Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS COORDENAÇÃO DE HISTÓRIA ANDREZA MENEZES SOUZA A VESTIMENTA E O USO DE ADORNOS DOS NEGROS E PARDOS LIVRES/LIBERTOS COMO ESTRATÉGIA DE DISTINÇÃO E ASCENSÃO SOCIAL NA AMÉRICA PORTUGUESA ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX BOA VISTA/RR 2019 ANDREZA MENEZES SOUZA A VESTIMENTA E O USO DE ADORNOS DOS NEGROS E PARDOS LIVRES/LIBERTOS COMO ESTRATÉGIA DE DISTINÇÃO E ASCENSÃO SOCIAL NA AMÉRICA PORTUGUESA ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX Monografia apresentada como requisito para obtenção do título em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Roraima – UFRR. Orientadora: Prof. Dr.ªMonalisa Pavonne Oliveira BOA VISTA/RR 2019 S729v Souza, Andreza Menezes. AA vveessttiimmeennttaa ee oo uussoo ddee aaddoorrnnooss ddooss nneeggrrooss ee ppaarrddooss lliivvrreess//lliibbeerrttooss ccoommoo eessttrraattééggiiaa ddee ddiissttiinnççããoo ee aasscceennssããoo ssoocciiaall nnaa AAmméérriiccaa PPoorrttuugguueessaa eennttrree aa sseegguunnddaa mmeettaaddee ddoo SSééccuulloo XXVVIIIIII ee iinníícciioo ddoo SSééccuulloo XXIIXX / Andreza Menezes Souza. – Boa Vista, 2019. 46 f. : il. Orientadora: Profa. Dra. Monalisa Pavonne Oliveira. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal de Roraima, Curso de História. 1 - Antigo regime. 2 - Escravidão. 3 - Hierarquias. 4 - Aparências. 5 - Resistência. I - Título. II - Oliveira, Monalisa Pavonne (orientadora). CDU - 316.347-054 Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista: Maria de Fátima Andrade Costa - CRB-11/453-AM ANDREZA MENEZES SOUZA A VESTIMENTA E O USO DE ADORNOS DOS NEGROS E PARDOS LIVRES/LIBERTOS COMO ESTRATÉGIA DE DISTINÇÃO E ASCENSÃO SOCIAL NA AMÉRICA PORTUGUESA ENTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX Monografia apresentada como requisito para obtenção do título em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Roraima – UFRR, avaliada pela seguinte banca examinadora: _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª. Monalisa Pavonne Oliveira Orientadora/ curso de História - UFRR _____________________________________________________ Msc. Larissa Maria de Almeida Guimarães Suplente/IPHAN/RR __________________________________________________ Prof. Msc. Francisco de Paula Brito Curso de História - UFRR AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus. Aos meus pais, Araginalda Menezes de Souza Branco e José Francisco da Fonseca Souza, que sempre me incentivaram e apoiaram em meus estudos, desde a infância, acreditando no meu potencial. Ao meu namorado, Elon Gomes Ferreira, que me concedeu grande apoio durante minha jornada na Universidade. A todas as professoras e professores, que dedicaram aulas magníficas, repletas de conhecimento, aos quais permanecerão na memória, em especial a minha orientadora Monalisa Pavonne Oliveira, que me ajudou a tornar possível esta monografia e, por aceitar fazer parte deste trabalho, ao qual adorei realizar. RESUMO A sociedade colonial da América portuguesa durante o século XVIII até meados do século XIX configurou-se a partir dos aspectos do Antigo Regime e sob o contexto da escravidão negra. Uma das principais características do Antigo Regime é a manutenção das hierarquias sociais, no entanto, coma presença de africanos a pluralidade dos grupos sociais e as formas de inclusão e distinção subverteram a ordem social, e promoveram mudanças significativas no campo cultural. A sociedade colonial, influenciada por idéias advindas do Renascimento cultural e comercial, era pautada por aparências e, em virtude do desejo da elite colonial de manter a ordem das camadas sociais, fatores como, cor, grau de assimilação e função social poderiam diferenciar livres e escravos, além disso, mesmo com a concessão da alforria, os negros e pardos não eram tratados como tal. Entretanto, como o ser se sobrepunha ao ter, e livres e libertos desejavam ter sua condição reconhecida, logo, a vestimenta adquire uma importância essencial no processo de inclusão, distinção social e também de resistência. Resistência, por manter a cultura africana no continente americano e, pela luta por reconhecimento, inclusão e distinção, pois por meio da vestimenta a assimilação era facilitada e, também poderia diferenciá-los dos demais cativos. Dessa forma, empregaram-se as imagens de Carlos Julião como fontes iconográficas, a fim de exemplificar e explicar a dinâmica social de distinção social através da vestimenta e de adornos. Com isso, observou- se, através do método de Panofsky, que a vestimenta e os adornos são elementos simbólicos que, conforme o contexto social adquire significados e interpretações, muitas vezes, distintas, e, é capaz de promover distinções e inclusões na sociedade. Palavras-chave: Antigo Regime. Escravidão. Hierarquias. Aparências. Resistência. ABSTRACT The colonial society of Portuguese America during the eighteenth century until the mid- nineteenth century was framed by aspects of the Old Regime and under the context of black slavery. One of the main features of the Old Regime is the maintenance of social hierarchies, however, with the presence of Africans the plurality of social groups and the forms of inclusion and distinction have subverted the social order and promoted significant changes in the cultural field. Colonial society, influenced by ideas from the cultural and commercial Renaissance, was shaped by appearances and, because of the desire of the colonial elite to maintain the order of the social strata, factors such as color, degree of assimilation and social function could differentiate free and slaves, moreover, even with the granting of manumission, blacks and pardos were not treated as such. However, as being overlapped with being and freed and freed wanted to have their condition recognized, then clothing becomes essential in the process of inclusion, social distinction and also resistance.Resistance, for maintaining the African culture in the American continent and for the struggle for recognition; inclusion and distinction, since through dress the assimilation was facilitated and could also differentiate them from the other captives. In this way, the images of Carlos Julião were used as iconographic sources, in order to exemplify and explain the social dynamics of social distinction through dress and adornment. With this, it was observed, through the Panofsky method, that the dress and the paraphernalia are symbolic elements that, according to the social context acquire meanings and interpretations, often, distinct, and, is able to promote distinctions and inclusions in the society. Keywords: Old Regime. Slavery. Hierarchies. Appearances. Resistance. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Traje de mulher negra .............................................................................................. 35 Figura 2 - Vestimenta de liberta ............................................................................................... 36 Figura 3 - Vendedores ambulantes ........................................................................................... 37 Figura 4 - Vendedora ................................................................................................................ 38 Figura 5 - Coroação de uma rainha negra na festa de Reis ...................................................... 39 file:///D:\monografia\MONOGRAFIA%20ANDREZA%20MENEZES%20SOUZA%20-%20Orientadora%20Monalisa.docx%23_Toc13688948 file:///D:\monografia\MONOGRAFIA%20ANDREZA%20MENEZES%20SOUZA%20-%20Orientadora%20Monalisa.docx%23_Toc13688949 file:///D:\monografia\MONOGRAFIA%20ANDREZA%20MENEZES%20SOUZA%20-%20Orientadora%20Monalisa.docx%23_Toc13688950 file:///D:\monografia\MONOGRAFIA%20ANDREZA%20MENEZES%20SOUZA%20-%20Orientadora%20Monalisa.docx%23_Toc13688951 file:///D:\monografia\MONOGRAFIA%20ANDREZA%20MENEZES%20SOUZA%20-%20Orientadora%20Monalisa.docx%23_Toc13688952 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 1 ANTIGO REGIME E SUAS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS ......................... 14 2 A ESCRAVIDÃO SOB A PERSPECTIVA DOS CATIVOS .......................................... 18 3 MODA E CONCEITO ........................................................................................................ 21 3.1 A MODA COMO FONTE HISTORIOGRÁFICA ........................................................ 26 4 A VESTIMENTA COMO ELEMENTO DE DISTINÇÃO ............................................ 28 4.1 ANÁLISE DAS FIGURAS DE CARLOS JULIÃO ...................................................... 