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A Memoria como Instrumento a No romance histórico de Mediação

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16 
ISSN 2237-700X 
 
IX Contextos e Conceitos 
Mostra de Produção Científica e Extensão 
Instituto Federal do Paraná – Campus Palmas 
 
A Memória como Instrumento, a Mediação como Forma: a 
Ressignificação da História Paranaense em O Bruxo d o 
Contestado 
 
 
Thiana Nunes Cella (thianacella@gmail.com)1 
1Instituto Federal do Paraná/Unioeste 
 
 
Resumo: O rol da produção de romances históricos do Paraná é um campo vasto e 
extremamente fértil. Exemplar desse conjunto, O bruxo do Contestado, de 
Godofredo Oliveira Neto, publicado em 2012, insere-se no âmbito de romances que 
dialogam com o passado e ressignificam a historiografia tradicional do estado. Como 
o título prenuncia, o romance apresenta a ficcionalização de um momento marcante 
dos estados do Paraná e Santa Catarina: a Guerra do Contestado - um conflito 
armado travado entre posseiros e pequenos fazendeiros contra o Estado, acentuado 
pelo messianismo e o fanatismo religioso -, ocorrida entre os anos de 1912 e 1916. 
A análise aqui apresentada é parte de projeto de pesquisa que investiga a produção 
de narrativas híbridas de história e ficção paranaense. Sobre O bruxo do 
Contestado, apresenta-se aqui uma análise crítica qualitativa na qual o 
consideramos um romance histórico contemporâneo de mediação, na acepção de 
Fleck (2017). Nessa, portanto, intenta-se mostrar de que maneira os discursos da 
historiografia são reelaborados criticamente pela ficção, examinar as estratégias 
literárias presentes na urdidura narrativa, tais como a utilização da memória e do 
documento, e a sobreposição de momentos históricos (Guerra do Contestado – 
Ditadura Militar). A partir da análise elaborada, é possível perceber que O bruxo do 
contestado se apropria dos discursos históricos e do recurso da memória para a 
consolidação ou rejeição de diferentes posturas histórico ideológicas, bem como 
para posicionar-se como um elemento de resistência ao apagamento e 
esquecimento de versões da história não legitimadas pelo discurso histórico 
hegemônico. 
Palavras-chave : Guerra do Contestado. Paraná. Romance histórico contemporâneo 
de mediação. 
 
 
Abstract: Parana's production of historical novels is a vast and extremely fertile field. 
An example of this set is O bruxo do Contestado, by Godofredo Oliveira Neto, 
published in 2012. The novel dialogues with the past and re-means the traditional 
historiography of the state. As the title foreshadows, the novel presents the 
fictionalization of a remarkable moment in Paraná and Santa Catarina: The 
Contestado War - an armed conflict between squatters and small farmers against the 
state, accentuated by messianism and religious fanaticism - occurred between 1912 
and 1916. The analysis presented here is part of a research project that investigates 
the hybrid narratives of History and fiction of Paraná. About O bruxo do Contestado, 
we present here a critical qualitative analysis in which we consider it as a mediation 
contemporary historical novel according to Fleck (2017). Therefore, we intend to 
show how fictional discourse rewrites the historiographical discourse; to examine 
literary strategies present in the narrative warp, such as the use of memory and 
 
 
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ISSN 2237-700X 
 
IX Contextos e Conceitos 
Mostra de Produção Científica e Extensão 
Instituto Federal do Paraná – Campus Palmas 
 
document, and the historical moment’s juxtaposition (such as The Contestado War 
and Brazilian military government). From the analysis here elaborated, it is possible 
to realize that the novel appropriates the historical discourse and the memory feature 
for the consolidation or rejection of different historical ideological postures, as well as 
to position itself as an element of resistance to the erasure and oblivion of History 
versions not legitimized by hegemonic historical discourse. 
Keywords: Mediation contemporary historical novel. Paraná. The Contestado War. 
 
