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A VESTIMENTA E O USO DE ADORNOS DOS NEGROS E PARDOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS 
COORDENAÇÃO DE HISTÓRIA 
 
 
ANDREZA MENEZES SOUZA 
 
 
 
 
 
 
 
A VESTIMENTA E O USO DE ADORNOS DOS NEGROS E PARDOS 
LIVRES/LIBERTOS COMO ESTRATÉGIA DE DISTINÇÃO E ASCENSÃO SOCIAL 
NA AMÉRICA PORTUGUESA ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII 
E INÍCIO DO SÉCULO XIX 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BOA VISTA/RR 
2019 
 
 
 
 
ANDREZA MENEZES SOUZA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A VESTIMENTA E O USO DE ADORNOS DOS NEGROS E PARDOS 
LIVRES/LIBERTOS COMO ESTRATÉGIA DE DISTINÇÃO E ASCENSÃO SOCIAL 
NA AMÉRICA PORTUGUESA ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII 
E INÍCIO DO SÉCULO XIX 
 
Monografia apresentada como requisito para 
obtenção do título em Licenciatura em História 
pela Universidade Federal de Roraima – 
UFRR. 
Orientadora: Prof. Dr.ªMonalisa Pavonne 
Oliveira 
 
 
 
 
 
 
BOA VISTA/RR 
2019 
 
 
S729v Souza, Andreza Menezes. 
AA vveessttiimmeennttaa ee oo uussoo ddee aaddoorrnnooss ddooss nneeggrrooss ee ppaarrddooss lliivvrreess//lliibbeerrttooss 
ccoommoo eessttrraattééggiiaa ddee ddiissttiinnççããoo ee aasscceennssããoo ssoocciiaall nnaa AAmméérriiccaa PPoorrttuugguueessaa 
eennttrree aa sseegguunnddaa mmeettaaddee ddoo SSééccuulloo XXVVIIIIII ee iinníícciioo ddoo SSééccuulloo XXIIXX / 
Andreza Menezes Souza. – Boa Vista, 2019. 
46 f. : il. 
 
Orientadora: Profa. Dra. Monalisa Pavonne Oliveira. 
 
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal 
de Roraima, Curso de História. 
 
1 - Antigo regime. 2 - Escravidão. 3 - Hierarquias. 4 - Aparências. 
5 - Resistência. I - Título. II - Oliveira, Monalisa Pavonne (orientadora). 
 
CDU - 316.347-054 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) Biblioteca 
Central da Universidade Federal de Roraima 
Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista: Maria 
de Fátima Andrade Costa - CRB-11/453-AM 
 
 
 
 
 
ANDREZA MENEZES SOUZA 
 
 
A VESTIMENTA E O USO DE ADORNOS DOS NEGROS E PARDOS 
LIVRES/LIBERTOS COMO ESTRATÉGIA DE DISTINÇÃO E ASCENSÃO SOCIAL 
NA AMÉRICA PORTUGUESA ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII 
E INÍCIO DO SÉCULO XIX 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito para 
obtenção do título em Licenciatura em História 
pela Universidade Federal de Roraima – 
UFRR, avaliada pela seguinte banca 
examinadora: 
 
 
 
 
 
_____________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª. Monalisa Pavonne Oliveira 
Orientadora/ curso de História - UFRR 
 
_____________________________________________________ 
Msc. Larissa Maria de Almeida Guimarães 
Suplente/IPHAN/RR 
 
 
__________________________________________________ 
Prof. Msc. Francisco de Paula Brito 
Curso de História - UFRR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Primeiramente a Deus. 
Aos meus pais, Araginalda Menezes de Souza Branco e José Francisco da Fonseca 
Souza, que sempre me incentivaram e apoiaram em meus estudos, desde a infância, 
acreditando no meu potencial. 
Ao meu namorado, Elon Gomes Ferreira, que me concedeu grande apoio durante 
minha jornada na Universidade. 
A todas as professoras e professores, que dedicaram aulas magníficas, repletas de 
conhecimento, aos quais permanecerão na memória, em especial a minha orientadora 
Monalisa Pavonne Oliveira, que me ajudou a tornar possível esta monografia e, por aceitar 
fazer parte deste trabalho, ao qual adorei realizar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
A sociedade colonial da América portuguesa durante o século XVIII até meados do século 
XIX configurou-se a partir dos aspectos do Antigo Regime e sob o contexto da escravidão 
negra. Uma das principais características do Antigo Regime é a manutenção das hierarquias 
sociais, no entanto, coma presença de africanos a pluralidade dos grupos sociais e as formas 
de inclusão e distinção subverteram a ordem social, e promoveram mudanças significativas no 
campo cultural. A sociedade colonial, influenciada por idéias advindas do Renascimento 
cultural e comercial, era pautada por aparências e, em virtude do desejo da elite colonial de 
manter a ordem das camadas sociais, fatores como, cor, grau de assimilação e função social 
poderiam diferenciar livres e escravos, além disso, mesmo com a concessão da alforria, os 
negros e pardos não eram tratados como tal. Entretanto, como o ser se sobrepunha ao ter, e 
livres e libertos desejavam ter sua condição reconhecida, logo, a vestimenta adquire uma 
importância essencial no processo de inclusão, distinção social e também de resistência. 
Resistência, por manter a cultura africana no continente americano e, pela luta por 
reconhecimento, inclusão e distinção, pois por meio da vestimenta a assimilação era facilitada 
e, também poderia diferenciá-los dos demais cativos. Dessa forma, empregaram-se as 
imagens de Carlos Julião como fontes iconográficas, a fim de exemplificar e explicar a 
dinâmica social de distinção social através da vestimenta e de adornos. Com isso, observou-
se, através do método de Panofsky, que a vestimenta e os adornos são elementos simbólicos 
que, conforme o contexto social adquire significados e interpretações, muitas vezes, distintas, 
e, é capaz de promover distinções e inclusões na sociedade. 
 
Palavras-chave: Antigo Regime. Escravidão. Hierarquias. Aparências. Resistência. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The colonial society of Portuguese America during the eighteenth century until the mid-
nineteenth century was framed by aspects of the Old Regime and under the context of black 
slavery. One of the main features of the Old Regime is the maintenance of social hierarchies, 
however, with the presence of Africans the plurality of social groups and the forms of 
inclusion and distinction have subverted the social order and promoted significant changes in 
the cultural field. Colonial society, influenced by ideas from the cultural and commercial 
Renaissance, was shaped by appearances and, because of the desire of the colonial elite to 
maintain the order of the social strata, factors such as color, degree of assimilation and social 
function could differentiate free and slaves, moreover, even with the granting of 
manumission, blacks and pardos were not treated as such. However, as being overlapped with 
being and freed and freed wanted to have their condition recognized, then clothing becomes 
essential in the process of inclusion, social distinction and also resistance.Resistance, for 
maintaining the African culture in the American continent and for the struggle for recognition; 
inclusion and distinction, since through dress the assimilation was facilitated and could also 
differentiate them from the other captives. In this way, the images of Carlos Julião were used 
as iconographic sources, in order to exemplify and explain the social dynamics of social 
distinction through dress and adornment. With this, it was observed, through the Panofsky 
method, that the dress and the paraphernalia are symbolic elements that, according to the 
social context acquire meanings and interpretations, often, distinct, and, is able to promote 
distinctions and inclusions in the society. 
 
Keywords: Old Regime. Slavery. Hierarchies. Appearances. Resistance. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
 
Figura 1 - Traje de mulher negra .............................................................................................. 35 
Figura 2 - Vestimenta de liberta ............................................................................................... 36 
Figura 3 - Vendedores ambulantes ........................................................................................... 37 
Figura 4
- Vendedora ................................................................................................................ 38 
Figura 5 - Coroação de uma rainha negra na festa de Reis ...................................................... 39 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 
1 ANTIGO REGIME E SUAS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS ......................... 14 
2 A ESCRAVIDÃO SOB A PERSPECTIVA DOS CATIVOS .......................................... 18 
3 MODA E CONCEITO ........................................................................................................ 21 
3.1 A MODA COMO FONTE HISTORIOGRÁFICA ........................................................ 26 
4 A VESTIMENTA COMO ELEMENTO DE DISTINÇÃO ............................................ 28 
4.1 ANÁLISE DAS FIGURAS DE CARLOS JULIÃO ...................................................... 33 
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 42 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 44 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
INTRODUÇÃO 
 
A presente pesquisa visa compreender a vestimenta como um símbolo material que 
auxilia no estudo acerca das relações da escravidão no período colonial, bem como, as 
atuações dos cativos, negros e pardos livres/libertos, perante a situação no cativeiro e a 
inserção no mundo dos livres. Desse modo, o tema deste trabalho é a vestimenta e o uso de 
adornos dos negros e pardos livres/libertos como estratégia de distinção e ascensão social na 
América portuguesa, entre a segunda metade do século XVIII e início do século XIX. 
A pesquisa será viabilizada através da análise descritiva das imagens produzidas por 
Carlos Julião, incluídas em Riscos iluminados de figurinhos de Brancos e Negros dos uzos do 
Rio de Janeiro e Serro do Frio (1960). 
O trabalho mencionará os lugares do Rio de Janeiro e Minas Gerais, que são os 
espaços que tiveram seus cotidianos retratados na obra supramencionada e nas demais 
referências bibliográficas incluídas nesta pesquisa. 
O recorte temporal no qual a pesquisa está circunscrita refere-se ao período em que 
as produções de Carlos Julião se inserem e, além disso, justificam-se em virtude das 
concessões de alforrias, que aumentaram, a partir do século XVIII e, nessa conjuntura, 
observa-se uma maior participação de negros e pardos em diferentes setores da economia, 
como no comércio, seja aquele estabelecidos em lojas ou ambulantes. Nesse contexto, a 
vestimenta se insere como um fator que se interliga com esses acontecimentos e, assim 
adquire uma representação simbólica de distinção. 
O estudo da vestimenta dos negros e pardos livres/libertos proporciona uma 
compreensão, que abrange o contexto do Antigo Regime, no século XVIII e, envolve também, 
o estudo da escravidão, que é um elemento chave, para se entender os conflitos e as relações 
de poder presentes na colônia. Dessa forma, a vestimenta e o uso de adornos como forma de 
distinção e ascensão social, estão embasados nesses elementos estruturais, presentes no Brasil 
colonial. 
As características do Antigo Regime moldaram a sociedade colonial em princípios 
hierárquicos, que reforçavam distinções sociais, baseados na cor e condição social, devido à 
presença de negros e gentios, o que concedeu bases para uma estrutura móvel, plural e 
corporativa. Dessa forma, hierarquias fixas não eram uma realidade no Antigo Regime, o que, 
por sua vez, justifica a perspectiva de análise da busca da distinção social, para além dos 
outros meios, pela vestimenta (HESPANHA, 2010, p.74). 
9 
 
