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Maria Isabel Rodrigues Orofino M aria Isabel Rodrigues O rofino INSERÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO ENSINO I N S E R Ç Ã O D A S N O V A S T E C N O L O G I A S D A I N F O R M A Ç Ã O E C O M U N I C A Ç Ã O N O E N S I N O O74i Orofino, Isabel. Inserção das novas tecnologias da informação e comunicação no ensino / Isabel Orofino. – São Paulo: Know How, 2011. 119 p.: 21 cm. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-8065-096-9 1. Tecnologia. 2.Comunicação. 3. Educação. I. Título. CDD – 371.33 Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 Inserção das novas tecnologias da informação e comunicação no ensino Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Coordenadora Pedagógica de Cursos EaD Maria de Lourdes Professor Responsável Maria Isabel Rodrigues Orofino Projeto Gráfico, Diagramação Glaucia Ferraro Patrícia Lé Capa Vitor Bertollini Revisão Ortográfica Célia Ferreira Pinto 1a Edição: Setembro de 2013 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD Know How 2009 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Apresentação Prezado aluno, A disciplina Inserção das novas tecnologias da infor- mação e comunicação no Ensino Fundamental I oferece um debate interessante e atualizado sobre a presença das mídias e redes digitais no mundo contemporâneo. Este debate mostra que surge uma demanda para que a educação se posicione em relação às TICs – Tecnologias de Comunicação e Informação. A escola está preparada para enfrentar todas estas mudanças tecnológicas? Os professores atuam como novos mediadores lançando mão dos recursos tecnológicos disponíveis? Vivemos em um tempo em que é possível produzir um vídeo para a web usando um telefone celular. Há muitas possibilidades de ação criativa na escola com o uso das novas mídias e o campo da comunicação-educação/ mídia-educação cresce em muitos paí- ses do mundo. Este livro-texto irá oferecer um itinerário de reflexões e sugestões sobre a comunicação-educação com o foco nas possi- bilidades de ação com as crianças do Ensino Fundamental I, ou seja, as crianças com faixa etária de 7 a 10 anos. O livro está organizado em 6 unidades. Partimos de uma discussão sobre o contexto histórico das sociedades de redes, as mudanças que isto traz para a vida social, econômica, produtiva, cultural e educativa. A partir de uma leitura de complexidade iremos focar a ação com as crian- ças na escola usando as novas mídias. Esperamos que o conteúdo que estamos oferecendo seja um aliado nas novas técnicas transformadoras para você e sua prática escolar e educativa. Bons estudos! Sumário Plano de Estudos // 09 Unidade 1 Novos contextos da educação escolar infantil // 11 Unidade 2 As TICs (Tecnologias de Comunicação e Informação) no espaço escolar infantil // 23 Unidade 3 Produção cultural com os meios eletrônicos // 47 Unidade 4 Relações entre a educação, infância e mídia // 63 Unidade 5 A criança e a cidadania planetária // 79 Unidade 6 Os direitos das crianças em relação às mídias // 91 7 Plano de estudos Ementa Novos contextos da educação escolar. A escola e as mídias: equívocos e complementaridades. As tecnologias de informa- ção e de comunicação no espaço escolar. Currículo escolar e os meios de comunicação social. O computador e a rede eletrônica. O uso didático do vídeo. Relação educação, infância e mídia: conceitos, possibilidades e perspectivas. Educação tecnológica. Tecnologia e Interatividade. A criança e a mídia: reflexões, con- textos, avanços. Competências Ao terminar esta disciplina você poderá construir espaços de debate e reflexão sobre a presença das mídias nas sociedades contemporâneas e as implicações deste processo para a educa- ção escolar. Você poderá estabelecer relações entre a teoria e as práticas que podem acontecer em sua própria escola, além de 8 desenvolver também competências para a leitura crítica da mídia e a produção cultural e educativa, com o uso das mídias junto às crianças, nas escolas. Novos contextos da educação escolar infantil Capítulo I 11 Se pensarmos que, no início dos anos 90, internet ainda era uma grande desconhecida de todos nós, fica fácil visualizar a gran- de transformação tecnológica que vivemos nos últimos anos. Alguns autores falam de uma revolução tecnológica: a digital. Outros são mais cautelosos e discordam defendendo o ideal de que uma revolução deveria transformar a base social e econô- mica, extinguindo a exploração e a miséria. De qualquer forma, os autores falam de uma 3a revolução tecnológica. Sendo que, a primeira seria a revolução industrial ocasionada pelo desenvol- vimento do motor a vapor nas fábricas da Inglaterra em meados de 1750 (século XVIII), o que acelerou o ritmo do capitalismo. A segunda, no início do século XX com o uso da energia elétrica tanto no mundo produtivo como na vida social (é o nascimen- to da indústria cultural). E agora, na virada do novo milênio: a revolução digital. Esta nova revolução nos coloca diante de uma realida- de que é também chamada como sociedade de redes. Um tema efervescente. O assunto cobre quase todos os setores da vida social e as transformações atingem desde as macroestruturas so- ciais do mundo do trabalho, da economia, das corporações, da produção cultural, da educação até à nossa vida diária, rotinei- ra, cotidiana, doméstica como responder a um torpedo enviado pelo seu filho. Novos contextos da educação escolar01 12 Isto nos coloca diante de situações socioculturais muito novas e é comum termos dificuldade de compreender o alcance de suas consequências. Esta dificuldade já se revela na própria literatura especializada, pois na teoria social contemporânea encontramos uma gama significativa de autores que problema- tizam estas transformações e definem a realidade social como líquida, dispersa, cibernética, pós-tradicional, pós-industrial, fragmentada, pós-moderna. O debate em torno da pós-modernidade talvez seja um dos mais desafiadores, pois ele pressupõe de fato uma grande mudança de vulto histórico, que demanda inclusive novas formas de pensar e compreender o mundo, em que vivemos. Em linhas gerais, as sociedades vêm mudando em virtude da aceleração da mobilidade das pessoas e produtos e da facilidade de comunica- ção. Vivemos o tempo da globalização, a também chamada era planetária e isto exige que reformulemos o nosso pensamento. A presença da mídia em nossas vidas e sua importância para as relações que se tecem nas sociedades contemporâneas é um tema que permite uma pluralidade de debates sobre pontos- -de-vista conflitantes. Não daremos conta de cobrir todo este escopo, e este também não é o nosso objetivo. Porém, há uma questão que desejo destacar: a sociedade de redes exige de nós educadores um repensar dos paradigmas críticos sobre a mídia. Esta sociedade emergente é uma nova realidade que comporta uma participação muito maior da sociedade civil nos usos sociais das mídias. Estamos transitando de uma sociedade de massa para a sociedade de redes. E isto repercute profunda- mente no trabalho do educador e da educadora. 