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Os debates sObre a transiçãO 
idéias e intelectuais na cOntrOvérsia sObre a 
Origem dO capitalismO
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Os debates sObre a transiçãO 
idéias e intelectuais na cOntrOvérsia sObre a 
Origem dO capitalismO
Daniel de Pinho Barreiros
Editora da Universidade Federal Fluminense 
Niterói, 2008
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Copyright © 2008 by Daniel de Pinho Barreiros
Direitos desta edição reservados à EdUFF - Editora da Universidade Federal 
 Fluminense - Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja - Icaraí - CEP 24220-900 - 
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É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da 
Editora.
Normalização: Caroline Brito de Oliveira
Edição de texto e revisão: Rozely Campello Barrôco e Maria das Graças C. L. L. de Carvalho
Capa: José Luiz Stalleiken Martins
Editoração eletrônica: Marcos Antonio de Jesus
Supervisão gráfica: Káthia M. P. Macedo
Dados Internacionais de Catalogação-na-Fonte - CIP
B272 Barreiros, Daniel de Pinho.
 Os debates sobre a transição: idéias e intelectuais na controvérsia sobre a 
 origem do capitalismo / Daniel de Pinho Barreiros — Niterói : EdUFF, 2008.
 192 p. : il. ; 23 cm. — (Coleção Biblioteca EdUFF, 2004)
 Bibliografia. p. 187
 ISBN 978-85-228-0477-1 
 1. Economia. 2. História das idéias econômicas. I. Título. II. Série
 CDD 330
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
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Maria Laura Martins Costa
Mariângela Rios de Oliveira
Silvia Maria Baeta Cavalcanti
Vânia Glória Silami Lopes
Editora filiada à
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Sumário
prefáciO, 7
intrOduçãO 
transiçãO para O capitalismO: mOmentO e Origem de um debate, 13
capitalismO e servidãO nO pensamentO marxista 
cOntempOrâneO, 29 
trOcas cOmerciais e luta de classes na teOria da transiçãO 
para O capitalismO, 49
capital mercantil e acumulaçãO primitiva na transiçãO para O 
capitalismO, 73
capital industrial e revOluçãO burguesa nOs caminhOs para O 
capitalismO, 83
capitalismO: OpOrtunidade Ou imperativO?, 103 
a tese dO capitalismO cOlOnial brasileirO, 115
crítica à tese dO capitalismO cOlOnial brasileirO, 145
cOnclusãO, 177
pOsfáciO 
uma palavra, um debate e um livrO, 183
referências, 187
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Prefácio
Os debates sobre a transição são, sem dúvida, algumas das mais 
belas páginas da moderna historiografia do Ocidente. Com a força de 
sua originalidade e abrangência, influenciaram, ao longo de décadas, 
diversas gerações de historiadores e membros das demais ciências 
sociais. Nesse percurso, contribuíram para colocar a pesquisa his-
tórica em um novo patamar de excelência e rigor, ao apontar para a 
necessidade de explorar fontes inéditas e desafiadoras como recurso 
fundamental do trabalho historiográfico.
Seu ponto de partida foi a obra de Karl Marx, sobretudo os 
capítulos históricos apresentados nos vários volumes de O capital, 
cuja potencialidade como hipóteses de trabalho não tinha sido ainda 
explorada com toda a intensidade por aqueles que se interessavam 
pela origem do capitalismo como questão histórica. Principalmente 
no capítulo sobre a acumulação primitiva do capital, Marx delineou 
os aspectos elementares do processo histórico que originou aquilo 
que de fato, segundo sua visão, caracteriza o capitalismo — as suas 
relações sociais. 
Ao elaborar com clareza as instâncias fundamentais do modo 
de produção capitalista, Marx realçou a natureza das relações sociais 
no capitalismo, marcadas, de modo decisivo, pelo encontro entre 
dois tipos distintos de possuidores de mercadorias: de um lado, os 
proprietários dos meios de produção, de outro, os vendedores da 
própria força de trabalho. A origem histórica do capitalismo, assim, 
como sugerido por Marx, trata do processo que resultou nessa polari-
zação social fundamental. Compreender o nascimento do capitalismo, 
portanto, significa compreender os mecanismos por meio dos quais 
forjaram-se as relações sociais capitalistas.