As novas interpretações, acerca da relação da metrópole com sua colônia, no Antigo 
Regime, foram debatidas por historiadores, como António Manuel Hespanha, no capítulo 
Antigo Regime nos trópicos? Um debate sobre o modelo político do Império colonial 
português, incluído na coletânea Na trama das redes: política e negócios no Império 
português (2010), em que confirma essa pluralidade de modelos jurídicos, justaposição 
institucional e limitações constitucionais vistas na metrópole e, que, portanto, refletiram nas 
situações políticas e administrativas coloniais. Stuart Schwartz em Segredos internos: 
engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835 (1988), também enfatiza a mobilidade 
e a descentralização de poder, perante uma sociedade colonial complexa, com graduações 
sociais, que permitiram reforçar marcas de distinção. 
A escravidão, portanto, também passou a receber reinterpretações, a partir da década 
de 1980, em que o debate central se baseava na atuação histórica e cultural do escravo, na 
qual aspectos de resistências e estratégias de sobrevivência passaram a ser incluídas nos 
estudos das relações entre senhor e escravo, e dessa forma, a visão do escravo perante sua 
situação, se tornou um elemento na historiografia, a ser melhor analisado. 
Silvia Hunold Lara, na coletânea Modos de Governar: idéias e práticas políticas no 
Império português (2005), a partir do capítulo Conectando historiografias: a escravidão 
africana e o Antigo Regime na América portuguesa, e em Fragmentos setecentistas: 
escravidão, cultura e poder na América portuguesa (2007), se atenta a essa atuação do 
escravo na historiografia, seu modo de viver, seus sentimentos e seus anseios que 
dinamizavam com as instituições para atender seus objetivos, mas sempre a partir de 
negociações com seu senhor. Além disso, símbolos visuais, como a vestimenta, também 
passam a ser elementos essenciais na reafirmação da liberdade para negros e pardos 
livres/libertos, principalmente, no século XVIII, em que houve um aumento da concessão de 
alforrias na colônia. 
A conquista da alforria já era um fator de distinção, mas conforme Russell-Wood, em 
Escravos e libertos no Brasil colonial (2005), a questão da cor também era um fator que 
facilitava a integração, visto que um pardo/mulato de pigmentação mais clara tinha maior 
possibilidade de se sobressair socialmente do que um negro, mesmo este sendo livre. Além 
disso, a ascensão envolvia função e grau de assimilação na sociedade. Desse modo, a roupa e 
os adornos se tornam uma forma de se distinguir socialmente, já que a sociedade era pautada, 
inclusive, por aparências. 
Assim, de acordo com Julita Scarano, em seu artigo Roupas de escravos e de forros 
(1992), a roupa e os adornos se convertiam em um modo mais acessível para pardos e negros 
10 
 
livres/libertos de alcançar a distinção perante os cativos. Desse modo, a questão colocada para 
nortear a pesquisa se concentra em compreender de que forma a vestimenta poderia conceder 
uma distinção e ascensão social para negros e pardos livres/libertos no período colonial. 
A indumentária é um elemento visual que, desde a Idade Média, estava inserida nos 
modos de funcionamento das relações sociais. A vestimenta era um instrumento de 
reafirmação social e de classe, e, a partir dela, a ascensão e a distinção se tornavam mais 
explícitas e reconhecidas de forma imediata. Assim, 
A roupa sempre foi encarada como representativa de categorias
econômicas e 
sociais, de cargos e de funções. [...] Ultrapassa o mero desejo ou a possibilidade 
individual; tem significado e valor social e mesmo seus supérfluos e seus aspectos 
meramente decorativos nos levam a melhor compreender um local e um período 
histórico (SCARANO, 1992, p. 51). 
 
Desse modo, no século XVIII, a roupa e os adornos se tornaram importantes aliados 
dos negros e pardos libertos/livres, na América portuguesa, para a reafirmação de liberdade. 
Nesse período, a burguesia estava em ascensão, o que permitiu oportunidades econômicas 
para os livres e libertos, logo, escravas de ganho e demais alforriados que conseguiam 
trabalhar em ofícios, como barbeiros e carpinteiros, obtiveram ganhos lucrativos que 
possibilitaram a compra de roupas de tecidos nobres, como a seda, veludo e lã. Além disso, os 
pardos livres e forros que, por fazer parte de uma Irmandade ou ter uma profissão reputada, 
passaram a reivindicar o uso de adornos, como o espadim, que era concedido somente a elite 
branca (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 63). 
Contudo, apesar da conquista da alforria, a luta dos negros e pardos livres/libertos 
por distinção e ascensão, perante os cativos era constante, pois, leis metropolitanas e locais 
buscavam inferiorizar e afastar os livres/libertos da liberdade, através da cor, grau de 
aculturação e profissão, com o intuito de resguardar a hierarquia social, de modo a impedir 
que essa camada social pudesse “invadir” os espaços da elite branca colonial. Mas, como a 
sociedade, baseada no Antigo Regime, estava assentada em aparências, distinções e 
hierarquias, a roupa já traduzia uma condição social. Assim, o simples fato de utilizar 
apetrechos e adornos luxuosos já remetia a uma situação de liberdade, um exemplo, são 
sapatos, objetos de diferenciação social, que deixavam evidente a situação dos livres/libertos 
em relação aos cativos (LARA, 2007, p. 124). 
Logo, a vestimenta e o uso de adornos podiam possibilitar uma ascensão e distinção 
social para livres/libertos, o que permitia diferenciá-los dos cativos e reafirmar sua liberdade. 
Portanto, a roupa e os adornos traduziam distinções, e podem ser considerados símbolos de 
resistência, perante uma sociedade que condicionava a cor escura da pele à escravidão. 
11 
 
Dessa forma, o objetivo geral que estrutura o trabalho é demonstrar como a 
indumentária pode auxiliar na compreensão das relações sociais e culturais dos negros e 
pardos livres/libertos na América portuguesa. Além disso, temos como objetivos específicos: 
Apresentar como a vestimenta e o uso de adornos, de simbologia nobre, eram elementos que 
concediam distinção e possibilitavam ascensão social (ou reafirmação da liberdade) para 
negros e pardos livres/libertos. Enfatizar que mesmo com a conquista da liberdade, negros e 
pardos deveriam reafirmar sua condição, em virtude da distinção reforçada pela elite 
metropolitana e local, hierarquicamente, baseada na cor, função, condição social e grau de 
aculturação e, mostrar que a luta dos negros e pardos, por uma inserção na sociedade colonial, 
através da vestimenta e de adornos, pode ser vista como uma forma de resistência, para se 
desprender de estereótipos e, assim, passar a pensar os livres/libertos de ascendência africana 
como atuantes no processo histórico. 
Esta pesquisa busca contribuir para o entendimento das identidades dos negros e 
pardos libertos/livres e, atentar para que a História e a historiografia possam possibilitar, a 
partir da vestimenta, uma melhor análise das relações de poder no período colonial. Além 
disso, introduzir o debate quanto às atitudes, desejos e o comportamento dos negros e pardos 
na América portuguesa e, assim passar a enxergá-los como sujeitos atuantes na História. 
Observou-se, a partir de uma pesquisa realizada no site da Biblioteca Digital 
Brasileira de Teses e Dissertações, que há uma baixa quantidade de pesquisas relacionadas 
com a área da vestimenta no período colonial e, ainda mais carente, no que diz respeito a 
roupa dos negros e pardos livres/libertos, que é um problema enfatizado também na obra de 
Silvia Hunold Lara, Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América 
portuguesa (2007). Portanto, acredito que esta pesquisa possibilitará um incentivo para que 
novos estudos na área possam surgir e, consequentemente, repensar a atuação de negros e 
pardos, a partir da roupa, de modo a desmitificar estereótipos, como a submissão e a 
resistência concentrada somente nos quilombos. 
A escolha do tema se deu pelo interesse na indumentária e todos os aspectos 
simbólicos e de significados que podem ser a ela atribuídos, bem como sua função social de 
distinção, tensões e conflitos surgidos a partir do desrespeito ao decoro imposto por diversas 
legislações exaradas pelas Câmaras de diferentes vilas, como a 
1
Câmara Municipal de Vila 
Rica, e cidade, como a do Rio de Janeiro, no que concerne ao vestir-se e sua 
 
