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2016 Regente Universidade Eduardo Mondlane Curso de Engenharia Civil Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 1 | P á g i n a HIDRÁULICA I PROGRAMA DA DISCIPLINA I – INTRODUÇÃO À HIDRÁULICA 1.1- A água como substância 1.2- O Ciclo Hidrológico 1.3- Conceitos gerais 1.4- Subdivisões da Hidráulica 1.5- A evolução da Hidráulica 1.6- A Carta Europeia da Água II – PROPRIEDADES DOS LÍQUIDOS 2.1 – Fluidos - Gases e Líquidos 2.2 – Sistema Internacional de Unidades (SI) 2.3 – Massa Específica, Massa Volúmica e Densidade 2.4 – Forças Exteriores 2.5 - Compressibilidade 2.6 – Viscosidade 2.7 – Tensão de Saturação de Vapor de Água 2.8 - Celeridade 2.9 – Solubilidade de gases e líquidos 2.10 – Líquidos ideais e líquidos reais III – HIDROSTÁTICA 3.1 – Lei hidrostática de pressões 3.2 – Pressões absolutas e pressões relativas 3.3 – Manómetros Simples e Manómetros Diferenciais 3.4 – Impulsão Hidrostática 3.5 – Teorema de Arquimedes 3.6 – Impulsão sobre Superfícies Planas 3.7 – Impulsão sobre superfícies Curvas 3.8 – Impulsão sobre a base e a totalidade de recipientes IV – HIDROCINEMÁTICA 4.1 – Trajectórias e Linhas de Corrente 4.2 – Tipos de Escoamento 4.3 – Tubo de fluxo, Caudal e Velocidade média 4.4 – Equação da Continuidade 4.5 – Escoamentos Laminares e Turbulentos 4.6 – Aceleração Local e Aceleração Convectiva 4.7 – Descrições de Lagrange e de Euler 4.8 – Deformação angular, Rotação e Dilatação Volumétrica HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 2 | P á g i n a V – HIDRODINÂMICA 5.1 – Equação de Navier-Stockes 5.2 – Escoamento no Campo da Gravidade 5.3 – Teorema de Bernoulli para Líquidos Perfeitos 5.4 – Linha Piezométrica e Linha de Energia 5.5 – Teorema de Bernoulli para Líquidos Reais 5.6 – Variação da Cota Piezométrica 5.7 – Vórtices 5.8 – Movimentos Rotacionais e Irrotacionais 5.9 – Escoamento Plano 5.10 – Início do Escoamento. Camada limite VI – ESTUDO GLOBAL DOS ESCOAMENTOS LÍQUIDOS 6.1 – Teorema de Bernoulli Generalizado 6.2 – Potência Hidráulica. Conceito de Bombas e Turbinas 6.3 – Teorema de Euler. Princípio da Quantidade de Movimento VII – LEIS DE RESISTÊNCIA DOS ESCOAMENTOS UNIFORMES 7.1 – Conceitos fundamentais do Escoamento Uniforme 7.2 – Tensão tangencial na fronteira sólida 7.3 – Escoamentos Laminares e Turbulentos 7.4 – Escoamentos Laminares Uniformes 7.5 – Escoamentos Turbulentos Uniformes 7.6 – Leis Empíricas para o Regime Turbulento Rugoso VIII– ESCOAMENTOS PERMANENTES SOB PRESSÃO 8.1 – Generalidades 8.2 – Perdas de Carga Contínuas 8.3 – Perdas de Carga Localizadas 8.4 – Influência do Traçado das condutas 8.5 – Cálculo de Instalações. Redes 8.6 – Condutas de Caudal Variável durante o percurso 8.7 – Cavitação IX – ESCOAMENTOS VARIÁVEIS SOB PRESSÃO 9.1 – Tipos de escoamentos. Problemas e aproximações 9.2 – Golpe de aríete. Análise Qualitativa 9.3 – Golpe de aríete. Análise Quantitativa Simplificada 9.4 – Protecção de Condutas Elevatórias contra o Golpe de Aríete 9.5 – Oscilação em massa 9.6 – Escoamentos quase Permanentes X – BOMBAS HIDRÁULICAS 10.1 – Definição e Classificação HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 3 | P á g i n a 10.2 – Caudal 10.3 – Altura Geométrica 10.4 – Altura de Elevação 10.5 – Cavitação (N.P.S.H.) 10.6 – Potências e Rendimentos 10.7 – Velocidade de Rotação 10.8 – Diagrama em Colina 10.9 – Velocidade Específica 10.10 – Curva característica. Ponto de Funcionamento 10.11 – Traçado das Curvas da Bomba 10.12 – Associação de Bombas Centrífugas 10.13 – Algumas precauções na instalação das bombas BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA HIDRÁULICA GERAL – António Lencastre HIDRÁULICA – António Quintela Apontamentos das Aulas Teóricas fornecidas pelos docentes Livro de Problemas Práticos dos docentes da cadeira AVALIAÇÃO 3 testes + Trabalhos de Laboratório 1º teste – cap.os 2, 3, 4 e 5; 2º teste – cap.os 6 e 7; 3º teste – cap.os 8, 9 e 10. Peso dos testes: 70%; Peso dos TL: 30% REGENTES E ASSISTENTES DA CADEIRA Eng.º Carlos Caupers – Regente da cadeira; Eng.º Sidney Nicol’s – Assistente; PRESENÇA NAS AULAS De acordo com o Regulamento Pedagógico, artigo 37, é obrigatória a presença nas aulas. Número máximo de faltas 20% da carga horária da disciplina – corresponde a 6 aulas ou 12 horas. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 4 | P á g i n a I – INTRODUÇÃO À HIDRÁULICA 1.1 – A ÁGUA SUBSTÂNCIA A água é a única substância que tem a propriedade de passar pelos estados sólido, líquido e gasoso nas condições de temperatura e pressão reinantes na superfície da Terra. Cerca de 97,6% da água do planeta é constituída pelos oceanos, mares e lagos de água salgada. A água doce, representa apenas 2,4% do total e tem a sua maior parte situada nas calotes polares (1,9%), inacessível aos homens pelos meios tecnológicos actuais. Da parcela restante (0,5%), mais de 95% é constituída pelas águas subterrâneas. A água era tida como uma substância simples até ao final do século XVIII, quando foi obtida em laboratório pela combustão do hidrogénio. Actualmente, é definida como uma substância composta, resultante da combinação de dois átomos de hidrogénio com um de oxigénio. Na realidade, sabe-se hoje em dia, que a água é uma substância complexa. A água geralmente contém impurezas, mesmo quando sofre em laboratório três destilações sucessivas, devido ao seu grande poder de dissolução. Na natureza, a água só é isenta de substâncias dissolvidas quando se encontra em estado gasoso. Para definir a qualidade da água natural, vários são os termos técnicos utilizados tais como dura ou salobra, salgada ou salina, mineral, termal, radioactiva, doce, poluída, contaminada, turva, ácida, alcalina, tratada, pura, potável, etc. E como sem água não há vida, desde que o Homem se conhece como tal, assim como todos os outros seres vivos, sempre fez uso da mesma, em função do seu estado de desenvolvimento. Ele sempre tentou interpretar os fenómenos da natureza que estivessem directamente ligados com a água, nomeadamente as chuvas, evaporação, as cheias, os períodos de estiagem, a existência de água subterrânea, etc. 1.2 – O Ciclo Hidrológico É difícil falar da Hidrologia e Hidráulica como ciências, sem falar do Ciclo Hidrológico. A quantidade de água existente na Terra, imutável no tempo se considerada em conjunto, varia nas diversas porções em que existe no estado sólido, líquido e gasoso. No estado líquido, a água apresenta-se: acima da superfície terrestre, constituindo a chuva; na superfície formando os rios e riachos, lagos e lagoas, oceanos e mares; abaixo da superfície terrestre criando os lençóis freáticos e bolsas de água subterrâneas (também denominados aquíferos); HIDRÁULICAI – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 5 | P á g i n a Pela acção dos raios solares, a água que se encontra na superfície terrestre desprende-se da superfície líquida como vapor, que se eleva na atmosfera para constituir as nuvens. As nuvens são arrastadas pelos ventos. Quando o ar fica saturado de humidade e decresce a temperatura, elas se condensam para formar as chuvas, que em grande parte se precipitam no mar. O ciclo Hidrológico Embora grande parte das precipitações atmosféricas produza chuva, a condensação pode formar igualmente neve, geada, granizo, nevoeiro ou orvalho. As chuvas que não caem no mar, escoam-se na superfície da Terra alimentando os riachos e rios, lagos e lagoas, ou infiltram-se para abastecer os aquíferos. Nos rios e riachos, frequentemente chamados de cursos de água, bem como nos lençóis subterrâneos, a água desloca-se pela acção da gravidade em direcção ao mar, isto é ao ponto de partida de grande parte dela. No caso dos lençóis subterrâneos, esse deslocamento leva o nome de percolação. Nem toda a água oriunda do mar volta a ele, como a que se evapora antes de atingi-lo ou a que fica HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 6 | P á g i n a retida nos lagos e aquíferos. O ciclo hidrológico embora pareça um mecanismo contínuo com a água movendo-se de uma forma permanente e com uma taxa constante, é na realidade bastante diferente pois o movimento de cada uma das fases do ciclo é feito de um modo bastante aleatório, variando tanto no espaço como no tempo. Em determinadas ocasiões a natureza parece trabalhar em excesso quando provoca chuvas