O segredo da acumulação primitiva é a expropriação do cam-
pesinato. Ao examinar a experiência inglesa, sobre a qual deteve o 
olhar em busca do entendimento dessas questões, Marx observou 
que, na Inglaterra, diferentemente do que acontecera no restante do 
continente europeu, a transformação da propriedade feudal em pro-
priedade capitalista foi muito mais veloz e dramática. Enquanto em 
outras regiões européias o fim da servidão, no século XIV, não condu-
ziu, diretamente, ao desapossamento do camponês, no solo inglês, ao 
contrário, a eliminação dos direitos consuetudinários do campesinato 
sobre a terra foi muito mais rápida e definitiva. A progressiva perda de 
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direitos, pelos camponeses, acabaria resultando na sua transformação 
em proletariado sem outros meios de sobrevivência que não fossem 
a venda de sua força de trabalho. 
A supressão da pequena propriedade familiar na agricultura, 
então, foi o passo inicial decisivo para a criação das relações sociais 
capitalistas. Expropriado e isolado, o camponês se converteu em 
“livre” vendedor de sua força de trabalho, incapacitado que estava 
de obter outro meio de sobreviver. A propriedade capitalista, por sua 
vez, veículo fundamental da acumulação do capital, se formava pela 
apropriação dos meios de produção antes dispersos entre as famílias 
camponesas. A aldeia, elo de comunhão entre os camponeses, perdeu 
sua função socioeconômica e se esvaziou. Os campos e os cultivos se 
transformaram com velocidade impressionante. 
Um novo elemento regulador se interpôs entre os produtores — 
o mercado. Cada vez mais, capitalistas e trabalhadores se submetiam 
ao mercado como força reguladora de todas as relações sociais. Tudo 
passou a ser mercadoria produzida para fins de troca, todos passaram 
a depender do mercado para obter os seus meios de reprodução e de 
subsistência. Isso não era uma escolha, era um imperativo inarredável. 
De forma progressiva, as relações capitalistas foram se apossando de 
todos os campos da vida social, ainda que, em alguns aspectos, essa 
evolução pudesse levar muito tempo para se completar. Em certos 
casos, houve mesmo uma grande resistência dos grupos envolvidos, 
que lutaram para não perder suas posses e para não se sujeitar a 
regulação tão perversa. No entanto, como ficou demonstrado, era 
apenas questão de tempo.
A violência constituiu um dos pilares desse processo histórico 
de expansão. Tanto no plano interno quanto no externo, ela exerceu 
uma força extraordinária. A supressão dos direitos sociais e econô-
micos dos camponeses e demais trabalhadores não teve propria-
mente um curso pacífico e negociado. A conquista e a ocupação de 
territórios no além-mar, por sua vez, também foram marcadas pelo 
uso desmedido de métodos violentos de rendição dos resistentes, 
fossem eles nativos americanos ou cativos aprisionados em terras 
africanas para o trabalho forçado. As disputas e guerras travadas 
entre potências rivais dentro da Europa se arrastaram para outros 
continentes, deixando seu rastro de destruição e pavor em muitos 
povos e territórios. Na liderança desse triunfo, encontravam-se as 
forças capitalistas emergentes.
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Estudar a transição do feudalismo parao capitalismo, na pers-
pectiva marxista, significa optar pelos aspectos qualitativos, buscando 
a elaboração de hipóteses construídas a partir dos vários elementos 
socioeconômicos que convergiram para a configuração das relações 
sociais capitalistas. É uma forma de construir generalizações e espe-
cificidades, posto que as combinações necessárias para a construção 
do modo de produção capitalista não se restringiram aos limites 
geográficos das experiências européias, e variaram. Neste sentido, 
a pluralidade das formações sociais constitui um enorme desafio às 
formulações teóricas baseadas em Marx, originando respostas ino-
vadoras e criativas, que visam dar aos estudos historiográficos uma 
abrangência ainda maior e mais consistente. 
