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ENTRE AVENTURAS E AMOR: RELAÇÕES SIMBÓLICAS DE PODER ENTRE MULHERES E TRAFICANTES, ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DO MUNDO FEMININO NA FAVELA DE SENADOR CAMARÁ, ZONA OESTEDO RIO DE JANEIRO NO PERÍODO D

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U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH 
LICENCIATURA EM HISTÓRIA 
 
Monografia 
 
 
 
ENTRE AVENTURAS E AMOR: RELAÇÕES SIMBÓLICAS DE PODER ENTRE 
MULHERES E TRAFICANTES, ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DO MUNDO 
FEMININO NA FAVELA DE SENADOR CAMARÁ, ZONA OESTEDO RIO DE 
JANEIRO NO PERÍODO DE 1989 A 1999. 
 
Aluno: Monique Souza de Almeida dos Santos 
Matrícula: 12116090109 
Polo: Miguel Pereira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2015
 
 
 
U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH 
LICENCIATURA EM HISTÓRIA 
 
Entre aventuras e o amor: Relações simbólicas entre mulheres e os traficantes, aspectos 
históricos e sociais do mundo feminino da favela de Senador Camará, Zona Oeste do Rio 
de Janeiro no período de 1989 e 1999. 
 
 
 
Monique Souza de Almeida dos Santos 
 
 
 
Monografia submetida ao corpo docente da Escola de História da 
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como 
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Licenciado em 
História, sob orientação da Prof. (a) Drª. Renata Rodrigues Brandão 
 
 
Rio de Janeiro 
2015 
 
 
 
 
 
 
Entre aventuras e o amor: Relações simbólicas de poder entre mulheres e os traficantes, 
aspectos históricos e sociais do mundo feminino da favela de Senador Camará, Zona Oeste 
do Rio de Janeiro no período de 1989 e 1999. 
 
 
 
Monique Souza de Almeida dos Santos 
 
 
 
 
 
Aprovado por: 
 
 Prof.ª. Drª. Renata Rodrigues Brandão - Orientador 
____________________________________________________ 
 
Prof.ª. Drª. Teresa Vitória F. Alves 
_____________________________________________________ 
 
 
Rio de Janeiro 
2015 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho a minha tia materna 
Marinéia Pereira Carneiro, embora não esteja 
mais entre nós, foi a primeira feminista que 
compartilhei ideais, ainda que debilitada por um 
câncer sempre incentivava os meus estudos. 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS: 
 
Agradeço primeiramente a Deus pela vida, saúde e sabedoria para terminar este curso 
de graduação. 
À minha orientadora Professora Renata Rodrigues Brandão, um ser humano 
espetacular que conseguiu repartir seus conhecimentos e tempo, mesmo quando era 
impossível, obrigada por sua confiança e zelo. 
Aos meus pais Maria Alice e Sérvulo João que me apoiaram e entenderam as minhas 
ausências. Em especial ao meu marido Fabiano Francisco pelas palavras de ânimo, 
aos meus filhos Emanuelle e Davi pelo carinho e compreensão. 
Aos meus amigos compartilharam das mesmas angústias de graduando, aos amigos 
do trabalho que me presenteavam com livros e xícaras de cafés para dar coragem. 
A todos os professores da graduação que me acompanharam, em especial a 
Professora Gisela Monzato, que durante uma conversa conseguiu despertar o meu 
interesse pelos estudos do mundo feminino. E aos professores de História que antes 
da graduação contagiaram o meu interesse pela disciplina. 
Enfim aos funcionários do Polo Cederj de Miguel Pereira pela dedicação e a 
humanidade característica deste lugar tão maravilhoso que vivi durante estes quatro 
anos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Eu peço a eles que deem uma trégua 
Para vivermos felizes em nossas favelas 
Por que aqui no morro também tem jogador 
Artistas famosos empresário e doutor 
Gente inteligente e mulheres belas 
Você também encontra aqui na favela 
(MC MARCINHO) 
 
 
RESUMO: 
 
Esta monografia tem por objetivo analisar as conjunturas históricas e sociais que 
(influenciaram/contribuíram) para o envolvimento amoroso entre mulheres e traficantes das 
favelas da zona oeste do Rio de Janeiro. Busquei investigar as relações simbólicas de poder nas 
relações afetivas de homens e mulheres no interstício de mudança entre as facções da Falange 
Vermelha e Terceiro Comando. Esta pesquisa se concentrou nas trajetórias de vidas de mulheres 
que foram namoradas, amantes ou esposas de traficantes da Zona Oeste do Rio de Janeiro 
durante o período de 1989 a 1999. Utilizo como fontes de pesquisa os relatos orais de algumas 
dessas mulheres e as análises dos discursos midiáticos dos grandes jornais da cidade. Meu 
objetivo foi o de apresentar as mulheres como ativa dentro do processo histórico do crescimento 
destas facções nestas favelas. O primeiro capítulo é dedicado às caracterizações históricas do 
bairro de Senados Camará e como contribuíram para o processo de favelização. O segundo 
capítulo traz as condições socioeconômicas que colaboraram para a criação do Terceiro 
Comando e como o bairro reagiu às formas do tráfico. O terceiro capítulo abordei as histórias 
das mulheres de traficantes enquanto ativas das relações amorosas e as formas de resistências 
se perfazendo nas relações de dominação masculina. 
 
Palavras-chave: Relações Simbólicas- Mulheres- Dominação Masculina- favela- tráfico de 
drogas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES: 
 
A.D.A- Amigos dos Amigos 
CPIB- Companhia Progresso Industrial Brasileiro 
CV-Comando Vermelho 
CVRL- Comando Vermelho Rogério Lemgruber 
FAFEG- Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara 
T.C- Terceiro Comando 
T.C.P- Terceiro Comando Puro 
U.P.P- Unidade de Polícia Pacificadora 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES: 
 
 
Figura 1 –Fonte: Foto de João Carlos Horta / Desenho Aquarelado de Júlio Sena IN: BANGU 
100 anos: a fábrica e o bairro. (1989, p.17) .............................................................................. 23 
 
Figura 2- Fonte: Arquivo da CPIB IN: BANGU 100 anos: a Fábrica e o Bairro (1989, p.60). 
Pedreira aos arredores dos antigos mananciais do Rio da Prata . ............................................. 26 
 
Figura 3: Foto tirada de celular, em 10 de setembro de 2015 em uma região conhecida como 
“Boca do Mato”, favela da Coreia. (Homenagem de uma das mulheres ao companheiro 
desaparecido) ..........................................................................................................................33 
 
Figura 4: Foto tirada de um celular em 10 de setembro de 2015: Muro de uma escola 
(Homenagem ao fogueteiro do tráfico morto em 2013) ..................................................34 
 
Figura 5: Fonte Jornal A Última Hora Edição 01214 de 8 de Janeiro de 1964 disponível em 
Hemeroteca Digital 
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pas
mado&pasta=ano%20196. ........................................................................................................ 35 
 
Figura 6: Fonte Boletim do Bairro de agosto de 1979 –Luta Pelo Transporte 1979. Disponível 
no Arquivo Nacional e concedida por pesquisa recente no Centro Cultural “A História Que Eu 
Conto” localizado na Estrada do Taquaral s/nº Vila Aliança disponível também em 
http://www.ahistoriaqueeuconto.com.br/o-centro-cultural/ ..................................................... 38 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ANEXOS: 
 
 
ANEXO A-Questionário para entrevistas de colaboradoras (J.38, AP.34 E V.35 anos) 
..................................................................................................................................................67 
 
ANEXO B- Questionário para a colaboradora J.38 anos. .......................................................69 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO: 
 
INTRODUÇÃO................................................................................................................P.11 
CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA E A FORMAÇAO DOS BAIRROS DE BANGU, SENADOR 
CAMARÁ, AS FAVELAS DE VILA ALIANÇA E VILA KENNEDY..............................P.19 
1.2 AS ESTRADAS QUE CONTAM A HISTÓRIA DO BAIRRO.....................................P.201.3 A CRIAÇÃO DA FÁBRICA BANGU..........................................................................P.24 
1.4 A INVENÇÃO DA FAVELA E OS AMORES PICHADOS NAS ESTRADAS EM QUE 
TUDO PASSA ATÉ O AMOR E O PODER..................................................................P.28 
CAPÍTULO 2- O TERCEIRO COMANDO E AS NOVAS FORMAS DE TRÁFICO.......P.40 
CAPÍTULO 3- AS AVENTURAS DE AMOR: RELAÇÕES SIMBÓLICAS DE PODER 
ENTRE MULHERES E OS TRAFICANTES.....................................................................P.44 
CONCLUSÃO.....................................................................................................................P.60 
FONTES..............................................................................................................................P.62 
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................P.63 
ANEXOS..............................................................................................................................P.65 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
INTRODUÇÃO: 
 