13 Se por um lado há um movimento intenso de transformação nos meios de comunicação criados pelas sociedades, o mesmo não parece acontecer com a escola. Na educação, o movimento tem sido mais lento. Há uma dificuldade maior de se trabalhar as transformações das tecnologias de comunicação no âmbito escolar. Mas, parece importante destacar que as TICs – Tecno- logias de Comunicação e Informação – se caracterizam como um acesso a novos modos de representar o mundo. Elas se- rão importantes na vida das pessoas em múltiplas dimensões da vida cotidiana e do trabalho. Lutar pela inclusão digital é hoje um dever da escola, poisassim estaremos atuando também na construção da cidadania. A escola pode e deve estar articulada às demais esfe- ras da sociedade civil na construção de alianças na medida em que se inclua nesta luta de conquista de poder por parte das camadas excluídas e marginalizadas, com respeito ao acesso às mídias contemporâneas. Outra questão é que no Brasil, nas últimas décadas hou- ve um aumento significativo do consumo de tecnologias por par- te das classes populares (classes C, D e E). O que significa que, cada vez mais, nossos alunos estão convivendo o com uso de aparelhos digitais e manuseando muito rapidamente outros co- mandos e controles, que acessam outras potencialidades da inte- ligência como: articulações, combinações, sobreposições, conver- gências que diferem muito do modo linear do texto impresso tão utilizado na escola moderna. A escola pós-moderna é aquela em que se provoca o enfrentamento dos novos modos de cognição e de produção cultural desencadeados pelas novas TICs digitais. Durante muitas décadas as teorias sobre mídia-educa- A escola e as mídias02 14 ção defenderam a realização de leituras críticas dos meios, como estratégia para identificarmos a ideologia dominante nos discur- sos do mercado. Hoje, não podemos deixar de lado esta aborda- gem de análise de discurso. Mas, precisamos também pensarmos a escola como um local de recepção crítica e de produção de resposta ao discurso mercadológico, dominante na mídia con- temporânea. Assim, estaremos ampliando os espaços de inclu- são, atualização e ressignificação das narrativas da vida social. A escola ainda enfrenta algumas dificuldades. Afinal, há uma pluralidade de contextos escolares diferenciados em todo o Brasil. No entanto, parece claro que há a necessidade de maior investimento na formação dos educadores que ainda é muito restrita com relação aos usos das mídias. A formação em peda- gogia ainda é carente a inserção de teoria da comunicação e das mídias em seu conteúdo. Mas, há uma novidade nisto tudo. Este debate enfrenta mudanças neste momento, pois uma nova geração de professo- res deve entrar em cena muito em breve uma nova geração de educadores. Da minha formação para o contemporâneo, e lá se vão duas décadas, pode-se verificar a entrada de uma nova gera- ção de educadores que assim como os alunos agora já tem uma familiaridade muito maior com as TICs (é o debate sobre os nativos e os estrangeiros digitais, com o passar do tempo todos serão nativos). Assim, a mídia-educação precisa ser pensada como uma prática emergente, transdisciplinar. Aliada ao projeto pedagógi- co ela pode cooperar em dimensões como: maior participação das crianças, mobilização das aulas, produção cultural coletiva e também questões subjetivas como: a construção do sentimento de pertença, o protagonismo da comunidade, visibilidade para as práticas culturais e ambientais, a inclusão digital. 15 A problemática das relações entre mídia e infância tem sido ob- jeto de um longo percurso de investigações internacionais. Des- de as primeiras iniciativas da pesquisa de comunicação de mo- delo funcional, passando por análises de ordem psicológica com ênfase behaviorista, até estudos marxistas críticos, verifica-se um amplo quadro de referências em um corpus, cuja grande ênfa- se tem sido uma preocupação recorrente do poder da mídia em relação à criança, em grande parte dos estudos, compreen- dida enquanto vítima frágil e manipulável aos apelos sedutores, à violência, sexualidade precoce e consumismo, pautados pelas dinâmicas do mercado cultural (Buckingham, 2000). Prevalece, neste percurso histórico, por um lado uma visão moralista de preocupação com os excessos da violência e do estímulo à sexu- alidade precoce, e por outro lado (em um viés crítico) a condição de vulnerabilidade reflexiva da criança frente às textualidades midiáticas de produção comercial. São raras as pesquisas que se interessam pelo poder da criança enquanto receptor ativo, capaz de “se defender”, de escolher ou de ressignificar o que a mídia coloca em pauta. A grande maioria das pesquisas sobre as relações mídia e infância ainda veem a criança como receptor passivo. Mas, será que de fato ouvimos as crianças? As contribuições dos estudos culturais1, em suas dife- rentes formas e lugares territoriais de abordagem (seja o Reino 1. Aqui nos referimos às múltiplas iniciativas da pesquisa crítica contemporâ- nea, que vem sendo desenvolvida em muitos países, e que recebe nomencla- turas diferentes, mas que tem como objetivo verificar empiricamente como se processam estas negociações em torno da produção social do significado. Referimo-nos aos estudos de recepção, etnografias de audiências, estudos de consumo cultural, estudos de usos sociais dos meios, entre outros. Equívocos e complementaridades03 16 Unido, América Latina, América do Norte, entre outros) trazem uma grande contribuição para a superação da visão maniqueísta, pautada por frequentes oposições binárias, que demarca a traje- tória dos estudos sobre mídia, infância e consumo. Os estudos culturais, em suas diferentes realizações, têm buscado proble- matizar as complexidades nas relações de apropriação e consu- mo das tecnologias e seus múltiplos discursos, compreendendo a cena sociomidiática como lugar de conflito e luta em torno do significado, como algo que não está dado à priori, mas que está em processo permanente de negociação. E que nem sempre atende aos interesses do mercado, porém atende aos interesses dos diferentes setores da sociedade civil (Canclini, 