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Livro_Infancia e Educacao Infantil II - Unisinos

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INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL II - LINGUAGENS
 	MARITA MARTINS REDIN
 	PAULO SERGIO FOCHI
 Editora Unisinos, 2014 
 SUMÁRIO
 Apresentação
 Capítulo 1 – A criança é feita de cem: as linguagens em Malaguzzi
 Capítulo 2 – Criar infância criadora
 Capítulo 3 – Os espaços como lugares
 Capítulo 4 – A importância das vivências junto à natureza na educação infantil
 Capítulo 5 – Explorar e interagir com o mundo: os materiais na educação infantil
 Capítulo 6 – Desenhar - muito mais do uma experiência gráfica
 Informações técnicas
 
 APRESENTAÇÃO
 	Este livro se propõe a continuar a discussão já iniciada no título Infância e educação infantil, que buscou apresentar os conceitos de infância, criança e educação infantil à luz de debates contemporâneos sobre o tema.
 	Enquanto no livro anterior nos focamos especialmente nas questões relativas ao surgimento e invenção da infância na sociedade, às dimensões políticas que hoje estão atreladas às crianças e à construção da docência para esse grupo, neste livro, nos voltaremos ao campo da construção simbólica das crianças entre zero e seis anos. Buscaremos compreender e/ou explicitar ideias que compartilhamos sobre o importante tema das linguagens, questão balizadora para compreender a forma como crianças criam e interpretam sua relação no e com o mundo. Este tema se situa em um complexo campo que tensiona a compreensão entre as formas de linguagens verbais e as formas de linguagens não verbais.
 	Aqui, compreendemos as linguagens como plurais, são “cem linguagens”, como já entoou Loris Malaguzzi (1999) em seu poema que ganha esse mesmo nome. Posicionamo-nos na premissa de que as linguagens são formas que os humanos utilizam para interpelar o mundo, e tais formas ocorrem inseridas em uma imensidão de possibilidades, apoiadas muitas vezes por materiais e contextos que podem, ou não, ser ricos em sua relação com o mundo.
 	A partir dessa ideia, decidimos construir este livro estruturado na premissa pedagógica, e, portanto, praxiológica, de triangular argumentos teóricos, premissa essa que busca subsidiar exemplos ou indicações práticas para então provocar uma reflexão que envolva as crenças e valores dos indivíduos em relação aos temas levantados. Assim, a cada tópico que se escolheu, prosseguiremos com alguns exemplos ou indicações sobre possibilidades do que pode ser feito.
 	Inicialmente, trataremos do tema da infância e da criação, debatendo sobre alguns aspectos que nos parecem ser importantes durante esse momento inicial, em que falaremos sobre o devir da infância em uma dimensão criadora.
 	Nos capítulos seguintes, trataremos dos materiais e dos ambientes, ou lugares. Dois pontos chaves para a reflexão do processo expressivo e criador das crianças, pois sabemos que hoje já se considera que todas as crianças nascem pré-dispostas a tudo, ou, pelo menos, a muitas coisas. Serão os contextos – espaços, tempos e materiais – que proporcionarão que tais formas de estar no mundo sejam apropriadas pelas crianças.
 	Ao fim, desejamos que esta díade teoria-prática não abandone o terceiro vértice do triângulo, que é aquele que nos envolve no processo e nos convoca a transformar nossas atitudes, nossas crenças e nossos valores da educação.
 
 CAPÍTULO 1
 A CRIANÇA É FEITA DE CEM:1 AS LINGUAGENS EM MALAGUZZI
 	Paulo Sergio Fochi2
 	Este primeiro texto apresenta um dos autores que se ocupou do tema das linguagens nos últimos tempos e traz, como cenário reflexivo, a escola contemporânea e suas crianças em seus processos de elaboração e criação de conhecimento. Destaca, através do pedagogo Loris Malaguzzi, as “cem linguagens” que as crianças utilizam para simbolizar e comunicar-se com o seu contexto. Além disso, aborda ainda questões relativas à escuta e à imagem das crianças, tema que este autor se ocupou para criar o argumento das diversas linguagens.
 Um pouco da história de Loris Malaguzzi
 	Começamos falando sobre Malaguzzi, que, na região de Emilia Romagna, na Itália, difunde uma ideia revolucionária a cerda das crianças e da Pedagogia. Malaguzzi (1999a, p. 71) ensinou ao mundo que, para construir uma Pedagogia voltada à pequena infância, deve-se estar consciente de “que as coisas relativas às crianças e para as crianças somente são aprendidas através das próprias crianças”. O autor nunca se preocupou em dogmatizar os princípios pedagógicos que acreditava, pelo contrário, sua obra é como um quebra-cabeça, na qual os autores que o pedagogo estudava eram como peças que ele “encaixava e desencaixava [...] em diversas composições que ajustava e desajustava com relações e combinações inesperadas” (HOYUELOS, 2004a, p. 32).
 	Durante o fascismo não dispúnhamos de autores estrangeiros [...]. Depois viemos a conhecer Dewey, Washburne, Dalton, Kilpatrick e Perice, dos Estados Unidos, [...] e Susan Isaacs, da Inglaterra, Wallon e Freinet, da França [...]. Nos primeiros anos, a Montessori nos foi de grande ajuda como referencial cultural e histórico, nunca como modelo; ainda hoje mantemos uma atitude crítica em relação a ela [...] a abordagem dela é confortante, porém simplista [...][o que] pode ser perigoso [...]. Depois, Makarenko e Vygostsky, que ainda são muito importantes pra nós [...]. Piaget e os neopiagetianos [...]. A psicologia social, tanto americana como europeia, Erikson [...]. Depois David Hawkins, que é muito importante [...] e, naturalmente, a psicanálise, embora dela mantenhamos uma certa distância, com Freud, Jung, Melanie Klein [...]. Ultimamente, a teoria da complexidade, com Morin [...], Maturana e Varela, dois pesquisadores chilenos que se especializaram em Biologia na Universidade de Harward [...]. Depois Bronfebrenner, Bruner, sobretudo o último Bruner que está resgatando uma solidariedade mais explícita nos recursos das crianças [...] que fala em sinergia entre o lado direito e o lado esquerdo do cérebro. (MALAGUZZI apud RABITTI, 1999, p. 61-62)
 	Além da presença dos distintos nomes de pedagogos, psicólogos, filósofos, antropólogos e linguistas, Malaguzzi também trazia para compor seu quebra-cabeça artistas, poetas, arquitetos, designers e profissionais de tantas outras áreas que ele acreditava serem importantes para auxiliar a pensar sobre a criança. Conforme lembra Hoyuelos (2004a, p. 32), Malaguzzi “atualizava e metabolizava os autores em cada momento e fazia com eles uma operação de cuidado sacrilégio, sabendo que o único sagrado – para ele – era o respeito aos direitos das crianças”.
 	Nas quase cinco décadas do trabalho de Malaguzzi, ele sistematizou sua crença sobre as crianças e a Pedagogia por meio da documentação pedagógica das experiências de meninos e meninas em creches e escolas infantis. Malaguzzi (1992, p. 19 apud FARIA, 2007, p. 278) explica em uma entrevista dada ao jornalista Peter Ambeck-Madsen que:
 	Há séculos que as crianças esperam ter credibilidade. Credibilidade nos seus talentos nas suas sensibilidades, nas suas inteligências criativas, no desejo de entender o mundo. É necessário que se entenda que isso que elas querem é demonstrar aquilo que sabem fazer. A paixão pelo conhecimento é intrínseca a elas.
 	Através da documentação pedagógica, Malaguzzi tornou visível outra imagem de criança, diferente daquelas que até então eram encontradas nos livros de pedagogia e de psicologia. Assim, revelou uma criança capaz, portadora do inédito, “uma declaração contra a traição do potencial das crianças, e um alerta de que elas, antes de tudo, precisavam ser levadas a sério” (MALAGUZZI, 1999a, p. 67). Com seu poema, “As cem linguagens”, o pedagogo deu nome a uma exposição que girou o mundo, compartilhando documentações sobre as crianças de Reggio Emilia. Seu poema, além de reivindicar que as crianças são “feitas de cem”, alerta sobre o papel da escola e da sociedade.
 	Esse tema da documentação pedagógica surge para Malaguzzi (HOYUELOS, 2004b, 2006) no final da década de 1960, quando assessorava em Reggio Emilia e Modena. Obstinado pela ideia de tornar público o trabalho realizado nas escolas infantis, o autor solicitava aos professoresque incorporassem em sua prática o hábito da escrita, e que a partir desta refletissem sobre o trabalho pedagógico. Naquela época, Malaguzzi incentivava “os professores a ter um caderno de bolso para escrever as coisas importantes” (HOYUELOS, 2004b, p. 65), como falas das crianças, observações do cotidiano, hipóteses que as crianças lançavam sobre os temas de estudo, enfim, tudo aquilo que pudesse compor como elementos importantes a serem considerados na construção e na atualização dos projetos educativos das escolas, e o que pudessem acrescentar algo na intensa jornada do adulto em conhecer as crianças.