 Há diversas abordagens sobrea História das Mulheres, e alguns estudos apontam que há 
uma tendência de conduzir as teorias pressupondo as relações de dominação masculina como 
chave de interpretação. Logo entendemos que ao traçarmos modelos explicativos únicos, 
pecaremos ao desconsiderar algumas realidades distantes e tão presentes na cidade do Rio de 
Janeiro. Não é intenção desta pesquisa apresentar o mundo feminino através do protagonismo 
dos cônjuges, antes conceder as visões sociais e a percepção destas colaboradoras enquanto 
participantes de relações mensuradas como adversas. Já que sabemos que esta é uma sociedade 
em que a herança patriarcal se faz cotidiana, em tempo está na ordem do dia estudarmos a 
mulher exercendo poderes de coesão e ordem social nos contextos excluídos como a favela. 
 Esta pesquisa foi dividida em três capítulos. Apresento uma análise histórica 
panorâmica dos bairros que são os objetos de estudo: Bangu e Senador Camará. Por ser uma 
análise extensa subdividido em três tópicos, onde eu abordo a formação da população durante 
a colonização, o processo de criação da Fábrica Bangu no contexto de modernização do Rio de 
Janeiro e, por fim, a formação das favelas nestes bairros. O conceito de “favelado” e as políticas 
de remoção durante o governo de Carlos Lacerda, é citado neste último tópico, visto que 
podemos observar novas reconfigurações espacial e social do bairro neste período. Esta nova 
configuração com o estabelecimento das favelas (Vila Aliança, Senador Camará e Complexo 
da Coréia) são importantes para subsidiar a compreensão acerca da: 1.gênese das facções 
criminosas no contexto da ditadura militar brasileira; 2. As rupturas entre os expoentes do 
tráfico de drogas entre os anos de 1989 a 1999. Aproveito, ainda, para apresentar neste primeiro 
capítulo um debate historiográfico acerca das mudanças de mentalidades sobre as 
representações de crime, principalmente na favela da Vila Aliança. 
O status social e a hierarquização dentro do tráfico nos permitiu algumas considerações 
relevantes do mundo feminino das favelas cariocas e das respectivas impressões sobre as 
relações de amor e perigo, onde o discurso social paira entre a banalização da vida e do sexo, 
entre posições sociais e áreas de atuação dentro das comunidades. Eu como antiga moradora do 
bairro de Senador Camará observei entre os anos de 1987 e 2004, algumas trajetórias que 
levaram traficantes a usarem os espaços nos muros das casas tanto da Estrada do Taquaral e 
quanto da Avenida Santa Cruz, que são as principais estradas do bairro, a realizarem pichações 
14 
 
como rito de passagens entre autoridades do tráfico e as demarcações espaciais dos amores 
bandidos, “gosto se discute – e em público, de preferência. Deixar sua marca na cidade é um 
jeito de dizer estou aqui, eu existo, é uma maneira de se dar voz. ”1. Sempre desejei narrar pelo 
menos algumas dessas histórias presentes nas tintas de grafites, que são as declarações entre 
amores bandidos e homenagens póstumas aos parceiros de armas. Sendo um escolha política e 
ética apresentar o contexto feminino nas relações simbólicas de poder. 
Para entender a formação e o povoamento destas estradas, esta pesquisa precisou 
concentrar os estudos históricos e geográficos quanto ao processo de colonização da antiga 
Freguesia de Campo Grande, que originalmente segundo as considerações do trabalho de 
pesquisa de Silva (1989, p.15) eram desmembramentos das terras coloniais de Nossa Senhora 
da Apresentação de Irajá e da Freguesia de Jacarepaguá. Em termos geográficos compreendia 
desde as terras da Nossa Senhora do Desterro em Campo Grande, as serras do Guandu do Sena 
até a área da Fazenda de Bangu. Sob os auspícios de Manoela da Silva Pedroza (2009) ao 
analisar os documentos paroquiais como censos e Livros de Desobriga 2ente 1777 a 1813 das 
Freguesias de Irajá e Campo Grande, trouxe algumas contribuições sobre algumas fazendas de 
açúcar que compreendia os territórios coloniais Bangu, Viegas e Coqueiros correspondendo 
aos bairros de Bangu, Jabour e Complexo de Senador Camará ( Viegas, Rebu, Cavalo de Aço, 
Sapo, Favela do Quarenta Oito, Sandá, Vila Aliança, Coréia, Clarice, Mangueiral, Pantanal e 
Coqueiros). Confrontando as fontes primárias com fontes secundárias, esta autora pesquisa as 
relações de compadrios e transmissões de terras coloniais em que estes locais são citados. 
As caracterizações sociais e econômicas para os engenhos de açúcar dos locais 
supracitados encontramos subsídios teóricos através dos trabalhos de Alberto Ribeiro Lamego 
(1942), João Luís Ribeiro Fragoso e Manolo Florentino (1997), João Luís Ribeiro Fragoso 
(1998), (2000) e (2006) e João Luís Ribeiro Fragoso [Org.] (2001). Porém o diferencial está 
nos estudos de Manoela da Silva Pedroza (2008) que percebeu a partir dos Relatórios de Visita 
Paroquial presentes no Arquivo Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro (ACARJ) de 1794 em 
diante não ocorreram ampliações dos engenhos, onde Pedroza infere nas documentações 
 
1Fala da antropóloga Rita Cássia Alves Oliveira da PUC/SP em entrevista ao sociólogo David da Costa Aguiar 
de Souza da UFRJ para revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS/UFRJ em 8 de junho de 2006. 
 
 
2 “A Lei de Desobriga foi determinada durante os anos de 1717 como um instrumento legal em que as Dioceses 
poderiam analisar as populações e fogos das freguesias ”. (Fróes; Gelabert, 2004, p. 101) 
15 
 
afirmando que a baixa produtividade dos engenhos de açúcar destes locais supracitados e a falta 
de registros escritos sobre novas fundações de engenhos, revelam a decadência da produção 
açucareira. 
Compreendendo que o antigo regime nos trópicos3 nas formas de transformação do 
espaço e as questões agrárias foram fundamentais para entender como status social é tão 
importante quanto o poder de compra, percebi então que as localidades que estudei estão às 
margens do bairro de Bangu. Ainda recorrendo ao passado temos a criação da Fábrica Bangu, 
a Companhia Progresso Industrial do Brasil em 1889 e a inauguração em 1893. Tecendo esta 
história utilizamos as contribuições do Geógrafo Márcio Piñon de Oliveira (2006), Waldenyr 
Caldas (1994), Philip Gunn e Telma de Barros Correia (2005),Adriana Oliveira de Freitas 
(2005) a obra clássica de Roberto Simonsen “Evolução industrial do Brasil e outros estudos” 
(1973) e o livro memorial publicado por Gracilda Alves Azevedo Silva, chamado “ Bangu 100 
anos” no ano de 1989 quando a Fábrica Bangu completou o centenário. Assim como pesquisas 
no museu local Grêmio Literário José Mauro de Vasconcelos, o Museu de Bangu, localizado 
na Rua Silva Cardoso número trezentos e quarenta nove no coração do bairro que descortina 
esta história. 
Apresentando a dualidadepresente nos bairros proletários como Jabour e as regiões que 
não foram atingidas diretamente pala industrialização irrompendo com a república, a saber os 
Sertões Cariocas4 como ainda era conhecido a estrada do Taquaral e Coqueiros durante a 
presença da Companhia Progresso Industrial do Brasil utilizamos o livro memorial “Bangu 
Cem Anos “de Gracilda Alves Azevedo Silva (1989), Marcio Piñon de Oliveira (2006), 
Elisabeth Von de Weid (2009) e Leonardo Soares dos Santos (2011;2013). 
Diante desta perspectiva apresentamos com o término do primeiro capítulo um breve 
histórico sobre o processo de favelização da Localidade da Coreia, correlacionando os debates 
sobre os conceitos de “favelado”, “favela”, “complexo” e “comunidade”, tendo assim o 
arcabouço sobre o período de Governo de Carlos Lacerda e as políticas de remoção das Favelas 
da Zona Sul. Nesta parte da pesquisa dialogamos com Euclides da Cunha(1902) através do 
Clássico “Os Sertões”, Gilberto Freyre (1936), Florestan Fernandes (1964;1978),Lícia do Prado 
 
3FRAGOSO, João et al [Org.]. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 473 p. 
 
4 MAGALHÃES CORRÊA, Armando. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936. Este artista que 
foi uma testemunha visual sobre as mudanças e permanências da virada do século XIX para o XX, retratou as 
regiões hoje conhecidas como Zona Oeste com o conceito de “Sertão Carioca”. 
16 
 
Valladares (1991), Alba Zaluar [Org.] (1994;2004), Boris Fausto(2012) e Mario Brum (2013). 
Recorrendo alguns conceitos da historiadora Carla dos Santos Mattos (2006), ao analisarmos 
algumas representações do mundo juvenil em contextos de violência. Aproximo as formas de 
mudanças de relacionamento interpessoal entre morador e o traficante, bem como buscamos o 
elo com o segundo capítulo que traz a historicidade das facções Comando Vermelho, Amigos 
dos Amigos e Terceiro Comando. 
 Apresentamos no segundo capítulo as performances do tráfico carioca mensurando 
alguns marcos que evidenciem o contexto histórico da ditadura civil militar as respectivas áreas 
de atuação, priorizei as considerações teóricas de Alba Zaluar[Org.](2004), Luke Dowdney 
(2003) e Michel Misse[Org.], além do livro biográfico “400 contra Um”, de Willian da Silva 
Lima (2001) bem como alguns trechos de entrevistas da antiga delegada Marina Magessi, tendo 
como base documental algumas matérias jornalísticas. Por estas abordagens demonstrei quais 
as características culturais e socais que legitimaram os crimes através da criação do CV ou 
CVRL, o Comando Vermelho Rogério Lemgruber o com o referencial dos relatos das 
entrevistas concedidas pelas nossas colaboradoras, J. de 38 anos, V. de 35 anos e A.P 34 anos 
revelando traços dos respectivos relacionamentos amorosos com os maridos já falecidos dentro 
do contexto da criação do Terceiro Comando. Também ressalto que neste trabalho há muito da 
minha observação pessoal de antiga moradora da Estrada do Taquaral, no qual pude 
testemunhar algumas dessas mudanças durante este tempo (1987 a 2004) em que vi, presenciei 
e ouvi. 
Tentando entender as formas femininas de representação social em relações humanas 
dentro da comunidade de Senador Camará, conhecido como Complexo da Coreia, alinhavamos 
algumas contribuições teóricas sobre às questões que concerne as simbologias de poder bem 
como as divergentes visões sobre a afirmação da honra masculina5 para a consolidação da 
subordinação feminina nas relações conhecidas como “perigosas” entre mulheres e os “homens 
do tráfico”. Algumas trajetórias de mulheres viúvas de traficantes durante o período de 1989 a 
1999 na comunidade do Complexo da Coreia, administrada hoje pela facção Terceiro Comando 
Puro serão articuladas durante este trabalho através de entrevistas concedidas em anonimato, 
 
5MATTOS, Carla dos. S. No ritmo neurótico: cultura funk e performances “proibidas” em contextos de violência 
no Rio de Janeiro. Tese -UERJ Rio de Janeiro, 2006 Esta autora apresenta a honra como valor que compõe a 
virilidade masculina, onde as premissas de violência se justificam das práticas de cultura e lazer do ritmo do funk. 
 