1
 FURTADO, Júnia Ferreira. As câmaras municipais e o poder local: Vila Rica – um estudo de caso na 
produção acadêmica de Maria de Fátima Silva Gouvêa. Tempo [online]. 2009, vol.14, n.27, pp.6-22. 
Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/tem/v14n27/a02v1427.pdf>. Acesso em: 10 de jul. de 2019 
http://www.scielo.br/pdf/tem/v14n27/a02v1427.pdf
12 
 
instrumentalização de controle e manutenção da expressão cultural material manifestada pelas 
vestimentas e adornos. Dessa forma, a vestimenta não pode se resumir em algo supérfluo e 
fútil, mas, além disso, a roupa possui uma simbologia que remonta à política, controle social e 
distinção. Logo, se entende que moda é política e o ato de vestir-se com características 
nobres, especificamente, no período colonial, presume significados que estão englobados no 
contexto do Antigo Regime. Hierarquia, desejo de distinção, de ascensão, e no caso dos 
negros e pardos, de reafirmação de liberdade. 
Nesse sentido, pretende-se viabilizar o debate e novas interpretações com relação à 
vestimenta e o que ela pode beneficiar em demais pesquisas, que levem em consideração a 
crítica e a interpretação de elementos visuais na História. 
A presente pesquisa empregará a iconografia como objeto a ser analisado de forma 
descritiva e crítica, de modo a contribuir com a compreensão dos aspectos culturais e sociais 
dos negros e pardos na América portuguesa. As imagens selecionadas estarão incluídas nas 
obras de Carlos Julião, a partir da publicação realizada pela Biblioteca Nacional, nomeada 
Riscos illuminados de Figurinhos de Brancos e Negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do 
Frio (1960). 
A vestimenta e os adornos dos livres e libertos serão o enfoque central da pesquisa, 
portanto, as imagens selecionadas nas obras deverão seguir critérios comparativos entre os 
cativos, livres e os negros e pardos libertos/livres, no que diz respeito a simbologia dos 
elementos visuais que compõem a indumentária. 
Carlos Julião (1740-1811) foi um militar a serviço da Coroa portuguesa, que realizou 
diversas viagens às colônias portuguesas na América, em meados do século XVIII. Julião ao 
vir para o Brasil retratou através de pinturas em aquarela o cotidiano e as vestimentas dos 
negros e pardos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, em que expressa detalhadamente, os 
adornos, formas e cores. O pintor procurou realçar os personagens, em sua grande parte 
composto por mulheres, e suas indumentárias, ocupando-os em primeiro plano e, muitas 
vezes desconsiderando as paisagens em suas obras. 
Desse modo, as imagens analisadas serão: figura 1 – Traje de mulher negra, figura 2 
– Vestimenta de liberta, figura 3 – Vendedores ambulantes, figura 4 – Vendedora e figura 5- 
Coroação de uma rainha negra na festa de Reis. 
Desse modo, de acordo com Cardoso (2010, p. 17) a análise da imagem, tratada 
como um documento histórico deve abarcar uma crítica interna, ou seja, considerar
o que está 
na imagem, mas sempre fazer o uso de textos de apoio, sobre o período abordado na imagem 
e, realizar uma crítica externa, em que deve-se procurar relacionar a obra com o contexto ao 
13 
 
qual foi produzida, levando em consideração as mentalidades, ideologias e o imaginário, de 
modo a contribuir com a compreensão dos aspectos sociais e culturais de um grupo ou 
sociedade. 
A iconologia, disciplina da História da Arte concebida por Erwin Panofskyi (1986), 
trata a iconografia como uma fonte histórica, vista sob uma perspectiva de representações 
simbólicas que os elementos da imagem expressam. Assim, a vestimenta, possui elementos 
simbólicos que podem ser examinados a partir das pinturas de Julião. Contudo, as fontes 
iconográficas devem ser associadas a outros tipos de fontes, para que sejam fundamentadas, a 
partir da crítica, e não de um juízo de valor. (CARDOSO, 2010, p. 15). 
Nesse sentido, pretende-se analisar as iconografias, de modo a extrair as ideologias 
que a vestimenta pode sugerir, de modo a facilitar a compreensão da roupa, como um 
componente de distinção para negros e pardos livres/libertos no período colonial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
1 ANTIGO REGIME E SUAS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS 
 
A vestimenta, desde a Idade Média, tinha a função de demarcar diferenças entre os 
grupos sociais e ao mesmo tempo, ser utilizada como estratégia política, na manutenção das 
hierarquias e do controle da sociedade. A moda, como entendemos hoje, surgiu entre os 
séculos XIII e XIV, no contexto medieval e se caracteriza pela mudança da roupa ao decorrer 
do tempo, ou seja, moda é mudança e se molda conforme o contexto ao qual está inserida 
(RIELLO, 2015, p. 13). 
A roupa como uma linguagem visual, foi utilizada, historicamente, para separar 
categorias e, no Antigo Regime, em que as hierarquias deveriam ser visíveis, a vestimenta e o 
uso de certos adornos foram elementos empregados para legitimar poderes, condições, lugares 
e distinções. Dessa forma, conforme Julita Scarano, 
Assim, o que se usava no próprio corpo constituía o modo mais fácil e acessível para 
se alcançar certa distinção, no seio de seu grupo e mesmo na sociedade como um 
todo. De resto, a roupa sempre teve o papel social de separar e distinguir categorias. 
No Brasil dos primeiros séculos isso é manifesto (1992, p.58). 
 
Desse modo, o Antigo Regime, a partir de suas características conceituais e o sistema 
escravista, baseado na mão de obra negra e indígena, concedeu forma à estrutura social, na 
América portuguesa, em que a composição na hierarquia teve que se ajustar às novas 
categorias sociais, através de distinções, baseadas na cor, aculturação, função e condição. 
Assim, a roupa também se convertia em uma forma de distinção visual e de reafirmação de 
liberdade para negros e pardos livres/libertos. Contudo, para compreender essas articulações é 
preciso conceituar os três temas que compõem essa pesquisa: Antigo Regime, escravidão e a 
vestimenta. 
Nos anos oitenta do século XX, uma nova interpretação historiográfica, acerca do 
Antigo Regime, levantou discussões sobre suas características estruturais, em que, questões 
como a centralização e a rigidez hierárquica passaram a receber críticas e novas formulações. 
De acordo com Hespanha (2010, p.58) o Antigo Regime de Portugal refletiu estruturalmente, 
em suas Conquistas, e, suas características, formaram as bases para as relações sociais e 
políticas na América portuguesa. 
Historiadores do período colonial, como Stuart Schwartz e John Russell-Wood, 
introduziram uma nova visão acerca das relações entre a metrópole e a colônia. No entanto, 
enxergar o Estado como um mero espectador, ausente de poder com relação às colônias, não 
isenta dizer que a experiência colonial foi alheia à violência e ao total distanciamento da 
Coroa nas negociações com os poderes periféricos (HESPANHA, 2010, p. 48). 
15 
 
Dessa forma, a descentralização observada no Antigo Regime reflete tanto nas 
metrópoles quanto em suas colônias. A falta de uma constituição, que administrasse as 
colônias portuguesas e a elaboração de leis locais, baseadas em costumes, conferiu bases para 
a construção de vínculos políticos e situações jurídicas entre a Coroa os povos colonizados, de 
modo a conceder autonomia aos representantes locais. Desse modo, de acordo com Hespanha 
(2010, p.57) justaposição institucional, pluralidade de modelos jurídicos, limitações 
constitucionais e demais vínculos políticos, foram características estruturais das comunidades 
políticas da Época Moderna. 
Instituições como vice-reis, governadores, donatários, governadores de capitanias, 
magistrados menores, oficiais e funcionários usufruíram de certa autonomia nas colônias. No 
entanto, inconsistência hierárquica e a confusão de cumprimentos de ordens, cederam lugar a 
uma garantia de autonomia a esses oficiais menores. As jurisdições estavam sob o domínio 
dos donatários, Tribunais superiores e desembargadores, que com força maior, assumiam 
controle nas leis, que muitas vezes, estavam à mercê dos interesses das elites coloniais 
(HESPANHA, 2010, p. 62). 
A descentralização dos poderes da Coroa reproduzida em seus domínios coloniais, 
não desestabilizou sua política de controle. A representação do rei a partir dos oficiais, não 
anulava a autoridade da realeza, pelo contrário, a enaltecia demasiadamente. Portanto, o 
Antigo Regime é plural, móvel e corporativo (HESPANHA, 1998, p.71). Por isso, resumir a 
relação da Metrópole com sua colônia de forma simplista e fixa, tende a desconsiderar todas 
as relações de poder que se instalavam na América portuguesa e, que gradativamente se 
estruturavam a partir de princípios hierárquicos, que buscavam reforçar as distinções sociais, 
baseadas em cor e classe, já que seu contexto social, diferente da Europa, era composto por 
escravos e gentios, que trabalhavam na lavoura. Desse modo, a cor dos escravos era uma 
característica utilizada para demarcar diferenças e graduações culturais, na hierarquia colonial 
(SCHWARTZ, 1988, p. 213). 
A escravidão na lavoura ampliou as categorias tradicionais, o português comum, 
dono da propriedade se tornou nobre e o escravo negro e o indígena se tornaram plebeus. 
Contudo, “a sociedade escravista brasileira não foi uma criação do escravismo, mas o 
resultado da interação da escravidão da grande lavoura com os princípios sociais preexistentes 
na Europa” (SCHWARTZ, 1998, p. 214). 
Em virtude disso, a sociedade se torna tão complexa: índios, negros aculturados, 
crioulos, mestiços, principalmente, a partir do século XVIII, em que as graduações sociais e 
culturais se tornam mais diversas e evidentes, pois com o advento da burguesia urbana e a 
16 
 