Ao mesmo tempo, esse esforço realizado pelos marxistas ao 
longo de décadas também representou um contraponto ao largo 
predomínio das explicações apoiadas no modelo mercantil, essencial-
mente quantitativo. Nessa perspectiva, a origem do capitalismo era 
fundamentalmente uma questão de escala e praticamente dispensava 
o exame detalhado dos processos históricos. De fato, os elementos 
capitalistas — aqui caracterizados como mercados, cidades e mercado-
res — sempre estiveram presentes na história do homem, em escalas 
variadas. Inúmeros fatores de ordem política, religiosa, ideológica e 
outros exerceram influência sobre a capacidade de expansão desses 
mesmos elementos, impedindo sua generalização ou seu crescimen-
to contínuo. Assim, o alvorecer da era capitalista permanecia sendo 
adiado.
No modelo mercantil, portanto, o capitalismo é geralmente 
definido a partir dos elementos materiais ligados à difusão das tro-
cas mercantis, com destaque tanto para as cidades (espaços, por 
excelência do comércio) quanto para os mercadores, agentes mais 
importantes dessa transformação. Mais comércio, mais cidades, mais 
comerciantes em ação — eis a fórmula do capitalismo no modelo 
mercantil. As condições históricas para a emergência desse fenôme-
no se estabeleceram na Europa ocidental, em data próxima ao fim da 
era feudal, identificada, esta também, pela ausência dessas mesmas 
pressões mercantis e urbanas.
Nos debates sobre a transição, os historiadores marxistas não 
se furtaram a discutir tais aspectos da grande transformação socio-
econômica que teve lugar na Europa, e originou o capitalismo. Ao 
contrário, procuraram iluminá-los com novos enfoques explicativos, 
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direcionando a pesquisa empírica para rumos ainda mais inovadores. 
Um dos pontos altos da discussão é justamente o do papel desempe-
nhado pelas cidades no quadro de crise geral do feudalismo. Teriam 
elas servido de abrigo e refúgio para camponeses rebelados, enfraque-
cendo, assim, o poder coercitivo senhorial? Teriam elas constituído 
alternativas satisfatórias de sobrevivência aos trabalhadores rurais 
empobrecidos pela exploração feudal? Teriam elas exercido pressão 
diluidora sobre as instituições feudais, a ponto de colocar em risco a 
sobrevivência das mesmas?
As explicações tradicionais, que opunham a aliança entre 
o rei e a burguesia à nobreza rural, sofreriam um duro golpe com 
a emergência dessas questões, que seriam respondidas por meio 
de pesquisas aprofundadas e debates teóricos de alto nível. Desse 
novo contexto intelectual animado pelos debates sobre a transição, 
emergiria uma realidade histórica muito mais rica e dinâmica, nada 
linear em sua representação, cheia de contradições dialéticas a serem 
desvendadas. O método legado por Marx daria frutos abundantes e 
vivos, marcando uma das páginas mais profícuas da historiografia do 
Ocidente moderno.
As cidades e o mercado teriam significação bastante distinta na 
análise marxista. Realçados em sua natureza qualitativa, destacaram-
se nessa vasta literatura gerada pelos debates sobre a transição como 
elementos decisivos na história do capitalismo, responsáveis pelo 
estabelecimento de condições essenciais ao desenvolvimento do novo 
modo de produção. A cidade capitalista, portanto, tem especificidades 
muito próprias, que a distinguem das demais cidades encontradas na 
história. Não é simplesmente o meio urbano adaptado às condições 
da acumulação do capital. Ela mesma é produto dessa acumulação, e 
seu veículo, e não passa por uma evolução linear.
