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Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Capítulo 4 Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Os assuntos abordados nos Capítulos II e III apresentaram os fundamentos para o estudo da usinagem. Os fenômenos decorrentes do contato da ferramenta com a peça serão apresentados a partir deste Capítulo, que trata do processo de formação do cavaco e do estudo da interface cavaco-ferramenta. Antes de dar início ao estudo da formação do cavaco propriamente dita, é apresentada a definição do corte ortogonal, que tem por objetivo permitir simplificações no estudo dos fenômenos relacionados ao contato cavaco-ferramenta, como a formação do cavaco, interface cavaco-ferramenta, forças e tensões de usinagem. 4.1 O Corte Ortogonal As direções de corte, avanço e do movimento de saída do cavaco para o torneamento cilíndrico são representadas na Figura 4.1. Nota-se que essas três direções não estão contidas um mesmo plano, de modo que o corte é denominado tridimensional. O corte ortogonal faz uma simplificação do corte na qual as direções dos movimentos de corte, avanço e de saída do cavaco passem a fazer parte de um mesmo plano. Exemplos de corte ortogonal são apresentados na Figura 4.2. Direção de corte Direção de avanço Direção do movimento de saída do cavaco Figura 4.1 – Exemplo de corte tridimensional. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 36 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Direção de corte Direção de avanço Direção do movimento de saída do cavaco Direção de corte Direção de avanço Direção do movimento de saída do cavaco Figura 4.2 – Exemplos de corte ortogonal. Os desenhos esquemáticos mostrados na Figura 4.2 permitem a visualizar que as direções de corte, avanço e de saída dos cavacos pertencem a um mesmo plano. O desenho apresentado na Figura 4.3 representa uma vista do plano de trabalho de uma ferramenta no corte ortogonal. h h’ h h’ Figura 4.3 – Vista do plano de trabalho durante o corte ortogonal. Além das considerações relacionadas às direções, outras condições devem ser atendidas para que o corte seja considerado ortogonal: • A aresta de corte deve ser reta e perpendicular à direção de corte; • A aresta de corte deve ser maior que a largura de corte b; • A espessura de corte h, que é igual ao avanço, deve ser pequena em relação á largura de corte b; Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 37 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta • A largura de corte b e a espessura do cavaco b’ devem ser idênticas; • O cavaco formado deve ser contínuo, sem formação de aresta postiça de corte; As simplificações obtidas por meio do corte ortogonal facilitam a visualização dos fenômenos que ocorrem durante o corte. 4.2 A Formação do Cavaco O desenho esquemático do ensaio de compressão é apresentado na Figura 4.4. O corpo de prova é submetido a esforços de compressão crescentes (F1 < F2 < F3) e inicialmente sofre deformações elásticas (I). O aumento dos esforços de compressão prossegue até que seja atingido o limite de resistência ao cisalhamento do material e a partir daí o corpo de prova sofre deformações plásticas (II). No instante em que o limite de resistência do material é atingido, o corpo de prova rompe por cisalhamento. De acordo com o diagrama de distribuição de tensões de cisalhamento, a máxima tensão ocorre em um plano a 45o de modo que o material sofre cisalhamento nessa região, caso seja isotrópico e não apresente defeitos. F1F1 F2F2 F3F3 F1F1 F2F2 F3F3 I II III Figura 4.4 Representação esquemática do ensaio de compressão. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 38 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Para o estudo da formação do cavaco, o volume “klmn“, mostrado na Figura 4.4, pode ser considerado um corpo de provas submetido a um ensaio de compressão. As tensões de compressão a que o volume de material é submetido crescem à medida que o volume de referência se aproxima da cunha de corte da ferramenta, de modo que o material é submetido à deformação elástica e plástica, até sofrer ruptura por cisalhamento no ponto “O”, localizado na ponta da ferramenta. A região onde o material é cisalhado é denominada zona de cisalhamento primária, representada na Figura 4.5. Para efeito de simplificação, a zona de cisalhamento primária é representada por um plano perpendicular ao plano de trabalho, denominado plano de cisalhamento primário, indicado pelo seguimento “OD” na Figura 4.4. Figura 4.4 Desenho representativo do processo de formação de cavaco (Trent, 1991). Após passar pela zona de cisalhamento primária o volume de referência é deformado e passa a assumir a configuração representada por “pqrs” no esquema da Figura 4.4. A partir de então tem início a quarta etapa, a formação do cavaco, que é o movimento do cavaco sobre a superfície de saída da ferramenta. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 39 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Figura 4.5 Representação esquemática das zonas de cisalhamento primária e secundária (Trent, 1991). De modo resumido, a formação do cavaco consiste de quatro etapas que são: • Deformação elástica, ou recalque; • Deformação plástica; • Ruptura; • Movimento do cavaco sobre a superfície da ferramenta; A quarta etapa do ciclo distingue a formação do cavaco do processo de ruptura em ensaios de compressão. Ao entrar em contato com ferramenta, o material é submetido a esforços de compressão e de cisalhamento na direção paralela à superfície de saída da ferramenta, o que dá origem à chamada zona de cisalhamento secundária, também representada na Figura 4.5. O material na zona de cisalhamento secundária exerce esforços de compressão sobre a zona de cisalhamento primária, o que faz com que a região de máxima tensão de cisalhamento nesta região ocorra em uma posição não mais a 45o, como ocorre nos ensaios de compressão. A posição da região de máxima tensão de cisalhamento é indicada pelo chamado ângulo de cisalhamento (φ), como indicado nas Figuras 4.4 e 4.5. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 40 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta A medida do ângulo de cisalhamento é sempre menor que 45o e é tanto menor quanto maior for a resistência ao cisalhamento do material na zona de cisalhamento secundária. Os fenômenos que ocorrem na interface da ferramenta e os seus efeitos sobre o ângulo de cisalhamento são detalhados nas seções a seguir. 4.3 - Interface Cavaco-Ferramenta O estudo da interface cavaco-ferramenta se justifica não só por sua influência direta na formação do cavaco, mas também por estar relacionado às temperaturas, às forças de usinagem e à vida das ferramentas. Os fenômenos que ocorrem na interface cavaco-ferramenta não são totalmente esclarecidos. A teoria mais aceita foi proposta por Trent (1963), que assume a existência de uma zona de aderência e de uma zona de escorregamento na interface cavaco-ferramenta. O desenho esquemático da Figura 4.6 indica a localização dessas zonas. Ferramenta Figura 4.6 Representação das zonas de aderência e escorregamento Trent (1991). A região hachurada corresponde à zona de aderência que é seguida pela área delimitada pela linha tracejada. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 41 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Apesar de não se ter conseguido provar a existência da zona de aderência, existem fortes evidências de que ela ocorra. Trent (1991) ao analisar a raiz do cavaco após o corte ter sido interrompidoabruptamente em um dispositivo denominado “quick stop” encontrou fortes evidências de sua existência. Outra evidência da existência da zona de aderência está relacionada ao atrito em usinagem. São identificados três regimes de atrito entre sólidos, dependendo da área de contato efetiva entre as superfícies de contato. Shaw et al. (1960) apresentaram os três regimes de atrito sólido por meio do diagrama da Figura 4.7. Figura 4.7 – Representação dos três regimes de atrito sólido (Shaw,1960). Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 42 O regime I ocorre quando a área de contato efetiva entre os sólidos é muito menor que a área aparente (Ar << A), pelo fato de o contato ocorrer apenas nas irregularidades das superfícies. Nesse regime é válida a Lei de Atrito de Coulomb (µ=σ/τ = constante, onde σ e τ são as tensões normal e cisalhante presentes no contanto). O regime III é aquele onde não existe superfície livre. A área de contato real equivale à área aparente (Ar = A). O regime II é o de transição entre I e III, onde o coeficiente de atrito diminui com o aumento da carga. Wallace e Boothroyd (1964), contestam a existência do regime II e afirmam que ocorre a transição brusca do regime I para III. Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta De acordo com o modelo de atrito apresentado, quando existe o contato total entre as superfícies a tensão cisalhante é constante e corresponde á tensão de cisalhamento do material de menor resistência. O modelo de distribuição de tensões proposto por Zorev (1963), mostrado na Figura 4.8, indica que a tensão de cisalhamento é constante nas proximidades da ponta da ferramenta e passa a decrescer a partir de um certo ponto, até chegar a zero. Ainda de acordo com o modelo, a tensão normal é máxima na ponta da ferramenta e decresce exponencialmente até chegar a zero. As elevadas tensões de compressão na ponta da ferramenta e o fato de a tensão de cisalhamento não variar com a tensão normal indica que nas proximidades da ponta da ferramenta ocorre o contato total entre a raiz do cavaco e a superfície de saída da ferramenta. Ferramenta Escorregamento Figura 4.8 – Modelo de distribuição de tensões em usinagem proposto por Zorev (1963). Onde: τst - tensão cisalhante na região de aderência; lst - comprimento da região de aderência e, lf - comprimento total das regiões de aderência e de escorregamento. Na região de aderência, Ar = A e prevalece o regime III. Na região de escorregamento Ar << A vale o regime I. Dessa forma, a força total, tangente à Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 43 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta superfície da ferramenta, é dada pela soma das forças tangenciais que atuam em cada uma das regiões. Em determinadas condições especiais a zona de aderência pode ser suprimida, prevalecendo apenas as condições de escorregamento. Devido à existência de diferentes condições na interface cavaco-ferramenta, impõe- se a necessidade de estudo criterioso de cada uma dessas condições. A presença da zona de aderência pode ser ainda evidenciada por meio da análise da Figura 4.9 (Hutchings, 1995), onde é mostrado um diagrama de regimes de desgaste, definidos pela velocidade normalizada e pela carga normalizada. A velocidade normalizada é a razão entre a velocidade de deslizamento e a velocidade da condução do calor e a carga normalizada é definida pela divisão do valor da carga normal aplicada pela área de contato e pela menor dureza entre os materiais em contado. Velocidade normalizada = tc d v v (4.1) Onde: vd é a velocidade de deslizamento e vtc é a velocidade de transferência de calor. Carga normalizada = HVA FN . (4.2) Onde: FN é a carga normalizada, A é a área de contato e HV é o valor da menor dureza entre os materiais em contato. O diagrama foi obtido por meio de ensaios de desgaste pino sobre disco e define regiões de desgaste severo, suave, transição entre os dois regimes e uma região onde ocorre a adesão, definida predominantemente pelo valor da carga normalizada. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 44 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta III Suave II Severo IV Severo I Adesão V Suave 10-5 10-3 10-1 10 10-2 1 104 Velocidade normalizada C ar ga n or m al iz ad a Figura 4.9. Mapa de regime de desgaste obtido no ensaio pino sobre disco em corpos de prova de aço. Tomando como exemplo o torneamento do aço AISI H10 (Costa, 2003), pode-se estimar o valor da força normal por meio da equação de Kienzle (Ferraresi, 1977), apresentada a seguir: cF = (4.3) z s hbK −1 1 .. Onde: Fc é a força de corte; Ks1 e 1-z são constantes determinadas por meio de gráfico, em função do par ferramenta-peça e das condições de corte; h é a espessura do cavaco, calculada pela eq. (2.6); b é a largura calculada do cavaco, definida pela eq. (4.4); r pab χsen = (4.4) Onde: ap é a profundidade de corte; Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 45 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta χr é o ângulo de posição; Os valores de profundidade de corte e do ângulo de posição adotados no exemplo foram 0,1 mm e 75o, respectivamente. Substituindo-se esses valores na eq. (4.4) obtém-se: b = 0,104 mm. Os valores de Ks1 e de 1-z foram obtidos considerando um material de características semelhantes às do material usinado (Ferraresi, 1977). Ks1 = 2250 N/mm2 e 1-z = 0,84. Substituindo esses valores na eq. (4.3) tem-se que: Fc = 21,4 N De posse do valor da força de corte Fc, pode-se determinar a pressão específica de corte Ks, por meio da equação (4.5). A F K cs = (4.5) Onde A