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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA MARCELO FERREIRA LOBO Liberdade Tutelada: Ingênuos e órfãos no Pará (1871 -1893). Belém. 2015. http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parcerias_ufpa_logo.jpg&imgrefurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parceria.htm&usg=__QpecCv0tQNZfH3YW6J_6_rIOIrw=&h=714&w=565&sz=90&hl=pt-BR&start=1&tbnid=GzOLb1Vqi8pP_M:&tbnh=140&tbnw=111&prev=/images?q=ufpa&gbv=2&hl=pt-BR http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parcerias_ufpa_logo.jpg&imgrefurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parceria.htm&usg=__QpecCv0tQNZfH3YW6J_6_rIOIrw=&h=714&w=565&sz=90&hl=pt-BR&start=1&tbnid=GzOLb1Vqi8pP_M:&tbnh=140&tbnw=111&prev=/images?q=ufpa&gbv=2&hl=pt-BR 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA MARCELO FERREIRA LOBO Liberdade Tutelada: Ingênuos e órfãos no Pará (1871 -1893). Dissertação de mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará, como exigência parcial para obtenção do titulo de Mestre em História Social da Amazônia, sob orientação do Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto. Belém. 2015. http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parcerias_ufpa_logo.jpg&imgrefurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parceria.htm&usg=__QpecCv0tQNZfH3YW6J_6_rIOIrw=&h=714&w=565&sz=90&hl=pt-BR&start=1&tbnid=GzOLb1Vqi8pP_M:&tbnh=140&tbnw=111&prev=/images?q=ufpa&gbv=2&hl=pt-BR http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parcerias_ufpa_logo.jpg&imgrefurl=http://www.butantan.gov.br/amazonia/parceria.htm&usg=__QpecCv0tQNZfH3YW6J_6_rIOIrw=&h=714&w=565&sz=90&hl=pt-BR&start=1&tbnid=GzOLb1Vqi8pP_M:&tbnh=140&tbnw=111&prev=/images?q=ufpa&gbv=2&hl=pt-BR 3 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFPA _________________________________________________________ Lobo, Marcelo Ferreira, 1984- Liberdade tutelada: ingênuos e órfãos no Pará (1871-1893) / Marcelo Ferreira Lobo. - 2015. Orientadora: José Maia Bezerra Neto. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Belém, 2015. 1. Brasil. História. Lei do Ventre Livre, 1871. 2. Brasil. História. Abolição da escravidão, 1888. 3. Escravos Emancipados Pará. 4. Negros Educação Pará. 5. Órfãos. I. Título. CDD 22. ed. 326.098115 _________________________________________________________ MARCELO FERREIRA LOBO 4 Liberdade Tutelada: Ingênuos e órfãos no Pará (1871 -1893). Dissertação de mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará, como exigência parcial para obtenção do titulo de Mestre em História Social da Amazônia, sob orientação do Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto. DATA DE DEFESA 13/03/2015. Banca Examinadora. __________________________________________________ Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto – Orientador (PPGHIST/UFPA). __________________________________________________ Prof. Dr. Eurípedes Antônio Funes (PPGHIST/UFCE). __________________________________________________ Profª. Drª. Magda Maria de Oliveira Ricci (PPGHIST/UFPA). __________________________________________________ Profª. Drª. Edilza Joana de Oliveira Fontes (PPGHIST/UFPA). 5 AGRADECIMENTOS Ao chegar ao final desta dissertação deixo muitas dívidas de gratidão, e nestas poucas linhas registro meus agradecimentos a todos que de alguma forma contribuíram com o andamento de minha pesquisa. Em primeiro agradeço a minha família, que é a base essencial de apoio de qualquer pesquisador, minha mãe Raimunda a quem devo a tranquilidade de saber que qualquer dificuldade pode ser superada com o esforço e paciência devida, aos meus irmãos, Daniel, Leandro, e particularmente a minha irmã Franci. Agradeço ao meu amor Aline, por ter me acompanhado durante estes dois anos de mestrado, por ter lido os meus muitos textos incompletos, pelo incentivo e preocupação, por dividirmos nossas expectativas, dúvidas e incertezas acadêmicas, profissionais e pessoais. Agradeço também aos meus colegas de mestrado que no final de 2012 comemoraram o ingresso no programa de Pós-Graduação em Historia Social, e com quem celebrei muitas vezes essa etapa acadêmica. Agradeço aos meus Amigos; Alex, Amílson, Tunai, Marcus, Elielton, Reinaldo, Ivanilson, Cláudia, Marina, Luíza, Tati que tornaram as aulas e a própria pesquisa em algo mais leve e divertido. Agradeço ao Alex pelas indicações de textos e por ceder fontes das quais me vali na construção de meu projeto de doutorado, também agradeço a Viviane Frazão pela fonte cedida. Devo agradecimentos também aos meus professores do programa de mestrado que em suas inúmeras discussões participaram do meu amadurecimento acadêmico. Muitas das indicações apontadas durante minha qualificação me fizeram alargar as dimensões da minha pesquisa, e por tais contribuições agradeço as professoras Magda Ricci e Edilza Fontes. Agradeço ao meu orientador José Maia Bezerra Neto pela confiança depositada, pelos caminhos indicados e pelos livros emprestados. A todos que contribuíram deixo registrado meus agradecimentos. Também devo agradecer ao apoio financeiro promovido pela CAPES sem o qual dificilmente teria executado esta pesquisa no devido tempo. Se toda obra carrega parte do pesquisador visto nenhum trabalho ser de todo objetivo/isento, esta dissertação carrega um pouco de cada pessoa que contribuiu com minha pesquisa, espero que ao constatar isto, todos acima saibam que fazem parte deste trabalho. 6 ―Um povo que nasce, e que toma do influxo estrangeiro mais vícios do que virtudes, se quiser prosperar, deve tornar o ensino livre a aprendizagem obrigatória e o trabalho um hábito necessário e bem remunerado.‖ (Dr. Gonçalo de Faro. – Regulamento das Colônias Orfanológicas, em Jornal do Pará, 1878). 7 Ao grande cidadão Ruy Barbosa. Comissionados pelos nossos companheiros, libertos de várias fazendas próximas a estação do Paty, município de Vassouras para obtermos do governo Imperial educação e instrução para os nossos filhos, dirigimo-nos à Va. Excia. Pedindo o auxílio da invejável ilustração e do grande talento de Va. Excia., verdadeiro defensor do povo e que d‟entre os jornalistas foi o único que assumiu posição definida e digna, em face dos acontecimentos, que vieram enlutar nossos corações de patriotas. A Lei de 28 de setembro de 1.871 foi burlada e nunca posta em execução quanto a parte que tratava da educação dos ingênuos. Nossos filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarece-los e guiá-los por meio da instrução. A escravidão foi sempre o sustentáculo do trono n‟este vasto e querido país agora que a Lei de 13 de maio de 1888 aboliu-a, querem os ministros d‟”A Rainha”, fazerem dos libertos, nossos inconscientes companheiros, base para o levantamento do alicerce do 3º reinado. Os libertos do Paty do Alferes, por nós representados protestam contra o meio indecente de que o governo quer lançar mão e declaram aproveitando esta ocasião, que não aderem a semelhante conluio e que até agora sugado pelo governo do Império querem educação e instrução que a Lei de 28 de setembro de 1.871, lhes concedeu. O governo continua a cobraro imposto de 5% adicionaes, justo é que esse imposto decretado para o fundo d‟emancipação dos escravos reverta para a educação dos filhos dos libertos. É para pedir o auxílio da inspirada Penna de Va. Excia., que tanto influiu para a nossa emancipação, que nos dirigimos a Va. Excia. Comprehendemos perfeitamente que a libertação partiu do povo que forçou a coroa e o parlamento a decreta-la e que em Cubatão foi assignada a nossa liberdade e por isso não levantaremos nossas armas contra os nossos irmãos, embora aconselhados pelos áulicos do paço, outrora nossos maiores algozes. Para fugir do grande perigo em que corremos por falta de instrução, vimos pedi-la para nossos filhos e para que eles não ergam mão assassina, para abater aqueles que querem a República, que é a liberdade, igualdade e fraternidade. Estação do Paty, 19 de abril de 1889 A Comissão de Libertos Quintiliano Avellar (preto) Ambrósio Teixeira João Gomes Batista Francisco de Salles Avellar José dos Santos Pereira Ricardo Leopoldino de Almeida Sergio Barboza dos Santos. 1 1 ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes (org). Antologia Cubatense. Santos: Prodesan, 1975. P. 43. 8 RESUMO A presente dissertação trata dos conflitos que envolveram escravos, libertos e seus filhos entre os anos que sucederam a promulgação da Lei do Ventre Livre e a promulgação da Lei Áurea no Brasil. Especificamente as questões que envolveram os ex-ingênuos, considerados órfãos depois do treze de Maio. Mostra como houve toda uma discussão sobre o destino dado aos filhos dos ex-cativos, assim como, as disputas judiciais entre os pais dos menores e os seus ex-senhores pela tutela. Em Belém as discussões sobre o destino das crianças perpassaram pela criação de escolas destinadas a estes indivíduos egressos da escravidão, assim como o ingresso destes menores na marinha através das escolas de aprendizes de marinheiros. Também fora muito discutido as constantes concessões de tutela aos ex-senhores de escravos na capital e pelas comarcas do interior da Província. A educação popular passara a fazer parte de maneira mais incisiva dos projetos políticos do Governo Imperial e provincial e propostas de criação de núcleos coloniais e escolas agrícolas são implementadas em várias províncias do império. No Pará a fazenda Nacional localizada no Marajó chegou a ser cogitada como local a ser criado um asilo para menores desvalidos e ingênuos, aos moldes do implementado na Fazenda Nacional do Piauí. O Pará também teve de lidar com a questão dos filhos de escravos nascidos depois da Lei de 1871, e é sobre as diversas dimensões que envolveram libertos, escravos, ingênuos, senhores e o próprio Estado que esta dissertação se debruça. Palavras-Chaves: órfãos, ingênuos, educação. 