17 
 
isto é, relatos orais e a análises dos discursos escritos obtidos através de reportagens 
jornalísticas. 
As relações simbólicas de poder de mulheres residentes da favela de Senador Camará, 
Zona Oeste do Rio de Janeiro e seus respectivos companheiros que se encontram na condição 
de traficantes, nos leva a compreender as noções acerca do poder enquanto estrutura de um 
corpo social, sendo assim buscamos em Michel Foucault, as reflexões sobre o que é o poder e 
o que permeia (FOUCAULT, p. 45), bem como aproximaremos sem cometer um anacronismo 
e” relativizando o outro” (TODOROV, 1983, p. 56) a descrição de uma realidade tão evidente 
em nosso cotidiano social, mas ao mesmo tempo distante quando a mensuramos como amoral 
ou ainda ao analisamos sem contextualizar as redes de culturas. Ao construir este tema, 
encontrei a princípio uma questão um tanto quanto impeditiva, que é raridade de artigos e 
trabalhos de pesquisas cujo tema se alinhe com às reflexões desta, ou seja, as relações 
simbólicas entre as mulheres e seus respectivos maridos traficantes, sendo assim esta pesquisa 
bibliográfica concentrou em desencadear novos olhares para autores que estudaram a questão 
dos símbolos nas relações sociais e é claro em questões concerne ao poder, como Pierre 
Bourdieu (1992;2002). 
 Diante deste desafio em buscar a alteridade com mulheres, as personagens principais 
do jogo entre poder e amor em relações em que as representações trazem visões por vezes 
negativas, uma vez que são associadas ao crime, ou como a própria autora Aydée Valério de 
Souza Albino traz em seu título de dissertação “ Amor bandido: estudo de trajetórias de vida de 
jovens mulheres na favela da Candelária- Complexo da Mangueira”6 aproximamos 
compreensões sobre palavras e expressões que durante a década final de 1980 e início de 1990 
na favela de Senador Camará reproduziam o discurso de dominação com armas. 
É de fato intenção desta pesquisa apontar nuances de poder simbólico entre as relações 
conflituosas de amor entre traficantes e respectivas “esposas”, o como muitos a reconhecem 
como “ a mulher do chefe”, “ a mulher do soldado” ou ainda “ a amante”7. O sentimento que é 
 
6ALBINO, Aydée Valério de Souza. Amor Bandido: estudo de trajetórias de vida de jovens mulheres na favela da 
Candelária- Complexo da Mangueira-Dissertação 2009.181fl., Rio de Janeiro. UERJ. Disponível em 
http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2767. Acesso em 11 de junho de 2014. A 
pesquisadora concede alguns conceitos importantes quanto aos discursos e o uso da força como instrumento de 
poder, entra nas questões sobre a percepção do papel feminino em contextos de violência, utilizando também a 
História Oral como metodologia. 
 
7FIGUEIREDO, Débora de Carvalho. Violência sexual e controle legal: uma análise crítica de três extratos de 
sentenças em caso de violência contra a mulher. Linguagem em Discurso, v.4, Número Especial, 2004. 
18 
 
transmitido através destas expressões evoca a obsessão pela posse, em que homens sentem 
necessidade em emitir e reforçar esta ideia.8 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8Ver em ZALUAR, A. (1997). Gangues, galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência. In VIANNA, 
H. (org.), Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ. A autora 
estabelece algumas considerações teóricas acerca do tema. 
19 
 
CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA E A FORMAÇÃODOS BAIRROS DE BANGU E SENADOR 
CAMARÁ E AS FAVELAS DE VILA ALIANÇA E VILA KENNEDY. 
 
O interesse em estudar as relações simbólicas de poder entre as mulheres de traficantes 
da Zona Oeste do Rio de Janeiro em detalhes minuciosos como nunca antes tenha sido 
mencionado, redirecionou as visões sobre a história local como o objetivo principal conhecer 
os fatores econômicos, políticos, históricos, culturais, sociais, urbanísticos e geográficos da 
região em que primamos estudar. Mesmo que alguns pesquisadores inferiorizem a história local 
com posicionamentos de que o enfoque nesse tipo de história: 
 Essa situação acaba gerando posicionamentos tais que professores e 
estudantes empenhados no estudo do local e/ou do regional passam a 
ser julgados como pesquisadores de segunda categoria, como se o 
simples fato de um historiador se ocupar de um estudo do “macro 
história”, da história “generalizante”, bastasse para lhe garantir o título 
de bom profissional, lhe outorgando também reconhecimento 
intelectual (BARBOSA, 1998. P.2). 
 Neste trabalho priorizamos que a história local é fundamental para o desenvolvimento 
das compreensões acerca de municípios pequenos ou médios, ou áreas de pouca extensão em 
que há a permissividade de amplitude, ou seja, colabora para uma construção da história.9 
Voltando ao passado colonial, foi no ano de 1673 que a fundação de uma capela 
particular pelo negociante português Manoel Barcelos Domingues, daria um pontapé inicial 
para a criação do que hoje conhecemos como o bairro de Bangu. Assim como observa João 
Luís Ribeiro Fragoso (2001): 
Nessa região, a nobreza e os sujeitos com seu ethos mantinham seis dos 
sete engenhos e entre eles temos algumas das famílias nobres 
apresentadas [...], como os: Macedo de Vasconcelos (linhagem Viegas), 
os Macedo Freire(linhagem quinhentista dos Mariz), os Lucena 
(linhagem dos Veloso Dória, descendentes do bandeirante Brás Cubas), 
os Leão Antunes (linhagem quinhentistas dos Azeredo Coutinho) 
(FRAGOSO, 2001, p. 250) 
 
9HORN, G. B. O ensino de história e seu currículo: teoria e método. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2006. Este 
historiador define o conceito da história Local como subsidiária da História Geral, traçando em suas considerações 
possibilidades de como trabalhar o Local como estratégia de Ensino da disciplina História. 
 
20 
 
Os dados encontrados no livro memorial “Bangu 100 anos” (1989) nos revela algo que 
fortalece as informações obtidas também nos documentos utilizados pela autora Manoela 
Pedroza (2008): 
[...] instituída em 1673, como desmembramento da freguesia de Nossa 
Senhora da Apresentação de Irajá e do termo de Jacarepaguá. Esta 
paróquia de Campo Grande, por seu turno teve origem na capela 
particular mandada erigir por Manuel Barcelos Domingues, sob a 
invocação de Nossa Senhora do Desterro Mãe de Deus, de Campo 
Grande. (SILVA, 1989, p.16) 
‘ E por que falarmos de Bangu? Como sabemos este bairro tem outros bairros periféricos 
tal como é o Complexo da Coreia, onde realizei minha pesquisa de campo. Assim tentei 
descobrir as margens deste povoamento e como o uso da mão de obra nem sempre escrava 
teceriam a dialética entre status social da nobreza da terra e o acúmulo das riquezas que 
posteriormente seriam embrionárias das fábricas rústicas de aguardentes e melados10. Os 
autores Manolo Florentino (1997), João Luís R. Fragoso (2006) e Manoela da S. Pedroza (2008) 
confirmam que existiam sociabilidades em que pardos e forros compunham a população livre 
pequenos lavradores que já tratavam da terra como lócus agrários de ganho. Eram homens, 
crianças e mulheres moradores das fazendas pertencentes à antiga Freguesia de Campo Grande, 
em que as funções da engrenagem dos engenhos açucareiros nem sempre utilizava a força da 
coerção. O próprio Fragoso (2000) emite um conceito sobre a mentalidade do homem antes do 
advento dos engenhos: “o ‘homem bom’ antecedeu o senhor de engenho e não o inverso”. 
 
1.2- As Estradas que contam a história do bairro 
A partir dos dados do Censo realizado pelo IBGE no ano de 2000, são cerca de 111.231 
habitantes em uma área de 1.729,59 ha, compreende as áreas periféricas, Rio da Prata, Parque 
Leopoldina, Parque Residencial Seis de Novembro, Residencial Ubaldo de Oliveira, Moça 
Bonita, Conjunto Residencial Cardeal Dom Jaime Câmara, Guilherme da Silveira, Favela do 
Quarenta Oito, Vila Sanda, Vila Moretti, Jabor e Complexo de Senador Camará ( Viegas, Rebu, 
 
10 PEDROZA, Manoela da S. Passa-se uma engenhoca ou como se faziam transações com terras, engenhos e 
crédito em mercados locais e imperfeitos (freguesia de Campo Grande, Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX) 
VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 26, nº 43: p.241-266, jan. /jun. 2010. As contribuições desta autora são 
indispensáveis ao conhecer as relações de matrimônios em que se recrudesceram a economia colonial nestes 
espaços em que a contemporaneidade revela o avanço, o descaso, o afastamento da centralidade do Estado 
enquanto corpo social. Nos apropriando das descrições históricas para entender o acúmulo da renda nas mãos de 
alguns bairros centrais como Parque Leopoldina e Centro de Bangu. 
21 
 
Cavalo de Aço, Sapo, Vila Aliança, Coréia, Clarice, Mangueiral, Pantanal, Morro do Céu e 
Coqueiros) e do outro lado da Avenida Brasil, Catira, Jardim Bangu, Conjunto da Marinha e 
Vila Kennedy. Atualmente Bangu é caracterizado por seu amplo comércio, um calçadão 
recentemente reformado e abriga um Shopping na área da antiga Companhia Progresso 
Industrial do Brasil, a antiga Fábrica de Têxteis Bangu. Este shopping reutilizou as instalações 
sob as perspectivas de patrimônio histórico respeitando o que o autor Maurice Halbwachs 
defende que “A memória coletiva se apoia em imagens espaciais e não existe memória coletiva 
que não se desenvolva num quadro espacial. ” (2009, p.143). 
 Escolhi duas estradas principais que cortam o bairro, a Avenida Santa Cruz (antiga 
Estrada Real) e a Estrada do Taquaral que presenciou as relações de compadrios entre os 
primeiros colonizadores destas terras. A historiadora Manoela Pedroza afirma que os arquivos 
de batismos do período setecentista do ACARJ nos mostram algumas possibilidades para 
entender quem foram os primeiros habitantes da Freguesia de Campo Grande: 
O estudo de estratégias matrimoniais de famílias da elite colonial nos 
mostra que, a cada geração, se reserva um dos filhos para o casamento 
com parentes, reiterando alianças anteriores, e outros para tecer novas 
com outras famílias. Mais tarde se reitera na pia batismal as alianças 
contraídas em matrimônio. (PEDROZA, 2008.p. 82) 
 
