisicamente a ordem criada é éctipa e a 
ordem não criada é arquétipa, nossa descrição da ordem 
criada deve ser unívoca. No entanto, segundo Van Til, 
Deus conhece exaustivamente a ordem criada e a ordem 
não-criada. Sendo assim, nosso conhecimento da ordem 
criada deve ser uma reinterpretação do que Deus conhece. 
Então Van Til sugere uma metafísica analógica e uma 
epistemologia analógica. Porém, se isso procede, ocorre 
aqui a combinação de duas teorias mutuamente exclusivas. 
Ao afirmar que o éctipo é análogo ao arquétipo no nível 
ontológico, o corolário é a possibilidade de uma descrição 
unívoca da realidade criada (nível epistemológico). Ao 
afirmar que nossa descrição epistêmica só pode ocorrer no 
nível da analogia, o corolário é uma descrição equívoca da 
102 
 
realidade criada (nível ontológico). Em outras palavras, a 
teoria vantiliana de que nosso discurso epistêmico é 
analógico não pode ser coerentemente combinada com sua 
teoria metafísica que afirma uma realidade também 
analógica. 
O que move a teoria vantiliana em direção à 
predicação analógica, além da distinção Criador-criatura, 
parece ser um reconhecimento implícito da validade do 
modelo disjuntivo que o racionalismo hegeliano exige: ou 
conhecemos um conceito no contexto de todas as suas 
relações ou não podemos conhecer. A primeira opção Van 
Til correlacionou à teoria da univocidade e a última ao 
ceticismo (equivocidade). A via média é conhecimento 
parcial, não exaustivo. Em outras palavras, o 
conhecimento analógico, de acordo com Van Til, nos 
possibilita um conhecimento verdadeiro, porém em 
nenhum ponto coincidente com o conhecimento divino, 
pois Deus é o único que conhece todas as coisas no 
contexto de todas as relações. 
Entretanto, o dilema introduzido pela disjunção 
hegeliana é falso e não precisa nos empurrar para uma 
103 
 
teoria da analogia. De acordo com a Bíblia, podemos ter 
acesso à verdade, ainda que não tenhamos conhecimento 
contextual de todas as relações internas (Dt 29:29). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
104 
 
CONHECIMENTO ANALÓGICO, 
PARADOXO E MISTÉRIO 
 
 
 
O contexto filosófico pós-kantiano se viu 
engendrado por antinomias que demandavam solução no 
intuito de possibilitar um conhecimento abrangente. O 
primado da razão prática sobre a razão teórica 
impulsionou o modernismo rumo ao pragmatismo. Porém, 
esse pragmatismo trouxe consigo a antinomia entre 
liberdade e necessidade. A tendência de buscar a solução 
para essas antinomias no Geist (Absoluto) deixa-nos 
antever a sombra do velho problema do Uno e do 
Múltiplo. 
A dialética hegeliana se impõe na necessidade de 
resolver a antítese entre o Ser e o não-ser (Nichtsein), 
tentando encontrar a unidade primordial na síntese (devir/ 
tornar-se). Os opostos são vistos pelo prisma de sua 
relação interna. Por isso o pressuposto do hegelianismo é o 
105 
 
conhecimento do conceito no contexto de todas as suas 
relações. 
O filósofo F. H. Bradley afirmou que os conceitos 
que a mente busca aplicar aos fenômenos envolvem 
antinomias. Dessa forma, os fenômenos não podem 
abarcar a realidade. É o problema do aparente e do real, 
que ilustra a tensão entre o uno e o múltiplo. Bradley 
sustenta sua tese a partir do estudo da relação entre coisas 
e atributos e, posteriormente, estudando atributos e 
relações. Ao inserirmos um novo elemento na relação 
entre A e B, isto é, C, esse novo elemento não supera a 
dificuldade, pois é considerado diferente da relação prévia 
entre A e B. Dessa forma, o elemento C, ao se relacionar 
com A e B, parece inserir uma nova relação, a saber, D. 
Esse processo, de acordo com Bradley, é um retrocesso ad 
infinitum, nos deixando com antinomias insolúveis, e ficou 
conhecido como paradoxo das relações de Bradley.
64
 A 
 
64
 BRADLEY, F. H. Appearance and Reality: A Metaphysical 
Essay. 2ª., 1897. 
 
 
 
106 
 
resolução das contradições inerentes ao mundo das 
aparências, no entanto, é transferida para a “realidade 
absoluta”. Em outras palavras, o “Absoluto” em Bradley é 
a realidade desprovida antinomias. 
É inegável que o idealismo exerceu influência em 
Cornelius Van Til. A interação de Van til com essa 
filosofia, entretanto, não foi acrítica. Contudo, não 
obstante sua rejeição das inconsistências do idealismo, 
algum arcabouço teórico idealista permaneceu no 
pensamento vantiliano mesclado com fraseado do teísmo 
cristão. A estrutura terminológica da qual Van Til se 
apropria envolve “fatos brutos”, “universal concreto”, 
“contradição aparente”, “conceito limitante”, etc. Todavia, 
um problema “onipresente” que perpassa o campo 
investigativo de Van Til é o problema do Um e dos 
Muitos. 
Desde os pré-socráticos até a filosofia moderna, o 
equilíbrio entre unidade e pluralidade tem sido buscado. 
Van Til insistiu que a filosofia secular tem fracassado 
constantemente em relacionar o Uno e o Múltiplo. 
Entretanto, sua convicção era que o cristianismo 
107 
 
reivindicou a resposta na sua formulação da doutrina da 
Trindade. O paradigma trinitário eleva a unidade e a 
pluralidade ao status fundamental. Mas como Van Til 
correlacionou esse problema com a doutrina da Trindade? 
A adoção do paradoxo por parte de Van Til foi o 
facilitador da conexão entre a Trindade e o problema do 
Uno e do Múltiplo. Van Til viu a ênfase na racionalidade e 
na lógica com grande suspeita. Submeter matérias de fé ao 
escrutínio da razão era considerado efeito da rebelião 
edênica. Não é a lei da contradição que deve ser juiz dos 
dogmas da fé. Antes, a fé paradoxal é um juiz que desafia 
a autonomia da razão humana. Isso posto, dizer que Deus 
é um em essência e três em pessoa é apenas parte da 
verdade. Devemos prosseguir, segundo Van Til, e afirmar 
“que Deus, isto é, toda a divindade, é uma pessoa”. Em 
outras palavras, Van Til introduz uma nova versão da 
doutrina da trindade: “Deus é três em pessoa e é um em 
pessoa”: 
O fato de Deus existir como Ser 
autossuficiente e concreto aparece com 
clareza na doutrina da Trindade. Aqui o 
Deus que é numericamente um, e não apenas 
108 
 
em sentido específico, quando comparado 
com qualquer outra forma de ser, agora 
parece ter em si mesmo uma distinção de 
existência específica e numérica. Falamos da 
essência de Deus em contrastecom as três 
pessoas da Divindade. Falamos de Deus 
como uma pessoa; todavia, falamos também 
de três pessoas na Divindade. Dizemos que 
cada um dos atributos divinos deve ser 
identificado com o Ser de Deus, apesar de 
estarmos justificados ao fazer distinção entre 
eles, também afirmamos que cada uma das 
pessoas da Trindade é exaustiva da própria 
divindade, ainda que haja uma distinção 
genuína entre as pessoas. Unidade e 
pluralidade são igualmente últimas na 
Divindade. As pessoas da Divindade são 
mutuamente exaustivas uma da outra e, 
portanto, da essência da Divindade. Deus é 
um ser com uma consciência; todavia, é 
também um ser com três consciências.
65
 
 
Van Til introduziu uma contradição no coração 
da fé cristã, pois o evangelho, de acordo com ele, deve 
ofender e humilhar a soberania da razão. 
Com essa nova formulação do Credo trinitário, o 
 
65
 TIL, C. V. An Introduction to Systematic Theology. 2ª. ed. 
Phillipsburg: P & R Publishing, 2007. In: 
ROBBINS, J. W. Van Til: o homem e o mito. Brasília: 
Monergismo, 2016. (Locais do Kindle 381-390). 
109 
 
próximo passo foi dado sem dificuldade. Já que Deus é 
três em pessoa e um em pessoa, unidade e pluralidade são 
básicos em Deus. O paganismo fracassa porque, caso 
comece com a pluralidade fundamental, não é possível 
atingir uma unidade também fundamental. Ou, por outro 
lado, começando com uma unidade básica impessoal, 
fracassa igualmente em obter a pluralidade. Van Til afirma 
que nenhum sistema consegue escapar desse dilema. 
O sistema vantiliano, então, insere uma antinomia 
na doutrina da trindade e, dessa maneira, obtém unidade e 
pluralidade, sendo ambas fundamentais em Deus. Assim 
como Bradley, Van Til transfere a resolução das 
antinomias para a “realidade absoluta”. Isso significa que 
temos acesso à solução do problema? Não exatamente: 
O que Agostinho e todos os pensadores 
teístas depois dele fizeram é dizer que em 
Deus, e mais especificamente no Deus trino, 
reside a solução dessa dificuldade. Não 
como se o homem pudesse entender a 
solução. Pelo contrário, o homem nunca 
pode esperar e nunca deve querer entender a 
solução. A razão para isto é óbvio. Se o 
homem pudesse entender a solução, não 
110 
 
seria mais uma solução.
66
 
 
O homem não obtém a solução do problema com 
a doutrina da trindade. Ele apenas tem uma crença 
razoável de que o problema é resolvido em Deus. Observe, 
contudo, que a crença “razoável” envolve a fé no 
paradoxo. É essa crença que possibilita o conhecimento 
analógico: “Um corolário da doutrina da Trindade é que o 
conhecimento humano é analógico”. Ou seja, 
conhecimento para Van Til é a crença “razoável” de que 
as antinomias são solucionadas no Ser dialético de Deus. 
Conhecimento não é saber como tais antinomias são 
solucionadas, mas somente saber que elas o são. Devemos 
nos contentar com nosso conhecimento de criaturas. O 
conhecimento do Criador é exaustivo e soluciona o dilema 
da unidade e da pluralidade. O conhecimento do homem é 
parcial e, por isso, analógico. O conhecimento analógico 
afirma a solução das antinomias na trindade, mas não tem 
 
66
 TIL, C. V. A Survey Of Christian Epistemology. 
Phillipsburg, New Jersey 08865: Presbyterian And Reformed 
Publishing Co., 1969. 47 p. 
https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-a-
survey-of-christian-epistemology.pdf. 
111 
 
acesso a essas soluções. Isso significa que nosso 
conhecimento deve ser paradoxal. 
A linguagem de Van Til pode confundir o público 
não familiarizado com seu pensamento. É comum nos 
círculos teológicos o reconhecimento de contradições 
aparentes no reino da fé. Todavia, o que alguns significam 
com isso é que a contradição aparente pode ser 
solucionada especificando melhor os termos que parecem 
estar em contradição. Não é isso o que Van Til significa 
com paradoxo. Para Van Til, os paradoxos realmente têm 
solução, mas apenas na mente divina. Não é tarefa para o 
teólogo cristão tentar resolver essas antinomias. Ao se 
lançar em tal empreitada, o teólogo assumiu o 
compromisso com o racionalismo. 
Além disso, as antinomias não são um caso 
episódico no cristianismo. Antes, é da natureza da fé ser 
paradoxal: “Ora, visto que Deus não é plenamente 
compreensível a nós, estamos fadados a cair no que parece 
uma contradição em todo o nosso conhecimento. Nosso 
conhecimento é analógico e, portanto, deve ser 
112 
 
paradoxal”.
67
 Não somente “todo” nosso conhecimento é 
paradoxal, mas também “todo ensino das Escrituras é 
aparentemente contraditório”.
68
 Toda tentativa para 
solucionar tais contradições aparentes é sinal de rebeldia 
noética, uma vez que tal busca se traduz em enxergar a 
realidade como fato bruto. Considerar a realidade como 
fato bruto é sugerir que podemos interpretar o universo 
sem referência a Deus. A criatura pactual, no entanto, quer 
pensar os pensamentos de Deus após Ele e assim descansa 
em possuir um conhecimento analógico e paradoxal. 
O teólogo Robert L. Reymond observou com 
perspicácia os danos irreparáveis que o paradoxo como 
possibilidade hermenêutica traz para a fé cristã: 
Segundo, embora aqueles que aderem à ideia 
da presença de paradoxos na Escritura 
estejam preocupados em salientar que tais 
paradoxos são apenas aparentes e não 
contradições reais, eles dão a impressão de 
estarem esquecidos do fato de que, se 
 
67
 TIL, C. V. The Defense of the Faith. Phillipsburg: P & R 
Publishing, 2008. 61 p. 
 
68
 TIL, C. V. Common Grace and the Gospel. Phillipsburg: P 
& R Publishing, 2015. 142 p. 
 
113 
 
realmente verdades não-contraditórias 
podem parecer contraditórias e se nenhuma 
quantidade de estudo ou reflexão pode 
remover a contradição, então não há meios 
disponíveis de se fazer distinção entre essa 
“aparente” contradição e uma real 
contradição. Dado que ambas aparecem ao 
existente humano precisamente na mesma 
forma, e dado que nem com estudo e 
reflexão revelar-se-á a sua contradição, 
como o existente humano sabe por certo que 
ele está “abraçando com paixão” somente 
uma contradição aparente e não uma 
contradição real?
69
 
 
O quarto motivo elencado por Reymond é que a 
adoção de uma contradição aparente insolúvel impede o 
teólogo de detectar uma contradição real. Isso torna 
irrelevante toda a apologética, pois no momento em que o 
apologeta afirma que seu sistema encontra solução para 
antinomias em Deus, o opositor pode alegar que seu 
sistema paradoxal também é solucionado em Deus. Além 
disso, contradições aparentes irreconciliáveis impossibilita 
a tomada de decisão. Caso Van Til esteja certo e toda 
Escritura seja aparentemente contraditória, a Bíblia nos 
 
69
 REYMOND, R. L. Teologia sistemática: parte 1 e 2. Brasília: 
Monergismo. (Locais do Kindle 3004-3011). 
114 
 
ordena a crer somente em Jesus e não crer em Jesus. Ainda 
segundo Van Til, crer e não crer em Jesus não é uma 
antinomia real, mas apenas aparente. Todavia, não há uma 
possibilidade epistêmica criacional para resolver tal 
antinomia, nem mesmo para a mente regenerada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
115 
 