9 ABSTRACT This dissertation focuses on conflicts involving the freedmen and their children between the years following the promulgation of the Free Womb Law and the promulgation of the Golden Law in Brazil. Specifically the issues involving the former ―ingênuos‖, as orphan after May 13 law. Shows how there was a whole discussion on the destination of the sons of former slaves, as well as the legal disputes between the responsible of the minors and their former masters for protection. In ―Belem‖ discussions about the fate of children permeated by creating schools for these graduates individuals of slavery, as well as the inflow of these smaller in the ―Ingênuos‖ through schools of sailors of learners. Also much discussed outside the constant tutelage of concessions to former slave owners in the capital and the interior districts of the province. Popular education had become part of more effective way of political projects of the Imperial Government and provincial, creating proposals for colonial settlements and agricultural schools are implemented in various provinces of the empire, in Pará the National farm located in Marajó came to be entertained as site to be created a home for destitute children and Ingênuo, to templates implemented in Piauí National Treasury. Pará also had to deal with the issue of the children of slaves born after the 1871 law, and is on the various dimensions involving freedmen, slaves, naive, lords and the own state that this dissertation focuses. Key Words: orphans, Ingênuos, education. 10 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Tabela de Saldo da Fazenda Nacional no Marajó................................ 38 TABELA 2 – Número de Ingênuos matriculados, falecidos e que entraram e saíram no Pará, 1875 .................................................................................................. 59 TABELA 3 – Distribuição dos tutelados por idade e sexo ....................................... 130 TABELA 4 - População de Filhos livres de mulheres escravas da Província do Pará........................................................................................................ 141 TABELA 5 – Famílias escravas matriculadas na Capital .......................................... 142 TABELA 6 – Famílias classificadas para serem libertas pelo Fundo de Emancipação .............................................................................................. 142 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Quadro de Receita e Despesa da Fazenda Nacional do Marajó .......... 38 Quadro 2 – Quadro de ingênuos Matriculados no Império .................................... 58 Quadro 3 – Frequência de Alunos escravos na Escola Noturna Santa Maria de Belém ...................................................................................................................... 79 12 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Processos tutelares ............................................................................. 92 Gráfico 2 – Órfãos sem tutores do Município de Ourém ...................................... 95 LISTA DE SIGLAS HDBN – Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional BDSF – Biblioteca Digital do Senado Federal APEP- Arquivo Público do Estado do Pará CMA – Centro de Memória da Amazônia 13 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Anúncio de Venda de Família Escrava ............................................. 46 FIGURA 2 – Educação Feminino no Século XIX .................................................. 73 FIGURA 3 – Anúncio da Escola 13 de Maio ........................................................ 84 FIGURA 4 – Bilhete inserido no auto de tutela de Benedicta, 1889 ..................... 111 14 SUMÁRIO Introdução .................................................................................................................. 15 Capítulo I – Os Deserdados da Sorte: A Lei do Ventre Livre e “o nascimento do Ingênuo”.................................................................................................................... 23 Debates sobre a Lei do Ventre Livre.......................................................................... 25 Os Ingênuos no Grão-Pará........................................................................................ 31 Das Associações: para zelar pela educação do Ingênuo........................................... 42 Colônias Agrícolas? A formação do trabalhador nacional!...................................... 48 A execução da Lei....................................................................................................... 56 Capítulo II – Infância Desvalida: Educação, Tutelas e Ordem Social no Pará.......65 “Futuros Operáriosdo progresso”: infância desvalida e educação ....................... 65 Escola 13 de Maio: educação para libertos no pós-abolição.................................... 80 Tutelas nos Tribunais de Belém (1870-1887) ........................................................... 90 Libertos, ingênuos e senhores..................................................................................... 101 Capítulo III – Os Lugares de Cada Um: De Ingênuos á Órfãos.......................... 110 Pelos Ingênuos: Uma nova escravidão!..................................................................... 112 Os ex-ingênuos: geração de transição!...................................................................... 117 Conflitos tutelares no país sem escravidão!............................................................... 130 Ingênuos, libertos e família......................................................................................... 138 Considerações finais.................................................................................................. 149 Fontes.......................................................................................................................... 152 Referências bibliográficas........................................................................................... 157 Anexos.................................................................................................................................... 164 15 INTRODUÇÃO ―(...). A Lei de 28 de setembro de 1871 foi burlada e nunca posta em execução quanto à parte que trata da educação dos ingênuos. (...).‖ (Carta da Comissão de Libertos enviada a Rui Barbosa, 1889). 2 A pesquisa que deu origem a esta dissertação se iniciou onde muitas outras terminam, a partir dos conflitos que ocorreram após a promulgação da Lei Áurea. Ao olhar os desdobramentos iniciais do fim da escravidão no Grão-Pará deparei com um conjunto de documentos até então desconhecidos por mim, os ―autos de tutelas‖. Organizadas em de seis caixas para o período de 1870 à 1893 guardadas no Centro de Memória da Amazônia. A minha surpresa ao encontrar inúmeros libertos envolvidos nestes processos refletiam não apenas a minha ignorância sobre o tema, mas também a carência de estudos sobre os ingênuos no Pará. A princípio notei que o 13 de maio ressignificou as relações sociais, não apenas entre libertos e ex-senhores, mas também entre os menores e seus tutores. Nem conquista romantizada, nem engodo senhorial, a Lei Áurea trouxe consigo a necessidade de novas formas de controle ou ressignificações de antigos mecanismos de sujeição da população de cor, como também trouxe noções e experiências de liberdade vividas durante o regime escravagista, assim como aspirações ao exercício de direitos. Uma destas ―novas‖ formas de controle foi o uso da tutela por parte dos antigos proprietários de escravos para manterem o controle sobre os ingênuos. No entanto, os então libertos do 13 de maio não ficaram passivos, eles também foram aos tribunais em busca da manutenção de seus laços familiares, enfrentaram seus antigos senhores tomando para si mesmos as noções de liberdade e direitos construídas ao longo de suas experiências no cativeiro. Mal vistos por parte da sociedade os libertos tiveram de encarar a suspeição generalizada por parte da polícia e outras autoridades. Em 6 de setembro de 1888 o subdelegado do 3º distrito do Acará, enviou um ofício ao Chefe de Polícia da Província paraense para saber se deveria ou não recrutar dois libertos para o corpo de polícia. O mesmo Chefe de Polícia encaminhou o ofício ao Presidente de Província, colocando uma série de características que comporiam a personalidade social dos libertos, como mostra o ofício abaixo transcrito: 2 ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes. Op. Cit. p. 45. 