 	Além disso, o pedagogo italiano e os professores das escolas se instrumentalizavam com cadernos que chamavam de “diários” ou de “fatos e reflexões”.
 	Se trata de cadernos grandes, pautados ou quadriculados, escritos com certa elegância [...] na primeira página, se indica o nome da escola e o grupo, os nomes dos professores que os acompanham no ano escolar de referência; na segunda, registra o nome de todas as crianças, suas datas de nascimento e as respectivas datas de ingresso [...]. (BORGHI, 1998, p. 189 apud HOYUELOS, 2006, p. 195)
 	A organização dos registros exigida por Malaguzzi parece se compor como um dos elementos necessários para que a vida da escola não fosse perdida nem automatizada. Trata-se de um testemunho ético (MALAGUZZI, 2001), no qual se declara publicamente a importância da escola infantil para as crianças, para as famílias e para a comunidade, assim como visibilizava a valorização do trabalho que professores e professoras realizavam nos interiores das escolas. No entanto, isso só se tornaria possível se os professores se comprometessem ao hábito do registro diário.
 	Malaguzzi se preocupava pela ausência de uma cultura de registrar os percursos das crianças, ficava incomodado por a escola não “dar testemunho cultural ou pedagógico de sua profissão” (HOYUELOS, 2006, p. 194). Além disso, acreditava ser necessário investir em uma mudança em relação ao pensamento a cerca do trabalho dos professores e das escolas:
 	É mais fácil que um caracol deixe rastros do seu próprio caminho, de seu trabalho, que uma escola ou uma professora deixe rastro escrito de seu caminho, do seu trabalho. [...] Em alguns países ocidentais se considera uma interferência inoportuna ou lesiva aos direitos de alguém. Nós fazemos [a documentação] porque nos dá um conhecimento mais próximo e reflexivo de nosso próprio trabalho. (MALAGUZZI, 1989 apud HOYUELOS, 2006, p. 195).
 	A partir das anotações que as professoras realizavam, o pedagogo investia tempo, analisando o material e, em seguida, organizando encontros para debater publicamente sobre as anotações feitas. Malaguzzi pedia para que as professoras “não se centrassem em uma criança sem levar em conta o contexto em que está desenvolvendo suas atuações” (HOYUELOS, 2006, p. 196).
 	Isso nos leva a crer que as influências teóricas de Malaguzzi (1999a, 2001), como nesse caso, as de Vygotsky, impulsionavam sua argumentação e davam a ele subsídios para fazer da escola, do professor e das crianças sujeitos que tanto marcam quanto são marcados por uma cultura e por uma história.
 	Malaguzzi sempre se preocupou com uma criança “concreta”, que não seria possível de ser encaixada em quadros predeterminados. Conforme o pedagogo, “é importante [...] nos esforçarmos para encontrar as expressões certas para não encerrarmos as possibilidades da infância. [...] A criança sempre é um sujeito desconhecido e em contínua troca” (HOYUELOS, 2004a, p. 58).
 	Nesse sentido, é por isso que, ao ler e acompanhar as anotações que eram feitas pelas professoras sobre as crianças, Malaguzzi chamava atenção sobre a forma do exercício de observação e reflexão que o adulto deveria fazer sobre as crianças, o contexto e o conhecimento.
 	Desse modo, vieram a adotar uma perspectiva social construtora, na qual o conhecimento é visto como parte de um contexto dentro de um processo de produção de significados em encontros contínuos com os outros e com o mundo, e a criança e o educador são compreendidos como coconstrutores do conhecimento e da cultura (DAHLBERG; MOSS, 2012, p. 27-28)
 	A escrita das experiências das crianças sempre foi um aspecto importante na perspectiva malaguzziana. Narrar é uma forma de produzir conhecimento. Assim, “para Malaguzzi, é tão importante observar ou investigar sobre os processos de conhecimento da criança como, posteriormente, saber narrá-los” (HOYUELOS, 2006, p. 179). Através da narrativa é que se constrói sentido à criança, mas também, ao narrar, os professores “estarão contando suas próprias biografias profissionais e pessoais, nos confiam suas perspectivas, expectativas e impressões acerca do que consideram o papel da escola na sociedade contemporânea” (SUAREZ apud HOYUELOS, 2006, p. 183).
 	As dimensões narrativas postuladas por Malaguzzi, já no início do trabalho com as escolas infantis, apontam para um legado importante da Pedagogia, que é, até hoje, cultivado nos diversos lugares que se inspiram no pensamento desse pedagogo. Talvez por sua paixão pelo teatro, as narrativas produzidas pelo autor sejam histórias que nos levam a conhecer um universo profundo do conhecimento e das crianças, ou de como as crianças aprendem e se relacionam com o mundo. A poesia das palavras de Malaguzzi não perde força no rigor e no protesto ao respeito pelas crianças, e também não se distancia da dimensão prática do cotidiano da escola, nem da mais alta teoria já produzida. Ao contrário, com belas narrativas, o pedagogo consegue reivindicar uma escola de qualidade e torna visíveis as belezas que emergem no “mundo da vida cotidiana”3 (MELICH, 1996), ao mesmo tempo que protesta por condições melhores para os meninos, as meninas e os adultos que compartilham daquele lugar.
 	Se até aquele momento a escrita era a principal ferramenta para documentar pedagogicamente a vida da escola, mais adiante, na década de 1970, com a abertura da emblemática Escola Diana, Malaguzzi desafia a atelierista4 Vea Vecchi a construir painéis de documentação, explorando uma nova narrativa “que graças a profissionalidade de Vea, torna-se uma documentação de qualidade visual” (HOYUELOS, 2004b, p. 72). Em outras palavras, a partir disso, as educadoras descobrem a máquina fotográfica e, com ela, “uma forma de testemunhar e contar acontecimentos extraordinários” (HOYUELOS, 2006, p. 199). Também com apoio de Vea, nasce a exposição “Il piccione”,5 sendo esta a primeira vez que utilizam a fotografia como uma linguagem comunicativa.
 	Vea Vecchi, com sua sensibilidade e capacidade artística, consegue convencer Malaguzzi que, por meio da imagem, é possível narrar as histórias das crianças e dos adultos. Em seguida, o pedagogo italiano “começa a perceber que esses elementos podem ser usados para comunicar qualquer coisa a alguém que não esteja presente diretamente ao realizar a experiência” (HOYUELOS, 2004b, p. 72).
 	Esse fato tem uma importância muito grande não só pela forma como foi entendida a documentação pedagógica nas escolas infantis italianas, mas também por ter sido a maior fonte da produção de Loris Malaguzzi, e que depois deu origem às “narrações em imagem da revista Zerosei” (HOYUELOS, 2006, p. 201), esta também dirigida pelo pedagogo.
 	Como já foi registrado, Malaguzzi (HOYUELOS, 2006) ainda subverteu a forma da produção de conhecimento e fez da documentação pedagógica a sua maior produção de revisões teóricas aliadas à prática – in vivo.6 Essa relação entre os livros (a teoria) e a escola (a prática) se fundia nas produções que Malaguzzi, e seus companheiros de trabalho registravam-nas e tornavam-nas públicas como fonte de debate e de cultura pedagógica.
 	Esse é um elemento importante deste estudo, no qual se indica a eminência de pararmos para refletir a experiência educativa, da mesma forma como o fez Malaguzzi ao longo de seus anos de trabalho voltados à documentação pedagógica, na qual ele criou formas de interromper qualquer possibilidade do pensamento e do conhecimento ficarem paradosapenas em discursos e teorias. Ao contrário, o pedagogo preferiu percorrer caminhos difíceis e de incertezas, o que colocava ele e todos aqueles que com ele compartilhavam daquele projeto educativo em um pulsante movimento da vida, do conhecimento e da construção de ideias pedagógicas.
 	É por isso que o tema das linguagens, das cem, foi entoado por Malaguzzi. Por meio das documentações pedagógicas das experiências das crianças nas escolas, o pedagogo italiano compartilhava das inúmeras formas que aqueles meninos e meninas utilizavam para organizar, estruturar, empreender, produzir e experimentar o conhecimento. Desta forma, falar nas linguagens, em Malaguzzi, implica em uma mudança, tema sobre o qual nos debruçaremos neste texto.
 	Portanto, se as linguagens são expressas de “cem formas” (MALAGUZZI, 1999a), se elas estão no corpo inteiro, se somos constituídos por elas, e, portanto, não podemos viver fora delas, é interessante observar que a partir das linguagens interpelamos o mundo, nos constituímos e constituímos novas maneiras de conhecer e descobrir sobre os sentimentos, sobre as emoções e sobre a natureza humana (PARKER-REES, 2010).