REALISMO CONCEITUAL TEÍSTA E 
SIMPLICIDADE DIVINA 
 
Tomás de Aquino reconheceu que quando os 
termos são especificados, é possível reduzir a analogia a 
um termo unívoco. A pergunta que surge é: porque 
Aquino ainda assim recusou a reconhecer a necessidade de 
univocidade no que diz respeito à linguagem teológica? 
Esse ponto foi levantado por Alston e, Joshua Harris, 
analisando a objeção de Alston, forneceu a resposta em 
favor de Aquino. Em resumo, as objeções de Alston são 
divididas em duas etapas: 1) a teoria da analogia parecenão satisfazer as condições de verdade; 2) a teoria de 
analogia poderia estar fundamentada em uma base 
unívoca. 
Harris responde que a teoria de analogia tomista 
não é adequada às teorias de verdade modernas. No 
entanto, se a verdade for entendida conforme a proposta 
tomista, então o acesso à verdade é preservado. Para 
116 
 
satisfazer a essa condição, Harris propõe que a verdade 
seja considerada sob o seguinte prisma: “Quando 
pensamos das proposições como sinais de um intelecto 
vindo à fruição no ato de julgamento autorreflexivo e não 
como ‘objetos abstratos’ por direito próprio, estamos mais 
perto da compreensão de Aquino sobre possuir a 
verdade”.
70
 Em outras palavras, a verdade para Aquino é 
performativa e pressupõe a composição a posteriori. Aqui 
há uma confusão entre o modo de entendimento e o objeto 
do conhecimento: 
Ora, o intelecto conhece as coisas 
imaterialmente, ainda as que em sua 
natureza são materiais, abstraindo a forma 
universal das condições materiais 
individuantes. É impossível, por 
conseguinte, que a espécie da coisa 
conhecida esteja materialmente no intelecto 
[...].
71
 
 
70
 HARRIS, J. L. Analogy in Aquinas: The Alston - 
Wolterstorff debate revisited. Faith and Philosophy, 34, 1 
janeiro 2017. Diponível em: 
https://www.academia.edu/33118788/ANALOGY_IN_AQUIN
AS_THE_ALSTON-
_WOLTERSTORFF_DEBATE_REVISITED. 
 
71
 AQUINO, T. D. Compêndio de Teologia. Tradução de 
Carlos Nougué. Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro 
https://www.academia.edu/33118788/ANALOGY_IN_AQUINAS_THE_ALSTON-_WOLTERSTORFF_DEBATE_REVISITED
https://www.academia.edu/33118788/ANALOGY_IN_AQUINAS_THE_ALSTON-_WOLTERSTORFF_DEBATE_REVISITED
https://www.academia.edu/33118788/ANALOGY_IN_AQUINAS_THE_ALSTON-_WOLTERSTORFF_DEBATE_REVISITED
117 
 
 
 Aquino percebe que o modus significandi não é 
equivalente à coisa em essência (res significata). Dessa 
forma, a conclusão de Aquino depende da equivalência 
entre o modo e o objeto de conhecimento, o que é 
questionável. Considerando a natureza do ato de inteligir, 
distinta essencialmente do objeto concebido no intelecto, 
decorre que o conceito abstrato se aproxima por 
semelhança das coisas materiais. Pela via eminentiae esse 
procedimento do intelecto é aplicado a Deus e a analogia é 
o modo de preservação da fórmula epistêmica Veritas est 
adaequatio rei et intellectus (a verdade é a adequação 
entre o objeto e o intelecto). Uma vez que o modus 
significandi é por composição, segue que a univocidade 
deve ser excluída, em virtude da simplicidade divina. 
No que tange à segunda objeção de Alston, Harris 
esclarece que Aquino apela para três modos distintos de 
predicação analógica, duas das quais Harris analisa para 
oferecer suporte à teoria da analogia tomista: 1) de acordo 
 
Menino Deus: Concreta, 2015. (Locais do Kindle 2862-2864).. 
 
 
118 
 
com o ser e não de acordo com a intenção; 2) de acordo 
com a intenção e de acordo com o ser. Quando a 
predicação ocorre apenas de acordo com o ser, a analogia 
retém uma base unívoca ao nível do conceito constatada 
em razão da especificação dos termos. Todavia, a 
predicação de Deus e de criaturas não se enquadra nesse 
“modo” de analogia; antes, é a analogia que engloba a 
intenção e o ser “para termos de perfeição predicados de 
Deus e de criaturas” (HARRIS, 2017). Qual é o motivo de 
Aquino designar esse modo de analogia para predicação 
entre Deus e criaturas? Harris responde: “O primeiro 
motivo é que os termos de perfeição não designam 
essências distintas que são compostas de gênero e 
diferença [...] O que isso significa é que ‘ser’ (e também 
tudo o que seja conversível com ser) não pode ser um 
conceito genérico que seja passível do tipo de ‘adição e 
subtração’ que é apropriado desses conceitos [conceitos 
genéricos]”. Ou seja, o modo de analogia de acordo com o 
ser pode encontrar uma base unívoca porque os conceitos 
são especificáveis. Isso não ocorre com o modo de 
analogia de acordo com a intenção e de acordo com o ser. 
119 
 
As perfeições do ser atravessam todas as categorias 
aristotélicas (transcategorial), de maneira que “abrangem a 
totalidade do ser, não deixando espaço para a 
diferenciação externa”. Assim, as perfeições 
transcendentais não podem ser reduzidas a termos 
especificáveis e, por isso, devem ser predicadas 
analogicamente. 
Conquanto os motivos elencados por Harris 
sejam plausíveis, não é possível vislumbrar como a teoria 
da analogia tomista evita, em última análise, a 
equivocidade. Como bem disse Robert L. Reymond, “o 
dilema de Aquino é que ele queria manter seu bolo, mas 
também queria comê-lo”.
72
 
Assim como Aquino situou sua teoria da analogia 
no contexto da simplicidade divina, Van Til também o fez. 
Mas Van Til queria evitar o que ele denominou “fatos 
brutos”. Sendo assim, a teoria da analogia vantiliana 
 
72
 REYMOND, R. L. Teologia sistemática: parte 1 e 2. 
Editora. [S.l.]: Monergismo. Edição do Kindle, Locais do 
Kindle 2796. 
 
 
 
120 
 
começa com a doutrina da trindade (o universal concreto) 
ao invés de investigações sobre o “ser”. Para entendermos 
a redefinição do dogma trinitário que Van Til propõe 
faremos uma breve análise da abordagem de Bavinck, pois 
ele exerceu certa influência no sistema vantiliano. 
O dogma trinitário foi o sustentáculo da filosofia 
revelacional de Bavinck. Após uma introdução 
metodológica (prolegômena – vol. I), podemos perceber 
que a estrutura de sua opus magnum, Dogmática 
Reformada, foi determinada por esse princípio 
arquitetônico: o Pai – Deus e a Criação (vol. II); o Filho – 
O pecado e a Salvação em Cristo (vol. III); o Espírito – 
Espírito Santo, Igreja e Nova Criação (vol. IV). 
Quando Bavinck discute a terminologia do 
dogma trinitário, ele quer evitar as armadilhas do 
nominalismo e do realismo “exagerado”. Ele argumenta 
que o realismo excessivo, ao fazer da essência algo 
dissociado da subsistência, conduz ao tetrateísmo ou 
sabelianismo. O nominalismo, por outro lado, conduz ao 
triteísmo. Isso levou Bavinck a afirmar que a 
personalidade é coextensiva com a natureza divina: 
121 
 
As pessoas, embora sejam distintas, não são 
separadas. Elas são a mesma em essência, 
uma em essência, e o mesmo ser. Elas não 
são separadas pelo tempo, pelo espaço ou 
por qualquer outra coisa. Todas elas 
participam da mesma natureza e perfeições 
divinas. É uma e a mesma natureza divina 
que existe em cada pessoa individualmente e 
em todas elas coletivamente [...] Deus é 
unidade e simplicidade absolutas, sem 
composição ou divisão, e essa unidade não é 
de natureza ética ou contratual, como entre 
os seres humanos, mas absoluta; não é 
acidental, mas essencial ao ser divino.
73 
 
Essa unidade absoluta tem como consequência o 
unitarismo? Não necessariamente. Bavinck explica: “A 
glória da confissão da Trindade consiste, acima de tudo, 
no fato de que essa unidade, embora seja absoluta, não 
exclui, mas inclui diversidade”. Aqui vemos o 
delineamento da ontologia assumida por Van Til: unidade 
e diversidade são fundamentais em Deus. Para evitar a 
contradição, a doutrina da trindade foi formulada 
historicamente de tal modo que afirmava a unidade em um 
sentido e a diversidade em outro sentido. A Confissão de 
 
73
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura 
Cristã, v. II, 2012. 307 p. 
122 
 
Fé de Westminster coloca nos seguintes termos: “Na 
unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma 
substância...”. No entanto, Bavinck parece ir além da 
definição clássica. Ele afirma (BAVINCK, 2012, vol. II, p. 
310): “As três pessoas são a personalidadedivina única 
trazida ao pleno autodesdobramento, um 
autodesdobramento que surge do ser divino pela sua 
própria agência e a partir de si mesmo”. Enquanto o 
dogma trinitário apresentava Deus sendo um em essência e 
três em pessoa, Bavinck afirma que as três pessoas são “a 
personalidade divina única”. Ele parece sustentar essa 
afirmação apelando para a simplicidade divina: “a 
personalidade é idêntica ao próprio ser de Deus [...] Cada 
pessoa, portanto, é idêntica a todo o ser e igual às outras 
duas ou às três juntas”. Bavinck então faz a seguinte 
citação de Agostinho: “‘Portanto, o que quer que seja dito 
a respeito de Deus com respeito a si mesmo é dito também 
de cada pessoa individualmente, isto é, do Pai, do Filho e 
do Espírito Santo, e, ao mesmo tempo, da própria 
Trindade, não no plural, mas no singular’ (De trin., V, 
123 
 
8)”.
74
 No entanto, o ponto de Bavinck é confuso. Estaria 
ele afirmando que a tripersonalidade de Deus, por ser 
idêntica ao ser divino, é unipessoal? Caso seja esse o 
argumento, Agostinho não dá apoio a Bavinck. 
Precisamos explanar a terminologia agostiniana e 
bavinckiana para perceber as diferenças entre ambas. 
Agostinho escreve: 
Estabelecemos como fundamental o 
seguinte: tudo quanto se refere a si mesma, 
naquela excelsa e divina Sublimidade, 
refere-se à substância; mas o que se diz em 
referência a alguma coisa, não se diz 
substancialmente, mas relativamente. É tão 
forte o conceito de mesma substância no Pai, 
no Filho e no Espírito Santo, que se atribui 
não no plural coletivo mas no singular tudo 
o que diz de cada uma substancialmente.
75
 
 
 
74
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura 
Cristã, v. II, 2012. 311 p. 
75
 AGOSTINHO, S. A Trindade. Tradução de Agustino 
Belmonte. São Paulo: Paulus, 1994. 201 p. Segue o trecho na 
versão latina: [VIII 9] Quapropter illud praecipue teneamus, quidquid 
ad se dicitur praestantissima illa et diuina sublimitas substantialiter 
dici; quod autem ad aliquid non substantialiter sed relatiue; tantamque 
uim esse eiusdem substantiae in patre et filio et spiritu sancto ut 
quidquid de singulis ad se ipsos dicitur non pluraliter in summa sed 
singulariter accipiatur. {De trin., V, 8}. 
124 
 
Embora Agostinho tenha desenvolvido seu ponto 
com terminologia confusa, faz-se mister notar que ele 
distingue entre predicação absoluta e predicação relativa. 
Pelo contexto, a predicação absoluta é concernente à 
essência divina e a predicação relativa é concatenada ao 
relacionamento de subsistência entre cada pessoa da 
Trindade. A relação considerada na predicação relativa é 
não-acidental. A predicação relativa não-acidental diz 
respeito a uma relação que não causa alteração na essência 
divina. Assim, Agostinho formula a doutrina da Trindade 
de modo não contraditório, pois ele afirma que Deus é um 
em um sentido e três em outro sentido. Tendo discutido a 
relação entre “essência” e “pessoa”, Bavinck prossegue 
em sua análise, concentrando-se nas distinções entre as 
três pessoas. Ele persiste na identificação entre ser e 
pessoa (BAVINCK, 2012, vol. II, p. 312-313): “Nele 
[Deus], ser Deus e personalidade coincidem 
completamente [...] O desdobramento de seu ser em 
personalidade coincide imediata, absoluta e 
completamente e inclui o desdobramento de seu ser em 
pessoas, e também o desdobramento das relações 
125 
 
expressas nos nomes ‘Pai’, ‘Filho’ e ‘Espírito’”. 
Novamente, Bavinck fundamenta sua conclusão em 
Agostinho: “‘Assim como, para ele, ser é ser Deus, ou ser 
grande e bom e assim por diante, assim também, para ele, 
ser Deus é ser pessoal” (De trin., VII, 6).
76
 No entanto, o 
Doutor da Igreja parece ter algo diferente em mente: 
“Com respeito às pessoas, o raciocínio é o mesmo, pois 
em Deus não é uma coisa o ser, outra, ser pessoa, mas há 
identificação perfeita, já que o ser diz relação a si mesmo; 
pessoa, porém, é termo relativo”.
77
 Quando Agostinho 
qualifica o termo pessoa como relativo, ele está evitando a 
que se estabeleça uma unidade pessoal numérica, sendo 
que a unidade é postulada na relação intratrinitária no 
mesmo ser. Em outras palavras, o ser de Deus é pessoal. 
Mas isso é totalmente distinto de dizer que o ser Deus é 
numericamente uma pessoa e três pessoas: 
A excelsa Trindade, porém, um é tanto 
quanto os três juntos; e dois são tanto quanto 
 
76
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura 
Cristã, v. II, 2012. 312 p. 
 