torrenciais que ultrapassam a capacidade dos cursos de água provocando inundações. Noutras ocasiões parece que todo o mecanismo do ciclo parou completamente e com ele a precipitação e o escoamento superficial. E são precisamente estes extremos de cheias e secas que mais interessam aos engenheiros desde os primórdios dos tempos, pois hoje muitos dos projectos de Engenharia Hidráulica são feitos com a finalidade de protecção contra estes mesmos extremos. Por isso é a Hidrologia uma ciência muito antiga. Ela nasce com o início do uso da água para a irrigação. Este processo dá os primeiros passos utilizando a água dos rios Nilo e Amarelo. A história da Hidrologia compreende: 1) – Período de Especulação – até ao ano 1400: Todos os conhecimentos fluviais são encarados como forma divina e disso se aproveitam os sacerdotes egípcios; 2) – Período de Observação – 1400 a 1600: Em pleno renascimento, começa a definir-se uma tendência para explicar racionalmente os fenómenos naturais; 3) – Período de Medição – 1600 a 1700: Já se medem as precipitações (chuvas), a evaporação, os caudais do rio Sena; 4) – Período de Experimentação – 1700 a 1800: Aparecem os grandes técnicos de hidráulica: Bernoulli, D´Lambert, Chézy. Em 1760 é criada em França a primeira escola de engenharia: École des Ponts et Chaussées; 5) – Período de Modernização – 1800 a 1900 Afirmação da Hidráulica/Hidrologia; 6) – Período do Empirismo – 1900 a 1930: Fase unicamente descritiva onde se pretende reduzir os fenómenos hidrológicos a meras fórmulas; HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 7 | P á g i n a 7) – Período de Racionalização – 1930 a 1950: Aparecimento do 1º computador (ENIAC em 1045); 8) – Período Teórico – depois de 1950 e até aos nossos dias: Aparecem os grandes hidrólogos, Ven Te Chow, Linsley, Meyer, Roy Sherman, Robert Horton, Merril Bernard. Em 1962 aparece a grande obra “Handbook of Applied Hidrology” de Ven Te Chow e outros autores. 1.3 – Conceitos Gerais da Hidráulica Com a crescente necessidade de utilização da água para os mais variados fins, vai-se desenvolvendo o estudo da Hidráulica ao longo dos tempos. A Hidráulica pode ser definida como sendo a ciência que estuda as leis de estabilidade e movimento dos líquidos. Ela dá-nos com base em experiências efectuadas ao longo dos anos e através do desenvolvimento de teorias concretas, métodos para a utilização dessas leis visando resolver diferentes problemas da prática da engenharia. Em geral, pode-se afirmar que a HIDRÁULICA não é mais do que a Mecânica Aplicada dos Fluidos. Para se resolver grande parte dos problemas hidráulicos que quotidianamente se nos deparam, utilizam-se métodos simplificados pelo que, a solução destes mesmos problemas têm em muitos dos casos, um carácter de certo modo aproximado. Isto é, para a sua solução, aprecia-se de uma forma exacta somente a característica fundamental do fenómeno em estudo e opera-se com factores aproximados e médios. Pelo seu carácter, a disciplina da mecânica técnica dos fluidos ou HIDRÁULICA, pode ser comparada à disciplina da Resistência dos Materiais, a qual, partindo do mesmo ponto de vista, analisa a mecânica dos corpos sólidos. 1.4 – Subdivisões da Hidráulica A Hidráulica pode ser dividida em duas grandes partes: a HIDROSTÁTICA que estuda as leis da estabilidade dos líquidos e a HIDRODINÂMICA que estuda as leis de movimento dos líquidos. Às leis da HIDRÁULICA estão relacionadas a Hidrometria, a Hidrologia, a Hidrotécnica que, devido às experiências efectuadas nestes ramos, muito contribuem para o desenvolvimento global da HIDRÁULICA. A HIDRÁULICA ALICADA pode ser subdividida em: HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 8 | P á g i n a Hidráulica Urbana – que engloba os sistemas de abastecimento de água, esgotos sanitários e industriais, galerias de águas pluviais; Hidráulica Rural ou Agrícola – relacionando-se à irrigação, enxugo, drenagem; Hidráulica Fluvial – que estuda o comportamento dos rios, cálculo de canais, represas, barragens, diques, açudes; Hidráulica Marítima – Engloba a áreas dos Portos e obras marítimas; Instalações Hidráulicas Industriais; Técnica Hidroeléctrica. 1.5 – Evolução da HIDRÁULICA As obras hidráulicas de hoje, são uma continuidade das obras de certa importância que remontam à Antiguidade. Isto porque na história do desenvolvimento do Homem, a água sempre teve um papel importante. Na Mesopotâmia existiam canais de irrigação construídos na planície situada entre os rios Tigre e Eufrates e em Nipur (Babilónia) por exemplo existiam colectores de esgotos desde os anos 3750 a.n.e. Importantes obras de irrigação também foram executadas no Egipto, 25 séculos a.n.e. sob orientação de UNI. O primeiro sistema público de abastecimento de água do qual se tem notícia, o aqueduto de Jerwan, foi construído na Assíria, 691 a.n.e. Alguns princípios da Hidrostática foram anunciados por ARQUIMEDES (grande geómetra e engenheiro de nacionalidade grega), no seu tratado sobre os corpos flutuantes (250 a.n.e.). Grandes aquedutos foram construídos em várias partes do mundo a partir de 312 a.n.e. No séc. XVI, a atenção dos filósofos voltou-se para problemas encontrados nos projectos das fontes monumentais, que estavam na moda em Itália. LEONARDO DA VINCI (pintor,escultor, arquitecto, músico e cientista italiano) apercebeu-se da importância deste sector. Em 1856, STEVIN (engenheiro civil no ramo militar e matemático holandês), ajudado por GALILEU (físico e pesquisador italiano), TORRICELLI (discípulo de Galileu, também físico e pesquisador italiano) e BERNOULLI (cientista suíço, fundador da Física e Matemática), constituíram a base para um novo ramo científico. É de realçar as teorias criadas por PASCAL, sobre a lei de transmissão das pressões no interior de um líquido e de NEWTON que descobriu as leis da resistência nos líquidos. Em 1738, DANIEL BERNOULLI publicou um importante tratado sobre os problemas do movimento e resistência dos fluidos, dando desta forma início à HIDRODINÂMICA. Neste trabalho, JACQUES BERNOULLI fundamentou o famoso teorema sobre a variação da energia cinética dos corpos que até hoje, tem um peso importante na resolução dos problemas de Hidráulica. Em 1755 LEONARDO EULER, matemático suíço deduziu as equações diferenciais para um líquido HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 9 | P á g i n a ideal, dando início à Hidromecânica Teórica, que estuda o movimento dos fluidos com o método de análise matemático. Vários foram os cientistas que deram grande contribuição à Hidráulica, sendo injusto não se fazer referência a PITOT, CHÉZY, VENTURI para além de outros que fizeram com que a partir do séc. XIX a HIDRÁULICA tivesse um enorme desenvolvimento. 1.6 – Água como recurso escasso e indispensável A água é também um veículo para a propagação dos mais diversos tipos de doenças, quando poluída ou contaminada. Estudos feitos ao nível mundial sobre o saneamento do meio, constatou-se a alarmante realidade de que cerca de 90% dos esgotos são lançados sem qualquer tratamento prévio nos solos e rios ou riachos em todo o planeta. Estima-se que na ordem de 1,2 bilhão de pessoas no mundo carecem de água potável e que 1,9 bilhão não dispõe de adequados serviços de saneamento. A falta de água potável e de saneamento básico provoca a morte de cerca de 4 milhões de crianças anualmente, vitimadas por doenças de veiculação hídrica como a cólera, a diarreia, etc. Devido à degradação da sua qualidade que se acentuou a partir da II Guerra Mundial, a água doce líquida que circula em muitas regiões do mundo já perdeu a sua característica especial de recurso renovável, em particular nos países ditos do Terceiro Mundo, na medida em que os efluentes e/ou os resíduos domésticos e industriais são despejados no ambiente natural sem tratamento ou de forma inadequada. Além dos desequilíbrios da oferta de água às populações, a questão da disponibilidade e dos conflitos pelo seu uso também apresentam os seus aspectos preocupantes. Assim é que alguns países apresentam escassez hídrica absoluta, tais como Kuwait, Egipto, Arábia Saudita, Barbados, Singapura ou mesmo Cabo Verde; outros como Burundi, Argélia e Bélgica padecem de seca crónica; em vários locais afloram conflitos decorrentes de desequilíbrios entre demanda e disponibilidade, tais como Madrid e Lisboa pelo Rio Tejo, Síria