 
1 Introdução 
 
Por constituir-se enquanto discurso, a história tradicional apresenta 
incontáveis lacunas a serem preenchidas, a história do estado do Paraná não é 
exceção. Fissuras entre o registrado e o esquecido, o negligenciado e o apagado, 
são inúmeras e inquietantes. Para suplementar essas ausências, são frequentes as 
empreitadas de estudiosos, teóricos e professores que se lançam à produção 
literária de extração histórica. Nesse sentido, a produção de narrativas híbridas de 
história e ficção, também chamadas de romances históricos, em especial na 
literatura contemporânea, aproveita esses espaços para elaborar reflexões críticas 
sobre o passado e revisitá-lo a partir de uma ótica inovadora, com a capacidade de 
confrontar e reavaliar o discurso histórico hegemônico. 
A história do Paraná tem sido cada vez mais revisitada pela literatura. Um 
romance exemplar dessa reconstituição do passado paranaense, em comunhão ao 
catarinense, é O bruxo do Contestado (2012), do professor e escritor Godofredo de 
Oliveira Neto. Nesse, o passado brasileiro é reelaborado por meio do relato da 
trajetória da família Rünnel, uma família paranaense desfavorecida socialmente; e 
registrado por Tecla, uma exilada política que escreve um diário durante a Ditadura 
Militar. A diegese configura-se, assim, como uma possibilidade de suprimir os hiatos 
deixados pelo discurso oficial por meio de uma reelaboração verossímil, com traços 
memorialísticos e postura crítica. 
Desse modo, com o objetivo de mais bem compreender a história e a 
produção de romances de extração histórica que refletem o passado paranaense, 
esse artigo realiza uma breve abordagem teórica sobre as relações entre história e 
ficção, tece sucintos apontamentos sobre o romance histórico contemporâneo de 
mediação e analisa como esses elementos, juntos à memória coletiva e histórica, 
ressignificam e lançam novas luzes sobre o passado a partir de perspectivas pouco 
privilegiadas. 
Cabe ressaltar que esse trabalho é parte embrionária de um projeto de 
pesquisa maior, doutoral, que se debruça sobre a produção literária paranaense de 
romances históricos. Investiga, portanto, desde suas primeiras produções, com 
David Carneiro em 1941, até as narrativas mais recentes, tais como as obras dos 
professores Miguel Sanchez Neto e Marco Aurélio Cremasco. As pesquisas sobre a 
literatura de extração histórica paranaense fazem-se relevantes quando considerada 
a escassez de trabalhos sobre a temática e sobre a literatura paranaense em geral, 
assim como pelo reduzido ou inexistente interesse pela história do estado. 
 
 
 
 
 
 
 
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2 História e memória na tessitura ficcional de O bruxo do contestado 
 
O romance O Bruxo do Contestado1, de Godofredo Oliveira Neto, é narrado 
por Tecla Jonhaski, uma personagem narradora que teve acesso às histórias da 
Guerra do Contestado, ocorrida entre os anos de 1912 e 1916, a partir de histórias 
contadas pela família de Gerd Rünnel e por ele mesmo, um dos personagens 
protagônicos da narrativa. A utilização da primeira pessoa não ocorre em todo o 
romance, ela é exclusividade de sete capítulos que rompem com a linearidade 
narrativa dos anos 1910: “Optei, finalmente, por deixar os [nomes] verdadeiros, 
inclusive o meu, Tecla” (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 11). Esses capítulos são escritos 
no formato de diário e foram escritos entre o dia 20 e 26 de janeiro de 1981, período 
em que a nação vivia outro momento conturbado, a Ditadura Militar (1964 – 1985), 
tema bastante frequente nos capítulos em formato de diário. Em sua totalidade, a 
narrativa mantém-se quase linear, interrompida apenas por algumas analepses e 
prolepses e pelos esparsos trechos diário já citados. 
Além do período dos conflitos do Contestado, Tecla também relata episódios 
vivenciados durante a Segunda Guerra Mundial no Brasil, as relações com as 
disputas de poder no Governo Vargas e o regime militar de 1964, como pode ser 
ratificadono excerto a seguir, representativo do momento em que as diferentes 
posturas nacionais estavam em conflito: 
 
Em 1941, me lembro de meu pai falando, Getúlio determinou em 
despacho ao Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP – 
fosse usada a língua brasileira. Assim, o DIP, os despachos do 
presidente, o Conselho Nacional de Imprensa e a legislação em geral 
adotaram a denominação língua brasileira em documentos oficiais. 
(OLIVEIRA NETO, 2012, p. 116, grifos do autor). 
 