77
 AGOSTINHO, S. A Trindade. Tradução de Agustino 
Belmonte. São Paulo: Paulus, 1994. 252 p. 
126 
 
um. E são em si infinitos. Desse modo, cada 
uma das Pessoas divinas está em cada uma 
das outras, e todas em cada uma, e cada uma 
em todas estão em todas, e todas são 
somente um.
78
 
 
Não obstante a dificuldade do tradutor nesse 
trecho, cremos que ele foi deveras cuidadoso. Quando 
traduziu a última frase latina de modo a dizer que “cada 
uma das Pessoas divinas está em cada uma das outras... e 
todas são somente um” (ênfase acrescentada), o tradutor 
poderia ter optado por: “e todas são somente uma”, 
considerando que o termo latino unum pode ser um 
acusativo masculino ou acusativo e/ou nominativo neutro. 
Todavia, a segunda opção de tradução, isto é, “todas são 
somente uma”, significaria que as três pessoas são 
somente uma pessoa. No entanto, ao verter para o 
português “e todas são somente um”, o tradutor ignora a 
concordância nominal e opta por uma tradução semântica 
e ideológica, de tal modo que preserva a ideia original sem 
 
78
 AGOSTINHO, S. A Trindade. Tradução de Agustino Belmonte. 
São Paulo: Paulus, 1994. 231 p. 
127 
 
inserir uma contradição na doutrina da Trindade.
79
 Essa 
opção é coerente com o que Agostinho expõe em outro 
lugar: “Assim, de um lado, a ideia de unidade seria 
sugerida pela expressão ‘uma essência’; de outro lado, a 
ideia de trindade, pela expressão: ‘três substâncias ou 
pessoas’”.
80
 Dessa forma, podemos constatar que Santo 
Agostinho fala que Deus é um em um sentido e três em 
outro sentido. A unidade está fundada na essência e a 
pluralidade na pessoalidade. 
A linguagem um tanto confusa de Agostinho 
parece ter levado Bavinck a falar de uma “personalidade 
divina única”. A partir da identificação entre ser e pessoa, 
Bavinck afirma a unidade e multiplicidade como 
fundamentais em Deus: “Em Deus, também, há unidade 
em diversidade, diversidade em unidade. Aliás, essa 
ordem e essa harmonia estão presentes nele de maneira 
absoluta. No caso das criaturas, vemos apenas uma leve 
analogia disso. Nem a unidade nem a diversidade são 
 
79
 O trecho latino é: Ita et singula sunt in singulis et omnia in 
singulis et singula in omnibus et omnia in omnibus et unum omnia 
80
 AGOSTINHO, S. A Trindade. Tradução de Agustino Belmonte. 
São Paulo: Paulus, 1994. 250 p. 
128 
 
absolutas”.
81
 A ordem éctipa manifesta a seu modo o Uno 
e o Múltiplo arquetípico inerente à trindade. 
Tendo feito essa digressão, podemos entender 
melhor a reformulação do dogma trinitário proposta por 
Van Til. Embora permaneça implícita em Bavinck, a ideia 
de que Deus é três em pessoa e um em pessoa aparece 
nitidamente em Van Til. Esse fato por si só preserva a 
possibilidade de que Van Til tenha levado as declarações 
de Bavinck além daquilo que o teólogo dogmático tenha 
pretendido expressar. Seja como for, essa reformulação da 
doutrina da trindade servirá como princípio metafísico de 
estruturação do pensamento vantiliano. 
Já tivemos oportunidade de ver que Cornelius 
Van Til expressou a opinião de que a formulação clássica 
do dogma trinitário não expressava toda a verdade. Em 
outras palavras, Van Til não rejeita aquelaformulação. Ele 
simplesmente acredita que ela precisa ser ampliada. Sua 
proposta de ampliação é a que segue: 
Afirmamos que Deus, isto é, toda a 
 
81
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura 
Cristã, v. II, 2012. 339 p. 
129 
 
divindade, é uma pessoa. Observamos como 
cada atributo é coextensivo com o ser de 
Deus. Somos obrigados a manter isso para 
evitar a noção de um ser não interpretado de 
algum tipo. Em outras palavras, somos 
obrigados a manter a identidade dos 
atributos de Deus com o ser de Deus, a fim 
de evitar o espectro do fato bruto. De forma 
semelhante, observamos como os teólogos 
insistem em que cada uma das pessoas da 
Divindade é co-terminal com o ser da 
Divindade [...] Em oposição a todos os 
outros seres, isto é, em oposição aos seres 
criados, devemos, portanto, afirmar que o 
ser de Deus apresenta uma identidade 
numérica absoluta. E, mesmo dentro da 
Trindade ontológica, devemos manter que 
Deus é numericamente um. Ele é uma 
pessoa. Quando dizemos que acreditamos 
em um Deus pessoal, não queremos 
meramente dizer que acreditamos em um 
Deus a quem o adjetivo “personalidade” 
pode ser anexado. Deus não é uma essência 
que tenha personalidade; Ele é personalidade 
absoluta. No entanto, dentro do ser da 
pessoa, somos permitidos e compelidos 
pelas Escrituras a fazer a distinção entre um 
tipo de ser específico ou genérico e três 
subsistências pessoais. 
 
Congratulamo-nos com o desejo de Bavinck e de 
Van Til em formular uma cosmovisão cristã distintamente 
130 
 
trinitária. Insistimos na relevância dessa abordagem. No 
entanto, cremos que a reformulação do dogma trinitário de 
acordo com a terminologia vantiliana incorre em erro que 
deve ser rejeitado como uma inovação sem suporte bíblico 
e histórico. 
Vejamos, por exemplo, o que Geerhardus Vos 
escreve sobre esse dogma: 
Em que teses você pode formular a doutrina 
da Trindade? a) Existe apenas um ser divino. 
A Escritura se manifesta de forma decisiva 
contra todo o politeísmo (Dt 6: 4; Is 44: 6; 
Tg 2:19). b) Neste único Deus há três modos 
de existência, a que nos referimos pela 
palavra “pessoa” e que são, cada uma, esse 
único Deus verdadeiro. Na Escritura, estas 
três pessoas são chamadas Pai, Filho e 
Espírito Santo. c) Essas três pessoas, embora 
juntamente o único Deus verdadeiro, são, no 
entanto, distinguidas umas das outras na 
medida em que assumem relações objetivas 
umas com as outras [...] d) Embora essas três 
pessoas possuam uma e a mesma substância 
131 
 
divina, a Escritura nos ensina que, em 
relação à sua existência pessoal, o Pai é o 
primeiro, o Filho o segundo e o Espírito 
Santo o terceiro, que o Filho é do Pai , o 
Espírito do Pai e do Filho. Além disso, seus 
trabalhos refletem externamente essa ordem 
de existência pessoal, já que o Pai trabalha 
através do Filho, e o Pai e o Filho trabalham 
através do Espírito.
82
 
 
Podemos observar que “uma pessoa, única 
personalidade” no sentido numérico não aparece entre as 
teses de formulação do dogma trinitário. Antes, a unidade 
é fundamentada na essência e a diversidade está 
fundamentada na subsistência. 
Então surge a pergunta: tendo em vista que no 
dogma trinitário a unidade é arrazoada em um sentido e a 
diversidade em outro sentido, o que levou Van Til a ir 
além e insistir na unipersonalidade e tripersonalidade 
 
82
 VOS, G. J. Reformed Dogmatics: Theology Proper. 
Bellingham: Lexham Press, 2015. (Locais do Kindle 932-943). 
 
132 
 
divina? Aqui precisamos retroceder para avançar. 
Resumiremos alguns pontos já mencionados para então 
dar um passo adiante. Van Til estava convencido de que o 
problema do uno e do múltiplo constitui um problema 
fundamental na epistemologia. Os filósofos têm 
fracassado constantemente nesse ponto. O fracasso reside 
em não estabelecer a unidade e a diversidade como 
elementares. O idealismo percebeu essa necessidade, mas 
também fracassou na escolha do universal, isto é, eles não 
conseguiram estabelecer o universal concreto. Van Til, 
avaliando a proposta de Bosanquet, diz que: 
[...] a unidade deve ser tão fundamental 
quanto à diversidade. Se alguém começa 
com a pluralidade, e então tenta obter 
unidade nesta pluralidade, a unidade será 
abstrata e sem função. Por outro lado, 
Bosanquet afirma que a unidade será 
igualmente abstrata e sem função se a 
diversidade não for tão fundamental quanto 
a própria unidade.83 
 
 
83
 TIL, C. V. God And The Absolute, p. 25. Disponivel em: 
<https://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-
collection-of-articles-from-1920-
1939.pdf#page=15&zoom=auto,0,663.75>. Acesso em: 29 
novembro 2017. 
133 
 
Sem a pressuposição de unidade e diversidade no 
nível básico, todo o conhecimento está fadado a conviver 
com o eterno devir. Platão buscou um ponto fixo em seu 
mundo das Ideias e Aristóteles, para evitar as 
consequências do fluxo constante, postulou o motor 
inamovível. Tomás de Aquino identificou o motor 
inamovível com o Deus cristão. O Idealismo, buscando se 
desvencilhar do aparente, repleto de contradições, 
visualizou a resolução das antinomias em um princípio 
denominado Absoluto. Construindo sobre a premissa de 
que o real é o racional, Bradley inseriu em seu sistema a 
Razão Absoluta para dar conta das aparências paradoxais. 
Cornelius Van Til se distancia desse Absoluto 
abstrato, mas enxerga alguma analogia entre o Idealismo e 
o Teísmo. Ele não vê o idealismo como aliado do 
cristianismo, mas reconhece uma concordância formal 
entre eles. Materialmente, Van Til substitui o universal 
abstrato do Idealismo por um universal concreto, isto é, o 
Deus trino. 
Assim como Bavinck, Van Til diferencia o uno e 
o múltiplo relativo (éctipo) e o Uno e o Múltiplo Absoluto 
134 
 
(arquétipo). Para evitar a irracionalidade, a unidade e a 
diversidade devem ser pressupostas em nível fundamental. 
No Deus trino encontramos essa unidade e diversidade 
como básicas. Historicamente, a doutrina da trindade foi 
desenvolvida com certa matriz platônica. A unidade está 
fundada na essência compartilhada pelas três pessoas. 
Contudo, a crítica aristotélica aos platônicos parece ter 
levado Bavinck a uma suspeita quanto ao “realismo 
exagerado” e, pelo que parece, tal suspeita afetou Van Til. 
Aristóteles, de fato, atrelou os universais aos particulares, 
rejeitando a teoria das Ideias de Platão, pois “não é o 
Homem,com efeito, que o médico cura, se não por 
acidente, mas Cálias ou Sócrates, ou a qualquer um outro 
assim designado, ao qual aconteceu também ser 
homem”.
84
 Se a Ideia-Homem tiver existência real, pensou 
Aristóteles, então ela será diferente do homem particular, 
como Sócrates e Platão. Então ele questiona: haverá, 
porventura, um terceiro homem? Mas para que essa Ideia-
Homem seja unificada no homem sensível será necessária 
 
84
 ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril, 1984. 12 p. 
 
135 
 
então outra Ideia-Homem ad infinitum? As críticas 
aristotélicas parecem minar o realismo platônico. As 
Ideias, portanto, foram consideradas “puro nome”. Mas 
Bavinck está ciente de que o nominalismo conduziria ao 
triteísmo, pois nesse caso, os particulares seriam as únicas 
realidades. Bavinck opta, pelo menos na terminologia, 
pela fórmula aristotélica (universalia in rem). Ele afirma: 
O conceito de natureza dos seres humanos é 
genérico. De fato, a natureza humana existe 
não fora e acima, mas nas pessoas, nos 
indivíduos. No entanto, ela existe em cada 
ser humano de maneira única e finita. Assim 
como os deuses do politeísmo, os seres 
humanos são de substância semelhante, mas 
não da mesma substância ou de uma 
substância. Anatureza humana como existe 
em diferentes pessoas nunca é total e 
qualitativamente a mesma. Por essa razão, as 
pessoas não são somente distintas, mas 
separadas. Em Deus, tudo isso é diferente. A 
natureza humana não pode ser concebida 
como um conceito genérico abstrato, nem 
existe como uma substância fora, acima e/ou 
por trás das pessoas divinas. Ela existe nas 
pessoas divinas e é total e qualitativamente a 
mesma em cada pessoa.
85
 
 
 
85
 BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 
v. II, 2012. 307 p. 
136 
 
Se a natureza humana reside de maneira única e 
finita em cada ser humano, então Bavinck compromete o 
universal, pois aqui tudo o que resta é o particular. Por 
conseguinte, o exemplo que ele usa para sustentar seu 
próximo ponto apenas agrava a situação. Ele diz que a 
natureza humana é semelhante, e não a mesma, em cada 
ser humano, assim como ocorre com os deuses do 
politeísmo. Agora, se o cristianismo é verdadeiro, os 
deuses do politeísmo não possuem qualquer substância 
porquanto o “ídolo nada é” (1 Co 8:4). 
Além disso, se há apenas uma natureza humana 
semelhante, não podemos dizer que Paulo ou João são 
homens, mas meramente que eles se assemelham à 
natureza humana, pois “a natureza humana como existe 
em diferentes pessoas nunca é total e qualitativamente a 
mesma”. Se em cada instanciação a natureza humana é 
distinta, então é melhor abandonar a ideia de “natureza” 
humana. Ou como diz Clark, “a menos que a definição de 
homem esteja completamente em um único objeto, esse 
https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/8/4
137 
 
objeto não é um homem”.
86
 Mas Bavinck diz que, em se 
tratando de Deus, a natureza “é total e qualitativamente a 
mesma em cada pessoa”. No entanto, ele também diz que 
a natureza “existe nas pessoas divinas”. Agora se a 
natureza divina é total e qualitativamente a mesma e existe 
nas pessoas divinas e como há três pessoas, vale indagar, 
há também três naturezas divinas? Obviamente Bavinck 
rejeita essa conclusão, mas sua desaprovação ao que ele 
denominou “realismo exagerado” parece ter como 
corolário tal implicação. Evidentemente, essa crítica não 
significa um apoio implícito ao realismo platônico tal qual 
ele é. 
O esforço de Bavinck para evitar, de um lado, o 
nominalismo (e, por implicação, o triteísmo) e, de outro, o 
realismo exagerado (e, por implicação, o tetrateísmo), 
parece ter levado o teólogo holandês a afirmação 
aristotélica do universalia in rem. Porém, ao tentar se 
 
86
 CLARK, G. H. The Trinity. 3ª. ed. Tennessee: Trinity 
Foundation, 2010. (Locais do Kindle 1577-1578). 
 
 
 