Marx também chamou a atenção para o fato de que nem sempre 
as cidades cumpriram esse papel revolucionário no período de transi-
ção para o capitalismo. Deu destaque especial aos grandes centros ur-
banos italianos, que perderam importância socioeconômica juntamen-
te com o declínio das rotas mercantis mediterrâneas. Ali, em muitos 
casos, as elites patrícias urbanas acabaram desempenhando um papel 
histórico reacionário, ao colocarem os camponeses dos arredores sob 
novas formas de exploração servil, como tentativa de recuperação de 
sua renda outrora abundante. Ou seja, não é possível discriminar um 
único processo de evolução urbana naquele período.
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Essa característica da análise marxista ficou bastante evidente 
no livro Os debates sobre a transição. Não apenas em seu esforço de 
apreender as contradições dialéticas que percorrem todo o processo 
histórico em questão, mas também na iniciativa ousada de levantar 
problemas e propor respostas que representaram rupturas com o sa-
ber convencional que dominava o seu ambiente intelectual e político. 
Foi justamente daí que retirou sua força animadora, responsável pela 
formação de diversas gerações de estudiosos. E que vemos retratada 
nas páginas que seguem. Daniel de Pinho Barreiros armou-se dessa 
mesma coragem para enveredar pelos caminhos nada fáceis desse 
debate e nos proporcionar uma releitura crítica muito competente e 
arrojada.
A sistematização de toda essa construção intelectual é muito 
bem-vinda. Sem dúvida, sobretudo para as novas gerações, será de 
grande utilidade poder contar com um trabalho assim tão sério e pro-
fundo que trata do tema. Além de dar aos leitores uma orientação com-
pleta acerca das discussões que foram levantadas pelos historiadores 
marxistas, sobre a transição do feudalismo para o capitalismo, o livro 
que segue reavalia os seus aspectos mais importantes. Em especial 
nos capítulos em que trata do caso brasileiro e das repercussões aqui 
havidas desse debate, com todos os desdobramentos decorrentes, Da-
niel nos oferece uma contribuição teórica e historiográfica de grande 
relevância. Merece ser lido com todo o cuidado.
Vânia Cury 
Instituto de Economia – UFRJ 
Março, 2008 
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introdução 
Transição para o Capitalismo: momento e origem de um debate
Comunismo Primitivo, Escravismo, Feudalismo, Capitalismo, 
Socialismo. Estágios de uma evolução histórica positiva, invariante, 
quase que externa à ação do homem, universal e, sobretudo, repro-
dutível em todas as sociedades. Marx e Engels propuseram-nos como 
chaves de compreensão da realidade histórica concreta, mas nunca 
afirmaram sua rigidez ou inexorabilidade. As transformações ocorridas 
no pensamento marxista mundial, decorrentes da ascensão de Stalin 
e dos últimos momentos da Terceira Internacional, principalmente 
naquele campo que se convencionou chamar de “marxismo sovié-
tico”, conduziram a uma compreensão positivista da teoria crítica 
propugnada pioneiramente por Marx. Paralelamente a este processo, 
desenvolveram-se correntes alternativas ao dogmatismo do marxismo 
soviético. A influência do marxismo não-ortodoxo sobre a Escola de 
Cambridge a partir da década de 1920, suas marcas deixadas no pen-
samento de decanos da economia mundial, como Piero Sraffa e Joan 
Robinson, e, principalmente, no mesmo lugar e momento intelectual, 
a interpretação de Maurice Dobb, na segunda metade da década de 
1940, para o fenômeno da transição histórica dos modos de produ-
ção – especificamente falando, do modo de produção feudal para o 
capitalista – serãonosso ponto inicial. 
O grande debate que se inicia a partir da interpretação de Dobb 
traria à tona novamente temas e abordagens que, ao seu tempo, pode-
riam ser considerados heréticos pelo “marxismo oficial”.1 A profunda 
independência, altivez e criatividade manifestado por uma fração do 
mundo acadêmico anglo-saxônico no que tange ao desenvolvimento 
de um pensamento em bases marxistas ficariam sacramentadas com 
a publicação de A Evolução do Capitalismo, em 1946.