33 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 44 8 INTRODUÇÃO A presente pesquisa visa compreender a vestimenta como um símbolo material que auxilia no estudo acerca das relações da escravidão no período colonial, bem como, as atuações dos cativos, negros e pardos livres/libertos, perante a situação no cativeiro e a inserção no mundo dos livres. Desse modo, o tema deste trabalho é a vestimenta e o uso de adornos dos negros e pardos livres/libertos como estratégia de distinção e ascensão social na América portuguesa, entre a segunda metade do século XVIII e início do século XIX. A pesquisa será viabilizada através da análise descritiva das imagens produzidas por Carlos Julião, incluídas em Riscos iluminados de figurinhos de Brancos e Negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio (1960). O trabalho mencionará os lugares do Rio de Janeiro e Minas Gerais, que são os espaços que tiveram seus cotidianos retratados na obra supramencionada e nas demais referências bibliográficas incluídas nesta pesquisa. O recorte temporal no qual a pesquisa está circunscrita refere-se ao período em que as produções de Carlos Julião se inserem e, além disso, justificam-se em virtude das concessões de alforrias, que aumentaram, a partir do século XVIII e, nessa conjuntura, observa-se uma maior participação de negros e pardos em diferentes setores da economia, como no comércio, seja aquele estabelecidos em lojas ou ambulantes. Nesse contexto, a vestimenta se insere como um fator que se interliga com esses acontecimentos e, assim adquire uma representação simbólica de distinção. O estudo da vestimenta dos negros e pardos livres/libertos proporciona uma compreensão, que abrange o contexto do Antigo Regime, no século XVIII e, envolve também, o estudo da escravidão, que é um elemento chave, para se entender os conflitos e as relações de poder presentes na colônia. Dessa forma, a vestimenta e o uso de adornos como forma de distinção e ascensão social, estão embasados nesses elementos estruturais, presentes no Brasil colonial. As características do Antigo Regime moldaram a sociedade colonial em princípios hierárquicos, que reforçavam distinções sociais, baseados na cor e condição social, devido à presença de negros e gentios, o que concedeu bases para uma estrutura móvel, plural e corporativa. Dessa forma, hierarquias fixas não eram uma realidade no Antigo Regime, o que, por sua vez, justifica a perspectiva de análise da busca da distinção social, para além dos outros meios, pela vestimenta (HESPANHA, 2010, p.74). 9 As novas interpretações, acerca da relação da metrópole com sua colônia, no Antigo Regime, foram debatidas por historiadores, como António Manuel Hespanha, no capítulo Antigo Regime nos trópicos? Um debate sobre o modelo político do Império colonial português, incluído na coletânea Na trama das redes: política e negócios no Império português (2010), em que confirma essa pluralidade de modelos jurídicos, justaposição institucional e limitações constitucionais vistas na metrópole e, que, portanto, refletiram nas situações políticas e administrativas coloniais. Stuart Schwartz em Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835 (1988), também enfatiza a mobilidade e a descentralização de poder, perante uma sociedade colonial complexa, com graduações sociais, que permitiram reforçar marcas de distinção. A escravidão, portanto, também passou a receber reinterpretações, a partir da década de 1980, em que o debate central se baseava na atuação histórica e cultural do escravo, na qual aspectos de resistências e estratégias de sobrevivência passaram a ser incluídas nos estudos das relações entre senhor e escravo, e dessa forma, a visão do escravo perante sua situação, se tornou um elemento na historiografia, a ser melhor analisado. Silvia Hunold Lara, na coletânea Modos de Governar: idéias e práticas políticas no Império português (2005), a partir do capítulo Conectando historiografias: a escravidão africana e o Antigo Regime na América portuguesa, e em Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa (2007), se atenta a essa atuação do escravo na historiografia, seu modo de viver, seus sentimentos e seus anseios que dinamizavam com as instituições para atender seus objetivos, mas sempre a partir de negociações com seu senhor. Além disso, símbolos visuais, como a vestimenta, também passam a ser elementos essenciais na reafirmação da liberdade para negros e pardos livres/libertos, principalmente, no século XVIII, em que houve um aumento da concessão de alforrias na colônia. A conquista da alforria já era um fator de distinção, mas conforme Russell-Wood, em Escravos e libertos no Brasil colonial (2005), a questão da cor também era um fator que facilitava a integração, visto que um pardo/mulato de pigmentação mais clara tinha maior possibilidade de se sobressair socialmente do que um negro, mesmo este sendo livre. Além disso, a ascensão envolvia função e grau de assimilação na sociedade. Desse modo, a roupa e os adornos se tornam uma forma de se distinguir socialmente, já que a sociedade era pautada, inclusive, por aparências. Assim, de acordo com Julita Scarano, em seu artigo Roupas de escravos e de forros (1992), a roupa e os adornos se convertiam em um modo mais acessível para pardos e negros 10 livres/libertos de alcançar a distinção perante os cativos. Desse modo, a questão colocada para nortear a pesquisa se concentra em compreender de que forma a vestimenta poderia conceder uma distinção e ascensão social para negros e pardos livres/libertos no período colonial. A indumentária é um elemento visual que, desde a Idade Média, estava inserida nos modos de funcionamento das relações sociais. A vestimenta era um instrumento de reafirmação social e de classe, e, a partir dela, a ascensão e a distinção se tornavam mais explícitas e reconhecidas de forma imediata. Assim, A roupa sempre foi encarada como representativa de categorias econômicas e sociais, de cargos e de funções. [...] Ultrapassa o mero desejo ou a possibilidade individual; tem significado e valor social e mesmo seus supérfluos e seus aspectos meramente decorativos nos levam a melhor compreender um local e um período histórico (SCARANO, 1992, p. 51). Desse modo, no século XVIII, a roupa e os adornos se tornaram importantes aliados dos negros e pardos libertos/livres, na América portuguesa, para a reafirmação de liberdade. Nesse período, a burguesia estava em ascensão, o que permitiu oportunidades econômicas para os livres e libertos, logo, escravas de ganho e demais alforriados que conseguiam trabalhar em ofícios, como barbeiros e carpinteiros, obtiveram ganhos lucrativos que possibilitaram a compra de roupas de tecidos nobres, como a seda, veludo e lã. Além disso, os pardos livres e forros que, por fazer parte de uma Irmandade ou ter uma profissão reputada, passaram a reivindicar o uso de adornos, como o espadim, que era concedido somente a elite branca (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 63). Contudo, apesar da conquista da alforria, a luta dos negros e pardos livres/libertos por distinção e ascensão, perante os cativos era constante, pois, leis metropolitanas e locais buscavam inferiorizar e afastar os livres/libertos da liberdade, através da cor, grau de aculturação e profissão, com o intuito de resguardar a hierarquia social, de modo a impedir que essa camada social pudesse “invadir” os espaços da elite branca colonial. Mas, como a sociedade, baseada no Antigo Regime, estava assentada em aparências, distinções e hierarquias, a roupa já traduzia uma condição social. Assim, o simples fato de utilizar apetrechos e adornos luxuosos já remetia a uma situação de liberdade, um exemplo, são sapatos, objetos de diferenciação social, que deixavam evidente a situação dos livres/libertos em relação aos cativos (LARA, 2007, p. 124). Logo, a vestimenta e o uso de adornos podiam possibilitar uma ascensão e distinção social para livres/libertos, o que permitia diferenciá-los dos cativos e reafirmar sua liberdade. Portanto, a roupa e os adornos traduziam distinções, e podem ser considerados símbolos de resistência, perante uma sociedade que condicionava a cor escura da pele à escravidão. 11 Dessa forma, o objetivo geral que estrutura o trabalho é demonstrar como a indumentária pode auxiliar na compreensão das relações sociais e culturais dos negros e pardos livres/libertos na América portuguesa. Além disso, temos como objetivos específicos: Apresentar como a vestimenta e o uso de adornos, de simbologia nobre, eram elementos que concediam distinção e possibilitavam ascensão social (ou reafirmação da liberdade) para negros e pardos livres/libertos. Enfatizar que mesmo com a conquista da liberdade, negros e pardos deveriam reafirmar sua condição, em virtude da distinção reforçada pela elite metropolitana e local, hierarquicamente, baseada na cor, função, condição social e grau de aculturação e, mostrar que a luta dos negros e pardos, por uma inserção na sociedade colonial, através da vestimenta e de adornos, pode ser vista como uma forma de resistência, para se desprender de estereótipos e, assim, passar a pensar os livres/libertos de ascendência africana como atuantes no processo histórico. Esta pesquisa busca contribuir para o entendimento das identidades dos negros e pardos libertos/livres e, atentar para que a História e a historiografia possam possibilitar, a partir da vestimenta, uma melhor análise das relações de poder no período colonial. Além disso, introduzir o debate quanto às atitudes, desejos e o comportamento dos negros e pardos na América portuguesa e, assim passar a enxergá-los como sujeitos atuantes na História. Observou-se, a partir de uma pesquisa realizada no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, que há uma baixa quantidade de pesquisas relacionadas com a área da vestimenta no período colonial e, ainda mais carente, no que diz respeito a roupa dos negros e pardos livres/libertos, que é um problema enfatizado também na obra de Silvia Hunold Lara, Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa (2007). Portanto, acredito que esta pesquisa possibilitará um incentivo para que novos estudos na área possam surgir e, consequentemente, repensar a atuação de negros e pardos, a partir da roupa, de modo a desmitificar estereótipos, como a submissão e a resistência concentrada somente nos quilombos. A escolha do tema se deu pelo interesse na indumentária e todos os aspectos simbólicos e de significados que podem ser a ela atribuídos, bem como sua função social de distinção, tensões e conflitos surgidos a partir do desrespeito ao decoro imposto por diversas legislações exaradas pelas Câmaras de diferentes vilas, como a 1 Câmara Municipal de Vila Rica, e cidade, como a do Rio de Janeiro, no que concerne ao vestir-se e sua 1 FURTADO, Júnia Ferreira. As câmaras municipais e o poder local: Vila Rica – um estudo de caso na produção acadêmica de Maria de Fátima Silva Gouvêa. Tempo [online]. 