138 
 
evadir de uma essência abstrata, ele parece ter caído em 
maiores complicações. 
Essa digressão nos ajudará a entender melhor as 
preocupações de Van Til. Assim como Van Til está 
formalmente de acordo com o Idealismo, ele concorda em 
alguns pontos defendidos por Bavinck. Tentaremos 
costurar agora essas pontas soltas. 
A criação exibe em toda a parte sua diversidade. 
O múltiplo é nosso Sitz im Leben. Mas onde encontrar 
unidade em meio a tanta diversidade? O próprio ser 
humano está inserido nessa diversidade e, portanto, não 
pode ser a fonte última da predicação. Caso queiramos 
encontrar significado é preciso pressupor uma ordem 
transcendente. Essa ordem transcendente, para abarcar a 
realidade, deve encerrar em si o Uno e o Múltiplo, pois 
caso o sistema comece com a unidade, ele não derivará daí 
a diversidade; e, caso comece com a diversidade, ele não 
encontrará a coerência, isto é, a unidade. Dessa forma, 
Van Til pressupõe o Uno e o Múltiplo no nível 
fundamental. A Trindade – Universal Concreto – é a 
precondição de todo significado. 
139 
 
Todavia, a fórmula tradicional da doutrina da 
Trindade parece manter o espectro do fato bruto. Ao falar 
de uma essência e de três pessoas, o dogma trinitário 
presume uma unidade meramente abstrata. Por isso, 
pensou Van Til, essa não pode ser toda a verdade. Reduzir 
Deus a uma unidade abstrata não resolve os problemas 
epistêmicos, pois o existencial trino compreende os 
particulares e os universais. Da mesma forma que a 
“razão” (Vernunft) em Hegel é dialética, o Deus trino para 
Van Til é uma unidade de opostos – O Uno e o Múltiplo. 
É em virtude disso que Van Til fala de um “universal 
concreto”, isto é, o universal que envolve a 
individualidade. 
Tendo estabelecido que a precondição do 
significado é o Universal Concreto, Van Til não poderia 
manter uma doutrina da Trindade que mantém o espectro 
do fato bruto. Dessa maneira, ele supõe que o dogma 
tradicional é parcialmente verdadeiro. Para ser 
desenvolvido de modo a evitar o fato bruto é preciso 
acrescentar a “verdade” da unipersonalidade divina. 
Somente com a afirmação de que Deus é numericamente 
140 
 
uma pessoa é possível evitar uma essência abstrata. A 
ideia de unipersonalidade divina é defendida por Van Til a 
partir da doutrina da simplicidade divina. Ele então 
considera a personalidade um atributo e diz que os 
atributos são coextensivos com o ser de Deus. 
Entretanto, ao manter que Deus é três pessoas e, 
ao mesmo tempo, que Ele é uma pessoa, Van Til insere 
uma contradição no coração da fé cristã. Mas a saída de 
Van Til é bastante engenhosa. 
Para Van Til, cada um de nossos pensamentos faz 
referência, de algum modo, a Deus. Deus é 
incompreensível e inapreensível. Em virtude de Deus ser 
incompreensível, nós estamos fadados a cair em 
contradição em todo o nosso conhecimento. Mas as 
contradições na fé cristã são apenas aparentes. Assim 
como as antinomias de Bradley são resolvidas no 
Absoluto, as contradições aparentes do cristianismo 
encontram solução no Universal Concreto, isto é, na mente 
de Deus. 
O descontentamento de Gordon Clark, John 
Robbins, Robert Reymond, Ronald Nash, dentre outros, 
141 
 
com tal engenhosidade vantiliana é sintomático. O leitor 
não treinado em lógica talvez se pergunte qual é problema 
com a visão trinitária paradoxal de Van Til. Por que a lei 
da não contradição é tão importante assim? Explicitar as 
implicações da proposta de Van Til pode responder, ao 
menos em parte, essa pergunta. 
Como dissemos, Van Til tenta fundamentar sua 
afirmação na doutrina da simplicidade divina. Dessa 
maneira, considerando a personalidade como atributo 
divino, ele afirma que a personalidade é co-extensiva com 
o Ser de Deus. No entanto, Clark observa: “Agora, alguns 
atributos se aplicam igualmente as três Pessoas; por 
exemplo, a onipotência e a onisciência. Mas o atributo da 
Paternidade e da Filiação não é ‘co-extensivo com o Ser 
de Deus’. A filiação
87
 não é atribuível ao Pai, nem ao 
Espírito”.
88
 Aqui Clark claramente rejeita a proposta de 
 
87
 Como alguns mantêm que filiação e paternidade são aspectos da 
trindade econômica, é possível verter o argumento de modo a 
considerar a trindade ontológica conforme a citação de Agostinho 
acima. 
88
 CLARK, G. H. The Trinity. 3ª. ed. Tennessee: Trinity 
Foundation, 2010. (Locais do Kindle 1702-1709). 
 
142 
 
Van Til reafirmando a doutrina da Trindade em 
conformidade com o credo Atanasiano e com o 
comentário de Santo Agostinho: 
Não são, portanto, três deuses, mas um só 
Deus, embora o Pai tenha gerado o Filho, e 
assim, o Filho não é o que é o Pai. O Filho 
foi gerado pelo Pai, e assim, o Pai não é o 
que o Filho é. E o Espírito Santo não é o Pai 
nem o Filho, mas somente o Espírito do Pai 
e do Filho, igual ao Pai e ao Filho e 
pertencente à unidade da Trindade.
89
 
 
O Credo de Atanásio coloca nos seguintes 
termos: “Não confundindo as pessoas, nem dividindo a 
substância. Porque a pessoa do Pai é uma, a do Filho é 
outra, e a do Espírito Santo outra”. Defender quea 
personalidade divina é co-extensiva com o Ser de Deus e 
então sustentar que esse é uma contradição aparente, ao 
invés de uma contradição real, que é plenamente 
solucionado na mente de Deus é escolher, diante de uma 
bifurcação, a trilha que foge à ortodoxia. 
 
89
 AGOSTINHO, S. A Trindade. Tradução de Agustino 
Belmonte. São Paulo: Paulus, 1994. 31 p. 
 
 
143 
 
É aqui, com essa contra contradição aparente, que 
fechamos o ciclo da teoria analógica de Van Til. Embora a 
doutrina da Trindade tenha sido considerada por último 
em nosso estudo, ela é o fundamento para a epistemologia 
vantiliana. Conhecer é encontrar unidade em meio à 
diversidade. No entanto, isso não é conquistado a 
posteriori. Antes, unidade e diversidade devem estar no 
início do sistema. Para encontrar coerência no uno e no 
múltiplo éctipo devemos pressupor o Uno e o Múltiplo 
arquétipo. O ser humano não deve ser o fundamento de 
toda a predicação, mas Deus, o Absoluto/Universal 
Concreto, é a fonte de todo significado. 
Entretanto, não existem fatos brutos no universo. 
Todos os fatos são interpretados e conhecer um fato 
envolve conhecê-lo no contexto de todas as suas relações. 
A ordem criada está atrelada ao decreto do plano eterno de 
Deus. Apenas Deus conhece todas as coisas 
exaustivamente. O nosso conhecimento é parcial. 
Qualquer predicação em nosso ser/pensamento faz 
referência a Deus e, como Deus é incompreensível, nosso 
conhecimento é analógico e paradoxal. Deus é a 
144 
 
precondição do significado. Ele encerra em Si mesmo o 
Uno e o Múltiplo. Ele é uma pessoa e três pessoas. Essa 
unidade, que em um processo dialético, se desdobra em 
diversidade, fornece em nível fundamental aquilo que as 
filosofias pagãs buscam, mas sem sucesso. 
 O Criador possui conhecimento exaustivo. A 
criatura, todavia, depende ontológica e 
epistemologicamente do Criador. A distinção Criador-
criatura, pelo que parece, nos situa necessariamente no 
nível analógico de predicação. 
Diante desse resumo, retomaremos a rejeição de 
Clark à teoria da analogia, e analisaremos a 
compatibilidade da teoria clarkiana da univocidade com a 
doutrina da simplicidade divina. 
Como já descrevemos as objeções de Clark à 
teoria da analogia, iremos apenas resumir alguns pontos e 
desenvolvê-los quando necessário. 
Para Clark, a analogia sem uma base unívoca 
redunda em equivocidade. Aqui precisamos nos atentar 
para a definição clarkiana de univocidade e, 
especialmente, as aplicações do termo. Enquanto para Van 
145 
 
Til univocidade era sinônimo de conhecimento exaustivo, 
autônomo e sem referência a Deus, para Clark 
univocidade é aquilo que possui o mesmo significado em 
seu uso contextual. Clark aplica esse termo às proposições 
em geral e à predicação de Deus e das criaturas em 
particular. 
A definição de univocidade como algo que tem o 
mesmo significado em seu uso contextual, pode levar a 
rejeição da teoria clarkiana em virtude de um mal 
entendido. Ora, se unívoco é o que tem o mesmo 
significado, então quando eu digo “Deus é bom” e “O 
homem é bom”, o predicado “bom” e a cópula “é” não 
podem ter o mesmo significado em ambos os casos. Mas 
esse foi o entendimento tomista e, de certo modo, o 
vantiliano também. Estaria Clark propondo que Deus e o 
homem “existem” e são “bons” no mesmo sentido? 
Analisando de modo superficial, parece que se os termos 
são unívocos então é exatamente isso que Clark defende! 
Mas creio que qualquer cristão em sanidade mental 
rejeitaria isso como um completo absurdo. Deus é 
autoexistente, ao passo que o homem depende de Deus 
146 
 
para existir. Deus é o sumo Bem, ao passo que a bondade 
do homem é corruptível. 
Em outras palavras, a existência e a bondade 
divina, se mantivermos a doutrina da simplicidade, estão 
intrinsecamente atreladas ao seu Ser. Isso parece ser um 
motivo suficiente para evitar a univocidade em nossa 
predicação de Deus e das criaturas. Como Clark mantém a 
univocidade, estaria ele rejeitando a doutrina da 
simplicidade divina? 
A resposta a essa pergunta é negativa e podemos 
citar alguns trechos para corroborar a afirmação de que 
Clark manteve a doutrina da simplicidade divina: “A 
Ortodoxia sustenta que as Três Pessoas são iguais em 
poder e bondade. Na verdade, o Ser e a bondade são 
idênticos”.
90
 
Aqui parece haver um dilema. A equivocidade é 
inadequada em relação à linguagem teológica. A analogia, 
sem uma base unívoca, redunda em equivocidade. A 
univocidade parece não estar disponível caso a 
 
90
 CLARK, G. H. The Trinity. 3ª. ed. Tennessee: Trinity 
Foundation, 2010. (Locais do Kindle 709-710). 
147 
 
simplicidade divina seja mantida. Mas esse último ponto 
precisa ser pressionado: a simplicidade divina é 
compatível com a linguagem unívoca? 
Aparentemente, Clark não lidou diretamente com 
essa questão. Tendo considerado a equivocidade e a 
analogia como inadequadas, ele optou pela univocidade. 
Dado os problemas irremissíveis que as duas primeiras 
enfrentam, Clark pode ter pensado, o caminho para a 
última estava livre. 
Conquanto Clark não lide explicitamente com 
esse ponto, há em sua epistemologia algo que pode 
fornecer a solução ou ao menos parte dela. Trata-se do 
realismo conceitual teísta. Clark defendia que se 
conhecemos algo devemos conhecer o objeto real, não 
uma cópia, uma fotografia, uma representação, uma 
analogia. 
Dentre tais objetos, encontram-se os universais, 
que são conceitos abstratos. Tais conceitos não são apenas 
sons no ar, apesar do nominalismo; antes, afirma-se a 
realidade de tais conceitos. Clark diferencia entre o 
realismo de Platão e o de Filo de Alexandria e opta pelo 
148 
 
último. A simples menção a esse fato, contudo, pode não 
esclarecer a opção de Clark. No entanto, não precisamos 
de muita elaboração aqui. Platão separou o Mundo das 
Ideias da Mente, e seu demiurgo usou as Ideias para 
formar as cópias. Por outro lado, Filo concebeu as Ideias 
como tendo sido formadas por Deus para daí criar as 
cópias. A menção a Filo, portanto, é relativa à modificação 
do platonismo. Se para Platão o demiurgo é inferior ou 
subordinado às Ideias, Filo afirma que Deus é o Criador, 
inclusive das Ideias: 
Pois Deus, precisamente por ser Deus, sabia 
de antemão que uma bela imitação em 
tempo algum poderia surgir sem ter algo 
belo como modelo, e que nenhuma das 
coisas sensíveis poderia ser irrepreensível se 
não tivesse sido moldada segundo uma ideia 
arquetípica e inteligível; e, querendo 
produzir tal mundo visível, moldou antes o 
inteligível, a fim de utilizá-lo como modelo 
incorpóreo e à imagem de Deus, e realizou o 
mundo corpóreo, réplica mais recente do 
anterior, e destinada a conter tantas espécies 
sensíveis quantas inteligíveis já no outro.
91
 
 
91
 ALEXANDRIA, Fílon de. Da Criação do Mundo e Outros 
Escritos. São Paulo: Filocalia, 2015. 62 p. 
 
 
149 
 
 
 No entanto, se Clark opta por seguir Filo ao não 
subordinar Deus às Ideias, ele rejeita a inconsistência de 
Filo em fazer das Ideias algo que ora é parte e ora é 
separado da Mente divina. Em outras palavras, para Clark 
Ideias não existem separadas de uma Mente. Se quisermos 
ser mais exatos, Clark se posiciona com Santo Agostinho e 
mantém não apenas uma teoria das Ideias, mas de 
proposições. O fato é que essas ideias ou proposições são 
conteúdos da mente divina. O nosso conhecimento 
consiste em possuir, ao menos parcialmente, essas ideias. 
Em outras palavras, conhecimento é a posse da verdade 
por uma mente. Essa transição do céu para a terra presume 
a doutrina da Criação, a Revelação, a Iluminação do 
Espírito, a Imago Dei. Assim, podemos conhecer o objeto 
real porque Deus nos revelou. O realismo conceitualdá 
sustentação à teoria da univocidade. Mas seria o realismo 
conceitual teísta compatível com a doutrina da 
simplicidade divina? 
Há, pelo menos, duas possibilidades aqui: a) 
Clark abraçou teorias incompatíveis; b) Clark assumiu a 
150 
 
compatibilidade a partir da refutação das outras propostas 
e não sentiu necessidade de desenvolver esse ponto. É 
nossa suspeita que a segunda possibilidade seja o caso. Se 
estivermos corretos, a pergunta persiste: o realismo 
conceitual teísta é compatível com a doutrina da 
simplicidade divina? 
No artigo The Simplicity of Divine Ideas Michelle 
Panchuk analisa os problemas envolvidos com o realismo 
conceitual teísta e a doutrina supracitada
92
, fornecendo 
uma proposta de solução. O problema, conforme Panchuk 
descreve, é que, de acordo com a (DSD), Deus está 
completamente livre de estrutura ontológica e 
complexidade. O (RCT), no entanto, afirma que as 
propriedades não são apenas nomes, mas têm existência 
real, atribuindo assim, aparentemente, uma pluralidade a 
um Ser simples. Como Agostinho declara: “Em Deus, 
porém, há identificação entre o ser e o ser forte, justo ou 
 
92
 No artigo Theistic Conceptual Realism é identificado pelas 
iniciais (TCR) e doctrine divine simplicity pelas iniciais (DDS). 
Nesse estudo, utilizaremos as iniciais em português daqui em 
diante: Realismo Conceitual Teísta (RCT) e Doutrina da 
Simplicidade Divina (DSD). 
151 
 
sábio, e se algo afirmares sobre essa multiplicidade 
simples ou simplicidade múltipla, está sendo feita 
referência à sua essência”.
93
 
Para ser mais específico, o problema surge do 
comprometimento com o Principle of Character 
Grounding (PCG). Conforme Panchuk o descreve, “este 
princípio diz que as propriedades fundamentam 
metafisicamente os predicados dos particulares”.
94
 
Panchuk mostra como a doutrina da creatio ex nihilo dá 
suporte para a relação entre os conceitos divinos e os 
particulares criados. Tal relação presume ainda a doutrina 
da onisciência, pela qual afirmamos que Deus conhece 
previamente todas as coisas, inclusive aquilo que Ele 
decidiu criar. Não discutiremos aqui a relação de 
dependência ontológica entre os particulares e os 
universais da mente divina. 
 
