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U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH LICENCIATURA EM HISTÓRIA Monografia ENTRE AVENTURAS E AMOR: RELAÇÕES SIMBÓLICAS DE PODER ENTRE MULHERES E TRAFICANTES, ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DO MUNDO FEMININO NA FAVELA DE SENADOR CAMARÁ, ZONA OESTEDO RIO DE JANEIRO NO PERÍODO DE 1989 A 1999. Aluno: Monique Souza de Almeida dos Santos Matrícula: 12116090109 Polo: Miguel Pereira Rio de Janeiro 2015 U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH LICENCIATURA EM HISTÓRIA Entre aventuras e o amor: Relações simbólicas entre mulheres e os traficantes, aspectos históricos e sociais do mundo feminino da favela de Senador Camará, Zona Oeste do Rio de Janeiro no período de 1989 e 1999. Monique Souza de Almeida dos Santos Monografia submetida ao corpo docente da Escola de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Licenciado em História, sob orientação da Prof. (a) Drª. Renata Rodrigues Brandão Rio de Janeiro 2015 Entre aventuras e o amor: Relações simbólicas de poder entre mulheres e os traficantes, aspectos históricos e sociais do mundo feminino da favela de Senador Camará, Zona Oeste do Rio de Janeiro no período de 1989 e 1999. Monique Souza de Almeida dos Santos Aprovado por: Prof.ª. Drª. Renata Rodrigues Brandão - Orientador ____________________________________________________ Prof.ª. Drª. Teresa Vitória F. Alves _____________________________________________________ Rio de Janeiro 2015 Dedico este trabalho a minha tia materna Marinéia Pereira Carneiro, embora não esteja mais entre nós, foi a primeira feminista que compartilhei ideais, ainda que debilitada por um câncer sempre incentivava os meus estudos. AGRADECIMENTOS: Agradeço primeiramente a Deus pela vida, saúde e sabedoria para terminar este curso de graduação. À minha orientadora Professora Renata Rodrigues Brandão, um ser humano espetacular que conseguiu repartir seus conhecimentos e tempo, mesmo quando era impossível, obrigada por sua confiança e zelo. Aos meus pais Maria Alice e Sérvulo João que me apoiaram e entenderam as minhas ausências. Em especial ao meu marido Fabiano Francisco pelas palavras de ânimo, aos meus filhos Emanuelle e Davi pelo carinho e compreensão. Aos meus amigos compartilharam das mesmas angústias de graduando, aos amigos do trabalho que me presenteavam com livros e xícaras de cafés para dar coragem. A todos os professores da graduação que me acompanharam, em especial a Professora Gisela Monzato, que durante uma conversa conseguiu despertar o meu interesse pelos estudos do mundo feminino. E aos professores de História que antes da graduação contagiaram o meu interesse pela disciplina. Enfim aos funcionários do Polo Cederj de Miguel Pereira pela dedicação e a humanidade característica deste lugar tão maravilhoso que vivi durante estes quatro anos. Eu peço a eles que deem uma trégua Para vivermos felizes em nossas favelas Por que aqui no morro também tem jogador Artistas famosos empresário e doutor Gente inteligente e mulheres belas Você também encontra aqui na favela (MC MARCINHO) RESUMO: Esta monografia tem por objetivo analisar as conjunturas históricas e sociais que (influenciaram/contribuíram) para o envolvimento amoroso entre mulheres e traficantes das favelas da zona oeste do Rio de Janeiro. Busquei investigar as relações simbólicas de poder nas relações afetivas de homens e mulheres no interstício de mudança entre as facções da Falange Vermelha e Terceiro Comando. Esta pesquisa se concentrou nas trajetórias de vidas de mulheres que foram namoradas, amantes ou esposas de traficantes da Zona Oeste do Rio de Janeiro durante o período de 1989 a 1999. Utilizo como fontes de pesquisa os relatos orais de algumas dessas mulheres e as análises dos discursos midiáticos dos grandes jornais da cidade. Meu objetivo foi o de apresentar as mulheres como ativa dentro do processo histórico do crescimento destas facções nestas favelas. O primeiro capítulo é dedicado às caracterizações históricas do bairro de Senados Camará e como contribuíram para o processo de favelização. O segundo capítulo traz as condições socioeconômicas que colaboraram para a criação do Terceiro Comando e como o bairro reagiu às formas do tráfico. O terceiro capítulo abordei as histórias das mulheres de traficantes enquanto ativas das relações amorosas e as formas de resistências se perfazendo nas relações de dominação masculina. Palavras-chave: Relações Simbólicas- Mulheres- Dominação Masculina- favela- tráfico de drogas. LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES: A.D.A- Amigos dos Amigos CPIB- Companhia Progresso Industrial Brasileiro CV-Comando Vermelho CVRL- Comando Vermelho Rogério Lemgruber FAFEG- Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara T.C- Terceiro Comando T.C.P- Terceiro Comando Puro U.P.P- Unidade de Polícia Pacificadora LISTA DE ILUSTRAÇÕES: Figura 1 –Fonte: Foto de João Carlos Horta / Desenho Aquarelado de Júlio Sena IN: BANGU 100 anos: a fábrica e o bairro. (1989, p.17) .............................................................................. 23 Figura 2- Fonte: Arquivo da CPIB IN: BANGU 100 anos: a Fábrica e o Bairro (1989, p.60). Pedreira aos arredores dos antigos mananciais do Rio da Prata . ............................................. 26 Figura 3: Foto tirada de celular, em 10 de setembro de 2015 em uma região conhecida como “Boca do Mato”, favela da Coreia. (Homenagem de uma das mulheres ao companheiro desaparecido) ..........................................................................................................................33 Figura 4: Foto tirada de um celular em 10 de setembro de 2015: Muro de uma escola (Homenagem ao fogueteiro do tráfico morto em 2013) ..................................................34 Figura 5: Fonte Jornal A Última Hora Edição 01214 de 8 de Janeiro de 1964 disponível em Hemeroteca Digital http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pas mado&pasta=ano%20196. ........................................................................................................ 35 Figura 6: Fonte Boletim do Bairro de agosto de 1979 –Luta Pelo Transporte 1979. Disponível no Arquivo Nacional e concedida por pesquisa recente no Centro Cultural “A História Que Eu Conto” localizado na Estrada do Taquaral s/nº Vila Aliança disponível também em http://www.ahistoriaqueeuconto.com.br/o-centro-cultural/ ..................................................... 38 LISTA DE ANEXOS: ANEXO A-Questionário para entrevistas de colaboradoras (J.38, AP.34 E V.35 anos) ..................................................................................................................................................67 ANEXO B- Questionário para a colaboradora J.38 anos. .......................................................69 SUMÁRIO: INTRODUÇÃO................................................................................................................P.11 CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA E A FORMAÇAO DOS BAIRROS DE BANGU, SENADOR CAMARÁ, AS FAVELAS DE VILA ALIANÇA E VILA KENNEDY..............................P.19 1.2 AS ESTRADAS QUE CONTAM A HISTÓRIA DO BAIRRO.....................................P.201.3 A CRIAÇÃO DA FÁBRICA BANGU..........................................................................P.24 1.4 A INVENÇÃO DA FAVELA E OS AMORES PICHADOS NAS ESTRADAS EM QUE TUDO PASSA ATÉ O AMOR E O PODER..................................................................P.28 CAPÍTULO 2- O TERCEIRO COMANDO E AS NOVAS FORMAS DE TRÁFICO.......P.40 CAPÍTULO 3- AS AVENTURAS DE AMOR: RELAÇÕES SIMBÓLICAS DE PODER ENTRE MULHERES E OS TRAFICANTES.....................................................................P.44 CONCLUSÃO.....................................................................................................................P.60 FONTES..............................................................................................................................P.62 BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................P.63 ANEXOS..............................................................................................................................P.65 13 INTRODUÇÃO: Há diversas abordagens sobrea História das Mulheres, e alguns estudos apontam que há uma tendência de conduzir as teorias pressupondo as relações de dominação masculina como chave de interpretação. Logo entendemos que ao traçarmos modelos explicativos únicos, pecaremos ao desconsiderar algumas realidades distantes e tão presentes na cidade do Rio de Janeiro. Não é intenção desta pesquisa apresentar o mundo feminino através do protagonismo dos cônjuges, antes conceder as visões sociais e a percepção destas colaboradoras enquanto participantes de relações mensuradas como adversas. Já que sabemos que esta é uma sociedade em que a herança patriarcal se faz cotidiana, em tempo está na ordem do dia estudarmos a mulher exercendo poderes de coesão e ordem social nos contextos excluídos como a favela. Esta pesquisa foi dividida em três capítulos. Apresento uma análise histórica panorâmica dos bairros que são os objetos de estudo: Bangu e Senador Camará. Por ser uma análise extensa subdividido em três tópicos, onde eu abordo a formação da população durante a colonização, o processo de criação da Fábrica Bangu no contexto de modernização do Rio de Janeiro e, por fim, a formação das favelas