Essas características, junto à inserção da diegese em um tempo pretérito bem 
delimitado, fazem com que o texto seja considerado uma narrativa híbrida de história 
e ficção (FLECK, 2017) ou um romance de extração histórica (ESTEVES, 2010). Em 
uma análise mais aprofundada, é possível afirmar que O bruxo do Contestado se 
enquadra como romance histórico contemporâneo de mediação, na acepção do 
professor e teórico Gilmei Francisco Fleck (2017), pois apresenta as características 
principais de uma releitura crítica e verossímil do passado, a linearidade (ou quase 
linearidade) na reelaboração do evento histórico, foco narrativo centralizado em 
personagens marginais ou ex-cêntricas, emprego de linguagem coloquial e fluída, e 
a utilização de estratégias metaficcionais e bakhtinianas, as quais são 
indispensáveis nessa modalidade. 
 
 
 
1 A narrativa aqui analisada já foi foco de nossos estudos anteriores, com enfoque nas 
relações entre a literatura paranaense, o ensino de literatura e a formação docente. 
Disponível em: CELLA, T., FELCK, G. “Da pesquisa à formação docente, por uma 
abordagem didática do texto literário: a ressignificação da história paranaense em O bruxo 
do contestado”. In: Anais do SEIPELL - Seminário Interinstitucional de Pesquisa em 
Literatura e Leitura. Cascavel, PR, v. 2. n. 1. 2019/ISSN: 2596-2361. 
 
 
 
 
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O romance histórico contemporâneo de mediação é uma modalidade 
recentemente estudada e determinada por Fleck (2017) devido à falta de estudos 
bem elaborados que abranjam tipologias intermediárias de narrativas de extração de 
histórica. De acordo com o autor, essas produções ganharam maior 
representatividade a partir da década de 1980, e apresentam caraterísticas 
estruturais e de linguagem mais simplificadas, que procuraram incorporar elementos 
do romance histórico clássico e tradicional amalgamados aos elementos mais 
descontrucionistas – presentes no novo romance histórico latino-americano 
(MENTON, 1993) e na metaficção historiográfica (HUTCHEON, 1991) – para a 
elaboração de releituras críticas do passado, em uma postura reconciliadora entre as 
duas modalidades. 
Apesar de o romance histórico contemporâneo de mediação ainda possuir 
características desconstrucionistas e dialógicas como a polifonia e a heteroglossia, 
são muitas as modificações dessa tipologia; essas narrativas: 
 
abandonam as superestruturas multiperspectivistas, as 
sobreposições temporais anacrônicas, os desconstrucionismos 
altamente paródicos e carnavalizados das releituras ficcionais 
anteriores. Elas adotam uma linearidade narrativa singela, com 
algumas analepses ou prolepses e um discurso crítico sobre o 
passado que privilegia uma linguagem próxima daquela cotidiana do 
leitor atual. Nelas, a construção da verossimilhança, em boa parte 
abandonada pelas escritas precedentes, volta a ser essencial. 
Contudo, não se configuram como escritas tradicionais do gênero, 
pois o passado é visto com criticidade, e as perspectivas dos 
marginalizados e excluídos são apresentadas, nessas narrativas, 
com tendências conciliadoras (FLECK, 2017, p. 104). 
 
A opção de inserir personagens comuns como protagonistas é apontada pelo 
autor como traço essencial para o romance histórico contemporâneo de mediação. 
Nessa modalidade, portanto, não há enfoque em personagens centrais, grandes 
heróis enaltecidos pela historiografia, mas focaliza as personagens históricas ex-
cêntricas, excluídas ou marginalizadas, com a finalidade de representar as 
perspectivas que foram negligenciadas pela historiografia oficial – aproxima-se, 
assim, da metaficção historiográfica na iniciativa de mostrar as múltiplas versões 
possíveis da história, especialmente aquelas levadas ao silenciamento e 
apagamento sistêmico. 
A narrativa de O bruxo do Contestado apresenta Gerd Rünnel, personagem 
que testemunhou e amargurou a Guerra do Contestado. É com foco nele e em sua 
família, esposa Juta e filha Rosa, que a diegese se desenvolve, o que atesta o foco 
narrativo voltado ao ex-cêntrico. Essa linha semântica narrativa é bastante fértil, em 
especial ao se tratar das relações entre a Guerra do Contestado e o imaginário da 
época, suas crenças e folclores, e por apresentar traços da memória coletiva e 
histórica sobre um momento pouco explorado pela historiografia tradicional. Devido 
ao objetivo do trabalho, entretanto, o foco da presente análise estará centrado nos 
capítulos escritos no formato de diário da personagem narradora, uma vez que são 
nesses que as relações entre a história e a memória se fazem mais nítidas. 
O Bruxo do Contestado (2012) inicia com uma Nota aos leitores, no qual 
explica que essa história havia sido escrita primeiramente em um caderno, e que o 
mesmo foi encontrado quando da demolição de um palacete na cidade de São 
Paulo. Em consonância à acepção de Genette (2006), esse paratexto fornece um 
 