Alguns nomes citados pela autora são relevantes para compreender sobre a ocupação 
espacial durante o período dos engenhos de açúcar, são eles Manuel Souza Viegas(Fazenda do 
Viegas) e Manuel Antunes Suzano (Fazenda dos Coqueiros). Onde o tempo, casamentos, as 
relações de compadrios e o status da terra revelava uma hierarquia diferente do Antigo Regime 
Português, configurando além da cor e do poder: 
A freguesia de Campo Grande nos pareceu um recorte espacial 
exemplar para a análise desse processo, por duas razões. A primeira é 
que sua ocupação pela plantation escravista, na forma de engenhos de 
açúcar, esteve totalmente inserida no segundo período de reformulação 
das estratégias econômicas senhoriais, após 1730, e também 
completamente esgotada já no início do século XIX. Portanto, foi 
durante aproximadamente cem anos que alguns agentes se empenharam 
em criar um patrimônio em terras, fábricas e escravos na região, algo 
que pode ser acompanhado no correr de três gerações. A segunda razão 
para a escolha dessa freguesia é que esse grupo de senhores locais não 
possuía o mesmo status político da verdadeira “nobreza da terra” 
carioca, radicada há maistempo em seus engenhos na freguesia de Irajá. 
(PEDROZA, 2010.p.245) 
22 
 
Estas estratégias de povoamento e de utilização agrária para a constituição de um ethos, 
determinou não só a cor deste contingente populacional, como permitiu uma elite as 
senzalas.11De certo temos a uma história local em que a percepção política e social foram 
determinantes para a formação demográfica destas áreas, aqui podemos inferir que a formação 
dos bairros que hoje primei estudar, basicamente foi formado pela população livre parda, ex 
escravos e posseiros de pequenos portes. 
 Assim como Hebe de Mattos(2009), Keila Grinberg (2007) e Robert W. Slenes (2011) 
já descreveram sobre a situação dos escravos libertos durante e após a Lei Áurea. Temos a 
necessidade de demarcar o quanto foi fundamental estudar estas estratégias para entender a 
trajetória de favelização mediante a posição geográfica em relação a sede do Império, 
posteriormente a sede da República. 
Ao continuarmos neste caminho lendo as linhagens familiares destas duas fazendas, 
Coqueiros e Viegas respectivamente temos também os limites geográficos das terras da fazenda 
de Bangu, originalmente pelas palavras de Pedroza (2008, p.80) podemos discernir que Bangu, 
Viegas e Coqueiros eram passadas de geração em geração no bojo das funções sociais de 
compadrios e matrimônios entre os vizinhos12. 
 
11Ver em Fragoso capítulo 4 de “O Brasil Colonial volume 3” (2001). Este autor defende a tese que os pardos e 
forros eram os que praticamente compunham a sociedade colonial nestas regiões, uma vez que a população branca 
portuguesa era escassa e os próprios senhores abarcavam as mulheres negras solteiras com os respectivos filhos, a 
família patriarcal solar portuguesa refletia a condição cultural logo muitos indivíduos sobre a proteção do senhor, 
mas as condições feudalistas europeias não são visíveis dentro das reconstruções familiares em terras das 
freguesias que o próprio pesquisou nos arquivos paroquiais. 
 
12 A historiadora reflete em sua defesa que povoamento destas regiões conhecidas como Freguesia de Campo 
Grande, da qual temos as três fazendas que descortinam o meu trabalho (Bangu, Viegas e Coqueiros) teciam a 
economia e a ordem social através dos casamentos entre a parentela e que os afilhados também faziam parte de 
um dos traços desse fortalecimento genealógico nos registros testamentais. 
 
23 
 
Figura 1–Fonte: Foto de João Carlos Horta / Desenho Aquarelado de Júlio Sena IN: BANGU 100 anos: a fábrica 
e o bairro. (1989, p.17) 
 
 De 1794 em diante é apontado por Manoela Pedroza (2008, p.265) os indícios da 
decadência da economia açucareira, devido às documentações utilizadas como testamentos post 
mortem, fundos de inventários, mencionada, há forte tendência em comparar a queda de novas 
“engenhocas”13 e os respectivos melhoramentos às mudanças econômicas com o trato da terra, 
seja para substituição ou para deterioração de um regime: 
Foi com esse peculiar processo de reprodução senhorial local em meio 
à decadência econômica que lidamos nesse texto. Em Campo Grande, 
desde finais do século XVIII, as concessões diretas de terras (na forma 
de sesmarias) e a construção de novos engenhos de açúcar praticamente 
não existiram. ( PEDROZA, 2010, p.265) 
 
 Como dito anteriormente a substituição do trato da terra demonstra muito mais 
permanências do que rupturas. Durante todo o século XVIII e início do século XIX, tanto que 
 
13 Ver em Pedroza( 2008): O termo engenhoca é o conceito utilizado durante as pesquisas pela autora em que nos 
revela um projeto de fornecimento de gêneros agrícolas para as trocas mercantis entre a metrópole e a colônia, 
embora tanto Fragoso, Florentino, Hebe de Mattos e a própria Manoela Pedroza, afirmem que comerciantes de 
“grosso trato” já enriqueciam nestas terras. Negando em parte a tese que Portugal só explorava a colônia, de fato 
a “nobreza da terra” via aqui possibilidades de enriquecimento. 
 
24 
 
as Fazendas dos Coqueiros, de Bangu e do Viegas praticamente não sofreram ampliações e a 
substituição do açúcar por outros gêneros fora um processo lento e gradual. Com o advento da 
república temos a miríade da modernidade em dualidade com as terras dos sitiantes, moradores 
pobres livres e filhos da quarta geração dos primeiros habitantes portugueses das antigas 
fazendas que descrevemos. 
O atual bairro de Bangu teve sua origem com a formação de uma capela, em que o 
entorno composto por fazendas e engenhos de açúcar, e o ápice do século XVIII viveu 
decadência da produção açucareira. Seus povoados eram de negros e não negros, formados por 
homens livres e não livres, nos quais estas heranças agrárias e escravocrata marcam a história 
e as convenções sociais do bairro. 
 No próximo subcapítulo trataremos de esmiuçar em detalhes o que significa a presença 
da industrialização em Bangu e o advento da mudança política para compreensão acerca do 
tempo e homem no espaço. 
 
1.3 A criação da Fábrica Bangu 
 Nas terras da Fazenda de Bangu, Sítio do Agostinho, Sítios dos Amarais, Fazenda do 
Retiro, além dos mananciais das Fazendas do Guandu do Sena, nasce o fruto que dá encorpo ao 
empreendimento que mudaria de vez a cultura dos moradores pobres livres destas terras.14Para 
Márcio Piñon de Oliveira (2006) a fábrica cria o bairro de Bangu através dos conceitos de 
“Fábrica-Fazenda ”e “Fábrica-Cidade” no tocante de abrigar todos os roceiros e sitiantes destas 
terras em vias de obter também os gêneros agrícolas como algodão, carvão, laranjas e entre 
outros e para abarcar os custos benefícios dos melhoramentos trazidos pela CPIB. 
 Dados obtidos no livro de memória promovido pela lei 7505, de 2 de julho de 1986, Lei 
Sarney e confrontando com as informações que obtivemos no Museu de Bangu, sabemos que 
as terras foram compradas das mãos do último dono em 1889, o Barão de Itacurussá15, que nas 
palavras de Silva (1989, p.22) foram empenhados 130 contos de reis entre pagamentos pelo 
 
14 SILVA, Gracilda A.de A. BANGU 100 anos: A Fábrica e o Bairro. Rio de Janeiro, Sabiá Produções Artísticas-
Companhia Progresso Industrial do Brasil. 176 p. 
15ARQUIVO NACIONAL RJ. Escritura de venda da fazenda do Bangu, situada na freguesia de Campo Grande, 
que fazem o barão e baronesa de Itacurussá à Companhia Progresso Industrial do Brazil. Rio de Janeiro, 1889. 2º 
ofício de notas. 
 
25 
 
direito ao uso das terras e realizações de construções. Os anos posteriores a Companhia cria a 
política de ampliação de áreas, concedendo tanto a empregabilidade e quanto a proteção dos 
mananciais de água. 
 Roberto Simonsen (1973) revela que as práticas de valorização do capital humano desta 
Companhia pertenciam a fenômeno econômico evidente no Distrito Federal que era um “surto” 
industrial cujo ideais era exportar tecidos e concorrer com ingleses. Freitas (2005, p. 46 e 47) 
afirma que a Companhia Progresso Industrial do Brasil atende à demanda da tríade do novo 
sistema político: primeiro dignificar o trabalho, segundo transformar o espaço rural em urbano 
e terceiro higienizar os espaços. 
 O engenheiro Henrique de Morgan Snell foi o homem visionário que ofertou a ideia da 
fundação de uma Companhia de Têxteis16 aos banqueiros e a todos que pudesse financiar seu 
projeto industrial. Nas pesquisas de Adriana Oliveira de Freitas (2005) está descrita esta 
empreitada: 
Snell tinha um projeto de instalação de uma fábrica de tecidos e saiu 
oferecendo-o a quem tivesse capital para viabilizá-lo, apresentando sua 
suntuosa fábrica como um excelente investimento, em plena crise da 
economia agroexportadora. Isso num momento em que a burguesia 
comercial tradicional, que financiava a colheita do café, da borracha e 
do açúcar perdeu prestígio, ao mesmo tempoem que cresceu uma nova 
burguesia comercial, que estava interessada em investir em transportes 
e na indústria. (FREITAS, 2005, p.47) 
O bairro urbaniza-se com as ideias inspiradas pela Belle Époque17determinando assim, 
locais, costumes e a economia dos operários e seus familiares. Logo a CPIB nos anos seguintes 
da inauguração, abre ruas em homenagem a um dos diretores da Companhia, a Rua Fonseca e 
a outra em homenagem ao primeiro presidente desta Rua Estevão (SILVA, p.60). 
 