16 Tendo parte dos libertos, por efeito da Lei de 13 de maio do corrente ano, abandonado a casa de seus ex-senhores, para atirarem-se a vagabundagem, e muitos deles recusando o razoável salário, que estes lhes oferecerão; e tendo também resultado, d‘este estado de coisas, grande alteração de ordem e sossego público e não menos prejuízo a uma pequena lavoura, que morre a falta de braços; venho consultar a V.Exª a ordem de medidas que devo tomar em tais emergências, visto me parecer inútil o meio legal de que posso me dispor, neste caso - o termo de bem viver –. Digo inútil, podendo mesmo acrescentar prejudicial, porque sendo inumeroso e despovoado como é nosso território, esses indivíduos ignorantes, temendo na medida pelo aparato que ela se reveste, emigrão para os centros povoados ou para os despovoados, ficando de tudo ainda de mau a pior. - atendendo a grande aversão, que manifestam nos indivíduos ao serviço disciplinado, tomo a liberdade de mostrar a V. Exª. a conveniência de, como medida de exemplo: - engajar dous ou três desses indivíduos, para o serviço policial militar desta capital; e se ainda não fez em prática essa medida é por carecer de autorização especial, entretanto V.Exª resolvera em sua sabedoria e critério o que for mais justo e acertado. 3 Mais do que a necessidade de braços para serem aplicados nos serviços da polícia, o subdelegado buscava ―dar exemplo‖ aos libertos que não procurassem um modo de vida disciplinado e ordeiro. Manter a ordem, controlar a então população liberta foi o motivo da solicitação do subdelegado do Acará ao verificar a ineficiência dos dispositivos que poderiam se valer que eram os termos de bem viver . A resposta do Presidente de Província Miguel Pernambuco foi incisiva considerando tais indivíduos inadequados para compor o corpo policial: ―por quanto que é o próprio subdelegado que apresentando a ideia, declara que são esses libertos, vagabundos, desordeiros e ignorantes‖. Segundo o subdelegado os libertos saíram do domínio de seus ex-senhores para atirarem-se a ―vagabundagem‖; e é sob o discurso de combate a vagabundagem que o recrutamento militar obrigatório é novamente instituído em 1888. Curioso notar que segundo o parecer do Presidente da Província os libertos 3 Fundo: Secretária de Policia da província, série: ofícios, 1888. Arquivo Público Estado do Pará. 17 estariam inaptos a serem alistados no Corpo de Polícia, mesmo diante das reclamações do pouco pessoal no quadro policial da Província do Pará no ano de 1888. O ofício acima carrega uma série de representações acerca dos libertos, nos meses subsequentes ao Treze de Maio, a construção do próprio conceito de vadio recaia sobre práticas culturais e modos de vida próprios à população pobre e de cor. 4 Principalmente no contexto do termino da escravidão, onde uma massa de ex-escravos comporiam o quadro da população, as expectativas sobre o comportamento dos libertos foram de imediato frustradas em função do grau de autonomia que estes buscavam levar suas vidas, como ressalta Wlamyra Albuquerque, ―Denominados de vadios no vocabulário policial, os que traduziram liberdade por mobilidade e autonomia foram alvos da desconfiança da policia.‖ 5 A polícia em determinados momentos serviu como uma extensão do braço do senhor. Em agosto de 1888 o delegado do termo de Anajás, José Rodrigues Martins, mandou o inspetor do 10º quarteirão com mais três indivíduos cercarem a casa do ―cidadão‖ Antonio Luis de Lima em busca do ―ex-escravisado‖ chamado José, do ex- senhor João Tavares, por esse ter deixado a companhia do seu ex-senhor, em consequência de se achar livre pela Lei de 13 de Maio. Segundo a nota o mesmo José só não foi levado por ter uma mulher da casa se oposto, 6 mostrando um corpo policial que agia de acordo com os interesses senhoriais. Não faltaram disputas nos tribunais, ediversos conflitos em torno da própria noção de liberdade. Em janeiro de 1889, uma nota no jornal A Reacção sob a epígrafe ―protesto‖, reclamava a atitude de um ―ex-escravisado‖ do Capitão Francisco Xavier da Gaia, que havia se apossado de uma plantação de cacau. Segundo o articulista da nota o ex-escravo “invadiu os mesmos cacaueiros, limpando-os, replantando uma iroca no 4 O termo ―pessoa(s) de cor‖, ou ―população de cor‖ faz referência à documentação da época e a forma como as pessoas negras eram tratadas, embora Manuela Carneiro da Cunha ressalte que o termo ―pessoas livres de cor‖ usada genericamente para classificar as pessoas livres não pode ser pensada enquanto uma categoria homogênea ao menos para a primeira metade do século XIX. Manuela da Cunha cita o caso do cônsul inglês no Pará que distinguia a população livre de brancos entre brancos estrangeiros e brancos nativos, enquanto paras as pessoas pretas e pardas usava uma única categoria (Cunha, 2012, p. 35.). Manuela da cunha apresenta pelo menos três dimensões que perpassavam a categoria ―pessoas de cor‖, a cor, a nacionalidade, e a condição legal, chegando ao número de nove categorias de indivíduos que genericamente poderiam ser classificados como ―pessoas de cor‖. Tal discussão pode ser vista em: CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros: Os escravos libertos e sua volta a África. 2ª Ed. – São Paulo – Companhia das Letras, 2012, pp. 38-43. 5 Albuquerque, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo; Companhia das Letras, 2009. p. 35. 6 A Província do Pará, 21/08/1888. BPEP; Setor de Microfilmagem. 18 centro deles e praticando atos com o fim talvez de invocar posse‖. 7 Aqui posso aventar que o ex-escravo se considerasse com algum direito sobre a as tais terras. O que aponto aqui é mais do que jogados às margens da sociedade, os libertos tiveram de encarar os novos sentidos da liberdade após a Abolição, e isso não significou que os libertos e livres de cor não tivessem encarado conflitos antes da Abolição em torno de uma frágil cidadania; não a instituída juridicamente pelo Estado, mas uma noção vivenciada de cidadania no dia a dia. A população de cor esteve sujeita a práticas e projetos políticos de controle e suspeição que limitavam os direitos a que esta parcela tinha acesso, o que não significa que deixaram de pouco a pouco, por meio de ações individuais tentarem alargar a noção de cidadania. Nesta busca por cidadania, Maria Aparecida Papali levantou a seguinte questão: Para além de possíveis confrontos na luta pela inserção social sob parâmetros burgueses, tem-se de pensar a comunidade liberta como também construtora de seus próprios caminhos, de seus ideais de liberdade. Dentro dos limites sociais aos quais todo sujeito histórico se encontra determinado, não se pode desconsiderar os valores culturais que os escravos e libertos brasileiros já vinham construindo há tantos anos, experiências vividas dentro da escravidão. Ao defrontar-se com tamanho empenho de disciplinarização do trabalho a que se propunha a elite brasileira, disposta a continuar tutelando a descendência livre da mulher escrava, o liberto brasileiro recusou o tipo de inserção social que estavam lhe oferecendo‖. 8 Concordo em parte com o que a Papali aponta, porém não posso deixar de notar que os libertos e escravos quando pleiteavam na justiça tanto pela liberdade quanto pela retirada de seus filhos da companhia dos ex-senhores, utilizavam nos seus discursos valores próprios dos ideais modernizantes e burgueses da segunda metade do século XIX. O ―preto‖ Sebastião, por meio de uma petição solicitou a Junta de Classificação de escravos a serem libertos pelo Fundo de Emancipação, que fosse incluso na lista do referido fundo, pois era o único da sua família, composta por sua mãe e três irmãos, que permanecia escravo:― afirma se liberto o suplicante terá tempo e gosto para continuar na aprendizagem que é tão pouca para quem é escravo de vergonha e portanto quer cumprir os seus deveres‖ 9 . Já em 1888 a liberta Lucinda envia a seguinte petição ao juiz de órfãos de Belém: 7 A Reacção, janeiro de1889, edição 108. Biblioteca Publica do Estado do Pará, setor de microfilmagem. 8 Papali, Maria Aparecida Chaves Ribeiro. Escravos, libertos e órfãos: a construção da liberdade em Taubaté (1871-1895). São Paulo, Annablume, 2003. p. 144. 9 Ação de liberdade, 1877. Centro de Memória da Amazônia/UFPA, fundo: Liberdade Escrava, 1870- 1879. 19 Diz Lucinda Antonia Maria Da Conceição, que tendo sido contemplada com a Lei de 13 e maio, que libertou a da escravidão, e que tendo dou filhos de nomes Arthur, 15 anos e Adolpho 12 anos de idade querendo dar-lhes uma boa educação, requer a V.Sa. que se digne nomear tutor dos mesmos a Joaquim da costa Freitas,estabelecido como oficina de sapateiro a travessa do passinho. 10 Os libertos e escravos, a partir de muitos conflitos vividos ainda no regime da escravidão aprenderam a instrumentalizar estes valores burgueses em seus discursos, a experiência de vida destes indivíduos esteve imbricada a condicionamentos, valores e normas sociais impostos, que se não eram incutidos passivelmente aos valores que os cativos e pobres possuíam foram ao menos em certo grau ressignificados. Entre a Lei do Ventre Livre e a Lei que decretou o fim da escravidão no Brasil, novos sujeitos sociais passaram a fazer parte das conflitantes relações entre senhores e escravos, o próprio Estado passou a intervir cada vez mais na relação que durante muito tempo foi do âmbito estritamente privado. Foi durante esse contexto que também se processaram projetos políticos voltados para a construção de uma estrutura física e burocrática que proporcionasse diversos níveis de instrução a população, principalmente a população pobre, e foi sob este contexto como afirma Marcus Vinicius da Fonseca que se deram as primeiras políticas educacionais voltadas para a população negra no Brasil. 