Este, no entanto, não era um momento em que idéias dissonan-
tes seriam facilmente aceitas e discutidas por toda a comunidade de 
pensadores marxistas ao redor do mundo. A revolução proletário-
camponesa de 1917 havia dado origem ao primeiro Estado nacional 
da História a invocar os princípios de Marx e Engels como doutrina 
de reformulação social, política e econômica. Tornando-se a União 
Sovié tica um verdadeiro farol da revolução proletária mundial, tendo 
em vista que se concretizava na primeira experiência de tomada do 
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ão poder e construção de uma nova ordem duradoura pela classe operá-
ria e pelo campesinato, tal influência não poderia deixar de escapar 
em direção ao pensamento científico, tão logo começasse a fase de 
construção do Estado burocrático. 
Pelas características da sociedade russa pré-revolucionária, o 
marxismo encontrou campo de expansão somente em uma minoria da 
população empregada na indústria moderna (de pequenas proporções 
sob o czarismo) e em uma elite intelectual. Logo, a idéia de um partido 
de quadros, que deveria levar ao proletariado em geral a boa nova 
revolucionária, torna-se um fato. Mesmo que Lenin tenha considera-
do que sua abordagem teórica da prática revolucionária poderia ser 
contestada e revista diante das evidências empíricas que se apresen-
tassem, a posterior evolução da sociedade soviética e a construção 
da ordem política acabaram por solidificar tais concepções numa 
verdadeira moldura dogmática, aniquilando o impulso transformador 
e crítico que havia sido legado pelo próprio pensamento de Marx. Tal 
fato expressava os problemas reais que envolveram a relação entre 
uma teoria científica que tinha em seu fim, sobretudo, uma dimen-
são eminentemente prática – a própria transformação social – e as 
alternativas históricas concretas tais como se apresentaram e foram 
percebidas pelos edificadores do Estado soviético.
Tendo sido tornado, portanto, a doutrina oficial do Estado e 
do partido, e certamente por isso fossilizado, o marxismo é imposto 
de modo a enjaular a totalidade da sociedade, incluindo aí a própria 
arte, que ganhava temas e representações próprios, e a ciência, cujo 
dinamismo fora suprimido, tornando-se um elemento de legitimação 
da nova ordem. Assim como Marx lembrava que a ciência burguesa – 
especialmente a Economia – era fiel serva dos interesses de Estado da 
classe que legitimava, o Estado soviético buscou também, por meio 
de sua “nova ciência”, tornar verdadeiramente absoluta e natural a 
direção que trilhava perante a sociedade, sepultando o próprio pen-
samento científico enquanto tal. Se por muitas vezes tal apropriação 
da ciência como elemento de legitimação da sociedade no regime 
soviético possa ter conduzido a um conflito direto com a classe que 
deveria representar – o operariado e o campesinato – isso nos leva-
ria a discutir a própria natureza do Estado na União Soviética, o que 
extrapola em muito os limites desse estudo. 
Aquela contribuição que Marx buscou trazer para o desenvolvi-
mento de uma teoria crítica não foi aperfeiçoada, mas sim desprestigiada 
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na medida em que foi incorporada a uma visão de mundo absolutizada 
e apriorística. O dogmatismo do marxismo soviético sucumbiria, como 
lembra Fetscher, à própria superação das estruturas políticas e sociais 
burocráticas a que este pensamento servia (FETSCHER, 1988, p. 245). 
Dessa forma pareceu ocorrer quando Marx flertou com Maquiavel: as 
razões de Estado suprimiram o livre pensamento. Não cabe aqui uma 
condenação ou absolvição, e sim a compreensão.