nestes bairros. O conceito de “favelado” e as políticas de remoção durante o governo de Carlos Lacerda, é citado neste último tópico, visto que podemos observar novas reconfigurações espacial e social do bairro neste período. Esta nova configuração com o estabelecimento das favelas (Vila Aliança, Senador Camará e Complexo da Coréia) são importantes para subsidiar a compreensão acerca da: 1.gênese das facções criminosas no contexto da ditadura militar brasileira; 2. As rupturas entre os expoentes do tráfico de drogas entre os anos de 1989 a 1999. Aproveito, ainda, para apresentar neste primeiro capítulo um debate historiográfico acerca das mudanças de mentalidades sobre as representações de crime, principalmente na favela da Vila Aliança. O status social e a hierarquização dentro do tráfico nos permitiu algumas considerações relevantes do mundo feminino das favelas cariocas e das respectivas impressões sobre as relações de amor e perigo, onde o discurso social paira entre a banalização da vida e do sexo, entre posições sociais e áreas de atuação dentro das comunidades. Eu como antiga moradora do bairro de Senador Camará observei entre os anos de 1987 e 2004, algumas trajetórias que levaram traficantes a usarem os espaços nos muros das casas tanto da Estrada do Taquaral e quanto da Avenida Santa Cruz, que são as principais estradas do bairro, a realizarem pichações 14 como rito de passagens entre autoridades do tráfico e as demarcações espaciais dos amores bandidos, “gosto se discute – e em público, de preferência. Deixar sua marca na cidade é um jeito de dizer estou aqui, eu existo, é uma maneira de se dar voz. ”1. Sempre desejei narrar pelo menos algumas dessas histórias presentes nas tintas de grafites, que são as declarações entre amores bandidos e homenagens póstumas aos parceiros de armas. Sendo um escolha política e ética apresentar o contexto feminino nas relações simbólicas de poder. Para entender a formação e o povoamento destas estradas, esta pesquisa precisou concentrar os estudos históricos e geográficos quanto ao processo de colonização da antiga Freguesia de Campo Grande, que originalmente segundo as considerações do trabalho de pesquisa de Silva (1989, p.15) eram desmembramentos das terras coloniais de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá e da Freguesia de Jacarepaguá. Em termos geográficos compreendia desde as terras da Nossa Senhora do Desterro em Campo Grande, as serras do Guandu do Sena até a área da Fazenda de Bangu. Sob os auspícios de Manoela da Silva Pedroza (2009) ao analisar os documentos paroquiais como censos e Livros de Desobriga 2ente 1777 a 1813 das Freguesias de Irajá e Campo Grande, trouxe algumas contribuições sobre algumas fazendas de açúcar que compreendia os territórios coloniais Bangu, Viegas e Coqueiros correspondendo aos bairros de Bangu, Jabour e Complexo de Senador Camará ( Viegas, Rebu, Cavalo de Aço, Sapo, Favela do Quarenta Oito, Sandá, Vila Aliança, Coréia, Clarice, Mangueiral, Pantanal e Coqueiros). Confrontando as fontes primárias com fontes secundárias, esta autora pesquisa as relações de compadrios e transmissões de terras coloniais em que estes locais são citados. As caracterizações sociais e econômicas para os engenhos de açúcar dos locais supracitados encontramos subsídios teóricos através dos trabalhos de Alberto Ribeiro Lamego (1942), João Luís Ribeiro Fragoso e Manolo Florentino (1997), João Luís Ribeiro Fragoso (1998), (2000) e (2006) e João Luís Ribeiro Fragoso [Org.] (2001). Porém o diferencial está nos estudos de Manoela da Silva Pedroza (2008) que percebeu a partir dos Relatórios de Visita Paroquial presentes no Arquivo Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro (ACARJ) de 1794 em diante não ocorreram ampliações dos engenhos, onde Pedroza infere nas documentações 1Fala da antropóloga Rita Cássia Alves Oliveira da PUC/SP em entrevista ao sociólogo David da Costa Aguiar de Souza da UFRJ para revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS/UFRJ em 8 de junho de 2006. 2 “A Lei de Desobriga foi determinada durante os anos de 1717 como um instrumento legal em que as Dioceses poderiam analisar as populações e fogos das freguesias ”. (Fróes; Gelabert, 2004, p. 101) 15 afirmando que a baixa produtividade dos engenhos de açúcar destes locais supracitados e a falta de registros escritos sobre novas fundações de engenhos, revelam a decadência da produção açucareira. Compreendendo que o antigo regime nos trópicos3 nas formas de transformação do espaço e as questões agrárias foram fundamentais para entender como status social é tão importante quanto o poder de compra, percebi então que as localidades que estudei estão às margens do bairro de Bangu. Ainda recorrendo ao passado temos a criação da Fábrica Bangu, a Companhia Progresso Industrial do Brasil em 1889 e a inauguração em 1893. Tecendo esta história utilizamos as contribuições do Geógrafo Márcio Piñon de Oliveira (2006), Waldenyr Caldas (1994), Philip Gunn e Telma de Barros Correia (2005),Adriana Oliveira de Freitas (2005) a obra clássica de Roberto Simonsen “Evolução industrial do Brasil e outros estudos” (1973) e o livro memorial publicado por Gracilda Alves Azevedo Silva, chamado “ Bangu 100 anos” no ano de 1989 quando a Fábrica Bangu completou o centenário. Assim como pesquisas no museu local Grêmio Literário José Mauro de Vasconcelos, o Museu de Bangu, localizado na Rua Silva Cardoso número trezentos e quarenta nove no coração do bairro que descortina esta história. Apresentando a dualidadepresente nos bairros proletários como Jabour e as regiões que não foram atingidas diretamente pala industrialização irrompendo com a república, a saber os Sertões Cariocas4 como ainda era conhecido a estrada do Taquaral e Coqueiros durante a presença da Companhia Progresso Industrial do Brasil utilizamos o livro memorial “Bangu Cem Anos “de Gracilda Alves Azevedo Silva (1989), Marcio Piñon de Oliveira (2006), Elisabeth Von de Weid (2009) e Leonardo Soares dos Santos (2011;2013). Diante desta perspectiva apresentamos com o término do primeiro capítulo um breve histórico sobre o processo de favelização da Localidade da Coreia, correlacionando os debates sobre os conceitos de “favelado”, “favela”, “complexo” e “comunidade”, tendo assim o arcabouço sobre o período de Governo de Carlos Lacerda e as políticas de remoção das Favelas da Zona Sul. Nesta parte da pesquisa dialogamos com Euclides da Cunha(1902) através do Clássico “Os Sertões”, Gilberto Freyre (1936), Florestan Fernandes (1964;1978),Lícia do Prado 3FRAGOSO, João et al [Org.]. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI- XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 473 p. 4 MAGALHÃES CORRÊA, Armando. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936. Este artista que foi uma testemunha visual sobre as mudanças e permanências da virada do século XIX para o XX, retratou as regiões hoje conhecidas como Zona Oeste com o conceito de “Sertão Carioca”. 16 Valladares (1991), Alba Zaluar [Org.] (1994;2004), Boris Fausto(2012) e Mario Brum (2013). Recorrendo alguns conceitos da historiadora Carla dos Santos Mattos (2006), ao analisarmos algumas representações do mundo juvenil em contextos de violência. Aproximo as formas de mudanças de relacionamento interpessoal entre morador e o traficante, bem como buscamos o elo com o segundo capítulo que traz a historicidade das facções Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e Terceiro Comando. Apresentamos no segundo capítulo as performances do tráfico carioca mensurando alguns marcos que evidenciem o contexto histórico da ditadura civil militar as respectivas áreas de atuação, priorizei as considerações teóricas de Alba Zaluar[Org.](2004), Luke Dowdney (2003) e Michel Misse[Org.], além do livro biográfico “400 contra Um”, de Willian da Silva Lima (2001) bem como alguns trechos de entrevistas da antiga delegada Marina Magessi, tendo como base documental algumas matérias jornalísticas. Por estas abordagens demonstrei quais as características culturais e socais que legitimaram os crimes através da criação do CV ou CVRL, o Comando Vermelho Rogério Lemgruber o com o referencial dos relatos das entrevistas concedidas pelas nossas colaboradoras, J. de 38 anos, V. de 35 anos e A.P 34 anos revelando traços dos respectivos relacionamentos amorosos com os maridos já falecidos dentro do contexto da criação do Terceiro Comando. Também ressalto que neste trabalho há muito da minha observação pessoal de antiga moradora da Estrada do Taquaral, no qual pude testemunhar algumas dessas mudanças durante este tempo (1987 a 2004) em que vi, presenciei e ouvi. Tentando entender as formas femininas de representação social em relações humanas dentro da comunidade de Senador Camará, conhecido como Complexo da Coreia, alinhavamos algumas contribuições teóricas sobre às questões que concerne as simbologias de poder bem como as divergentes visões sobre a afirmação da honra masculina5 para a consolidação da subordinação feminina nas relações conhecidas como “perigosas” entre mulheres e os “homens do tráfico”. Algumas trajetórias de mulheres viúvas de traficantes durante o período de 1989 a 1999 na comunidade do Complexo da Coreia, administrada hoje pela facção Terceiro Comando Puro serão articuladas durante este trabalho através de entrevistas concedidas em anonimato, 5MATTOS, Carla dos. S. No ritmo neurótico: cultura funk e performances “proibidas” em contextos de