16FREITAS, Adriana de O. Dissertação -Abalou Bangu! A Fábrica Bangu e a República nascente (1889-1914) 
Universidade Federal do Espírito Santo.131 fls. Espirito Santo, ES.2005.A historiadora descreve com detalhes o 
caminho em que o engenheiro descendente de ingleses Henrique de Morgan Snell em realizar o seu sonho de uma 
indústria que atendessem ao Governo republicano e beneficiassem o investimento do capital industrial em que 
operários e benfeitorias caminhassem juntos. 
 
17Ver em FREITAS (2005): A historiadora fala acerca da visão de transformação em que a capital federal se 
inspirava para trazer as novas tecnologias e ideias sobre a cultura e a sociedade. 
 
26 
 
 
Figura 2- Fonte: Arquivo da CPIB IN: BANGU 100 anos: a Fábrica e o Bairro (1989, p.60). Pedreira aos 
arredores dos antigos mananciais do Rio da Prata. 
 
 As construções de ruas e dos anexos da fábrica viria de todas as pedras extraídas desta 
pedreira da figura 2, que fica nos arredores dos antigos mananciais do Rio da Prata. No ano de 
1903, João Ferrer chega da Inglaterra para administrar a Companhia e inicia um plano de 
urbanização e arruamentos18. Como percebemos a CPIB voltava os esforços para investir na 
urbanização. 
A estação ferroviária construída em 1878 possibilitou o progresso no qual a República 
idealizava, a própria localização da Fábrica e a respectiva Vila Operária (1896) foram 
planejadas para que o transporte e as facilidades de locomoção diminuíssem os percursos. 
Sob a administração de Ferrer as seguintes localidades são planejadas pelo engenheiro 
Orozimbo do Nascimento: Marco Seis, Sul-América, Chita, Engenho, Água Branca, Coronel 
Tamarindo, Murundu, Ceres, Açudes, Oliveira Ribeiro e Avenida Cônego de Vasconcelos.19 
Para além dos avanços e urbanização, os diretores desta Companhia se preocupavam com a 
 
18Ver em OLIVEIRA (1991): O geógrafo concede as histórias sobre os arruamentos de Bangu e adjacências. 
19SILVA, Gracilda A.de A. BANGU 100 anos: A Fábrica e o Bairro. Rio de Janeiro, Sabiá Produções Artísticas-
Companhia Progresso Industrial do Brasil (1989, p.61). No livro produzido pela Companhia descreve detalhes dos 
arruamentos e as funções. 
27 
 
higiene tanto do espaço quanto da saúde coletiva dos operários. Assim como afirma Freitas 
(2005, p.68), as melhorias não contavam com o apoio municipal e sim pelas transformações 
urbanas que a CPIB proporcionou. 
No início do século XX, a Fábrica inaugura escola no Marco Seis, o Hospital Guilherme 
da Silveira e Grêmios Recreativos, como Rui Barbosa e Filomático, a Fundação do Casino 
Bangu, o Bangu Atlético Clube. A escola Municipal Getúlio Vargas é inaugurada em 1934 nas 
terras cedidas pela Companhia através do decreto de desapropriação nº 4.964 e posteriormente 
um contrato firmado com o governo, Senai e a CPIB estabelece dentro das imediações da sede 
da Fábrica, uma escola técnica em que contava com os respectivos operários como professores 
formando ali a própria mão de obra, inclusive a historiadora Gracilda (1989, p. 90) ressalta que 
havia a possibilidade de intercâmbio entre os funcionários recém formados como a 
Universidade de Lowell. 
Outra forma também de investimento em recursos humanos pela CPIB eram os 
patrocínios à vida social dos respectivos operários. O autor Waldenyr Caldas (1994) afirma que 
os ingleses da CPIB foram os responsáveis por trazer a primeira partida de futebol do Brasil em 
Bangu. Fato inclusive que está exposto logo na entrada do Shopping Bangu (onde eram as 
antigas instalações da Fábrica), descritos por Gracilda Alves de Azevedo Silva (1989, p.104): 
 
Esse divertimento foi o futebol, cuja primeira bola entrou em Bangu, 
escondida por Thomas Donohoe na embalagem de uma máquina vinda 
da Inglaterra. Donohoe, logo conhecido como Danau, era um dos 
técnicos britânicos contratados para trabalhar na fábrica. 
Com esta bola clandestina, Danau e outros ingleses, funcionários 
passaram a jogar suas “peladas, iniciando-se assim em Bangu, a prática 
do futebol no Rio de Janeiro. (SILVA,1989, p.104) 
 
Tendo em vista as transformações sociais, culturais, econômicas e urbanísticas que a 
Fábrica Bangu trouxe com as premissas da república, percebemos que o tempo foi fundamental 
para a mudança do homem com o espaço geográfico, bem como a percepção do homem no 
mundo do trabalho. 
 
 
28 
 
1.4 “A invenção da Favela” e os amores pichados nos muros das estradas em que tudo passa 
até o amor e poder. 
 Como dito anteriormente João Ferrer trouxe um engenheiro para construir ruas, e estas 
possibilitaram a criação dos bairros periféricos. As fontes presentes no Museu de Bangu, nos 
mostram quanto as mudanças eram lentas para determinados lugares como o caso da Vila 
Aliança e Senador Camará. Quanto maior o afastamento geográfico da CPIB em relação às 
localidades aumentava o grau de atraso e esquecimento do ideal republicano. 
À priori as partes periféricas que após a década de 60 começa a povoar não só com os 
operários da fábrica, mas também como os removidos das favelas da Zona Sul, o geógrafo 
Márcio Piñon de Oliveira (2006) assinala o que favorece em parte este fenômeno social em que 
posteriormente ratificaria o aumento da violência e a pobreza tal como vemos hoje: 
A adoção da nova estratégia, agora de alienação patrimonial, 
contribuiria para desencadear o processo de retalhamento de terras nas 
propriedades da Companhia e faria emergir o bairro Bangu. A própria 
empresa criaria, no início da década de 1930, um Departamento 
Territorial, que elaboraria projetos de loteamentos e promoveria a 
venda dos terrenos aos arrendatários através de pagamento a prazo. 
Quando estes eram operários da fábrica tinham as prestações dos 
terrenos descontadas diretamente dos seus salários. Entre 1936 e 1948 
foram aprovados 61 projetos de loteamentos, número bastante 
significativo para o período, mesmo se tratando do Distrito Federal, a 
capital do país à época. (OLIVEIRA, 2006) 
 
 Dentre estes loteamentos está o bairro de Jabour, Vila Aliança e Senador Camará, os 
locais desta pesquisa de campo. Ao refletirmos sobre estes loteamentos temos o que a autora 
Lícia do Prado Valladares chama de “Gênese da Favela”. E o que seria então o conceito de 
Favela? Como transpor a teoria ao processo de criação destas localidades que priorizamos nesta 
pesquisa? 
 Ao interpretarmos o conceito de Favela sob as análises culturais, sociais e políticas, 
temos que recorrer ao que a historiografia ressalta. O termo Favela primeiramente descrito em 
1902 através do clássico literário de Euclides da Cunha “Os Sertões” é considerado por muitos 
29 
 
como um dos expoentes inaugurais da sociologia brasileira apresentando toda a história Guerra 
de Canudos20 (1896-1897). 
O autor registra detalhes ricos sobre o clima, demografia, dados geográficos e 
principalmente a cultura e política que englobava as mazelas sociais em que se encontravam os 
baianos após a abolição da escravatura dentro do contexto da República.21Os soldados que 
lutaram em Canudos saem vitoriosos, embora vidas sertanejas foram dizimadas com o aval do 
governo, uma vez que as diversas intervenções antes de 1897 traria derrota para o rol do 
Exército Brasileiro. 22 
 Estes soldados não recebem os respectivos salários, logo chegam ao Rio de Janeiro para 
cobrar posições tantodo Exército quanto do presidente Prudente de Morais (1894-1898). Porém 
esta estratégia trouxe outra faceta que foi amplamente descrito por Cunha e posteriormente por 
diversos jornalistas, historiadores, sociólogos e até hoje debatido, “A Invenção da Favela”23. 
Sem salários e sem expectativas de vida estes homens começam a habitar a localidade do Morro 
da Providência e no momento em que iniciam a imagem social daquela localidade comparam 
tanto os logradouros quanto as plantas que coexistiam com os moradores, ou seja, se Euclides 
da Cunha descreve a planta “29avela” em “Os Sertões “na Bahia são os recém-chegados aqui 
no Morro da Providência que iniciam o nome “Morro da Favela”, fazendo comparações às 
condições avessas e degradantes vividas em Canudos. 
 Em Gilberto Freyre temos o clássico “Sobrados e Mocambos” (1936), o autor já 
denunciava os diferentes modos de vida e de distribuição de renda dos habitantes pós 
escravatura e a percepção social destes no mundo do trabalho. Um termo que pode ter uma 
amplitude de significados mediantes aos contextos históricos em que se perfaz a própria gênese 
e alcance social da Favela em que se pesem a localidade como refúgio de identidade social. 
 
20CUNHA, Euclides de. Os Sertões: Disponível em: http://www.euclidesdacunha.org.br. Acesso em: 30 de 
novembro de 2015. 
 
21 VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Editora 
FGV, 2005, p. 22-73. 204 p. A autora de forma exemplar faz um panorama sobre o que é favela e sua historicidade. 
 
22FAUSTO, Boris. A História Concisa do Brasil. 2ª Ed, São Paulo. Universidade de São Paulo,2012. Este livro 
nos concede as narrativas presentes neste parágrafo. Fausto narra em parte algumas caracterizações do conflito em 
Canudos. 
 