 
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olhar “oficial ou oficioso” direcionando o leitor à aceitação como verdade do que é 
apresentado posteriormente. Funciona, assim, como uma estratégia de 
verossimilhança, em que o paratexto faz referência ao processo de escrita e aos 
detalhes físicos do manuscrito: 
 
O texto, escrito com caneta-tinteiro azul, foi pouco modificado, 
apenas algumas palavras atualizadas, e outras inventadas onde a 
letra era ilegível. Certos trechos haviam sido acrescentados a lápis 
no corpo do manuscrito – alguns estavam entre parênteses – e foram 
incorporados ao texto nesta edição. (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 9). 
 
Em certa medida, pode-se considerar os trechos em formato de diário 
também como paratextos, pois os mesmos apresentam frequentemente a 
característica de explicar o manuscrito. Outra peculiaridade é a manutenção do 
modelo confessional (ainda que ficcional), a qual também conduz a leitura para uma 
interpretação verossímil, em que as peças do quebra-cabeça histórico e literário 
passam a fazer sentido. Ao mesmo tempo, esses capítulos confessionais realizam 
uma densa reelaboração do passado histórico, bem como uma revisão crítica da 
história e da historiografia nacional, como é possível perceber em: 
 
Papai convidava, frequentemente, membros da coordenação da 
mobilização econômica, criada por Getúlio logo depois da declaração 
de guerra ao Eixo e encarregada de regular a distribuição, circulação 
e consumo de mercadorias básicas. Faziam parte dela pessoas 
conhecidas, como Oswaldo Aranha, Gustavo Capanema, Salgado 
Filho, Henrique Gilbem, Apolônio Sales, Dutra. Numa dessas 
reuniões, me lembro, o assunto foi a invasão da representação 
diplomática brasileira em Vichy, na França pelos alemães, em 
novembro de 1942. O embaixador Sousa Dantas teve tempo de 
queimar códigos e arquivos, mas, juntamente com 26 funcionários 
consulares foi internado pelas autoridades alemãs em 
Badegodesber, perto de Bonn. (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 13, grifos 
do autor). 
 
A aproximação entre a ficção e a historiografia faz com que sejam 
necessárias algumas ponderações sobre as relações entre o discurso ficcional e o 
discurso histórico. No início do século XX, com os estudos relacionados à nova 
história, a história tradicional perde o seu caráter imutável (de retratar estritamente 
os acontecimentos de maneira cronológica) e passa a ser encaradacomo uma 
construção cultural, passível de alterações tanto no tempo quanto no espaço. Por 
essa nova perspectiva, o relativismo cultural da história torna-se tangível, 
ressaltando que, como revela a base filosófica da nova história, a realidade é social 
e culturalmente construída (BURKE, 1992, p. 9-10). Desse modo, ambos os 
discursos passam a ser entendidos como material discursivo, constituídos, portanto, 
de linguagem. 
Como já apontamos em estudos anteriores (CELLA, 2016; CELLA, FLECK, 
2018), fundamentada nos estudos de Hayden White (2001), a noção de história 
passa a ser aproximada à da narrativa ficcional, pois o encadeamento narrativo dos 
fatos históricos no discurso historiográfico tradicional e na narrativa ficcional ocorrem 
da mesma maneira, com os mesmo procedimentos. A seleção de elementos 
históricos, as escolhas de perspectivas, os panoramas, dentre outros aspectos, são 
todas escolhas do historiador, que permitem uma infinidade de possibilidades, tanto 
 