violência no Rio de Janeiro. Tese -UERJ Rio de Janeiro, 2006 Esta autora apresenta a honra como valor que compõe a virilidade masculina, onde as premissas de violência se justificam das práticas de cultura e lazer do ritmo do funk. 17 isto é, relatos orais e a análises dos discursos escritos obtidos através de reportagens jornalísticas. As relações simbólicas de poder de mulheres residentes da favela de Senador Camará, Zona Oeste do Rio de Janeiro e seus respectivos companheiros que se encontram na condição de traficantes, nos leva a compreender as noções acerca do poder enquanto estrutura de um corpo social, sendo assim buscamos em Michel Foucault, as reflexões sobre o que é o poder e o que permeia (FOUCAULT, p. 45), bem como aproximaremos sem cometer um anacronismo e” relativizando o outro” (TODOROV, 1983, p. 56) a descrição de uma realidade tão evidente em nosso cotidiano social, mas ao mesmo tempo distante quando a mensuramos como amoral ou ainda ao analisamos sem contextualizar as redes de culturas. Ao construir este tema, encontrei a princípio uma questão um tanto quanto impeditiva, que é raridade de artigos e trabalhos de pesquisas cujo tema se alinhe com às reflexões desta, ou seja, as relações simbólicas entre as mulheres e seus respectivos maridos traficantes, sendo assim esta pesquisa bibliográfica concentrou em desencadear novos olhares para autores que estudaram a questão dos símbolos nas relações sociais e é claro em questões concerne ao poder, como Pierre Bourdieu (1992;2002). Diante deste desafio em buscar a alteridade com mulheres, as personagens principais do jogo entre poder e amor em relações em que as representações trazem visões por vezes negativas, uma vez que são associadas ao crime, ou como a própria autora Aydée Valério de Souza Albino traz em seu título de dissertação “ Amor bandido: estudo de trajetórias de vida de jovens mulheres na favela da Candelária- Complexo da Mangueira”6 aproximamos compreensões sobre palavras e expressões que durante a década final de 1980 e início de 1990 na favela de Senador Camará reproduziam o discurso de dominação com armas. É de fato intenção desta pesquisa apontar nuances de poder simbólico entre as relações conflituosas de amor entre traficantes e respectivas “esposas”, o como muitos a reconhecem como “ a mulher do chefe”, “ a mulher do soldado” ou ainda “ a amante”7. O sentimento que é 6ALBINO, Aydée Valério de Souza. Amor Bandido: estudo de trajetórias de vida de jovens mulheres na favela da Candelária- Complexo da Mangueira-Dissertação 2009.181fl., Rio de Janeiro. UERJ. Disponível em http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2767. Acesso em 11 de junho de 2014. A pesquisadora concede alguns conceitos importantes quanto aos discursos e o uso da força como instrumento de poder, entra nas questões sobre a percepção do papel feminino em contextos de violência, utilizando também a História Oral como metodologia. 7FIGUEIREDO, Débora de Carvalho. Violência sexual e controle legal: uma análise crítica de três extratos de sentenças em caso de violência contra a mulher. Linguagem em Discurso, v.4, Número Especial, 2004. 18 transmitido através destas expressões evoca a obsessão pela posse, em que homens sentem necessidade em emitir e reforçar esta ideia.8 8Ver em ZALUAR, A. (1997). Gangues, galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência. In VIANNA, H. (org.), Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ. A autora estabelece algumas considerações teóricas acerca do tema. 19 CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA E A FORMAÇÃODOS BAIRROS DE BANGU E SENADOR CAMARÁ E AS FAVELAS DE VILA ALIANÇA E VILA KENNEDY. O interesse em estudar as relações simbólicas de poder entre as mulheres de traficantes da Zona Oeste do Rio de Janeiro em detalhes minuciosos como nunca antes tenha sido mencionado, redirecionou as visões sobre a história local como o objetivo principal conhecer os fatores econômicos, políticos, históricos, culturais, sociais, urbanísticos e geográficos da região em que primamos estudar. Mesmo que alguns pesquisadores inferiorizem a história local com posicionamentos de que o enfoque nesse tipo de história: Essa situação acaba gerando posicionamentos tais que professores e estudantes empenhados no estudo do local e/ou do regional passam a ser julgados como pesquisadores de segunda categoria, como se o simples fato de um historiador se ocupar de um estudo do “macro história”, da história “generalizante”, bastasse para lhe garantir o título de bom profissional, lhe outorgando também reconhecimento intelectual (BARBOSA, 1998. P.2). Neste trabalho priorizamos que a história local é fundamental para o desenvolvimento das compreensões acerca de municípios pequenos ou médios, ou áreas de pouca extensão em que há a permissividade de amplitude, ou seja, colabora para uma construção da história.9 Voltando ao passado colonial, foi no ano de 1673 que a fundação de uma capela particular pelo negociante português Manoel Barcelos Domingues, daria um pontapé inicial para a criação do que hoje conhecemos como o bairro de Bangu. Assim como observa João Luís Ribeiro Fragoso (2001): Nessa região, a nobreza e os sujeitos com seu ethos mantinham seis dos sete engenhos e entre eles temos algumas das famílias nobres apresentadas [...], como os: Macedo de Vasconcelos (linhagem Viegas), os Macedo Freire(linhagem quinhentista dos Mariz), os Lucena (linhagem dos Veloso Dória, descendentes do bandeirante Brás Cubas), os Leão Antunes (linhagem quinhentistas dos Azeredo Coutinho) (FRAGOSO, 2001, p. 250) 9HORN, G. B. O ensino de história e seu currículo: teoria e método. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2006. Este historiador define o conceito da história Local como subsidiária da História Geral, traçando em suas considerações possibilidades de como trabalhar o Local como estratégia de Ensino da disciplina História. 20 Os dados encontrados no livro memorial “Bangu 100 anos” (1989) nos revela algo que fortalece as informações obtidas também nos documentos utilizados pela autora Manoela Pedroza (2008): [...] instituída em 1673, como desmembramento da freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá e do termo de Jacarepaguá. Esta paróquia de Campo Grande, por seu turno teve origem na capela particular mandada erigir por Manuel Barcelos Domingues, sob a invocação de Nossa Senhora do Desterro Mãe de Deus, de Campo Grande. (SILVA, 1989, p.16) ‘ E por que falarmos de Bangu? Como sabemos este bairro tem outros bairros periféricos tal como é o Complexo da Coreia, onde realizei minha pesquisa de campo. Assim tentei descobrir as margens deste povoamento e como o uso da mão de obra nem sempre escrava teceriam a dialética entre status social da nobreza da terra e o acúmulo das riquezas que posteriormente seriam embrionárias das fábricas rústicas de aguardentes e melados10. Os autores Manolo Florentino (1997), João Luís R. Fragoso (2006) e Manoela da S. Pedroza (2008) confirmam que existiam sociabilidades em que pardos e forros compunham a população livre pequenos lavradores que já tratavam da terra como lócus agrários de ganho. Eram homens, crianças e mulheres moradores das fazendas pertencentes à antiga Freguesia de Campo Grande, em que as funções da engrenagem dos engenhos açucareiros nem sempre utilizava a força da coerção. O próprio Fragoso (2000) emite um conceito sobre a mentalidade do homem antes do advento dos engenhos: “o ‘homem bom’ antecedeu o senhor de engenho e não o inverso”. 1.2- As Estradas que contam a história do bairro A partir dos dados do Censo realizado pelo IBGE no ano de 2000, são cerca de 111.231 habitantes em uma área de 1.729,59 ha, compreende as áreas periféricas, Rio da Prata, Parque Leopoldina, Parque Residencial Seis de Novembro, Residencial Ubaldo de Oliveira, Moça Bonita, Conjunto Residencial Cardeal Dom Jaime Câmara, Guilherme da Silveira, Favela do Quarenta Oito, Vila Sanda, Vila Moretti, Jabor e Complexo de Senador Camará ( Viegas, Rebu, 10 PEDROZA, Manoela da S. Passa-se uma engenhoca ou como se faziam transações com terras, engenhos e crédito em mercados locais e imperfeitos (freguesia de Campo Grande, Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX) VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 26, nº 43: p.241-266, jan. /jun. 2010. As contribuições desta autora são indispensáveis ao conhecer as relações de matrimônios em que se recrudesceram a economia colonial nestes espaços em que a contemporaneidade revela o avanço, o descaso, o afastamento da centralidade do Estado enquanto corpo social. Nos apropriando das descrições históricas para entender o acúmulo da renda nas mãos de alguns bairros centrais como Parque Leopoldina e Centro de Bangu. 