93
 AGOSTINHO, S. A Trindade. Tradução de Agustino 
Belmonte. São Paulo: Paulus, 1994. 222 p. 
94
 PANCHUK, M. The Simplicity of Divine Ideas. Academia 
Edu. Disponivel em: 
<https://www.academia.edu/30372564/The_Simplicity_of_Divi
ne_Ideas>. Acesso em: 8 dezembro 2017. 
 
152 
 
O aparente conflito, conforme mencionamos, 
surge da relação entre (DSD) e o (PCG). A pergunta aqui 
não gira em torno da predicação, mas propriamente da 
ontologia. Como Deus, sendo um ser simples, pode ter 
uma natureza multifacetada? Clark coloca a questão nos 
seguintes termos: 
Se a existência ou Ser de Deus for 
considerado antes e à parte da essência e dos 
atributos de Deus, os últimos, segundo uma 
analogia química, assumirão os aspectos dos 
elementos adicionados, o que parece 
comprometer a alegada simplicidade do 
Ser.
95
 
Para Panchuk a solução reside em manter o 
(PCG) para a ordem criada, enquanto não aplica ao 
Criador em virtude da (DDS). Para simplificar, se 
mantemos que cada atributo divino existe realmente, e não 
é só um nome, tal realismo parece comprometer a 
simplicidade divina. Isto é, para Panchuk o (PCG) implica 
uma teoria de predicação na qual os atributos divinos são 
exemplificações de propriedades no Ser de Deus. Nesse 
 
95
 CLARK, G. H. De Tales a Dewey. São Paulo: Cultura Cristã, 
2012. 179 p. 
 
 
153 
 
caso, a essência divina é concebida por composição e isso 
é violar a (DSD). Ou se a (DSD) for mantida, segue-se que 
Deus é idêntico a uma propriedade e como essa 
propriedade é um objeto abstrato, segue-se que Deus é um 
objeto abstrato. Para manter a (DSD) sem comprometer a 
estrutura ontológica do (RCT) Panchuk propõe duas 
assertivas sobre a exemplificação de propriedade: 1) as 
exemplificações de propriedade decorrem da relação 
criação; 2) a exemplificação de propriedade implicam 
finitude. 
A partir dessas duas assertivas Panchuk quer 
evitar a noção de que os atributos divinos são 
exemplificações de propriedades, já que o Ser de Deus é 
não criado e infinito. Dessa forma, a exemplificação de 
propriedades surge de uma dependência ontológica e 
expressa finitude. Mas finitude não é um atributo divino! 
Com isso em mente, Panchuk invoca Cusanus e 
sua metáfora retirada da matemática, isto é, o círculo 
infinito. Para resumir, a analogia retirada da matemática é 
para dar suporte à ideia de que no limite do infinito as 
coisas perdem sua diferenciação. Panchuk acrescenta: 
154 
 
“Assim, algo infinito simpliciter [...] não teria qualidades 
particulares, englobando todas elas”.
96
 
Essa digressão colocou em foco o conflito entre o 
(RCT) e a (DSD). Delineamos a direção que Panchuk 
toma para manter tanto o realismo como a simplicidade 
divina. A pergunta óbvia é: podemos encontrar algo nessa 
direção na epistemologia clarkiana? 
A resposta precisa destacar a implicação da 
solução de Panchuk para a teoria da linguagem predicativa 
em relação a Deus. A solução de Panchuk reabilita ou 
requer a via negationes para o discurso sobre Deus. No 
que diz respeito ao conhecimento divino, Panchuk sugere 
uma epistemologia não proposicional. Em primeiro lugar 
destacamos que a via negationes foi rejeitada por Clark. 
Em segundo lugar, conhecimento não proposicional é 
incompatível com a teoria de univocidade clarkiana. 
 
96
 PANCHUK, M. The Simplicity of Divine Ideas. Academia 
Edu. Disponivel em: 
<https://www.academia.edu/30372564/The_Simplicity_of_Divi
ne_Ideas>. Acesso em: 1 março 2018. 
 
 
 
155 
 
 Nos escritos de Clark essa questão não é 
abordada com profundidade e nem de forma sistemática. É 
possível observar que a (DSD) aparece em textos distintos 
de Clark, mas esse não foi um tópico sobre o qual o autor 
se debruçou com sua clareza peculiar. Não obstante, seus 
insights podem fornecer uma direção sobre como conciliar 
a (DSD), o (RCT) e a teoria da univocidade. 
O que precisamos destacar aqui é que a (DSD) 
deve ser corretamente compreendida. Tal doutrina evita 
transpor para o ser de Deus qualquer composição ou 
divisão. Essa doutrina é compatível com a asseidade 
divina. Deus não deriva Seu ser de outro e tampouco pode 
deixar de ser quem ele é (Is 43:10; Êx 3:14). Embora não 
haja composição ou derivação no ser de Deus, é inegável 
que há distinções reais. Isso não significa que o ser de 
Deus é mutável. Antes, a alegação aqui é de que os 
atributos são harmônicos, porém não sinonímicos: 
“Palavras devem ter sentidos definidos; e quando termos 
tais como justiça, poder e amor são tomados como 
sinônimos, eles não comunicam pensamento definido. 
156 
 
Esse parece o resultado da remoção de distinções reais ou 
objetivas do Ser de Deus”.
97
 
Mas se cada atributo for uma propriedade distinta 
isso não implica composição no ser de Deus? A resposta 
de Clark é que os atributos são idênticos em Deus. No 
entanto, isso parece contradizer que as distinções são reais. 
A isso Clark responde: “Assim, ainda que justiça e 
sabedoria não sejam distintas em Deus, elas têm pontos de 
referência na experiência, sendo, portanto, distinguíveis e, 
consequentemente, conhecíveis”.
98
 Isso implica que os 
atributos não são conceitos vazios e tal implicação deve 
ser mantida para não reduzir Deus a “um Nada divino ou a 
um Vácuo celestial”.
99
 Além disso, “quando Deus é 
concebido como uma mente, ele poderá ser único Deus, 
além de quem não há outro; mas sua mente precisará não 
ser um imenso espaço embranco ou uma confusão 
 
97
 CLARK, G. H. De Tales a Dewey. São Paulo: Cultura Cristã, 
2012. 179-180 p. 
 
98
 CLARK, G. H. De Tales a Dewey. São Paulo: Cultura Cristã, 
2012. 180 p. 
 
99
 CLARK, G. H. De Tales a Dewey. São Paulo: Cultura Cristã, 2012. 
180 p. 
157 
 
homogênea”.
100
 É em virtude de a simplicidade divina não 
requerer que Deus seja reduzido a um Uno eleata ou 
neoplatônico que o objeto do conhecimento pode ser 
proposicional tanto para o homem como para Deus. Nas 
palavras de Douglas Douma: “Clark, no entanto, 
considerou que era possível que o homem conhecesse as 
mesmas proposições que Deus conhece sem compartilhar 
de forma idêntica os atributos de Deus”.
101
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
100
 CLARK, G. H. De Tales a Dewey. São Paulo: Cultura Cristã, 
2012. 180 p. 
101
 DOUMA, D. The Presbyterian Philosopher: The 
Authorized Biography of Gordon H. Clark. Eugene, USA: Wipf 
& Stock, 2016. 19 p. 
 
 
 
158 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
159 
 
APENDICE 
 
O denominado Credo ut intelligam é atribuído a 
Anselmo de Cantuária, mas remonta a Santo Agostinho. 
Uma tradução direta seria: “creio para que possa 
compreender”. Essa antiga tradição situa a herança da 
igreja em um contexto em que a fé e a razão não estão em 
conflito. Mas o desdobramento da ascensão do 
pensamento moderno começou a tratar fé e razão como se 
fossem antípodas. O corolário dessa visão é a dissociação 
entre ciência e religião. Enquanto a ciência pretende se 
elevar ao status de oráculo da verdade, a religião foi 
relegada ao âmbito do misticismo, do mitológico, do 
antiquado e, em última instância, do irracional. A ciência 
detém o direito de circular na arena pública, mas a religião 
não deve ter espaço fora do quarto secreto! O grande 
pensador C.S. Lewis percebeu que essas terminologias 
podem ser utilizadas de maneira estratégica: “É 
abominável que não raro deem a isso o nome de 
Intelectuais. Isso lhes dá a chance de dizer que quem os 
160 
 
ataca, está atacando a Inteligência”.
102
 Ou seja, qualquer 
oposição da fé aos dogmas da ciência será recepcionada 
como típica reação do obscurantismo. O próximo passo é 
silenciar a voz profética no espaço público. A Bíblia deve 
ser banida das bibliotecas públicas. A oração do Pai-Nosso 
nas escolas é uma afronta à diversidade religiosa. O 
pronunciamento contrário ao aborto é fundamentado na 
ética religiosa e por isso deve ser deixado de fora do 
debate. O homem moderno não pretende voltar a Idade das 
Trevas. Carl F. H. Henry, aluno de Gordon H. Clark, 
asseverou: “O choque multicultural alcança seu ápice 
nesse conflito entre o teísmo cristão e uma ideologia 
empírica que considera a crença na realidade sobrenatural 
como a marca de um homem não educado e não 
científico”.
103
 
Paralelo a isso, podemos nos voltar para a 
 
102
 LEWIS, C. S. A Abolição do Homem. 2ª. ed. São Paulo: WMF 
Martins Fontes, 2012, p.12 
 
103
 HENRY, C. F. H. Deus, Revelação e Autoridade: O Deus que 
Fala e Age. São Paulo : Hagnos, 2016, p. 228. 
 
161 
 
resposta da igreja evangélica à crítica secular. Muitos 
cristãos estão confusos em meio a diversos ataques. O 
cristão comum ainda pensa que política e religião não se 
discutem. Outros simplesmente assimilam as descobertas 
científicas e tacitamente abandonam os pontos religiosos 
que parecem contradizer a ciência. Há cristãos que 
rejeitam a historicidade de Adão em prol da plausibilidade 
da hipótese evolucionista. Outros ainda querem dar vida 
ao cadáver do averroísmo
104
 como possível postura a ser 
adotada. Há aqueles que advogam que fé e moral 
coincidem e essa é a estrutura total da religião. E também 
têm aqueles que abraçam o irracionalismo. 
Faremos a seguir uma breve análise das principais 
vertentes cristãs no que diz respeito ao relacionamento 
entre fé e razão e, por fim, defenderemos a abordagem 
escrituralista tanto bíblica como teologicamente adequada. 
 
1. INTELLIGO UT CREDAM: TOMÁS DE AQUINO 
 
 
104
 Em termos simples, averroísmo é a tentativa de defender uma 
verdade dupla e até mesmo contraditória. 
162 
 
1.1 Compreendendo para crer 
 
Enquanto Tertuliano não descartava a 
possibilidade de oposição entre fé e razão (Credo 
quia absurdum), Agostinho de Hipona via a fé como 
condição necessária para o entendimento (Credo ut 
intelligam). Tomás de Aquino, por outro lado, 
vislumbrou a possibilidade de uma teologia natural e 
inverteu a proposta agostiniana (Intelligo ut credam). 
Isso talvez fique mais claro quando analisarmos a 
ideia tomista do conhecimento analógico. 
O conhecimento analógico em São Tomás de 
Aquino é fundacional para sua visão acerca da 
revelação e da razão? Ou seria aquele um assunto 
subordinado a esse? Independente da resposta, que 
requereria mais aprofundamento do que o necessário 
para esse artigo, é indubitável a relação entre a teoria 
do conhecimento analógico e a temática desse artigo 
na filosofia tomista. 
Tomando por base o modelo aristotélico, o 
conhecimento analógico é uma espécie de gradação 
163 
 
entre univocidade e equivocidade.
105
 A partir da via 
negationis Tomás estabelece o ponto de partida nas 
“coisas” e pretende chegar daí ao conhecimento 
divino por analogia. Em suas palavras: “Ora, os 
nomes que se dizem de Deus e de outras coisas 
atribuem-se a Deus segundo alguma ordem que este 
tem a estas coisas, nas quais o intelecto considera seu 
significado; por isso podemos raciocinar sobre Deus 
por outras coisas”.
106
 
Correndo o risco de simplificação, o 
desenvolvimento desse conceito tem como corolário 
 
105
 Um termo é unívoco quando é utilizado no mesmo sentido, isto é, a 
verdade comunicada por Deus deve coincidir em ao menos algum 
ponto daquela apreendida pela criatura na revelação. Equivocidade é 
quando os termos são os mesmos, mas utilizados com sentidos 
diferentes. A equivocidade não deve ser confundida com polissemia, 
pois cada sujeito da comunicação toma o termo com um sentido único, 
ainda que no contexto tal termo possa mudar sua predicação. Para 
utilizar um exemplo simples, quando dizemos que Deus é bom o 
termo “bom” não está sendo aplicado com o mesmo sentido na frase 
“o picolé é bom”. Quando tomamos as duas frases, o termo bom é 
“equívoco”, mas dentro da frase ou do contexto ele ganha sentido 
único ou unívoco. 
106
 AQUINO, T. D. Compêndio de Teologia. [S.l.]: Concreta, 
(Locais do Kindle 2224-2226). Edição do Kindle. 
 