23 VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Editora 
FGV, 2005, p. 22-73. 204 p. A autora de forma exemplar faz um panorama sobre o que é favela e sua historicidade 
30 
 
 Florestan Fernandes traz em “A integração do negro na sociedade de classes. Volume I 
Legado da Raça Branca” (1964) e o “Volume II : No Limiar de uma nova era” de edição em 
1978,o pensamento social acerca da formação de um povo mestiço que na tênue transformação 
econômica após a abolição da escravatura, encontravam dificuldades de inserção social, cultural 
e consequentemente dentro do novo regime de trabalho. Aqui são tratados os marcos para o que 
entenderíamos sobre o que seria favela como estrutura social em que permitem certas 
estabilidades, abrigo e noções de identidade para a população negra após a abolição. 
 José Murilo de Carvalho em seu clássico “Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a 
República que não foi” de 1987, descreve a cidade do Rio de Janeiro durante o processo de 
urbanização do chamado “bota- abaixo”24 das Reformas Pereira Passos, fazendo contribuições 
importantes para o pensamento acerca da Favela enquanto espaço de construção e segregação 
em que a burguesia clamava no início do século XX. Inclusive temos em Carvalho (1987, p.18) 
caracterizações sobre o ser “favelado”: 
Esta população poderia ser comparada às classes perigosas ou 
potencialmente perigosas de que se falava na primeira metade do século 
XIX. Eram ladrões, prostitutas, malandros, desertores do Exército, da 
Marinha e dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, 
criados, serventes de repartições públicas, ratoneiros, recebedores de 
bonde, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, 
receptadores, pivetes (a palavra já existia) (CARVALHO, 1987.p.18) 
 A preocupação de higienização e sanitarista em que a Cidade do Rio de Janeiro tomou 
como ideal de modernização, cujo período Carvalho debate com presteza em Os 
“Bestializados” abre precedentes para jornalistas e entidades não governamentais pensarem na 
Favela não como a base social de todo mal, porém como espaço que irradia cultura e lazer, 
conhecimento e adaptação. A contradição permeia todos os debates acerca da construção do 
conceito de Favela, inclusive atingindo a antropologia, a sociologia, a economia e até mesmo a 
geografia. Para o significado encontramos no dicionário Houaiss (2009, p.878) o verbete tratado 
de forma amenizada para definir favela “Conjunto de habitações populares que utilizam 
materiais improvisados em sua construção tosca, e onde residem pessoas de baixa renda. ETIM 
Fava + ela”. Visivelmente descartando a visão separatista de “lócus onde prolifera doenças” ou 
“ de desprovidos de higiene” presente no dicionário Aurélio de 1975. 
 
24FAUSTO, Boris. A História Concisa do Brasil. 2ª Ed, São Paulo. Universidade de São Paulo,2012. Este livro 
nos concede as narrativas presentes neste parágrafo. 
31 
 
 Como alerta Lícia do Prado Valladares (2005)os intelectuais passam a preocupar em 
demarcar uma cronologia coesa para dar conta do surgimento deste fenômeno que traz uma 
dualidade de sentimentos: repulsa e atração. Valladares inova ao abordar o tema de forma tão 
sociológica quanto histórica, sem que houvesse necessidade em atribuir indícios para a origem, 
à priori ela atribui à Canudos o cerne do mito de criação, onde esforços demandaram este indício 
atendendo a política de embelezamento da cidade do Rio de Janeiro do início do século XX. 
 “Um Século de Favela” (1998) obra compilada por Alba Zaluar e Marcos Alvito nos 
concede algumas análises relevantes sobre a visão sociológica do espaço e tempo da “Favela”, 
para tal defesa, onze autores se revezam nos capítulos do livro analisando letras de músicas e 
estudos de casos oriundos dos exemplos retirados de algumas localidades. 
No capítulo “Um Bicho-de Sete-Cabeças” do autor Marcos Alvito (1998, p. 181 a 208) 
são empegados os conflitos filológicos para o termo Favela, como por exemplo: “Comunidade”, 
“Localidade” e “Complexo”25. Há forte tendência de associar a Favela a termos depreciativos 
como Complexo e Comunidade, para tal defesa Alvito utiliza as considerações teóricas de 
Anthony Leed e Elizabeth Leed (1978). Logo vejamos as diferenças: 
Acredito que Anthony Leeds fez uma crítica extremamente relevante 
ao uso do conceito de comunidade. No entender desse autor, os “estudos 
de comunidade” simplesmente transplantava os métodos utilizados no 
estudo de “tribos” para outras realidades bem distintas. O principal 
problema: tratar comunidade como uma totalidade isolada, autônoma, 
sem examinar sua inserção em um contexto mais amplo. 
(ALVITO,1998, p.184 apud LEEDS, 1978, p.) 
A problemática em utilizar o termo “Comunidade” para definir o que é uma Favela, 
redireciona o nosso olhar privilegiando as condições históricas e particulares de cada local, 
sabendo que o significado de “Comunidade” evoca pessoas ou grupos que partilhem de um 
mesmo ideal ou caminhem para uma mesma direção. É nessa indagação que o antropólogo 
William Lloyd Warner (apud Horckheimer e Adorno 1973, p.156)define o termo supracitado 
como “uma pluralidade de homens com interesses, sentimentos, comportamentos e finalidades 
comuns, em virtude de sua pertença ao mesmo grupo social como estrutura constante em toda 
 
25LEEDS, Anthony &LEEDS, Elizabeth. A Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro. Zahah ,1978. Os autores 
descrevem os três termos como designações mais comuns atribuídos aos termos que remetem às Favelas. De certo 
tanto Complexo quanto Comunidade são os mais pejorativos, embora “comunidade” é a palavra mais usual entre 
os moradores, para os autores Localidade pertence à interpretação mais plausível. 
32 
 
e qualquer forma de sociedade antiga ou moderna”. Assim como implica o termo “Complexo” 
para designar Favelas, vejamos: 
Até porque o termo “complexo” hoje amplamente utilizado para 
designar gruposde favela (“Complexo da Mangueira”, “Complexo do 
Jacarezinho” etc.) é originário do vocabulário penal: “Complexo 
Penitenciário Frei Caneca”, por exemplo, engloba diferentes 
“instituições penais” como a Penitenciária Milton Dias Moreira, a 
Lemos de Brito e o Hospital Penitenciário. Hoje em dia, o uso difundiu-
se tanto que até mesmo a prefeitura o utiliza: em julho de 1997, a placa 
do programa Favela-Bairro indicava: “Complexo da Mangueira” 
(Telégrafo, Mangueira e Candelária). (ALVITO, 1998.p.185 In: 
ZALUAR,1998). 
 Ao chamarmos conjuntos de Favelas a partir da palavra “Complexo” obrigatoriamente 
emitimos o significado de lugares de “reclusão”, onde residem “presos”, mais uma vez 
usaríamos o termo como pejorativo. Assim por opção usaremos “Localidade” sendo um termo 
mais usual para chamar as Favelas que pesquisei. Em termos e seus respectivos significados, a 
opção “Localidade” nos trouxe mais adequação no que concerne as expressões cunhadas na 
sociologia contemporânea sob os auspícios de Anthony Leeds: 
Os loci de organização visivelmente distintos, caracterizados por coisas 
como um agregado de pessoas mais ou menos permanentes ou agregado 
de casas, geralmente incluindo e cercadas por espaços vazios, embora 
não necessariamente sem utilização.(LEEDS, 1978.p. 31) 
As estradas do Taquaral e a Avenida Santa Cruz assistiram todas as mudanças já 
descritas nesta pesquisa, assim como uma antiga moradora, observei que algumas dessas 
mudanças são registradas nos muros das casas que contornam as localidades da Vila Aliança, 
Senador Camará e Coqueiros, podem serem reconhecidos como ritos de passagem26onde 
celebram a transferência de poder entre os parceiros de armas que morreram e os que declaram 
em homenagem e em outros casos demarcam a localidade em que residem as “esposas de fé”27. 
 
 
26MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro 
6ª Ed. Rocco, 1997. Ver o conceito em que este autor define para entender o que celebra e a quem se homenageia. 
 
27ALBINO, Aydée Valério de Souza. Amor Bandido: estudo de trajetórias de vida de jovens mulheres na favela 
da Candelária- Complexo da Mangueira-Dissertação 2009.181fl., Rio de Janeiro. UERJ. Disponível em 
http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2767. Acesso em 11 de junho de 2014. A autora 
descreve com detalhes todas as formas em que o mundo feminino se insere no contexto masculino do tráfico, 
inclusive “ as fieis”. 
33 
 
 
 
 
 
 
Figura 3: Foto tirada de celular, em 10 de setembro de 2015 em uma região conhecida como “Boca do 
Mato”, favela da Coreia. (Homenagem de uma das mulheres ao companheiro desaparecido) 
 
Figura 4: Foto tirada de um celular em 10 de setembro de 2015: Muro de uma escola (Homenagem ao 
fogueteiro do tráfico morto em 2013) 
 
Para entendermos como estas práticas começaram nestas localidades temos que voltar 
ao passado, precisamente na década de 1950 e 1960, temos a especulação imobiliária que 
iniciaram as políticas de remoção e de remodelamento da Zona Sul do antigo Estado da 
34 
 
Guanabara promovidos pelos Governos de Carlos Lacerda e posteriormente por Negrão de 
Lima. 
Estas localidades que pesquisei, surgem com o governo de Carlos Lacerda (1960-1965), 
a população oriunda da favela do Pasmado na Zona Sul. Construindo conjuntos habitacionais 
em subúrbios da Zona Oeste para receber estas pessoas, a saber, os conjuntos habitacionais de 
Vila Aliança e Vila Kennedy. Ambas comunidades faziam parte do projeto de urbanização 
empreendido durante a Guerra Fria em parceria com o governo norte americano, John Kennedy. 
Com o intuito de conter os avanços do comunismo na América Latina, já que as remoções das 
Favelas do Pinto, da Catacumba e do Pasmado traziam desconfortos e desordens sociais que 
poderiam se aproximar dos ideais das revoluções comunistas (MOTTA, M. 2000, p. 57). Ainda 
segundo a autora com o ideal de urbanizar a cidade do Rio de Janeiro, populações inteiras se 
deslocaram da Zona Sul à revelia para fundar novos territórios do outro lado do túnel. 
Com a ditadura civil-militar e o progressivo fechamento do canal de comunicação entre 
Governo e o povo, personificado através do Ato Institucional 5 de 13 de dezembro de 1968, a 
política de remoções da população das favelas da Zona Sul já supracitadas ganha força e ao 
mesmo tempo teorias reforçadas pela CHISAM (Coordenação de Habitação de Interesse Social 
da Área Metropolitana) servem de legítimas justificativas para tais remoções. O historiador 
Mario Sérgio Ignácio Brum citando Gilberto Coufal, o primeiro coordenador da CHISAM 
revela algumas dessas teorias: 
Chegou-se à conclusão de que o sistema a urbanização da favela não 
era psicologicamente favorável, pois os favelados continuavam 
pensando, agindo e vivendo como favelados. Então, o filho daquele 
homem que morava na favela, vai crescer mentalmente um favelado. 
(CHISAM,1969). 
 