1995; Martín- -Barbero, 1997). Mas, como pensar a infância como um setor da socie- dade civil? Em que medida a escola atua em defesa dos direitos das crianças frente às mídias? A teoria da mídia e da comunicação é um campo de conheci- mento muito amplo. Há várias correntes de pensamento e pro- postas de pesquisas, que emergiram em diferentes países, e que foram realizadas ao longo do último século com o acelerado de- senvolvimento tecnológico. A teoria de certa forma acompanha o desenvolvimento da própria mídia, o que parece óbvio. No início do percurso, os principais centros de inves- tigação estiveram nos Estados Unidos, onde é desenvolvido o modelo dos efeitos, sobretudo a partir da Universidade de Co- lumbia em Nova Iorque, com o trabalho de Paul Lazarsfeld, nos anos 1940 e 1950. O modelo dos efeitos analisava o processo de Algumas teorias da comunicação04 17 comunicação como linearidade. Os meios atingem as audiências e produzem efeitos, limitados ou não, de médio a longo prazo. As audiências são vistas como passivas e a corrente é funcionalista. Outro paradigma interessante seria o da Escola de Frankfurt na Alemanha, onde trabalharam os primeiros filóso- fos críticos da comunicação e da mídia como Theodor Adorno, Max Hockheimer, Walter Benjamin. Aqui, os estudos são críti- cos, com aportes das teorias marxistas. Eles oferecem uma base para a leitura das ideologias presentes nos discursos da mídia. Mas ainda assim, o receptor em certa medida também é visto como passivo. A corrente teórica, que vai se interessar pela atividade do receptor de modo crítico, são os chamados Estudos Cultu- rais, cujo centro de pesquisa surge na Universidade de Birgmingham, na Inglaterra. A partir dos anos 1980, a pesquisa crítica denun- cia o modelo dos efeitos, mostra-se insatisfeita com a crítica ortodoxa e se volta para a pesquisa com os receptores, o que pensam, como assistem e consomem as informações difundidas pelos meios. Enfim, localizam um novo lugar de investigação. E aqui na América Latina, houve também o surgimento do interesse de pesquisas com o foco no receptor. Estas são importantes porque o educador está na mediação direta com o receptor – a mediação escolar. Dois autores importantes: Jesús Martín-Barbero e Guillermo Orozco vêm desenvolvendo a chamada teorialatino-americana das mediações. Em linhas gerais, este conjunto teórico nos ajuda muito no âmbito da educação escolar, por vários motivos. Estes autores ajudam-nos muito, na América Latina, e permitem-nos refletir sobre o nosso próprio continente, em di- álogo com as teorias, que “vêm de fora”. Em hipótese alguma, quero defender o paroquialismo ou o localismo, longe de mim. Mas, no mundo da globalização, a dialética do local-global é ab- 18 solutamente necessária. E é sempre muito importante lermos a teoria social que é produzida, hoje, na América Latina. Guillermo Orozco propõe que no processo de recepção, os espectadores não assumam necessariamente um papel passivo, segundo ele: “A atividade dos espectadores acontece de diversas ma- neiras através de uma sequência interativa que implica em diversos graus de envolvimento e processamento do conte- údo televisivo” (Orozco, 1991). O autor destaca também que os espectadores estabele- cem ralações de negociação com o meio televisivo, dentre elas a apropriação, a recusa e a contraposição. Além disso, o teles- pectador que assiste TV é também filho em uma família, aluno de uma escola, membro de um grupo de amigos e pertencente a um meio sociocultural específico, onde se distingue devido ao gênero, idade, orientação sexual e religião, por exemplo. Por- tanto, os cenários socioculturais agem como mediadores no processo de recepção, pois o telespectador “não nasce pronto, mas se faz, ao longo da experiência da vida”. Portanto, o autor explica que as mediações se manifes- tam em forma de ações e de discursos que se originam em várias fontes: a classe social, o gênero, a subjetividade, a orientação sexual, a idade, a etnicidade, os próprios meios de comunicação, as instituições sociais e situações contextuais etc. Visto que, todas estas dimensões estão em jogo, sobre- A teoria das múltiplas mediações05 19 postas e entrelaçadas no complexo cenário da recepção. Orozco propõe um quadro teórico denominado múltiplas mediações. Ele oferece uma tipologia, que classifica estas diferentes media- ções em quatro grupos, e destaca que a cultura impregna todas elas. Estas múltiplas mediações são: a individual, a situacional, a institucional e a videotecnológica. A mediação individual, que leva em conta as dimensões cognitivas e subjetivas dos atores sociais (articuladas às categorias de gênero, idade, etnicidade, classe social e orientação sexual). A mediação situacional considera os diferentes cená- rios, em que ocorre a interação, entre a TV e as audiências: lar, boteco, quarto, sala de estar, escola, igreja etc. A mediação institucional fala dos sistemas e estruturas sociais em jogo e destaca o papel desempenhado pela família, escola, cultura de bairro, e demais instituições sociais, que atuam como cenários e medeia a recepção dos meios. A mediação videotecnológica2, que busca compreender a televisão (ou o outro meio que estiver em estudo) como ins- tituição social, não reproduz simplesmente outras mediações. Para Orozco (1993), a televisão produz sua própria mediação e utiliza recursos próprios e muito particulares para representar a realidade social. O conceito de mediação escolar Se a escola é local de encontro de “muitas culturas”, que provêm tanto de identidades quanto de diferenças socioculturais, então é preciso buscar sobrepor todas as mediações em jogo a partir daquele cenário. Ali se entrelaçam as mediações principalmente 2. Se quisermos ampliar o conceito para as outras tecnologias, como o rádio, computador e internet, devemos usar apenas o termo mediação tecnológica e trabalhar a especificidade material e de linguagem do meio de comunicação, com o qual estivermos pesquisando. 