descoberta das jazidas minerais, as possibilidades de inserção dos escravos no comércio, 
culminaram em um aumento gradativo de concessões de alforrias e, consequentemente, um 
crescimento da população livre e de cor na América portuguesa, formado por negros e pardos 
livres/libertos (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 58). Logo, legitimar o status de nobreza e 
demarcar diferenças sociais, de modo a manter a ordem tradicional na hierarquia, foram 
elementos ajustáveis e presentes na América portuguesa, a partir de uma sociedade escravista, 
firmada em função da organização de engenho, baseada na cor, condição e função 
(SCHWARTZ, 1998, p. 215). 
As pessoas de cor livre formaram um grupo muito heterogêneo, suas origens, 
habilidades e graus de aculturação eram muito diversos. Assim, para situar facilmente a 
condição de inferioridade dos negros e pardos, a elite colonial buscou reforçar ainda mais as 
diferenças, através de leis discriminatórias, que dividiam a sociedade em dois extremos: negro 
(escravo, inferior, não aculturado) e branco (livre, aculturado, superior). (SCHWARTZ, 1998, 
p. 213). 
Os libertos (escravos que conquistaram sua liberdade,
através da pecúnia) e os livres 
(filhos de escravos forros ou filhos de uma escrava e um homem livre) nunca foram tratados 
realmente como livres, por isso enfatizar sua liberdade era importante, ainda mais em uma 
sociedade desigual, em que as classes superiores buscavam demarcar as diferenças. Logo, a 
incorporação de elementos e modos de vivência da elite, como os sacramentos da religião 
católica, trajes e símbolos nobres, afastavam sua condição de inferior e possibilitavam uma 
assimilação na sociedade. A terceira geração de escravos, ou seja, os netos dos forros tinham 
mais facilidade de inserção ao mundo livre (FARIA, 1998, p. 305). 
Outra distinção promovida entre os escravos negros era a designação de “boçais” e 
“ladinos”. O “boçal” se referia ao escravo recém-chegado ao Brasil, com nenhum 
conhecimento da cultura européia e do funcionamento da sociedade colonial na América 
portuguesa, já o “ladino” conhecia a língua portuguesa e as relações sociais que moldavam a 
sociedade, dessa forma, sua assimilação era mais vantajosa (BONCIANI, 2016). 
A conquista da alforria já representava uma forma de ascensão entre os cativos e, 
sobretudo, liberdade de movimento, entretanto, a sua integração ao mundo livre não ocorria 
de forma imediata, pois o estigma social da escravidão ainda permanecia vigente. O 
tratamento nominal dado aos pretos/pardos livres/libertos significava dizer que tinham um 
recente passado com a escravidão. Os filhos de “pardos livres” poderiam ser tratados a partir 
de seu nome, o que representava um distanciamento da escravidão e, reafirmação de sua 
17 
 
liberdade, ou seja, quanto mais longe de seu antepassado, melhores eram as possibilidades de 
assimilação (FARIA, 1998, p. 135). 
É importante destacar que a cor, até o século XIX, não estava necessariamente 
relacionada com os termos de caracterização, pardos ou pretos, mas sim de condição. A 
denominação “preto” fazia referência a escravo e quando este conquistava sua alforria se 
tornava “preto forro” e seus filhos se tornariam “pardos forros”. O termo “pardo” se referia 
tanto para os descendentes dos crioulos (filhos de escravos) quanto para designar uma 
miscigenação. Logo, era considerado um descendente mais distante de africanos e, quando se 
tornava livre recebia a denominação de “pardo forro” e seus filhos poderiam ser reconhecidos 
como “pardos livres” ou “forros”, mesmo sem nunca terem sido escravos ou filhos de 
escravos (FARIA, 1998, p. 138). Desse modo, 
Estas considerações evidenciam que a inserção de alforriados no universo dos livres 
era demorada e, até mesmo perversa. Ao libertar-se, o cativo transformava-se, aos 
olhos de seus companheiros, em privilegiado. No universo livre do qual, agora, fazia 
parte, inseria-se com emblemas nitidamente discriminatórios (FARIA, 1998, 139). 
 
Assim, a elite colonial branca buscava reforçar o estigma da escravidão entre os 
negros e pardos, mesmo estes sendo livres. A caracterização nominal concedida aos 
alforriados ou livres também era uma forma de distinção, que podia aproximar ou afastar da 
escravidão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 
 
2 A ESCRAVIDÃO SOB A PERSPECTIVA DOS CATIVOS 
 
A nova historiografia, que tomou corpo, nos anos de 1980 ofereceu novos temas e 
abordagens com relação à escravidão, na qual as ações dos escravos passaram a ser o tema 
central para se compreender o universo colonial e, como se davam as relações na escravidão. 
Dessa forma, as práticas do cotidiano representaram um roteiro que evidenciavam as visões e 
os pensamentos dos escravos, perante a escravidão e, como estes, faziam para lidar com ela. 
Assim, costumes, modos de viver, as mentalidades e as estratégias de sobrevivência foram os 
alvos de estudos que buscaram compreender a experiência histórica dos escravos e libertos. A 
influência da escola francesa contribuiu para a exploração desses aspectos. A partir disso, o 
período colonial passou a ser entendido como um universo complexo e dinâmico (LARA, 
2005, p. 29). 
O escravo-objeto deixou de ser a ideia hegemônica entre os historiadores, até porque 
nem os próprios escravos se viam assim. A construção de uma identidade para os cativos foi 
possível a partir de aspectos óbvios de convivência, pois assim como todo ser humano eles 
também tinham sentimentos de amor, raiva, ódio, inveja e desejos, assim, o escravo foi 
construindo suas próprias relações de negociação e conflito, na medida do possível em uma 
sociedade móvel (FARIA, 1998, p. 291). 
Entretanto, o escravo para sobreviver e atenuar a violência da escravidão tentava 
modificar sua realidade a favor de seus interesses, logo, respostas ao cativeiro, sejam elas 
coletivas ou individuais eram freqüentes. Desse modo, buscar se inserir em uma sociedade e 
reafirmar uma condição induzia o escravo a tomar atitudes que, envolviam acordos e 
consensos com o senhor, no entanto, desde que, fosse interessante para o senhor conceder tal 
anseio ao cativo (FARIA, 1998, p. 292). 
O impacto com a presença de escravos e libertos formaram experiências distintas e 
específicas, vivenciadas na América portuguesa, principalmente no século XVIII, 
influenciando na estrutura hierárquica. A presença negra na América portuguesa se deu pelo 
comércio realizado entre o Brasil a África ocidental e oriental, contudo, se tornou evidente 
com a implantação dos engenhos de açúcar. Com a descoberta do ouro em Minas na década 
de 1690, a mão de obra negra da Costa da Mina passou a ser predominante, pois esses 
escravos tinham adquirido experiência com a extração de ouro em seu lugar de origem. Dessa 
forma, as transformações no meio urbano e econômico se tornaram crescentes, já que 
afetaram a dinâmica móvel das hierarquias sociais, em virtude, do grande contingente de 
negros e mulatos libertos\livres na área central do Brasil (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 55). 
19 
 
As interações de culturas e visões de mundo faziam parte do cotidiano, pois o 
africano recém-chegado, ao entrar em contato com os componentes da escravaria antiga, 
adquiria culturas diferenciadas e formas de convivência e, o mesmo ocorria com os membros 
antigos. O senhor também internava culturas africanas e os cativos a cultura europeia. Logo, 
havia uma miscigenação de culturas que se adaptavam ao Novo Mundo (FARIA, 1998, p. 
300). 
Durante o século XVIII, o contexto mundial sofria transformações sociais e 
econômicas e, seus reflexos surtiram efeito no Brasil colonial, com o surgimento da burguesia 
urbana, que possibilitou o advento de uma classe mercantil, formada por libertos de 
ascendência africana, que almejavam por mobilidade e distinção social. Além disso, o 
contexto interno favoreceu os anseios da população escrava, pois com o advento do ouro, 
escravos que ficavam nessas regiões, se tornavam 
2
faisqueiros e, muitos escondiam diamantes 
quando estavam em serviço, logo, conseguiam acumular certa quantia, que concedesse sua 
liberdade (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 58). 
Escravos de artesãos, escravos de ganho, escravos que conseguiam realizar serviços 
especializados, como os barbeiros, carpinteiros, ambulantes, além disso, possuir apoio de uma 
3
Irmandade e se inserir no comércio como dono de uma taberna, também eram formas de 
fazer parte da população liberta (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 63). 
No meio urbano as concessões de alforrias eram em maior quantidade, em virtude 
das oportunidades econômicas de ascensão, na qual o escravo poderia obter e, pelo fato das 
articulações do senhor nas plantations, se basearem em paternalismo, isso diminuía o 
interesse do cativo pela alforria. Além disto, o escravo doméstico tinha mais possibilidade de 
adquirir sua alforria, por conta de sua maior aproximação com os valores europeus, adquiridos 
com o contato próximo da família de seu senhor (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 60). 
 
2 Indivíduo que procura nas minas faíscas
de ouro. "faisqueiros", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 
[em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/faisqueiros [consultado em 14-07-2019]. 
 
3 “As irmandades eram associações religiosas de leigos que se uniam para devoção de um orago. Essas 
associações eram, geralmente, regidas por estatutos que regulamentavam o ingresso de novos associados, as 
quantias pagas para o ingresso, bem como as anuais, as eleições da mesa gestora, e a assistência mútua em caso 
de doença, morte, crise financeira, etc. Ou seja, eram instituições que tinham como prerrogativa a religião, mas 
suas ações extrapolavam as questões religiosas e a administração dos sacramentos.” Oliveira, M. (2012). A 
Irmandade do Santíssimo Sacramento: funções e funcionamento (Ouro Preto, século XVIII). DOI 
10.5216/o.v12i1.18335. OPSIS, 12(1), 382-403. Disponível em: <https://doi.org/10.5216/o.v12i1.18335>. 
(Acesso em 10 de jul. de 2019). 
 
https://dicionario.priberam.org/faisqueiros
https://doi.org/10.5216/o.v12i1.18335
20 
 