 Da metáfora das cem linguagens, cem formas de pensar as experiências das crianças
 	Ao contrário, as cem existem / A criança / é feita de cem. / A criança tem / cem linguagens/ cem mãos / cem pensamentos / cem modos de pensar / de jogar e de falar /cem sempre cem / modos de escutar / as maravilhas de amar / cem alegrias / para cantar e compreender /cem mundos / para descobrir / cem mundos / para inventar / cem mundos / para sonhar. / A criança tem cem linguagens / (e depois cem cem cem) / mas roubaram-lhe noventa e nove. / A escola e a cultura / lhe separam a cabeça do corpo. / Dizem-lhe: / de pensar sem mãos / de fazer sem a cabeça / de escutar e de não falar / de compreender sem alegrias / de amar e maravilhar-se / só na Páscoa e no Natal. / Dizem-lhe: que descubra o mundo que já existe / e de cem roubam-lhe noventa e nove. / Dizem lhe: / que o jogo e o trabalho / a realidade e a fantasia / a ciência e a imaginação / o céu e a terra / a razão e o sonho / são coisas que não estão juntas. / E lhes dizem / que as cem não existem. / A criança diz: / ao contrário, as cem existem. (MALAGUZZI, 1999)
 	O pedagogo italiano Loris Malaguzzi organizou seu pensamento sobre as crianças, as infâncias, as linguagens e a pedagogia a partir de metáforas, pois ele sugere que o repertório pedagógico de sua época – iniciado na década de 1950 – não era suficiente para compreender e nomear as experiências vividas pelas crianças. Com seu poema, “As cem linguagens”, deu nome a uma exposição que girou o mundo, compartilhando documentações sobre as crianças de Reggio Emilia. Seu poema, além de reivindicar que as crianças são “feitas de cem”, alerta sobre o papel da escola e da sociedade.
 	De acordo com Hoyuelos7 (2006), Malaguzzi se utiliza da metáfora como narrativa para expor seu pensamento, “a metáfora como uma transgressão linguística e simbólica que permite estabelecer uma nova interpretação” (HOYUELOS, 2006, p. 174), criando uma nova realidade e estabelecendo novas relações com a mesma.
 	Loris “[...] supõe poder expressar em termos concretos sua forma de ver o mundo infantil. As metáforas enchem esse oco que a linguagem normal deixa e se faz incapaz de alcançar com expressões habituais” (HOYUELOS, 2006, p. 174), e é por isso que Malaguzzi buscou falar da infância de outro modo. Assim, para o pedagogo italiano, o tema das linguagens tornou-se o grande desafio da escola da infância, já que para o autor as crianças aprendem e relacionam-se com o mundo por meio de diferentes formas utilizadas para simbolizar. Elas utilizam cem formas de se comunicar com o mundo (MALAGUZZI, 1999, p. 322).
 	[...] cem sinais potentes e vitais que as crianças da escola infantil enviam ao mundo dos adultos, para que esse mundo aprenda a não corrompê-los, aprenda a entender quais são os códigos de suas próprias linguagens, que convergem em uma paixão muito forte de viver e de conhecer.
 	Malaguzzi destaca a necessidade de não reduzirmos os conceitos e as possibilidades da infância. Por isso ele fala das cem linguagens, exaltando a complexidade do que é ser criança, já que elas estão imersas em um universo de descoberta, de espanto, de curiosidade, de fantasia, enfim, de relações e experiência com a vida. Desta forma, é importante estar ciente de que jamais será possível traduzir totalmente as experiências das crianças, uma vez que os modos de ser criança são mutáveis e que elas são sujeitos em transformação, e, portanto, desconhecidos. A criança é “[...] inteligente, exigente, tenaz, persistente, inconformista, perturbadora da ordem estabelecida e revolucionária” (HOYUELLOS, 2006, p. 324).
 	Para este autor, o tema das linguagens vincula-se ao desejo e curiosidade da criança em interpelar o mundo, em agir, características que a acompanham desde o seu nascimento, Assim, podemos compreender que as linguagens das crianças configuram-se de um modo de ação no mundo que ocorre de diversas formas, corrompendo a ideia de que somente a partir do momento da aquisição da fala é que se começa a comunicar-se. Seria o “linguagear” que Maturana e Varela (2001) afirmam e Dahlberg e Moss (2012) destacam: “da linguagem como abstrato, um nome, para a linguagem como um ato, um verbo” (p. 38).
 	É neste aspecto que reside um dos principais elementos na obra malaguzziana, pois o autor convoca a refletir que, mesmo não falando, as crianças dizem, convocam, anunciam.
 	A espécie humana pode expressar-se em uma variedade de linguagens. Todas as línguas são construídas em posição de reciprocidade e se desenvolvem através da experiência. Todas as línguas têm o poder de criar outras línguas, nova lógica e potencial criativo. São as linguagens das milhares de representações que as crianças devem questionar como uma extensão do próprio eu. (HOYUELLOS, 2004, p. 123)
 	Nesse sentido, Malaguzzi auxilia a refletir as pedagogias, especialmente as referentes a crianças pequenas, destacando que a linguagem se traduz na forma como cada ser humano busca relacionar-se com o mundo, ou seja, que a dimensão cultural na qual cada sujeito está inserido traduz-se em formas de linguagens expressas através de diferentes formas e materialidades. Isto posto, a pintura, a modelagem, a palavra escrita e falada, a composição com diferentes materiais, assim como os gestos, a força do olhar e os balbucios dos bebês, configuram-se uma complexa antologia da linguagem que estão, como o próprio pedagogo italiano considera, “a espera de ser expressadas através de uma intervenção coerente que possa solicitar a atividade das mãos, dos cérebro, da surpresa, do interesse, da atenção, da concentração da criança” (HOYUELOS, 2006, p. 141).
 	Essa antologia da linguagem, em outras palavras, torna-se uma coleção de formas de se expressar, traduzidas muitas vezes nos materiais e ambientes criados para as crianças, já que as “linguagens devem compor o conhecimento da história de todas as crianças, sem que ninguém possa tolher a oportunidade de construir uma experiência pessoal e coletiva” (PLANILO, 2004, p. 96).
 	Malaguzzi fala sobre a antologia da linguagem: a linguagem gráfica da argila, da pintura, do desenho e da colagem, a linguagem verbal de vozes e silêncios, a linguagem matemática de classificação, a linguagem musical de ruídos, ritmos e sons, a linguagem científica e da observação, da análise e de relações, e a fantástica linguagem da invenção lúdica. (PLANILO, 2004, p. 96)
 	A antologia prenunciada por Malaguzzi possibilita compreender que dentro de uma linguagem residem outras; que a experiência possibilita conhecer e descobrir novas linguagens, em outras palavras, a linguagem da palavra deriva, também, da linguagem da não palavra – a não palavra tem, dentro de si, muitas palavras, sensações e pensamentos, muitos desejos e meios para conhecer, comunicar e expressar (HOYUELLOS, 2006). Não há hierarquia entre uma linguagem e outra, tampouco devemos supervalorizaresta ou aquela, “todas as expressões se constroem em reciprocidade, e possibilitam gerar outras linguagens que nascem e se desenvolvem na experiência” (HOYUELOS, 2006. p. 148).
 	Nesse sentido, é necessário destacar a ideia que Malaguzzi postula sobre as possibilidades da criança construir teorias provisórias sobre o patrimônio de conhecimento que a humanidade produziu nas experiências das cem linguagens, fruto de uma forma particular de estabelecer-se e expressar-se por meio das distintas linguagens, promovendo constantemente conhecimento e, também, ressignificando as experiências. Ademais, é importante evidenciar que, para o autor italiano, as linguagens são construídas social e culturalmente, estruturadas por signos e, por tais razões, em constante modificação, ou seja, a natureza da constituição das linguagens são intrinsecamente humanas. Por isso, para Loris, “[...] o significado linguístico das palavras vem condicionado pelas experiências extra-linguísticas” (HOYUELOS, 2006, p. 153).
 	Em outras palavras,
 	[...] diz Malaguzzi, a linguagem da garatuja, deve ser apreciada porque é já uma linguagem: são palavras e frases que a criança pronuncia – precocemente – sobre um papel. Desta maneira, para Loris, a eleição das palavras das crianças, das frases, a capacidade de ordem gramatical dependem, em grande parte, de um processo de potencialidades linguísticas, mas também das experiências de caráter geral que a criança vive. (HOYUELLOS, 2006, p. 153)
 	Convém dizer que a partir da pedagogia malaguzziana, escutar a criança é uma forma ética de estar e de relacionar-se com ela. A escuta, também enquanto metáfora, é a forma como – simbólica e eticamente – tornamos visível as cem linguagens. Para Malaguzzi, esta escuta é uma possibilidade dos adultos perceberem e tornarem-se conscientes das tantas riquezas e potencialidades das crianças. A escuta é o pano de fundo das relações, pois diz respeito à forma como buscamos nos comunicar e nos relacionar com os outros. É, portanto, “a estratégia ética para dar voz às crianças e à infância” (HOYUELOS, 2006 p. 197).
 	Loris nos provoca a pensar a escuta numa perspectiva que deixa de considerar as coisas como naturais e óbvias, abrindo portas ao inesperado, que neste caso ocupa um espaço importante, e convoca o resgate da evidência trivial e extraordinária que há nas palavras, nos gestos, nos desenhos e nos olhares de cada criança (HOYUELOS, 2006). Novamente, Loris chama atenção para a profundidade dos acontecimentos e destaca o quanto importante é “desconfiar do evidente” para encontrar os significados mais complexos e sensíveis daquilo que nos parece banal.