20 a institucional (afinal, a escola é uma instituição social das mais rígidas e estruturadas ao longo da história). Mas, não apenas esta, pois as múltiplas possibilidades de negociação de sentido nem sempre emergem da esfera institucional, mas também e, principalmente, da situacional e individual. E assim, por meio das trocas de saberes entre os pares, nos pátios, durante jogos e brincadeiras, nas conversas infor- mais, as crianças e adolescentes dão continuidade ao seu pa- pel de telespectadores ativos e, criativamente, produzem novos sentidos sobre os produtos midiáticos, que consomem todos os dias. Cada aluno, aluna, professor, funcionário (e aqui, entram em tensão as dimensões cognitivas, étnicas, de classe, de gênero, geração, raça, orientação sexual etc) no convívio diário dentro do espaço escolar, contribuem de um modo ou de outro para interferir no debate social sobre a mídia. A escola já é um local de mediações. Só que de fato, subestima esta condição e deixa este papel social relegado ao espontaneismo do dia a dia, sem potencializar sua condição de mediadora e sem assumir a responsabilidade sobre isto. Desta forma, a escola torna-se muito mais um espaço de mediação si- tuacional do que institucional. Uma vez que, as mediações ocor- rem muito mais no pátio da escola do que na sala de aula. Várias escolas já adotam iniciativas de uso dos meios no contexto pedagógico e para que isto aconteça, não existem fórmulas e receitas prontas. O que é necessário, isto sim, é a abertura e vontade política de experimentar e também de correr os eventuais riscos, que se revelem ao longo dos processos de criação de novos caminhos. Exercício proposto Realize uma pesquisa na web sobre novos usos das mídias na educação. Verifique como as escolas estão trabalhando e monte uma rede de contatos. Sites sugeridos Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança e do Adolescente http://www.fundabrinq.org.br/portal/ MIDIATIVA- Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes. http://www.midiativa.tv/blog/ ANDI- Agência de Notícias dos Direitos da Infância* http://www.andi.org.br/ As TICs (Tecnologias de Comunicação e Informação) no espaço escolar Capítulo 2 25 O debate sobre os usos das tecnologias de comunicação e edu- cação na escola está em grande parte ancorado em uma pers- pectiva transversal. Dentre as várias propostas, que surgem no âmbito da educomunicação/ mídia-educação, não acreditamos em que seja possível identificar aquela que veja a comunicação social como uma disciplina. A educomunicação é uma prática. Portanto, o uso das mídias na escola ou a inserção das tecnologias de informação e comunicação – TICs precisam ser debatidos junto aos fóruns colegiados e às direções da esco- la, porque é necessário um planejamento integrado ao projeto político-pedagógico. Há uma série de questões que precisam ser discutidas como o trabalho com as diferentes faixas etárias e questões de desenvolvimento afeto-cognitivo. Qual a mídia mais adequada, por exemplo? E como os conteúdos curriculares po- dem ser representados e ressignificados com a produção criativa na escola, como uma prática transversal, que atende às várias demandas da escola? Ou ainda, como viabilizar a parte técnica da produção em vídeo e para a web? Segundo Moacir Gadotti (1997), a interdisciplinaridade tem o objetivo de: O currículo escolar e os meios de comunicação social Mídias e transdisciplinaridade curricular 01 02 26 “Experimentar a vivência de uma realidade global que se inscre- ve na experiência cotidiana do aluno, do professor e do povo, que na escola conservadora é compartimentada e fragmentada. Articular saber, conhecimento, vivência, escola, comunidade, meio ambiente é objetivo da interdisciplinaridade. Este exercí- cio leva à transdisciplinaridade, isto é, ao rompimento com a estrutura disciplinar do conhecimento” (1997:118). A Educomunicação precisa estar articulada a uma pers- pectiva curricular, que esteja adequada às realidades regionais, e que seja construída a partir de cada escola. Assim, o uso das mídiaspode dar visibilidade às iniciativas, na medida em que delas participem toda a comunidade escolar envolvida, seja na realização de reportagens sobre pessoas do bairro, documentá- rios sobre o próprio processo de gestão democrática da escola, campanhas sobre meio ambiente, movimentos sociais etc. Na medida, também, que esta abordagem curricular seja transdisciplinar e multicultural, com valores éticos e solidá- rios, que combatam toda forma de discriminação, a produção cultural que brote da escola deverá contribuir significativamente para uma transformação da realidade educacional local. Outro fator a se destacar é a transcendência entre ci- ência e arte, entre conhecimento disciplinar e corporeidade. A Educomunicação, na medida em que solicita o uso de várias códigos de linguagem em texto, imagem e som, exige um novo apelo estético à produção do conhecimento, que pode muito contribuir para a ruptura das fronteiras entre conhecimento elaborado, saberes populares, arte e ciência. E assim, com um maior espaço dado à arte pode promover certamente um maior reconhecimento das comunidades nas produções que se origi- nam na própria escola. Há muitas questões a serem respondidas, porém sabe- 27 mos que a escola precisa de um espaço para um laboratório de mídia com um educador, suficientemente aberto para aprender com os seus alunos e que atue e domine as novas tecnologias em vídeo, áudio e texto. Para uma melhor compreensão do campo da Educomuni- cação no Brasil, apresentamos um breve histórico do seu itinerário. O debate sobre as relações entre comunicação e educação, no Brasil, se constituiu bem antes de termos como “mídia-educa- ção” ou mesmo “educação para as mídias” uma circulação em geral entre nós. Antes mesmo que na pesquisa de Comunicação e Estudos Culturais no âmbito da teoria se tornassem conheci- dos no meio acadêmico brasileiro, Paulo Freire já estava bastan- te difundido entre os intelectuais brasileiros. Ele foi precursor na construção de uma teoria da educação como prática social em diálogo com a comunicação e a cultura. Sua defesa era a de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, e da impor- tância da dimensão crítica no estudo envolvendo uma recepção ativa dos textos, em que o estudante assume o papel de sujeito. As ideias de Freire influenciaram um grande número de iniciativas voltadas à educação popular em muitos países da América Latina e do mundo. Com particular atenção à ação ide- ológica dos meios de comunicação surgiu o projeto Leitura Crí- tica dos Meios de Comunicação, da União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC), cujo início se dá na década de 60 e foi dirigido a educadores, grupos de jovens e comunidades popula- res. Nas referências de que dispomos sobre a proposta de leitura crítica dos meios de comunicação difundida pela UCBC, não A trajetória da Educomunicação no Brasil03 28 há registros de iniciativas de produção criativa nesta abordagem metodológica. Sugeria-se que estratégias de análise da televisão com crianças fossem mais lúdicas e criativas, do que meras dis- cussões em grupo. Em meados dos anos 70, uma pedagogia da linguagem total será proposta por Francisco Gutierrez, educador na Costa Rica, que