é a área de contato cavaco ferramenta. Substituindo-se os valores de Fc e A (0,06 x 0,1) na eq. (4.5) tem-se: Ks = 3567 N/mm2 = 3567 MPa A carga normalizada é então calculada dividindo-se Ks pela dureza do material da peça, que no exemplo foi considerado 1000 HV. Como resultado obtém-se que a carga normalizada vale aproximadamente 3,5. Do diagrama da Figura 4.9, tem-se que valores de carga normal da ordem de grandeza 101 como a obtida no exemplo, correspondem à região de adesão, o que é um forte argumento para a existência da zona de aderência, ainda mais considerando que, para o cálculo de Ks foi tomado o valor nominal da área de contato cavaco-ferramenta. Como de acordo com a Fig. 4.6 a área de aderência é apenas uma parcela da área total de contato, o valor real de Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 46 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Ks é superior ao calculado. Somando-se a isso o fato que, de acordo com o modelo de Zorev mostrado na Fig. 4.8, a tensão normal é superior na ponta da ferramenta, a hipótese da existência de uma zona de aderência naquela região torna-se irrefutável. 4.3.1 - Zona de aderência Como já mencionado, a existência de uma zona de aderência na interface cavaco- ferramenta foi evidenciada por meio da análise de micrografias da raiz do cavaco (obtidas pela interrupção brusca do corte com um dispositivo “quick-stop”) de diversos materiais usinados com aço rápido e metal duro (Trent. 1963). Verificou-sea existência de contato íntimo do cavaco com a ferramenta ao longo de uma grande porção da interface ferramenta-peça. Essa região foi denominada de zona de aderência, que corresponde ao regime III do atrito sólido. Ainda com base nessas micrografias percebe-se que o fluxo de material não ocorre na interface e sim em uma zona de cisalhamento intenso na parte inferior do cavaco com espessura entre 0,01 a 0,08 mm, que foi denominada de zona de fluxo (Trent, 1963). A porção de material em contato com a superfície da ferramenta permanece estacionária e há um gradiente de velocidade ao longo da espessura, até que no limite da zona de fluxo a velocidade de cisalhamento se iguala à velocidade de saída do cavaco. Com base nesse conceito, a tensão requerida para cisalhar o material a altas temperaturas e altas taxas de deformação é um fator muito importante na usinagem. Nas micrografias apresentadas por Trent (1963) fica evidente que as condições de aderência podem também ocorrer na superfície de folga, desde que o desgaste de flanco elimine o ângulo efetivo de folga. As altas tensões de compressão, grandes quantidades de calor gerado, altas taxas de deformação e afinidades químicas entre os materiais da ferramenta e das peças são apontados como principais fatores que favorecem o surgimento da zona de aderência, pelo fato de promovem ligações atômicas na interface. As elevadas temperaturas devido ao calor gerado pelas deformações plásticas não só governam os mecanismos e as condições de deformação da zona de aderência, mas também influenciam diretamente os mecanismos de desgaste da ferramenta. Trent (1988a, Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 47 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta 1988b, 1988c) afirma que as condições de aderência devem ser assumidas como inevitáveis. Segundo Trent (1991), as deformações cisalhantes no plano de cisalhamento primário são da ordem de 2 a 5, podendo chegar a 8. Entretanto, nas bandas de cisalhamento adiabático na usinagem de titânio ("flow zone") as deformações são bem maiores, podendo atingir valores superiores a 100. Esse é um valor estimado já que é praticamente impossível de se medir tais níveis de deformações a taxas de deformações da ordem de 104 s-1, confinadas a uma zona de fluxo de espessura, normalmente compreendida entre 10 a 100 µm. Dessas observações Trent (1991) propõe um modelo, apresentado na Figura 4.10. Figura 4.10 - Modelo de Deformação na zona de fluxo proposto por Trent (1991). Segundo esse modelo, a deformação cisalhante na zona de fluxo é inversamente proporcional à distância da superfície de saída. No ponto Y, a porção inicial do material OabX sofreu uma deformação Oa'b'X, enquanto que o material no centro da porção inicial de material considerada, OcdX (metade de OabX) se deformou para Oc"d"X, que é o dobro da deformação sofrida por ab. Da mesma forma, o material