e Israel pelo Rio Golam, Síria e Turquia e Iraque e Turquia pelo Rio Eufrates, Tailândia e Laos pelo Rio Mekong, etc. Diante desse cenário turbulento, a água subterrânea vem assumindo uma importância cada vez mais relevante como fonte de abastecimento, devido a uma série de factores que restringem a utilização das águas superficiais bem como ao crescente aumento dos custos da sua captação, adução e tratamento. Além dos problemas facilidade de contaminação inerentes às águas superficiais, o maior interesse pelo uso da água subterrânea vem sendo despertado pela maior oferta deste recurso e em decorrência do desenvolvimento tecnológico, o que promoveu uma melhoria na produtividade dos poços e um aumento de sua vida útil. 1.7 – Carta Europeia da Água Dada a sua importância e actualidade, apresenta-se os 12 artigos que compõem a CARTA EUROPEIA DA ÁGUA: HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 10 | P á g i n a 01 – Não há vida sem Água. A Água é um bem precioso indispensável a todas as actividades humanas; 02 – Os recursos hídricos não são inesgotáveis. È necessário preservá-los, controlá-los e se possível aumentá-los; 03 – Alterar a qualidade da Água é prejudicar a vida do Homem e dos outros seres vivos que dela dependem; 04 – A qualidade da Água deve ser mantida em níveis adequados às utilizações previstas e em especial, satisfazer as exigências da saúde pública; 05 – Quando a Água após ser utilizada volta ao meio natural, não deve comprometer as utilizações que dela serão feitas posteriormente; 06 – A manutenção de uma cobertura vegetal apropriada, de preferência vegetal, é essencial para a conservação dos recursos hídricos; 07 – Os recursos hídricos devem ser objecto de um inventário; 08 – A eficiente gestão de Água deve ser objecto de planos definidos pelas entidades competentes; 09 – A salvaguarda da Água implica um esforço importante de investigação científica, de formação técnica de especialistas e de informação pública; 10 – A Água é um património comum, cujo valor deve ser reconhecido por todos. Cada um tem o dever de a economizar e utilizar com cuidado; 11 – A gestão dos recursos hídricos deve inserir-se no âmbito da bacia hidrográfica natural e não no das fronteiras administrativas e políticas; 12 – A Água não tem fronteiras. É um bem comum que impõe uma cooperação internacional. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 11 | P á g i n a 2 PROPRIEDADES FÍSICAS DA ÁGUA 2.1 FLUIDOS – GASES E LÍQUIDOS Os fluidos são corpos sem forma própria que podem escoar-se, sofrendo grandes variações de forma, sob a acção de forças tanto mais fracas quanto mais lentas forem tais variações. Tanto os líquidos como os gases são fluidos. Os líquidos ocupam um volume determinado, não resistem a tracções e são muito pouco compressíveis. Os gases também não resistem a tracções mas, ao contrário dos líquidos, ocupam sempre o máximo volume de que podem dispor e são muito compressíveis. Alguns materiais (por exemplo, o asfalto ou solos) apresentam propriedades intermédias entre as propriedades dos sólidos e as dos fluidos, sendo estudados em disciplinas como Mecânica dos Solos e Reologia. O estudo dos fluidos em repouso e em movimento (escoamento) faz-se na Mecânica dos Fluidos. Na disciplina de Hidráulica, embora os conceitos básicos sejam os da Mecânica de Fluidos, o estudo será concentrado sobre o fluido água na perspectiva da Engenharia Civil. 2.2 SISTEMA INTERNACIONAL DE UNIDADES (SI) Durante cerca de 200 anos, as grandezas físicas eram expressas em unidades que variavam de país para país. Por exemplo, a Inglaterra usava o pé como unidade de comprimento ao passo que a Europa continental utilizava o metro; a temperatura expressa em graus Celsius ou Fahrenheit; o volume expresso em m3 ou em acre.pé. Mas mesmo quando se utilizavam as mesmas unidades, havia divergências relativamente a quais as unidades fundamentais e quais as derivadas, nos chamados sistemas MLT ou FLT (conforme a unidade fundamental fosse a massa ou a força, para além do comprimento e do tempo). O aumento dos contactosinternacionais levou a que nos últimos 25 anos tenha sido adoptado de forma praticamente universal o Sistema Internacional de Unidades – SI. Este sistema é do tipo MLT, tendo como unidades fundamentais: comprimento – metro (m) massa – quilograma (kg) tempo – segundo (s) intensidade da corrente eléctrica – ampère (A) temperatura – kelvin (ºK) intensidade luminosa – candela (cd) Cada uma destas unidades fundamentais tem uma definição rigorosa no SI. Todas as restantes grandezas físicas são expressas em unidades derivadas a partir das unidades fundamentais. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 12 | P á g i n a Na Hidráulica, as grandezas mais importantes, para além do comprimento, massa, tempo e temperatura1, são: área – metro quadrado (m2) volume – metro cúbico (m3) velocidade – m/s aceleração – m/s2 força – newton (N) 1 N = 1 kg x 1 m/s2 pressão – pascal (Pa) 1 Pa = 1 N/m2 energia, trabalho – joule (J) 1 J = 1 N x 1 m potência – watt (W) 1 W = 1 J / s frequência – hertz (Hz) 1 Hz = 1 ciclo / s massa volúmica, massa específica ou densidade – kg/m3 caudal – m3/s Muitas das unidades em que as grandezas físicas se exprimem são utilizadas correntemente pela população pelo que a sua mudança encontra frequentemente grande resistência. Mesmo na área técnica, a força do hábito leva a que se continue a utilizar unidades que não as do SI. Apresentam-se de seguida algumas dessas unidades com interesse para a Hidráulica e as suas equivalências para as unidades do SI. quilograma força – 1 kgf = 9.8 N bar – 1 bar = 105 Pa atmosfera – 1 atm = 1.034 x 105 Pa quilowatt hora – 1 kWh = 3.6 x 106 J cavalo vapor – 1 CV = 0.736 kW horsepower – 1 Hp = 0.75 kW caloria – 1 cal = 4.18 J Para outras equivalências e factores de conversão, podem ser consultadas as tabelas 1 a 5 de LENCASTRE 1983. 2.3 MASSA ESPECÍFICA, MASSA VOLÚMICA OU DENSIDADE A massa específica, massa volúmica ou densidade é a massa contida na unidade de volume. A densidade da água varia relativamente pouco com a temperatura: 1000 kg/m3 entre 0 e 10 ºC; 998 a 20 ºC; 996 a 30 ºC; 992 a 40 ºC; e 958 a 100 ºC. Devido à muito baixa compressibilidade da água, como adiante se verá, a densidade praticamente não varia com a pressão. 1 É frequente a temperatura continuar a ser expressa em graus Celsius (ºC) : t (ºC) = t (ºK) + 273 HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 13 | P á g i n a Por vezes é referida a densidade relativa, definida como a relação entre a densidade dum líquido e a densidade da água a 4 ºC. A densidade relativa da água é obviamente 1 (ou muito próximo). O álcool, menos denso que a água, tem uma densidade relativa de 0.8 ao passo que a água do mar pode ter uma densidade relativa de 1.04. 2.4 FORÇAS EXTERIORES Considere-se o volume V dum líquido limitado por uma superfície A conforme se representa na figura 1-1. As forças exteriores que actuam sobre esta massa líquida sujeita à acção da gravidade são de dois tipos: Figura 2-1 – Forças exteriores que actuam sobre um volume de líquido Peso próprio – proporcional à massa. Se se considerar um volume elementar dV, o peso próprio é igual a g dV. Forças de contacto – agem sobre a superfície A (superfície de fronteira). Se se considerar um elemento de área dA, a força de contacto será uma força elementar dAPFd , em que P é a força de contacto por unidade de área. A força de contacto Fd pode ser decomposta numa componente normal dFn e numa componente tangencial dFt à superfície dA. A componente normal é dirigida para o interior do volume de líquido (já que os líquidos não resistem a tracções). Designa-se por pressão p a grandeza escalar que representa o módulo da componente normal dFn por unidade de área. dA dFp n (2.1) A grandeza escalar que representa o módulo da componente tangencial por unidade de área é a tensão tangencial . dA dF t (2.2) . g. dV dF dA dA dFt dF dFn HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 14 | P á g i n a Nos líquidos em repouso não existem tensões tangenciais e, em qualquer ponto do líquido, a pressão é independente da orientação da área elementar dA em virtude dos líquidos em repouso serem meios isotrópicos. Nos líquidos em movimento, embora a isotropia não seja perfeita continua a considerar-se que a pressão num ponto do líquido é independente da orientação da área elementar dA. Surgem tensões tangenciais desde que o líquido seja viscoso. 