Para entender a importância da conquista da alforria para os cativos, o conceito de 
escravidão deve ser esclarecido, e dessa forma, conforme Lovejoy (2002) escravidão, na 
África antiga, era baseada em três elementos, ao qual o escravo era submetido e tratado: 
propriedade, estrangeiro e coerção. Como propriedade, o escravo estava sujeito a venda e 
compra, ou seja, era visto como um bem móvel, no qual era controlado e perdia sua liberdade 
de locomoção. Na questão do estrangeiro, o senhor deveria reforçar sua diferença perante a 
sociedade, de modo a dificultar sua assimilação e, dessa forma, o controle e a dominação 
seriam facilitados. A coerção tinha a função de reforçar a submissão e a violência ao qual o 
cativo estava subjugado, enfatizando a sua condição de inferioridade perante aquela situação. 
Por tanto, a mobilidade e o desejo de inserção na sociedade pelos cativos na América 
portuguesa já eram motivo de conquista. 
A configuração na América portuguesa, no século XVIII, estava baseada em 
conflitos sociais, em que a elite colonial buscava reforçar as diferenças, com o intuito de 
resguardar a hierarquia, aos moldes do Antigo Regime. E para isso, seria necessária a 
promulgação de leis que impedissem e dificultassem a integração dos negros e pardos 
libertos\livres na sociedade. No entanto, é importante destacar que, o processo de assimilação 
pela elite era mais conivente para o negro ou mulato nascido livre do que para os escravos que 
mais tarde conseguiriam sua liberdade (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 86). 
A questão da cor também passou a ser um fator que facilitava a integração, visto que 
um pardo/mulato de pigmentação mais clara tinha maior possibilidade de se sobressair 
socialmente do que um negro, mesmo este sendo livre. A pigmentação ultrapassava a 
importância da caracterização do nascimento, se livre ou escravo. Além disso, os europeus ao 
observarem os mulatos os descreviam como insolentes, soberbos e preguiçosos. O incômodo 
com os livres e libertos era mais reforçado, já que sua inserção no mundo livre demandava 
uma ocupação no espaço que antes, era restrito à elite branca (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 
86). 
Assim, a situação nas Conquistas e, principalmente, na América portuguesa, era 
distinta das relações sociais na Europa, por conta do sistema escravista existente e do 
funcionamento colonial, adaptado às novas hierarquias, influenciadas pelo Império português 
(LARA, 2005, p. 81). 
 
 
 
 
21 
 
3 MODA E CONCEITO 
 
De acordo com Debom (2018, p.10), Moda é a busca por algo novo, inédito e, que 
acima de tudo, preze por mudanças constantes na forma em como o indivíduo ou grupo se 
apresentam à sociedade, através da vestimenta, de modo a quebrar com as tradições antigas, 
calcadas pelo costume. 
Desse modo, a Moda, iniciada com letra maiúscula, deve ser tratada como um 
conceito que não se restrinja somente a roupa, mas que facilite a compreensão de uma época, 
comportamento e funcionamento da sociedade, costumes, gostos, atitudes e, que, além disso, 
possibilite uma leitura econômica e política através dos signos visuais da vestimenta. 
(DEBOM, 2018, p. 8). Portanto, “[...] a indumentária é texto, pelas tramas dos tecidos leem-se 
múltiplos discursos, que vão desde os anseios pessoais, a expressão de personalidade, a 
influência da sociedade sobre o indivíduo e sua postura política.” (DEBOM, 2014, p. 3) 
 A Moda surge a partir de mudanças efêmeras pautadas sob a novidade do presente, 
tornando-se assim, algo constante. Logo, tendências passageiras, que remetem à aparência, 
baseadas em tradições passadas, com ausência de personalidades subjetivas, não são 
suficientes e nem podem ser consideradas Moda, mas sim modismos, pois não são 
caracterizadas por mudanças permanentes na sociedade (DEBOM, 2018, p. 12). 
Dessa forma, Moda não se restringe simplesmente à vestimenta e sua descrição, 
apesar desta ser o principal objeto de análise, a roupa deve ser vista como uma cultura 
material de um período, construída por simbologias e significados que remontam a uma visão 
de mundo, carregada de subjetividades expressadas em suas formas, componentes e cores 
(BRAUDEL, 2005 apud DEBOM, 2014, p. 5). Além disso, “o traje por toda a parte se obstina 
em denunciar as oposições sociais” (BRAUDEL, 2005, p. 281). 
Portanto, a Moda é um campo de estudo complexo, que permite uma leitura 
estrutural de uma sociedade em dada época, pois conforme (Braudel, 2005, p. 298) “Esta 
moda que toca em tudo é a maneira como cada civilização se orienta”, assim, as mudanças na 
política e economia influenciam a sociedade em seu comportamento, sejam nos hábitos, 
vestimenta, e etc. Portanto, “Tudo mudaria menos se a sociedade se mantivesse quase estável” 
(BRAUDEL, 2005, p. 281). Dessa forma, conforme Debom, 
Nos trajes entrecruzam-se diversos elementos simbólicos que edificam uma época. 
As vestes permitem leituras enviesadas que caminham pelas mais diversas esferas 
do pensamento, da política e da economia (2014, p. 1). 
 
A palavra moda surge em meados do século XV e início do XVI, na França, 
relacionada à forma de se vestir, e deriva da palavra mode, relacionada a fazer algo. Em 
22 
 
termos gerais, o vocábulo moda deriva do latim modus (modo e maneira) (DEBOM, 2005, p. 
8). Alguns autores, como Gilda de Mello e Souza, Massimo Baldini, Gilles Lipovetsky, 
Daniel Roche, Gabriel Tarde, Roland Barthes e Fernand Braudel, interessados no estudo da 
vestimenta e na abordagem da Moda trataram de contextualizar seu surgimento, suas divisões 
históricas no tempo e espaço e sua importância para os estudos na Historiografia. 
Gilda de Mello e Souza (1993 apud DEBOM, 2005) acredita que a Moda iniciou-se 
entre os gregos e os romanos, a partir dos penteados utilizados pelas camadas aristocráticas, 
no entanto, enfatiza que seu desenvolvimento e ápice se deram no período da Renascença 
(XIV-XVI). 
Massimo Baldini (2006 apud DEBOM, 2005), também cita que a Moda já era vista 
na Antiguidade, em que penteados, perucas e franjas foram tendências aderidas por povos 
durante guerras e conquistas, permitidos a partir do contato com outras culturas. Contudo, 
como citado no início do texto, ambos ressaltam que essas situações não são satisfatórias para 
exemplificar o movimento Moda, pois o que havia era uma imitação de algo que já existia e, 
que não pendurou por muito tempo (DEBOM, 2005, p.10). 
Nos povos sem escrita a escolha da roupa era guiada por antigas tradições e pelo 
costume, os indivíduos não aderiam à roupa sua personalidade ou gosto pessoal, apenas 
usavam, pois era o que todos usavam, seguindo a regra da imitação do passado, pois ainda não 
havia o desejo de ser diferente e, muito menos afirmação de individualidade. (DEBOM, 2005, 
p. 10). 
Para Lipovetsky (2002 apud DEBOM, 2005) a Moda surge na segunda metade do 
século XIV e início do século XV, antes desse período tudo que estava relacionado
à 
vestimenta era baseado pelo costume e ancestralidade, o que segundo Gabriel de Tarde (1890 
apud DEBOM, 2005) chama de a Era do Costume, em que nessa época o passado deveria ser 
perpetuado como forma de manter as antigas tradições, era uma forma de a comunidade 
controlar o tempo e espaço, assim, a roupa servia como manutenção desse processo. 
Somente ao final da Idade Média, em algumas áreas da Europa Ocidental, a Moda 
pode finalmente se manifestar, fundamentada em valores da modernidade: individualidade, 
ânsia por novidade e a preocupação pela aparência, a vestimenta adquiriu simbologias 
comportamentais e individualistas, além disso, o Renascimento Comercial acelerou e 
intensificou o gosto acelerado pela mudança, principalmente em cidades italianas e francesas 
(DEBOM, 2005, p. 13). 
Nesse momento, a diferenciação entre os sexos se tornou mais evidente, mas, ainda 
assim, pautados em convenções sociais e clericais. Logo, a vestimenta não diferenciava 
23 
 
somente camadas sociais, mas também passou a demarcar diferenças entre masculino e 
feminino. A atração pela diferença, individualidade e aparência contribuiu para esse processo 
se firmar. Logo, a beleza passou a ser algo evidenciado e, ainda uma ferramenta de inclusão 
no meio social (DEBOM, 2005, p. 13). 
A Era da Moda, conforme de Tarde (1890 apud DEBOM, 2005) surge no século XV, 
momento em que a alta burguesia se insere e, mudanças nas camadas sociais refletem na 
forma em como cada indivíduo deve se apresentar para firmar sua função social. A nobreza se 
entrega para os anseios da novidade e pelo efêmero que a vestimenta proporciona e, além 
disso, pela afirmação de poder e prestígio. A burguesia desejava se vestir como os nobres e 
reis e estes, por último, buscavam se renovar a partir de cada vestimenta, em um ritmo 
acelerado e constante, assim, o presente e o inédito nunca foram tão requisitados como antes 
(DEBOM, 2005, p. 13). 
A questão da individualidade concedida no mundo moderno proporcionou o interesse 
pela diferença e pela novidade, logo, a aparência, se tornou um elemento importante 
evidenciada pela maneira de se vestir. Assim, a união desses fatores contribuiu para a 
efetivação da Moda na Europa Ocidental, ao final da Idade Média. A disposição pela 
mudança e originalidade permitiu o indivíduo experimentar coisas novas, de criar, inovar e de 
inserir seu gosto pessoal na maneira de vestir, rompendo com a imitação de antigas tradições. 
A nobreza desejava ser exclusiva em sua forma de vestir, então com a crescente 
influência da burguesia e sua constante imitação, foi necessária a criação das 
4
Leis 
Suntuárias, criada pela realeza com o apoio da Igreja, durante o século XIV, esta lei 
funcionava como uma ferramenta de controle social, limitando a imitação por parte de grupos 
que desejassem se vestir como a nobreza, e, ainda buscava-se impedir o pecado da vaidade 
entre os burgueses e os demais povos abastados. Desse modo, “As leis suntuárias 
correspondem, portanto à sensatez dos governantes, mas mais ainda às inquietações das 
classes altas da sociedade quando se vêem imitadas pelos novos-ricos” (BRAUDEL, 2005, p. 
281). A regra imposta era que cada grupo social devesse se vestir de acordo com sua posição 
na sociedade, no entanto, essa lei foi revogada no século XVIII (DEBOM, 2005, p. 15-16). 
 