164 
 
a teologia natural. Podemos dizer, pois, que a 
epistemologia empírica de Tomás é que o leva a dar 
um papel de destaque para razão. Mas cabe perguntar 
qual é a relação entre razão e fé na filosofia tomista? 
Embora rejeite a teoria da dupla verdade, 
Tomás diferencia razão e fé e, por conseguinte, 
insere um domínio distinto para ambas. Em suas 
palavras, “embora se não possa inquirir pela razão o 
que sobrepuja a ciência humana, pode-se entretanto 
recebê-lo por fé divinamente revelada”.
107
 Enquanto 
a filosofia é resultado da investigação racional, as 
asserções da teologia devem ser aceitas por fé. Sendo 
assim, razão e revelação são quase equiparadas na 
visão tomista, exceto pela prevalência da revelação 
quando as conclusões da razão são divergentes dela. 
Nesse caso, segundo São Tomás, a razão deve 
refazer o caminho para detectar o erro. Para enfatizar 
o racionalismo tomista, G.K. Chesterton disse que 
Tomás assemelha-se a Tomás Huxley: “Assemelha-
 
107
 AQUINO, S. T. D. Suma Teológica. 2ª. ed. Caxias do Sul: 
Livraria Sulina, v. I, 1980, p. 3. 
 
165 
 
se na sua maneira de iniciar o argumento, e é 
diferente de todos os mais antecessores e sucessores, 
até à época huxleiana. Ele adopta quase literalmente 
a definição do método agnóstico de Huxley: ‘seguir a 
razão até onde ela for’”.
108
 
Esse entendimento, conforme mencionamos, 
propicia a teologia natural. Por conseguinte, São 
Tomás elabora sob o fulcro do raciocínio as provas 
da existência de Deus. A epistemologia empirista 
serve como ponto de partida para tais provas.
109
 
 
 
2. SOREN KIERKEGAARD: FÉ E PARADOXO 
 
2.1 Abertura para o irracionalismo na teologia 
 
Se o filósofo dinamarquês foi ignorado no seu 
tempo, a neo-ortodoxia tratou de exumar seu 
irracionalismo. Mas para entender sua importância para a 
 
108
 CHESTERTON, G. K. São Tomás de Aquino. 2ª. ed. Portugal: 
Livraria Cruz, 1947, p. 222. 
 
109
 Para uma crítica contundente das provas tomistas, veja Gordon H. 
Clark em Filosofia da Ciência e a Crença em Deus, Ed. Monergismo, 
Edição do Kindle. 
166 
 
neo-ortodoxia vale contextualizar o labor teológico após a 
Reforma protestante do séc. XVI. 
Conforme vimos, São Tomás deu à razão um 
lugar de destaque em sua obra. Não sabemos até que ponto 
isso contribuiu para o humanismo dos séculos que o 
sucederam. O fato é que com René Descartes a razão 
começa a sobrepujar a revelação. Uma chave 
hermenêutica para esse período, embora não a única, é a 
autonomia da razão. Lutero, Calvino, Zwinglio, entre 
outros, desafiam a autoridade papal. Eles lançam o 
alicerce da Reforma e a pedra angular desse movimento é 
o Sola Scriptura. Mas com o descrédito da igreja, outros 
pretenderam fazer sua própria leitura do cristianismo. O 
matemático Descartes propôs que se começasse então do 
zero. A dúvida é seu axioma e a existência é seu 
pressuposto, o que pode ser questionado pela 
circularidade. A formulação cartesiana que ilustra esse 
ponto é: “Cogito ergo sum”. Embora a existência seja 
colocada como conclusão na premissa acima, em 
Descartes ela aparece como postulado, pois é preciso 
existir para duvidar. Seus críticos percebem a 
167 
 
possibilidade do ceticismo absoluto em tal esquema, pois é 
possível dar um passo além e duvidar da própria existência 
ou duvidar da própria dúvida. James W. Sire colocou nos 
seguintes termos: “Descartes precisa estabelecer a 
habilidade do ‘Eu’ (ego) de arrazoar a partir da 
autoconsciência certa para a existência daquilo que é 
diferente dele próprio – o mundo e Deus”.
110
 Retomando a 
crítica de Nietzsche, Sire conclui que Descartes não obteve 
êxito em estabelecer o “eu” como sujeito pensante. 
Conquanto não rejeitasse Deus, Descartes não 
toma Deus ou o Sola Scriptura como seu ponto de partida. 
Ele parte de si mesmo. Essa é a característica do 
antropocentrismo em oposição ao teocentrismo. Essa 
transição alcançará seu ápice no Iluminismo. O impacto 
do Iluminismo na teologia fez surgir um movimento que é 
muitas vezes denominado como liberalismo teológico. 
Seguindo o dogma da Razão, o Liberalismo Teológico 
erigiu um altar e ofereceu a Bíblia como Holocausto à 
deusa Ciência. 
 
110
 SIRE, J. W. Dando Nome ao Elefante. Brasília: Monergismo, 
2012, p. 
 
168 
 
A cultura dinamarquesa não ficou isenta de 
desenvolvimento (GOUVÊA, 2006, p. 13-18) e o 
racionalismo teve sua influência ali. Se Tomás de Aquino 
havia celebrado a união entre a fé e a razão, Kant havia 
banido Deus da investigação racional e reservou um 
alojamento deveras limitado para a religião, isto é, seu 
papel moral. J. G. Fichte e Schleiermacher deram 
continuidade, mutatis mutandis, ao processo de divórcio 
entre fé e razão iniciado por Kant. Apesar de Hegel ter 
buscado reabilitar a discussão racional da religião, seu 
idealismo contribuiu para a proposta de Feuerbach de 
reduzir a teologia à antropologia. O resumo do impacto da 
filosofia hegeliana feita por Gardner pode ser útil aqui: 
Deus e o homem eram de fato um; daí a 
distância era pequena até a polêmica [...] de 
que o Deus da religião não era mais que uma 
externação, de forma imaginária e 
idealizada, da própria natureza e de atributos 
fundamentais do homem. O conceito de uma 
divindade colocada contra o mundo, 
exigindo adoração e obediência, era uma 
ilusão, um ‘sonho do espírito humano’; o 
suposto conhecimento que o homem tinha 
de Deus não era, afinal, maior do que o que 
possuía de si mesmo [...]. A aspiração 
hegeliana de justificar as afirmações da 
169 
 
religião em termos racionais alcançara seu 
ápice numa teoria que demandava sua 
virtual superação. Como o próprio 
Feuerbach sucintamente expôs, o segredo da 
teologia fora, finalmente, mostrado como 
sendo a antropologia.
111
 
 
 Esse clima colaborou para o ressurgimento de 
Kierkegaard na teologia protestante. 
 Soren Kierkegaard (1813 – 1855) foi um filósofo 
considerado o pai do existencialismo cristão. Para fins de 
nossa discussão, cumpre investigar seu conceito de 
verdade e a influência desse conceito na teologia neo-
ortodoxa. 
Kierkegaard se afasta da ideia platônica de um 
conhecimento inerente que é trazido à tona pela maiêutica. 
Ele foi um crítico mordaz da indiferença e da repetição 
apática de conceitos recebidos. O individuo não deveria se 
perder na massa amorfa. Antes, é na concretude da 
existência que se situa a vida. De certa forma, a ênfase de 
Kierkegaard na existência exerce um papel importante no 
seu entendimento do que é a verdade. A verdade não é 
 
111
 GARDNER, P. Kierkegaard. São Paulo: Loyola, 2001, p. 39. 
 
170 
 
proposicional, mas tem um caráter existencial/pessoal. 
A possibilidade de transição entre os modos de 
existência – estético, ético e religioso – pressupõe a 
liberdade do arbítrio e as complexidades envolvidas nessa 
escolha não podem ser explicadas pela supremacia da 
razão. É então que Kierkegaard insere o paradoxo no 
reino da fé e essas tensões contraditórias tem como 
corolário a angústia, porquanto o confronto entre cada 
modo de existência coloca o indivíduo diante de opções 
antitéticas. 
Tendo colocado em perspectiva algumas das 
principais ideias do filósofo dinamarquês, vamos agora 
delinear sua concepção da verdade. De acordo com 
Gardner, os próprios dilemas enfrentados por Lessing 
ecoava em Kierkegaard. Lessing não concebia um modo 
de transição dos fatos históricos para conclusões 
transcendentais. Os métodos da pesquisa histórica, 
fundados no pressuposto empírico, não comportavam 
conclusões não empíricas. “Confrontado por tais questões, 
Lessing falou, numa passagem bem conhecida, da 
existência de um ‘fosso largo e de mau aspecto, que não 
171 
 
consigo atravessar, conquanto frequente e honestamente 
tenha tentado saltá-lo” (GARDNER, 2001, p. 77). 
Kierkegaard vivenciou dilemas parecidos, mas 
lidou com eles a seu próprio modo. Ao rejeitar que a fonte 
da verdade resida no homem, mais especificamente na 
razão, Kierkegaard propôs que a verdade é um elemento 
extramundano. Ele não propôs uma conciliação entre fé e 
razão. A verdade deve ser obtida de outro modo. Mas 
como o homem tem acesso a essa verdade? Assim como 
Sócrates, ele postulou a existência de um professor, mas 
esse mestre não poderia ser o próprio homem já que a 
verdade não é intrínseca a ele. Portanto, o próprio Deus 
deve ser esse mestre. Mas se a verdade advém diretamente 
de Deus, sem qualquer mediação, isso pode causar 
perplexidade e enfraquecer a liberdade do arbítrio. A 
solução apresentada por Kierkegaard é encontrada na 
doutrina da Encarnação, a qual ele via como o Paradoxo 
Absoluto. Na Encarnação o eterno adentrou na esfera 
temporal. O infinito se uniu ao finito. A fé em tal 
Paradoxo não pode ser racional e, portanto,exige um salto 
do terreno da razão para o terreno da religião. Mas a 
172 
 
própria fé não está livre de conflitos paradoxais. 
Porquanto o pecado atua como barreira, impedindo o salto 
da fé. Logo, a graça precisa operar. A graça seria, 
portanto, como uma vara na qual a fé se apoia para 
conseguir saltar. O paradoxo reside, na visão 
kierkegaardiana, em enxergar a fé como ato da escolha e 
como ato da graça. France Farago coloca isso de modo 
sucinto: “Olhando-se da esfera do conhecimento racional, 
o domínio da fé pertence ao ‘paradoxo’ ou ao 
‘absurdo’”.
112
 
No livro O Desespero Humano lemos: “o 
fundamental para ele é saber então se quer crer que a Deus 
tudo seja possível, se ele tem vontade de ‘crer’ nisso. Mas 
não será a fórmula mais apropriada para se perder a razão? 
Perdê-la para ganhar Deus, é o próprio ato de crer”.
113
 
Como se percebe, fé e razão estão em relação disjuntiva 
como objeto de escolha. 
 
112
 FARAGO, F. Compreender Kierkegaard. Petrópolis, RJ: Vozes, 
2006, p. 168. 
 
113
 KIERKEGAARD, S. O Desespero Humano. São Paulo: Martin 
Claret, 2004, p. 40. 
 
173 
 
O exemplo mais conhecido para ilustrar tal 
paradoxo é o caso de Abraão sendo chamado a sacrificar 
Isaque. Kierkegaard interpreta tal episódio como 
ilustração da distinção entre os modos de existência ético e 
religioso. A obediência de Abraão requer uma suspensão 
do juízo ético. Caso ele opte pela ética, o absoluto moral 
“não matarás” será um impedimento para sua obediência a 
Deus. Dessa forma, o salto de fé é um estágio superior não 
apenas ao estágio estético, mas também ao estágio ético. 
Como o herói trágico, Abraão precisa cumprir sua missão, 
não importa quão cruel sejam os resultados. Para 
manobrar essa transição do ético para o religioso, 
Kierkegaard escreve: “Debaixo de um ponto de vista 
moral, a atitude de Abraão exprimi-se dizendo que desejou 
matar Isaac, e, debaixo de um ponto de vista religioso, que 
teve a intenção de sacrificá-lo”.
114
 Ou seja, em modo de 
 
114
 KIERKEGAARD, S. Temor e Tremor. São Paulo: Livraria 
Exposição do Livro, 1964, p. 23. 
 
 
 
 
 
174 
 
existência Abraão é um criminoso e noutro ele é o herói 
trágico. 
Não são poucas as dificuldades que surgem dessa 
visão. Ao criar tal dicotomia, Kierkegaard inseriu a 
possibilidade de um Deus insano. De fato, a separação 
entre a fé e a razão nos deixa sem um critério objetivo para 
saber se é Deus ou o Diabo que testou a fé de Abraão. 
Outras objeções podem ser levantadas, mas isso foge ao 
nosso propósito aqui. Cumpre ressaltar que a teologia neo-
ortodoxa se baseou em muitas conclusões desse filósofo 
dinamarquês. Para Emil Brunner, Deus e os meios de 
conceitualidade são excludentes. Karl Barth manteve 
desconfiança quanto à coerência lógica como critério de 
verificação da Revelação. Veremos adiante uma 
alternativa ao tomismo e à teologia dialética. 
 