2.5 COMPRESSIBILIDADE Os fluidos são compressíveis mas esta propriedade é muito mais evidente nos gases do que nos líquidos. Em termos gerais, define-se compressibilidade como a diminuição de volume (e consequente aumento de densidade) provocada por um aumento da pressão sobre o fluido. Define-se coeficiente de compressibilidade como a diminuição de volume por unidade de volume e por unidade de aumento de pressão. Exprime-se em m2/N dp dV V 1 (2.3) O módulo de elasticidade volumétrica é o inverso do coeficiente de compressibilidade e exprime- se como uma pressão. No caso da água, os valores de e são de 0.5 x 10 –9 m2/N e 2 x 10 9 N/m2 respectivamente. A compressibilidade da água é praticamente desprezável em problemas práticos, excepto no caso de escoamento variável em condutas sob pressão (estudo do golpe de aríete). 2.6 VISCOSIDADE Referiu-se anteriormente que os líquidos se adaptam à forma dos recipientes que os contêm. É da experiência comum que certos líquidos se escoam dum recipiente para outro (deformam-se portanto) com maior facilidade que outros – a água ou o álcool escoam-se mais facilmente que o óleo ou o mel. Diz-se então que o óleo é mais viscoso que a água. Podemos definir viscosidade como a resistência dos líquidos à deformação. Considere-se na figura 1-2 um escoamento plano (que se repete em planos paralelos) no plano OXY. A velocidade apenas tem componente na direcção X mas o seu valor varia ao longo do eixo OY. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 15 | P á g i n a Figura 2-2 – Efeito do diferencial de velocidades no escoamento Considere-se um rectângulo elementar de fluido ABCD que se move num intervalo de tempo dt da sua posição inicial para uma nova posição A’B’C’D’. O rectângulo inicial deforma-se para um paralelograma devido ao diferencial de velocidades entre o nível AB e o nível CD. O ângulo que mede a deformação angular ocorrida durante o tempo dt é dado pelo quociente entre o diferencial de deslocamento de CD para AB e dy. O diferencial de deslocamento é expresso por: (V + dV) dt – V dt = dV dt (2.4) Donde dy dtdV (2.5) A velocidade de deformação angular será então dy dV dt d (2.6) Pode-se imaginar AB e CD como sendo duas camadas de líquido movendo-seuma sobre a outra, sendo AB mais lenta e CD mais rápida. Então CD tende a exercer uma força de arrastamento sobre AB enquanto AB exerce sobre CD uma força de retardamento igual e oposta à força de arrastamento. Estas forças divididas pelas áreas sobre as quais se exercem dão tensões tangenciais . Newton admitiu que, no movimento unidireccional dum líquido, a tensão tangencial é proporcional à velocidade de deformação angular dy dV (2.7) V + dV V. dt C V B´ D´ A´ C´ V + dV D V A B dy x, V y HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 16 | P á g i n a é o coeficiente de viscosidade dinâmica, sendo uma constante para cada líquido para uma dada temperatura. Exprime-se em kg .m-1.s -1. Os líquidos que seguem a lei de Newton designam-se por líquidos newtonianos. Quando a temperatura aumenta, a viscosidade diminui.2 Frequentemente utiliza-se em lugar do coeficiente de viscosidade dinâmica a viscosidade cinemática , definida por (2.8) A viscosidade cinemática expressa-se em m2/s e varia significativamente com a temperatura, conforme se indica na tabela seguinte. T (ºC) 4 10 20 30 50 80 100 (m2/s) x 10 – 6 1.57 1.31 1.01 0.80 0.56 0.37 0.30 Quando um líquido se escoa sobre uma parede sólida, adere a ela. Há assim uma película de líquido que fica imobilizada enquanto o resto do fluido continua em movimento. À medida que a distância à parede aumenta, aumenta a velocidade do líquido. Portanto uma parede sólida em contacto com um líquido a escoar-se paralelamente à parede provoca no líquido um gradiente de velocidade na direcção normal à parede e sofre, consequentemente, por parte do líquido uma tensão de arrastamento proporcional à viscosidade e à velocidade de deformação angular junto à parede. A tensão de arrastamento existe com valor variável em todo o líquido em movimento, resultando do gradiente de velocidade. A força de arrastamento realiza trabalho o que implica que o líquido perde energia quando se escoa. A energia do líquido em movimento é energia mecânica (potencial e cinética) e a perda (dissipação) de energia faz-se por transformação da energia mecânica em energia térmica. A energia térmica provoca o aumento de temperatura do líquido (normalmente desprezável devido ao elevado calor específico dos líquidos) e é trocada com o meio envolvente (parede sólida, atmosfera). 2.7 TENSÃO DE SATURAÇÃO DO VAPOR DE UM LÍQUIDO Considere-se o recipiente fechado representado na figura 2-3. No estado inicial fez-se vácuo no recipiente, mantendo o recipiente a uma temperatura constante. 2 Também os gases se regem por esta lei de Newton. No caso dos gases, a viscosidade aumenta com o aumento da temperatura. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 17 | P á g i n a Figura 2-3 – Trocas entre o estado líquido e gasoso na situação de equilíbrio Foi-se introduzindo gradualmente um certo volume de líquido no recipiente o qual se vaporiza rapidamente. À medida que se continua a introduzir líquido, o processo de vaporização torna-se mais lento até se chegar a um estado de equilíbrio em que o volume de líquido no recipiente se mantém constante. Trata-se duma situação de equilíbrio dinâmico em que o número de moléculas que passam para o estado gasoso é igual ao que passa para o estado líquido. Designa-se como tensão de saturação do vapor do líquido a pressão a que o líquido está sujeito nessa situação de equilíbrio. Se se aumentar a temperatura, verifica-se que a vaporização recomeça até se atingir uma nova situação de equilíbrio com um valor mais elevado da pressão – a tensão de saturação do vapor cresce com a temperatura. A tabela seguinte apresenta valores da tensão de saturação do vapor da água para diferentes temperaturas. T (ºC) 4 10 20 30 50 80 100 Tensão (kPa) 0.813 1.225 2.33 4.24 12.3 47.3 101.2 (= 1 atm) Note-se que, para a temperatura de 100 ºC, a tensão de saturação de vapor iguala a pressão atmosférica normal. A consideração da tensão de saturação do vapor da água é muito importante em certas condições de escoamento em que a pressão se torna extremamente baixa, podendo originar o fenómeno de cavitação. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 18 | P á g i n a 2.8 CELERIDADE Celeridade c é a velocidade de propagação duma perturbação no seio dum líquido. A celeridade pode ser calculada pela expressão c (2.9) Para a água a temperaturas habituais (10 a 30 ºC), a celeridade tem um valor de aproximadamente 1400 m/s. 2.9 SOLUBILIDADE DE GASES EM LÍQUIDOS A solubilidade de gases em líquidos é expressa pela lei de Henry: a temperatura constante e em condições de saturação, a relação entre o volume de gás dissolvido e o volume de líquido é constante. Se num dado ponto do escoamento dum líquido a pressão aumentar, o volume do gás dissolvido diminui3 e uma quantidade adicional de gás pode ser dissolvida; inversamente, se a pressão diminuir, liberta-se uma certa quantidade de gás que pode formar uma bolsa ou cavidade no seio do líquido. Para temperaturas normais, a concentração do ar dissolvido na água em condições de saturação é de cerca de 2%. 2.10 LÍQUIDO PERFEITO E LÍQUIDO REAL Denomina-se líquido perfeito ou ideal o líquido considerado incompressível e com viscosidade nula. Este líquido escoa-se sem que surjam tensões tangenciais, não havendo portanto perdas de energia. A assunção de líquido perfeito, simplificando a análise dos problemas, tem utilidade para a derivação de princípios básicos e em algumas situações particulares em que as hipóteses de incompressibilidade e viscosidade nula são aceitáveis. Designa-se por líquido real aquele em que se entra em linha de conta com a viscosidade e com a compressibilidade. No entanto, como se referiu anteriormente, a compressibilidade pode ser ignorada na maioria dos problemas práticos. 3 Recorde-se que, pela lei de Gay-Lussac (p V = n R T), a uma dada temperatura constante a variação do volume dum gás é inversamente proporcional à variação da pressão. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 19 | P á g i n a 3. HIDROSTÁTICA 3.1 LEI HIDROSTÁTICA DE PRESSÕES Hidrostática é o capítulo da Mecânica de Fluidos que estuda os líquidos em repouso. Num líquido em repouso, não há variações de velocidade e, por conseguinte, não surgem tensões tangenciais . Apenas existem pressões (compressões). A equação fundamental da Dinâmica (2ª lei de Newton) expressa-se por amF (3.1) sendo F a resultante das forças exteriores aplicadas a um corpo de massa m e a a aceleração resultante. Noslíquidos em repouso, a aceleração é nula e consequentemente também F o é. Como se viu no capítulo anterior, as forças exteriores que actuam sobre um volume de líquido são o peso próprio e as forças de contacto. Como as tensões tangenciais são nulas nos líquidos em repouso, as forças de contacto são as resultantes das pressões normais que actuam sobre a superfície que contém o volume de líquido. Designando o peso próprio por G e a resultante das pressões por P , tem-se então 0PG (3.2) Considere-se agora a figura 3-1 que representa um cilindro de bases horizontais e geratrizes verticais no seio do líquido em repouso. Vamos analisar a equação anterior (que é uma equação vectorial) na sua componente na direcção vertical. Figura 3-1 – Cilindro vertical em equilíbrio no seio do líquido HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 20 | P á g i n a As únicas forças com componente vertical são o peso próprio e as resultantes das pressões que actuam sobre as bases horizontais do cilindro. As pressões que actuam sobre a superfície lateral do cilindro são horizontais e, por isso, também as suas resultantes o são. O peso próprio é calculado por dA)zz(G 21 (3.3) sendo dA a área elementar da base do cilindro. Como a base do cilindro pode ser tornada tão pequena quanto se desejar (dA tende para 0), as pressões p1 e p2 podem ser consideradas constantes. Obtêm-se então, tomando o sentido vertical para baixo como positivo: 0)( 2121 dApdApdAzz (3.4) Donde se obtém que 2 2 1 1 zpzp (3.5) Como as cotas z1 e z2 são genéricas, pode-se então escrever que ctezp (3.6) Esta igualdade exprime a Lei Hidrostática de Pressões. É fácil verificar que esta igualdade não se restringe a pontos do líquido situados na mesma vertical. Para isso, basta mostrar que a igualdade continua válida para pontos do líquido situados ao mesmo nível. Considere-se então a figura 2.2 que representa um cilindro no seio do líquido. Este volume tem geratrizes horizontais e bases de topo. Figura 3-2 – Cilindro horizontal em equilíbrio no seio do líquido HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 21 | P á g i n a Considerando agora a componente horizontal da equação vectorial, verifica-se que nem o peso próprio nem as pressões actuando sobre a superfície lateral têm componente horizontal. Por isso, as únicas forças exteriores com componente horizontal são as resultantes das pressões que actuam sobre as bases. Consequentemente, a equação reduz-se a 043 dApdAp (3.7) Ou seja, p3 = p4. Como também z3 = z4 , então fica demonstrado que a equação ctez p (3.8) se verifica também para pontos situados na mesma horizontal. Consequentemente, a lei hidrostática de pressões é válida para quaisquer dois pontos dum líquido em repouso. Considere-se agora a figura 2.3 que representa um recipiente em que a superfície do líquido está sujeita a uma certa pressão ps. Considerando um ponto genérico no interior do líquido e um ponto s à superfície do líquido, é fácil concluir que Figura 3-3 – Recipiente com pressão sobre a superfície livre do líquido 2pps s s zpzp 1 1 (3.9) Donde se tira que: hpzzpp sss )( (3.10) sendo h a profundidade a partir da superfície. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 22 | P á g i n a 3.2 PRESSÕES ABSOLUTAS E PRESSÕES RELATIVAS A figura 3.4 representa dois eixos de pressões, o de cima com pressões absolutas e o de baixo com pressões relativas. A pressão relativa é a pressão absoluta diminuída da pressão atmosférica. Em muitos problemas de Hidráulica torna-se mais fácil trabalhar com pressões relativas do que com pressões absolutas – veja- se por exemplo o caso dum líquido em repouso com a superfície em contacto com a atmosfera. Nesse caso, a pressão ps da equação 2.10 é nula. atmabsrel ppp Figura 3-4 – Pressões absolutas e pressões relativas A pressão atmosférica normal é, como se sabe, equivalente a uma coluna de 760 mm de mercúrio ou de 10.33 m de água. As pressões absolutas são sempre positivas já que o zero representa o vácuo absoluto. As pressões relativas serão positivas se superiores à pressão atmosférica e negativas se inferiores; a pressão relativa mínima é de –10.33 m de água. 3.3 MANÓMETROS SIMPLES E MANÓMETROS DIFERENCIAIS A medição da pressão num ponto junto à parede dum recipiente pode fazer-se com manómetros. O manómetro simples é um tubo (vertical ou inclinado) que contém um líquido (líquido manométrico) em que uma das extremidades se liga a um orifício na parede do recipiente (tomada de pressão) e a outra extremidade é aberta, com o líquido manométrico em contacto com a atmosfera. A medição da pressão com o manómetro baseia-se na aplicação directa da lei hidrostática de pressões, figura 2.5. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 23 | P á g i n a Figura 3-5 – Manómetros simples No primeiro exemplo da figura, a pressão no ponto A é obtida da seguinte maneira, relacionando A com o ponto S da superfície livre do manómetro S S A A zpzp (3.11) Como zS – zA = h e pS = 0 (em pressões relativas), obtém-se: hp A (3.12) ou h pA (3.13) com a pressão expressa em termos de altura do líquido manométrico. A configuração do manómetro em U, no segundo exemplo da figura, permite medir pressões relativas negativas. Quando a pressão no recipiente for muito elevada, convém utilizar um líquido manométrico de densidade elevada como o mercúrio (drel = 13.6), conforme se representa no terceiro exemplo da figura – manómetros redutores. Convém que o mercúrio fique separado do recipiente por um outro líquido como a água. Nesse caso, a pressão no recipiente obtém-se por aplicação sucessiva da equação 2.6 a pontos situados no mesmo líquido. pB = pA + 1 h1 (3.14) pC = pD + 2 (h1 + h2) = 2 (h1 + h2) (3.15) visto que pD (relativa) é nula. Como oa pontos B e C estão no mesmo líquido e ao mesmo nível, pB = pC . Donde pA = 2 h2 + (2 - 1) h1 (3.16) HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 24 | P á g i n a Os líquidos mais utilizados nos manómetros redutores são o mercúrio e o acetileno tetrabromado. Quando as pressões no recipiente são muito baixas, devem-se utilizar manómetros amplificadores, onde o líquido manométrico tem uma densidade baixa, inferior à da água, como por exemplo o álcool etílico. A tabela 166 de LENCASTRE 1983 dá as densidades de diversos líquidos manométricos. Para medir a diferença de pressões entre dois pontos dum líquido a escoar-se utilizam-semanómetros diferenciais, figura 2.6. Figura 3-6 – Manómetro diferencial Se na conduta se escoa um líquido com densidade 1 e o líquido manométrico tem densidade 2 , normalmente superior a 1, considerando os pontos 1 e 2 chega-se facilmente a hKhpp )1( 1 2 1 21 (3.17) K é a constante manométrica. 3.4 IMPULSÃO HIDROSTÁTICA Impulsão hidrostática é a resultante (quando existe) do conjunto de pressões que actuam sobre uma superfície no seio dum líquido. Como se sabe, no caso geral dum sistema de forças no espaço, elas são sempre redutíveis a uma resultante e a um momento resultante. No entanto, só em casos particulares é que o momento resultante é nulo e o sistema de forças se pode reduzir unicamente à resultante. Esses casos particulares são: forças concorrentes forças paralelas forças complanares Assim, só existe impulsão hidrostática nos seguintes casos: HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 25 | P á g i n a superfícies de corpos imersos ou flutuantes (teorema de Arquimedes); superfícies planas (caso de forças paralelas já que as pressões são todas perpendiculares a esse plano); calotes esféricas (caso de forças concorrentes visto que as pressões, sendo perpendiculares à superfície esférica, passam todas pelo centro da esfera); superfícies cilíndricas cortadas por secções planas normais às geratrizes para geratrizes horizontais (caso de forças complanares); superfícies cilíndricas cortadas por secções planas normais às geratrizes para directriz circular (caso de forças complanares). Estes casos particulares não são tão restritivos quanto poderá parecer. Com efeito, grande parte das situações de interesse para a Engenharia Civil envolvem produtos fabricados com formas regulares que se enquadram nesses casos particulares. O estudo da impulsão hidrostática para os casos acima referidos é apresentado nos capítulos que se seguem. 