produziu influência significativa no contexto brasilei- ro. De modo precursor, Gutierrez trará uma reflexão sobre a necessidade da escola se abrir para as novas formas de produ- ção da cultura com a crescente emergência de novos meios de comunicação social. Gutierrez alcança pela primeira vez uma metodologia que dialoga mais proximamente da epistemologia de Paulo Freire, uma vez que propõe a leitura e a escrita, ou seja, uma alfabetização que pressuponha leitura de mundo e expres- sividade sobre ele. Ler enquanto recepção e escrever enquanto resposta, em diálogo, em ato comunicativo. À medida que lemos criticamente a mídia, também produzimos mensagens a partir dos próprios meios. Neste sentido, percebe-se um embrião da metodologia de mídia-educação e educomunicação, cuja ênfase recai muito mais significativamente na produção de comunicação, por parte dos sujeitos envolvidos nas práticas de mediação escolar formal e não formal. Todo este acervo de produção, de certa forma, veio a fundamentar os trabalhos e debates em torno da comunicação e educação realizados a partir da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, inclusive com a criação do termo “educomunicação”. A partir dos anos 80, um vigoroso debate emerge desta escola com a contribuição de alguns professores, sobretudo: Ismar de Oliveira Soares, Maria Aparecida Baccega e Adilson Citelli. Na esteira deste processo é criada a Revista Comunicação e Educação, que há mais de quinze anos difunde 29 um pensamento crítico sobre o tema. Hoje, no Brasil, talvez a Educomunicação, a ECA-USP, seja aquela que ganhe maior sis- tematização, enquanto campo de conhecimento no Brasil. Como destacamos na seção anterior, uma das questões centrais para as práticas de educomunicação é a ênfase na produção. Por- tanto, é interessante que haja um maior intercâmbio entre educa- dores e comunicadores. Tanto na formação, com a promoção de cursos de ambas as partes, como na realização de iniciativas, que resultem em experiência concreta de educomunicação. Neste sentido, vamos apresentar nas páginas a seguir uma série de conceitos que advêm da teoria da comunicação e da linguagem. Ao contrário da linearidade da linguagem verbal e escrita, a linguagem do audiovisual e da multimídia são dinâmicas, com- binatórias, permitem fusões e sobreposições diversas, conjugam diferentes códigos de representação em texto, imagem e som. Por isso, é importante que o educador saiba explorar cada um desses códigos. Isto é de fato uma transformação para a escola. Até bem pouco tempo, trabalhávamos estas dimensões de modo separado. A música (quando havia) na aula de música, a palavra falada e escrita na aula de Língua Portuguesa, a ima- gem na aula de artes. Um exemplo de fragmentação total. Hoje, a produção na escola pode conjugar diferentes práticas e olha- res. É o tempo da convergência e as TICs possibilitam novas iniciativas coletivas e transdisciplinares. Os três códigos de significação: texto, imagem e som Hoje em dia, as linguagens digitais possibilitam novos modos de Mídias e mediações no espaço escolar04 30 expressão da criatividade. E as novas mídias em rede permitem também a construção de diferentes espaços de visibilidade. Se na sociedade de massa era muito mais difícil para o receptor par- ticipar em qualquer instância da produção, hoje na sociedade de redes há novas formas de visibilidade. Vamos tomar o YouTube como exemplo. Há inúmeras iniciativas de produções realizadas pelos próprios consumidores. Ou melhor, os prossumidores, como alguns autores nos falam. Estes novos espaços de visibilidade mostram também novas formas de uso das linguagens. No YouTube mais de 50% dos vídeos postados são realizados pelos próprios usuários, ou seja, são produções independentes e não-profissionais. Existe aí uma liberdade de expressão interessante de ser observada. Os modos como os usuários se apropriam de títulos da indústria cul- tural criando paródias, sobreposições, outras edições indicando novas formas de expressão. Em termos estéticos, estávamos mais atados aos padrões comerciais. Hoje, com as novas estéticas das redes sociais e de comunicação há uma maior liberdade de ex- pressão, sobretudo em relação ao padrão de qualidade comercial. A web tem proporcionado um novo espaço de visibi- lidade na sociedade. As mudanças são muito recentes, mas as pessoas aderem rapidamente às novidades constantes. A hipermídia articula possibilidades de produção com o uso de três diferentes códigos de significação. O educador deve sempre buscar realizar esta descontrução para melhor fa- zer as escolhas nos momentosde produção criativa. O texto O código verbal, texto, também chamado de código linguísti- co, diz respeito ao uso da palavra. Aqui, os signos são chamados símbolos, pois a palavra é um símbolo, que substitui o objeto 31 real a que ela representa. Na linguagem audiovisual ou em hi- pertextos em geral, o código linguístico pode assumir a forma oral ou escrita. No caso do texto oral, pode ser ao vivo quando a pessoa que narra o fato está no quadro ou em off, quando só se utiliza o som da fala e a imagem do narrador é coberta por outras imagens. Já o texto escrito sobre a tela chama-se “caracte- res” e estes são usados sobre as imagens com variados recursos gráficos. Tipos de texto Texto narrativo: Este tipo de texto é aquele que apresenta as ações a partir da ordem cronológica dos acontecimentos. É o clássico texto da narração de histórias. Contar uma notícia tam- bém é narrar uma história. Veja o exemplo retirado da revista Isto É: “No início dos anos 90, quando Luíza Erundina governava a cidade de São Paulo, o vereador Walter Feldman foi um de seus principais opositores. Na época ele já não escondia o sonho de um dia vir a ser Prefeito da Capital. Uma década depois ele continua a acalentar esse sonho (…)”. Outro exemplo: “O sol acabara de nascer e os surfistas chegavam à praia. Às 6 horas da manhã já era possível observar seus voos sobre as ondas da Praia Mole. Os preparativos para o campeo- nato começaram a partir das 7 horas quando chegaram os orga- nizadores e também os primeiros curiosos para ver a festa que rolaria o dia inteiro.” Texto descritivo: Este é o tipo de texto que apresenta caracte- rísticas sobre as pessoas, lugares e ambientes. Em síntese: des- creve a partir das emoções e dos sentidos: traduz os aromas, 32 os sons, as imagens, o tato e o paladar. Aqui, a ideia é passar as sensações para que o ouvinte possa ter uma compreensão bem abrangente do contexto de que estamos falando. Veja o exem- plo, também retirado da revista Isto É: “Na Feira do Rato, um conjunto de ruelas infestadas