2009, vol.14, n.27, pp.6-22. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/tem/v14n27/a02v1427.pdf>. Acesso em: 10 de jul. de 2019 http://www.scielo.br/pdf/tem/v14n27/a02v1427.pdf 12 instrumentalização de controle e manutenção da expressão cultural material manifestada pelas vestimentas e adornos. Dessa forma, a vestimenta não pode se resumir em algo supérfluo e fútil, mas, além disso, a roupa possui uma simbologia que remonta à política, controle social e distinção. Logo, se entende que moda é política e o ato de vestir-se com características nobres, especificamente, no período colonial, presume significados que estão englobados no contexto do Antigo Regime. Hierarquia, desejo de distinção, de ascensão, e no caso dos negros e pardos, de reafirmação de liberdade. Nesse sentido, pretende-se viabilizar o debate e novas interpretações com relação à vestimenta e o que ela pode beneficiar em demais pesquisas, que levem em consideração a crítica e a interpretação de elementos visuais na História. A presente pesquisa empregará a iconografia como objeto a ser analisado de forma descritiva e crítica, de modo a contribuir com a compreensão dos aspectos culturais e sociais dos negros e pardos na América portuguesa. As imagens selecionadas estarão incluídas nas obras de Carlos Julião, a partir da publicação realizada pela Biblioteca Nacional, nomeada Riscos illuminados de Figurinhos de Brancos e Negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio (1960). A vestimenta e os adornos dos livres e libertos serão o enfoque central da pesquisa, portanto, as imagens selecionadas nas obras deverão seguir critérios comparativos entre os cativos, livres e os negros e pardos libertos/livres, no que diz respeito a simbologia dos elementos visuais que compõem a indumentária. Carlos Julião (1740-1811) foi um militar a serviço da Coroa portuguesa, que realizou diversas viagens às colônias portuguesas na América, em meados do século XVIII. Julião ao vir para o Brasil retratou através de pinturas em aquarela o cotidiano e as vestimentas dos negros e pardos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, em que expressa detalhadamente, os adornos, formas e cores. O pintor procurou realçar os personagens, em sua grande parte composto por mulheres, e suas indumentárias, ocupando-os em primeiro plano e, muitas vezes desconsiderando as paisagens em suas obras. Desse modo, as imagens analisadas serão: figura 1 – Traje de mulher negra, figura 2 – Vestimenta de liberta, figura 3 – Vendedores ambulantes, figura 4 – Vendedora e figura 5- Coroação de uma rainha negra na festa de Reis. Desse modo, de acordo com Cardoso (2010, p. 17) a análise da imagem, tratada como um documento histórico deve abarcar uma crítica interna, ou seja, considerar o que está na imagem, mas sempre fazer o uso de textos de apoio, sobre o período abordado na imagem e, realizar uma crítica externa, em que deve-se procurar relacionar a obra com o contexto ao 13 qual foi produzida, levando em consideração as mentalidades, ideologias e o imaginário, de modo a contribuir com a compreensão dos aspectos sociais e culturais de um grupo ou sociedade. A iconologia, disciplina da História da Arte concebida por Erwin Panofskyi (1986), trata a iconografia como uma fonte histórica, vista sob uma perspectiva de representações simbólicas que os elementos da imagem expressam. Assim, a vestimenta, possui elementos simbólicos que podem ser examinados a partir das pinturas de Julião. Contudo, as fontes iconográficas devem ser associadas a outros tipos de fontes, para que sejam fundamentadas, a partir da crítica, e não de um juízo de valor. (CARDOSO, 2010, p. 15). Nesse sentido, pretende-se analisar as iconografias, de modo a extrair as ideologias que a vestimenta pode sugerir, de modo a facilitar a compreensão da roupa, como um componente de distinção para negros e pardos livres/libertos no período colonial. 14 1 ANTIGO REGIME E SUAS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS A vestimenta, desde a Idade Média, tinha a função de demarcar diferenças entre os grupos sociais e ao mesmo tempo, ser utilizada como estratégia política, na manutenção das hierarquias e do controle da sociedade. A moda, como entendemos hoje, surgiu entre os séculos XIII e XIV, no contexto medieval e se caracteriza pela mudança da roupa ao decorrer do tempo, ou seja, moda é mudança e se molda conforme o contexto ao qual está inserida (RIELLO, 2015, p. 13). A roupa como uma linguagem visual, foi utilizada, historicamente, para separar categorias e, no Antigo Regime, em que as hierarquias deveriam ser visíveis, a vestimenta e o uso de certos adornos foram elementos empregados para legitimar poderes, condições, lugares e distinções. Dessa forma, conforme Julita Scarano, Assim, o que se usava no próprio corpo constituía o modo mais fácil e acessível para se alcançar certa distinção, no seio de seu grupo e mesmo na sociedade como um todo. De resto, a roupa sempre teve o papel social de separar e distinguir categorias. No Brasil dos primeiros séculos isso é manifesto (1992, p.58). Desse modo, o Antigo Regime, a partir de suas características conceituais e o sistema escravista, baseado na mão de obra negra e indígena, concedeu forma à estrutura social, na América portuguesa, em que a composição na hierarquia teve que se ajustar às novas categorias sociais, através de distinções, baseadas na cor, aculturação, função e condição. Assim, a roupa também se convertia em uma forma de distinção visual e de reafirmação de liberdade para negros e pardos livres/libertos. Contudo, para compreender essas articulações é preciso conceituar os três temas que compõem essa pesquisa: Antigo Regime, escravidão e a vestimenta. Nos anos oitenta do século XX, uma nova interpretação historiográfica, acerca do Antigo Regime, levantou discussões sobre suas características estruturais, em que, questões como a centralização e a rigidez hierárquica passaram a receber críticas e novas formulações. De acordo com Hespanha (2010, p.58) o Antigo Regime de Portugal refletiu estruturalmente, em suas Conquistas, e, suas características, formaram as bases para as relações sociais e políticas na América portuguesa. Historiadores do período colonial, como Stuart Schwartz e John Russell-Wood, introduziram uma nova visão acerca das relações entre a metrópole e a colônia. No entanto, enxergar o Estado como um mero espectador, ausente de poder com relação às colônias, não isenta dizer que a experiência colonial foi alheia à violência e ao total distanciamento da Coroa nas negociações com os poderes periféricos (HESPANHA, 2010, p. 48). 15 Dessa forma, a descentralização observada no Antigo Regime reflete tanto nas metrópoles quanto em suas colônias. A falta de uma constituição, que administrasse as colônias portuguesas e a elaboração de leis locais, baseadas em costumes, conferiu bases para a construção de vínculos políticos e situações jurídicas entre a Coroa os povos colonizados, de modo a conceder autonomia aos representantes locais. Desse modo, de acordo com Hespanha (2010, p.57) justaposição institucional, pluralidade de modelos jurídicos, limitações constitucionais e demais vínculos políticos, foram características estruturais das comunidades políticas da Época Moderna. Instituições como vice-reis, governadores, donatários, governadores de capitanias, magistrados menores, oficiais e funcionários usufruíram de certa autonomia nas colônias. No entanto, inconsistência hierárquica e a confusão de cumprimentos de ordens, cederam lugar a uma garantia de autonomia a esses oficiais menores. As jurisdições estavam sob o domínio dos donatários, Tribunais superiores e desembargadores, que com força maior, assumiam controle nas leis, que muitas vezes, estavam à mercê dos interesses das elites coloniais (HESPANHA, 2010, p. 62). A descentralização dos poderes da Coroa reproduzida em seus domínios coloniais, não desestabilizou sua política de controle. A representação do rei a partir dos oficiais, não anulava a autoridade da realeza, pelo contrário, a enaltecia demasiadamente. Portanto, o Antigo Regime é plural, móvel e corporativo (HESPANHA, 1998, p.71). Por isso, resumir a relação da Metrópole com sua colônia de forma simplista e fixa, tende a desconsiderar todas as relações de poder que se instalavam na América portuguesa e, que gradativamente se estruturavam a partir de princípios hierárquicos, que buscavam reforçar as distinções sociais, baseadas em cor e classe, já que seu contexto social, diferente da Europa, era composto por escravos e gentios, que trabalhavam na lavoura. Desse modo, a cor dos escravos era uma característica utilizada para demarcar diferenças e graduações culturais, na hierarquia colonial (SCHWARTZ, 1988, p. 213). A escravidão na lavoura ampliou as categorias tradicionais, o português comum, dono da propriedade se tornou nobre e o escravo negro e o indígena se tornaram plebeus. Contudo, “a sociedade escravista brasileira não foi uma criação do escravismo, mas o resultado da interação da escravidão da grande lavoura com os princípios sociais preexistentes na Europa” (SCHWARTZ, 1998, p. 214). Em virtude disso, a sociedade se torna tão complexa: índios, negros aculturados, crioulos, mestiços, principalmente, a partir do século XVIII, em que as