 
 
35 
 
 
Figura 5: Fonte Jornal A Última Hora Edição 01214de 8 de Janeiro de 1964 disponível em Hemeroteca 
Digital/http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pasmado&pasta
=ano%20196. 
 
Ao pesquisarmos os periódicos disponíveis na Hemeroteca Digital, percebemos que era 
bastante comum a designação de “favelado” durante o regime militar e após a abertura política. 
O que podemos supor que toda a força capitalista de ocupação territorial se servia das remoções, 
cujo cunho era de estigmar e estereotipar segundo interesses governamentais. Assim assinala 
Mario Sérgio Ignácio Brum (2013): 
O favelado era visto como alguém não-integrado ao bairro onde a favela 
se localizava, em que pese a sua participação na cidade de diversas 
formas (no mínimo, através do mercado de trabalho das redondezas, 
como ‘peões’, porteiros, faxineiras, garçons, etc.). Ou seja, o favelado 
era alguém integrado. Imputava-se, porém, exclusivamente a ele toda a 
responsabilidade pela relação conflituosa que a cidade tinha com as 
favelas. De modo que a remoção serviria para regenerar os favelados 
em novos ambiente e localização na cidade que, segundo esta linha de 
pensamento, seriam mais adequados a ele. (BRUM, 2013,p.184) 
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pasmado&pasta=ano%20196
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Favela%20do%20Pasmado&pasta=ano%20196
36 
 
 
 Muitos moradores que aqui chegaram não conseguiram encontrar condições favoráveis 
de empregos, de certo que a inserção no mercado do trabalho também deveria ser um processo 
lento de adaptação, inclusive que os colocavam em situação de marginalidade em que se pesem 
as considerações de Mauro Henrique de Barros Amoroso: 
Durante os anos de 1968 a 1975 deu-se o período de maior ênfase das 
remoções, com mais de 60 favelas destruídas e mais de 100.00 pessoas 
removidas até o abandono do programa, em 1975, por motivos de 
ordem principalmente financeira. Essas intervenções abordadas, 
respeitando-se as diferenças operacionais e de contexto político de suas 
implementações, possuíam certas representações comuns sobre a 
favela: problema de ordem social, moral e estética, concepção de 
promoção social pela moradia, ou seja, privilegiando o aspecto físico-
habitacional, havendo uma associação qualitativa da precariedade das 
condições de moradia ao indivíduo. (AMOROSO, 2006.p.59) 
 
 Assim longe dos logradouros de origem estas pessoas se veem em notória crise ao se 
inscreverem no espaço territorial em busca de subsídios de sustento salarial, pois mesmo os que 
possuíam emprego só contavam com poucas linhas de ônibus e o trem como forma de 
deslocamento. À priori a ideologia governamental de fornecer “moradias decentes” não passava 
de uma teoria vazia de promessas, porque a urbanização destas localidades só chegaria com as 
políticasurbanísticas do prefeito Cesar Maia (1993-1997), (2001-2005) e (2005-2009) através 
dos programas do “Rio-Cidade” e “Favela- Bairro”28 tendo como o engenheiro Luiz Paulo 
Conde (1997-2001) também posteriormente prefeito sucessor de Cesar Maia. 
 Compreendendo que as conjunturas políticas e econômicas entre 1950 a 1960 teceram 
as bases sociais para legitimar o que o ato institucional de 1968 traria para as favelas 
mencionadas, alinhando também os discursos normatizados pela mídia que constantemente 
emitiam e influenciavam a opinião pública em relação aos removidos. Alguns moradores 
levaram tempo para reconstruir as respectivas histórias tendo o aparato repressivo como um 
latente ponto de coesão. Até mesmo a FAFEG (Federação de Associações das Favelas do 
Estado da Guanabara) que representava os interesses da população tem seus planos adiados no 
 
28VALLADARES, Lícia do Prado. A Invenção da Favela- Do Mito a Origem a favela.com. Rio de Janeiro: Ed. 
Fundação Getúlio Vargas, 2005. 204p.A autora é especialista em estudos sobre a cidadania no contexto de favelas. 
37 
 
II Congresso da FAFEG que simultaneamente fora realizado em 196829, ninguém saberia que 
o pior estava por vir. 
 
 
Figura 6: Fonte Boletim do Bairro de agosto de 1979 –Luta Pelo Transporte 1979. Disponível no Arquivo 
Nacional e concedida por pesquisa recente no Centro Cultural “A História Que Eu Conto” localizado na Estrada 
do Taquaral s/nº Vila Aliança disponível também emhttp://www.ahistoriaqueeuconto.com.br/o-centro-cultural/ 
 
 Tecendo as considerações que corrobora para marginalização das relações simbólicas 
de poder em que visei estudar, demandou as análises das conjunturas e estruturas de contestação 
que surgiria em oposição à ditadura militar. Por questão óbvia enfatizei um tipo de protesto que 
pregava os lemas “Paz, Justiça e Liberdade” entre os muros do presídio de Ilha Grande, mais 
conhecido como Ilha do Diabo. O presídio Cândido Mendes abrigou presos políticos 
 
29BRUM, Mario Sérgio Ignácio. Dissertação. “O povo acredita na gente”: Rupturas e Continuidades no movimento 
comunitário das favelas cariocas nas décadas de 1980 a 1990. UNIVERSDADE FEDERAL FLUMINENSE, 
Niterói, RJ. 2006. O historiador concede algumas considerações importantes sobre o Segundo Congresso da 
FAFEG de 1968, inclusive emitindo o que deveria trazer de benesses aos maiores envolvidos (os moradores das 
favelas) e o que o governo pretendia em recrudescer as remoções. 
 
38 
 
considerados inimigos de alta periculosidade para o governo e instruídos pelo teor vermelho 
comunista de classe média.30 
 Apresentarei no próximo capítulo algumas dessas estruturas onde teremos a relevância 
das drogas como mudanças de mentalidades do homem com o mundo do crime, alinhavando 
as contribuições da história de J. 38 anos viúva de um dos percussores da cisão entre a primeira 
facção carioca criando uma nova forma de lidar com o crime na Zona Oeste do Rio de Janeiro. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
30ZALUAR, Alba. A Integração Perversa: A Pobreza e o Tráfico. 2ª Ed. Editora: FGV, Rio de Janeiro.2004. A 
autora analisa as estruturas sociais e de segurança pública durante o regime militar em vias de entender o que seria 
o futuro Comando Vermelho e posteriormente as subdivisões de tráfico como facções secundárias, a saber A.D.A 
e Terceiro Comando. 
39 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 2- O TERCEIRO COMANDO E AS NOVAS FORMAS DE TRÁFICO: 
 
 Em Ilha Grande, no Presídio Cândido Mendes, mais conhecido como “Ilha do Diabo”, 
assiste um movimento que mudaria a mentalidade do homem em relação ao crime. Buscando 
melhores condições de sobrevivências entre a cadeia e as instâncias jurídicas, Willian da Silva 
Lima, mas conhecido como Professor, Rogério Lengruber, o Bagulhão,José Carlos dos Reis 
Encina, o Escadinha, José Jorge Saldanha, o Zé do Bigode e Orlando Conceição, o Orlando 
Jogador promovem constantes fugas e rebeliões entre as décadas de 1970 a 1980.31 
O presídio era também conhecido por abrigar grandes criminosos desde a época do 
Governo Getúlio Vargas, mas foi através dos lemas de “Paz, Justiça e Liberdade” que o 
Professor conduz o embrião da maior facção carioca, inspirado pelas ideias marxistas 
provenientes da convivência com os presos políticos da ditadura militar a partir de 1964, 
criando espaços reconhecidos como territórios32 respeitando as localizações entre as alas da 
carcerária, e posteriormente seria denominadas “Falanges”: 
Essas pessoas, por sua vez, de alguma forma permaneceram estudando 
e passando suas informações adiante. Sua influência não foi 
desprezível. Na década de 1960 ainda se encontravam presos assim, que 
passavam de mão em mão, entre si, artigos e livros que falavam de 
revolução. De vez em quando apareciam publicações do Partido 
 
31AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado.4ª Ed. Rio de Janeiro, 
Record,1993. Apesar da obra se tratar de um livro em que o jornalista Carlos Amorim apresenta a história 
parcialmente descrita sob a ótica do oprimido e das vertentes heroicas do Comando Vermelho, a partir deste livro 
podemos entrar em contato com algumas histórias dos expoentes da antiga Falange Vermelha. Inclusive 
demarcando as cisões dentro e fora da cadeia entre as futuras facções oriundas do C.V. 
 
32 SANTOS, Hugo Freitas dos. O coletivo como estratégia territorial dos cativos. Geografia (UFF), v. 17, p. 89-
116. 2008. Este autor nos traz considerações sobre o que são territórios dentro dos sistemas prisionais. Aqui temos 
o conceito de “Coletivo” como expressão subjetiva que representava toda a população carcerária. 
 