de lixo e rodeadas por barracos onde se vende de tudo; um grupo de capoeristas de Erê batuca timbaus, surdos e repiques cerca- dos por dezenas de meninos e meninas pobres nascidos na periferia da capital alagoana. Calça laranja e camiseta preta, os integrantes do grupo mostram ritmos e caminhos para quem ainda vive por lá. Ao som mágico do batuque todas as crian- ças querem cantar e sorrir.” Outro exemplo: “No caminho para Pomerode, ainda longe, na BR 101 já é possível avistá-las: as casas em estilo enxaimel são como re- líquias guardadas pelos recantos do vale. Suas paredes de tijolos vermelhos se destacam na paisagem. E com frequência se vê também crianças que brincam livres e soltas pelos arredores sol- tando pandorgas no céu azul que ilumina a imensidão do lugar.” Gêneros narrativos Você sabe o que são os gêneros narrativos? Você já reparou que quando vai à locadora de DVD ou de fitas de vídeo todos os fil- mes estão organizados por gêneros narrativos? De que gêneros você se lembra? Pois bem, na comunicação social, a primeira distinção que a gente tem que fazer para identificar o gênero é saber se o texto é de ficção ou não. Pois os gêneros partem de uma pri- meira classificação que é ficcional e não-ficcional. Porém, muitas vezes o jornalismo usa recursos da ficção, não é mes- 33 mo? Por exemplo, você já reparou no Programa Linha Direta? Trata-se de um programa que pretende reportar fatos e eventos usando para isso os recursos da ficção. Por isso, a fronteira entre ficção e não-ficção não é rígida. Gêneros Não-ficcionais – Jornalismo: A notícia é o fato em si, que é contado com o uso de diferentes formatos de texto. Formatos: • Reportagem: pode ser narrativa e descritiva e traz a notícia geralmente de forma bem objetiva, curta e direta. • Grande Reportagem: tende a ter mais profundidade. • Enquetes – Povo Fala: perguntas curtas para um grande nú- mero de pessoas. • Entrevista: é uma conversa, um diálogo. • Debate: reúne várias pessoas para discutir um tema e conta com a participação de um mediador. • Agenda Cultural, Esportiva, Política: informa sobre os eventos do dia, semana etc. • Reportagem Perfil: apresenta a história de vida ou algum as- pecto importante da vida de uma pessoa. • Vinheta: inserção rápida e curta que destaca um tema, uma empresa, programa etc. • Campanhas publicitárias: tem o objetivo de promover ideias, produtos etc. • Meteorologia: traz as informações sobre a previsão do tempo. Gêneros Ficcionais: Drama, melodrama, suspense, comédia, tragédia, humor, ficção científica, aventura etc. Formatos: • Radionovela: é um dos gêneros mais antigos na América La- tina e em todo o mundo, mas ainda pode fazer muito sucesso. • Caso Especial: são programas unitários que contam apenas uma história com começo, meio e fim. Não tem gancho de con- tinuidade para um próximo capítulo. 34 • Esquetes – piada: são também muito comuns no rádio. A imagem A imagem é o objeto do nosso olhar. Mas, todos nós também podemos ver muitas imagens com os olhos fechados, são as imagens mentais que criamos e que são fruto de nossa IMA- GINAÇÃO. E estas “imagens imaginárias” até as pessoas cegas podem enxergar. Imagem e imaginação são palavras que têm a mesma raiz. E na verdade, são processos que existem um com o outro. Desde os tempos mais remotos os seres humanos têm deixado registros sobre suas vidas em forma de imagens. As cul- turas mais antigas nas paredes de carvernas, como em Lascaux na França, serviam de suporte para mensagens. Aqui na América Lati- na, as mais antigas foram encontradas no Parque da Serra da Capi- vara, um local que abriga um grande sítio arqueológico, que fica em São Raimundo Nonato, no estado do Piauí, nordeste do Brasil. A imagem enquanto ícone é um tipo de signo, cuja re- presentação se assemelha ao fato representado. A fotografia é um bom exemplo, diferente da palavra que não possui seme- lhança com o que representa. O código icônico diz respeito à imagem e a todas as dimensões de composição do quadro imagético como: planos de enquadramento, tomadas, efeitos gráficos, iluminação, ilustrações, desenhos, cenografia, figurino, maquiagem, interpretação, angulação de câmera, movimentos ópticos e assim por diante. Por uma história das imagens Hoje, essas imagens antigas nos mostram as primeiras formas de arte e comunicação que os seres humanos desenvolveram antes mesmo de criar outros códigos, como o alfabeto. As imagens eram usadas como forma de comunicação. Um exemplo eram as narrativas egípcias, cheias de ilustrações para se transmitir uma 35 mensagem. Essas ilustrações eram chamadas ÍCONES. E hoje, nós usamos o mesmo tipo de linguagem no computador. Ao invés de escrever palavras nós clicamos no ícone (que significa o signo da imagem, pois existem os signos das palavras e dos sons). Não é verdade? A gente clica no ícone para abrir o pro- grama, o arquivo, mudar a fonte, salvar etc. De certa forma, esta- mos resgatando essa antiga forma de linguagem e comunicação. Mas, além da comunicação, outro uso das imagens ao longo da história tem sido a arte. A pintura e a escultura e mais tarde a fotografia, o cinema, a televisão e o vídeo. A história da arte mostra que os pintores foram buscan- do uma perfeição na produção das imagens. Até chegarem a um padrão estético chamado de realismo. Mas, há um momento de grande mudança. Após a invenção da câmera fotográfica, a máquina podia reproduzir a realidade por imagem com tanta perfeição que a pintura se libertou desta busca. E aí, a arte mo- derna (desde o expressionismo, arte abstrata, surrealismo, cubis- mo etc) pode inventar muito mais do que reproduzir. Mas, de volta ao nosso ponto de partida, é bom lembrar que imagem e imaginação andam juntas desde o início dos tem- pos. Nem mesmo a mais realista daspinturas conseguia traduzir a realidade por completo. Pois, as imagens nunca são a rea- lidade, mas sim uma forma de representação da mesma. E essa discussão é tão antiga quanto à filosofia grega, que desde os tempos de Platão já chamava a atenção para a capacidade de ma- nipulação e falsificação da realidade por meio do uso de imagens. A imagem hoje: espetacularização, manipulação e falsificação Se já se falava da capacidade de “moldar” a realidade por meio do uso de imagens nos tempos de Platão, imaginem hoje, o que é pos- sível fazer com programas de computador, como o Photoshop? Hoje, com o desenvolvimento das tecnologias de co- 36 municação, é possível alterar a imagem fotográfica (ou de qual- quer outro suporte) de tal modo que ela em nada corresponda à realidade. Você pode recortar uma pessoa de um contexto e inserí-la em outro sem deixar vestígio algum. Você já viu algum exemplo disso? Por isso, que a leitura crítica da mídia é importante. Hoje em dia, nós precisamos ter um olhar criterioso sobre todas as imagens, que nos são mostradas pela mídia, porque a tecno- logia nunca é neutra ou pura, mas sempre operada por alguém com algum interesse. E isto acontece em vários sentidos. Como estes que destacamos: 1. No momento da captação, isto é, quando o fotógrafo faz a imagem, por exemplo, ele pode escolher o ângulo que melhor atende aos seus objetivos. Um exemplo: imaginem uma reunião com poucas pessoas. O fotógrafo pode pegar apenas os rostos dos primeiros da fila, dando a impressão que a reunião estava repleta de gente. 