graduações sociais e culturais se tornam mais diversas e evidentes, pois com o advento da burguesia urbana e a 16 descoberta das jazidas minerais, as possibilidades de inserção dos escravos no comércio, culminaram em um aumento gradativo de concessões de alforrias e, consequentemente, um crescimento da população livre e de cor na América portuguesa, formado por negros e pardos livres/libertos (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 58). Logo, legitimar o status de nobreza e demarcar diferenças sociais, de modo a manter a ordem tradicional na hierarquia, foram elementos ajustáveis e presentes na América portuguesa, a partir de uma sociedade escravista, firmada em função da organização de engenho, baseada na cor, condição e função (SCHWARTZ, 1998, p. 215). As pessoas de cor livre formaram um grupo muito heterogêneo, suas origens, habilidades e graus de aculturação eram muito diversos. Assim, para situar facilmente a condição de inferioridade dos negros e pardos, a elite colonial buscou reforçar ainda mais as diferenças, através de leis discriminatórias, que dividiam a sociedade em dois extremos: negro (escravo, inferior, não aculturado) e branco (livre, aculturado, superior). (SCHWARTZ, 1998, p. 213). Os libertos (escravos que conquistaram sua liberdade, através da pecúnia) e os livres (filhos de escravos forros ou filhos de uma escrava e um homem livre) nunca foram tratados realmente como livres, por isso enfatizar sua liberdade era importante, ainda mais em uma sociedade desigual, em que as classes superiores buscavam demarcar as diferenças. Logo, a incorporação de elementos e modos de vivência da elite, como os sacramentos da religião católica, trajes e símbolos nobres, afastavam sua condição de inferior e possibilitavam uma assimilação na sociedade. A terceira geração de escravos, ou seja, os netos dos forros tinham mais facilidade de inserção ao mundo livre (FARIA, 1998, p. 305). Outra distinção promovida entre os escravos negros era a designação de “boçais” e “ladinos”. O “boçal” se referia ao escravo recém-chegado ao Brasil, com nenhum conhecimento da cultura européia e do funcionamento da sociedade colonial na América portuguesa, já o “ladino” conhecia a língua portuguesa e as relações sociais que moldavam a sociedade, dessa forma, sua assimilação era mais vantajosa (BONCIANI, 2016). A conquista da alforria já representava uma forma de ascensão entre os cativos e, sobretudo, liberdade de movimento, entretanto, a sua integração ao mundo livre não ocorria de forma imediata, pois o estigma social da escravidão ainda permanecia vigente. O tratamento nominal dado aos pretos/pardos livres/libertos significava dizer que tinham um recente passado com a escravidão. Os filhos de “pardos livres” poderiam ser tratados a partir de seu nome, o que representava um distanciamento da escravidão e, reafirmação de sua 17 liberdade, ou seja, quanto mais longe de seu antepassado, melhores eram as possibilidades de assimilação (FARIA, 1998, p. 135). É importante destacar que a cor, até o século XIX, não estava necessariamente relacionada com os termos de caracterização, pardos ou pretos, mas sim de condição. A denominação “preto” fazia referência a escravo e quando este conquistava sua alforria se tornava “preto forro” e seus filhos se tornariam “pardos forros”. O termo “pardo” se referia tanto para os descendentes dos crioulos (filhos de escravos) quanto para designar uma miscigenação. Logo, era considerado um descendente mais distante de africanos e, quando se tornava livre recebia a denominação de “pardo forro” e seus filhos poderiam ser reconhecidos como “pardos livres” ou “forros”, mesmo sem nunca terem sido escravos ou filhos de escravos (FARIA, 1998, p. 138). Desse modo, Estas considerações evidenciam que a inserção de alforriados no universo dos livres era demorada e, até mesmo perversa. Ao libertar-se, o cativo transformava-se, aos olhos de seus companheiros, em privilegiado. No universo livre do qual, agora, fazia parte, inseria-se com emblemas nitidamente discriminatórios (FARIA, 1998, 139). Assim, a elite colonial branca buscava reforçar o estigma da escravidão entre os negros e pardos, mesmo estes sendo livres. A caracterização nominal concedida aos alforriados ou livres também era uma forma de distinção, que podia aproximar ou afastar da escravidão. 18 2 A ESCRAVIDÃO SOB A PERSPECTIVA DOS CATIVOS A nova historiografia, que tomou corpo, nos anos de 1980 ofereceu novos temas e abordagens com relação à escravidão, na qual as ações dos escravos passaram a ser o tema central para se compreender o universo colonial e, como se davam as relações na escravidão. Dessa forma, as práticas do cotidiano representaram um roteiro que evidenciavam as visões e os pensamentos dos escravos, perante a escravidão e, como estes, faziam para lidar com ela. Assim, costumes, modos de viver, as mentalidades e as estratégias de sobrevivência foram os alvos de estudos que buscaram compreender a experiência histórica dos escravos e libertos. A influência da escola francesa contribuiu para a exploração desses aspectos. A partir disso, o período colonial passou a ser entendido como um universo complexo e dinâmico (LARA, 2005, p. 29). O escravo-objeto deixou de ser a ideia hegemônica entre os historiadores, até porque nem os próprios escravos se viam assim. A construção de uma identidade para os cativos foi possível a partir de aspectos óbvios de convivência, pois assim como todo ser humano eles também tinham sentimentos de amor, raiva, ódio, inveja e desejos, assim, o escravo foi construindo suas próprias relações de negociação e conflito, na medida do possível em uma sociedade móvel (FARIA, 1998, p. 291). Entretanto, o escravo para sobreviver e atenuar a violência da escravidão tentava modificar sua realidade a favor de seus interesses, logo, respostas ao cativeiro, sejam elas coletivas ou individuais eram freqüentes. Desse modo, buscar se inserir em uma sociedade e reafirmar uma condição induzia o escravo a tomar atitudes que, envolviam acordos e consensos com o senhor, no entanto, desde que, fosse interessante para o senhor conceder tal anseio ao cativo (FARIA, 1998, p. 292). O impacto com a presença de escravos e libertos formaram experiências distintas e específicas, vivenciadas na América portuguesa, principalmente no século XVIII, influenciando na estrutura hierárquica. A presença negra na América portuguesa se deu pelo comércio realizado entre o Brasil a África ocidental e oriental, contudo, se tornou evidente com a implantação dos engenhos de açúcar. Com a descoberta do ouro em Minas na década de 1690, a mão de obra negra da Costa da Mina passou a ser predominante, pois esses escravos tinham adquirido experiência com a extração de ouro em seu lugar de origem. Dessa forma, as transformações no meio urbano e econômico se tornaram crescentes, já que afetaram a dinâmica móvel das hierarquias sociais, em virtude, do grande contingente de negros e mulatos libertos\livres na área central do Brasil (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 55). 19 As interações de culturas e visões de mundo faziam parte do cotidiano, pois o africano recém-chegado, ao entrar em contato com os componentes da escravaria antiga, adquiria culturas diferenciadas e formas de convivência e, o mesmo ocorria com os membros antigos. O senhor também internava culturas africanas e os cativos a cultura europeia. Logo, havia uma miscigenação de culturas que se adaptavam ao Novo Mundo (FARIA, 1998, p. 300). Durante o século XVIII, o contexto mundial sofria transformações sociais e econômicas e, seus reflexos surtiram efeito no Brasil colonial, com o surgimento da burguesia urbana, que possibilitou o advento de uma classe mercantil, formada por libertos de ascendência africana, que almejavam por mobilidade e distinção social. Além disso, o contexto interno favoreceu os anseios da população escrava, pois com o advento do ouro, escravos que ficavam nessas regiões, se tornavam 2 faisqueiros e, muitos escondiam diamantes quando estavam em serviço, logo, conseguiam acumular certa quantia, que concedesse sua liberdade (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 58). Escravos de artesãos, escravos de ganho, escravos que conseguiam realizar serviços especializados, como os barbeiros, carpinteiros, ambulantes, além disso, possuir apoio de uma 3 Irmandade e se inserir no comércio como dono de uma taberna, também eram formas de fazer parte da população liberta (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 63). No meio urbano as concessões de alforrias eram em maior quantidade, em virtude das oportunidades econômicas de ascensão, na qual o escravo poderia obter e, pelo fato das articulações do senhor nas plantations, se basearem em paternalismo, isso diminuía o interesse do cativo pela alforria. Além disto, o escravo doméstico tinha mais possibilidade de adquirir sua alforria, por conta de sua maior aproximação com os valores europeus, adquiridos com o contato próximo da família de seu senhor (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 60). 2 Indivíduo que procura nas minas faíscas de ouro. "faisqueiros", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/faisqueiros [consultado em 14-07-2019]. 