Cabe igualmente lembrar, assim como o fez Perry Anderson, 
em uma série de palestras publicadas em português sob o título 
sugestivo A Crise da Crise do Marxismo2 (ANDERSON, 1987), que a 
grande distinção do materialismo histórico enquanto teoria crítica 
está indiscutivelmente no seu caráter intrínseco de autocrítica. Em 
sua própria dinâmica estaria a idéia de, além de reivindicar a cons-
trução de uma teoria da história, permitir a compreensão histórica da 
própria teoria (portanto, do próprio marxismo), e compreender que a 
formulação do conhecimento se efetua pela praxis, ou seja, nunca de 
um modo desconexo do próprio desenvolvimento social. Um “marxis-
mo do marxismo”, como afirma Anderson, já estava configurado no 
pensamento de Marx e Engels desde seus tempos mais primordiais, 
tendo em vista que condicionaram seus próprios avanços em termos 
de compreensão da realidade social à erupção das contradições de 
classe da sociedade capitalista. As revoluções proletárias estariam 
constantemente reavaliando seus avanços, parecendo retroceder 
de um ponto já conquistado para uma situação instável, criticando 
impiedosamente suas falhas, mesmo que, com isso, desse armas para 
a reorganização do inimigo. “Tal concepção não envolvia nenhum 
elemento de positividade complacente – como se a verdade, a partir 
de então, estivesse garantida pelo tempo, o Ser pelo Devir, e sua 
doutrina imune a erros graças à simples imersão na transformação” 
(ANDERSON, 1987, p. 14). Não espanta, portanto, que a esterilidade 
do marxismo soviético sob a hegemonia stalinista tenha vindo da 
violação da própria teoria marxista.
Em oposição a esta versão objetivista, em sua vertente soviética, 
surge, a partir das obras de Antonio Gramsci, György Lukács e Karl 
Korsch, na década de 1920, portanto contemporaneamente à consoli-
dação do dogmatismo na URSS, a corrente do materialismo histórico 
que ficaria conhecida posteriormente como Marxismo Ocidental. O 
objetivo de tal corrente era oferecer uma alternativa crítica ao status 
quo da teoria ditado por Moscou, neste processo deslocando a aten-
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ão ção de suas análises da economia política e do Estado para questões 
ligadas à cultura, artes e filosofia. Esses autores propuseram uma 
releitura da obra de Marx, privilegiando a subjetividade e a questão 
da consciência de classe na compreensão histórica das sociedades, 
rompendo com um marxismo tradicional (no qual podemos incluir 
de Kautsky a Stalin) que se definia como teoria materialista positiva 
formuladora de leis de desenvolvimento. Entenderam ser o estatuto 
epistemológico do marxismo problemático, na medida em que con-
testavam sua validade como uma ciência universal da história e da 
natureza; concordavam que tais concepções aproximavam-no do 
positivismo, reduzindo uma teoria social a uma ciência natural, não 
dando margem, portanto, a uma concepção que parta da ação do 
sujeito histórico e da consciência de classe do mesmo. A “dialética 
da natureza” que Engels legitimara, principalmente após a morte de 
Marx, defendendo a extensão do raciocínio materialista dialético para 
além dos limites da história e da cultura, tocando o funcionamento do 
mundo natural, dava bases para uma definição de dialética como lei 
universal, apropriada ao marxismo ortodoxo. A vertente “ocidental” 
rejeitava tais concepções.
O marxismo não se esgotaria na descoberta de novas leis de 
desenvolvimento social, devendo comportar igualmente a crítica e a 
luta intelectual contra as concepções burguesas da sociedade. Sua luta 
deveria ser justamente a desconstrução da cultura burguesa, e para tal 
lançaram mão dos conceitos de falsa consciência e hegemonia cultural, 
por exemplo, além de atribuírem ao intelectual um papel fundamental 
na preservação ou revolução dassociedades. Visões mais utópicas ob-
servaram ser o pensamento de Marx não somente uma contribuição à 
economia política, mas sua crítica e superação; Lukács chegou a pensar 
no marxismo como uma teoria destinada a extinguir a economia política, 
entendendo que suas categorias expressariam uma dominação econô-
mica que deveria ser aniquilada, no intuito de emancipar o homem. A 
matriz hegeliana de Marx é enfatizada (e, a meu ver, superestimada), e 
em grande parte, o marxismo ocidental formou-se tendo como base o 
idealismo alemão, afirmando-se preponderantemente onde esta influên-
cia permaneceu mais viva (JACOBY, 1988, p. 249-252).