2. No momento da edição. Quando se manipula e escolhe-se a imagem a ser utilizada. Aqui, o editor escolhe a imagem que irá para o ar ou para a página do jornal. Pode escolher uma imagem, em que as pessoas estejam bonitas ou muito feias, depende do interesse. 3. No momento da manipulação. Hoje em dia, com os novos programas de manipulação da imagem, é possível fazer qualquer al- teração, inserir ou tirar elementos, mexer no fundo e no objeto etc. Por isso, mais do que nunca, precisamos de um olhar redobrado, isto é, olho clínico na imagem porque com todos os recursos, que existem a nossa disposição, podemos dar asas à nossa imaginação e manipular imagens de uma modo que a humanidade jamais havia experimentado. Veja a seguir um breve glossário de termos técnicos para a imagem fotográfica, cinematográfica e videográfica: 37 Miniglossário: CL: Close: quando a câmera foca muito próximo ao rosto de uma pessoa. PP: Primeiro Plano: bem próximo a um objeto. PM: Plano Médio: A pessoa é vista da cintura para cima. O ob- jeto é visto inteiro. PG: Plano Geral: A pessoa e o objeto são vistos no seu local. PAN: Panorâmica: a câmera, sobre seu eixo, faz o movimento no sentido esquerda-direita ou vice-versa. Pode ser horizontal ou vertical. ZOOM IN: A objetiva da lente aproxima-se do objeto. ZOOM OUT: A objetiva afasta-se do objeto. O código sonoro: o som O código sonoro, som, é formado por signos indiciais, que nos indicam, ou sugerem, ou apontam para alguma informação. Por exemplo, um determinado ritmo pode sugerir suspense ou alegria. São elementos coadjuvantes na construção das emoções. Aqui, nós devemos observar o uso da trilha sonora que pode ser descritiva (geralmente canções que falam do personagem) ou incidental (apenas instrumental). Os efeitos como os ruídos e onomatopeias também compõem este código. O rádio é, ainda hoje, o veículo sonoro que, por excelência, continua a ser muito utilizado na sociedade e nas escolas. Como código de linguagem, o som é um dos mais im- portantes. E hoje em dia, fala-se muito da imagem, da sua im- portância e como esta molda as nossas formas de entender o mundo. Mas, tente tirar o som da TV ou do filme para ver o que acontece. A imagem sofre uma defasagem incrível e sozinha não dá conta de produzir sentido e emoções. Por isso, nas linguagens híbridas da mídia contemporânea, o som é fundamental!!!! 38 A palavra na linguagem falada Como destacamos antes (quando falamos do texto), o ritmo da palavra no rádio e na TV é aquele da linguagem falada: a lingua- gem coloquial. A menos que o objetivo do programa seja uma di- vulgação científica ou jurídica, por exemplo, mesmo assim, o tom do texto será aquele da linguagem falada no dia a dia. Portanto, podem soltar o verbo! No caso de produção, deixem a conversa fluir naturalmente, mantendo sempre a atenção para não fugir do tema do debate ou da matéria. Isto é, não fugir da pauta. A música Não apenas na TV e no rádio, mas na mídia em geral, o uso da música atende a diferentes objetivos. Na maioria das vezes, a música é o principal produto veiculado pelo rádio. Digamos que é o carro-chefe de toda a sua programação. Também a indús- tria fonográfica (de produção de discos) depende largamente do rádio para a divulgação dos seus sucessos. Daí, o fato de haver “Paradas de Sucesso” no rádio, pois estas ajudam a vender os produtos da indústria fonográfica. Porém, outro uso bastante frequente da música é o da tri- lha sonora. Aqui, a música entra como um elemento, que integra outro conteúdo, que pode ser de ficção ou documental. Quando a música é usada como trilha sonora, entra com funções diferentes. E uma das suas funções principais é ajudar a construir as emoções, por exemplo: o suspense, o dra- ma, ou ainda, o cômico etc. Os dois grandes usos da trilha sonora são: a trilha des- critiva e a incidental. A trilha sonora descritiva é aquela que, para construir as emoções, geralmente faz o uso de canções, que ajudam a des- crever a cena. Por exemplo: imaginem um beijo romântico em 39 uma novela. Com frequência, os editores carregam na dose e jo- gam aquela música bem melodramática, assim: “Porque te amo, agora compreendi que a vida, para mim, é feita só de você!!!”. Ou então, quando há um moleque brincalhão e safado, aprontando poucas e boas, poderíamos colocar uma canção que falasse do menino, como esta do Chico Buarque, por exemplo: “Olha o menino, olha o moleque, andando solto na beira do rio”. Isto quer dizer que a letra da música ajuda a compor a ação dramática, seja no documentário ou na ficção. Muitas vezes, em uma telenovela, a canção é usada para marcar um de- terminado personagem. Por exemplo: vocês lembram da teleno- vela Mulheres Apaixonadas? Todas as vezes que a atriz Carolina Dickman encontrava o namorado tocava a música dos Tribalis- tas: “Você é assim, um sonho para mim…”. Lembram disso? Já a trilha sonora incidental é, geralmente, usada ape- nas com a música instrumental. Ela pode e deve ajudar a cons- truir a emoção. Mas, fica como pano de fundo, leve e apenas pontuando a ação dramática ou o texto do locutor. Os efeitos sonoros Aqui, chegamos à parte mais divertida dessa discussão. Pois, os efeitos sonoros (que são usados tanto nos programas de rádio, como nos filmes, nos vídeos e programas de TV etc.) são curio- sos e, geralmente, usam instrumentos bem diferentes dos sons que representam. Os efeitos sonoros são também, em grande parte, des- critivos e reiteram a ação dramática. Por exemplo, é impossível assistir à cena de um acidente de carro sem que você ouça o som daquela ação. Mas, muitas vezes, o som que acompanha a cena foi “produzido” isto é, foi realizado em um estúdio. Hoje em dia, há uma série de coletâneas, catálogos, CDs e “bibliotecas” 40 para efeitos e trilhas sonoras. Mas, nós mesmos podemos criar uma série de “soluções caseiras”, que podem render excelentes resultados. Políticas de significação/ Ideologias A tarefa de interpretação da