OefX, onde oe vale 1/4 de Oa, se deforma para Oe'''f'''X quando ele atinge o ponto Y, que é quatro vezes maior que a deformação sofrida por OabX quando este atinge o mesmo ponto, Oa'b'X. Teoricamente, a deformação cisalhante seria infinita na superfície de saída da ferramenta, mas o fluxo laminar é interrompido a poucos micrometros desta superfície, devido à rugosidade da superfície da ferramenta. A capacidade dos metais e ligas metálicas suportarem tais níveis de deformações cisalhantes sem se Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 48 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta romperem é atribuída às altíssimas tensões de compressão presentes naquela região (Machado e Da Silva, 1993). 4.3.2 Zona de escorregamento A zona de escorregamento é localizada na periferia da zona de aderência e tem início na onde a tensão de cisalhamento, segundo o modelo de Zorev, passa a decrescer e se estende até a região onde esta se anula. Nessa região não ocorre a deformação observada na zona de fluxo e o regime de atrito observado encontra-se na região I do diagrama da Figura 4.7. Segundo Wright (1981), as condições de escorregamento ou aderência dependem de: - Afinidade química entre os materiais da ferramenta e da peça; - Condições atmosféricas; - Tempo de usinagem; - Velocidade de corte; 4.3.3 - Aresta postiça de corte A formação da Aresta Postiça de Corte, APC, ocorre durante a usinagem a baixas velocidades de corte, a partir de uma porção de material encruado que se posiciona entre a superfície de saída da ferramenta e o cavaco em formação. Trent (1988b) explica este fenômeno da seguinte maneira: “... a primeira camada de material que se une à ferramenta por meio de ligações atômicas e encrua-se. Aumenta-se assim o seu limite de escoamento e as tensões de cisalhamento são insuficientes para quebrar estas ligações. As deformações então continuam nas camadas adjacentes, mais afastadas da interface, até que elas também são suficientemente encruadas. Pela repetição deste processo, uma sucessão de camadas forma a APC”. O tamanho da APC não pode aumentar indefinidamente. Quando o seu tamanho atinge um valor no qual a tensão de cisalhamento é suficiente para mudar a zona de cisalhamento primária, que até então estava acima da APC, para dentro do corpo Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 49 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta desta, parte de sua estrutura é cisalhada e arrastada entre a superfície da peça e a superfície de folga da ferramenta. Milovik e Wallbank (1983), analisando a microestrutura da aresta postiça de corte, utilizando microscopia eletrônica e ótica, encontraram várias microtrincas na zona de cisalhamento ao redor da APC, entre os pontos A e B da Figura 4.11. Figura 4.11 - Aresta Postiça de Corte (Trent 1963). Foi verificado que essas microtrincas eram responsáveis pela abertura das trincas nos pontos A e B e eram geradas pela presença de segunda fase no material que, durante o cisalhamento, se deforma diferentemente da matriz, criando um estado triaxial de tensão que promove o aparecimento das microtrincas. Isso explica a necessidade de segunda fase no material para se formar a APC, como observaram Williams e Rollanson (1970). Resumindo, as condições necessárias para o surgimento da APC são a existência de uma segunda fase no material, que dá origem a um estado triaxial de tensões e que o corte seja realizado em uma faixa de velocidades de corte relativamente baixa. A faixa de velocidades de corte propensa ao surgimento da APC na usinagem de aços-carbono é mostrada no esquema da Figura 4.12. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 50 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta H, L L H L 2 a 4 m/min 60 a 70 m/min APC instável APC estávelAPC instávelAPC estável vc H, L L H L 2 a 4 m/min 60 a 70 m/min APC instável APC estávelAPC instávelAPC estável vc Figura 4.12 – Dimensões da APC em função da velocidade de corte para aços- carbono. A influência da velocidade de corte desta relacionada à temperatura na região de cisalhamento. Com o aumento da temperatura, em conseqüência do aumento da velocidade de corte, a diferença de plasticidade entre as fases que compõem o material torna-se menor, o que diminui a tendência de formação de trincas devido ao estado triaxial de tensões. 