4
 Conforme Vieira, “As leis suntuárias são atas parlamentares, proclamações dos monarcas, ordenações locais e 
até éditos religiosos que regulamentam sobre o consumo de alimentos, móveis, tapeçarias, roupas, adornos, 
matérias-primas e outros itens comercializados nessa sociedade. São normatizações que pretendem manter os 
consumos adequados às hierarquias da sociedade, impedindo ou minimizando a mobilidade social, ou pelo 
menos, a visibilidade dessa mobilidade, Eram sancionadas pelas autoridades, seja o monarca, a autoridade local 
ou religiosa [...]”. VIEIRA, Thaiana Gomes. Moda e controle: as vestimentas e adornos nas leis suntuárias 
em Valladolid na Baixa Idade Média. Universidade Federal de Juíz de Fora, Instituto de Artes e Design. 
Programa de Pós Graduação em Artes, Cultura e Linguagens, 2007, p. 48. Disponível em: 
<https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/6867/1/thaianagomesvieira.pdf>. Acesso em: 13 de jul. 2019. 
https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/6867/1/thaianagomesvieira.pdf
24 
 
Assim, de acordo com Daniel Roche (1989 apud DEBOM, 2018, p. 16) 
As leis suntuárias faziam parte de uma economia política cristã que tinha por 
objetivo fazer com que o consumo obedecesse a hierarquia das ordens sociais e das 
regras de comportamento. [...] Ainda que os regulamentos não funcionassem, o 
simples fato de existirem por tanto tempo, explicita o desejo de permanência dos 
limites entre as ordens sociais. 
 
Portanto, mesmo que ocorressem mudanças comerciais e os valores da Renascença 
tenham se iniciado, a permanência de antigos costumes ainda eram vistos na sociedade, e, é 
importante observar que a Igreja ainda era uma instituição que influenciava nos 
comportamentos sociais, ou seja, ela não desaparecera totalmente e, alguns dogmas cristãos 
ainda se faziam presentes (DEBOM, 2005, p. 17). 
O fato de um burguês se vestir como um nobre causou um desconforto perante as 
autoridades dominantes, assim, essas leis tinham o objetivo de limitar o acesso desses 
indivíduos ao novo, ao exclusivo, de modo que, somente a nobreza pudesse ter o privilégio de 
ser diferente, além de tornar visível o pertencimento a um grupo social. Mesmo com as 
transformações sociais e econômicas, manter as ordens sociais era de extrema importância. 
O gosto pela novidade atingia a todos, nobres, camponeses, burgueses, mas esses 
valores não se efetivaram de forma imediata, aos poucos a base social seria influenciada pelo 
gosto pessoal e isso as tornaria consumidoras de trajes que moldassem seus corpos. 
Ninguém se esforçava para ser visto na sua realidade; a vaidade das aparências e o 
narcisismo da moda faziam do mundo um grande espetáculo. [...] Buscava-se o 
destaque da individualidade e, ao mesmo tempo, acontecia uma coesão inevitável e 
coletiva (TRONCA, 2005, p. 70). 
 
O corpo na Renascença era cultuado, assim como foi em Roma, e remetia à 
individualidade, dessa forma, a vestimenta deveria contribuir para que esse detalhe pudesse 
ser concebido. Desse modo, 
A partir do século XV, as roupas dos estratos elevados das sociedades da Europa 
Ocidental tiveram na modelagem a sua base: o corpo do indivíduo tão aclamado pela 
arte renascentista precisava expressar seus desejos e singularidades por meio das 
múltilas camadas de tecidos que o envolviam. As roupas eram projetadas para serem 
únicas [...]. (DEBOM, 2018, p. 17). 
 
Dessa forma, a passagem da idade média para o mundo moderno marca o fim da Era 
do Costume e o início da Era da Moda, em que há uma necessidade de afirmação de 
individualidade e de estar inserido na sociedade, fazendo parte dele e comunicando ao mundo, 
através da vestimenta, seus gostos e comportamento. Portanto, a moda surge da idéia de 
individualidade e diferença, mas ao mesmo tempo, é também coletiva, por possibilitar uma 
inserção na sociedade (DEBOM, 2018, p. 18). 
25 
 
No entanto, a Moda não se resume somente em imitações constantes por parte da 
burguesia, é um movimento que surgiu em um contexto complexo, pautado em novos 
comportamentos que devem ser mais bem analisados. Portanto, como cita Debom, conforme 
Juliana Schmitt (2011 apud DEBOM, 2018), o surgimento da Moda, além da referência de 
luta de classes, demonstra a necessidade dos indivíduos fazerem parte do mundo de forma 
única e pessoal, sendo concebida pela forma em como são vistos, logo, a aparência voltada 
para a vestimenta, se torna a ferramenta essencial de comunicação visual, que transmite visões 
de mundo, personalidade e, além disso, constrói
identidades sociais. 
Conforme a afirmação de Debom, para Lipovetsky (2002, apud DEBOM, 2018), a 
Era da Moda é dividida em três etapas: Era Aristocrática (XIV-XIX), a Moda dos Cem Anos 
(XIX-XX) e a Moda Aberta (XX-XXI). A primeira é limitada à nobreza e a burguesia que 
detinha o privilégio de consumir roupas que a realeza utilizava. No entanto, a maioria da 
população, formada por camponeses e artesões, ainda estava atrelada a idéia de perpetuar as 
antigas tradições, o gosto pela novidade ainda não fora efetivado entre essas camadas sociais. 
Contudo, a Revolução Francesa, idéias Iluministas, a ascensão da burguesia e a criação da 
máquina de costura mudaram os rumos da sociedade em relação à Moda. Dessa forma, 
Entre 1700 e1789, a população francesa formava um mercado privilegiado [...] era o 
centro do consumo de um imenso universo de pessoas ávidas por aparência. A 
cidade fervilhava em um movimento constante de pessoas e confusão de coisas que 
diferiam conforme a categoria social e cultural. A vida pública girava em torno da 
burguesia em ascensão e de uma aristocracia em declínio (TRONCA, 2008, p. 68). 
 
 A segunda é caracterizada pela produção de roupas semelhantesàs da nobreza para a 
maioria do povo, por um preço mais baixo e, em contrapartida, pelo surgimento de costureiros 
que produziam roupas exclusivas para uma clientela com alto poder aquisitivo. Isso diminuiu, 
mas não excluiu as barreiras de diferenças visuais entre os grupos sociais. O fato de haver um 
costureiro que crie as roupas para a nobreza e realeza, diminui o poder de escolha e de 
influência do grupo dominante, que agora não dita a Moda diretamente, no entanto, faz com 
que haja uma forma imperativa do que usar e o que realmente transmite poder e prestígio por 
quem cria a roupa. Dessa forma, a Moda não se torna democrática, pois a exclusividade 
continuava sendo privilégio da nobreza e, agora, da alta burguesia, e, mesmo que a camada 
média pudesse adquirir uma imitação da vestimenta da classe alta, ainda assim, não era algo 
inédito (DEBOM, 2005, p. 21-22). 
Segundo Lipovetsky (2002 apud DEBOM, 2018, p. 23-24), a Moda Aberta é mais 
autônoma e aspira liberdade, no entanto, esta visão não condiz com a realidade em que a 
Moda se insere, pois a sociedade continua seguindo padrões impostos pelo o que a Moda dita 
26 
 
e acredita que é bonito, e a aparência ainda é um fator que guia a sociedade, logo, essa 
liberdade não é total, mesmo que haja alguns grupos que se desvinculam desse sistema. 
 
3.1 A MODA COMO FONTE HISTÓRIOGRÁFICA 
 
De acordo com Debom, para Barthes (2005 apud DEBOM, 2014), a Moda e a 
História da Indumentária ainda são dimensões pouco estudadas no campo acadêmico, desse 
modo, é necessário ter consciência de que a Moda e seu material expressivo, que é a roupa, 
devem ser consideradas fontes essenciais para a análise social, econômica e cultural de um 
período. Logo, conceber uma fonte complexa, que envolva esses fatores, necessita de um teor 
de sensibilidade para perceber os informes nos detalhes que estão inseridos na vestimenta de 
um período, seja ela de qualquer sujeito histórico. Assim, a simbologia agregada à roupa, 
construída pelo indivíduo e a capacidade dela transmitir e conter a individualidade de um ser, 
a torna ao mesmo tempo, objeto e sujeito histórico. 
Segundo Debom, nos anos de 1950, a partir dos estudos de Roland Barthes, a Moda 
pode iniciar sua jornada como fonte de discussões no campo da Sociologia e História. Barthes 
publicou o Sistema da Moda (1967), Imagem e Moda (2005), Elementos de Semiologia 
(2006) e Mitologias (2010), todos esses trabalhos concediam a Moda um papel central de 
objeto de análise para se compreender a sociedade e suas demais estruturas, papel este que até 
então não era visto (DEBOM, 2014, p. 2). 
Desse modo, assim como Juliana Schmit e Daniel Roche enfatizam que a moda é ao 
mesmo tempo individual e coletiva, Paulo Debom, também compactua com o mesmo 
pensamento, 
Nos discursos do universo das roupas, o indivíduo se coloca no mundo através de 
seu corpo vestido. Os trajes que o cobrem são escolhas ou imposições que se 
constituem em discursos que formam seu visual e, ao mesmo tempo, dialogam com 
os outros. Desta forma, a Moda forja o sujeito através da construção de uma marca 
identitária que o relaciona com todos àqueles que o cercam (DEBOM, 2014, p. 2-3) 
 
Debom afirma que para Barthes (2005 apud DEBOM, 2014, p. 3), há uma distinção 
entre indumentária e traje, o primeiro se refere a um contrato coletivo, em que para comunicar 
é necessário saber utilizá-lo, já o segundo é individual, trata-se de como esse indivíduo se 
comunica, logo, sua personalidade, pensamento, ideologia e sua influência contextual 
caracterizam sua expressão visual. Esses elementos formam a Moda. 
Conforme Debom, Fernand Braudel foi outro autor que se preocupou em levantar 
discussões a respeito da Moda e da vestimenta. Em 1967, com a publicação de Civilização 
27 
 