ideologia consiste em identifi- car aquelas formas de representação, que são utilizadas para sustentar relações de dominação, o que envolve “explicitar a conexão entre o sentido mobilizado pelas formas simbólicas e as relações de dominação que este ajuda a estabelecer e sus- tentar” (Thompson, 1990:379). É importante destacar quea leitura crítica do discurso midiático continua importante. Ela ainda vai nos ajudar a des- construir e superar a produção de estereótipos nas narrativas comerciais, em especial a publicidade. E verificar os avanços em direção a uma comunicação plural e democrática com relação aos diferentes segmentos da sociedade como: mulheres, negros, indígenas, homossexuais, criança entre outros. Questões sobre mídia alternativa Você se lembra do que significa mídia alternativa? Você conhece algum jornal de bairro ou programa de rádio independente? Pois bem, quando falamos de mídia alternativa nos re- ferimos àquelas iniciativas de comunicação social que usam tec- nologias e canais, que não são comerciais. A internet é hoje o maior canal para este tipo de comunicação. A televisão e o rádio continuam a ser os veículos que possuem a maior cobertura no território nacional (98% de todo o Brasil). Já a internet é um meio de comunicação a que apenas 10% da população brasileira têm acesso. Mas, a internet está em expansão, juntamente com a difusão da telefonia. Toda localida- de que possua conexão com linha telefônica pode ter acesso à 41 internet. O uso do computador já é realidade em muitas escolas, igrejas e associações comunitárias. Hoje, há um número cada vez maior de projetos de inclusão digital. Eles têm o objetivo de garantir o acesso das classes menos favorecidas às novas tecnologias de comunicação e informação que utilizam o computador. A indústria do entretenimento e o poder econômico A mídia contemporânea está voltada para o comércio, o lucro e as vendas. E a publicidade é o carro-chefe dos interesses de pro- dução. Na busca de mercados, os publicitários procuram atingir consumidores das classes média e alta. As imagens e as ideias que aparecem nos anúncios são as do público que pode consu- mir o produto que está sendo vendido. Anunciar algum produto na mídia comercial custa caro. Deste mercado participam, apenas, as camadas mais elevadas da população. Os movimentos sociais raramente fazem publicida- de em televisão, revista ou jornal. Massificação e Resistência Quando se fala na influência dos meios de comunicação de massa sobre as pessoas, logo se menciona a massificação e a alienação. É comum ouvir dizer que a mídia faz todos agirem e pensarem da mesma forma. Há quem discorde, afirmando que é possível resistir aos apelos da indústria cultural. Na verdade, existem muitos profissionais da indústria cultural que buscam fazer a diferença, abrindo espaço para a inovação e não se limitando a seguir os padrões que já existem. Não se trata somente de inventar coisas novas, mas também de mostrar de maneira corajosa aquilo que é bom e não merece destaque na mídia comercial. Além disso, é bom lembrar que as pessoas têm con- 42 dições de recusar, rejeitar, discordar daquilo que leem, veem e ouvem. Por exemplo: ao assistir a uma telenovela, os telespec- tadores podem trocar ideias e opiniões, discutindo o comporta- mento e as ideias dos personagens. Isto pode ocorrer na escola, na igreja, na feira ou mesmo em uma conversa de bairro. Exercício proposto Faça uma pesquisa na web verificando os usos dos diferentes códigos de significação, buscando explorar possibilidades de produção criativa com as crianças. Sugestões para reflexão Você concorda que a mídia dominante faz com que todas as pessoas se comportem e pensem da mesma forma? O que você pensa sobre o termo “sociedade do consumo”? Você se lembra de ter assistido a alguma publicidade de uma organização não-governamental? De algum movimento de luta, movimento social ou comunitário? Você já viu um produto ser vendido em um capítulo de novela? Explorando as possibilidades de produção Que tal agora fazer uma pesquisa na web e dar uma olhada em alguns sites e verificar quais são os recursos utilizados? Quer ver o exemplo de um site na web que foi elaborado pelos indígenas? Veja que interessante: www.indiosonline.org.br Atividades: 1. Que tal fazer uma busca, escolher um site na web e verificar os recursos de multimídia (diferentes mídias) que estão sendo utilizados? Há o uso do vídeo? Do áudio? 2. E agora que você já escolheu um site, que tal mostrar além dos recursos técnicos, também outros aspectos de linguagens em texto, imagem e som? Sugestões de atividades com os alunos Que tal fazer as seguintes propostas de investigação? 1. Vamos fazer um desafio? Vamos dividir a turma em grupos e fazer uma gincana? Vocês têm que imaginar uns sons bem conhecidos, escrever no papel o som que desejam e pedir para o outro grupo produzi-lo. Por exemplo: o som de um cavalo correndo; o som da chuva caindo; o som de alguém batendo à porta; de alguém colocando à mesa, assim por diante. O outro grupo tem que fechar os olhos e julgar a fidelidade dos efeitos. 2. Agora vocês têm que criar uma passagem de ficção e pro- duzir os efeitos sonoros respectivos para melhor pontuar e ilustrar a narrativa. 3. Outra atividade é assistir a um filme mudo e verificar como as expressões dos atores são carregadas; verificar como a trilha incidental pontua as ações e acompanha o ritmo da trama. 4. Outra atividade é tirar o som da TV e verificar como o código sonoro é importante mesmo nas linguagens da mídia que con- tam com a imagem. Um exercício interessante, tanto para os educadores como para toda turma é desconstruir os diferentes códigos de significação de um programa em particular: um filme de Charles Chaplin, por exemplo, em que não há o código linguístico (filme mudo em que a interpretação do ator é extremamente expressio- nista), um desenho animado, um comercial, uma telenovela, ou até mesmo um cd-rom ou um site. Este deve ser um exercício que antecede a etapa de produção de qualquer textualidade na escola. Já ao trabalhar a produção de uma textualidade na esco- la o educador deve levar em consideração todas as possibilida- des de formas, gêneros, formatos e códigos disponíveis nestas diferentes dimensões. É sempre bom lembrar que o uso deve ser cuidadoso e reflexivo, escolhendo-se criativamente as possibilidades, sem exageros ou carnavalizações (ao menos que este seja o objetivo estético da produção). O importante é saber que se pode contar com tantos recursos narrativos na produção criativa de lingua- gens híbridas na escola.
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