3.5 TEOREMA DE ARQUIMEDES Arquimedes foi um físico grego que viveu na colónia grega de Siracusa no século III a.c. A sua descoberta relativa à impulsão hidrostática, a que ficou associado o célebre Eureka!, foi motivada por um problema prático que lhe fora colocado (se uma coroa real tinha prata misturada com o ouro de que era suposta ser feita). O Teorema de Arquimedes diz o seguinte: todo o corpo mergulhado num líquido recebe deste uma impulsão vertical de baixo para cima igual ao peso do volume do líquido deslocado. Figuras 3-7 – Corpo imerso em equilíbrio e forças que actuam num corpo mergulhado HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 26 | P á g i n a Como se pode ver na figura 3.7, um corpo total ou parcialmente imerso no líquido em repouso encontra-se numa situação de equilíbrio. As forças actuantes sobre o corpo são o peso próprio G e a resultante das pressões sobre a superfície do corpo P . As pressões hidrostáticas no líquido em repouso não dependem da presença do corpo, dependem apenas da densidade do líquido e da profundidade. Donde, as pressões não se alteram se substituirmos o corpo por um volume de líquido contido pela mesma superfície. Portanto, PG (3.18) Os corpos maciços mais densos que o líquido afundam-se porque a impulsão é sempre inferior ao peso do corpo mesmo quando totalmente imerso. Os corpos maciços menos densos que o líquido flutuam sempre, imergindo apenas uma parte do volume, tal que o peso do volume do líquido deslocado seja equilibrado pela impulsão. Os navios são feitos de metal, muito mais denso que a água, mas flutuam porque o interior do casco é praticamente vazio, o que faz com que a sua densidade média seja inferior à da água. Figuras 3-8 – Empuxo na parte inferior dos barcos e a famosa frase EUREKA atribuída a Arquimedes O teorema de Arquimedes serve também de base para o funcionamento de densímetros, flutuadores em que o grau de imersão mede a densidade do líquido em que estão imersos. Um tipo de densímetro muito utilizado é o areómetro Baumé, graduado em º B, ver tabelas 6 e 7 de LENCASTRE 1983. Exercício – Um recipiente contendo um líquido foi pesado numa balança que registou o peso de 100 KN. Posteriormente, introduziu-se no líquido um corpo com o peso de 10KN que ficou a flutuar. Qual o peso total que seria acusado pela balança? O que é que se passaria em termos de impulsão? 3.6 IMPULSÃO SOBRE SUPERFÍCIES PLANAS Considere-se a superfície plana A de contorno irregular, conforme se representa na figura 3.9. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 27 | P á g i n a Figura 3-9 – Impulsão sobre uma superfície plana irregular Tome-se uma área elementar dA genérica da superfície A. Este elemento dA situa-se a uma profundidade genérica h e tem coordenadas genéricas x, y no sistema de eixos XOY no plano da superfície em que o eixo OY é horizontal. Pode-se escrever dAhdF (3.19) sinxh (3.20) Como todas as pressões são perpendiculares à superfície plana, a resultante será também perpendicular à superfície. O seu módulo pode obter-se integrando a equação 3.19 para toda a superfície. A 00 hAsinxAdAxsin (3.21) ou 0hA (3.22) sendo x0 a coordenada do centro de gravidade da superfície, A a respectiva área e h0 a profundidade a que se situa o centro de gravidade. Portanto, a impulsão sobre uma superfície plana é calculada simplesmente multiplicando a pressão no centro de gravidade da superfície 0h pela área A da superfície. Pode-se também determinar facilmente o ponto da superfície por onde passa a resultante – centro de impulsão. Para isso, basta igualar os momentos do diagrama de pressões e da resultante em relação aos dois eixos coordenados. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 28 | P á g i n a Tomando momentos em relação ao eixo OY dAxdFxx A AI 2sin (3.23) Sabe-se da Geometria das Massas e por aplicação do teorema de Steiner que: 20 2 xAIIdAx YgyA (3.24) em que IY é o momento de inércia da superfície em relação ao eixo OY e IYg o momento de inércia em relação a OYg que passa pelo centro de gravidade da superfície. Da conjugação das equações 3.23 e 3.24 obtém-se então 0 00 2 0 sin )(sin x xA I xA xAI x YgYgI (3.25) Como a primeira parcela do 2º membro da equação 3.25 é sempre positiva, verifica-se que xI é sempre superior a x0 . Portanto, o centro de impulsão está sempre localizado abaixo do centro de gravidade da superfície plana. De forma análoga pode obter-se a coordenada yI do centro de impulsão. Tomando momentos em relação ao eixo OX dAyxdFyy A AI sin (3.26) 00 yxAIIdAyx XYgXYA (3.27) 0 00 00 sin )(sin y xA I xA yxAI y XYgXYgI (3.28)A figura 3.10 representa um caso particular de superfícies planas: trata-se dum rectângulo com os lados de topo horizontais. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 29 | P á g i n a Figura 3-10 – Impulsão sobre um rectângulo plano com topos horizontais Neste caso, é muito simples obter a resultante calculando o volume do diagrama de pressões. Sendo h1 e h2 as profundidades correspondentes aos lados de topo e b o respectivo comprimento, a resultante será dada por = 0.5 b (h1 + h2) (3.29) A resultante passa no centro de gravidade do prisma trapezoidal. 3.7 IMPULSÃO SOBRE SUPERFÍCIES CURVAS No caso geral de superfícies curvas, o conjunto de pressões que actuam sobre a superfície não será redutível a uma força única mas sim a uma resultante e a um momento resultante. Pode-se, no entanto, obter as forças resultantes segundo os eixos x, y, z a partir das projecções das forças elementares de pressão Fd segundo esses eixos. Admitindo que o eixo OZ é vertical, ter-se-ia então as resultantes v , x e y . Em determinados casos particulares, pode-se escolher os eixos OX e OY de tal maneira que uma das resultantes horizontais seja nula. Vejamos então como se podem determinar a impulsão vertical v e a impulsão horizontal h . Considere-se para isso a figura 2.10 que representa uma superfície líquida imersa no seio dum líquido. A força elementar de pressão Fd tem uma componente vertical dFv cosdFdFv (3.30) Como dF = h dA, obtém-se então: HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 30 | P á g i n a vv dAhdAhdF cos (3.31) dVdFv (3.32) ou seja, a força elementar dFv é igual ao peso do volume elementar de líquido acima da superfície elementar premida dA. Figura 3-11 – Impulsão sobre uma superfície curva qualquer Fazendo a integração para toda a área da superfície premida, A vv dF (3.33) Portanto, a impulsão vertical é igual ao peso do volume do líquido delimitado pela superfície premida, pelas projectantes verticais tiradas pelo contorno da superfície e pela superfície livre. O cálculo da impulsão h segundo uma direcção horizontal genérica h pode ser calculado por um processo similar. hh dAhdAhdFdF coscos (3.34) ou seja, a força elementar dFh é igual à impulsão sobre a projecção da área elementar dA num plano vertical perpendicular à direcção h. Integrando para toda a área da superfície premida, A hh dF (3.35) Assim, a impulsão horizontal é igual à impulsão hidrostática que seria exercida sobre a projecção da superfície premida num plano vertical perpendicular à direcção h considerada. A figura 3.12 ilustra o processo de cálculo das impulsões vertical e horizontal sobre uma superfície curva. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 31 | P á g i n a Figura 3-12 – Determinação da impulsão vertical e horizontal sobre uma superfície curva Um caso especial que interessa considerar é o do cálculo da impulsão sobre uma superfície curva com contorno plano, figura 3.13. Figura 3-13 – Impulsão sobre uma superfície curva com contorno plano Se se considerar o equilíbrio do volume de líquido limitado pela superfície curva e pelo contorno plano, a aplicação da equação (2.2) conduz-nos a 0212 GPG (3.34) 21 G (3.35) A vantagem deste processo é que o cálculo de 2 é bastante simples. 