3 “As irmandades eram associações religiosas de leigos que se uniam para devoção de um orago. Essas associações eram, geralmente, regidas por estatutos que regulamentavam o ingresso de novos associados, as quantias pagas para o ingresso, bem como as anuais, as eleições da mesa gestora, e a assistência mútua em caso de doença, morte, crise financeira, etc. Ou seja, eram instituições que tinham como prerrogativa a religião, mas suas ações extrapolavam as questões religiosas e a administração dos sacramentos.” Oliveira, M. (2012). A Irmandade do Santíssimo Sacramento: funções e funcionamento (Ouro Preto, século XVIII). DOI 10.5216/o.v12i1.18335. OPSIS, 12(1), 382-403. Disponível em: <https://doi.org/10.5216/o.v12i1.18335>. (Acesso em 10 de jul. de 2019). https://dicionario.priberam.org/faisqueiros https://doi.org/10.5216/o.v12i1.18335 20 Para entender a importância da conquista da alforria para os cativos, o conceito de escravidão deve ser esclarecido, e dessa forma, conforme Lovejoy (2002) escravidão, na África antiga, era baseada em três elementos, ao qual o escravo era submetido e tratado: propriedade, estrangeiro e coerção. Como propriedade, o escravo estava sujeito a venda e compra, ou seja, era visto como um bem móvel, no qual era controlado e perdia sua liberdade de locomoção. Na questão do estrangeiro, o senhor deveria reforçar sua diferença perante a sociedade, de modo a dificultar sua assimilação e, dessa forma, o controle e a dominação seriam facilitados. A coerção tinha a função de reforçar a submissão e a violência ao qual o cativo estava subjugado, enfatizando a sua condição de inferioridade perante aquela situação. Por tanto, a mobilidade e o desejo de inserção na sociedade pelos cativos na América portuguesa já eram motivo de conquista. A configuração na América portuguesa, no século XVIII, estava baseada em conflitos sociais, em que a elite colonial buscava reforçar as diferenças, com o intuito de resguardar a hierarquia, aos moldes do Antigo Regime. E para isso, seria necessária a promulgação de leis que impedissem e dificultassem a integração dos negros e pardos libertos\livres na sociedade. No entanto, é importante destacar que, o processo de assimilação pela elite era mais conivente para o negro ou mulato nascido livre do que para os escravos que mais tarde conseguiriam sua liberdade (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 86). A questão da cor também passou a ser um fator que facilitava a integração, visto que um pardo/mulato de pigmentação mais clara tinha maior possibilidade de se sobressair socialmente do que um negro, mesmo este sendo livre. A pigmentação ultrapassava a importância da caracterização do nascimento, se livre ou escravo. Além disso, os europeus ao observarem os mulatos os descreviam como insolentes, soberbos e preguiçosos. O incômodo com os livres e libertos era mais reforçado, já que sua inserção no mundo livre demandava uma ocupação no espaço que antes, era restrito à elite branca (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 86). Assim, a situação nas Conquistas e, principalmente, na América portuguesa, era distinta das relações sociais na Europa, por conta do sistema escravista existente e do funcionamento colonial, adaptado às novas hierarquias, influenciadas pelo Império português (LARA, 2005, p. 81). 21 3 MODA E CONCEITO De acordo com Debom (2018, p.10), Moda é a busca por algo novo, inédito e, que acima de tudo, preze por mudanças constantes na forma em como o indivíduo ou grupo se apresentam à sociedade, através da vestimenta, de modo a quebrar com as tradições antigas, calcadas pelo costume. Desse modo, a Moda, iniciada com letra maiúscula, deve ser tratada como um conceito que não se restrinja somente a roupa, mas que facilite a compreensão de uma época, comportamento e funcionamento da sociedade, costumes, gostos, atitudes e, que, além disso, possibilite uma leitura econômica e política através dos signos visuais da vestimenta. (DEBOM, 2018, p. 8). Portanto, “[...] a indumentária é texto, pelas tramas dos tecidos leem-se múltiplos discursos, que vão desde os anseios pessoais, a expressão de personalidade, a influência da sociedade sobre o indivíduo e sua postura política.” (DEBOM, 2014, p. 3) A Moda surge a partir de mudanças efêmeras pautadas sob a novidade do presente, tornando-se assim, algo constante. Logo, tendências passageiras, que remetem à aparência, baseadas em tradições passadas, com ausência de personalidades subjetivas, não são suficientes e nem podem ser consideradas Moda, mas sim modismos, pois não são caracterizadas por mudanças permanentes na sociedade (DEBOM, 2018, p. 12). Dessa forma, Moda não se restringe simplesmente à vestimenta e sua descrição, apesar desta ser o principal objeto de análise, a roupa deve ser vista como uma cultura material de um período, construída por simbologias e significados que remontam a uma visão de mundo, carregada de subjetividades expressadas em suas formas, componentes e cores (BRAUDEL, 2005 apud DEBOM, 2014, p. 5). Além disso, “o traje por toda a parte se obstina em denunciar as oposições sociais” (BRAUDEL, 2005, p. 281). Portanto, a Moda é um campo de estudo complexo, que permite uma leitura estrutural de uma sociedade em dada época, pois conforme (Braudel, 2005, p. 298) “Esta moda que toca em tudo é a maneira como cada civilização se orienta”, assim, as mudanças na política e economia influenciam a sociedade em seu comportamento, sejam nos hábitos, vestimenta, e etc. Portanto, “Tudo mudaria menos se a sociedade se mantivesse quase estável” (BRAUDEL, 2005, p. 281). Dessa forma, conforme Debom, Nos trajes entrecruzam-se diversos elementos simbólicos que edificam uma época. As vestes permitem leituras enviesadas que caminham pelas mais diversas esferas do pensamento, da política e da economia (2014, p. 1). A palavra moda surge em meados do século XV e início do XVI, na França, relacionada à forma de se vestir, e deriva da palavra mode, relacionada a fazer algo. Em 22 termos gerais, o vocábulo moda deriva do latim modus (modo e maneira) (DEBOM, 2005, p. 8). Alguns autores, como Gilda de Mello e Souza, Massimo Baldini, Gilles Lipovetsky, Daniel Roche, Gabriel Tarde, Roland Barthes e Fernand Braudel, interessados no estudo da vestimenta e na abordagem da Moda trataram de contextualizar seu surgimento, suas divisões históricas no tempo e espaço e sua importância para os estudos na Historiografia. Gilda de Mello e Souza (1993 apud DEBOM, 2005) acredita que a Moda iniciou-se entre os gregos e os romanos, a partir dos penteados utilizados pelas camadas aristocráticas, no entanto, enfatiza que seu desenvolvimento e ápice se deram no período da Renascença (XIV-XVI). Massimo Baldini (2006 apud DEBOM, 2005), também cita que a Moda já era vista na Antiguidade, em que penteados, perucas e franjas foram tendências aderidas por povos durante guerras e conquistas, permitidos a partir do contato com outras culturas. Contudo, como citado no início do texto, ambos ressaltam que essas situações não são satisfatórias para exemplificar o movimento Moda, pois o que havia era uma imitação de algo que já existia e, que não pendurou por muito tempo (DEBOM, 2005, p.10). Nos povos sem escrita a escolha da roupa era guiada por antigas tradições e pelo costume, os indivíduos não aderiam à roupa sua personalidade ou gosto pessoal, apenas usavam, pois era o que todos usavam, seguindo a regra da imitação do passado, pois ainda não havia o desejo de ser diferente e, muito menos afirmação de individualidade. (DEBOM, 2005, p. 10). Para Lipovetsky (2002 apud DEBOM, 2005) a Moda surge na segunda metade do século XIV e início do século XV, antes desse período tudo que estava relacionado à vestimenta era baseado pelo costume e ancestralidade, o que segundo Gabriel de Tarde (1890 apud DEBOM, 2005) chama de a Era do Costume, em que nessa época o passado deveria ser perpetuado como forma de manter as antigas tradições, era uma forma de a comunidade controlar o tempo e espaço, assim, a roupa servia como manutenção desse processo. Somente ao final da Idade Média, em algumas áreas da Europa Ocidental, a Moda pode finalmente se manifestar, fundamentada em valores da modernidade: individualidade, ânsia por novidade e a preocupação pela aparência, a vestimenta adquiriu simbologias comportamentais e individualistas, além disso, o Renascimento Comercial acelerou e intensificou o gosto acelerado pela mudança, principalmente em cidades italianas e francesas (DEBOM, 2005, p. 13). Nesse momento, a diferenciação entre os sexos se tornou mais evidente, mas, ainda assim, pautados em convenções sociais e clericais. Logo, a vestimenta não diferenciava 23 somente camadas sociais, mas também passou a demarcar diferenças entre masculino e feminino. A atração pela diferença, individualidade e aparência contribuiu para esse processo se firmar. Logo, a beleza passou a ser algo evidenciado e, ainda uma ferramenta de inclusão no meio social (DEBOM, 2005, p. 13). A Era da Moda, conforme de Tarde (1890 apud DEBOM, 2005) surge no século XV, momento em que a alta burguesia se insere e, mudanças nas camadas sociais refletem na forma em como cada indivíduo deve se apresentar para firmar sua função social. A nobreza se entrega para os anseios da novidade e pelo efêmero que a vestimenta proporciona e, além disso, pela afirmação de poder e prestígio. A burguesia desejava se vestir como os nobres e reis e estes, por último, buscavam se renovar a partir de cada vestimenta, em um ritmo acelerado e constante, assim, o presente e o inédito nunca foram tão requisitados como antes (DEBOM, 2005, p. 13). A questão da individualidade concedida no mundo moderno proporcionou o interesse pela diferença e pela novidade, logo, a aparência, se tornou um elemento importante evidenciada pela maneira de se vestir. Assim, a união desses fatores contribuiu para a efetivação da Moda na Europa Ocidental, ao final da Idade Média. A disposição pela mudança e originalidade permitiu o indivíduo experimentar coisas novas, de criar, inovar e de inserir seu gosto pessoal na maneira de vestir, rompendo com a imitação de antigas tradições. A nobreza desejava ser exclusiva em sua forma de vestir, então com a crescente influência da burguesia e sua constante imitação, foi necessária a criação das 4 Leis Suntuárias, criada pela realeza com o apoio da Igreja, durante o século XIV, esta lei funcionava como uma ferramenta de controle social, limitando a imitação por parte de grupos que desejassem se vestir como a nobreza, e, ainda buscava-se impedir o pecado da vaidade entre os burgueses e os demais povos abastados. Desse modo, “As leis suntuárias correspondem, portanto à sensatez dos governantes, mas mais ainda às inquietações das classes altas da sociedade quando se vêem imitadas pelos novos-ricos” (BRAUDEL, 2005, p. 281). A regra imposta era que cada grupo social devesse se vestir de acordo com sua posição na sociedade, no entanto, essa lei foi revogada no século XVIII (DEBOM, 2005, p. 15-16). 