11 A Lei 2040 de 28 de setembro de 1871 criava a categoria do ―ingênuo‖, nascido livre de mãe escrava, os ingênuos vivenciaram uma condição fronteiriça entre a escravidão e a liberdade. Robert Conrad indicou um universo de quatrocentos mil ingênuos matriculados no Império em 1885, tais cifras dimensionam a importância destes sujeitos diante de um período de mudanças e desestruturação do sistema escravagista. O Grão-Pará possuía ao final de 1887 mais ingênuos do que escravos, deste modo compreender qual o lugar do ingênuo nas discussões sobre o fim da escravidão e mesmo como foi vivenciada esta ―liberdade tutelada‖, fazem parte das muitas questões que constituem esta dissertação. 10 Auto de tutela, 1888. CMA, fundo: Tutela, 1888. 11 FONSECA, Marcus Vinícius. As primeiras práticas educacionais com características modernas em relação aos negros no Brasil. In: Negro e Educação: Presença do Negro no Sistema educacional Brasileiro, Marcus Vinicius da Fonseca, Patrícia Maria de Sousa Santana, Cristiana Vianna Veras, Elianne Botelho Junqueira, Julio Costa da Silva, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Regina Pahim Pinto (organizadores). São Paulo, 2001 20 Esta pesquisa esta dividida em três capítulos, o primeiro apresenta as discussões entorno do projeto da Lei do Ventre Livre, e o surgimento do ingênuo como nova categoria não apenas jurídica, mas também social. As discussões promovidas durante a elaboração do projeto que veio a culminar com a Lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871 refletiram não apenas as aspirações dos emancipacionistas, mas também, de variados interesses, mais do que libertar o ventre escravo seu objetivo fora por a questão do elementoservil sob o controle do Estado acalmando os ânimos de abolicionistas e escravocratas. Ao falar dos ingênuos no Pará apresento as discussões promovidas pelo governo provincial sobre a situação dos ingênuos, e quais os procedimentos deveriam ser tomados para o cumprimento da Lei, em 1877 o presidente de província do Pará Sr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho nomeou uma comissão com o intuito de averiguar a situação de possíveis locais e instituições que servissem para abrigar e educar os ingênuos. As propostas desenvolvidas na década de 1870 estavam buscando dar conta da expectativa de que milhares de ingênuos fossem entregues ao Estado no ano de 1879 quando os menores nascidos a partir de 1871 completariam oito anos; e deveriam tomar destino ou sob a guarda do Estado ou do senhor das suas mães, a sugestão do então presidente de província foi a de se aproveitarem as fazendas nacionais existentes na Ilha do Marajó para a fundação de escolas agrícolas. Ainda no primeiro capitulo trato da atuação das associações emancipacionistas em relação aos ingênuos, a Lei de 1871 possibilitava que as mesmas criassem institutos onde poderiam dar educação aos mesmos. No entanto, percebeu-se que as associações principalmente quando tomamos a figura do Curador Geral de Órfãos o Dr. José Henrique Cordeiro de Castro não tomaram tal iniciativa, dando preferência para a ação de particulares. As discussões sobre o destino dos ingênuos esteve relacionada à criação de institutos e escolas agrícolas nos moldes das instaladas em Pernambuco, Rio de Janeiro e no Piauí. Ao observar as discussões sobre os ingênuos na década de 1870 e mesmo as medidas para a execução da Lei o que esteve por base mesmo não estando tão à amostra, foi o receio do Governo Imperial de que milhares de ingênuos fossem entregues ao Estado sem que o mesmo tivesse providenciado as condições necessárias para recebê-los e educa-los. Ao fim do ano de 1879 apenas um número ínfimo de ingênuos foi entregue a maior parte permaneceu sob a ―tutela‖ dos senhores de suas 21 mães. E as discussões sobre os ingênuos perdem fôlego, dando lugar a discussões e propostas sobre a questão da Infância Desvalida, fenômeno semelhante ocorrera após a promulgação da Lei Áurea. O segundo capítulo aborda justamente as discussões sobre a educação e a infância desvalida e sua relação com o mundo da escravidão. O surgimento de institutos educativos ocorreu de forma paralela às discussões sobre a emancipação escrava no Império, a educação da população pobre, entre estes destaca-se a população de ―cor‖, o controle social, manutenção da ordem e mesmo desenvolvimento de uma mão de obra qualificada construída por meio de uma educação dirigida pelo Estado. Nos meses subsequentes ao fim da escravidão uma iniciativa tomada por diversas figuras ilustres da sociedade Paraense entre eles o intelectual José Veríssimo de Mattos deram andamento a fundação de uma escola para ingênuos e ex-escravisados em Belém, denominada Escola 13 de Maio, funcionado sob a direção do Club 13 de Maio. Em 1889 o referido Club chegou a atingir o número de 82 sócios, no entanto percebeu-se que da proposta inicial que era a de proporcionar uma educação oficiosa aos libertos passou-se a formarem uma educação voltada para a menoridade desvalida, ampliando assim o seu campo de ação. O terceiro e último capítulo intitulado ―de Ingênuo a órfão‖ trata da corrida aos juízes de órfãos no Pará. Muitos ex-senhores de escravos após a abolição viram-se privados do que até aquele momento eles possuíam como um direito seu; a guarda e o usufruto da força de trabalho do filho da escrava. Ao se depararem sem seus escravos e ―seus ingênuos‖, os ex-senhores se valeram da possibilidade legal de continuarem com o domínio dos filhos das escravas por meio da tutela. Para o período imediatamente subsequente ao 13 de maio encontrei varias disputas entre ex-senhores e ex-escravos, a tutoria passou a ser denunciada nos periódicos de Belém como uma ―nova escravidão‖. A Lei do Ventre Livre longe de ter significado a diminuição de nascimentos entre os escravos, produziu mecanismos pelos quais os cativos poderiam alcançar a alforria. A família ao mesmo tempo em que aumentava as chances de se obter a liberdade por meio do fundo de emancipação que privilegiava a classificação de famílias escravas, ou mesmo com os esforços somados dos membros da família para a compra da carta de alforria, também poderia ser o elemento que daria algum grau de estabilidade nas tensões entre senhores e escravos. Os autos de Tutela envolveram estes sujeitos em 22 conflitos que buscavam preservar o domínio senhorial em uma sociedade onde a escravidão fora abolida. Em 1893 é fundada a Associação Protetora da Infância e o ―Orphelinato Paraense‖ que posteriormente se tornou ―Orphelinato Municipal de Belém‖ e que encerra o recorte desta pesquisa, a criação de orfanatos distancia cada vez mais questão da infância desvalida com a memória da escravidão e os menores desamparados passam a receber atenção do Estado por meio de novos institutos. 12 12 DUARTE, Antonio Valdir Monteiro. Órfãs e Desvalidas: A formação de meninas no orphanato municipal de Belém do Pará, (1893 -1831). Tese de doutorado, Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós – Graduação em Educação, 2013. 23 CAPÍTULO I. “OS DESERDADOS DA SORTE”: A Lei do Ventre Livre e o nascimento do Ingênuo. ―... a nossa ocasião com a presente Lei, que posto não acabasse de todo com o mal, todavia estabeleceu o libertamento do ventre, preparando deste modo a liberdade completa, em um futuro não muito longínquo. Não deve ficar, porém, ai a obra, e é palpitante a necessidade de prepararmos o futuro desses entes, deserdados da sorte‖. (Vicente Aves de Paula, magistrado cearense, presidente do Tribunal da Relação do Pará, 1875). 13 Nas páginas que se seguem busquei compreender o lugar dos filhos da Lei do Ventre Livre; podemos pensar em muitas formas e experiências de cativeiro, o mesmo vale para as diversas ―modalidades de liberdade‖ no Brasil Imperial. Tais conceitos como escravidão e liberdade longe de serem fixos mostram-se fluídos de acordo com os contextos, espaços e marcadores sociais diversos como gênero, cor, condição jurídica etc. Os filhos das escravas que nasceram sob a vigência da Lei de 1871 nasceram livres, mas sob uma modalidade de liberdade muito próxima da escravidão ao continuarem ligados aos senhores de suas mães até atingirem a maioridade jurídica/civil. Não apenas por permanecerem em companhia dos senhores e sim ―sob o domínio‖ dos senhores. Podendo ser pensada como uma geração de transição visto que quando do término da escravidão no Brasil estes menores contarem com no máximo 17 anos de idade, ainda sendo obrigados a prestar serviços aos proprietários de suas mães, experimentaram durante os primeiros anos de suas vidas a fronteira difusa da escravidão para com a liberdade. Diferentemente da geração que os precedera não eram propriedades, não podiam ser separados de suas mães ao menos até a idade de 8 anos, isso remete a uma ressignificação das relações afetivas entre os cativos e seus filhos. Estes tiveram o privilégio de crescerem nos seus primeiros anos de vida em companhia das mães, tornaram-se criados de casa, quando não ―crias da casa‖. O ―ingênuo‖ nasce em 28 de setembro de 1871 enquanto categoria social de indivíduos que estariam marcados por uma condição fronteiriça entre liberdade e escravidão. Quando em 1888 o ingênuo passa a ser tratado como órfão, tal ―metamorfose‖ não se deveu tão 13 PAULA, Vicente Alves de. Anotações à Lei e Regulamentos sobre o Elemento Servil: anotações até o fim de 1874, com os avisos do Governo, Jurisprudênciados tribunais e alguns esclarecimentos. Rio de Janeiro, Instituto Tipográfico do Direito. Rua Theofilo Ottoni, 1875, p. 6. 