 
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pela inclusão ou exclusão de eventos e elementos históricos. Essas escolhas não 
são neutras, mas ideológicas e estabelecidas pelas relações sociais, políticas e 
econômicas e subjetivas do historiador. 
Além dessa característica aproximadora, outro ponto de sobreposição entre 
história e ficção é que ambas mantém o real como referente, assim, “são narrativas 
que tem o real como referente, para confirmá-lo ou negá-lo, construindo sobre ele 
toda uma outra versão, ou ainda para ultrapassá-lo.” (PESAVENTO, 2006). São 
textos, portanto, que possuem a capacidade de estruturar e remodelar o imaginário, 
esse último, tomado como um sistema de representações sobre o real, que se 
sobrepõe à realidade tomada como referente, e elabora um outro real plausível, 
verossímil. Dessa forma, essas narrativas alicerçam-se em um espaço no qual é 
possível recuperar as formas de ver, sentir e expressar o real dos tempos passados, 
como um sistema de valorização, identificação e classificação. 
O real enquanto referente é representado de maneira diferente pelo discurso 
histórico e pelo discurso literário, por meio de distintas modalidades, carregadas de 
marcas de historicidade em diferentes níveis. Esta é a marca distintiva: a 
historiografia baseia-se nas marcas documentadas e anseiam pela proximidade com 
o real acontecido, enquanto a ficção não têm esse compromisso de veracidade. O 
que se pretende é o efeito de real, “que busca, pelos caminhos do imaginário, 
representar um outro contexto, que se viabiliza segundo distintas hierarquias de 
verdade” (PESAVENTO, 1999, p. 821). Com efeito, o que distingue a história e a 
ficção é o compromisso ou a intenção que a primeira possui com a verdade: 
enquanto a literatura aceita e se reconhece como ficção imaginativa, a história 
intenta ser verdadeira. Nesse sentido, Milton (1992) afirma que: 
 
A ficção e a história guardam em si estreita solidariedade, como 
instâncias que são representação da experiência humana e pela 
natureza basicamente narrativa de seus respectivos discursos, que 
encontram na categoria do tempo o grande eixo estruturador. Da 
mesma forma, distinguem-se radicalmente pelo tipo de convenção 
que as organiza, isto é, a da veracidade para o campo historiográfico 
e a da verossimilhança para a narrativa literária. (MILTON, 1992, p. 9 
apud FLECK, 2017, p. 27). 
 
Dessarte, enquanto o historiador permanece na busca pela veracidade 
histórica, está preso aos fatos e datas, o ficcionista, fazendo uso do pacto ficcional 
com o leitor, tem a possibilidade de se eximir de tal obrigação. De fato, O bruxo do 
Contestado (2012), apresenta diversas estratégias narrativas que buscam conferir 
verossimilhança ao texto, seja pela utilização dos paratextos (já assinalados 
anteriormente), seja pela extensa utilização de detalhes e elementos histórico 
geográficos, ou ainda pela inserção de personagens representativos da historiografia 
oficial: 
 
Conheci Helio Oiticica em Nova York e aprendi a entender o 
Parangolé. Já no primeiro dia, nossa casa da rua 93, mostrou-me um 
catálogo da Whitechapel Gallery com a foto do Parangolé nº 5. Hélio 
repetia à exaustão a frase exercício experimental da liberdade, de 
Mário Pedrosa, e relacionava sempre arte com política. (OLIVEIRA 
NETO, 2012, p. 51-2, grifos do autor) 
 
 
 
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É evidente as relações entre o discurso histórico e o ficcional no romance 
supracitado, seja pela riqueza de detalhes, seja pela utilização de elementos 
históricos. Percebe-se, também, em todo o texto, as fortes restrições que o romance 
ficcional alocado em um espaço e tempo bem determinados estão sujeitos, tal como 
já afirmou Fernandez Prieto (1996): 
 
el mundo ficcional de la novela histórica queda sometido a una serie 
de restricciones de carácter semántico-pragmático desde el momento 
en que se elabora con entidades públicas y conocidas en la 
enciclopedia de los lectores. Ahora bien, la novela histórica, como 
novela que es, no está obligada a seguir con exactitud los datos 
históricos ni a respetar las versiones oficiales de acontecimientos o 
de personajes. El género requiere una base histórica documentada, 
pero admite diferentes grados de compromiso con ella, desde las 
novelas que exhiben sus fuentes de información y se ajustan con 
rigor a los datos históricos subordinando a ellos los demás 
componentes del mundo ficcional (lo que se ha llamado historia 
novelada), hasta las que alteran conscientemente su base histórica 
rompiendo las expectativas del lector en función de proyectos 
emántico-ideológicos y de designios estéticos diversos. 
(FERNANDEZ PRIETO, 1996, p. 191). 
 