21 Cavalo de Aço, Sapo, Vila Aliança, Coréia, Clarice, Mangueiral, Pantanal, Morro do Céu e Coqueiros) e do outro lado da Avenida Brasil, Catira, Jardim Bangu, Conjunto da Marinha e Vila Kennedy. Atualmente Bangu é caracterizado por seu amplo comércio, um calçadão recentemente reformado e abriga um Shopping na área da antiga Companhia Progresso Industrial do Brasil, a antiga Fábrica de Têxteis Bangu. Este shopping reutilizou as instalações sob as perspectivas de patrimônio histórico respeitando o que o autor Maurice Halbwachs defende que “A memória coletiva se apoia em imagens espaciais e não existe memória coletiva que não se desenvolva num quadro espacial. ” (2009, p.143). Escolhi duas estradas principais que cortam o bairro, a Avenida Santa Cruz (antiga Estrada Real) e a Estrada do Taquaral que presenciou as relações de compadrios entre os primeiros colonizadores destas terras. A historiadora Manoela Pedroza afirma que os arquivos de batismos do período setecentista do ACARJ nos mostram algumas possibilidades para entender quem foram os primeiros habitantes da Freguesia de Campo Grande: O estudo de estratégias matrimoniais de famílias da elite colonial nos mostra que, a cada geração, se reserva um dos filhos para o casamento com parentes, reiterando alianças anteriores, e outros para tecer novas com outras famílias. Mais tarde se reitera na pia batismal as alianças contraídas em matrimônio. (PEDROZA, 2008.p. 82) Alguns nomes citados pela autora são relevantes para compreender sobre a ocupação espacial durante o período dos engenhos de açúcar, são eles Manuel Souza Viegas(Fazenda do Viegas) e Manuel Antunes Suzano (Fazenda dos Coqueiros). Onde o tempo, casamentos, as relações de compadrios e o status da terra revelava uma hierarquia diferente do Antigo Regime Português, configurando além da cor e do poder: A freguesia de Campo Grande nos pareceu um recorte espacial exemplar para a análise desse processo, por duas razões. A primeira é que sua ocupação pela plantation escravista, na forma de engenhos de açúcar, esteve totalmente inserida no segundo período de reformulação das estratégias econômicas senhoriais, após 1730, e também completamente esgotada já no início do século XIX. Portanto, foi durante aproximadamente cem anos que alguns agentes se empenharam em criar um patrimônio em terras, fábricas e escravos na região, algo que pode ser acompanhado no correr de três gerações. A segunda razão para a escolha dessa freguesia é que esse grupo de senhores locais não possuía o mesmo status político da verdadeira “nobreza da terra” carioca, radicada há maistempo em seus engenhos na freguesia de Irajá. (PEDROZA, 2010.p.245) 22 Estas estratégias de povoamento e de utilização agrária para a constituição de um ethos, determinou não só a cor deste contingente populacional, como permitiu uma elite as senzalas.11De certo temos a uma história local em que a percepção política e social foram determinantes para a formação demográfica destas áreas, aqui podemos inferir que a formação dos bairros que hoje primei estudar, basicamente foi formado pela população livre parda, ex escravos e posseiros de pequenos portes. Assim como Hebe de Mattos(2009), Keila Grinberg (2007) e Robert W. Slenes (2011) já descreveram sobre a situação dos escravos libertos durante e após a Lei Áurea. Temos a necessidade de demarcar o quanto foi fundamental estudar estas estratégias para entender a trajetória de favelização mediante a posição geográfica em relação a sede do Império, posteriormente a sede da República. Ao continuarmos neste caminho lendo as linhagens familiares destas duas fazendas, Coqueiros e Viegas respectivamente temos também os limites geográficos das terras da fazenda de Bangu, originalmente pelas palavras de Pedroza (2008, p.80) podemos discernir que Bangu, Viegas e Coqueiros eram passadas de geração em geração no bojo das funções sociais de compadrios e matrimônios entre os vizinhos12. 11Ver em Fragoso capítulo 4 de “O Brasil Colonial volume 3” (2001). Este autor defende a tese que os pardos e forros eram os que praticamente compunham a sociedade colonial nestas regiões, uma vez que a população branca portuguesa era escassa e os próprios senhores abarcavam as mulheres negras solteiras com os respectivos filhos, a família patriarcal solar portuguesa refletia a condição cultural logo muitos indivíduos sobre a proteção do senhor, mas as condições feudalistas europeias não são visíveis dentro das reconstruções familiares em terras das freguesias que o próprio pesquisou nos arquivos paroquiais. 12 A historiadora reflete em sua defesa que povoamento destas regiões conhecidas como Freguesia de Campo Grande, da qual temos as três fazendas que descortinam o meu trabalho (Bangu, Viegas e Coqueiros) teciam a economia e a ordem social através dos casamentos entre a parentela e que os afilhados também faziam parte de um dos traços desse fortalecimento genealógico nos registros testamentais. 23 Figura 1–Fonte: Foto de João Carlos Horta / Desenho Aquarelado de Júlio Sena IN: BANGU 100 anos: a fábrica e o bairro. (1989, p.17) De 1794 em diante é apontado por Manoela Pedroza (2008, p.265) os indícios da decadência da economia açucareira, devido às documentações utilizadas como testamentos post mortem, fundos de inventários, mencionada, há forte tendência em comparar a queda de novas “engenhocas”13 e os respectivos melhoramentos às mudanças econômicas com o trato da terra, seja para substituição ou para deterioração de um regime: Foi com esse peculiar processo de reprodução senhorial local em meio à decadência econômica que lidamos nesse texto. Em Campo Grande, desde finais do século XVIII, as concessões diretas de terras (na forma de sesmarias) e a construção de novos engenhos de açúcar praticamente não existiram. ( PEDROZA, 2010, p.265) Como dito anteriormente a substituição do trato da terra demonstra muito mais permanências do que rupturas. Durante todo o século XVIII e início do século XIX, tanto que 13 Ver em Pedroza( 2008): O termo engenhoca é o conceito utilizado durante as pesquisas pela autora em que nos revela um projeto de fornecimento de gêneros agrícolas para as trocas mercantis entre a metrópole e a colônia, embora tanto Fragoso, Florentino, Hebe de Mattos e a própria Manoela Pedroza, afirmem que comerciantes de “grosso trato” já enriqueciam nestas terras. Negando em parte a tese que Portugal só explorava a colônia, de fato a “nobreza da terra” via aqui possibilidades de enriquecimento. 24 as Fazendas dos Coqueiros, de Bangu e do Viegas praticamente não sofreram ampliações e a substituição do açúcar por outros gêneros fora um processo lento e gradual. Com o advento da república temos a miríade da modernidade em dualidade com as terras dos sitiantes, moradores pobres livres e filhos da quarta geração dos primeiros habitantes portugueses das antigas fazendas que descrevemos. O atual bairro de Bangu teve sua origem com a formação de uma capela, em que o entorno composto por fazendas e engenhos de açúcar, e o ápice do século XVIII viveu decadência da produção açucareira. Seus povoados eram de negros e não negros, formados por homens livres e não livres, nos quais estas heranças agrárias e escravocrata marcam a história e as convenções sociais do bairro. No próximo subcapítulo trataremos de esmiuçar em detalhes o que significa a presença da industrialização em Bangu e o advento da mudança política para compreensão acerca do tempo e homem no espaço. 1.3 A criação da Fábrica Bangu Nas terras da Fazenda de Bangu, Sítio do Agostinho, Sítios dos Amarais, Fazenda do Retiro, além dos mananciais das Fazendas do Guandu do Sena, nasce o fruto que dá encorpo ao empreendimento que mudaria de vez a cultura dos moradores pobres livres destas terras.14Para Márcio Piñon de Oliveira (2006) a fábrica cria o bairro de Bangu através dos conceitos de “Fábrica-Fazenda ”e “Fábrica-Cidade” no tocante de abrigar todos os roceiros e sitiantes destas terras em vias de obter também os gêneros agrícolas como algodão, carvão, laranjas e entre outros e para abarcar os custos benefícios dos melhoramentos trazidos pela CPIB. Dados obtidos no livro de memória promovido pela lei 7505, de 2 de julho de 1986, Lei Sarney e confrontando com as informações que obtivemos no Museu de Bangu, sabemos que as terras foram compradas das mãos do último dono em 1889, o Barão de Itacurussá15, que nas palavras de Silva (1989, p.22) foram empenhados 130 contos de reis entre pagamentos pelo 14 SILVA, Gracilda A.de A. BANGU 100 anos: A Fábrica e o Bairro. Rio de Janeiro, Sabiá Produções Artísticas- Companhia Progresso Industrial do Brasil. 176 p. 15ARQUIVO NACIONAL RJ. Escritura de venda da fazenda do Bangu, situada na freguesia de Campo Grande, que fazem o barão e baronesa de Itacurussá à Companhia Progresso Industrial do Brazil. Rio de Janeiro, 1889. 2º ofício de notas. 25 direito ao uso das terras e realizações de construções. Os anos posteriores a Companhia cria a política de ampliação de áreas, concedendo tanto a empregabilidade e quanto a proteção dos mananciais de água. Roberto Simonsen (1973) revela que as práticas de valorização do capital humano desta Companhia pertenciam a fenômeno econômico evidente no Distrito Federal que era um “surto” industrial cujo ideais era exportar tecidos e concorrer com ingleses. Freitas (2005, p. 46 e 47) afirma que a Companhia Progresso Industrial do Brasil atende à demanda da tríade do novo sistema político: primeiro dignificar o trabalho, segundo transformar o espaço rural em urbano e terceiro higienizar os espaços. O engenheiro Henrique de Morgan Snell foi o homem visionário que ofertou a ideia da fundação de uma Companhia de Têxteis16 aos banqueiros e a todos que pudesse financiar seu projeto industrial. Nas pesquisas de Adriana Oliveira de Freitas (2005) está descrita esta empreitada: Snell tinha um projeto de instalação de uma fábrica de tecidos e saiu oferecendo-o a quem tivesse capital para viabilizá-lo, apresentando sua suntuosa fábrica como um excelente investimento, em plena crise da economia agroexportadora. Isso num momento em que a burguesia comercial tradicional, que financiava a colheita do café, da borracha e do açúcar perdeu prestígio, ao mesmo tempoem que cresceu uma nova burguesia comercial, que estava interessada em investir em transportes e na indústria. (FREITAS, 2005, p.47) O bairro urbaniza-se com as ideias inspiradas pela Belle Époque17determinando assim, locais, costumes e a economia dos operários e seus familiares. Logo a CPIB nos anos seguintes da inauguração, abre ruas em homenagem a um dos diretores da Companhia, a Rua Fonseca e a outra em homenagem ao primeiro presidente desta Rua Estevão (SILVA, p.60). 