3.8 IMPULSÃO SOBRE A BASE E A TOTALIDADE DE RECIPIENTES Considerem-se os três recipientes cilíndricos da figura 3.14, com bases iguais e volumes diferentes, todos com líquido ao mesmo nível. Admita-se que o peso dos recipientes é desprezável. É evidente que a impulsão exercida sobre a base dos recipientes é a mesma nos três casos e que a força transmitida à base é diferente em cada caso. Essa força é igual ao peso do líquido, G, em cada recipiente, que por sua vez tem de ser igual à impulsão hidrostática do líquido sobre a totalidade da superfície do recipiente. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 32 | P á g i n a Figura 3-14 – Impulsão sobre a base e a totalidade de recipientes No primeiro caso, = G. No segundo caso, a impulsão sobre a base é superior a G porque as paredes laterais estão traccionadas. Finalmente, no terceiro caso é inferior a G visto que as paredes laterais estão comprimida. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 33 | P á g i n a 4. HIDROCINEMÁTICA 4.1 TRAJECTÓRIAS E LINHAS DE CORRENTE Hidrocinemática é o capítulo da Mecânica de Fluidos que estuda a caracterização do movimento dos líquidos. Nesta caracterização é importante definir os conceitos de linha de corrente e de trajectória. Define-se trajectória como o lugar geométrico dos pontos ocupados ao longo do tempo por uma partícula em movimento. Considere-se agora num líquido em movimento o vector velocidade ),,,( tzyxvv . A velocidade varia de ponto para ponto do líquido e, em cada ponto, varia ao longo do tempo. Pode assim considerar-se um campo de velocidades. Num dado instante de tempo, t0, será possível ter então um conjunto de vectores ),,,( 0tzyxvv , veja-se a figura 3.1. Figura 4.1 – Campo de velocidades e linha de corrente dum escoamento Define-se linha de corrente como a linha que, num dado instante e em qualquer dos seus pontos, é tangente aos vectores velocidade. No escoamento variável, em que as características do escoamento variam ao longo do tempo, o campo de velocidades é, em geral, variável com o tempo, acontecendo por isso o mesmo com as linhas de corrente. Poder-se-á visualizar melhor as diferenças entre trajectórias e linhas de corrente através da seguinte experiência, veja-se a figura 3.2. Sobre a superfície livre dum líquido a escoar-se lança-se um grande número de confetti coloridos que flutuam à superfície e seguem com o escoamento. Se fizermos uma fotografia da superfície livre com os confetti com um grande tempo de exposição, cada uma das partículas em movimento (visualizada por um confetti) impressionará na chapa fotográfica um segmento que corresponde à velocidade da partícula. O conjunto dos segmentos que aparecem na chapa fotográfica corresponderá então ao campo de velocidades naquele instante e as linhas tangentes às velocidades são as linhas de corrente. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________34 | P á g i n a Se agora fizermos sucessivas fotografias, com duração muito curta, sobre uma mesma chapa fotográfica, o que obtemos são as sucessivas posições ocupadas por cada partícula. Unindo os diversos pontos correspondentes a uma mesma partícula, obtemos a trajectória dessa partícula. Figura 4.2 – Experiência de visualização de linhas de corrente e trajectórias A distinção entre trajectórias e linhas de corrente pode também ser ilustrada pelo exemplo dum observador que, na margem dum rio, vê o escoamento à volta dum pilar duma ponte ou, na margem dum lago, vê o movimento da água provocado pela proa dum barco em movimento, figura 3.3. No primeiro caso, trata-se dum regime permanente (não varia com o tempo) e as trajectórias coincidem com as linhas de corrente. No segundo caso, trata-se para o observador dum regime variável (varia com o tempo) e as trajectórias já não coincidem com as linhas de corrente. Figura 4.3 – Trajectórias e linhas de corrente em regime permanente e variável 4.2 TIPOS DE ESCOAMENTO Critérios de classificação A classificação dum escoamento como pertencendo a um determinado tipo depende do critério utilizado para caracterizar os diversos tipos de escoamento. No estudo do escoamento dos líquidos, interessa fundamentalmente fazer a sua categorização de acordo com os seguintes critérios: HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 35 | P á g i n a condições físicas de fronteira variação com o tempo variação com o espaço regularidade das trajectórias propagação de perturbações Faz-se de seguida uma primeira introdução a estes vários tipos de escoamento, embora uma melhor compreensão de alguns deles necessite de conceitos e ferramentas a serem introduzidos em capítulos posteriores. Classificação segundo as condições físicas de fronteira No que respeita às condições físicas de fronteira, os escoamentos podem ser classificados como: escoamentos sob pressão – acontece em condutas de secção fechada, sem contacto com a atmosfera; a pressão em qualquer ponto do escoamento será normalmente diferente da pressão atmosférica. O escoamento em condutas de sistemas de abastecimento de água ou em circuitos hidráulicos de centrais hidroeléctricas é exemplo de escoamentos sob pressão. escoamentos com superfície livre – são escoamentos que ocorrem com alguma parte do escoamento (a superfície livre) em contacto com a atmosfera; a pressão na superfície livre é igual à pressão atmosférica. Pode referir-se como exemplos de escoamentos com superfície livre o escoamento em rios ou em valas de drenagem. escoamentos em meio poroso – são escoamentos através dum solo permeável, sem contacto com a atmosfera; o escoamento dá-se através dos poros do solo mas a secção do escoamento é definida estatisticamente pela porosidade. O escoamento subterrâneo que alimenta poços e furos de água é um exemplo de escoamento em meio poroso. Os escoamentos sob pressão serão estudados em Hidráulica I; os escoamentos com superfície livre sê-lo-ão em Hidráulica II; os escoamentos em meio poroso serão tratados nas disciplinas de Mecânica dos Solos e Hidrologia. É importante notar que pode haver escoamentos em condutas de secção fechada e que são escoamentos com superfície livre. Isso acontece sempre que o escoamento não ocupa totalmente a secção da conduta, como nos casos das condutas de águas residuais e de drenagem pluvial. Classificação segundo a variação ao longo do tempo Considerando o critério de variação ao longo do tempo, os escoamentos podem ser classificados como: HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 36 | P á g i n a escoamento variável – as características do escoamento, como por exemplo a velocidade num dado ponto, variam com o tempo. ),,,( tzyxvv . É a situação mais geral e também mais complexa de estudar. São exemplos o escoamento dum rio durante uma cheia, o escoamento numa vala de drenagem durante uma chuvada intensa, o escoamento numa conduta alimentada por gravidade por um reservatório cujo nível vai baixando. escoamento permanente – as características do escoamento, como a velocidade num ponto, não variam com o tempo. 0),,,( t vzyxvv . Podem referir-se como exemplos o escoamento num rio que não está em cheia ou o escoamento numa conduta alimentada por um reservatório cujo nível de água se mantém constante. Em muitas circunstâncias, as características do escoamento podem variar tão lentamente que o escoamento pode ser estudado como escoamento permanente. escoamento transitório – trata-se do escoamento variável que ocorre entre dois escoamentos permanentes. Um exemplo é o fecho parcial duma conduta: as condições iniciais de escoamento permanente alteram-se e gera-se um escoamento variável mas, ao fim de algum tempo, o efeito da perturbação (fecho parcial) desaparece e fica-se com um novo escoamento permanente. No escoamento permanente, as linhas de corrente coincidem com as trajectórias. No entanto, a coincidência de linhas de corrente e trajectórias pode existir mesmo no escoamento variável, como é o caso do Golpe de Ariete provocado pelo fecho total duma conduta cilíndrica. Classificação segundo a variação ao longo do espaço De acordo com o critério da classificação ao longo do espaço, os escoamentos podem ser classificados como: escoamento variado – as características do escoamento, como a velocidade, variam de ponto para ponto do escoamento, podendo variar ou não ao longo do tempo. ),,(),,,( zyxvvoutzyxvv . Constituem exemplos de escoamento variado o escoamento num rio onde as secções transversais variam, o escoamento num troço tronco- cónico duma