Em O bruxo do Contestado (2012), o grau de compromisso com a 
historiografia oficial é bastante alto, ao mesmo tempo, essa também é uma forma de 
resistência, uma luta pelo não apagamento de um período histórico perturbador e de 
uma postura de não conformidade com a situação brasileira à época, como a própria 
narradora afirma: 
 
Para uma ex-militante política exilada, que sonha com um mundo 
melhor – que parece sempre existir em algum lugar -, escrever O 
bruxo é capitular? É renunciar a outras formas de luta? É se vender? 
Com a morte em minhas canelas, não consigo ver se Hélio tinha 
mesmo razão e se, como doutor Fausto, é lídimo vender a alma ao 
Diabo. (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 149, grifos do autor) 
 
Apesar de ter uma proximidade muito grande com o discurso historiográfico 
da época, Fernandez Prieto associa o romance histórico ao anacronismo, pois “el 
anacronismo de la novela histórica consiste en que el pasado se reescribe y se 
revisita con mirada de hoy, de modo que la imagen que se posee en la actualidad 
sobre el pasado es la que determina su configuración artística.” (FERNÁNDEZ 
PRIETO, 1996, p. 199). Em O bruxo do Contestado (2012), há a presença de 
intepretações anacrônicas, existentes devido ao fato de que “siempre que se evoca 
el pasado se proyectan en él juicios, valoraciones, interpretaciones propias del 
momento presente.” (FERNÁNDEZ PRIETO, 1996, p. 199). Além disso, a redação 
do romance se afasta da linguagem utilizada à época. Essa, segundo Fernandez 
Prieto (1996), é uma característica própria do romance histórico: possuir linguagem 
anacrônica, seja por não se aproximar da linguagem de seu leitor atual, ou, como 
nesse caso, por se afastar da linguagem utilizada à época em que a diegese se 
desenrola: 
 
Ontem, à tarde, em vez de deixar O bruxo do Contestado na casa 
que papai tanto amou e que vai ser demolida, fui assistir a uma 
 
 
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mostra de cinema dos anos 1960/1970. Vi três filmes, direto, de duas 
às oito horas.Primeiro, Blow Up, de Antonini, e The Devils, de Ken 
Russel. O tratamento cinematográfico dado às religiosas acusadas 
de feitiçaria neste e a descoberta do assassinato revelado pela 
máquina fotográfica e não pelos olhos dos personagens naquele 
tiveram o efeito inverso do que eu buscava nesse dia de cinema: me 
despregar da visão dos Rünnel. Tenho a impressão que minha vida 
gira em volta deles. Encontrar-me parece que passa, 
necessariamente, por encontrá-los. (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 171, 
grifos do autor) 
 
Assim, o recurso da memória é constante e essencial para a recuperação de 
elementos históricos pela narrativa. De fato, por meio da memória pessoal, há a 
inserção de pequenos frações de lembranças que ressaltam a memória social do 
período, bem como contextualizam historicamente a ação. O excerto a seguir mostra 
de que maneira os vestígios de memória podem retomar o passado factual: 
 
Fomos comer um sanduíche e acabei fazendo um discurso de uma 
hora sobre Getúlio entremeado com passagens de O bruxo do 
Contestado. Cindy defende a tese de que o conflito entre tradições 
agrárias e a industrialização foi a causa das indecisões ideológicas 
do homem Getúlio Vargas, com repercussões até hoje na política 
brasileira. Era o interior contra o litoral. (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 
51-2, grifos do autor). 
 
A esses traços sociais construídos histórica e coletivamente, carregados 
inconscientemente, Halbwachs (2004) denomina de memória coletiva. Em outras 
palavras, é a reelaboração de um passado vivenciado e experimentado por um 
conjunto de indivíduos em um tempo e espaço definidos. Ao conceituar a memória 
coletiva, o autor reitera que todas as lembranças permanecem coletivas e são 
construídas também em relação e pelos outros, pois mesmo que estejamos sozinhos 
em determinadas situações e com objetos que apenas nós vimos, nossas 
lembranças são estabelecidas socialmente, pois “nunca estamos sós”, sempre 
carregamos conosco e em nós “uma quantidade de pessoas que não se 
confundem.” (HALBWACHS, 2004, p. 30). 
Por perspectiva consoante, portanto, as memórias são construídas por meio 
de histórias lidas, ouvidas, presenciadas, sonhadas, etc. Esses subsídios 
mnemônicos são assimilados e reorganizados de forma fragmentada, e da mesma 
maneira (fragmentada) são recuperados quando necessários. Dessa maneira, a 
memória deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social, construído 
coletivamente e passível de flutuações, transformações e mudanças constantes 
(POLLAK, 1992, p. 201). Essas memórias, em O bruxo do Contestado (2012), tanto 
fazem parte das reflexões finais de Tecla, como também são lembranças que 
constituem o seu passado, como pode ser verificado no trecho a seguir, em que as 
indecisões quanto ao futuro do manuscrito levam a narradora ao seu passado no 
Brasil: 
 