16FREITAS, Adriana de O. Dissertação -Abalou Bangu! A Fábrica Bangu e a República nascente (1889-1914) Universidade Federal do Espírito Santo.131 fls. Espirito Santo, ES.2005.A historiadora descreve com detalhes o caminho em que o engenheiro descendente de ingleses Henrique de Morgan Snell em realizar o seu sonho de uma indústria que atendessem ao Governo republicano e beneficiassem o investimento do capital industrial em que operários e benfeitorias caminhassem juntos. 17Ver em FREITAS (2005): A historiadora fala acerca da visão de transformação em que a capital federal se inspirava para trazer as novas tecnologias e ideias sobre a cultura e a sociedade. 26 Figura 2- Fonte: Arquivo da CPIB IN: BANGU 100 anos: a Fábrica e o Bairro (1989, p.60). Pedreira aos arredores dos antigos mananciais do Rio da Prata. As construções de ruas e dos anexos da fábrica viria de todas as pedras extraídas desta pedreira da figura 2, que fica nos arredores dos antigos mananciais do Rio da Prata. No ano de 1903, João Ferrer chega da Inglaterra para administrar a Companhia e inicia um plano de urbanização e arruamentos18. Como percebemos a CPIB voltava os esforços para investir na urbanização. A estação ferroviária construída em 1878 possibilitou o progresso no qual a República idealizava, a própria localização da Fábrica e a respectiva Vila Operária (1896) foram planejadas para que o transporte e as facilidades de locomoção diminuíssem os percursos. Sob a administração de Ferrer as seguintes localidades são planejadas pelo engenheiro Orozimbo do Nascimento: Marco Seis, Sul-América, Chita, Engenho, Água Branca, Coronel Tamarindo, Murundu, Ceres, Açudes, Oliveira Ribeiro e Avenida Cônego de Vasconcelos.19 Para além dos avanços e urbanização, os diretores desta Companhia se preocupavam com a 18Ver em OLIVEIRA (1991): O geógrafo concede as histórias sobre os arruamentos de Bangu e adjacências. 19SILVA, Gracilda A.de A. BANGU 100 anos: A Fábrica e o Bairro. Rio de Janeiro, Sabiá Produções Artísticas- Companhia Progresso Industrial do Brasil (1989, p.61). No livro produzido pela Companhia descreve detalhes dos arruamentos e as funções. 27 higiene tanto do espaço quanto da saúde coletiva dos operários. Assim como afirma Freitas (2005, p.68), as melhorias não contavam com o apoio municipal e sim pelas transformações urbanas que a CPIB proporcionou. No início do século XX, a Fábrica inaugura escola no Marco Seis, o Hospital Guilherme da Silveira e Grêmios Recreativos, como Rui Barbosa e Filomático, a Fundação do Casino Bangu, o Bangu Atlético Clube. A escola Municipal Getúlio Vargas é inaugurada em 1934 nas terras cedidas pela Companhia através do decreto de desapropriação nº 4.964 e posteriormente um contrato firmado com o governo, Senai e a CPIB estabelece dentro das imediações da sede da Fábrica, uma escola técnica em que contava com os respectivos operários como professores formando ali a própria mão de obra, inclusive a historiadora Gracilda (1989, p. 90) ressalta que havia a possibilidade de intercâmbio entre os funcionários recém formados como a Universidade de Lowell. Outra forma também de investimento em recursos humanos pela CPIB eram os patrocínios à vida social dos respectivos operários. O autor Waldenyr Caldas (1994) afirma que os ingleses da CPIB foram os responsáveis por trazer a primeira partida de futebol do Brasil em Bangu. Fato inclusive que está exposto logo na entrada do Shopping Bangu (onde eram as antigas instalações da Fábrica), descritos por Gracilda Alves de Azevedo Silva (1989, p.104): Esse divertimento foi o futebol, cuja primeira bola entrou em Bangu, escondida por Thomas Donohoe na embalagem de uma máquina vinda da Inglaterra. Donohoe, logo conhecido como Danau, era um dos técnicos britânicos contratados para trabalhar na fábrica. Com esta bola clandestina, Danau e outros ingleses, funcionários passaram a jogar suas “peladas, iniciando-se assim em Bangu, a prática do futebol no Rio de Janeiro. (SILVA,1989, p.104) Tendo em vista as transformações sociais, culturais, econômicas e urbanísticas que a Fábrica Bangu trouxe com as premissas da república, percebemos que o tempo foi fundamental para a mudança do homem com o espaço geográfico, bem como a percepção do homem no mundo do trabalho. 28 1.4 “A invenção da Favela” e os amores pichados nos muros das estradas em que tudo passa até o amor e poder. Como dito anteriormente João Ferrer trouxe um engenheiro para construir ruas, e estas possibilitaram a criação dos bairros periféricos. As fontes presentes no Museu de Bangu, nos mostram quanto as mudanças eram lentas para determinados lugares como o caso da Vila Aliança e Senador Camará. Quanto maior o afastamento geográfico da CPIB em relação às localidades aumentava o grau de atraso e esquecimento do ideal republicano. À priori as partes periféricas que após a década de 60 começa a povoar não só com os operários da fábrica, mas também como os removidos das favelas da Zona Sul, o geógrafo Márcio Piñon de Oliveira (2006) assinala o que favorece em parte este fenômeno social em que posteriormente ratificaria o aumento da violência e a pobreza tal como vemos hoje: A adoção da nova estratégia, agora de alienação patrimonial, contribuiria para desencadear o processo de retalhamento de terras nas propriedades da Companhia e faria emergir o bairro Bangu. A própria empresa criaria, no início da década de 1930, um Departamento Territorial, que elaboraria projetos de loteamentos e promoveria a venda dos terrenos aos arrendatários através de pagamento a prazo. Quando estes eram operários da fábrica tinham as prestações dos terrenos descontadas diretamente dos seus salários. Entre 1936 e 1948 foram aprovados 61 projetos de loteamentos, número bastante significativo para o período, mesmo se tratando do Distrito Federal, a capital do país à época. (OLIVEIRA, 2006) Dentre estes loteamentos está o bairro de Jabour, Vila Aliança e Senador Camará, os locais desta pesquisa de campo. Ao refletirmos sobre estes loteamentos temos o que a autora Lícia do Prado Valladares chama de “Gênese da Favela”. E o que seria então o conceito de Favela? Como transpor a teoria ao processo de criação destas localidades que priorizamos nesta pesquisa? Ao interpretarmos o conceito de Favela sob as análises culturais, sociais e políticas, temos que recorrer ao que a historiografia ressalta. O termo Favela primeiramente descrito em 1902 através do clássico literário de Euclides da Cunha “Os Sertões” é considerado por muitos 29 como um dos expoentes inaugurais da sociologia brasileira apresentando toda a história Guerra de Canudos20 (1896-1897). O autor registra detalhes ricos sobre o clima, demografia, dados geográficos e principalmente a cultura e política que englobava as mazelas sociais em que se encontravam os baianos após a abolição da escravatura dentro do contexto da República.21Os soldados que lutaram em Canudos saem vitoriosos, embora vidas sertanejas foram dizimadas com o aval do governo, uma vez que as diversas intervenções antes de 1897 traria derrota para o rol do Exército Brasileiro. 22 Estes soldados não recebem os respectivos salários, logo chegam ao Rio de Janeiro para cobrar posições tantodo Exército quanto do presidente Prudente de Morais (1894-1898). Porém esta estratégia trouxe outra faceta que foi amplamente descrito por Cunha e posteriormente por diversos jornalistas, historiadores, sociólogos e até hoje debatido, “A Invenção da Favela”23. Sem salários e sem expectativas de vida estes homens começam a habitar a localidade do Morro da Providência e no momento em que iniciam a imagem social daquela localidade comparam tanto os logradouros quanto as plantas que coexistiam com os moradores, ou seja, se Euclides da Cunha descreve a planta “29avela” em “Os Sertões “na Bahia são os recém-chegados aqui no Morro da Providência que iniciam o nome “Morro da Favela”, fazendo comparações às condições avessas e degradantes vividas em Canudos. Em Gilberto Freyre temos o clássico “Sobrados e Mocambos” (1936), o autor já denunciava os diferentes modos de vida e de distribuição de renda dos habitantes pós escravatura e a percepção social destes no mundo do trabalho. Um termo que pode ter uma amplitude de significados mediantes aos contextos históricos em que se perfaz a própria gênese e alcance social da Favela em que se pesem a localidade como refúgio de identidade social. 20CUNHA, Euclides de. Os Sertões: Disponível em: http://www.euclidesdacunha.org.br. Acesso em: 30 de novembro de 2015. 21 VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 22-73. 204 p. A autora de forma exemplar faz um panorama sobre o que é favela e sua historicidade. 22FAUSTO, Boris. A História Concisa do Brasil. 2ª Ed, São Paulo. Universidade de São Paulo,2012. Este livro nos concede as narrativas presentes neste parágrafo. Fausto narra em parte algumas caracterizações do conflito em Canudos. 23 VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 22-73. 