 	As cem linguagens das crianças ganharão força se aprendermos a escutá-las, pois
 	[...] se não aprendermos a escutar as crianças, será difícil aprender a arte de estar e conversar com elas (de conversar em um sentido físico, formal, ético e simbólico). Será também difícil, acaso impossível, compreender como e porque pensam e falam as crianças; compreender o que fazem, pedem, planejam, teorizam ou desejam; compreender qual mensagem preferem, quais procedimentos exploram ou elegem para influenciar seu entorno ou obter conhecimento. (HOYUELOS, 2006, p. 131).
 Articulando com a prática
 	Não existem crianças idênticas, não existe desenvolvimento uniforme e regular. A aprendizagem é um fator complexo, que depende de diversas relações. A troca entre os pares, os semelhantes e os diferentes enriquece o grupo e o sujeito. Crianças podem formar grupos para atividades em comum ou que contenham problemas correlatos, mas os grupos se organizarão em diferentes combinações à medida que as atividades mudarem. Crianças podem agir individualmente, aprendendo a se desenvolver de forma autônoma, sem perder de vista a relação com o grupo. Logo, tentar entender as crianças com as quais lidamos é fundamental para uma prática pedagógica significativa. Nada substitui a percepção sensível às necessidades, aos desejos e às expectativas delas em torno das propostas.
 	É fundamental saber olhar, ouvir, acompanhar o caminho que elas percorrem. Tentar apreciar as aquisições individuais das crianças, assim como seus processos de descoberta e de desenvolvimento, é uma atitude que demonstra que o educador as conhece e as respeita; dar visibilidade à suas descobertas amplia o repertório e as leva a novas perguntas ou percursos.
 	Além de “escutar” todas as linguagens das crianças, o educador precisa estar preparado para potencializar essas linguagens. Isso só será possível se ele possuir sensibilidade estética, ou se tiver experiências que o afetem, que o movam em direção à novidade da infância, à capacidade de se deparar com o inusitado. Mas também requer um conhecimento da arte e das inúmeras linguagens por ela utilizadas.
 REFERÊNCIAS
 	BÁRCENA, Fernando; MÈLICH, Joan-Carles. La educación como acontecimiento ético: natalidade, narración y hospitalidad. Barcelona: Paidós, 2000.
 	BRUNER, Jerome. El habla del niño. Barcelona: Paidós, 1995.
 	______. La educación, puerta de la cultura. Madrid: Aprendizaje Visor, 1997.
 	______. Savoir faire, savoir dire. Paris: Presses Universitaries de France, 1983.
 	DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter. Introdução. In: RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2012.
 	______; ______; PENCE, Alan. Qualidade na Educação da Primeira Infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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 __________ 	1 Trecho da poesia de Loris Malaguzzi “As cem linguagens”, cujo título também foi utilizado em uma das suas exposições de documentações pedagógicas das experiências das crianças.
 	2 Paulo Sergio Fochi. Mestre em Educação pela UFRGS. Especialista em Educação Infantil pela UNISINOS e especialista em Gestão e Organização de Escola pela Unopar. Licenciado em Pedagogia pela Unopar. Atua como coordenador pedagógico em escola privada de Porto Alegre e como professor convidado da UNISINOS, onde coordenar o curso de especialização em Educação Infantil.
 	3 Mélich (1996, p. 38) irá registrar que “o mundo da vida cotidiana é intersubjetivo; não só está habitado por objetos, por coisas, como também por semelhantes com quem estabeleço ações e relações”.
 	4 A terminologia atelierista é utilizada em Reggio Emilia e em outras cidades que utilizam a abordagem de Malaguzzi para nomear os profissionais, geralmente com formação em artes visuais, que “trabalham com os professores nas escolas municipais de Reggio, normalmente num ateliê (oficina) [...], onde apoiam e ajudam a desenvolver as linguagens visuais de adultos e crianças, como parte de um complexo processo de construção do conhecimento” (RINALDI, 2012, p. 12). Também é importante registrar que não se trata de um professor de artes que fará aulas sobre o assunto, mas sim de outro profissional que atua junto ao professor das turmas nos projetos e trabalhos das crianças. O atelierista também é responsável por realizar os registros das experiências das crianças e documentá-las através dos painéis, folhetos, folders, ou seja, também atua na documentação pedagógica.
 	5 II piccione”, o pombo, é o nome da primeira exposição documental fotográfica realizada por Malaguzzi, Vea Vechi e as educadoras da escola Diana. A exposição é sobre uma pesquisa de observação de pombos de verdade (HOYUELOS, 2004b).
 	6 Além das narrações em imagens feitas por Malaguzzi na revista Zerosei, alguns importantes projetos foram publicados e podem ser vistos, como Tutto há um’ombra meno le formiche, 1995; Scarpa e metro, 1997, e da exposição I centro linguaggi dei bambini, que percorreu diversos países e também foi publicada em um catálogo.
 	7 Alfredo Hoyuelos foi quem sistematizou a obra de Loris Malaguzzi. Durante anos, Hoyuelos trabalhou e conviveu com Malaguzzi e, como tema de sua tese de doutorado, Hoyuelos defendeu sobre a complexidade da pedagogia do pedagogo italiano. Em função da pouca produção escrita de Malaguzzi, muitas das citações utilizadas são extraídas a partir dos livros de Hoyuelos, resultado de sua tese.
 
 CAPÍTULO 2
 CRIAR INFÂNCIA CRIADORA
 	Marita Martins Redin8
 	Paulo Sergio Fochi
 	Pensar o tema da criação na infância é o foco central deste texto. Busca-se aqui, por meio da reflexão sobre o que significa pensar a infância criadora, articular a ação pedagógica na educação infantil, sublinhando os aspectos produtivos que uma pedagogia preocupada com o protagonismo das crianças nas suas experiências educativas pode oferecer para gerar um espaço criativo e rico de possibilidades de elaboração de formas com as quais as crianças possam conhecer e apreender o mundo.
 	Fonte: dos autores.9
 	Todas as crianças nascem em uma cultura, ou seja, o seu entorno social é marcado pelo tempo e pelo espaço que ocupam, assim como o são as formas como as crianças exploram, como se relacionam e como atribuem significados ao mundo. Essas relações e acontecimentos atualmente saíram do âmbito familiar e se estenderam para outros espaços: as ruas, as cidades com todas as suas características de progresso, bem como de perigo, de violência, de apelo ao consumo. As cidades, sem sombra de dúvidas, não foram feitas pensando nas crianças, dizia Tonucci (2005). Também a escola, em especial a de educação infantil, tornou-se um novo lugarde convívio e compartilhamento de experiências das crianças. No entanto, na mesma medida em que as crianças partem para o convívio fora da família mais cedo, também parece que o entendimento sobre esse processo de socialização vai se distorcendo. Nota-se a falta de contato com a natureza. As experiências nas casas, nos quintais e nas praças, nas brincadeiras de rua, são cada vez mais substituídas por um sistema de escolarização que instaura novas maneiras de relações entre as crianças e a cultura.
 	Por isso, essa experiência de socialização é algo que vem tomando um lugar especial nas pesquisas e estudos sobre as crianças. O fato de cada vez mais cedo as crianças ampliarem seu grupo social e cultural, saindo do âmbito do lar e da família para experienciar novos lugares, como por exemplo o coletivo da escola, que assume a educação e o cuidado das crianças em tempos cada vez mais prolongados, traz importantes questões a serem elaboradas e refletidas na construção das pedagogias para a infância.
 	Qual o papel desse tempo-lugar na vida das crianças contemporâneas? Como a escola compreende, disponibiliza, prepara esse tempo-lugar para dar conta de garantir a experiência de viver a infância? O que proporciona tais experiências para as crianças?
 	Para nos ajudar a pensar sobre esse campo de reflexões, Morin (2000, p. 25), alerta que é preciso aprender e ensinar a “estar aqui”, “aprender a viver, dividir, comunicar, comungar” o que se aprende por meio de “culturas singulares”. A escola primeira precisa se constituir num tempo-lugar para aprender a vida na sua diversidade e complexidade. Essa compreensão pode ser alimentada desde cedo, quando ainda é possível depararmo-nos com a novidade da infância, que inclui, além da riqueza de um período de profusão de descobertas e criação, a compreensão das crianças como atores sociais que experienciam a complexidade da vida.
 	Vivemos num mundo complexo, repleto de incertezas e dúvidas, que faz parte de um mesmo sistema em que não se é mais possível separar “sujeito de objeto, alma de corpo, espírito de matéria, qualidade de quantidade, finalidade de causalidade, sentimento de razão, liberdade de determinismo, existência de essência”, como aponta Morin (1995, p. 26). Somos um todo indivisível. Tal aspecto também complexifica as dimensões que organizaram a escola na sua tradição, até mesmo quanto a educação infantil, etapa tão recente na educação básica.
 	A premissa de compreender o sujeito como um todo abre portas para novas formas de organizar os processos de construção de conhecimento, assim como convoca outras maneiras de valorar e compartilhar tais construções.