4 Conforme Vieira, “As leis suntuárias são atas parlamentares, proclamações dos monarcas, ordenações locais e até éditos religiosos que regulamentam sobre o consumo de alimentos, móveis, tapeçarias, roupas, adornos, matérias-primas e outros itens comercializados nessa sociedade. São normatizações que pretendem manter os consumos adequados às hierarquias da sociedade, impedindo ou minimizando a mobilidade social, ou pelo menos, a visibilidade dessa mobilidade, Eram sancionadas pelas autoridades, seja o monarca, a autoridade local ou religiosa [...]”. VIEIRA, Thaiana Gomes. Moda e controle: as vestimentas e adornos nas leis suntuárias em Valladolid na Baixa Idade Média. Universidade Federal de Juíz de Fora, Instituto de Artes e Design. Programa de Pós Graduação em Artes, Cultura e Linguagens, 2007, p. 48. Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/6867/1/thaianagomesvieira.pdf>. Acesso em: 13 de jul. 2019. https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/6867/1/thaianagomesvieira.pdf 24 Assim, de acordo com Daniel Roche (1989 apud DEBOM, 2018, p. 16) As leis suntuárias faziam parte de uma economia política cristã que tinha por objetivo fazer com que o consumo obedecesse a hierarquia das ordens sociais e das regras de comportamento. [...] Ainda que os regulamentos não funcionassem, o simples fato de existirem por tanto tempo, explicita o desejo de permanência dos limites entre as ordens sociais. Portanto, mesmo que ocorressem mudanças comerciais e os valores da Renascença tenham se iniciado, a permanência de antigos costumes ainda eram vistos na sociedade, e, é importante observar que a Igreja ainda era uma instituição que influenciava nos comportamentos sociais, ou seja, ela não desaparecera totalmente e, alguns dogmas cristãos ainda se faziam presentes (DEBOM, 2005, p. 17). O fato de um burguês se vestir como um nobre causou um desconforto perante as autoridades dominantes, assim, essas leis tinham o objetivo de limitar o acesso desses indivíduos ao novo, ao exclusivo, de modo que, somente a nobreza pudesse ter o privilégio de ser diferente, além de tornar visível o pertencimento a um grupo social. Mesmo com as transformações sociais e econômicas, manter as ordens sociais era de extrema importância. O gosto pela novidade atingia a todos, nobres, camponeses, burgueses, mas esses valores não se efetivaram de forma imediata, aos poucos a base social seria influenciada pelo gosto pessoal e isso as tornaria consumidoras de trajes que moldassem seus corpos. Ninguém se esforçava para ser visto na sua realidade; a vaidade das aparências e o narcisismo da moda faziam do mundo um grande espetáculo. [...] Buscava-se o destaque da individualidade e, ao mesmo tempo, acontecia uma coesão inevitável e coletiva (TRONCA, 2005, p. 70). O corpo na Renascença era cultuado, assim como foi em Roma, e remetia à individualidade, dessa forma, a vestimenta deveria contribuir para que esse detalhe pudesse ser concebido. Desse modo, A partir do século XV, as roupas dos estratos elevados das sociedades da Europa Ocidental tiveram na modelagem a sua base: o corpo do indivíduo tão aclamado pela arte renascentista precisava expressar seus desejos e singularidades por meio das múltilas camadas de tecidos que o envolviam. As roupas eram projetadas para serem únicas [...]. (DEBOM, 2018, p. 17). Dessa forma, a passagem da idade média para o mundo moderno marca o fim da Era do Costume e o início da Era da Moda, em que há uma necessidade de afirmação de individualidade e de estar inserido na sociedade, fazendo parte dele e comunicando ao mundo, através da vestimenta, seus gostos e comportamento. Portanto, a moda surge da idéia de individualidade e diferença, mas ao mesmo tempo, é também coletiva, por possibilitar uma inserção na sociedade (DEBOM, 2018, p. 18). 25 No entanto, a Moda não se resume somente em imitações constantes por parte da burguesia, é um movimento que surgiu em um contexto complexo, pautado em novos comportamentos que devem ser mais bem analisados. Portanto, como cita Debom, conforme Juliana Schmitt (2011 apud DEBOM, 2018), o surgimento da Moda, além da referência de luta de classes, demonstra a necessidade dos indivíduos fazerem parte do mundo de forma única e pessoal, sendo concebida pela forma em como são vistos, logo, a aparência voltada para a vestimenta, se torna a ferramenta essencial de comunicação visual, que transmite visões de mundo, personalidade e, além disso, constrói identidades sociais. Conforme a afirmação de Debom, para Lipovetsky (2002, apud DEBOM, 2018), a Era da Moda é dividida em três etapas: Era Aristocrática (XIV-XIX), a Moda dos Cem Anos (XIX-XX) e a Moda Aberta (XX-XXI). A primeira é limitada à nobreza e a burguesia que detinha o privilégio de consumir roupas que a realeza utilizava. No entanto, a maioria da população, formada por camponeses e artesões, ainda estava atrelada a idéia de perpetuar as antigas tradições, o gosto pela novidade ainda não fora efetivado entre essas camadas sociais. Contudo, a Revolução Francesa, idéias Iluministas, a ascensão da burguesia e a criação da máquina de costura mudaram os rumos da sociedade em relação à Moda. Dessa forma, Entre 1700 e1789, a população francesa formava um mercado privilegiado [...] era o centro do consumo de um imenso universo de pessoas ávidas por aparência. A cidade fervilhava em um movimento constante de pessoas e confusão de coisas que diferiam conforme a categoria social e cultural. A vida pública girava em torno da burguesia em ascensão e de uma aristocracia em declínio (TRONCA, 2008, p. 68). A segunda é caracterizada pela produção de roupas semelhantesàs da nobreza para a maioria do povo, por um preço mais baixo e, em contrapartida, pelo surgimento de costureiros que produziam roupas exclusivas para uma clientela com alto poder aquisitivo. Isso diminuiu, mas não excluiu as barreiras de diferenças visuais entre os grupos sociais. O fato de haver um costureiro que crie as roupas para a nobreza e realeza, diminui o poder de escolha e de influência do grupo dominante, que agora não dita a Moda diretamente, no entanto, faz com que haja uma forma imperativa do que usar e o que realmente transmite poder e prestígio por quem cria a roupa. Dessa forma, a Moda não se torna democrática, pois a exclusividade continuava sendo privilégio da nobreza e, agora, da alta burguesia, e, mesmo que a camada média pudesse adquirir uma imitação da vestimenta da classe alta, ainda assim, não era algo inédito (DEBOM, 2005, p. 21-22). Segundo Lipovetsky (2002 apud DEBOM, 2018, p. 23-24), a Moda Aberta é mais autônoma e aspira liberdade, no entanto, esta visão não condiz com a realidade em que a Moda se insere, pois a sociedade continua seguindo padrões impostos pelo o que a Moda dita 26 e acredita que é bonito, e a aparência ainda é um fator que guia a sociedade, logo, essa liberdade não é total, mesmo que haja alguns grupos que se desvinculam desse sistema. 3.1 A MODA COMO FONTE HISTÓRIOGRÁFICA De acordo com Debom, para Barthes (2005 apud DEBOM, 2014), a Moda e a História da Indumentária ainda são dimensões pouco estudadas no campo acadêmico, desse modo, é necessário ter consciência de que a Moda e seu material expressivo, que é a roupa, devem ser consideradas fontes essenciais para a análise social, econômica e cultural de um período. Logo, conceber uma fonte complexa, que envolva esses fatores, necessita de um teor de sensibilidade para perceber os informes nos detalhes que estão inseridos na vestimenta de um período, seja ela de qualquer sujeito histórico. Assim, a simbologia agregada à roupa, construída pelo indivíduo e a capacidade dela transmitir e conter a individualidade de um ser, a torna ao mesmo tempo, objeto e sujeito histórico. Segundo Debom, nos anos de 1950, a partir dos estudos de Roland Barthes, a Moda pode iniciar sua jornada como fonte de discussões no campo da Sociologia e História. Barthes publicou o Sistema da Moda (1967), Imagem e Moda (2005), Elementos de Semiologia (2006) e Mitologias (2010), todos esses trabalhos concediam a Moda um papel central de objeto de análise para se compreender a sociedade e suas demais estruturas, papel este que até então não era visto (DEBOM, 2014, p. 2). Desse modo, assim como Juliana Schmit e Daniel Roche enfatizam que a moda é ao mesmo tempo individual e coletiva, Paulo Debom, também compactua com o mesmo pensamento, Nos discursos do universo das roupas, o indivíduo se coloca no mundo através de seu corpo vestido. Os trajes que o cobrem são escolhas ou imposições que se constituem em discursos que formam seu visual e, ao mesmo tempo, dialogam