Ia o manuscrito ao cesto. Foi ontem à noite. Justamente, sentia-me 
bem de saúde. Avaliei que Paulo Honório, em São Bernardo, também 
deveria ter jogado tudo fora. Mas, algumas horas depois, voltou-me 
aquela dorzinha enjoada pelo corpo todo. Lembro-me que mamãe, 
no Rio, comprava remédios na Drogaria V. Silva, na rua da 
 
 
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Assembleia, onde havia uma seção para senhoras servidas só por 
moças. Se você começar a sentir uma dorzinha na barriga, me avisa, 
a mãe leva na Drogaria V. Silva. Mas agora, aqui no hotel, 
infelizmente não são aquelas dores da adolescência. São outras. As 
que mamãe também iria sentir mais tarde. É a doença que não me 
larga. Vou manter vivo o bruxo. (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 76, grifos 
do autor). 
 
De modo mais aprofundado, Halbwachs (2004) insiste em dois tipos de 
memória, as individuais e as coletivas (sociais), mas as designa com outros termos: 
a memória autobiográfica e a memória histórica. Por esse prisma, a memória 
coletiva ou social é também a memória histórica e mais ampla que a memória 
individual; essa, por sua vez, se apoia naquela, pois “toda história de nossa vida faz 
parte da história em geral” (HALBWACHS, 2004, p. 59). Logo, a memória, individual 
e coletiva, é composta também pela memória histórica, que é formada por sinais 
repetidos através do tempo, daqueles fatos contados e recontados por nossos 
antepassados, acontecimentos e detalhes sobre os quais lemos, ouvimos e 
presenciamos, tal como o excerto acima é exemplar. 
Por meio do contato com a memória coletiva se tem acesso à História pela 
perspectiva do interior do próprio grupo ou coletividade a que se pertence, como 
pode-se comprovar, mais uma vez, no romance: “O exílio tem isso de degradante: a 
sensação, lá no fundo, de ter sido expulsa porque as pessoas do seu país nunca 
aceitaram as suas ideias. Tem de alguém puxar pra cima e dizer: não, não, foi o 
governo que te expulsou, não o povo. Ele não pode fazer nada! Está bem, está bem, 
acredito” (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 15, grifos do autor). Nesse excerto, fica 
evidente como a memória individual, coletivamente formada, aciona diferentes 
elementos históricos, nesse caso, o período em que o Brasil esteve sob o julgo dos 
Militares. Tal noção corrobora para afirmação de Pierre Nora (1993), ao afirmar que 
“a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A 
história [enquanto ciência] só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às 
relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece um relativo.” 
(NORA, 1993, p. 9). Consoante a Halbwachs (2004), para o indivíduo, os 
acontecimentos históricos não passam de auxiliares da memória, os quais 
desempenham um papel de divisores do tempo, marcados por relógios ou 
calendários, pois a vida flui em tempo contínuo, sem demarcações. Ademais, a 
história oficial, não é a mesma história reconstituída por meio da memória, pois a 
memória histórica é a história vivida: 
 
Não mais na história aprendida, é na história vivida que se apoia 
nossa memória. Por história é preciso entender então não uma 
sucessão cronológica dos acontecimentos e de datas, mas tudo 
aquilo que faz com que um passado se distinga dos outros, e cujos 
livros e narrativas não nos apresentam em geral senão um quadro 
bem esquemático e incompleto. (HALBWACHS, 2004, p. 64) 
 
Assim, é na história vivida que se ampara a memória individual, capaz 
construir um quadro vivo e natural em que um pensamento pode se suster na busca 
de conservar e reencontrar a imagem de seu passado (HALBWACHS, 2004, p. 75). 
Neste ponto, em O bruxo do Contestado (2012), ao apresentar as memórias de uma 
personagem exilada, que relembra o passado de grupos relegados ao 
esquecimento, o memorialismo se aproxima da necessidade de dar voz e visibilidade 
 