 	Pouco conhecemos de nós mesmos e do universo que nos cerca, mas precisamos reconhecer nossa condição ao mesmo tempo cósmica e terrestre e saber que “como seres vivos deste planeta, dependemos vitalmente da biosfera terrestre” (MORIN, 1995, p. 50). Embora sejamos seres biológicos, “da natureza”, nossa condição humana, segundo o filósofo Edgar Morin (1995), é gerada e alimentada na cultura, na nossa consciência. Assim, ao mesmo tempo em que nos originamos do cosmos, da natureza, da vida, podemos nos afastar dela nos tornando estranhos ao que deveria ser naturalmente próximo.
 	Não podemos mais ignorar que existe uma complexidade humana que não pode ser dissociada da sociedade. Por essa razão, ambos, indivíduo e sociedade, deveriam caminhar em direção à vida, em direção ao cuidado, preservação e felicidade da espécie. A cultura, como tudo o que nos rodeia, tem um papel fundamental enquanto instrumento de conhecimento de si, conhecimento da vida, das realizações humanas, assim como é também uma possibilidade de criação. Cultura entendida como “culturas”, nas singularidades e pluralidades do desenvolvimento de saberes, crenças, ideias, formas de ser, normas, rituais que a alimentam dinamicamente e que fazem com que o mundo seja representado e recriado simbolicamente. Assim podemos dizer que temos uma responsabilidade em relação à vida, ao conhecimento, e à criação.
 	As cores, os materiais, as texturas, os sons, os movimentos que compõem os cenários da infância contemporânea estão cada vez mais distantes das possibilidades de experiência e invenção. As brincadeiras nos quintais e nas ruas estão sendo substituídas por uma variedade de brinquedos eletrônicos e tecnológicos que descortinam novas maneiras de se relacionar com a cultura. A era tecnológica instaura novas formas de brinquedos e de brincadeiras, que são muito diferentes das históricas brincadeiras de rua ou de fundo de quintal. O contato com a matéria, a descoberta e exploração do meio ambiente, o conhecimento do lugar onde se vive é essencial para a formação de um sujeito consciente de si e do mundo. A relação com a natureza passa pela cultura e a escola pode ser um tempo e um espaço de descobertas vitais e de criação. Nem sempre encontramos escolas em que os pátios possuam gramados, areia ou terra, pois estes estão constantemente relacionados à sujeira. Quanto às árvores, quando existem, são um tanto temidas devido ao risco que podem oferecer às crianças que nelas se aventurarem a subir.
 	Conforme Holm (2004, p. 83), “se dermos às crianças a mesma liberdade para o processo artístico que lhes damos para suas brincadeiras, as crianças chegarão à excelência no aprimoramento do processo criativo”. Além disso, acreditamos que as crianças terão oportunidades singulares para experimentar seus processos de pesquisa e exploração sobre algo que seja do seu interesse.
 	Na oportunidade de criação, que é diferente da condução de um trabalho único, apenas diretivo e técnico, as crianças têm oportunidades de empreender seus saberes nos seus projetos pessoais, ou até mesmo, nos projetos coletivos. Tais experiências abrem um universo de opções para que transformem um mesmo objeto em tantos outros, ou, uma mesma situação em inúmeras. Essa é a premissa de tornar-se criativo. A criatividade não é um dom agraciado a poucos, mas sim a forma de pensar daqueles que, ao longo de sua vida, têm oportunidades diferenciadas, com linguagens diferentes, em espaços e tempos diferenciados que os convidam, permanentemente, a encontrar formas de organizar e criar maneiras de estar no mundo.
 	Nessa conjuntura, “entender o mundo supõe que o conhecimento se recria no próprio ato, não é pré-dado. [...] Que os fenômenos estão entrelaçados na incerteza, na dúvida, como uma rede de acontecimentos descontínuos” (CABANELLAS; HOYUELOS, 1998, p. 69-70), especialmente porque a teoria da complexidade se coloca como um paradigma que não se considera chave única para dar conta do todo, já que, segundo a própria teoria, isso seria impossível. A complexidade é algo que, por definição, é indefinível (MORIN, 1994).
 	Desta forma, o processo de trabalho é um dos fatores que ganha mais valor no cotidiano da escola infantil. As escolhas que as crianças fazem, como as empreendem e quanto tempo utilizam são algumas das pautas de interesse para o adulto acompanhar em seu trabalho. Nesse mesmo sentido, também se descobrem formas de dar continuidade ao trabalho, de retroalimentar a continuidade dos percursos.
 	Muito frequentemente, escolhemos técnicas de desenho/pintura/modelagem para elas. Mas, pela minha vivência, quando as crianças têm a oportunidade de escolher materiais diferentes, elas o fazem. Elas encontram o que é mais adequado para elas. Fazem, produzem imagens, pintando e montando instalações a partir de materiais que os adultos nem sonhariam em juntar. De repente, fantásticos espaços e trabalhos vão surgindo. As crianças têm um gosto abrangente e magnífico. (HOLM, 2004, p. 86).
 	Com isso, o processo criativo das crianças na escola parece ganhar um outro sentido, diferente das premissas reprodutoras e empobrecidas que, geralmente, são sujeitas às crianças. Criar, inventar, imaginar e brincar tornam-se verbos de um mesmo eixo. Ações que podem figurar a existência das crianças na vida coletiva e, sem dúvidas, transformar sua relação com o mundo.
 Articulando com a prática
 	Existe um temponecessário para a criação. A realização de um “projeto” ou a solução de um problema não podem estar restritas a determinado dia da semana. Problemas e ideias não devem ser ignorados e não podem ser desencorajados. Descoberta e curiosidade são características dos processos humanos, principalmente nos primeiros anos de vida, e devem acontecer o tempo todo. Entendemos, nesse sentido, que o conhecimento é um todo indivisível e que as experiências significativas favorecem o desenvolvimento das múltiplas dimensões humanas. Torna-se um desafio para o educador descobrir que propostas conquistam as crianças, suscitando nelas interesse e alegria, empenho e curiosidade, envolvendo todas as linguagens que favoreçam o pensar, o agir, o sentir, o imaginar.
 	Entender o dinamismo do conhecimento significa também tomar consciência da própria prática pedagógica. Distinguir o que é preciso ensinar daquilo que as crianças podem descobrir sozinhas é uma grande habilidade.
 	A educação é um processo contínuo de vida, e, muitas vezes, a condição de não saber pode ser uma base de estímulo para a ação criativa. Aceitar o fato de que as crianças podem criar coisas que os adultos desejariam ter criado ou esperar ver algo que não se tinha visto antes pode ajudar a fortalecer a crença no protagonismo infantil. O pensamento linear e os objetivos racionais limitados da nossa civilização, baseada na autoridade e somente na autoria do adulto, levaram-nos a desconsiderar os aspectos intuitivos das crianças. Não se podem criar mais fronteiras artificiais entre as áreas, os níveis, as etapas, as idades, como nos mostrou por muito tempo a cultura escolar. A sensibilidade não está dividida em caixas separadas no nosso ser, assim como nosso ser é indivisível. A interdependência dos conhecimentos é fundamental para a compreensão da vida.
 	Podemos nos aproximar do mesmo objeto, da mesma idéia, por meio de mais de um foco, fazendo uma abordagem sobre o conhecimento de diferentes direções. Aprendemos a acreditar, ao longo de nosso processo de escolarização, que a ciência tende a lidar com o conhecimento racional e que a arte tende a lidar com a compreensão intuitiva. Porém, atualmente não se pode ter isso como verdadeiro, já que não existem fronteiras demarcadas. Mesmo mantendo um campo de conhecimento específico, as diversas áreas entrecruzam-se e formam redes, tramas, que interferem umas nas outras. Quanto menos demarcações houverem entre as linguagens, mais possibilidades haverá de novas descobertas. Assim, estará aberto o caminho para a criação. As crianças não podem ser tratadas com homogeneidade, se acreditarmos que a descoberta e a expressão tendem a ser genuínas.
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 __________ 	8 Marita Martins Redin. Doutora e mestre em Educação pela UNISINOS. Especialista em Educação Pré-escolar pela Universidade de Sergipe. Licenciada em Pedagogia pela UNIJUÍ. Atua como coordenadora do curso de especialização em Educação Infantil e como professora na UNISINOS. 
 	9 Esta imagem e todas as demais em que não houver especificações de fonte são dos acervos dos autores desta obra.
 
 CAPÍTULO 3
 OS ESPAÇOS COMO LUGARES
 	Marita Martins Redin
 	Este texto apresenta a importância de se pensar a escola de educação infantil como um lugar/ambiente propício para viver a infância com toda intensidade. Discute-se a diferença entre espaço, lugar e ambiente, buscando o entendimento do lugar como um espaço habitado, rico em possibilidades, escolhas e oportunidades de ações criativas ou de experiências significativas. Contempla-se algumas sugestões de como e porque precisamos planejar esses espaços de infância, argumentando sobre a importância dos mesmos para as descobertas infantis. Finalmente, faz-se uma articulação com as práticas pedagógicas indicando algumas alternativas para qualificar os lugares/ambientes da escola infantil.