com os outros. Desta forma, a Moda forja o sujeito através da construção de uma marca identitária que o relaciona com todos àqueles que o cercam (DEBOM, 2014, p. 2-3) Debom afirma que para Barthes (2005 apud DEBOM, 2014, p. 3), há uma distinção entre indumentária e traje, o primeiro se refere a um contrato coletivo, em que para comunicar é necessário saber utilizá-lo, já o segundo é individual, trata-se de como esse indivíduo se comunica, logo, sua personalidade, pensamento, ideologia e sua influência contextual caracterizam sua expressão visual. Esses elementos formam a Moda. Conforme Debom, Fernand Braudel foi outro autor que se preocupou em levantar discussões a respeito da Moda e da vestimenta. Em 1967, com a publicação de Civilização 27 Material, Economia e Capitalismo- Séculos XV-XVIII: As Estruturas do Cotidiano, em que possui um capítulo sobre Roupa e Moda, na qual o autor se preocupa em analisar a sociedade, através da vestimenta, que se formou entre o final da Idade Média até o século XVIII e, afirma que a roupa não é um objeto supérfluo e sem significado, mas pelo ao contrário, através dela pode-se revelar todo um sistema de funcionamento econômico e social, que vai desde a produção e captação da matéria-prima até os significados de distinção social que a roupa transcende (DEBOM, 2014, p. 4-5). De acordo com Debom, para Braudel (2005 apud DEBOM, 2014) a roupa é algo que sempre existiu e faz referência a proteção e ao fato de cobrir o corpo, já a Moda é algo que surge ao final da Idade Média no Ocidente e que se desenvolve a partir do Renascimento Cultural e Comercial. Segundo o autor, Moda é a procura constante de mudança e renovação e, também acredita que a Moda possui seu apogeu no século XVIII, quando a burguesia ascende de forma efetiva e os conflitos por distinção assolam a aristocracia. Assim, Braudel constata que a Moda, vista como um sistema regulado por mudanças constantes, é um processo que pertence às sociedades ocidentais. No Oriente, entre os séculos XV e XVIII, existe uma riqueza enorme de trajes, porém não há mudanças contínuas em suas formas (DEBOM, 2014, p. 6). Segundo Debom, Braudel foi o primeiro historiador a discutir a Moda e a roupa como um sistema que dialoga com a sociedade. Já em 1989, Daniel Roche, publica a obra A Cultura das Aparências: Uma História da Indumentária (Séculos XVII-XVIII) e A História das Coisas Banais - Nascimento do Consumo (séculos XVII-XIX), duas obras que abordam o surgimento e a importância da Moda para a historiografia, como uma fonte crucial para os estudos sociais, políticos, econômicos e culturais (DEBOM, 2014, p. 7) Para ele, Moda está entre a submissão e a liberdade e, além disso, “o vestuário indica inclusão e exclusão, imitação, distinção e gosto pessoal, logo é um caminho privilegiado para se ler a sociedade” (DEBOM, 2014, p. 8). Bem como cita Debom, Roche retrata o luxo exacerbado da aristocracia francesa durante o século XVIII, em que o espetáculo se fazia com a exibição de roupas ostentosas e, afirma que esse comportamento é resultado das transformações sociais concebidas durante o Antigo Regime e com a influência da burguesia na sociedade, principalmente pós-revolução, afirmando que novos significados surgem e outros são reformulados, além dos elementos de imitação e distinção promovidos pela vestimenta, esses aspectos também devem ser levados em consideração, pois também revelam a mudança de comportamento através da Moda (DEBOM, 2014, p. 8-9). 28 4 A VESTIMENTA COMO ELEMENTO DE DISTINÇÃO De acordo com Lara (2005, p. 86), a distinção no Antigo Regime, estava baseada na dominação, função, poder e privilégios, conforme cada espaço ocupado na hierarquia. As distinções deveriam ser explícitas, para demarcar as ordens sociais e econômicas. Dessa forma, os comportamentos e os modos de vivência deveriam transmitir essas desigualdades. Contudo, apesar da separação de ordens, as distinções eram maleáveis, pois na verticalidade, sempre haveria um grupo, que de acordo com sua posição, ficaria inferior ou superior com relação a outros grupos ordenados. Por outro lado, os escravos compunham a base da pirâmide social. Por isso, a exibição de poder através de símbolos e cerimônias eram essenciais para a reafirmação da condição social, qualquer que fosse a colocação na hierarquia. Dessa forma, a sociedade colonial viveu de certa forma, às aparências, na qual a vestimenta e os adornos foram um dos elementos utilizados, para promover a distinção social. As leis discriminatórias faziam sua função de não distinguir escravos de libertos e generalizavam as categorias dos ascendentes africanos, tratando todos como inferiores (LARA, 2005, p. 86). Na pragmática de 1749, da legislação portuguesa, essas questões são explicitadas e se observa que o vestuário foi utilizado como controle social a fim de afirmar categorias e proteger hierarquias desde a metade do século XV (LARA, 2005, p. 87). Nessa lei, determinados tipos de roupas, ornamentos e armas eram proibidas para pessoas com condição social inferior. A diferença deveria ser observável para que a sociedade soubesse identificar os superiores (pessoas de maior qualidade) e os inferiores. Na América portuguesa, essas legislações vão ser incorporadas, sob o interesse da elite local, para que a mesma função seja imposta, no entanto, sob condições diferentes (LARA, 2007, p. 89). O governador da capitania do Rio de Janeiro e vice-rei do Estado do Brasil reclamavam para o rei de Portugal o não cumprimento da pragmática na colônia. Em 1756, uma lei específica, proibiu os mulatos e negros escravos utilizassem facas, sob pena de açoites. Assim, As armas foram novamente objeto de proibições na pragmática de 1749, mas, em 1756, uma lei especificou que “os mulatos e pretos escravos” que usassem facas e outras armas proibidas no Estado do Brasil, “em lugar de pena de dez anos de galés”, recebessem a “a pena de cem açoites no pelourinho e repetidos por dez dias alternados”; se fossem livres, porém, mantinham-se as punições já estabelecidas (LARA, 2007, p. 93). 29 Em 1702, um bispo comunicou ao rei, através de uma carta, que escravas e livres não ficassem andando pela rua à noite e ainda que, as escravas não utilizassem seda e ouro nas vestes, com o intuito de afastar os pecados e manter a ordem, sob pena de prisão e multa pecuniária. Assim, dizia na carta: tanto que anoitece [...] [elas saem às ruas] dilatando-se por elas a maior parte da noite sem temor de Deus, nem vergonha do mundo e ainda com consentimento dos seus donos, que vendo-as vestidas, e enfeitadas com as ofensas de Deus, não o encontram, e nem se pejam, que suas mulheres de dia se acompanhem à missa das escravas, que ofendem a Deus de noite (LARA, 2007, p. 94). Já havia em 1696, uma preocupação com a vestimenta das escravas, descritas através de duas cartas régias enviadas pelo rei em resposta ao pedido do governador-geral do Estado do Brasil, proibindo-as de utilizarem rendas, joias de ouro ou prata, a fim de evitar o luxo excessivo, para que não contaminassem o comportamento das demais escravas (LARA, 2007, p. 96). Os oficiais da Câmara da Bahia também comunicaram, em 1709, ao Conselho Ultramarino sobre o excesso de luxo nas roupas dos negros e mulatos. A resposta foi aderida a poucos meses, e as recomendações eram proibir em todas as capitanias do Brasil, que as escravas utilizassem telas, seda e ouro. Além disso, a proibição era de caráter discriminatório, pois se baseavam na cor, inclusive, a proibição recaía mais para o lado das escravas e mulatas, apesar do Conselho mencionar a roupa dos escravos também (LARA, 2007, p. 97). A elite colonial e metropolitana buscava relacionar a cor com a condição (livre ou escrava), pois era um modo de tratar todas as negras e mulatas como escravas, de modo a marcar diferenças sociais. Logo, o fato de mulheres negras ou mulatas livres/cativas/libertas se vestirem com tecidos nobres era considerado luxúria, um pecado capital e, além disso, consideravam todas escravas, mesmo que houvesse algumas livres/libertas (LARA, 2007, p.98). Desse modo, Assim como as roupas, os tecidos e os adornos usados pelas pessoas eram lidos como símbolos de presença ou ausência de riqueza e poder, como signos de comportamentos e costumes louváveis ou escandalosos, de domínio ou submissão, a cor da pele e outras marcas físicas foram incorporadas, sobretudo nas Conquistas, à linguagem visual das hierarquias sociais. [...] (LARA, 2007, p. 100). Dessa forma, a devassidão recaía mais para o lado das mulheres escravas, negras e mulatas libertas/livres. No entanto, qualquer mulher, seja qual fosse sua cor ou condição, que andasse desacompanhada, com roupas luxuosas poderia ser confundida com prostituta. Pois, nem sempre, o luxo significava recato e decência e, todas as mulheres estavam sujeitas a desacato imoral, caso andassem sozinhas. Por isso, as senhoras da elite eram acompanhadas 30 por várias escravas bem vestidas, para que ambas não saíssem do recato (LARA, 2007, p. 114). No que diz respeito, à vestimenta, na pragmática de 1749, não há nenhuma menção específica para as roupas dos escravos e dos libertos/livres. Mas, as constantes reclamações da colônia fizeram com que proibições fossem concebidas nas Conquistas. Logo, a lei procurou tratar desses assuntos concedendo um capítulo específico aos negros e mulatos das Conquistas, Por ser informado dos grandes inconvenientes, que resultam nas Conquistas da liberdade de trajarem os negros, e os mulatos [...] proíbo aos sobreditos [...] ainda que se achem forros ou nascessem livres, o uso não só de toda a sorte de seda, mas também