24 somente em virtude da Lei Áurea e sim diante de um processo de demarcação social que se iniciou em 1871. Nestes dezoito anos que se passaram entre as Leis do Ventre Livre e a Áurea, essa ―geração de transição‖ fora alvo de projetos políticos, educacionais e disputas pela mão de obra. Experimentaram uma liberdade tutelada, aproximaram-se do mundo da liberdade não como qualquer criança livre, mas uma liberdade associada a orfandade, sempre sob a tutela do Estado ou dos senhores e mesmo a de indivíduos movidos pelas ―humanitárias ideias‖ do século. Neste capítulo analiso as discussões da Lei de 1871 na própria historiografia brasileira, e também a execução da Lei, que longe de ter sido facilmente cumprida encontrou dificuldades de cunho burocrático, pela falta de recursos, má vontade dos senhores de escravos e em certa medida pela inoperância do Estado. Por tais motivos acabou-se por necessitar a elaboração de regulamentos e decretos que indicariam os modos e procedimentos para o cumprimento da Lei, os Ministérios da Justiça e de Agricultura e Obras Públicas produziram uma série de avisos e circulares para todas as províncias do Império. Os jornais que circulavam em Belém discutiram ricamente o futuro do ingênuo, as ideias presentes em tais discussões estiveram articuladas a discussões que se processavam por todo o Império brasileiro. Em 1874 o Pará possuía 19.729 escravos 14 matriculados (a matricula de escravos foi determinada pela Lei de 1871), enquanto que no Censo Geral do Império em 1872 contava com 27. 199 cativos, essa diferença de 7.470 para menos longe de representar a perda do contingente de escravos da província para outras áreas do Império, representa a dificuldade do Governo Provincial do Pará em efetuar a matricula dos escravos e a respectiva produção dos relatórios baseados em tais dados. As dificuldades administrativas para a execução da Lei são vistas na falta dos livros para serem registrados os óbitos e nascimentos de ingênuos, na ausência de responsáveis pela administração de cemitérios, falta de membros nas juntas de classificação de escravos. Ou seja, a Lei de 1871 necessitou de um longo tempo para ser executada. Os abolicionistas no Pará na década de 1880 se ocuparam menos com o futuro dos ingênuos do que com a libertação dos escravos. Não encontrei maiores referências sobre instituições relacionadas às associações emancipacionistas que se ocupassem da educação 14 Tal número de escravos matriculados foi extraído de: Luiz Francisco da Veiga. Livro do Estado Servil e a Respectiva libertação, 1876. BDSF. 25 do filho da escrava, em certa medida a mudança de status do filho da escrava não se refletiu em uma mudança drástica nas relações particulares entre escravos e seus senhores. Debates sobre a Lei do ventre livre As discussões ocorridas no final da década de 1860 acerca da emancipação escrava desembocaram na elaboração da Lei número 2040 de 28 de setembro de 1871, conhecida como a Lei do Ventre Livre. Tal Lei não se restringiu tão somente em libertar os filhos nascidos de mulher escrava, mas, também em normatizar na Lei determinados direitos assentados nas relações costumeiras entre senhores e escravos, como a compra da liberdade por parte do cativo. 15 A Lei do Ventre Livre deixou os filhos dos escravos em uma condição jurídica diferente da escravidão, normatizou o pecúlio do escravo e a compra da alforria, e criou o Fundo de Emancipação, estabeleceu a Matrícula Geral dos Escravos e libertou os escravos de nação. 16 E muitas vezes foi ressignificada nos tribunais abrindo brechas para que os escravos alcançassem a liberdade.17 Quando do centenário da referida Lei em 1971, Edson Carneiro proferiu uma palestra sobre a mesma Lei destacando a necessidade de se estabelecerem mais pesquisas acerca da legislação que normatizava as relações escravagistas do Império.18 De lá pra cá muito já se 15 Tal dimensão da lei do ventre Livre em relação ao costume do pecúlio foi discutido por Manuela Carneiro da Cunha. Ver : CUNHA, Manuela Carneiro da. Sobre os silêncios da lei: lei costumeira e positiva nas alforrias de escravos no Brasil do século XIX. In: Revista de Antropologia do Brasil, 1986. 16 Os escravos de nação eram aqueles que pertenciam ao Estado, e exerciam suas atividades em estabelecimentos administrados pelo governo. 17 A Lei do Ventre Livre foi constituída por nove artigos, sendo o primeiro deles sobre a liberdade do ventre escravo o mais conhecido, o artigo 2º determinava que o governo poderia entregar o menor ingênuo a associações, no terceiro artigo fora determinado a libertação de escravos em cada província com a criação de um fundo para tal fim, no 4º artigo permitiu ao escravo a formação do pecúlio, pratica essa que era de cunho costumeiro. No artigo 5º sujeitava as sociedades emancipacionistas a inspeção do juiz de órfãos, no caso do Pará o Curador Geral de Órfãos Henrique cordeiro de Castro, que assumiu o cargo em 1877 era membro de uma agremiação abolicionista; o artigo 6º declarava libertos os escravos da nação, os dados em usufruto a Coroa, os de heranças vagas e os abandonados por seus senhores. O sétimo artigo determinava que nas causas da liberdade a ação seria sumária, e no oitavo e nono artigos versavam sobre a matrícula geral de cativos e ingênuos e sobre as multas e taxas em relação ao não cumprimento das determinações da lei. 18 A referida palestra foi publicada em formato de artigo: CARNEIRO, Edson. A Lei do Ventre Livre. Revista Afro-Ásia, n. 13. http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n13_p13.pdf http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n13_p13.pdf 26 adiantou nos estudos das Leis e da escravidão brasileira, contudo é interessante tomarmos alguns pontos indicados por Edson Carneiro em 1971.19 Edson Carneiro indicou que as reformas da Lei de 1871 correspondiam de modo geral a duas correntes principais de opinião, uma dos escravocratas que ansiavam por acalmar os ânimos de abolicionistas e preservar o seu direito a propriedade escrava; e outra constituída por liberais de cunho mais radical que ansiavam pelo fim da escravidão. Edson Carneiro estabeleceu uma correspondência entre a Lei do Ventre Livre e as proposições feitas por José Bonifácio de Andrade na Assembleia Constituinte do Império de 1823, onde algumas daquelas propostas apresentadas por Bonifácio como o pecúlio do escravo, a criação de um fundo que serviria pra alforriar cativos anualmente, entre outras, serviram de base para a Lei de 1871. 20 Segundo Carneiro foi logo após a promulgação da Lei de fim de tráfico de escravos de 1850 (Eusébio de Queiroz) que o deputado pela província do Ceará o Sr. Silva Guimarães apresentou uma proposta declarando livres os filhos de escravas e proibindo a separação de cônjuges escravos, não obtento apoio na Câmara, e dois anos depois o mesmo deputado apresentou novo projeto sendo novamente derrotado. Outros projetos com propostas que tratavam sobre a ―questão servil‖ foram apresentados na década de 1860, três do deputado Silveira Mota entre 1862 e 1865, mais três foram apresentados pelo Visconde de Jequitinhonha (1865), também foram apresentados projetos propostos por Tavares Bastos em (1866). Entre 1866-1867 o deputado Pimenta Bueno (Visconde de São Vicente) ficou incumbido e preparar um projeto sobre a questão dos nascituros; em primeiro momento a Guerra do Paraguai serviu de desvio de foco e arrefeceu a questão no parlamento, no entanto a declaração da emancipação da escravidão no Paraguai em 2 de outubro de 1869 por pressão do governo Brasileiro trouxe novamente a questão ao debateno parlamento brasileiro. Foi sob o gabinete do Visconde do Rio Branco que o projeto de Lei sobre os nascituros fora votado em 1871. 21 Como frisou Edson Carneiro; a Lei de 1871 declarou 19 Entre o conjunto de trabalhos que discutem não apenas a legislação escravagista do Império brasileiro e sim também a relação entre justiça e escravidão ver a coletânea de textos publicados em: Direitos e justiças no Brasil, 2006, UNICAMP. 20 CARNEIRO, Edson. Op. Cit. pp. 15-17. 21 VER PROJETO nº 1 apresentado por Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente. In: Trabalho sobre a extinção da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1868. p. 3-18. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/185616. 27 livre da escravidão jurídica os filhos de ventre escravo, no entanto, constituiu a condição destes menores como uma escravidão de fato. 22 Christina Ladiler indica que apesar das críticas feitas pelos abolicionistas contra a Lei de 1871 como uma forma de alongar ainda mais a vida da escravidão, ainda sim esta Lei marcou um momento importante, enfraquecendo a legitimidade da escravidão ao deslegitimar no sentido moral a instituição da escravidão no Brasil. Somente foi possível o andamento do projeto da Lei de 1871 devido ao contexto formado com o fim do tráfico de escravos e o processo de concentração da propriedade escrava nas mãos de poucos proprietários; o que possibilitou a formação de uma elite urbana não necessariamente vinculada à propriedade escrava e que carregava consigo os ―ideais do século‖. Segundo a mesma autora: A sociedade vivia grandes mudanças após o fim do tráfico. Alterava- se o padrão da propriedade de escravos, que se concentrava progressivamente em poucas mãos, permitindo que setores desvinculados e não dependentes da escravidão crescessem e apoiassem a emancipação como condição do progresso da nação. Por outro lado, a base da estrutura social, antes formada pelos africanos boçais, já não existia, e ladinos e crioulos, que até então podiam esperar por benefícios frente aos recém-chegados, passaram à ocupar o lugar mais baixo da hierarquia social, e sua luta por prerrogativas tornou-se luta por direitos, num contexto de menor expectativa de alforrias concedidas graciosamente. 