 
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a uma versão nem sempre mostrada: a versão do vencido (BENJAMIN, 2012), a 
versão denominada por Jim Sharpe (1992) como a história vista de baixo. Na 
narrativa, essa perspectiva se une à postura de resistência, que, como já afirmado, 
procura manter acesa a lembrança de um grupo, bem como de seus princípios e 
lutas: 
 
Nem tudo foi exatamente como escrito no texto, mas foi assim que 
me veio à cabeça. As palavras sobre sonhos e visões saíram 
escritas, mas me sinto com uma enorme mão na boca, como a mão– 
acho que era do Jardel Filho – no Terra em Transe, do Glauber 
Rocha que vi em fins de 1968 no Rio. Cruz e Souza no 
“Emparedado” me traduz: Mas que importa isso? Qual é a cor da 
minha forma, do meu sentir? Qual é a cor da minha tempestade de 
dilacerações que me abala? Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual 
a dos meus desejos e febre? Vocês terão lido uma história real e 
uma fantasia. (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 237, grifos do autor). 
 
No excerto acima, a postura de resistência fica evidenciada ao comparar a 
sensação da escritora com o filme Terra em Transe, de GlauberRocha, um filme 
reconhecidamente engajado sobre a guerrilha no período militar. Dessa forma, pelo 
prisma do oprimido, o retorno ao passado e às memórias pretéritas é realizado de 
modo crítico e questionador. Esse diálogo com o passado possibilita uma nova 
interpretação não completamente deslocada ou desligada de dados históricos, mas 
que os colocam em confronto, que os ressignificam no presente. Nas palavras de 
Halbwachs (2004, p. 90), “[n]ão se trata mais de revivê-los em sua realidade, porém 
de recolocá-los dentro dos quadros nos quais a história dispõe acontecimentos, 
quadros que permanecem exteriores aos grupos, em si mesmos, e defini-los, 
confrontando-os uns aos outros”. É deste confronto entre as diversas facetas das 
memórias individuais, construídas coletivamente, que se atinge o que há de 
fundamental nas relações entre a história e a memória social, constituintes capitais 
na formação de uma identidade individual ou coletiva bem estabelecida e alicerçada. 
 
 
3 Considerações Finais 
 
Em busca de melhor compreender as relações entre a história, a memória e a 
ficção, bem como para explorar esses elementos no âmbito paranaense, o presente 
artigo realizou uma análise da narrativa de extração histórica O bruxo do Contestado 
(2012), de Godofredo de Oliveira Neto. Esse romance apropria-se dos discursos 
históricos, do recurso da memória e de elaboradas estratégias narrativas para a 
consolidação e a rejeição de determinadas posturas histórico ideológicas; ao mesmo 
tempo, posiciona-se como um elemento de resistência frente ao movimento de 
apagamento e esquecimento de versões da história não legitimadas pelo discurso 
histórico hegemônico. 
O bruxo do Contestado (2012) coaduna-se à modalidade de romance histórico 
contemporâneo de mediação por apresentar postura intermediária entre as 
modalidades convencionais do gênero (clássica e tradicional) e as mais 
desconstrucionistas e experimentalistas (novo romance histórico latino americano e 
metaficção historiográfica). Destacam-se dentre as características analisadas a 
busca pela verossimilhança, a construção sem linear narrativa, a criticidade do 
 
 
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discurso híbrido, o foco narrativo ex-cêntrico e o recurso da memória, essa última um 
elemento essencial e determinante nas estratégias narrativas supracitadas. 
 
Além desses aspectos, em O bruxo do Contestado, a sobreposição de 
momentos históricos, realizada por meio da memória, é elemento imprescindível 
para a criticidade da narrativa e sua maior abrangência representativa. O enfoque 
narrativo voltado para sujeitos ex-cêntricos ou marginais permite a apresentação de 
perspectivas não tradicionais, silenciadas, as quais problematizam a representação 
do elemento histórico pela linguagem, e questionam as verdades da história 
hegemônica. 
O exame de O bruxo do Contestado mostra-o, portanto, como exemplar da 
produção literária contemporânea de narrativas híbridas de história e ficção, que 
possui a mediação (enquanto modalidade romanesca) e a memória como 
características fundamentais. Dessa forma, a diegese articula-se intimamente com o 
discurso histórico oficial, problematiza profundamente a representação do passado e 
questiona as verdades da história hegemônica por meio de uma narrativa singela, 
crítica e verossímil. 
 
 
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ed. São Paulo: Brasiliense. 2012. 
 
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HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva . São Paulo: Centauro, 2004. 
 
 
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