 	
Aromas, cores, sons, os objetos no espaço, envoltos em fantasia, fazem parte de marcas que ajudam a nos constituir. Um quarto escuro da casa, um certo degrau da escada, um muro, uma ponte, uma árvore, uma rua, ou até mesmo a escuridão do céu ou uma noite estrelada, as cabaninhas embaixo da mesa, os esconderijos sob a cama, o lugar secreto dentro do guarda roupa, o aconchego sob as cobertas ou as casinhas encima das árvores são algumas das imagens que ressurgem nas memórias das nossas infâncias. Temos sempre um quintal, um sótão, uma viagem; lugares para contar histórias. Muitas vezes são lugares amplos, grandes, imensos recordados pelos nossos olhos de criança; outras vezes, são pequenos detalhes, como uma gaveta especial, um cantinho de um cômodo, uma caixa de lápis de cor. A criança vive o espaço com o corpo todo. Entra e sai várias vezes do mesmo lugar. Quer se esconder e ter a surpresa de ser descoberta.
 	Os lugares só podem ser revisitados se tiverem memórias, e as memórias só existem se os lugares e os acontecimentos tiveram importância na nossa vida.
 	Questões relativas a espaço, lugar e ambiente são atravessadas por construtos sociais e culturais, marcados portanto por elementos simbólicos, ou seja, por atribuições de sentidos humanos. Quando pensamos em ambiente, tanto podemos pensar nos aspectos físicos de um espaço, como as cores, as formas, os objetos, os materiais, as dimensões, quanto podemos pensar nos humanos, nos sujeitos que ali estão, que compõem e produzem aquele cenário, mesmo que durante determinado tempo. Lopes (2007, p. 52), valendo-se de Tuan (1983), concorda que um espaço abstrato “transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor”.
 	O que dá sentido a um espaço como lugar, além dos elementos sensoriais como cheiros, cores e sons, por exemplo, são as memórias. Estas permitem dizer que aquele espaço é atravessado por vários tempos que podem ser narrados (e amarrados) por imagens, sensações ou até mesmo enredos.
 	A escola, como um dos primeiros lugares de convivência coletiva é, atualmente, um dos espaços onde a criança passa maior tempo do dia. Portanto, deve ser o lugar privilegiado para interações felizes, no qual experiências e descobertas interessantes e intensas possam acontecer e gerar memórias significativas.
 	Existe uma diferença entre espaço e lugar/ambiente. Os espaços são de natureza indiferenciada, e para se constituírem em lugares precisam ser habitados pelo humano, precisam ser humanizados. É o que chamamos de ambientes. Os ambientes denotam uma concepção de infância, de criança e de educação. Na educação infantil, os espaços precisam ser muito mais do que somente de cuidado; precisam se constituir em ambientes especiais de educação dos sentidos, ambientes de sensibilidade, de aconchego e de respeito às necessidades da criança, que a partir disso poderá ampliar suas experiências, descobertas e relações. Assim, arquitetura e proposta pedagógica precisam estar em comunhão. Nem sempre aspectos técnicos, materiais de construção, são os mais indicados para as ações criativas das crianças. Se fizermos um passeio pelas cidades, podemos perceber que estas não são projetadas para as crianças e sim para o progresso. Os espaços urbanos dão mais prioridade às construções e empreendimentos imobiliários do que a áreas públicas e ambientes para brincar livremente. As crianças estão perdendo o contato com a natureza. Assim, a escola precisa preservar uma área, até com uma topologia irregular, que se assemelhe aos antigos quintais. Manoel de Barros (2003, p.9), em seus poemasinventados, tem nas memórias de infância as marcas com as coisas simples e diretas da terra, da vida. Ele diz:
 	Entendo bem o sotaque das águas.
 Dou respeito às coisas desimportantes
 e aos seres desimportantes.
 Prezo insetos mais que aviões.
 Prezo a velocidade
 das tartarugas mais que a dos mísseis.
 Tenho em mim esse atraso de nascença.
 Eu fui aparelhado
 para gostar de passarinhos.
 Tenho abundância de ser feliz por isso.
 Meu quintal é maior do que o mundo.
 	As escolas, ao invés de ampliar, tendem a restringir os espaços externos, com a finalidade de conter as crianças e de mantê-las limpas; preferem pavimentar ou calçar os pátios para impedir que haja sujeira e, por motivos de segurança, evitar muitas vezes que haja árvores. A terra, a água, o mato, os passeios exploratórios acabam se resumindo a representações ou imagens e afastam as crianças de um universo de possibilidades que um quintal poderia oferecer.
 	Um espaço, tanto interno quanto externo, para se transformar em ambiente, precisa ser planejado. O planejamento dos espaços e dos materiais depende do projeto pedagógico da escola e dos princípios que ele defende, ou seja, para haver um bom planejamento é preciso que a escola possua uma imagem de criança rica, ativa e curiosa, e que possua também a concepção de infância como uma época de relações ricas e de descobertas intensas. É igualmente necessário compreender a educação infantil como possibilidade de intensificar essas experiências de maneira respeitosa e responsável, com conhecimento e afetividade.
 	O planejamento dos espaços, para que se transformem em lugares de descoberta e criação, necessita de intencionalidade. Os ambientes para serem educativos devem ser organizados de acordo com as necessidades das crianças, que contemplam atividades como manusear, olhar, tocar, sentir, explorar, construir, representar, imaginar, movimentar e movimentar-se, aconchegar-se, interagir etc. Para tanto, os espaços, os móveis, os materiais e as propostas de brinquedo devem ser pensadas para favorecer o desenvolvimento das diferentes linguagens, das interações e das brincadeiras, experiências necessárias às aprendizagens infantis. Mobiliários e materiais devem ter características de flexibilidade que possam, por meio da projetualidade consciente do adulto, adaptar suas características ao ritmo e ao desenvolvimento das crianças.
 	Acima de tudo, um espaço para a infância deve contemplar os princípios de segurança, higiene, iluminação adequada, organização, conforto e aconchego. Mas muito mais do que isso, deve oferecer experiências significativas.
 Articulando com a prática
 	Os lugares devem ser planejados para atender as necessidades das crianças, ou seja, suprir sua curiosidade, que se manifesta em todos os sentidos e movimentos em diferentes idades.
 	As crianças pequenas, especialmente os bebês, precisam sentir-se acolhidas e satisfeitas em suas necessidades de afeto e dependência, pois só assim poderão voltar-se à descoberta do mundo e das relações através do corpo, dos sentidos e dos movimentos. 
 	Necessitam de ambiente seguro, previsível, aconchegante e pouco barulhento.
 	Dos três meses a um ano de idade, as crianças apresentam heterogeneidade de desenvolvimento motor: alguns já sentam, outros iniciam apenas a ficar de bruços, alguns acabaram de conquistar a posição ereta, outros engatinham, dão os primeiros passos ou já caminham.
 	Um canto fofo com amplo tapete e almofadas de vários tamanhos e formatos, recipientes com brinquedos macios e maleáveis, brinquedos sonoros, primeiros livros, espelho grande na parede, corrimão para se agarrar e retornar à posição ereta. Portanto, sugere-se organizar o espaço em diferentes ambientes.
 	Área mais livre, sem móveis, para deslocamentos (engatinhar, andar).
 	Área para descobertas, com móvel multiuso com túnel, prateleira de diversas alturas onde são colocados vários brinquedos sensoriais (objetos para manipular) e espaciais (móveis ou objetos para entrar e sair). Brinquedos para empurrar, arrastar, subir, descer, encher, esvaziar.
 	Área para higiene e trocas.
 	Área para repouso, de preferência em outro ambiente.
 	Sala ou ambiente para refeições com cadeiras específicas para alimentar os bebês, ou com mesas e cadeiras que permitam aos educadores sentar-se à mesa com as crianças.
 	Entre um e dois anos, as crianças apresentam maior competência motora, mas momentos evolutivos diversos: algumas crianças ainda não caminham, outras já correm com certa segurança. Nessa idade aumenta o desejo de descoberta e de curiosidade em relação aos outros, o que torna mais frequentes as experiências de brincadeiras compartilhadas.
 	A abertura do espaço deve valorizar o deslocamento e estimular a autonomia também no movimento, favorecendo o encontro e a relação entre as crianças enquanto reforça o sentido de identidade. Há necessidade de variedade de objetos para a criança descobrir suas características e possibilidades, bem como ambientes que contemplem atividades que envolvam histórias, canções, brincadeiras, jogos simbólicos etc.
 	De dois a três anos, a criança tem autonomia motora e sua linguagem funciona como um canal de comunicação privilegiado. Aumentam a curiosidade e o desejo de conhecimento, bem como a necessidade de movimentação e de exploração de outros espaços. Algumas atitudes necessárias ao educador são favorecer o desenvolvimento da linguagem, incentivar a utilização autônoma dos brinquedos exploratórios (blocos, cones, tubos, areia, água) e privilegiar a brincadeira simbólica. As experiências de motricidade fina e de grande movimento se aprimoram. A brincadeira individual e a cooperativa, em pequeno e grande grupo, ajudam na aquisição das primeiras regras sociais. As crianças testam seus limites corporais, correm, pulam, querem explorar o espaço mais intensamente. Ter um ambiente específico com desafios permite às crianças experimentarem a brincadeira mais agitada, sendo preferencialmente acompanhadas por adultos. A manipulação com massas, argilas e tintas, o contato com diferentes materiais (todos os tipos e tamanhos de papéis, tecidos, corantes), utilização de espaços amplos para exploração dos grafismos (calçadas, painéis, grandes áreas) são todas atividades importantes para a descoberta plástica, visual e cinestésica.