23 O argumento forte de Christina Ladiler foi à existência de um processo de fortalecimento de uma elite desvinculada da mão de obra escrava, o que possibilitou o andamento dos debates das Leis emancipacionistas. Posto estes pontos, corroboro com a afirmação de Carneiro do caráter dual da Lei de 1871, desde o texto de Edson Carneiro tal premissa se apresentou de forma contundente aos que estudam a Lei do Ventre Livre. Sidney Chalhoub também se ocupou de analisar as transformações e as discussões no contexto da Lei de 28 de setembro de 1871.24 Ao mostrar os ir e vir discursivo de diversos parlamentares sobre a questão da reforma servil principalmente a partir de 1867, Chalhoub mostra o quanto conflituoso fora à aprovação da Lei do Ventre Livre. Destacando a mudança de gabinete desde a solicitação pelo Imperador ao Visconde de São Vicente (Pimenta Bueno) para elaboração de um projeto que versasse sobre a questão. 22 Idem; p. 23. 23 LAIDLER, Christiane. Lei do Ventre Livre: interesses e disputas em torno do projeto de ―abolição gradual‖; p. 181. 24 CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. Companhia das Letras. E-book. 28 Como indica Chalhoub mesmo diante das pressões em prol da emancipação servil que aumentara na década de 1860, tanto a aprovação da Lei quanto a sua execução encontrou resistência sob o argumento de manutenção da ordem, e com o receio do abalo no poder moral dos senhores que a Lei viria causar. O próprio Visconde do Rio Branco teceu críticas à reforma nas discussões de 1867 acerca da reforma servil, mudando de opinião nos quatro anos seguintes. Um dos pontos apresentados por Chalhoub e que aqui destaco foi à discussão promovida no parlamento sobre a condição do filho da escrava durante o ano de 1871 diante das discussões do projeto de reforma então em pauta. A Lei de 1871 criou novas categorias sociais e extingui tacitamente outras. Podemos afirmar que Lei de 1871 silenciou acerca da condição dos africanos livres e aqueles escravizados ilegalmente ao estabelecer a Matrícula Geral dos Escravos em seus artigos, possibilitando que o senhor de indivíduos ilegalmente escravizados atribuíssem caráter de legitimidade e legalidade a sua ―suposta propriedade‖.25 Assim como deu um ―fim‖ a questão sobre os africanos livres, categoria social que caducou no contexto da década de 1870.26 Se durante as décadas de 1860 algumas ações de liberdade se baseavam na Lei de fim de tráfico de 1831,27 após a Matrícula Geral de Escravos estabelecida na Lei do Ventre Livre, a discussão ganhou novas direções como a questão da formação de uma mão de obra livre para a lavoura, o controle da população liberta, e dos filhos das escravas. Houve certo destaque durante as discussões sobre a Lei do Ventre Livre dado a questão da denominação a ser atribuída ao filho da escrava nascido a partir da promulgação da Lei. Tal discussão não trazia em si somente a necessidade de denominação da criança de ventre cativo, e sim dos limites da cidadania que estes menores poderiam usufruir futuramente, seria ele chamado de liberto? Ou de ingênuo? 25 CHALHOUB, Sidney. A Força da Escravidão: ilegalidade e Costume no Brasil Oitocentista. 1ª ed. São Paulo, Companhia das Letras, 2012. 26 O discurso proferido por C. Ottoni no parlamento em 1882 vai indicando o quanto a questão dos africanos vai caducando sobre o contexto da década de 1870 e 1880: ―Que a lei era aplicável a centenas de milhares de casos, facilmente se prova. São passados 52 anos depois da promulgação dessa lei. Os africanos importados nunca o eram em tenra idade; as crianças não suportavam a travessia, nem achavam compradores, porque o de que se precisava era braços para o trabalho. A mínima idade dos africanos importados pode ser avaliada em 12 a 13 anos. Assim, dos importados antes de 1831 só podem existir alguns maiores de 65 anos, e sabe-se que raros desses infelizes transpõem tal meta. Portanto, ou não existem, ou raríssimos são os indivíduos naturais da África que estejam isentos da sanção da lei de 1831. Eu não tenho conhecimento de um que seja. (...)‖. In: Emancipação dos Escravos. Discurso Proferido no Senado, Sessão 30 de Junho de 1883. Rio de Janeiro, Tipographia Nacional, 1883. BDSF. 27 COTA, Luis Gustavo Santos. Não só ―para inglês ver‖: justiça, escravidão e Abolicionismo em Minas Gerais. Historia Social, nº 21, segundo semestre de 2011. 29 Ao se denominar a criança nascida de ventre cativo de ―liberto‖ admitia-se o caráter de propriedade do menor e, portanto, abriam-se brechas para a indenização aos proprietários das mães cativas; ao mesmo tempo em que se restringiam a cidadania completa sendo que pela constituição de 1824 os libertos não teriam acesso a determinados direitos políticos. O Barão do Rio Branco alertava para tal situação que iria ser criada se os filhos da Lei de 1871 fossem considerados libertos: A Lei não restitui a liberdade aos indivíduos a quem vai beneficiar, estabelece o princípio de que da sua data em diante, ninguém nascerá escravo no território brasileiro. É esse o seu pensamento, e por isso não reconhece nesta parte direito de indenização em favor dos senhores. O contrário estaria em flagrante contradição com tudo quanto se pode alegar e se alega, em nome da religião, do direito natural e das luzes do século, contra o estado de escravidão. O contrário fora criar entre nós uma nova classe social não menos perigosa,a de cidadãos privados de preciosos direitos em relação à vida pública e política. Se os libertos até hoje se mostram resignados, é porque neles verificam-se os motivos da incapacidade prevista pela constituição, e não são eles em grande número, ou se acham em situações muito diversas de lugar, de ocasião e de idade, visto que as alforrias são individuais, incertas e lentas. (Paranhos, 1871. Apud: Chalhoub). 28 Rio Branco distanciava a categoria social criada com a Lei do ventre Livre da condição dos libertos. A Lei não os restituiria a condição de liberdade, sendo que estes já nascerem livres e por tanto detentores de uma cidadania plena. O valor de seiscentos mil reis que visava indenizar o senhor da mãe cativa, não tinha por fim indenizar o valor da criança e sim os gastos que o mesmo teria ao cuidar do menor até este atingir a idade de oito anos e tornar-se força de trabalho. A outra denominação que embora tenha sido usada durante os debates, nos tribunais e na sociedade imperial de modo geral ao longo das décadas de 1870 e 1880 era o termo ―ingênuo‖. O individuo nascido ingênuo (nascido livre) possuiria direitos a uma cidadania ―integral‖, o que pareceu não agradar a muitos escravocratas do parlamento; a estratégia elaborada no discurso do Visconde de São Vicente (Pimenta Bueno) fora a de deixar a questão de ―classificação‖ do menor para mais adiante, e o denomina-lo tão somente por àquela hora de ―condição livre‖. Daí o silêncio do termo ingênuo na Lei de 1871, no entanto, costumeiramente tal denominação foi bastante comum nos tribunais e nos periódicos, a necessidade de distinguir os filhos da Lei de 1871 das crianças cativas e dos libertos levou a uso costumeiro do termo ingênuo. 28 CHALHOUB, Sidney. 2012, Op. Cit. p. 127. 30 Dos debates parlamentares até as transformações de fato vivenciadas pelos cativos e seus filhos, constituem-se quase que objetos distintos no sentido de que embora os legisladores e parlamentares calculassem os riscos e ressonâncias da Lei do Ventre Livre, sua efetiva aplicação ganhou significados diversos. Um dos primeiros foi à afirmação do menor nascido de ―condição livre‖ enquanto ingênuo. Outro fora o uso da força de trabalho do ingênuo. Kátia Mattoso ao falar do filho da escrava resaltava que os senhores de escravos longe de deixarem de dar atenção à reprodução dos cativos de seus planteis, passou a utilizar da mão de obra do ingênuo, segundo Kátia Mattoso: Teríamos a tendência de pensar que, finalmente, o valor do escravo criança desaparece com a promulgação da Lei de 1871; até atribuímos a falta de precisões sobre o sexo, o nome, a cor e a idade ao fato que a criança ingênua interessava menos agora aos seus senhores. Na realidade, a falta de dados sobre ingênuos é talvez mais uma maneira dos senhores aproveitarem-se de situações pouco claras. De qualquer maneira, os senhores nunca deixaram de bem conhecer o valor real dessas crianças. 29 Quando estes menores atingiram a idade de oito anos poucos senhores os entregaram ao Estado, a tutela do ingênuo tornou-se um direito a qual o escravocrata não abriu mão. Isso remete a uma experiência muito mais enraizada na sociedade brasileira que é o de ter um moleque, uma cria da casa, ora um indiozinho, ora um mulatinho, uma relação baseada na exploração da força de trabalho em troca de cuidados e moradia, e alguma modalidade de educação. A manutenção do domínio senhorial sobre os ingênuos representou a institucionalização em termos legais de uma prática social. O literato paraense Marques de Carvalho em um poema abolicionista publicado em 1886 sob o patrocínio de uma associação abolicionista em Recife - PE, condenava a inoperância do Imperador D. Pedro em relação à questão servil, sob o contexto da década de 1880 a Lei do Ventre Livre deixava de dar contento aos abolicionistas que se reorganizavam e exigiam novas medidas em prol da emancipação escrava, o trecho do poema de Marques de Carvalho remete a este contexto: A Pedro assim disseram : - Somos as crianças Que uma Lei luminosa ao jugo arrebatou. Nossos pais entretanto na desdita lanças! No teu peito o remorso nunca se aninhou! Ah! nunca! nunca! é certo.! O povo brasileiro E' maldito por toda a civilização, Porque no Brasil reina o infame cativeiro, 29 MATTOSO, Kátia. O Filho da Escrava (entorno da Lei do Ventre Livre). Revista Brasileira de História .