40 
 
Comunista, então na ilegalidade. Lembro-me, por exemplo, do velho 
João Batista, que, na rua, batia carteiras e, na prisão, ficava lendo e 
escrevendo pelos cantos do pátio, sempre disposto a orientar e ajudar 
os demais. Lembro-me também de Mardoqueu, que desde a época do 
Estado Novo frequentava a cadeia, onde alternava as atividades de 
encadernador de livros e divulgador de ideias de esquerda. (LIMA, 
2001.p.35). 
 A Falange Vermelha seria o primeiro nome do atual Comando Vermelho. A primeira 
facção carioca em que se pesem as considerações de Mingardi no que concerne as reflexões 
sobre a respectiva gênese: “No nosso país, a cadeia é a grande gestora dessas organizações. Foi 
nela que surgiram o Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o 
Terceiro Comando (TC) ” (MINGARDI, 2007). 
 De certo que ficou legado aos jornalistas e especialistas em segurança pública os estudos 
sobre a origem e a fragmentação destas representações criminosas. No fim da década de 1990 
é que percebemos um caminho trilhado por antropólogos e sociólogos para tal empreitada. 
Portanto há divergentes teorias acerca da temporalidade de cada uma das facções. Então por 
escolhas históricas de Alba Zaluar (2004), Celso P. Teixeira apud. Misse& Werneck [Org.] 
(2012),Guaracy Mingardi(2007) e (2013),Luke Dowdney (2003) e (2005)e Michel Misse 
(1999), (2007) e (2011) é que abordo algumas caracterizações acerca da temática. 
Um traficante chamado Ernaldo Pinto de Medeiro, conhecido como Uê, em discordância 
da Falange Vermelha, já fora do sistema prisional resolve preparar uma armadilha para matar 
o antigo chefe do Comando Vermelho, Orlando Jogador, trazendo assim a discórdia e expulsão 
de alguns membros da facção. Assim como alerta Luke Dowdney: 
A morte de alguns membros importantes do Comando Vermelho na 
segunda metade dos anos 80 levou à desconfiança crescente e à 
rivalidade entre seus chefes. A partir de 1986, o Comando Vermelho 
começou a fragmentar-se internamente e as disputas pelo controle de 
territóriosentre donos tornaram-se comuns e cada vez mais violentas. 
(DOWDNEY,2003 p.30) 
Segundo relatos da antiga inspetora da Polícia Civil, Marina Magessi (2002)apud Aydée 
Albino (2009), Uê teria ficado um tempo sozinho buscando lugares para se refugiar e ao ser 
41 
 
preso teria se aliado ao Celsinho da Vintém. Este pertencia ao “Jacaré”, organização anterior à 
Falange Vermelha e que dominava os presídios e favelas cariocas antes do advento da cocaína.33 
Mesmo Uê estando mais próximo de Celsinho, foram as divergências ideológicas e de 
cunho capitalista que fizeram Uê se desligar do comando da Vintém abrindo espaço, recrutando 
novos soldados principalmente nas localidades entre Parada de Lucas, Senador Camará e Vila 
Aliança, trazendo então uma nova facção: Terceiro Comando 
Este traficante tende a expandir o negócio do tráfico estabelecendo coexistência com a 
Falange Jacaré, embrionária do Terceiro Comando e do A.D.A, e que posteriormente passa a 
ser denominada, Terceiro Comando Puro, facção em que o marido de J.38 anos uma das nossas 
colaboradoras foi percursor. Reinaldo José nome fictício para o marido de J.38 anos, cresce na 
hierarquia do tráfico justamente no fim da década de 90 que sob os auspícios do antropólogo 
inglês Luke Dowdney encontramos esta assertiva: 
A criação do Terceiro Comando como facção dirigida estritamente ao 
negócio demonstrava o sentimento puramente econômico que orientava 
o novo movimento. O crescimento dessas facções que agora dominam 
o varejo de drogas no Rio de Janeiro e, em consequência, as favelas da 
cidade (DOWDNEY, 2003, p 27). 
 Para reforçar as mudanças entre as facções temos o relato oral de J. 38 anos que confirma 
estas defesas em que concentrou esta pesquisa: 
“_Aconteceu de eu me achar! Como antigamente diziam: ”Eu me perdi, 
engravidei, mas eu digo infelizmente porque eu tinha uma cabeça muito 
fraca”, não que eu tenha arrependimento não... eu fiz um aborto. Ele 
teve que ficar ausente umas épocas, aí conforme o tempo foi passando, 
ele foi ganhando nome, foi ganhando fama, foi ganhando... 
obrigações”[. Grifo em demonstração da mudança de tom de voz de 
J.]. (J.38 anos) 
 Ao estudarmos as facções como representações criminosas, se fez urgente apresentar 
algumas teorias para o significado de “Crime Organizado”, Guaracy Mingardi explicita que 
esta expressão evoca algumas características que são: Hierarquia, Previsão de lucros, Divisão 
do trabalho, Planejamento empresarial e Simbiose com o Estado34. 
 
33 
34 MINGARDI, Guaracy, Ministério Público do Estado de São Paulo v. 21, n. 61 (2007) - Dossiê Crime Organizado 
O trabalho da Inteligência no controle do Crime Organizado. In: Estudos Avançados (p.56). Estas contribuições 
determinam que ao utilizarmos “Crime Organizado” para as primeiras formas de tráfico de drogas antes da 
42 
 
 Michel Misse(2007, p.139) ao estudar as diferenças entre a criminalização e a 
incriminação real35, descreve que há de se entender este debate priorizando não só a através dos 
conceitos, mas destacando as representações sociais, em vias de não generalizar as nuances 
criminosas também com mercados informais e considerados como ilegais. Logo entendemos 
que estabelecer a rede de tráfico e suas historicidades demandam a compreensão acerca de como 
e para quem o crime se faz presente, ou seja, a “Organização Criminosa” tem peculiaridades 
onde as subjetividades imergem do contexto histórico e social e que em cada localidade existe 
uma configuração específica. 
 A partir destes teóricos podemos mensurar o que o Comando Vermelho, se tornou um 
ícone político para alguns presos no que se refere as contestações diante da conjuntura da 
ditadura militar e símbolos de resistência em resposta ao tratamento diferenciado entre os presos 
“subversivos” e os “comuns”: 
Graças à imprensa, os atuais chefes do Comando Vermelho a maior e 
mais organizada de cinco organizações carcerárias independentes e 
amiúde rivais. Hoje, a geração do “coletivo” dos anos 70 foi em grande 
parte substituída por novas lideranças que utilizam as técnicas 
organizacionais dentro das prisões e nas favelas, para montar lucrativas 
redes de tráfico de cocaína, mas principalmente sem a mentalidade do 
coletivo. (COELHO, 1987, p 114Apud) 
 Bem como o Terceiro Comando tem a sua origem nos idos dos anos 80 e 90, em que as 
respostas são sentidas diretamente nas localidades em que estudei. Principalmente para 
estabelecer o sentimento de resgate em que o “banditismo”36incorpora para a localidade e como 
esta reage para reinventar as identidades de favelas. 
 No próximo capítulo além de esmiuçar como as localidades reagem as formas de tráfico 
de drogas com a rede de poder do Terceiro Comando, falaremos das trajetórias de três mulheres 
com o tráfico, através das relações amorosas. Destacando as forças simbólicas de poder. 
 
existência das facções cariocas, implica em conceituar anacronicamente, uma vez que a expressão defendida por 
Mingardi mensura tais características. 
 
35 MISSE, Michel. Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro. Revista de 
Estudos Avançados, Vol:21 N°61, São Paulo, 2007. O autor nos concede as compreensões acerca do debate sobre 
o que é incriminação e o que é crime. 
36HOBSBAWN, Eric. Bandidos. Trad.: Donaldson M. Graschagen. 2ª Ed. Editora Forense Universitária. Rio de 
Janeiro, 1976. O historiador compreende que o conceito de “Banditismo” evoca as visões heroicas e iconográficas 
para contestar a ordem vigente. Em Hobsbawn conhecemos alguns exemplos como o caso nordestino de Lampião 
como um dos exemplos mais citados para este conceito. 
43 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 3- AS AVENTURAS DE AMOR: RELAÇÕES SIMBÓLICAS DE PODER 
ENTRE MULHERES E OS TRAFICANTES. 
 
 Destacamos o lugar da História Oral nesta pesquisa como um marco que evidencia as 
abstrações sobre o mundo feminino nas relações amorosas das viúvas de traficantes da facção 
criminosa Terceiro Comando. Como os documentos orais são utilizados por esta pesquisa se 
fez urgente tanto a transcrição da oralidade para a escrita, em que demarca Meihy & Ribeiro 
(2011, p 101) as expressões de sentimentos que não são perceptíveis pelos gravadores, uma vez 
que as entrevistadas apresentam suas performances37. Demandou registra de forma escrita todos 
os sentimentos e/ou expressões que não são captadas pelo gravador. 
 Foram realizadas entrevistas durante a delimitação desta pesquisa, entre os anos de 2014 
e 2015, todas as identidades são mantidas em anonimato. A J.38 anos viúva de Reinaldo José 
(codinome), a A.P,34 anos, viúva de um dos soldados do tráfico em que escolhemos por 
codinome Paulinho da Morte e V. 35 anos viúva de Cássio Botafogo(também codinome) são 
as nossas colaboradoras. 
 Apresentaremos diálogos constantes com a teoria de alguns autores como Aydée 
Valério de Souza Albino (2009), Carla dos Santos Mattos (2006), Joan W. Scott (1995), Pierre 
 
37MEIHY& RIBEIRO. 2011. P.101. Os autores são enfáticos ao revelar que ao tratarmos do gênero entrevistas em 
História Oral é necessário um processo de análises sobre a “performance” do entrevistado e que a “transcriação” 
é uma das tarefas em que o entrevistador vai dar forma à entrevista demostrando aos leitores não “os furos”, mas 
sim a posição do entrevistado. Cabendo então ao historiador que utiliza fontes orais em seus documentos históricos, 
as descrições detalhadas das expressões e sentimentos que não são captados pelos gravadores de vozes, é dar corpo 
aos entrevistados durante a narrativa o aproximando dos leitores, não como objeto de estudo, antes como pessoas 
reais e dotadas de sentido. 
 
 
44 
 
Bourdieu (1992) e (2014), Michael Foucault (2013) e Rachel de Soihet(1989) descrevendo as

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