Material, Economia e Capitalismo- Séculos XV-XVIII: As Estruturas do Cotidiano, em que 
possui um capítulo sobre Roupa e Moda, na qual o autor se preocupa em analisar a sociedade, 
através da vestimenta, que se formou entre o final da Idade Média até o século XVIII e, 
afirma que a roupa não é um objeto supérfluo e sem significado, mas pelo ao contrário, 
através dela pode-se revelar todo um sistema de funcionamento econômico e social, que vai 
desde a produção e captação da matéria-prima até os significados de distinção social que a 
roupa transcende (DEBOM, 2014, p. 4-5). 
De acordo com Debom, para Braudel (2005 apud DEBOM, 2014) a roupa é algo que 
sempre existiu e faz referência a proteção e ao fato de cobrir o corpo, já a Moda é algo que 
surge ao final da Idade Média no Ocidente e que se desenvolve a partir do Renascimento 
Cultural e Comercial. Segundo o autor, Moda é a procura constante de mudança e renovação 
e, também acredita que a Moda possui seu apogeu no século XVIII, quando a burguesia 
ascende de forma efetiva e os conflitos por distinção assolam a aristocracia. Assim, 
Braudel constata que a Moda, vista como um sistema regulado por mudanças 
constantes, é um processo que pertence às sociedades ocidentais. No Oriente, entre 
os séculos XV e XVIII, existe uma riqueza enorme de trajes, porém não há 
mudanças contínuas em suas formas (DEBOM, 2014, p. 6). 
 
Segundo Debom, Braudel foi o primeiro historiador a discutir a Moda e a roupa 
como um sistema que dialoga com a sociedade. 
Já em 1989, Daniel Roche, publica a obra A Cultura das Aparências: Uma História 
da Indumentária (Séculos XVII-XVIII) e A História das Coisas Banais - Nascimento do 
Consumo (séculos XVII-XIX), duas obras que abordam o surgimento e a importância da Moda 
para a historiografia, como uma fonte crucial para os estudos sociais, políticos, econômicos e 
culturais (DEBOM, 2014, p. 7) Para ele, Moda está entre a submissão e a liberdade e, além 
disso, “o vestuário indica inclusão e exclusão, imitação, distinção e gosto pessoal, logo é um 
caminho privilegiado para se ler a sociedade” (DEBOM, 2014, p. 8). 
Bem como cita Debom, Roche retrata o luxo exacerbado da aristocracia francesa 
durante o século XVIII, em que o espetáculo se fazia com a exibição de roupas ostentosas e, 
afirma que esse comportamento é resultado das transformações sociais concebidas durante o 
Antigo Regime e com a influência da burguesia na sociedade, principalmente pós-revolução, 
afirmando que novos significados surgem e outros são reformulados, além dos elementos de 
imitação e distinção promovidos pela vestimenta, esses aspectos também devem ser levados 
em consideração, pois também revelam a mudança de comportamento através da Moda 
(DEBOM, 2014, p. 8-9). 
28 
 
4 A VESTIMENTA COMO ELEMENTO DE DISTINÇÃO 
 
De acordo com Lara (2005, p. 86), a distinção no Antigo Regime, estava baseada na 
dominação, função, poder e privilégios, conforme
cada espaço ocupado na hierarquia. As 
distinções deveriam ser explícitas, para demarcar as ordens sociais e econômicas. Dessa 
forma, os comportamentos e os modos de vivência deveriam transmitir essas desigualdades. 
Contudo, apesar da separação de ordens, as distinções eram maleáveis, pois na verticalidade, 
sempre haveria um grupo, que de acordo com sua posição, ficaria inferior ou superior com 
relação a outros grupos ordenados. Por outro lado, os escravos compunham a base da 
pirâmide social. Por isso, a exibição de poder através de símbolos e cerimônias eram 
essenciais para a reafirmação da condição social, qualquer que fosse a colocação na 
hierarquia. 
Dessa forma, a sociedade colonial viveu de certa forma, às aparências, na qual a 
vestimenta e os adornos foram um dos elementos utilizados, para promover a distinção social. 
As leis discriminatórias faziam sua função de não distinguir escravos de libertos e 
generalizavam as categorias dos ascendentes africanos, tratando todos como inferiores 
(LARA, 2005, p. 86). 
Na pragmática de 1749, da legislação portuguesa, essas questões são explicitadas e 
se observa que o vestuário foi utilizado como controle social a fim de afirmar categorias e 
proteger hierarquias desde a metade do século XV (LARA, 2005, p. 87). Nessa lei, 
determinados tipos de roupas, ornamentos e armas eram proibidas para pessoas com condição 
social inferior. A diferença deveria ser observável para que a sociedade soubesse identificar 
os superiores (pessoas de maior qualidade) e os inferiores. Na América portuguesa, essas 
legislações vão ser incorporadas, sob o interesse da elite local, para que a mesma função seja 
imposta, no entanto, sob condições diferentes (LARA, 2007, p. 89). O governador da 
capitania do Rio de Janeiro e vice-rei do Estado do Brasil reclamavam para o rei de Portugal o 
não cumprimento da pragmática na colônia. 
Em 1756, uma lei específica, proibiu os mulatos e negros escravos utilizassem facas, 
sob pena de açoites. Assim, 
As armas foram novamente objeto de proibições na pragmática de 1749, mas, em 
1756, uma lei especificou que “os mulatos e pretos escravos” que usassem facas e 
outras armas proibidas no Estado do Brasil, “em lugar de pena de dez anos de 
galés”, recebessem a “a pena de cem açoites no pelourinho e repetidos por dez dias 
alternados”; se fossem livres, porém, mantinham-se as punições já estabelecidas 
(LARA, 2007, p. 93). 
 
29 
 
Em 1702, um bispo comunicou ao rei, através de uma carta, que escravas e livres não 
ficassem andando pela rua à noite e ainda que, as escravas não utilizassem seda e ouro nas 
vestes, com o intuito de afastar os pecados e manter a ordem, sob pena de prisão e multa 
pecuniária. Assim, dizia na carta: 
tanto que anoitece [...] [elas saem às ruas] dilatando-se por elas a maior parte da 
noite sem temor de Deus, nem vergonha do mundo e ainda com consentimento dos 
seus donos, que vendo-as vestidas, e enfeitadas com as ofensas de Deus, não o 
encontram, e nem se pejam, que suas mulheres de dia se acompanhem à missa das 
escravas, que ofendem a Deus de noite (LARA, 2007, p. 94). 
 
Já havia em 1696, uma preocupação com a vestimenta das escravas, descritas através 
de duas cartas régias enviadas pelo rei em resposta ao pedido do governador-geral do Estado 
do Brasil, proibindo-as de utilizarem rendas, joias de ouro ou prata, a fim de evitar o luxo 
excessivo, para que não contaminassem o comportamento das demais escravas (LARA, 2007, 
p. 96). 
Os oficiais da Câmara da Bahia também comunicaram, em 1709, ao Conselho 
Ultramarino sobre o excesso de luxo nas roupas dos negros e mulatos. A resposta foi aderida a 
poucos meses, e as recomendações eram proibir em todas as capitanias do Brasil, que as 
escravas utilizassem telas, seda e ouro. Além disso, a proibição era de caráter discriminatório, 
pois se baseavam na cor, inclusive, a proibição recaía mais para o lado das escravas e mulatas, 
apesar do Conselho mencionar a roupa dos escravos também (LARA, 2007, p. 97). 
A elite colonial e metropolitana buscava relacionar a cor com a condição (livre ou 
escrava), pois era um modo de tratar todas as negras e mulatas como escravas, de modo a 
marcar diferenças sociais. Logo, o fato de mulheres negras ou mulatas livres/cativas/libertas 
se vestirem com tecidos nobres era considerado luxúria, um pecado capital e, além disso, 
consideravam todas escravas, mesmo que houvesse algumas livres/libertas (LARA, 2007, 
p.98). Desse modo, 
Assim como as roupas, os tecidos e os adornos usados pelas pessoas eram lidos 
como símbolos de presença ou ausência de riqueza e poder, como signos de 
comportamentos e costumes louváveis ou escandalosos, de domínio ou submissão, a 
cor da pele e outras marcas físicas foram incorporadas, sobretudo nas Conquistas, à 
linguagem visual das hierarquias sociais. [...] (LARA, 2007, p. 100). 
 
Dessa forma, a devassidão recaía mais para o lado das mulheres escravas, negras e 
mulatas libertas/livres. No entanto, qualquer mulher, seja qual fosse sua cor ou condição, que 
andasse desacompanhada, com roupas luxuosas poderia ser confundida com prostituta. Pois, 
nem sempre, o luxo significava recato e decência e, todas as mulheres estavam sujeitas a 
desacato imoral, caso andassem sozinhas. Por isso, as senhoras da elite eram acompanhadas 
30 
 
por várias escravas bem vestidas, para que ambas não saíssem do recato (LARA, 2007, p. 
114). 
No que diz respeito, à vestimenta, na pragmática de 1749, não há nenhuma menção 
específica para as roupas dos escravos e dos libertos/livres. Mas, as constantes reclamações da 
colônia fizeram com que proibições fossem concebidas nas Conquistas. Logo, a lei procurou 
tratar desses assuntos concedendo um capítulo específico aos negros e mulatos das 
Conquistas, 
Por ser informado dos grandes inconvenientes, que resultam nas Conquistas da 
liberdade de trajarem os negros, e os mulatos [...] proíbo aos sobreditos [...] ainda 
que se achem forros ou nascessem livres, o uso não só de toda a sorte de seda, mas 
também de tecidos de lã finos, de holandas, esguiões, e semelhantes, ou mais finos 
tecidos de linho, ou de algodão; e muito menos lhes será lícito trazerem sobre si 
ornato de jóias, nem de ouro ou prata [...] (LARA, 2007, p. 101). 
 