- São Paulo, V. 8, n. 16. Mar/Ago, 1988, p. 55. 31 Esse verme que roe a pútrida nação! Quase todos nós somos filhos dos senhores De nossas boas mães, das míseras mulheres Que de dia sofriam do castigo as dores E á noite lhes davam sensuais prazeres... Coitadas! Muita vez para longe vendidas Deixaram-nos pra sempre, mártires bondosa, E vimo-nos sem mães, crianças desvalidas, Dos próprios pais sofrendo penas rigorosas! Mas libertos nós fomos, graças aos esforços De Rio-Branco o grande apostolo imortal Da santa Liberdade ... - O' rei! duros remorsos Não te mordem acaso o coração brutal? 30 Marques de Carvalho construiu uma representação romantizada da Lei de 1871, assim como a noção da escravidão enquanto um elemento que degenera a nação brasileira, remetendo-se também as relações sexuais entre as cativas e seus senhores. Mais do que atribuir alguma concretude real as representações apresentadas neste poema é interessante perceber que as significações das categorias e simbologias utilizadas tem sentido dentro das discussões do período ―pós-Lei do ventre livre‖. Para Marques de Carvalho, assim como para outros abolicionistas a Lei de 28 de setembro de 1871 ao libertar o ingênuo e não fazer o mesmo pelos pais gerou uma nova massa de menores desvalidos; ― E vimo-nos sem mães, crianças desvalidas‖. Os ingênuos no Grão – Pará O Pará em 1888 possuía a população de 11.273 ingênuos matriculados, sendo que Belém mantinha 25,5 % desse contingente, número muito próximo do número de escravos para o mesmo período. Embora tenha encontrado dados sobre o número de ingênuos para o ano de 1876, o Pará apresentou os dados bem mais tarde que outras províncias, em 1874 o Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Amazonas e outras seis províncias já apresentavam seus dados. 31 Foi somente a partir de 1878 que informações sobre a população ingênua passaram a serem apresentadas nos relatórios dos presidentes de província do Grão- Pará, e mesmo assim em períodos pouco regulares, temos dados para os anos de 1878, 1884,1885 e 1887. As determinações sobre á matrícula destes menores assim como as dificuldades para registrar e sistematizar tais dados foram um empecilho para a pronta execução da Lei. 30 Marques de Carvalho, João. O Sonho do Monarcha; Poemeto Abolicionista. Recife – Typographia da Industrial, 1886, p. 12. 31 VEIGA, Luiz Francisco da. Op. Cit. p. 53. 32 Estes menores surgiram como sujeitos principais nas ações de tutela nos anos finais da escravidão e principalmente nos meses subsequentes a Lei Áurea. A Lei de 1871 marca um momento de maior intervenção do Estado na relação privada entre senhor e escravo, o fato é que ao possibilitar legar automaticamente a tutela do ingênuo ao senhor da mãe cativa, o Estado diminui o grau de intervenção na relação entre cativo e senhor. Para além das propostas e discursos o Estado só aparece novamente na figura do juízo de órfãos durante o período final do regime escravagista, quando os ex-senhores viram-se privados de um direito que até então usufruíam sendo este o domínio sobre a força de trabalho do ingênuo. No relatório de 1872 o então presidente de província Abel Graça registrou em palavras de ―júbilo‖ a chegada da notícia na província paraense sobre a Lei do VentreLivre, tal Lei segundo ele seria um ―imenso passo dado pelo Império no caminho do progresso e civilização‖. De imediato fora dado pelo presidente da província dois dias dos seus ―subsídios‖ para serem aplicados a emancipação de crianças do sexo feminino. Mediante o que foi apresentado no Relatório de Presidente de Província, a Lei do ventre livre teria sido o ―primeiro e mais importante cometimento‖ na obra da emancipação, faltava agora que se mantivesse o ―ardor patriótico‖ para a execução da Lei.32 A Lei de 1871 criou novas categorias sociais assim como marcou o fim de outras. Para sua efetiva implementação foram necessários outros regulamentos produzidos entre 1871 e 1879, de como deveriam ser arrecadados e aplicados os fundos a serem distribuídos para a emancipação de escravos, o regulamento sobre o como deveria se proceder a Matricula Geral dos Cativos e a matrícula dos ingênuos. Seguiu a Lei de 1871, o decreto nº 4835 de 1 de dezembro de 1871 tratando sobre a matrícula dos escravos e filhos livres de mulheres escravas, depois o decreto nº 5135 de 13 de novembro de 1872 que aprovou o regulamento geral para a execução de Lei do Ventre Livre. Tal conjunto de decretos e regulamentos que se seguiram após a Lei do Ventre Livre correspondem aos mecanismos pelos quais se buscou por em execução a referida Lei e podem indicar as dificuldades sobre a sua execução. Lenine Nequete elencou sete decretos que se seguiram a Lei do Ventre Livre; o decreto nº 4,835 de 01/12/1871 estabelecendo as regras para a matrícula de escravos e ingênuos, o nº 4.960 de 08/05/1872 promovendo alterações ao decreto anterior em relação à matrícula de ingênuos, o nº 5.135 de 13/11/1872 aprovando o regulamento geral para a execução da Lei do ventre livre, o de nº 6.341 de 20/09/1876 alterando as certas disposições do regulamento de 13/11/1872; o 32 Relatório Apresentado á Assembleia legislativa Provincial na primeira sessão da 18º legislatura em 15 de fevereiro de pelo presidente de província, Dr. Abel Graça. 1872, p. 5. 33 decreto nº de 08/07/1878 que prorrogou o prazo para matrícula de ingênuos de três para seis meses; o decreto de 31/10/1879 aumentando o valor das taxas a serem pagas pelos senhores, e por fim o decreto de 15/11/1879 estabelecendo multas por omissão na matrícula dos escravos, a estes devem ser acrescidos os inúmeros avisos e circulares emitidos pelo Ministério da Agricultura e Obras Públicas.33 Vicente Alves de Paula34 em 1875 publicara sua obra que trazia as disposições da Lei de 1871 juntamente com os decretos e alguns pareceres que ocorreram nos tribunais do Império até 1874. Magistrado em sobral na província do Ceará, Alves de Paula logo no início de sua publicação fez referência à situação que teria se seguido nos Estados Unidos durante a guerra de secessão após a libertação dos escravos, segundo ele: Nos Estados-Unidos, quando começou a guerra de secessão, a animação foi geral, no intuito de criar os meios de educação aos infelizes, que iam deixar a escravidão, e o Governo se paz á testa da propaganda, e com tanto interesse, que no fim de um ano (1863), 1,500 escolas estavam abertas para receber os libertos, e no começo de 1868 haviam 4,000. 35 O magistrado Cearense via na experiência dos Estados Unidos um guia na forma como lidar com os ingênuos da Lei de 1871. A educação para ele seria o meio de manter a ordem e civilizar a nação, o receio que os filhos livres de mulheres escravas se tornassem um perigo à sociedade fora o que fundamentara seu discurso sobre a necessidade de educa-los, eis a perspectiva de Alves de Paula nas suas palavras: ―(...), que no fim de contas e quando os filho dos escravos, que hoje nascem, tiverem de aparecer na sociedade, será necessário demasiada vigilância dos poderes públicos para os conter nas raias do dever, prevenindo qualquer alteração na ordem publica‖. 36 A educação seria uma via de contenção dos vícios que estes menores poderiam carregar se mantidos em condição semelhantes à de seus pais. O artigo 2º da Lei do Ventre Livre determinava que o Governo pudesse entregar os menores abandonados ou cedidos pelos senhores das mães às associações que apresentassem interesse; as mesmas poderiam usufruir dos serviços dos menores até a 33 NEQUETE, Lenine. Escravos & Magistrados no 2º reinado: aplicação da lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871. Brasília, Fundação Petrônio Portella, 1988, pp. 155-156. 34 Vicente Alves de Paula nasceu em sobral no ano de 1828, formou-se em direito em 1850 na faculdade de Olinda – PE, ocupou o cargo de juiz de direito de Sobral de 1865 a 1876, após esse período ocupara o cargo de Desembargador da Relação do Pará, em 1878 fora nomeado presidente da mesma Relação e recebeu o titulo de Conselheiro. Informações tiradas de: http://www.ceara.pro.br/cearenses/listapornomedetalhe.php?pid=32160 35 PAULA, Vicente Alves de. Op. Cit., p. 8. 