 
3. O RETORNO A ANSELMO: CRER PARA COMPREENDER 
 
3.1 A Proposta Escrituralista 
Antes de esboçarmos a proposta escrituralista 
sobre a relação entre revelação e razão, vamos definir o 
175 
 
que é o escrituralismo. Abraham Kuyper e James Orr 
talvez sejam, de certo modo, as fontes que influenciaram o 
desenvolvimento de uma corrente apologética denominada 
pressuposicionalismo. Os proponentes mais conhecidos 
dessa corrente são Cornelius Van Til e Gordon Haddon 
Clark. Esses gigantes da fé se envolveram em algumas 
controvérsias e divergiram em muitos pontos, mas cabe 
destacar aqui que Clark propôs um ponto de partida 
distinto daquele defendido por Van Til. Em virtude disso, 
W. Gary Crampton evitou aplicar o termo 
pressuposicionalismo a Clark e criou um termo mais 
adequado, a saber: escrituralismo. 
James Orr, Abraham Kuyper, Ronald Nash, 
James W. Sire e ouros têm chamado a atenção para o 
caráter universal das cosmovisões. Cada pessoa adota, 
ainda que não esteja cônscia, uma cosmovisão. Por ser 
mais abrangente e mais precisa, apresentamos aqui o 
conceito de cosmovisão elaborado por James Sire: 
Uma cosmovisão é um compromisso, uma 
orientação fundamental do coração, que 
pode ser expresso como uma estória ou 
176 
 
como um conjunto de pressuposições 
(suposições que podem ser verdadeiras, 
parcialmente verdadeiras ou totalmente 
falsas) que sustentamos (consciente ou 
subconscientemente, consistente ou 
inconsistentemente) sobre a constituição 
básica da realidade, e que fornece o 
fundamento sobre o qual nós vivemos, nos 
movemos e existimos.
115
 
O escrituralismo não está isento do caráter 
inevitável das cosmovisões ou, para dizer de outro modo, 
o escrituralismo é ele próprio uma cosmovisão. Tendo 
esclarecido isso, apresentamos abaixo a definição de 
Escrituralismo fornecida por Gary Crampton: 
Escrituralismo é o sistema de crença em que 
a Palavra de Deus é fundacional na 
totalidade dos assuntos filosóficos e 
teológicos. Esse sistema de pensamento 
assevera que os cristãos jamais devem tentar 
combinar ideias seculares e cristãs. Antes, 
todo pensamento deve ser levado cativo à 
Palavra de Deus (2 Coríntios 10.5), que é 
(parte de) a mente de Cristo (1 Coríntios 2. 
16). Nossa mente deve ser transformada 
“para que experimente[mos] qual seja a boa, 
 
115
 SIRE, J. W. Dando Nome ao Elefante. Brasília: 
Monergismo, 2012, p. 179. 
 
177 
 
agradável, e perfeita vontade de Deus” tal 
como encontrada nas Escrituras (Romanos 
12.2), i.e., nossos pensamentos devem se 
tornar progressivamente os pensamentos de 
Deus (Isaías 55.6-9), pensamentos divinos 
esses que são apenas conhecidos através da 
Palavra de Deus. O escrituralismo, então, 
ensina que todo o nosso conhecimento deve 
ser derivado da Bíblia, que tem um 
monopólio sistemático sobre a verdade.
116
 
 
Essa definição já nos permite antever a relação 
entre revelação e razão conforme compreendida pelo 
escrituralismo. Desenvolveremos, a partir de então, a 
abordagem escrituralista. 
3.2 A racionalidade da revelação e a razão como 
instrumento de reconhecimento da verdade 
O escrituralismo tem como ponto de partida 
epistemológico a revelação. Obviamente, isso não exclui o 
pressuposto ontológico. Carl Henry escreveu: “A 
afirmação de que a revelação divina é o axioma 
 
116
 CRAMPTON, W. G. Escrituralismo: Uma Cosmovisão Cristã. 
Monergismo. Disponivel em: <http://monergismo.com/w-gary-
crampton/escrituralismo-uma-cosmovisao-crista/>. Acesso em: 26 
abril 2017. 
 
178 
 
epistemológico básico do cristianismo, do qual todas as 
doutrinas da religião cristã derivam, de modo algum anula 
o corolário de que o Deus trino é o axioma ontológico 
básico do cristianismo”.
117
 James W. Sire também 
reconhece que para haver revelação deve existir Alguém 
para se autorrevelar: “Antes que algo possa ser 
corretamente teórico, pré-teórico ou pressuposicional, 
aquilo que o constitui deve existir”.
118
 Mas como o 
conhecimento deste Ser Transcendente só é possível 
através da revelação, então é plenamente justificável 
estabelecê-la como axioma epistemológico. 
Essa revelação foi dada de modo mais detalhado 
e proposicional nas Escrituras. Mas uma revelação repleta 
de contradições não revelaria muita coisa de fato. No que 
diz respeito à revelação geral, Clark sustenta que ela não é 
completa e não dá sustentação para uma teologia natural. 
De acordo com Clark, a inadequação da revelação geral 
não é simplesmente em virtude dos efeitos noéticos do 
 
117
 HENRY, C. F. H. Deus, Revelação e Autoridade: O Deus 
que Fala e Age. São Paulo : Hagnos, 2016, p. 318. 
 
118
 Ibid, p. 131. 
179 
 
pecado. Mesmo no estado pré-lapsariano, o homem 
dependiade uma revelação especial. Essa revelação 
especial é não apenas proposicional, mas inteiramente 
racional. Por razão Clark entendia as leis da lógica: “uma 
revelação racional é aquela que preserva a distinção entre 
verdade e falsidade. Ela é em sua inteireza auto-
consistente. Em outras palavras, a razão é identificada 
como as leis da lógica”.
119
 
O escrituralismo, pois, começa por afirmar a 
racionalidade da revelação. Aliado a essa ideia está a 
afirmação de que a razão é um instrumento receptor e 
reconhecedor da verdade. Observe que o escrituralismo 
não pode ser confundido com o racionalismo, porquanto 
não postula que a razão é fonte criativa da verdade. Ela é 
instrumento receptor, pois a fonte da verdade é o Deus 
trino e sua revelação. Carl Henry acertadamente disse: 
 
119
 CLARK, G. H. A racionalidade da revelação 
divina especial. (Locais do Kindle 874-876) Brasília: 
Monergismo, 2016. Edição do Kindle. 
 
 
180 
 
“Em lugar de promover a ‘lógica da obediência’ que faz 
das Escrituras meramente um testemunho paradoxal da 
manifestação transcognitiva, a teologia cristã histórica 
enfatiza que Deus se revela de modo inteligível à mente do 
homem”.
120
 
Quando Deus diz em sua revelação especial 
“vinde e arrazoemos” (Is. 1:18) Ele não quis dizer que 
devemos dar um salto de fé e abandonar a razão. Um 
compromisso irracional nunca foi exigência do 
cristianismo bíblico. Abraão não pode ser usado como 
exemplo de que a fé dialoga com o absurdo. Embora a 
análise de Kierkegaard torne esse relato muito mais 
vívido, suas conclusões dependem de pressupostos que 
não se apoiam no texto bíblico. Quando Abraão creu que 
Deus podia recobrar Isaque das cinzas, ele já havia 
vivenciado o milagre do nascimento de Isaque, pois o pai 
da fé sofria disfunção erétil. A menos que o Deus de 
Abraão seja impotente para criar o mundo a partir do nada, 
formar o homem do pó da terra, isto é, a menos que creia 
 
120
 Ibid, p. 334-335. 
181 
 
em um Deus impotente, sua fé não pode ser considerada 
um absurdo paradoxal. 
A pergunta subjacente a essa discussão é: se a 
revelação de Deus precisa estar em conformidade com as 
leis da lógica, estaria Deus subordinado à lógica? Qual 
seria a lógica aplicada por Deus em sua revelação? A 
lógica deôntica, modal, clássica, simbólica ou não-
clássica? Essas questões tentam soar como alerta para 
aqueles que insistem na necessidade de coerência lógica 
na revelação. Todavia, esses questionamentos revelam 
certa confusão. Deus certamente não tem nada e nem 
ninguém acima Dele e, portanto, não deve se submeter à 
lógica, caso a lógica seja considerada uma elaboração da 
criatura. Mas quando Clark diz que Deus é a Lógica, ele 
não estava reduzindo Deus a um sistema formal de 
pensamento. Antes, o que ele queria dizer é que a Lógica é 
metafísica. O princípio da identidade não é elaboração de 
Parmênides. Antes, flui da própria essência divina. 
Quando Deus disse “Eu Sou” isso equivale a uma 
identificação completa apenas com Ele mesmo. Também 
182 
 
lemos nas Escrituras que Deus não pode mentir (Hb 6:18) 
e temos aí a lei da não contradição. Clark não estava 
propondo, conforme conclui erroneamente Scott Oliphint, 
que a mente de Deus funciona do mesmo modo que a 
mente do homem. Oliphint basicamente define lógica 
como a ciência da inferência e, portanto, Deus não 
mantém relação com a lógica, pois Deus não infere nada. 
Se aceitarmos a definição de Oliphint, teremos que 
concordar com ele. Mas se ele quer atacar a visão de 
Clark, então ele não pode definir lógica a sua maneira e 
concluir que Clark estava equivocado. Na realidade, ele 
precisa expor a definição de Clark e verificar sua 
consistência. 
Quando Clark disse traduziu João 1:1 por “No 
princípio era a Lógica” ele não estava dizendo que o 
conhecimento de Deus é baseado em inferências. Isso 
implicaria em um Deus capaz de aprender. Mas será que é 
isso que Clark está realmente dizendo? Vejamos o que ele 
diz: 
Não há nada de estupendo envolvido no 
183 
 
reconhecimento de que Deus é onisciente. 
Esse é um lugar-comum da teologia cristã. 
Mas, com maior profundidade, Deus é 
eternamente onisciente. Ele não aprendeu 
aquilo que sabe. E uma vez que Deus existe 
por si mesmo, independente de tudo mais, 
sendo de fato o Criador de tudo mais, só ele 
pode ser a fonte do seu próprio 
conhecimento.
121
 
Percebemos que Clark não enxergava uma 
utilidade idêntica para a lógica no que tange a Deus e à 
criatura. Deus não aprende, mas o homem aprende. Deus 
não faz inferências. Apesar da relação distinta, contudo, 
não se pode concluir que Deus é ilógico. Tampouco 
podemos propor que a lógica é anterior ou subsequente a 
Deus. A lógica é inerente à natureza de Deus. Ronald 
Nash expressa o mesmo ponto da seguinte forma: “A lei 
da não contradição não é simplesmente uma lei do 
pensamento; ela é uma lei do pensamento porque é antes 
de tudo uma lei do ser”.
122
 James W. Sire também 
 
121
 CLARK, G. Uma Introdução à Filosofia Cristã. Brasília: 
Monergismo, 2013, p. 75. 
 
122
 NASH, R. Cosmovisões em Conflito. Brasília: 
Monergismo, 2012, p. 108. 
 
184 
 
expressa o caráter intelectual da fé cristã quando diz: “A 
epistemologia está baseada na natureza daquilo que é, não 
numa capacidade autônoma, numa razão humana 
desvinculada de Deus”.
123
 Em outras palavras, a verdade é 
aquilo que é predeterminado por Deus. Não é a razão 
autônoma que cria a verdade. Tampouco a verdade é 
resultado de uma convenção social. Em outras palavras, “o 
conhecimento humano é possível porque aquele que criou 
e conhece todas as coisas exaustivamente é também a ‘luz 
dos homens’ (Jo 1:4)”.
124
 Aqui Sire mantém opinião 
concorde sobre o sentido de João 1:1: “O Verbo, Logos (o 
verdadeiro princípio da racionalidade, propósito e 
significado) caracteriza o próprio Deus”.
125
 
Quando bem entendido e aceito esse ponto, isto é, 
de que nosso Deus é o “verdadeiro princípio da 
racionalidade”, Clark sugere o próximo passo, que é a 
 
123
 SIRE, J. W. Dando Nome ao Elefante. Brasília: 
Monergismo, 2012, p. 83. 
 
124
 Ibid, p. 85. 
 
125
 Ibid, p. 84. 
 
185 
 
relação da lógica e da Escritura. Esse ponto já foi 
previamente mencionado quando tratamos da 
racionalidade da revelação. Para Clark, a Escritura é o 
desvelar da mente de Deus. Portanto, os reformados não 
podem ser legitimamente acusados de biblicismo. Tal 
acusação reduz a Escritura a um amontoado de tinta preta 
em um papel. Esse não é o caráter da Bíblia. Papel e tinta 
são efêmeros e, portanto, não podem ser a Palavra de 
Deus. A Palavra de Deus não passará: “A Bíblia consiste 
de pensamentos, não de papel; e os pensamentos são os 
pensamentos do Deus onisciente e infalível, não os de 
Inocêncio III”.
126
 A insistência de Clark na racionalidade 
da revelação deixa alguns cristãos desconfortáveis. Isso 
parece reduzir Deus a um “conjunto de proposições” 
estéreis ou elevar tais proposições ao status divino. Ciente 
dessa confusão, Clark escreveu: 
Assim é que Deus, a Escritura e a lógica 
estão juntamente ligados. Os pietistas não 
deverão se queixar que a ênfase na lógica é a 
 
126
 CLARK, G. Uma Introdução à Filosofia Cristã. Brasília: 
Monergismo, 2013, p. 82. 
 
186 
 
deificação de uma abstração, ou da razão 
humana divorciada de Deus. A ênfase na 
lógica está rigorosamente de acordo com o 
prólogo do Evangelho de João e não é senão 
o reconhecimento da natureza de Deus.
127
 
O próximo estágio na argumentação de Clark é 
esclarecer a relação entre a lógica e o ser humano. Em 
Colossenses 3:10 Paulo escreveu:“E vos vestistes do 
novo, que se renova para o conhecimento, segundo a 
imagem daquele que o criou”. Clark invoca esse texto para 
afirmar que “a imagem consiste principalmente em 
conhecimento, racionalidade ou lógica”. Observe que ele 
usa o advérbio “principalmente” e não “exclusivamente”. 
Clark não rejeita a necessidade de retidão, mas ele 
demonstra que a retidão está relacionada à obediência aos 
preceitos de Deus e isso pressupõe compreender esses 
preceitos. Ética e racionalidade estão inter-relacionadas, 
apesar de Kierkegaard ter sugerido que a escolha moral de 
Abraão excluía toda consideração racional. Clark não nega 
a doutrina da depravação total. Todavia, ele enfatiza que o 
pecado afeta em graus variados as faculdades do homem. 
 