204 p. A autora de forma exemplar faz um panorama sobre o que é favela e sua historicidade 30 Florestan Fernandes traz em “A integração do negro na sociedade de classes. Volume I Legado da Raça Branca” (1964) e o “Volume II : No Limiar de uma nova era” de edição em 1978,o pensamento social acerca da formação de um povo mestiço que na tênue transformação econômica após a abolição da escravatura, encontravam dificuldades de inserção social, cultural e consequentemente dentro do novo regime de trabalho. Aqui são tratados os marcos para o que entenderíamos sobre o que seria favela como estrutura social em que permitem certas estabilidades, abrigo e noções de identidade para a população negra após a abolição. José Murilo de Carvalho em seu clássico “Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi” de 1987, descreve a cidade do Rio de Janeiro durante o processo de urbanização do chamado “bota- abaixo”24 das Reformas Pereira Passos, fazendo contribuições importantes para o pensamento acerca da Favela enquanto espaço de construção e segregação em que a burguesia clamava no início do século XX. Inclusive temos em Carvalho (1987, p.18) caracterizações sobre o ser “favelado”: Esta população poderia ser comparada às classes perigosas ou potencialmente perigosas de que se falava na primeira metade do século XIX. Eram ladrões, prostitutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes de repartições públicas, ratoneiros, recebedores de bonde, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptadores, pivetes (a palavra já existia) (CARVALHO, 1987.p.18) A preocupação de higienização e sanitarista em que a Cidade do Rio de Janeiro tomou como ideal de modernização, cujo período Carvalho debate com presteza em Os “Bestializados” abre precedentes para jornalistas e entidades não governamentais pensarem na Favela não como a base social de todo mal, porém como espaço que irradia cultura e lazer, conhecimento e adaptação. A contradição permeia todos os debates acerca da construção do conceito de Favela, inclusive atingindo a antropologia, a sociologia, a economia e até mesmo a geografia. Para o significado encontramos no dicionário Houaiss (2009, p.878) o verbete tratado de forma amenizada para definir favela “Conjunto de habitações populares que utilizam materiais improvisados em sua construção tosca, e onde residem pessoas de baixa renda. ETIM Fava + ela”. Visivelmente descartando a visão separatista de “lócus onde prolifera doenças” ou “ de desprovidos de higiene” presente no dicionário Aurélio de 1975. 24FAUSTO, Boris. A História Concisa do Brasil. 2ª Ed, São Paulo. Universidade de São Paulo,2012. Este livro nos concede as narrativas presentes neste parágrafo. 31 Como alerta Lícia do Prado Valladares (2005)os intelectuais passam a preocupar em demarcar uma cronologia coesa para dar conta do surgimento deste fenômeno que traz uma dualidade de sentimentos: repulsa e atração. Valladares inova ao abordar o tema de forma tão sociológica quanto histórica, sem que houvesse necessidade em atribuir indícios para a origem, à priori ela atribui à Canudos o cerne do mito de criação, onde esforços demandaram este indício atendendo a política de embelezamento da cidade do Rio de Janeiro do início do século XX. “Um Século de Favela” (1998) obra compilada por Alba Zaluar e Marcos Alvito nos concede algumas análises relevantes sobre a visão sociológica do espaço e tempo da “Favela”, para tal defesa, onze autores se revezam nos capítulos do livro analisando letras de músicas e estudos de casos oriundos dos exemplos retirados de algumas localidades. No capítulo “Um Bicho-de Sete-Cabeças” do autor Marcos Alvito (1998, p. 181 a 208) são empegados os conflitos filológicos para o termo Favela, como por exemplo: “Comunidade”, “Localidade” e “Complexo”25. Há forte tendência de associar a Favela a termos depreciativos como Complexo e Comunidade, para tal defesa Alvito utiliza as considerações teóricas de Anthony Leed e Elizabeth Leed (1978). Logo vejamos as diferenças: Acredito que Anthony Leeds fez uma crítica extremamente relevante ao uso do conceito de comunidade. No entender desse autor, os “estudos de comunidade” simplesmente transplantava os métodos utilizados no estudo de “tribos” para outras realidades bem distintas. O principal problema: tratar comunidade como uma totalidade isolada, autônoma, sem examinar sua inserção em um contexto mais amplo. (ALVITO,1998, p.184 apud LEEDS, 1978, p.) A problemática em utilizar o termo “Comunidade” para definir o que é uma Favela, redireciona o nosso olhar privilegiando as condições históricas e particulares de cada local, sabendo que o significado de “Comunidade” evoca pessoas ou grupos que partilhem de um mesmo ideal ou caminhem para uma mesma direção. É nessa indagação que o antropólogo William Lloyd Warner (apud Horckheimer e Adorno 1973, p.156)define o termo supracitado como “uma pluralidade de homens com interesses, sentimentos, comportamentos e finalidades comuns, em virtude de sua pertença ao mesmo grupo social como estrutura constante em toda 25LEEDS, Anthony &LEEDS, Elizabeth. A Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro. Zahah ,1978. Os autores descrevem os três termos como designações mais comuns atribuídos aos termos que remetem às Favelas. De certo tanto Complexo quanto Comunidade são os mais pejorativos, embora “comunidade” é a palavra mais usual entre os moradores, para os autores Localidade pertence à interpretação mais plausível. 32 e qualquer forma de sociedade antiga ou moderna”. Assim como implica o termo “Complexo” para designar Favelas, vejamos: Até porque o termo “complexo” hoje amplamente utilizado para designar gruposde favela (“Complexo da Mangueira”, “Complexo do Jacarezinho” etc.) é originário do vocabulário penal: “Complexo Penitenciário Frei Caneca”, por exemplo, engloba diferentes “instituições penais” como a Penitenciária Milton Dias Moreira, a Lemos de Brito e o Hospital Penitenciário. Hoje em dia, o uso difundiu- se tanto que até mesmo a prefeitura o utiliza: em julho de 1997, a placa do programa Favela-Bairro indicava: “Complexo da Mangueira” (Telégrafo, Mangueira e Candelária). (ALVITO, 1998.p.185 In: ZALUAR,1998). Ao chamarmos conjuntos de Favelas a partir da palavra “Complexo” obrigatoriamente emitimos o significado de lugares de “reclusão”, onde residem “presos”, mais uma vez usaríamos o termo como pejorativo. Assim por opção usaremos “Localidade” sendo um termo mais usual para chamar as Favelas que pesquisei. Em termos e seus respectivos significados, a opção “Localidade” nos trouxe mais adequação no que concerne as expressões cunhadas na sociologia contemporânea sob os auspícios de Anthony Leeds: Os loci de organização visivelmente distintos, caracterizados por coisas como um agregado de pessoas mais ou menos permanentes ou agregado de casas, geralmente incluindo e cercadas por espaços vazios, embora não necessariamente sem utilização.(LEEDS, 1978.p. 31) As estradas do Taquaral e a Avenida Santa Cruz assistiram todas as mudanças já descritas nesta pesquisa, assim como uma antiga moradora, observei que algumas dessas mudanças são registradas nos muros das casas que contornam as localidades da Vila Aliança, Senador Camará e Coqueiros, podem serem reconhecidos como ritos de passagem26onde celebram a transferência de poder entre os parceiros de armas que morreram e os que declaram em homenagem e em outros casos demarcam a localidade em que residem as “esposas de fé”27. 26MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro 6ª Ed. Rocco, 1997. Ver o conceito em que este autor define para entender o que celebra e a quem se homenageia. 27ALBINO, Aydée Valério de Souza. Amor Bandido: estudo de trajetórias de vida de jovens mulheres na favela da Candelária- Complexo da Mangueira-Dissertação 2009.181fl., Rio de Janeiro. UERJ. Disponível em http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2767. Acesso em 11 de junho de 2014. A autora descreve com detalhes todas as formas em que o mundo feminino se insere no contexto masculino do tráfico, inclusive “ as fieis”. 33 Figura 3: Foto tirada de celular, em 10 de setembro de 2015 em uma região conhecida como “Boca do Mato”, favela da Coreia. (Homenagem de uma das mulheres ao companheiro desaparecido) Figura 4: Foto tirada de um celular em 10 de setembro de 2015: Muro de uma escola (Homenagem ao fogueteiro do tráfico morto em 2013) Para entendermos como estas práticas começaram nestas localidades temos que voltar ao passado, precisamente na década de 1950 e 1960, temos a especulação imobiliária que iniciaram as políticas de remoção e de remodelamento da Zona Sul do antigo Estado da 34 Guanabara promovidos pelos Governos de Carlos Lacerda e posteriormente por Negrão de Lima. Estas localidades que pesquisei, surgem com o governo de Carlos Lacerda (1960-1965), a população oriunda da favela do Pasmado na Zona Sul. Construindo conjuntos habitacionais em subúrbios da Zona Oeste para receber estas pessoas, a saber, os conjuntos habitacionais de Vila Aliança e Vila Kennedy. Ambas comunidades faziam parte do projeto de urbanização empreendido durante a Guerra Fria em parceria com o governo norte americano, John Kennedy. Com o intuito de conter os avanços do comunismo na América Latina, já que as remoções das Favelas do Pinto, da Catacumba e do Pasmado traziam desconfortos e desordens sociais que poderiam se aproximar dos ideais das revoluções comunistas (MOTTA, M. 2000, p. 57). Ainda segundo a autora com o ideal de urbanizar a cidade do Rio de Janeiro, populações inteiras se deslocaram da Zona Sul à revelia para fundar novos territórios do outro lado do túnel. Com a ditadura civil-militar e o progressivo fechamento do canal de comunicação entre Governo e o povo, personificado através do Ato Institucional 5 de 13 de dezembro de 1968, a política de remoções da população das favelas da Zona Sul já supracitadas ganha força e ao mesmo tempo teorias reforçadas pela CHISAM (Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana) servem de legítimas justificativas para tais remoções. O historiador Mario Sérgio Ignácio Brum citando Gilberto Coufal, o primeiro coordenador da CHISAM revela algumas dessas teorias: Chegou-se à conclusão de que o sistema a urbanização da favela não era psicologicamente favorável, pois os favelados continuavam pensando, agindo e vivendo como favelados. Então, o filho daquele homem que morava na favela, vai crescer mentalmente um favelado. (CHISAM,1969). 