Na América portuguesa, a carta régia de 1709, considerava a cor e condição social e, 
inclusive, generalizavam livres/libertos e escravos ao proibir o luxo. Já na pragmática de 
1749, a partir do capítulo específico, há além de marcar as diferenças sociais e reprimir as 
escravas e escravos, a ideia de que o luxo cabia somente aos brancos, enquanto, que para os 
negros, mulatos e pardos livres/libertos era motivo de impureza, luxúria e mau exemplo para 
os demais. A razão dessa medida era rejeitar as subcategorias sociais e, simplificar as ordens 
das hierarquias, de modo a não confundir negros/ pardos, mesmo que fossem livres, com 
brancos (LARA, 2007, p. 102). 
O simbolismo da vestimenta nas colônias estava atrelado a valores morais e 
religiosos. No entanto, mais do que isso, a elite colonial e metropolitana estava preocupada 
em distinguir negros de brancos, ou seja, a roupa adquire um caráter político, quando passa a 
garantir um serviço de manutenção de hierarquias sociais, moldadas do Antigo Regime. 
Entretanto, a cor já se mostrava suficiente para distinguir categorias, pois, conforme visto na 
pragmática de 1749, ao proibir negros e mulatos do luxo excessivo, buscava relacioná-los a 
uma condição inferior à dos brancos (LARA, 2007, p. 102). 
No entanto, o capítulo da pragmática foi abolido meses depois, pois, por mais que 
houvesse reclamações da elite colonial na América portuguesa, essa lei não poderia ser 
aplicada no Estado do Brasil. O motivo seria a opulência registrada por cronistas e viajantes, 
como René Courte, que veio ao Rio de Janeiro em 1748, em que observou o luxo com que as 
escravas e os escravos
se vestiam ao acompanhar suas senhoras (LARA, 2007, p. 107). No 
Brasil eram comuns exibições públicas de luxo, em que ter muitos escravos, bem vestidos, 
adornos nobres e roupas extravagantes eram sinônimos de boa condição, mesmo que no 
privado a riqueza não se mostrasse presente (LARA, 2007, p. 110). 
31 
 
Como a vestimenta era capaz de distinguir classes, a roupa e o uso de certos adornos 
eram uma das formas que facilitavam essa integração social, quando o parecer se sobrepunha 
ao ter, pois a exibição em espaços públicos de tecidos nobres transmitia poder e privilégios, e 
isto era importante para negros e pardos libertos, que desejavam se reafirmar e distinguir das 
classes ditas inferiores. (JANUÁRIO, [2004], p. 19). 
O viajante Lindley, observou os modos de vestir das negras livres/libertas, e segundo 
ele, as mulheres negras nas Conquistas, utilizavam colares de ouro, de grande comprimento, o 
que permitia dar várias voltas ao pescoço, ainda continham escapulários e querubins. Desse 
modo, a utilização desses adornos transmitia visualmente a condição de livre/liberta das 
mulheres negras e as distinguiam das mais pobres (LARA, 2007, p. 122). 
O cronista Vilhena, que vivia na Bahia, retratou o luxo excessivo das senhoras, que 
andavam exibindo as suas escravas bem vestidas. Esse comportamento era comum nas 
Conquistas, em que o luxo e as aparições públicas deveriam ser exageradas, mas tudo isso 
tinha um significado, que era demarcar diferenças através das roupas e dos demais signos de 
distinção, como a posse de escravas, bengalas e o uso de 
5
palanquins (LARA, 2007, p. 113). 
O uso de espadim e capote (casaco) também eram símbolos de distinção e foi de uso 
proibido para pardos e negros. Contudo, os homens pardos da Confraria de São José em Vila 
Rica, questionaram a proibição do uso de espadim e conseguiram reverter a situação, no 
entanto, vale ressaltar que esses homens faziam parte de uma Irmandade e possuíam funções 
de prestígio social, eram músicos, mestres de oficinas, militares, professores, mineiros e 
artistas liberais o que lhes conferiam um “um reto procedimento” e um ofício vil e, 
consequentemente, o direito de usar espadim (PRECIOSO, 2008, p. 8) 
Dessa forma, nota-se que uma minoria de pardos e negros conquistava uma 
mobilidade social, logo, fatores como a pigmentação, que necessariamente não conferia uma 
ascensão imediata, profissões consideradas respeitadas e o uso de indumentária e adornos de 
simbologia nobre, constituíam-se em elementos essenciais para um caminho de distinção 
(PRECIOSO, 2008, p. 7). 
A camada de cativos que trabalhava para conseguir sua liberdade no meio urbano 
colonial, como as escravas de ganho que vendiam suas comidas nas ruas e cativos forros, 
como os carpinteiros, artesões, barbeiros, sapateiros, vendedores de tecidos e donos de 
 
5
 Rede suspensa num varal por duas pontas e na qual vai alguém sentado ou deitado. "palanquim", in 
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 2013. Disponível 
em:< https://dicionario.priberam.org/palanquim>. Acesso em: 12 de jul. de 2019. 
 
https://dicionario.priberam.org/palanquim
32 
 
tabernas, sempre que podiam compravam tecidos caros, como fitas e enfeites com o intuito de 
se sobressaírem socialmente (SCARANO, 1992, p. 57). 
Os pardos e negros livres se vestiam de formas variadas, nota-se isto tanto no traje 
feminino quanto no masculino. Camisas, saias, coletes, capotes, lenços, jalecos, calções, 
vestidos e fardas, eram as principais vestimentas dos forros. A partir de análises de 
inventários post-mortem, é possível verificar que tipos de tecidos eram comprados. Havia 
libertos que possuíam seda, veludo e cetim, estes eram considerados tecidos nobres, e também 
em grande número, apareciam algodão, baeta, chita, lã grossa e o pano de linho, bastante 
utilizado em saias, vestidos e camisas, estes eram considerados de baixo custo (JANUÁRIO, 
[2004], p. 12). 
Em vista disso, é possível afirmar que mesmo libertos, ainda era difícil ascender 
economicamente, pois o algodão, tecido confeccionado em “fazenda de preto”, ou seja, que 
vestia a escravaria, ainda permanecia no baú da maioria dos forros. Grande parte dos tecidos 
eram importados e inspirados na moda europeia, pois com a chegada da família Real em 1808 
e a abertura dos portos, os hábitos europeus recrudesceram no Brasil (JANUÁRIO, [2004], p. 
3). 
No entanto, os libertos de ascendência africana não ficavam presos à cultura 
ocidental. Muitas vezes, distinção social e reafirmação de pertencimento às origens africanas, 
caminhavam lado a lado. As festas católicas com tradições africanas, mesmo que 
momentâneas, adquiriam uma forma de resistência, liberdade e de fuga da realidade hostil e 
discriminatória, aos quais os negros e pardos vivenciavam. Dessa forma, a vestimenta 
extravagante empregada nessas festas, traduzia em uma quebra dessa rotina de trabalho e 
miséria e, além disso, era um momento de exibir prestígio. As festas das Irmandades eram 
uma forma de reconstruir um imaginário africano, com seus reis e rainhas e seus trajes 
coloridos, semelhantes à nobreza europeia, mas coloridos conforme a cultura africana, na qual 
mostravam luxo e rompiam com os contrastes sociais (SCARANO, 1992, p. 60) 
A vestimenta adquiria outros significados, valores e distinções conforme o local. Nas 
tradições africanas, panos da Costa, dos cachimbos, amuletos, colares, balangandãs, 
medalhões de ouro, poderiam expressar outras distinções. As escravas de ganho utilizavam os 
balangandãs nas cinturas, como proteção e ganho material, além disso, poderiam ser 
utilizados para devoção a algum santo ou culto. A interpretação dos colonos para com esses 
símbolos identidários era confusa, pois muitas vezes, relacionavam com adornos da cultura 
européia (LARA, 2007, p. 120). 
33 
 
Na África, a elite tinha um apreço com os tecidos vindos da Ásia, Índia e Europa. 
Estes trajes, como a túnica de algodão, eram elementos de distinção em algumas regiões. 
Assim, os trajes de seda, várias pulseiras, muitas voltas num colar e o ouro nas vestes, que as 
escravas e as negras e pardas livres/libertas usavam poderiam adquirir outras distinções entre 
os descendentes africanos, que se diferenciavam da moda européia (LARA, 2007, p. 118). 
Desse modo, a busca pelos pardos e negros libertos por notoriedade e distinção 
expressava uma luta por liberdade e reconhecimento perante a sociedade, ou seja, traduzia-se 
em uma forma de resistência contra o preconceito efetuado por autoridades locais e 
metropolitanas. Enquanto a elite metropolitana e colonial buscava associar todos os negros e 
pardos à escravidão, a partir da linguagem visual, representada pela cor e, assim distingui-los 
da elite branca, os alforriados e livres buscavam se distinguir das classes inferiores e cativas, a 
partir, também de elementos visuais, já que em uma sociedade, em que a maioria era 
analfabeta, a imagem tinha o poder de caracterizar um indivíduo como livre ou cativo 
(LARA, 2007, p. 124). Portanto, 
Operando no interior da mesma linguagem visual, a presença generalizada da 
escravidão acrescia aos sinais utilizados no Reino um significado especial: um 
simples espadim preso à cinta podia transformar-se em marca de distinção e 
liberdade. [...] Muitas mulheres livres e ricas, mas de pele escura, precisaram usar 
vestes luxuosas e aumentar as voltas de seus colares para que sua aparência não 
deixasse dúvidas sobre sua condição social (LARA, 2007, p. 124). 
 
 As relações de reafirmações sociais entre a elite branca e os livres/libertos eram 
comparadas a um “cabo de guerra”, se adaptando às leis do Antigo Regime, de acordo com as 
complexidades sociais que se formavam na colônia. Contudo, a elite colonial, tratava sempre 
de reforçar a dominação escravista, para que o universo senhorial não se confundisse com dos 
escravos.

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