127
 Ibid, p. 85. 
 
187 
 
Ele não minimiza os efeitos noéticos do pecado, porém 
salienta que a imagem de Deus não foi erradicada em 
virtude da Queda. 
Abraham Kuyper, em seus escritos, elabora o 
conceito de “fronteiras” preocupado em manter a distinção 
entre a criatura e o Criador. Herman Dooyeweerd também 
adota esse conceito. A teoria da Fronteira pode ter sua 
validade, mas sua aplicação pode ser desastrosa. Receosos 
de que o destaque que Clark dá à lógica apague a fronteira 
entre Criador e criatura, alguns estudiosos estão fazendo 
péssima exegese do texto de Isaías 55:8: “Porque os meus 
pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os 
vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor”. Ao 
invés de considerarem o contexto, esses estudiosos isolam 
o texto supracitado e dão a ele uma interpretação 
epistemológica. Dessa forma, a lógica de Deus não é a 
nossa lógica. Percebendo as implicações dessa 
interpretação, Clark responde: 
Se assim fosse [...], significaria que não 
somente todas as nossas adições e 
subtrações estão todas erradas, mas também 
188 
 
que todos os nossos pensamentos, tanto na 
história como na aritmética, estão todos 
errados. Se, por exemplo, pensarmos que 
Davi foi rei de Israel, e os pensamentos de 
Deus não forem os nossos, logo segue-se 
que Deus não pensa que Davi foi rei de 
Israel. Na mente de Deus, é possível que 
Davi tenha sido o primeiro-ministro da 
Babilônia.
128
 
Através da teoria da fronteira, Dooyeweerd 
desenvolve as esferas de lei, dentre as quais se encontra o 
aspecto analítico (lógica, pensamento). Essas esferas de lei 
(Dooyeweerd listou quinze aspectos) só se aplicam deste 
lado da fronteira, uma vez que Deus é o Legislador. Isso 
introduz o divórcio entre a lógica humana e a divina. 
Ronald Nash denuncia a incoerência dessa aplicação: “se o 
pensamento humano e os conceitos humanos não podem 
nunca alcançar a verdade sobre Deus, de onde os 
dooyeweerdianos obtêm seu conhecimento abundante 
sobre Deus?”.
129
 
 
128
 CLARK, G. Uma Introdução à Filosofia Cristã. Brasília: 
Monergismo, 2013, p. 91. 
 
129
 NASH, R. Cosmovisões em Conflito. Brasília: Monergismo, 
2012, p. 102. 
 
189 
 
Esse clima anti-intelectual não está restrito a uma 
torre de marfim. Ele tem invadido nossas igrejas e 
seminários. Recentemente ouvi de um professor, no 
seminário, que a teologia é um mal necessário. É contra 
essa tendência antibíblica ao irracionalismo que Clark 
escreveu o livro Em Defesa da Teologia. Ele expressa um 
lamento inicial: “A teologia, aclamada no passado como ‘a 
rainha das ciências’, hoje mal chega à posição de lavadora 
de pratos”.
130
 Mas Clark mostra que a teologia, longe de 
ser um mal necessário, é a maneira pela qual Deus conduz 
os homens ao pleno conhecimento da verdade. Se o 
intelecto é descartável em matéria de fé, então não há 
necessidade de pregar o evangelho. Nesse caso, Francisco 
de Assis estaria certo: “pregue o evangelho. Se necessário, 
use palavras”. Mas não há possibilidade de pregar o 
evangelho sem o uso de palavras. Alguém poderia 
contrapor dizendo que é possível pregar com os “atos”. 
Todavia, os atos, não constituem, em qualquer ocasião, 
 
 
130
 CLARK, G. Em Defesa da Teologia. Brasília: Monergismo, 
2010, p. 17. 
 
190 
 
uma pregação. Todo ato deve ser interpretado, pois o ato 
em si nada diz. Vincent Cheung usa o exemplo de um 
homem que toma uma velha senhora pelo braço para, 
juntos, atravessarem a rua. E então ele leva o leitor a 
considerar as opções possíveis. A observação apenas não 
fornece informações sobre o homem, sobre a senhora e 
sobre a natureza do ato, etc. As suposições do observador 
sempre serão inconclusivas e dependerão não do ato 
observado, mas dos preconceitos do observador. Cheung 
diz que o observador pode concluir que o homem está 
ajudando a senhora por compaixão. Mas “ajuda” e 
“compaixão” não descrevem necessariamente esse ato. 
Cheung sugere que esse homem talvez seja um 
sequestrador. E ele diz que não ajuda supor que o homem 
é gentil, pois isso leva a outros problemas, como acreditar 
que sequestradores não podem ser gentis.
131
 
Além dos problemas acima, poderíamos supor 
que aquele homem realmente estivesse ajudando a velha 
 
131
 CHEUNG, V. A Luz das Nossas Mentes. Brasília: Monergismo, 
2009, p. 43-44. 
 
191 
 
senhora. Mas o que esse ato diz sobre nossa necessidade 
como pecador? Para qual solução esse ato aponta? E se 
esse homem fosse muçulmano, ou ateu? Ele poderia até 
mesmo ser um cristão, mas o seu ato não comunicaria a 
graça de Deus revelada no evangelho. Em nenhum lugar a 
Bíblia sugere essa tolice de pregar sem palavras! Por isso 
reconhecemos que a abordagem escrituralista é 
extremamente relevante para a apologética e para a 
teologia. 
O escrituralismo não reconhece uma razão 
autônoma, como é o caso do racionalismo ou do tomismo, 
mas insiste que a fé mantém íntima relação com a razão. 
Não é o caso da investigação racional ser uma fonte de 
conhecimento, enquanto a revelação contém outra ciência 
não alcançada pela razão. A razão é um instrumento de 
reconhecimento da verdade e a coerência lógica é sempre 
um critério negativo para a verdade. Enquanto a 
consistência lógica não recomenda, por si só, a fé cristã, 
ela elimina as cosmovisões rivais ao demonstrar suas 
contradições inerentes. Dessa maneira, não é o caso de a fé 
192 
 
ter o seu lugar onde a razão encontra seu limite, como se a 
fé e a razão fossem compartimentos distintos nas 
faculdades humanas. A fé ou crença é sempre resultado do 
exercício racional. Isso não exclui a necessidade do novo 
nascimento, mas nos dá uma visão melhor sobre o que 
vem a ser a regeneração, a saber, Deus brilhando em nosso 
entendimento (2Co 4:6), de forma que cremos em virtude 
da iluminação do Espírito. Nesse caso a fé envolve a 
faculdade racional e a volitiva, sendo que a iluminação do 
Espírito nos permite exercer a fé, que é assentimento 
intelectual. Carl Henry afirma que: “Os homens não se 
apropriam da revelação cristã por intermédio de uma 
convicção alcançada apenas com base num argumento 
racional. A fé pessoal é uma dádiva do Espírito Santo, mas a 
verdade é a provisão da revelação de Deus, e o Espírito usa a 
verdade como meio de persuasão e de conversão”
132
. 
 O autor de Hebreus escreveu: “Pela fé 
entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram 
 
132
 HENRY, C. F. H. Deus, Revelação e Autoridade. São Paulo: 
Hagnos, 2016, p. 332. 
 
193 
 
criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do 
que é aparente”. Fé e entendimento não são antitéticos, 
mas caminham juntos. Também o apóstolo Paulo 
escreveu: “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai 
as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à 
destra de Deus. Pensai nas coisasque são de cima, e não 
nas que são da terra; Porque já estais mortos, e a vossa 
vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3:1-3). A 
nova vida, recebida pelos crentes em Cristo, não exige a 
suspensão do raciocínio. Pelo contrário, é imperativo que 
os cristãos pensem! Em Romanos 12:1-2 lemos: 
Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de 
Deus, que apresenteis os vossos corpos em 
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, 
que é o vosso culto racional. E não sede 
conformados com este mundo, mas sede 
transformados pela renovação do vosso 
entendimento, para que experimenteis qual 
seja a boa, agradável, e perfeita vontade de 
Deus. 
O culto a Deus não envolve uma sequência de 
saltos de fé, levando a pessoa a abandonar a razão para 
acolher o absurdo, o paradoxal. É na realidade um culto 
racional e que exige constante renovação do entendimento. 
https://www.bibliaonline.com.br/acf/cl/3/1-3
194 
 
Esse entendimento só pode ser renovado pelo exercício 
racional na compreensão das Sagradas Letras, que nos 
tornam sábios para a vida eterna (2Tm 3:15). A fé não 
pretende nos tornar amebas. Antes, são os incrédulos que 
são irracionais e tudo aquilo que tem aparência de 
sabedoria não passa de pura tolice: “Diz o tolo em seu 
coração: ‘Deus não existe!’ Corromperam-se e cometeram 
injustiças detestáveis; não há ninguém que faça o bem” 
(Salmos 53:1). Novamente as Escrituras dizem: 
“porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o 
glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se 
tornaram nulos em seus próprios raciocínios, 
obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm 1:21). Em 
seu livro Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo, 
Clark demonstra a íntima relação entre fé e conhecimento: 
O homem que possui a verdade de que Deus 
existe, embora suas razões para crer sejam 
filosoficamente escandalosas, está em 
melhor condição [...] que o homem que, com 
os argumentos mais eruditos, tenta justificar 
a afirmativa falsa da inexistência divina. E, 
como o próprio filósofo, de posse de muitas 
verdades, jamais escapa de modo total da 
desordem, e sua sistematização nunca estará 
https://www.bibliaonline.com.br/nvi/sl/53/1
195 
 
completa, há apenas uma diferença de grau 
entre ele e a multidão comum. Caso se diga 
que a última tem apenas fé, e não 
“conhecimento”, pois suas crenças não estão 
integradas por completo, a resposta é: todo 
conhecimento é fé.
133
 
O Ph.D J. P. Moreland gastou quase sete páginas 
para elencar versículos bíblicos que demonstram o caráter 
intelectual da fé cristã.
134
 Ele reconhece que sua lista não é 
exaustiva ao dizer em uma nota de rodapé que o autor D. 
A. Carson chamou atenção para uma lista mais longa. 
Moreland assevera: “A essência da fé – bíblica ou não – é 
a convicção ou confiança, e alguém pode ter fé em algo 
(como uma cadeira) ou alguém (como o pai ou a mãe, o 
presidente ou Deus), e ter fé na verdade de uma 
proposição [...]. Nas Escrituras e na vida cotidiana, a fé 
apropriada se fundamenta em conhecimento e é tão boa 
quanto seu objeto”.
135
 Moreland alerta que não está 
 
133
 CLARK, G. H. Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo. 
Brasília: Monergismo, 2013, p. 305. 
 
134
 MORELAND, J. P. O Triângulo do Reino. São Paulo: Vida, 
2011, p. 154-160. 
 
135
 Ibid, p. 174. 
196 
 
sugerindo que quem tem fé compreende todas as coisas e 
nem é essa a sugestão do escrituralismo. Mas a proposta é 
que, quer no âmbito da fé quer no âmbito secular, o 
conhecimento e fé caminham juntos. 
 
CONCLUSÃO 
 
Buscamos elucidar a relação entre fé e razão e 
destacamos a importância de ter um entendimento correto 
acerca dessa relação. Não foi possível aqui lidar em 
profundidade com o tema, mas as referências 
bibliográficas podem ser consultadas por aqueles que 
sentirem a necessidade de uma investigação mais 
detalhada. Descrevemos brevemente a posição tomista, 
que coloca razão e revelação lado a lado, exceto quando a 
razão contradiz a fé. Também descrevemos a visão da 
teologia dialética. Tocamos apenas de leve nas correntes 
racionalista e empirista. Por fim, descrevemos com mais 
detalhes o escrituralismo, que propõe não apenas um 
retorno a Anselmo e Agostinho, mas desenvolve mais 
coerentemente a visão Credo ut intelligam (creio para que 
possa compreender). Entendemos que essa visão está de 
197 
 
acordo com a teologia reformada com sua ênfase no Sola 
Scriptura. Conforme vimos, no escrituralismo a Escritura, 
sendo Palavra de Deus inerrante e infalível, é o axioma 
básico da epistemologia cristã. Isso não exclui o 
pressuposto ontológico. Deus não pode se contradizer. Ele 
não pode ser Deus e Diabo ao mesmo tempo. Ele é 
eternamente Deus. Sua Palavra também não se contradiz. 
As aparentes contradições das Escrituras podem ser 
resolvidas pelo estudo sério e com uma exegese 
comprometida com o caráter inerrante das Escrituras. Por 
fim, a revelação de Deus, cujo depósito é a Bíblia, fala ao 
intelecto do homem e exige que ele faça distinção entre a 
verdade e o erro. Entre o que fala a Palavra de Deus e o 
falso profeta. Como Henry disse: “A fé cristã é uma fé 
racional que se apoia no fato e na verdade da revelação, 
uma fé alicerçada na automanifestação de Deus em Cristo 
como a realidade definitiva e a razão absoluta. Ela 
convida, portanto, à reflexão racional, à decisão racional e 
ao serviço racional”.
136
 Essa ênfase na racionalidade da fé 
cristã não tem o objetivo de promover uma redução do 
 
136136
 Ibid, p. 398. 
198 
 
divino às categorias do pensamento, pois reconhecemos 
que conhecemos apenas em parte e a vida eterna consiste 
no conhecimento do Senhor. Mas conhecimento parcial 
não é conhecimento paradoxal ou contraditório. Insistir 
nisso é perceber que o irracionalismo, a ignorância acerca 
das bases cristãs e a dimensão subjetiva que persiste em 
reduzir o cristianismo à práxis, ignorando suas bases 
doutrinais, tornam o cristianismo mais vulnerável ao 
ataque dos céticos. Carl Henry alertou: “Submergir Deus 
em dados inexprimíveis é o primeiro passo para levar a 
deidade à morte. Tão logo Deus é empurrado para a beira 
da linguagem, o cristianismo será criticado, e não 
surpreendentemente, por tentar defini-lo”.
137
 Sendo assim, 
concluímos esse artigo com as palavras de nosso Senhor 
Jesus Cristo: “Não é sem motivo que errais tanto, pois não 
compreendeis as Escrituras nem o poder de Deus!” (Mc 
12:24). 
 
 
137
 HENRY, C. F. H. O Resgate da Fé Cristã. Brasília: Monergismo, 
2014, p. 42.

Mais conteúdos dessa disciplina