35 Figura 5: Fonte Jornal A Última Hora Edição 01214de 8 de Janeiro de 1964 disponível em Hemeroteca Digital/http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pasmado&pasta =ano%20196. Ao pesquisarmos os periódicos disponíveis na Hemeroteca Digital, percebemos que era bastante comum a designação de “favelado” durante o regime militar e após a abertura política. O que podemos supor que toda a força capitalista de ocupação territorial se servia das remoções, cujo cunho era de estigmar e estereotipar segundo interesses governamentais. Assim assinala Mario Sérgio Ignácio Brum (2013): O favelado era visto como alguém não-integrado ao bairro onde a favela se localizava, em que pese a sua participação na cidade de diversas formas (no mínimo, através do mercado de trabalho das redondezas, como ‘peões’, porteiros, faxineiras, garçons, etc.). Ou seja, o favelado era alguém integrado. Imputava-se, porém, exclusivamente a ele toda a responsabilidade pela relação conflituosa que a cidade tinha com as favelas. De modo que a remoção serviria para regenerar os favelados em novos ambiente e localização na cidade que, segundo esta linha de pensamento, seriam mais adequados a ele. (BRUM, 2013,p.184) http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pasmado&pasta=ano%20196 http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pasmado&pasta=ano%20196 36 Muitos moradores que aqui chegaram não conseguiram encontrar condições favoráveis de empregos, de certo que a inserção no mercado do trabalho também deveria ser um processo lento de adaptação, inclusive que os colocavam em situação de marginalidade em que se pesem as considerações de Mauro Henrique de Barros Amoroso: Durante os anos de 1968 a 1975 deu-se o período de maior ênfase das remoções, com mais de 60 favelas destruídas e mais de 100.00 pessoas removidas até o abandono do programa, em 1975, por motivos de ordem principalmente financeira. Essas intervenções abordadas, respeitando-se as diferenças operacionais e de contexto político de suas implementações, possuíam certas representações comuns sobre a favela: problema de ordem social, moral e estética, concepção de promoção social pela moradia, ou seja, privilegiando o aspecto físico- habitacional, havendo uma associação qualitativa da precariedade das condições de moradia ao indivíduo. (AMOROSO, 2006.p.59) Assim longe dos logradouros de origem estas pessoas se veem em notória crise ao se inscreverem no espaço territorial em busca de subsídios de sustento salarial, pois mesmo os que possuíam emprego só contavam com poucas linhas de ônibus e o trem como forma de deslocamento. À priori a ideologia governamental de fornecer “moradias decentes” não passava de uma teoria vazia de promessas, porque a urbanização destas localidades só chegaria com as políticasurbanísticas do prefeito Cesar Maia (1993-1997), (2001-2005) e (2005-2009) através dos programas do “Rio-Cidade” e “Favela- Bairro”28 tendo como o engenheiro Luiz Paulo Conde (1997-2001) também posteriormente prefeito sucessor de Cesar Maia. Compreendendo que as conjunturas políticas e econômicas entre 1950 a 1960 teceram as bases sociais para legitimar o que o ato institucional de 1968 traria para as favelas mencionadas, alinhando também os discursos normatizados pela mídia que constantemente emitiam e influenciavam a opinião pública em relação aos removidos. Alguns moradores levaram tempo para reconstruir as respectivas histórias tendo o aparato repressivo como um latente ponto de coesão. Até mesmo a FAFEG (Federação de Associações das Favelas do Estado da Guanabara) que representava os interesses da população tem seus planos adiados no 28VALLADARES, Lícia do Prado. A Invenção da Favela- Do Mito a Origem a favela.com. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2005. 204p.A autora é especialista em estudos sobre a cidadania no contexto de favelas. 37 II Congresso da FAFEG que simultaneamente fora realizado em 196829, ninguém saberia que o pior estava por vir. Figura 6: Fonte Boletim do Bairro de agosto de 1979 –Luta Pelo Transporte 1979. Disponível no Arquivo Nacional e concedida por pesquisa recente no Centro Cultural “A História Que Eu Conto” localizado na Estrada do Taquaral s/nº Vila Aliança disponível também emhttp://www.ahistoriaqueeuconto.com.br/o-centro-cultural/ Tecendo as considerações que corrobora para marginalização das relações simbólicas de poder em que visei estudar, demandou as análises das conjunturas e estruturas de contestação que surgiria em oposição à ditadura militar. Por questão óbvia enfatizei um tipo de protesto que pregava os lemas “Paz, Justiça e Liberdade” entre os muros do presídio de Ilha Grande, mais conhecido como Ilha do Diabo. O presídio Cândido Mendes abrigou presos políticos 29BRUM, Mario Sérgio Ignácio. Dissertação. “O povo acredita na gente”: Rupturas e Continuidades no movimento comunitário das favelas cariocas nas décadas de 1980 a 1990. UNIVERSDADE FEDERAL FLUMINENSE, Niterói, RJ. 2006. O historiador concede algumas considerações importantes sobre o Segundo Congresso da FAFEG de 1968, inclusive emitindo o que deveria trazer de benesses aos maiores envolvidos (os moradores das favelas) e o que o governo pretendia em recrudescer as remoções. 38 considerados inimigos de alta periculosidade para o governo e instruídos pelo teor vermelho comunista de classe média.30 Apresentarei no próximo capítulo algumas dessas estruturas onde teremos a relevância das drogas como mudanças de mentalidades do homem com o mundo do crime, alinhavando as contribuições da história de J. 38 anos viúva de um dos percussores da cisão entre a primeira facção carioca criando uma nova forma de lidar com o crime na Zona Oeste do Rio de Janeiro. 30ZALUAR, Alba. A Integração Perversa: A Pobreza e o Tráfico. 2ª Ed. Editora: FGV, Rio de Janeiro.2004. A autora analisa as estruturas sociais e de segurança pública durante o regime militar em vias de entender o que seria o futuro Comando Vermelho e posteriormente as subdivisões de tráfico como facções secundárias, a saber A.D.A e Terceiro Comando. 39 CAPÍTULO 2- O TERCEIRO COMANDO E AS NOVAS FORMAS DE TRÁFICO: Em Ilha Grande, no Presídio Cândido Mendes, mais conhecido como “Ilha do Diabo”, assiste um movimento que mudaria a mentalidade do homem em relação ao crime. Buscando melhores condições de sobrevivências entre a cadeia e as instâncias jurídicas, Willian da Silva Lima, mas conhecido como Professor, Rogério Lengruber, o Bagulhão,José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, José Jorge Saldanha, o Zé do Bigode e Orlando Conceição, o Orlando Jogador promovem constantes fugas e rebeliões entre as décadas de 1970 a 1980.31 O presídio era também conhecido por abrigar grandes criminosos desde a época do Governo Getúlio Vargas, mas foi através dos lemas de “Paz, Justiça e Liberdade” que o Professor conduz o embrião da maior facção carioca, inspirado pelas ideias marxistas provenientes da convivência com os presos políticos da ditadura militar a partir de 1964, criando espaços reconhecidos como territórios32 respeitando as localizações entre as alas da carcerária, e posteriormente seria denominadas “Falanges”: Essas pessoas, por sua vez, de alguma forma permaneceram estudando e passando suas informações adiante. Sua influência não foi desprezível. Na década de 1960 ainda se encontravam presos assim, que passavam de mão em mão, entre si, artigos e livros que falavam de revolução. De vez em quando apareciam publicações do Partido 31AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado.4ª Ed. Rio de Janeiro, Record,1993. Apesar da obra se tratar de um livro em que o jornalista Carlos Amorim apresenta a história parcialmente descrita sob a ótica do oprimido e das vertentes heroicas do Comando Vermelho, a partir deste livro podemos entrar em contato com algumas histórias dos expoentes da antiga Falange Vermelha. Inclusive demarcando as cisões dentro e fora da cadeia entre as futuras facções oriundas do C.V. 32 SANTOS, Hugo Freitas dos. O coletivo como estratégia territorial dos cativos. Geografia (UFF), v. 17, p. 89- 116. 2008. Este autor nos traz considerações sobre o que são territórios dentro dos sistemas prisionais. Aqui temos o conceito de “Coletivo” como expressão subjetiva que representava toda a população carcerária. 