4.4 - Ângulo de Cisalhamento e Grau de Recalque Na seção 4.2 foi citado que a diferença entre as deformações sofridas pelo material da peça durante a formação do cavado e as sofridas por um corpo de provas durante o ensaio de compressão é que na formação do cavaco existe uma quarta etapa que é o movimento do cavaco sobre a superfície de saída da ferramenta. A zona de aderência é responsável pelo surgimento de tensões de compressãona zona de cisalhamento primária e com isso a posição da máxima tensão de cisalhamento não fica posicionada a 45o em relação à vertical, como no ensaio de compressão, mas em uma posição que descreve um ângulo menor 45o. O ângulo entre o plano de corte e o plano de cisalhamento primário é denominado ângulo de cisalhamento e é representado pela letra φ. O valor de φ é tanto menor quanto maior for a restrição do material na interface cavaco-ferramenta. A fato de o ângulo de cisalhamento ser menor que 45o, faz com que a espessura do cavaco seja maior que a espessura de corte. A razão entre a espessura do cavaco e a espessura de corte é definida como grau de recalque. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 51 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta cav c v v h hRc == ' (4.1) Onde: vc a velocidade de corte; vcav é a velocidade de saída do cavaco; A definição do grau de recalque facilita a determinação do ângulo de cisalhamento, que pode ser obtido por meio da expressão: n n Rc γ γ φ sen cos tan − = (4.2) onde: γn é o ângulo de saída normal. Os valores de φ e de Rc são indicadores da quantidade de deformação sofrida pelo material na zona de cisalhamento primária. Quanto maior o valor de Rc (ou menor o valor de φ) maior a quantidade de deformação sofrida pelo material no plano de cisalhamento primário. 4.4 – Classificação dos Cavacos Em um produto obtido por processos de usinagem, o material é retirado em forma de cavacos. A configuração do cavaco pode ser problemática em algumas situações por oferecer riscos de danos à peça, à máquina-ferramenta e à integridade física do operador. Além disso, o cavaco pode ocupar um volume considerável. Nesse aspecto, a obtenção de cavacos curtos em forma de lascas é preferível aos cavacos longos em forma de fitas. A razão entre o volume ocupado pelo cavaco e o volume do material maciço com a mesma massa é denominado por fator de empacotamento. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 52 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Os problemas relacionados à configuração dos cavacos podem atingir uma magnitude que venha a exigir a adoção de procedimentos específicos, apresentados na seção a seguir, denominada controle do cavaco. Antes, porém de estudar o controle do cavaco é faz-se necessário classificar os cavacos. A classificação dos cavacos pode ser feita levando-se em conta os tipos e as formas de cavacos. 4.4.1 – Classificação dos cavacos quanto ao tipo Quanto ao tipo, os cavacos podem ser classificados em: a. Cavacos contínuos; b. Cavacos parcialmente contínuos; c. Cavacos descontínuos; d. Cavacos segmentados; Os três primeiros tipos de cavaco dependem da ductilidade do material da peça e das condições de corte. Os cavacos segmentados são obtidos na usinagem de materiais de baixa condutividade térmica, ou em materiais com condutividade térmica relativamente elevada, desde sejam usinados em velocidades de corte elevadas comparadas à velocidade do fluxo de calor no material. O tipo de cavaco (contínuo, parcialmente contínuo e descontínuo) depende da propagação da trinca que tem origem na ponta da ferramenta, na posição A, mostrada na Figura 4.13. A B A B Figura 4.13 – Desenho esquemático do plano de cisalhamento primário. a. Cavacos contínuos Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 53 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Os cavacos contínuos são obtidos na usinagem de materiais dúcteis. O material é tracionado e sofre ruptura no ponto A, na ponta da ferramenta. Um campo de tensões de compressão atua sobre o plano de cisalhamento primário e a propagação da trinca é interrompida, o que faz com que o cavaco seja contínuo. A intensidade da tensão de compressão sobre o plano de cisalhamento primário é influenciada pelo ângulo de cisalhamento φ, que por sua vez depende das condições da interface cavaco-ferramenta. b. Cavacos parcialmente contínuos Os cavacos parcialmente contínuos representam uma classe intermediária