de tecidos de lã finos, de holandas, esguiões, e semelhantes, ou mais finos tecidos de linho, ou de algodão; e muito menos lhes será lícito trazerem sobre si ornato de jóias, nem de ouro ou prata [...] (LARA, 2007, p. 101). Na América portuguesa, a carta régia de 1709, considerava a cor e condição social e, inclusive, generalizavam livres/libertos e escravos ao proibir o luxo. Já na pragmática de 1749, a partir do capítulo específico, há além de marcar as diferenças sociais e reprimir as escravas e escravos, a ideia de que o luxo cabia somente aos brancos, enquanto, que para os negros, mulatos e pardos livres/libertos era motivo de impureza, luxúria e mau exemplo para os demais. A razão dessa medida era rejeitar as subcategorias sociais e, simplificar as ordens das hierarquias, de modo a não confundir negros/ pardos, mesmo que fossem livres, com brancos (LARA, 2007, p. 102). O simbolismo da vestimenta nas colônias estava atrelado a valores morais e religiosos. No entanto, mais do que isso, a elite colonial e metropolitana estava preocupada em distinguir negros de brancos, ou seja, a roupa adquire um caráter político, quando passa a garantir um serviço de manutenção de hierarquias sociais, moldadas do Antigo Regime. Entretanto, a cor já se mostrava suficiente para distinguir categorias, pois, conforme visto na pragmática de 1749, ao proibir negros e mulatos do luxo excessivo, buscava relacioná-los a uma condição inferior à dos brancos (LARA, 2007, p. 102). No entanto, o capítulo da pragmática foi abolido meses depois, pois, por mais que houvesse reclamações da elite colonial na América portuguesa, essa lei não poderia ser aplicada no Estado do Brasil. O motivo seria a opulência registrada por cronistas e viajantes, como René Courte, que veio ao Rio de Janeiro em 1748, em que observou o luxo com que as escravas e os escravos se vestiam ao acompanhar suas senhoras (LARA, 2007, p. 107). No Brasil eram comuns exibições públicas de luxo, em que ter muitos escravos, bem vestidos, adornos nobres e roupas extravagantes eram sinônimos de boa condição, mesmo que no privado a riqueza não se mostrasse presente (LARA, 2007, p. 110). 31 Como a vestimenta era capaz de distinguir classes, a roupa e o uso de certos adornos eram uma das formas que facilitavam essa integração social, quando o parecer se sobrepunha ao ter, pois a exibição em espaços públicos de tecidos nobres transmitia poder e privilégios, e isto era importante para negros e pardos libertos, que desejavam se reafirmar e distinguir das classes ditas inferiores. (JANUÁRIO, [2004], p. 19). O viajante Lindley, observou os modos de vestir das negras livres/libertas, e segundo ele, as mulheres negras nas Conquistas, utilizavam colares de ouro, de grande comprimento, o que permitia dar várias voltas ao pescoço, ainda continham escapulários e querubins. Desse modo, a utilização desses adornos transmitia visualmente a condição de livre/liberta das mulheres negras e as distinguiam das mais pobres (LARA, 2007, p. 122). O cronista Vilhena, que vivia na Bahia, retratou o luxo excessivo das senhoras, que andavam exibindo as suas escravas bem vestidas. Esse comportamento era comum nas Conquistas, em que o luxo e as aparições públicas deveriam ser exageradas, mas tudo isso tinha um significado, que era demarcar diferenças através das roupas e dos demais signos de distinção, como a posse de escravas, bengalas e o uso de 5 palanquins (LARA, 2007, p. 113). O uso de espadim e capote (casaco) também eram símbolos de distinção e foi de uso proibido para pardos e negros. Contudo, os homens pardos da Confraria de São José em Vila Rica, questionaram a proibição do uso de espadim e conseguiram reverter a situação, no entanto, vale ressaltar que esses homens faziam parte de uma Irmandade e possuíam funções de prestígio social, eram músicos, mestres de oficinas, militares, professores, mineiros e artistas liberais o que lhes conferiam um “um reto procedimento” e um ofício vil e, consequentemente, o direito de usar espadim (PRECIOSO, 2008, p. 8) Dessa forma, nota-se que uma minoria de pardos e negros conquistava uma mobilidade social, logo, fatores como a pigmentação, que necessariamente não conferia uma ascensão imediata, profissões consideradas respeitadas e o uso de indumentária e adornos de simbologia nobre, constituíam-se em elementos essenciais para um caminho de distinção (PRECIOSO, 2008, p. 7). A camada de cativos que trabalhava para conseguir sua liberdade no meio urbano colonial, como as escravas de ganho que vendiam suas comidas nas ruas e cativos forros, como os carpinteiros, artesões, barbeiros, sapateiros, vendedores de tecidos e donos de 5 Rede suspensa num varal por duas pontas e na qual vai alguém sentado ou deitado. "palanquim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 2013. Disponível em:< https://dicionario.priberam.org/palanquim>. Acesso em: 12 de jul. de 2019. https://dicionario.priberam.org/palanquim 32 tabernas, sempre que podiam compravam tecidos caros, como fitas e enfeites com o intuito de se sobressaírem socialmente (SCARANO, 1992, p. 57). Os pardos e negros livres se vestiam de formas variadas, nota-se isto tanto no traje feminino quanto no masculino. Camisas, saias, coletes, capotes, lenços, jalecos, calções, vestidos e fardas, eram as principais vestimentas dos forros. A partir de análises de inventários post-mortem, é possível verificar que tipos de tecidos eram comprados. Havia libertos que possuíam seda, veludo e cetim, estes eram considerados tecidos nobres, e também em grande número, apareciam algodão, baeta, chita, lã grossa e o pano de linho, bastante utilizado em saias, vestidos e camisas, estes eram considerados de baixo custo (JANUÁRIO, [2004], p. 12). Em vista disso, é possível afirmar que mesmo libertos, ainda era difícil ascender economicamente, pois o algodão, tecido confeccionado em “fazenda de preto”, ou seja, que vestia a escravaria, ainda permanecia no baú da maioria dos forros. Grande parte dos tecidos eram importados e inspirados na moda europeia, pois com a chegada da família Real em 1808 e a abertura dos portos, os hábitos europeus recrudesceram no Brasil (JANUÁRIO, [2004], p. 3). No entanto, os libertos de ascendência africana não ficavam presos à cultura ocidental. Muitas vezes, distinção social e reafirmação de pertencimento às origens africanas, caminhavam lado a lado. As festas católicas com tradições africanas, mesmo que momentâneas, adquiriam uma forma de resistência, liberdade e de fuga da realidade hostil e discriminatória, aos quais os negros e pardos vivenciavam. Dessa forma, a vestimenta extravagante empregada nessas festas, traduzia em uma quebra dessa rotina de trabalho e miséria e, além disso, era um momento de exibir prestígio. As festas das Irmandades eram uma forma de reconstruir um imaginário africano, com seus reis e rainhas e seus trajes coloridos, semelhantes à nobreza europeia, mas coloridos conforme a cultura africana, na qual mostravam luxo e rompiam com os contrastes sociais (SCARANO, 1992, p. 60) A vestimenta adquiria outros significados, valores e distinções conforme o local. Nas tradições africanas, panos da Costa, dos cachimbos, amuletos, colares, balangandãs, medalhões de ouro, poderiam expressar outras distinções. As escravas de ganho utilizavam os balangandãs nas cinturas, como proteção e ganho material, além disso, poderiam ser utilizados para devoção a algum santo ou culto. A interpretação dos colonos para com esses símbolos identidários era confusa, pois muitas vezes, relacionavam com adornos da cultura européia (LARA, 2007, p. 120). 33 Na África, a elite tinha um apreço com os tecidos vindos da Ásia, Índia e Europa. Estes trajes, como a túnica de algodão, eram elementos de distinção em algumas regiões. Assim, os trajes de seda, várias pulseiras, muitas voltas num colar e o ouro nas vestes, que as escravas e as negras e pardas livres/libertas usavam poderiam adquirir outras distinções entre os descendentes africanos, que se diferenciavam da moda européia (LARA, 2007, p. 118). Desse modo, a busca pelos pardos e negros libertos por notoriedade e distinção expressava uma luta por liberdade e reconhecimento perante a sociedade, ou seja, traduzia-se em uma forma de resistência contra o preconceito efetuado por autoridades locais e metropolitanas. Enquanto a elite metropolitana e colonial buscava associar todos os negros e pardos à escravidão, a partir da linguagem visual, representada pela cor e, assim distingui-los da elite branca, os alforriados e livres buscavam se distinguir das classes inferiores e cativas, a partir, também de elementos visuais, já que em uma sociedade, em que a maioria era analfabeta, a imagem tinha o poder de caracterizar um indivíduo como livre ou cativo (LARA, 2007, p. 124). Portanto, Operando no interior da mesma linguagem visual, a presença generalizada da escravidão acrescia aos sinais utilizados no Reino um significado especial: um simples espadim preso à cinta podia transformar-se em marca de distinção e liberdade. [...] Muitas mulheres livres e ricas, mas de pele escura, precisaram usar vestes luxuosas e aumentar as voltas de seus colares para que sua aparência não deixasse dúvidas sobre sua condição social (LARA, 2007, p. 124). As relações de reafirmações sociais entre a elite branca e os livres/libertos eram comparadas a um “cabo de guerra”, se adaptando às leis do Antigo Regime, de acordo com as complexidades sociais que se formavam na colônia. Contudo, a elite colonial, tratava sempre de reforçar a dominação escravista, para que o universo senhorial não se confundisse com dos escravos.
Compartilhar