40 Comunista, então na ilegalidade. Lembro-me, por exemplo, do velho João Batista, que, na rua, batia carteiras e, na prisão, ficava lendo e escrevendo pelos cantos do pátio, sempre disposto a orientar e ajudar os demais. Lembro-me também de Mardoqueu, que desde a época do Estado Novo frequentava a cadeia, onde alternava as atividades de encadernador de livros e divulgador de ideias de esquerda. (LIMA, 2001.p.35). A Falange Vermelha seria o primeiro nome do atual Comando Vermelho. A primeira facção carioca em que se pesem as considerações de Mingardi no que concerne as reflexões sobre a respectiva gênese: “No nosso país, a cadeia é a grande gestora dessas organizações. Foi nela que surgiram o Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Terceiro Comando (TC) ” (MINGARDI, 2007). De certo que ficou legado aos jornalistas e especialistas em segurança pública os estudos sobre a origem e a fragmentação destas representações criminosas. No fim da década de 1990 é que percebemos um caminho trilhado por antropólogos e sociólogos para tal empreitada. Portanto há divergentes teorias acerca da temporalidade de cada uma das facções. Então por escolhas históricas de Alba Zaluar (2004), Celso P. Teixeira apud. Misse& Werneck [Org.] (2012),Guaracy Mingardi(2007) e (2013),Luke Dowdney (2003) e (2005)e Michel Misse (1999), (2007) e (2011) é que abordo algumas caracterizações acerca da temática. Um traficante chamado Ernaldo Pinto de Medeiro, conhecido como Uê, em discordância da Falange Vermelha, já fora do sistema prisional resolve preparar uma armadilha para matar o antigo chefe do Comando Vermelho, Orlando Jogador, trazendo assim a discórdia e expulsão de alguns membros da facção. Assim como alerta Luke Dowdney: A morte de alguns membros importantes do Comando Vermelho na segunda metade dos anos 80 levou à desconfiança crescente e à rivalidade entre seus chefes. A partir de 1986, o Comando Vermelho começou a fragmentar-se internamente e as disputas pelo controle de territóriosentre donos tornaram-se comuns e cada vez mais violentas. (DOWDNEY,2003 p.30) Segundo relatos da antiga inspetora da Polícia Civil, Marina Magessi (2002)apud Aydée Albino (2009), Uê teria ficado um tempo sozinho buscando lugares para se refugiar e ao ser 41 preso teria se aliado ao Celsinho da Vintém. Este pertencia ao “Jacaré”, organização anterior à Falange Vermelha e que dominava os presídios e favelas cariocas antes do advento da cocaína.33 Mesmo Uê estando mais próximo de Celsinho, foram as divergências ideológicas e de cunho capitalista que fizeram Uê se desligar do comando da Vintém abrindo espaço, recrutando novos soldados principalmente nas localidades entre Parada de Lucas, Senador Camará e Vila Aliança, trazendo então uma nova facção: Terceiro Comando Este traficante tende a expandir o negócio do tráfico estabelecendo coexistência com a Falange Jacaré, embrionária do Terceiro Comando e do A.D.A, e que posteriormente passa a ser denominada, Terceiro Comando Puro, facção em que o marido de J.38 anos uma das nossas colaboradoras foi percursor. Reinaldo José nome fictício para o marido de J.38 anos, cresce na hierarquia do tráfico justamente no fim da década de 90 que sob os auspícios do antropólogo inglês Luke Dowdney encontramos esta assertiva: A criação do Terceiro Comando como facção dirigida estritamente ao negócio demonstrava o sentimento puramente econômico que orientava o novo movimento. O crescimento dessas facções que agora dominam o varejo de drogas no Rio de Janeiro e, em consequência, as favelas da cidade (DOWDNEY, 2003, p 27). Para reforçar as mudanças entre as facções temos o relato oral de J. 38 anos que confirma estas defesas em que concentrou esta pesquisa: “_Aconteceu de eu me achar! Como antigamente diziam: ”Eu me perdi, engravidei, mas eu digo infelizmente porque eu tinha uma cabeça muito fraca”, não que eu tenha arrependimento não... eu fiz um aborto. Ele teve que ficar ausente umas épocas, aí conforme o tempo foi passando, ele foi ganhando nome, foi ganhando fama, foi ganhando... obrigações”[. Grifo em demonstração da mudança de tom de voz de J.]. (J.38 anos) Ao estudarmos as facções como representações criminosas, se fez urgente apresentar algumas teorias para o significado de “Crime Organizado”, Guaracy Mingardi explicita que esta expressão evoca algumas características que são: Hierarquia, Previsão de lucros, Divisão do trabalho, Planejamento empresarial e Simbiose com o Estado34. 33 34 MINGARDI, Guaracy, Ministério Público do Estado de São Paulo v. 21, n. 61 (2007) - Dossiê Crime Organizado O trabalho da Inteligência no controle do Crime Organizado. In: Estudos Avançados (p.56). Estas contribuições determinam que ao utilizarmos “Crime Organizado” para as primeiras formas de tráfico de drogas antes da 42 Michel Misse(2007, p.139) ao estudar as diferenças entre a criminalização e a incriminação real35, descreve que há de se entender este debate priorizando não só a através dos conceitos, mas destacando as representações sociais, em vias de não generalizar as nuances criminosas também com mercados informais e considerados como ilegais. Logo entendemos que estabelecer a rede de tráfico e suas historicidades demandam a compreensão acerca de como e para quem o crime se faz presente, ou seja, a “Organização Criminosa” tem peculiaridades onde as subjetividades imergem do contexto histórico e social e que em cada localidade existe uma configuração específica. A partir destes teóricos podemos mensurar o que o Comando Vermelho, se tornou um ícone político para alguns presos no que se refere as contestações diante da conjuntura da ditadura militar e símbolos de resistência em resposta ao tratamento diferenciado entre os presos “subversivos” e os “comuns”: Graças à imprensa, os atuais chefes do Comando Vermelho a maior e mais organizada de cinco organizações carcerárias independentes e amiúde rivais. Hoje, a geração do “coletivo” dos anos 70 foi em grande parte substituída por novas lideranças que utilizam as técnicas organizacionais dentro das prisões e nas favelas, para montar lucrativas redes de tráfico de cocaína, mas principalmente sem a mentalidade do coletivo. (COELHO, 1987, p 114Apud) Bem como o Terceiro Comando tem a sua origem nos idos dos anos 80 e 90, em que as respostas são sentidas diretamente nas localidades em que estudei. Principalmente para estabelecer o sentimento de resgate em que o “banditismo”36incorpora para a localidade e como esta reage para reinventar as identidades de favelas. No próximo capítulo além de esmiuçar como as localidades reagem as formas de tráfico de drogas com a rede de poder do Terceiro Comando, falaremos das trajetórias de três mulheres com o tráfico, através das relações amorosas. Destacando as forças simbólicas de poder. existência das facções cariocas, implica em conceituar anacronicamente, uma vez que a expressão defendida por Mingardi mensura tais características. 35 MISSE, Michel. Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro. Revista de Estudos Avançados, Vol:21 N°61, São Paulo, 2007. O autor nos concede as compreensões acerca do debate sobre o que é incriminação e o que é crime. 36HOBSBAWN, Eric. Bandidos. Trad.: Donaldson M. Graschagen. 2ª Ed. Editora Forense Universitária. Rio de Janeiro, 1976. O historiador compreende que o conceito de “Banditismo” evoca as visões heroicas e iconográficas para contestar a ordem vigente. Em Hobsbawn conhecemos alguns exemplos como o caso nordestino de Lampião como um dos exemplos mais citados para este conceito. 43 CAPÍTULO 3- AS AVENTURAS DE AMOR: RELAÇÕES SIMBÓLICAS DE PODER ENTRE MULHERES E OS TRAFICANTES. Destacamos o lugar da História Oral nesta pesquisa como um marco que evidencia as abstrações sobre o mundo feminino nas relações amorosas das viúvas de traficantes da facção criminosa Terceiro Comando. Como os documentos orais são utilizados por esta pesquisa se fez urgente tanto a transcrição da oralidade para a escrita, em que demarca Meihy & Ribeiro (2011, p 101) as expressões de sentimentos que não são perceptíveis pelos gravadores, uma vez que as entrevistadas apresentam suas performances37. Demandou registra de forma escrita todos os sentimentos e/ou expressões que não são captadas pelo gravador. Foram realizadas entrevistas durante a delimitação desta pesquisa, entre os anos de 2014 e 2015, todas as identidades são mantidas em anonimato. A J.38 anos viúva de Reinaldo José (codinome), a A.P,34 anos, viúva de um dos soldados do tráfico em que escolhemos por codinome Paulinho da Morte e V. 35 anos viúva de Cássio Botafogo(também codinome) são as nossas colaboradoras. Apresentaremos diálogos constantes com a teoria de alguns autores como Aydée Valério de Souza Albino (2009), Carla dos Santos Mattos (2006), Joan W. Scott (1995), Pierre 37MEIHY& RIBEIRO. 2011. P.101. Os autores são enfáticos ao revelar que ao tratarmos do gênero entrevistas em História Oral é necessário um processo de análises sobre a “performance” do entrevistado e que a “transcriação” é uma das tarefas em que o entrevistador vai dar forma à entrevista demostrando aos leitores não “os furos”, mas sim a posição do entrevistado. Cabendo então ao historiador que utiliza fontes orais em seus documentos históricos, as descrições detalhadas das expressões e sentimentos que não são captados pelos gravadores de vozes, é dar corpo aos entrevistados durante a narrativa o aproximando dos leitores, não como objeto de estudo, antes como pessoas reais e dotadas de sentido. 44 Bourdieu (1992) e (2014), Michael Foucault (2013) e Rachel de Soihet(1989) descrevendo as
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