 	No espaço reservado a crianças dessa idade, podem constar: área com móvel baixo que possua prateleiras à altura das crianças, onde devem ser colocados de modo organizado recipientes com diversos materiais para brincar (lego, jogos de montar, blocos de construção de madeira, animais, carrinhos). As crianças são encorajadas a pegar e repor os materiais com autonomia.
 	Área com mesas, cadeiras e pequenos móveis que contenham materiais para desenho, pintura, construção, recorte, colagem e os materiais para as propostas de jogos de mesa. Pode conter cavaletes para pintura e mesa com recipiente para argila.
 	Área confortável com tapete, almofadas, espelhos e um pequeno móvel para exposição dos livros que as crianças utilizam e repõem autonomamente. Pode ser utilizada também para as histórias, jogos e canções de imitação, bem como para exploração de instrumentos musicais ou de objetos sonoros.
 	Área do jogo simbólico com móveis de cozinha, fogãozinho, pia, caminha, utensílios diversos, mesinhas, cadeiras, bonecas, carrinhos, panos e espelhos, máquinas ou objetos antigos, roupas e acessórios.
 	Área para exploração da natureza com estantes baixas e materiais separados e organizados em cestos ou recipientes. Pode conter terrários, aquários, conjunto de folhas, sementes grandes, conchas, animais empalhados, imagens, fotografias, ou livros de literatura que remetam ao tema.
 	Área para movimento equipada com percurso motor, rampas, túneis para jogos motores, como corrida, salto, cambalhotas. O ideal é que essa área seja em uma sala separada.
 	Área para descanso (sono), de preferência em sala separada.
 	Um banheiro.
 	Dos três aos cinco anos, as crianças ainda necessitam brincar muito. Suas brincadeiras vão tomando novasconfigurações e se tornam cada vez mais complexas. A fantasia e a interpretação da realidade fazem parte dessas descobertas, o que leva as crianças a representar diferentes papéis sociais nas brincadeiras. Já conseguem seguir algumas regras simples nos jogos, se acompanhadas pelo professor. A linguagem em suas múltiplas dimensões está cada vez mais aprimorada. Criam enredos, contam histórias, memorizam poemas, canções e jogos de linguagem. Levantam hipóteses a respeito do que ouvem, veem, sentem. Buscam explicações para os fenômenos naturais, são curiosas e gostam de realizar “experiências” diversas.
 	Possuem domínio motor e conseguem ampliar seus movimentos corporais associados a ritmos. Gostam de desafios corporais e necessitam de espaços para correr, para brincar ao ar livre e realizar rodas e brincadeiras que passam de geração a geração.
 	Buscam aprimorar seus movimentos gráficos, partindo para a conquista das formas expressas pelos seus desenhos. As crianças dessa idade não estão somente envolvidas com experiências de manipulação, mas estão também ampliando suas buscas para a tridimensionalidade. A massa de modelar e a argila, materiais com mais consistência, são exploradas com prazer.
 	Histórias, poesias e cantigas são elementos importantes para a simbolização e para a linguagem. O gosto pela leitura se forma nesse encantamento pelas diversidades literárias.
 	No espaço reservado a crianças dessa idade, podem constar: Área confortável com tapete, almofadas, um pequeno móvel para exposição dos livros que as crianças utilizam e repõem autonomamente. Pode ser utilizada para histórias, jogos e canções de imitação. Pode conter uma pequena mesa para trabalhos gráficos, uma casinha para fantoches ou um palco pequeno para teatro.
 	Área com móveis baixos que possuam prateleiras à altura das crianças, nas quais são colocados de modo organizado recipientes com diversos materiais para brincar e jogar (lego, jogos de montar, blocos de construção de madeira, animais, carrinhos, quebra cabeça). As crianças são encorajadas a pegar e repor os brinquedos com autonomia. Casinhas em miniaturas, castelos, ou outros brinquedos que desencadeiem o faz de conta.
 	Área com mesas, cadeiras e pequenos móveis que contenham materiais para desenho, pintura, construção, recorte, colagem e os materiais para as propostas de jogos de mesa. Pode conter cavaletes para pintura e mesa com recipiente para argila.
 	Área do jogo simbólico com móveis de cozinha, fogãozinho, pia, caminha, utensílios diversos, mesinhas, cadeiras, bonecas, carrinho, panos e espelhos, máquinas ou objetos antigos, roupas e acessórios.
 	Área para exploração da natureza com estantes baixas e materiais separados e organizados em cestos ou recipientes. Pode conter terrários, aquários, conjunto de folhas, sementes grandes, conchas, animais empalhados, imagens, fotografias, ou livros de literatura que remetam ao tema.
 	Área para movimento equipada com percurso motor, rampas, túneis para jogos motores, como corrida, salto, cambalhotas. O ideal é que essa área seja sala separada.
 	Áreas temáticas como: mercadinho, feira, escritório, consultório médico etc.
 	Um banheiro.
 	Explorar diferentes ambientes pode ser uma oportunidade de desenvolver um trabalho rico e original. Um trabalho de espaço, de plano aberto, ao ar livre, dá maiores possibilidades de exploração. Saber lidar com o inusitado faz parte de um procedimento de abertura ao novo, ao diferente, e requer um aprendizado do próprio educador, que não raro está bastante distanciado de sua própria infância. Muitas vezes, basta seguir o caminho apontado pela criança: geralmente ela surpreende, traz novas possibilidades e mostra-nos o que nem sempre conseguimos ver.
 	O ambiente da escola infantil pode ser propositadamente preparado e planejado para acolher e potencializar as múltiplas linguagens, mas essa perspectiva não pode compactuar com rotinas rígidas, com espaços fechados, com atividades prescritivas e materiais que impossibilitem a criação. Um ambiente precisa ir se modificando na medida em que vai sendo significado, e sempre onde há crianças criando deve haver liberdade de escolhas e possibilidade de exploração do ambiente. As crianças devem ser capazes de achar os materiais quando são necessários sem esperar por eles. Saber achar as ferramentas e equipamentos. Elas precisam também saber colocar as coisas de volta aos seus respectivos lugares após fazerem uso delas, e com isso perceber a importância de conservar o lugar organizado. Podem as crianças achar e usar o que precisam? Esse tipo de sala leva a organização e a respeitabilidade pessoal?
 	Crianças podem formar pequenos grupos num mesmo ambiente, tendo como critério a quantidade de membros por grupo. Outra opção é a de formar pequenos grupos de crianças e distribuí-las entre os adultos, para ocuparem outros ambientes da escola, geralmente espaços pouco utilizados, como um canto sob uma escada, o fundo do pátio, uma área coberta. Porém, o mais comum e mais importante é encontrar o que estimule as ideia e o interesse das crianças, como um problema e a busca por sua solução, materiais que instiguem a curiosidade ou projetos em construção. Estantes, biombos ou até pequenos caixotes podem servir de divisórias para criar áreas diferenciadas. Alguns recursos como cortinas e tecidos presos no teto também podem indicar uma delimitação espacial.
 	É importante organizar um local especial que vise a demonstrar com clareza e de maneira atraente para as crianças o que elas estão pesquisando e quais os resultado dessas buscas. Um ambiente visual agradável, um local com informações e arranjos organizados esteticamente, demonstra o cuidado constante que precisamos ter com o local em que as crianças passam grande parte de sua vida. As melhores “obras” são aquelas produzidas pelas crianças. Painéis com registros das falas das crianças, desenhos, pinturas, fotografias. Exposição de maquetes ou construções, bem como mesas ou cantos que indiquem temas que estão sendo pesquisados por elas. Obras de arte, ilustrações de boa qualidade, poemas e histórias curtas estimulam o imaginário infantil. Um ambiente para as crianças precisa ser agradável aos olhos e instigar a ação e a imaginação. Excesso de materiais ou de imagens (principalmente as estereotipias da mídia ou o uso exagerado de reproduções) interferem na criação do gosto. Os objetos, brinquedos e livros de literatura, se bem explorados, podem constituir a decoração da sala. Lembre-se que plantas e materiais da natureza deixam o ambiente mais vivo e aproximam a criança da vida.
 REFERÊNCIAS
 	BARROS, Manoel. Memórias inventadas: A infância. São Paulo: Planeta, 2003.
 	FORTUNATI, Aldo. A educação infantil como projeto da comunidade – A experiência de São Miniato. Porto Alegre: ARTMED, 2009.
 	LOPES, Jader Janer. Geografia das crianças, geografia da infância. In: REDIN, Euclides;
 	MÜLLER, Fernanda; REDIN, Marita Martins (orgs.). Infâncias: cidades e escolas amigas das crianças. Porto Alegre: Mediação, 2007, p. 43-55.