Apesar das acusações de que o marxismo ocidental teria se 
afastado por demais do marxismo clássico, principalmente por sua 
indiferença para com o materialismo e para com a economia política, 
denunciados como idealismo, Jacoby argumenta que até mesmo 
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Marx havia se distanciado muitas vezes dos assuntos do dia-a-dia 
(JACOBY, 1988, p. 252). Anderson, por sua vez, apresenta-nos idéias 
mais interessantes no que tange aos próprios limites do marxismo 
ocidental, e é sobre elas que edificaremos nossa argumentação acerca 
da importância das discussões iniciadas por Maurice Dobb. 
A teoria marxista, aplicada à compreensão do mundo, sempre 
pretendeu uma unidade assintótica com uma prática popular 
capaz de transformá-la. Portanto, a trajetória da teoria tem sido 
sempre determinada primariamente pelo destino desta prática. 
Inevitavelmente então, qualquer comentário sobre o marxismo 
da década passada será antes de tudo uma história política de 
seu ambiente externo. (ANDERSON, 1987, p. 17)
Reiterando nosso comentário acerca dos reflexos da prática 
sobre a teoria marxista, devido à sua natureza, aproveitemos a indi-
cação de Anderson para compreendermos de que maneira as vitórias 
e derrotas no movimento proletário internacional imprimiram suas 
marcas no desenvolvimento da teoria.
Após a vitória e o progressivo isolamento da Revolução Russa, 
lançada aos seus próprios desafios de sobrevivência, e o fracasso 
do movimento operário nas sociedades de capitalismo avançado, 
conformar-se-iam a silhueta e a essência do marxismo ocidental. 
As décadas de 1920 e 1930, com a ascensão do fascismo, a derrota 
das frentes populares e a dispersão dos movimentos de resistência à 
ameaça do Eixo em 1945-1946, impotentes para transformar seu pres-
tígio obtido em força política que viesse a ameaçar a antiga ordem 
vigente, marcam o retrocesso das conquistas proletárias em direção 
à revolução. Como saldo desta situação, temos, como uma das verten-
tes, a já citada fossilização do marxismo soviético na empreitada de 
legitimar o status quo pós-revolucionário. Por outro lado, sociedades 
como a alemã, a italiana e a francesa, que conservaram um potencial 
de subversão da ordem capitalista bastante efervescente, mas com 
poucas condições de realmente subjugar o poder do Capital, tiveram 
em seu seio o desenvolvimento de uma nova corrente intelectual, que 
ficaria claramente marcada por tais reveses. As sucessivas derrotas 
de um arredio movimento operário nesses países conduziram a for-
mação de um pensamento marxista cujos laços com a luta popular 
pelo socialismo estavam praticamente cortados. Ou seja, entre a 
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ão teoria revolucionária e a efetiva prática de renovação da sociedade por 
meio da revolução havia, mais do que nunca, um fosso intransponível, 
principalmente a partir do momento em que o locus por excelência do 
debate marxista transplantara-se do sindicato e do partido para as 
universidades e instituições de pesquisa.3 A partir da Escola de Frank-
furt, em finais dos anos 1920, formava-se o que viria a ser chamado 
de “marxismo ocidental”, com suas características distintivas, dentre 
as principais, o redirecionar das lentes:
Análises econômicas importantes do capitalismo, dentro de 
um arcabouço marxista, sumiram aos poucos em larga escala 
depois da Grande Depressão; o esquadrinhamento político do 
Estado burguês decresceu desde o silenciamento de Gramsci; 
a discussão estratégica das vias para um socialismo factível de-
sapareceu quase que inteiramente. (ANDERSON, 1987, p. 19)
As condições concretas do movimento operário nas socieda-
des que mais acolhedoramente aceitaram (e criaram) o marxismo 
ocidental conduziam a um arrefecimento do debate sobre a economia 
política – vide as próprias opiniões pioneiras de Lukács a respeito do 
mesmo assunto – dando lugar à afirmação de um discurso tipicamente 
filosófico, mais voltado para questões epistemológicas sobre o próprio 
marxismo do que para estudos teóricos do desenvolvimento social. 