entre os cavacos contínuos e os descontínuos. A trinca originada no ponto A da Figura 4.12 se propaga até um ponto do plano de cisalhamento primário entre A e B. Dois fatores são apontados como possível causa da supressão da propagação da trinca. O primeiro está relacionado à energia elástica da ferramenta que pode não ser suficiente para garantir a propagação da trinca. A ferramenta perde então o contato com o cavaco e a propagação da trinca é suprimida. O outro fator é relacionado às tensões de compressão que atuam sobre o plano de cisalhamento primário. A presença de elevadas tensões de compressão à frente do ponto de abertura da trinca e pode suprimir a sua propagação. O resultado é um cavaco com aspecto serrilhado. c. Cavaco descontínuos Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 54 Os cavacos descontínuos são típicos da usinagem de materiais frágeis, que não suportam grandes deformações sem sofrerem fratura. Materiais com certa ductilidade podem apresentar cavacos descontínuos, desde que usinados a baixas velocidades de corte, ângulos de saída pequenos e grandes avanços. O aumento da velocidade de corte tende a tornar o cavaco contínuo, devido à maior geração de calor que torna o material mais dúctil e também por tornar mais difícil a penetração Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta de contaminantes na interface e com isso reduzir a tensão de compressão no plano de cisalhamento primário. d. Cavaco segmentado As deformações no plano de cisalhamento primário provocam a elevação da temperatura naquela região. O calor gerado no plano de cisalhamento primário se propaga por condução para a peça e para o cavaco. Na usinagem de materiais com baixa condutividade térmica, o calor gerado no plano de cisalhamento primário tende a ficar concentrado naquela região, o que provoca a redução da resistência ao cisalhamento. A queda de resistência ao cisalhamento do material faz com que ele continue a ser deformado, mesmo depois de deslocar-se para uma região de menor tensão de cisalhamento, o que dá origem a um seguimento. O ciclo se repete dando origem a bandas de cisalhamento. O ciclo de formação do cavaco segmentado é mostrado na figura 4.14. A B C D Figura 4.14 – Formação do cavaco segmentado. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 55 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta A formação do cavaco segmentado tem início com a deformação do material no plano de cisalhamento primário (A), a rotação e o deslocamento do plano de cisalhamento primário (B), movimento do segmento sobre a superfície de saída da ferramenta e a formação de uma nova banda de cisalhamento (C) e a repetição do ciclo (D). 4.4.2 Classificação dos cavacos quanto à forma Quanto à forma, os cavacos são geralmente classificados em: • Cavaco em fita; • Cavaco helicoidal; • Cavaco em espiral; • Cavaco em lascas ou pedaços; A norma ISSO define uma classificação mais detalhada dos cavacos quanto à forma, como mostrado na figura 4.15. fragmentado Figura 4.15 – Classificação dos cavacos de acordo com a norma ISO 3685 (1987). Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 56 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Smith (1989) apresenta um diagrama que identifica a influência do avanço e da profundidade de corte na formado cavaco, conforme mostrado na Figura 4.16. Figura 4.16 – influência do avanço e da profundidade de corte na forma dos cavacos. 4.5 – Controle de Cavacos A geometria e a disposição dos cavacos pode ser problemática e até crítica na usinagem de materiais dúcteis, principalmente em faixas elevadas de velocidade de corte. A geração de cavacos longos pode gerar problemas no processo relacionados ao (Machado e Silva, 1999): • Cavacos longos ocupam muito espaço em relação ao espaço ocupado por sólidos com a mesma massa, o que causa problemas de armazenamento, manuseio e descarte; • Representam riscos para o operador caso venham se enrolarem em torno da peça, da ferramenta ou de componentes da máquina-ferramenta; • Podem comprometer o acabamento superficial da peça caso enrolem-se em torno dela; • Podem afetar a vida das ferramentas, as forças de usinagem e a temperatura de corte; Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 57 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta • Podem impedir o acesso regular do fluido de corte; A razão entre o volume ocupado