 	REDIN, Marita Martins. Experiência estética e memórias de escola – “ porque é de infância... que o mundo tem precisão”! Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo-RS, 2008.
 
 CAPÍTULO 4
 A IMPORTÂNCIA DAS VIVÊNCIAS JUNTO À NATUREZA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
 	Janaína Caobelli10
 	O estilo de vida da sociedade atual vem contribuindo para um crescente distanciamento dos homens com a natureza. A vida nas grandes cidades, a pressa do cotidiano e o sentimento de insegurança nos locais públicos e abertos geram pouca ou nenhuma possibilidade de interação e percepção do meio ambiente em que estamos inseridos. Neste contexto, a infância está sendo cada vez mais “emparedada”, tanto na vida familiar quanto escolar, visto que estas últimas normalmente não proporcionam momentos de vivências reais e espontâneas com a natureza. No intuito de reconectar as crianças com a natureza, algumas iniciativas de escolaseuropéias vêm trazendo luz aos cenários da educação infantil e da educação ambiental. De acordo com essas experiências, a prática de uma educação ao ar livre gera muito mais do que um sentimento de respeito e admiração pelo mundo natural. Ela modifica o processo de desenvolvimento da criança como um todo, e para muito melhor!
 	
“O homem é a natureza que toma consciência de si própria”
 	Carlos Walter Porto Gonçalves
 	Com o crescimento desordenado das cidades, a dominação do concreto sobre os elementos da natureza original dos lugares é cada vez mais freqüente nas paisagens. Desta forma, o contato com árvores, plantas, terra, água etc. fica cada vez mais escasso, ou restrito apenas a parques e praças, que muitas vezes não oferecem a devida segurança para as pessoas, especialmente para as crianças, afastando cada vez mais uma possibilidade real de interação espontânea entre o ser humano e a natureza. Mudanças desse tipo vêm levando, desde o início do século passado, a uma desconexão crescente do homem com a natureza (CHAWLA, 1988), fato este que pode ter contribuído muito para o aumento da nossa relação de dominância para com as demais formas de vida no planeta, culminando na eminente crise ambiental vivida nos dias atuais (GONÇALVES, 1998).
 	Esse afastamento da natureza tem chamado a atenção de um número crescente de pesquisadores no mundo todo. Entre eles estão alguns ambientalistas e pessoas do campo da Ecologia (CARSON, 1956; HERMAN et al, 1997; GONÇALVES, 1998; REIGODA, 2004; CAPRA, 2006), alguns outros da psicologia ambiental (ELALI, 2003; FEDRIZZI, 2002) e aqueles ligados ao campo da Educação, principalmente da Educação Infantil (CHAWLA, 1988; COHEN; HORM-WINGERD, 1993; SIMMONS, 1994; SOBEL, 1996; TOVEY, 1999; FJORTOFT; SAGEIE, 2000; OUVRY, 2000; BILTON, 2001; CLEMENTS, 2004; JOHNSON; CHRISTIE; WARDLE, 2005; ROSENOW, 2006; WHITE, 2006; MAYNARD, 2007; CARRUTHERS, 2010), que vêm provando uma reflexão a cerca da importância do contato com a natureza para o desenvolvimento das crianças, e, por conseqüência, a necessidade fundamental de uma transformação na estrutura física e pedagógica das escolas atuais.
 	Em resumo, tais pesquisas demonstram que a escola precisa assumir seu papel educativo num mundo que necessita sustentar a vida. E só conseguirá isso se conseguir antes gerar em cada criança o encanto pelo mundo e pela vida, nas suas mais diferentes formas. Dessa forma, já se percebe que a escola, nas suas configurações atuais, terá grandes dificuldades nessa empreitada.
 	O presente trabalho pretende apresentar e discutir algumas possibilidades reais de uma educação que reconecte as crianças com o meio ambiente e com a natureza, bem como refletir sobre as dificuldades mais comuns encontradas pelas escolas neste caminho.
 O distanciamento
 	White (2006) afirma que atualmente uma espécie de “cultura do medo” está mantendo os pais permanentemente preocupados com a segurança dos filhos, diminuindo o tempo em que estes brincam ao ar livre, nas ruas e parques, em contato com o mundo natural. Somado a isto, outro estudo norte-americano, de 2004, mostrou que a grande maioria (82%) de um universo amostral de 830 mães de crianças entre três e doze anos de idade identifica a preocupação com o binômio crime-segurança como o principal motivo pelo qual não permitem que seus filhos brinquem ao ar livre, preferindo que eles fiquem dentro de casa assistindo televisão ou mexendo no computador (CLEMENTS, 2004). Outra pesquisa que aborda a crescente permanência das crianças dentro de casa é a de Wilson (2000), na qual a pesquisadora afirma que até o medo da exposição aos raios ultravioletas, ou a picadas de insetos que possam transmitir doenças, bem como o contato com uma gama enorme de agentes poluidores existentes no ar, também estão contribuindo para que os pais de hoje mantenham seus filhos longe das ruas e do contato com a natureza.
 	Algumas pesquisas indicam danos importantes à saúde das crianças e jovens, decorrentes dessa desconexão com a natureza e com a vida ao ar livre, como a carência de vitamina D, o desenvolvimento de diversas fobias, obesidade, entre outros.
 	Constatou-se alta carência de vitamina D (“a vitamina solar”) entre as crianças e adolescentes de todo o mundo. Essa deficiência está relacionada com os novos hábitos das crianças, que passam a maior parte do tempo dentro de casa, sem se exporem ao sol. Esta deficiência pode aumentar o risco do desenvolvimento de doenças cardíacas, câncer e alergias (HUH; GORDON, 2008).
 	Cohen e Horm-Wingerd (1993) constataram que as fobias e inseguranças infundadas das crianças com relação à natureza se desenvolvem, na verdade, quando elas têm pouco acesso a elementos vivos na sua rotina e, simultaneamente, utilizam muito ferramentas da mídia eletrônica para construírem conceitos sobre natureza.
 	Outro estudo, com crianças de até nove anos, indicou que aquelas que brincavam mais tempo fora de casa, ao ar livre, tendiam a ter IMC (índice de massa corporal) mais baixo do que as que brincavam mais tempo dentro de casa, sendo aquelas menos propensas à obesidade (ROMERO et al., 2001).
 	Além de uma gama de danos, diretos ou indiretos, à saúde das crianças e jovens, decorrentes do seu distanciamento da natureza e da vida ao ar livre, grande parte dos problemas ambientais pelos quais estamos passando advém de comportamentos deturpados da nossa espécie com relação às demais formas de vida existentes no planeta. A relação de dominação e exploração da natureza e de seus recursos, por nós estabelecida, está levando a sociedade humana moderna ao colapso e ao esgotamento, além de estar criando gerações de indivíduos bombardeados por psicopatologias ligadas ao estresse e à falta de afeto (GARCIA apud ELALI, 2003), o que obviamente não é saudável em nível individual nem em nível coletivo. Sabe-se hoje que o contato com a natureza alivia o impacto psicológico do estresse nas crianças e as auxilia a lidar com a adversidade (WELLS; EVANS, 2003). Além disso, já foi comprovado que crianças que sofrem com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) demonstram significativa melhora na capacidade de concentração e autocontrole se tiverem em sua rotina diária situações de contato com a natureza, seja em brincadeiras ao ar livre, passeios e trilhas ou entrando em contato com animais (TAYLOR; SULIVAN apud ROSENOW, 2006). Sabe-se também que ambientes ao ar livre estimulam mais brincadeiras socializantes, jogos em equipes e atitudes cooperativas do que ambientes fechados como as salas de aula, facilitando a formação de indivíduos capazes de compartilhar o mundo com os outros, com segurança e tranquilidade.
 	Diante disto, uma pergunta vem à mente: teríamos convivido de maneira menos destrutiva uns com os outros e com o ambiente se não tivéssemos nos distanciado tanto do contato com a natureza? E se tivéssemos incentivado mais nossas crianças a se sujarem na areia e na terra, ou a subirem nas árvores, e a interagirem mais com os animais ao invés de alimentarmos os seus medos e inseguranças frente a essas práticas? E se tivéssemos nos permitido observar e aprender mais com o mundo natural que nos cerca? Os estudos focados nestas questão, cada vez mais claramente, indicam que sim.
 Biofilia versus biofobia: quem está vencendo esta disputa, afinal?
 	Não é de hoje que estudos, como os de Chawla (1998), têm indicado que o contato positivo e contínuo de crianças pequenas com a natureza pode sim levar ao desenvolvimento de uma ética ambiental, além de criar um senso de responsabilidade com o meio ambiente e de respeito à diversidade da vida. Piaget, já em meados do século passado, afirmava que é no campo do mundo vivo e de tudo o que a criança incorpora a essa noção que a curiosidade infantil se mostra mais presente (PIAGET, 1998, p. 175). Louise Chawla, pesquisadora da Universidade de Kentucky (EUA), observou em seu estudo que a maioria dos ambientalistas, por ela entrevistada, atribuía seu comprometimento e amor pela natureza a duas fontes: aos momentos que passaram

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