36 Idem. http://www.ceara.pro.br/cearenses/listapornomedetalhe.php?pid=32160 34 idade de 21 anos, sendo estas obrigadas a cria-los e dar educação juntamente com um pecúlio. Segundo Alves de Paula foi publicado um aviso do Ministério da Agricultura de 30 de outubro de 1871 solicitando aos Presidentes de Província que verificassem se existiam em suas Províncias associações emancipacionistas já organizados e com seus devidos estatutos aprovados.37 Karla Barros indica que o Ministério da Agricultura em 1877 calculava a existência de 192.000 ingênuos matriculados o Império e estimavam uma media anual de 4.000 nascimentos, 38 e deste modo cogitavam a possibilidade de que ao menos um sexto destes menores fosse entregue ao Estado; daí a necessidade de se fundarem estabelecimentos para receberem estes menores a partir de 1879, ano que os mesmos completariam a idade de oito anos. Em 1877 foi encaminhada a presidência da província do Pará um relatório executado por mando da mesma presidência para averiguar se existiam associações emancipacionistas e institutos que poderia cuidar e educar dos filhos livres de mulheres escravas de acordo com a Lei de 1871.39 Pará, 19 de setembro de 1877. ILLm. e Exm. Sr. , - Em devido tempo nos temos reunidos em comissão com o fim de dar cumprimento no encargo que V. Exc. se dignou confiar-nos, qual o de informarmos a essa presidência, se nesta província existem elementos para fundação de associações destinadas a criar e educar filhos de escravas nascidos desde a promulgação da Lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871, que forem cedidos ou abandonados pelos senhores das escravas ou forem tiradas do poder destes em virtude o §6º do art. 1º da mesma Lei. 40 Os membros da mesma comissão foram: Antonio Gonçalves Nunes, que também era presidente da Comissão de Colonização no Pará, 41 foi um dos redatores do jornal Diário do Gram Pará, e deputado do partido conservador.42 Também participava da comissão 37 Segundo Alves de Paula: ―O Aviso de 30 de Outubro de 1871, dirigido aos Presidentes das Províncias, consultou: se existiam na Província a cargo de cada um, elemento e disposições para e fundarem as associações de que trata este artigo, devendo imediatamente empregar esforços para sua organização, comunicando as medidas, que por parte do Governo forem precisas para esse fim. E se existiam sociedades de emancipação já organizadas e funcionando com estatutos legalmente aprovados, devendo o Presidente promover a sua regularização na hipótese contraria: quais os meios de que dispõe, os serviços que tem prestado, as medidas que convém adotar para seu desenvolvimento, e finalmente, se estão dispostas a admitir entre os fins de sua instituição o de receberem menores filhos de: escravas, de que se faz mençãoneste art. E sob que condições‖. Ver, Vicente Alves de Paula. Op. cit. 1875, p. 18. 38 Barros, Karla. Op. Cit. 2009, pp. 113-114. 39 Jornal do Pará, 18/10/1877, nº 237, p.1. 40 Idem. 41 A informação do cargo exercido por Gonçalves Nunes foi retirada de um oficio do presidente da província encaminhado ao mesmo para que no seu cargo distribuísse o valor de quarenta e oito mil reis a imigrantes cearenses que fora arrecadada em Vizeu para as vitimas da seca. Jornal do Pará, 24/10/1877, p.1. 42 BEZERRA NETO, Jose maia, 2009. Op. Cit., pp. 167, 169. 35 para averiguar a existência de associações, os senhores; Guilherme Francisco Cruz, eleito no ano de 1884 Deputado pela província do Pará e de cunho conservador,43 Manoel Roque Jorge Ribeiro era um capitalista, dono de escravos e integrante da Associação Philantrópica de Emancipação de Escravos e eleito membro do conselho deliberativo da mesma em agosto de 1869,44 Joaquim Jose de Assis e Antonio José de Sousa Dillon, o primeiro foi um dos donos do Jornal político O Colombo, ligado ao Partido Liberal, não encontrei referências sobre este último. O relatório estabelecia alguns apontamentos para que se pudesse cumprir a Lei de 1871, segundo os relatores haviam sérias dificuldades para se organizarem as referidas associações no Pará, entretanto viam a necessidade de se estabelecerem formas para o cumprimento da Lei, eis um trecho do relatório: É preciso não perder de vista que os filhos de mulher escrava que vão entrar no gozo dos benefícios a que dá-lhes direito a Lei de 28 de setembro, destinam-se, principalmente ao emprego na lavoura, das artes e dos ofícios, devendo previamente, receber uma boa e compatível educação e instrução. As associações de que se trata tem sobre tudo por fim promover essa instrução e educação, antes quais não devem, nem podem auferir vantagem alguma, e mais seria menos difícil de conseguir. Para os menores destinados as artes e ofícios, possuímos nesta capital diversos estabelecimentos públicos e particulares que não farão questão de recebe-los, uma vez que lhes sejam prometidas algumas vantagens, e outro tanto podemos dizer também acerca dos que destinam á lavoura, bem que, quanto a estes, em vista do atraso em que ela se acha, dada á ruína, terão eles apenas um fraco meio de subsistência. 45 Os relatores dividiam a educação dos ingênuos em dois níveis um destinado às artes e ofícios, para os quais o próprio governo já havia criado, como exemplo embora não citado no relatório temos o Instituto de Educandos e Artífices fundado em 1872. O relatório destacava ainda que se as dificuldades para ―dar cumprimento‖ da Lei em relação aos menores de sexo masculino eram grandes, as do sexo feminino seriam maiores havendo a necessidade de se criarem institutos ―modelados‖ a imagem do Colégio do Amparo. Quanto à lavoura, os relatores viam nela apenas uma forma de parca subsistência, um dos membros da comissão o Sr. Gonçalves Nunes era então presidente da Comissão de Colonização e por tal cargo deveria estar a par da situação da lavoura na província 43 Idem. p. 431. 44 Ibidem. pp. 205, 216. 45 Jornal do Pará, 18/10/1877, nº 237, p.1. 36 paraense. Enquanto o relatório indicou que poderiam ser formulados estabelecimentos de artes e ofícios em modelo de internatos, os estabelecimentos rurais não seriam exequíveis em prazo de poucos anos. A participação de um dos membros da então antiga Associação Philantrópica de Emancipação de Escravos O Sr. Manoel Roque Jorge Ribeiro na comissão que elaborou o relatório causa mais dúvidas acerca da ausência de menção à associações emancipacionistas no relatório, infiro que isto ocorreu em virtude da Lei de 1871 ter dado ―contentamento‖ suficiente no cotexto do movimento emancipacionista paraense da década de 1870. O que se buscou a partir de 1871 foi o cumprimento da Lei, este foi o eixo de maior ação dos então emancipacionistas paraenses até a década de 1880 quando o movimento abolicionista ganharia novo fôlego. Mais do que dar ―trabalho ou emprego‖ a estes menores, o relatório indica uma preocupação com a educação dos mesmos. O principal seria o estimulo a criação de estabelecimentos com o intuito de educar os menores nas artes, nos ofícios e na lavoura. Viam-se nestes menores todo o potencial de contingente de mão de obra para o progresso da sociedade, os relatores concluem o trabalho oferecendo sugestões para o comprimento da Lei: Recorremos aos sentimentos filantrópicos e humanitários dos habitantes desta província e ao mesmo tempo prometendo-lhes algumas vantagens que tornem menos pesado o sacrifício, estamos convencidos que V. Exc. com o prestigio que justamente goza, pode conseguir formar uma ou mais associações que se proponham a criar e educar os filhos de escravos, cujos senhores os abandonarem, uma vez que o governo geral o habilite a subvencionar tais associações, segundo as proporções que elas tiveram, além das vantagens que a Lei garante dos serviços prestados pelos ingênuos até a idade de 21 anos. 46 Seguiu-se ao relatório um ofício encaminhado pelo presidente de província do Pará o Sr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho em cinco de outubro de 1877 ao Ministério da Agricultura. O então presidente de província do Pará cumprindo as determinações do aviso de 24 de maio de 1877 do Ministério da Agricultura encaminhou o relatório acima mencionado ao referido ministério, e fez alguns apontamentos para solucionar a questão dos filhos livres de mulheres escravas na província Paraense. No seu Ofício administrativo encaminhado juntamente com o relatório, ele pedia licença para sugerir ao governo Imperial que fossem utilizadas as fazendas nacionais 46 Jornal do Pará, 18/10/1877, nº 237, p.1. 37 existentes da ilha do Marajó, sendo que nelas já haviam muitos libertos de Nação,47 que após cumprirem o quinquênio de serviços exigido por Lei continuavam a trabalharem nas mesmas terras, o então presidente de província João Capistrano Bandeira de Mello Filho sugeriu que as fazendas nacionais do Marajó se tornassem um ―estabelecimento agrícola‖ para os filhos livres da mulher escrava, visto primeiramente que as fazendas nacionais estavam a dar prejuízo ao erário régio e o governo imperial havia autorizado a venda das mesmas. Ao transformar as fazendas nacionais em estabelecimentos agrícolas (ele citou como exemplo o que ocorrera com a fazenda nacional no Piauí) o governo estaria sanando três problemas; tanto a utilização das fazendas nacionais e minimizando os gastos e prejuízos que as mesmas estavam proporcionando, como facilitaria o cumprimento efetivo da Lei de 1871 dando educação aos menores, e que também produziria braços para a lavoura paraense em tão ―lastimoso estado‖. No meu humilde conceito é preferível aproveitar, ao menos como ensaio, as fazendas nacionais para estabelecimentos, onde se criem e eduquem para a vida agrícola os filhos livres de mulher escrava, do que continuarem elas no pé em que se acham, dando constantes déficits ou a vende-las conforme acaba o governo imperial de ser autorizado, porquanto, neste ultimo caso serão mui grandes os prejuízos com a venda das mesmas, atentas diferentes circunstancias, entre elas sobreleva o avultado dispêndio com a demarcação e divisão das referidas fazendas, o que é necessário para mais facilmente haver compradores. 48 Em relação às Fazendas Nacionais localizadas na Ilha do Marajó, um relatório produzido pelo Dr. Ferreira Pena e apresentado ao então presidente de Província do Pará o Sr. F. M. Corrêa de Sá Benevides no ano de 1876; indicando que as fazendas estavam dando prejuízo ao governo, que seria de 22.500$000 a cada ano, em relação ao último quatriênio.
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