pelo cavaco e o volume de um sólido de massa equivalente é definida como fator de empacotamento (R). R = massa do cavaco massa de um sólido de massa equivalente Cavacos contínuos e longos apresentam fator de empacotamento em torno de 50 ou superiores, enquanto em cavacos em lascas ou pedaços esse valor é reduzido a 3 (Boothroyd, 1981). O conjunto de problemas associados aos cavacos longos fez com que fossem desenvolvidas medidas para promover a sua quebra. O método tradicional de controle do cavaco é a utilização de quebra-cavacos. Os quebra-cavacos são obstáculos localizados sobre a superfície de saída das ferramentas com o objetivo de forçar a sua curvatura. Os quebra-cavacos são classificados em: • Quebra-cavacos postiços; • Quebra-cavaco integral tipo I – anteparo; • Quebra-cavaco integral tipo II – cratera; A B C A - Quebra-cavacos postiços B - Quebra-cavaco integral tipo I – anteparo C - Quebra-cavaco integral tipo II – cratera Figura 4.17 – Tipos de quebra-cavacos. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 58 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Outros métodos para promover a quebra dos cavacos foram desenvolvidos e aplicados levaram a resultados satisfatórios. Um dos métodos consiste em variar a velocidade de avanço por meio de comandos no programa de máquinas CNC. O desenho esquemático da Figura 4.18 representa o método da desaceleração do avanço. Figura 4.18 – Efeito da desaceleração do avanço na espessura do cavaco (Takatsuto, 1988) Outro método aplicado é conhecido como método hidráulico, que consiste na injeção de fluido de corte a alta pressão na superfície de saída da ferramenta, no sentido contrário ao da saída do cavaco, conforme seqüência mostrada na Figura 4.19. Esse método apresentou resultados satisfatórios na usinagem de ligas de Titânio e de Níquel, reduzindo o fator de empacotamento de 47, obtido na usinagem sem quebra-cavacos, para 4,7 quando foi utilizado o método. Figura 4.19 – Aplicação de jato de fluido a alta pressão com a finalidade de promover a quebra do cavaco (Machado, 1990). Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 59 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta A deformação sofrida pelo cavaco nos planos de cisalhamento primário e secundário é diretamente proporcional a h’/rc, onde h’ é a espessura do cavaco e rc é o raio de curvatura do cavaco, Shaw (1986). Se a deformação sofrida pelo cavaco nesse estágio não for suficiente para causar a sua ruptura, faz-se necessário aumentar a espessura do cavaco ou reduzir o raio de curvatura. Como h’ está diretamente relacionado ao avanço e este, por sua vez, ao acabamento superficial da peça o procedimento mais recomendável é procurar diminuir o raio de curvatura do cavaco. O método mais usual para reduzir o raio de curvatura do cavaco é o emprego dos quebra-cavacos, porém condições de corte e a geometria da ferramenta também o influenciam. Sales, 1995, estudou a influência desses parâmetros no raio de curvatura natural do cavaco e os resultados obtidos são apresentados na Figura 4.20. Com base em valores de sensibilidade adimensional, o autor verificou que a profundidade de corte foi o parâmetro mais influente no raio de curvatura do cavaco, seguida pelo avanço, o ângulo de saída e a velocidade de corte foram, nessa ordem. Observa-se que o raio de curvatura do cavaco aumenta com o aumento da profundidade de corte, do ângulo de saída e da velocidade de corte e diminui como o aumento do avanço. Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 60 Fundamentos da Usinagem dos Materiais - Formação do Cavaco e Interface Cavaco-Ferramenta Sandro Cardoso Santos e Wisley Falco Sales 61 Vc=200 [m/min] ; f=0,182 [mm/rot] ; γ=6 [º] 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 1,5 2 2,5 3 3,5 ap [mm] rc [m m ] 4 a Vc=200 [m/min] ; ap=2,5 [mm] ; γ=6 [º] 1 1,5 2 2,5 0 0,1 0,2 0,3 0,4 f [mm/rot] rc [m m ] b Vc=200 [m/min] ; f=0,182 [mm/rot] ; ap=2,5 [mm] 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 2 4 6 8 10 12 14 16 18 γ [º] rc [m m ] c f=0,182 [mm/rot] ; ap=2,5 [mm] ; γ=6 [º] 1 1,5 2 2,5 50 100 150 200 250 300 350 Vc [m/min] rc [m m ] d Figura 4.20 – Influência da profundidade de corte, (b) do avanço, (c) do ângulo de saída da ferramenta e (d) da velocidade de corte no raio de curvatura do cavaco (Sales, 1995).
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