conduta ou o escoamento numa conduta de alimentação onde o caudal vai diminuindo ao longo do percurso. escoamento uniforme – as características do escoamento não variam de ponto para ponto do escoamento. ctev . Note-se que não é fisicamente possível ter )(tvv , ou seja, ter uma característica do escoamento a variar com o tempo sem variar no espaço, visto que isso implicaria que qualquer perturbação no escoamento se propagaria a uma velocidade infinita. Portanto, não existe escoamento variável uniforme. A conjugação dos critérios de variação no tempo e no espaço leva então à existência de três e não quatro tipos diferentes de escoamento: HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 37 | P á g i n a escoamento uniforme – é o escoamento que não varia nem com o tempo nem com o espaço. ctev escoamento variado – é o escoamento que varia com o espaço mas não varia com o tempo. ),,( zyxvv escoamento variável – é o escoamento que varia com o espaço e com o tempo. ),,,( tzyxvv O escoamento variado é ainda classificado como escoamento gradualmente variado (escoamento em rios e canais) se as características do escoamento variarem lentamente no espaço; ou escoamento rapidamente variado (escoamento em descarregadores, pontes e aquedutos) se essas características variarem rapidamente. Esta divisão é particularmente importante para os escoamentos com superfície livre, onde obrigam a tratamento diverso. O estudo do escoamento variável é muito complexo e normalmentereservado para o nível de pós- graduação ou de cursos de especialização, onde se faz em paralelo o estudo de ferramentas matemáticas apropriadas para a sua análise (métodos de integração de sistemas de equações diferenciais às derivadas parciais). Os únicos casos de escoamento variável a serem tratados nas disciplinas de Hidráulica, embora de forma simplificada, são o golpe de ariete em condutas sob pressão e a oscilação em massa em galerias de centrais hidroeléctricas. Classificação dos escoamentos em relação à regularidade das trajectórias Se se abrir lentamente uma torneira, verifica-se que o escoamento se processa duma forma muito regular – as trajectórias são rectilíneas e não interferem umas com as outras. Continuando a abrir a torneira lentamente, o caudal debitado vai aumentando até que, a certa altura, o escoamento muda de aspecto – as trajectórias tornam-se irregulares e passam a interferir umas com as outras. De acordo com este critério, os escoamentos classificam-se então em: escoamentos laminares – as trajectórias são regulares, aproximadamente rectilíneas e não interferem umas com as outras. escoamentos turbulentos – as trajectórias são irregulares e interferem fortemente umas com as outras, aumentando a homogeneidade do escoamento através da troca de quantidades de movimento entre partículas. Mais adiante se verá como prever se um escoamento é laminar ou turbulento, através do número de Reynolds, Re, e do seu significado físico. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 38 | P á g i n a Devido ao seu carácter regular, os escoamentos laminares são mais simples de analisar do que os escoamentos turbulentos. No entanto, a maioria dos problemas práticos que se colocam em Hidráulica pertencem ao domínio dos escoamentos turbulentos. Classificação de acordo com a propagação das perturbações Se considerarmos um lago circular, com água parada, e deitarmos uma pedra no centro do lago, geram-se ondas a partir do centro que se propagam em todas as direcções para a periferia do lago. Se em vez dum lago tivermos um escoamento com uma certa velocidade e provocarmos uma perturbação num dado ponto desse escoamento, essa perturbação vai propagar-se mais rapidamente no sentido do escoamento (para jusante) do que no sentido oposto (para montante) visto que, neste último sentido, a velocidade de propagação da perturbação é contrariada pela velocidade do escoamento. Se a velocidade de propagação for superior à velocidade do escoamento, a perturbação acaba por propagar-se para montante; se for inferior, ela não se propaga para montante; no caso limite de ser igual, a perturbação mantém-se estacionária. De acordo com este critério, os escoamentos são classificados da seguinte forma: escoamento lento – a velocidade de propagação da perturbação é superior à velocidade do escoamento e o efeito da perturbação propaga-se tanto para jusante como para montante. escoamento rápido – a velocidade de propagação da perturbação é inferior à velocidade do escoamento e o efeito da perturbação apenas se propaga para jusante. A perturbação é arrastada para jusante. escoamento crítico – a velocidade de propagação da perturbação é igual à velocidade do escoamento e o efeito da perturbação não se propaga para montante, ficando a perturbação estacionária. Esta classificação é extremamente importante para os escoamentos com superfície livre. Ver-se-á mais adiante como prever se um escoamento será lento ou rápido, através da introdução do Número de Froude, Fr, e do seu significado físico. Exemplos ilustrativos A figura 3.4 apresenta exemplos ilustrativos dos diversos tipos de escoamentos aqui definidos. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 39 | P á g i n a Figura 4.4 – Exemplos ilustrativos de tipos de escoamento de acordo com o critério Reservatórios grandes, nível constante, conduta cilíndrica – escoamento uniforme; Reservatório de jusante é pequeno, nível vai subindo, conduta cilíndrica, velocidade decresce – escoamento variável; Reservatórios grandes, nível constante, conduta de diâmetro variável, velocidade varia – escoamento gradualmente variado Conduta cilíndrica, fecho instantâneo da válvula – escoamento variável Descarregador duma barragem – escoamento rapidamente variado HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 40 | P á g i n a 4.3 TUBO DE FLUXO, CAUDAL, VELOCIDADE MÉDIA Considere-se um escoamento representado por um conjunto de linhas de corrente e um contorno – linha fechada que não coincide com nenhuma linha de corrente. Por cada ponto do contorno passa uma linha de corrente, veja-se a figura 3.5. Figura 4.5 – Linhas de corrente e contorno Define-se tubo de fluxo como a porção de espaço delimitada pelo conjunto de linhas de corrente que passam por um contorno. Filete é o tubo de fluxo para um contorno com uma secção infinitamente pequena. Uma vez que a velocidade em cada ponto da superfície lateral do tubo de fluxo é tangente a essa superfície (visto que a superfície lateral é composta por linhas de corrente), a superfície lateral dum tubo de fluxo não é atravessada pelo líquido em movimento. Designa-se por secção recta a secção que corta ortogonalmente todas as linhas de corrente num tubo de fluxo, figura 3.6. Quando a secção recta é plana, ela é referida como secção transversal. Figura 4.6 – Secção recta e secção transversal dum tubo de fluxo Caudal é o volume do líquido que atravessa uma secção recta na unidade de tempo. O caudal que atravessa uma secção recta será então: A AA dAVdAVdAnVQ cos. (4.1) pois V e n têm a mesma direcção e sentido. Velocidade média numa secção recta dum tubo de fluxo é a velocidade, constante em todos os pontos dessa secção recta, dum escoamento fictício que transporta o mesmo caudal Q. HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas Teóricas da Disciplina de Hidráulica I _____________________________________________________________________________________________________________________ 41 | P á g i n a A A A dAV UAUdAVQ . (4.2) A figura 3.7 ilustra o conceito de velocidade média. Figura 4.7 – Exemplos de ilustração do conceito de velocidade média 4.4 EQUAÇÃO DA CONTINUIDADE A Equação da Continuidade traduz o princípio da conservação da massa: a variação da massa dum líquido contida num certo volume e , limitado por uma superfície S, durante um intervalo de tempo dt é igual ao fluxo da massa de líquido através de S, isto é, é igual à massa que entra menos a massa que sai nesse intervalo de tempo. dsnVdtded e S . (4.3) Pelo Teorema da Divergência ou de Gauss, deVdivdsnV eS (4.4) em que zyx div zyx (4.5) Daqui se obtém que deVdivdtded e e )( (4.6) A igualdade dos integrais num mesmo domínio obriga à igualdade das funções integradas, donde (sendo de não nulo) )( Vdiv dt d (4.7) HIDRÁULICA I – Apontamentos das Aulas
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