Foi o momento de contato com outras correntes não-marxistas, de 
síntese e busca de influências, fosse de uma herança teórica anterior 
a Marx, ou mesmo posterior a ele, como parece ser o caso do contato 
entre Sartre e as idéias de Heidegger, Gramsci e Croce, Lukács e Weber, 
Althusser e Lacan. Esta foi ocasião importante para o debate sobre 
temas tipicamente superestruturais, dando margem ao pioneirismo 
dos estudos dos processos culturais, da arte e da ideologia, chegando 
aos excessos de uma hipertrofia da estética nos momentos finais de sua 
existência. Apesar de tudo, lembra Anderson, o marxismo ocidental 
jamais capitulou diante da ordem estabelecida; tendo em vista que 
os partidos comunistas se colocavam como adversários do capital e 
ao mesmo tempo afirmavam o dogmatismo stalinista, eliminando em 
grande parte as tendências ao debate e à divergência, parte de seus 
principais pensadores permaneceu filiada formalmente aos partidos, 
mas desenvolvendo uma crítica não-dogmática e, inclusive, de opo-
sição aos mesmos (ANDERSON, 1987, p. 18-21).
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Em que mãos ficava então a economia política marxista num 
momento de refluxo desses estudos no cenário do pensamento euro-
peu? Os tempos dos ricos debates da Segunda Internacional, em que 
Lenin e Rosa Luxemburgo definiam a natureza do capitalismo em sua 
fase monopolista, pareciam realmente acabados e pertencentes a um 
passado de riqueza intelectual. O Ocidente deveria contentar-se neste 
momento, grosso modo, com as interpretações do marxismo soviético, 
que, principalmente sob a vigência de Stalin, estabelecia a validade de 
conceitos e teorias não pelo debate, mas por decreto. A “existência” 
do modo de produção asiático, por exemplo, esteve condicionada ao 
desfecho de uma calorosa luta no interior da academia soviética que 
terminou pela refutação de sua validade, em 1931. Tal fato, a propósito, 
serve como reforço à argumentação de Anderson acerca da ligação 
entre os destinos da teoria marxista e a história política em seu en-
torno. Isto porque o modo de produção asiático serviu como fonte 
de grandes transtornos para as mentes demasiadamente dogmáticas 
desde sua concepção. 
O debate acerca de sua natureza suscitou dúvidas, em primei-
ra mão, a respeito da aplicação de categorias da economia política 
marxista a realidades não-européias. Mais importante ainda, se fosse 
defendida a especificidade de uma “sociedade asiática”, de tendências 
notadamente estáticas em seu desenvolvimento, senhora de um modo 
de produção cuja propriedade privada da terra é ausente (sendo o 
Estado o proprietário), perpetuadora de uma sociedade camponesa 
auto-suficiente que dependia de um sistema de obras públicas, de irri-
gação e de um Estado burocrático centralizado para sobreviver, estaria 
rompida a teleologia do dogmatismo marxista, dos cinco estágios de 
desenvolvimento inexoráveis para quaisquer sociedades existentes 
sobre o planeta. Tendo sido a Rússia considerada uma sociedade 
“semi-asiática” por Marx e Engels, este problema representou um 
papel importante nos debates sobre a estratégia revolucionária a ser 
seguida antes de 1917, principalmenteno que diz respeito à comuna 
russa, e se esta poderia ou não servir como base para um futuro 
socialismo. O modo de produção asiático permitia colocar frente a 
frente, portanto, concepções deterministas unilineares e concepções 
multilineares acerca do desenvolvimento histórico. Este conceito po-
deria servir para legitimar a idéia de que o marxismo não pressupõe 
uma evolução mecanicista, em que leis históricas determinariam quais 
estágios deveriam ser cumpridos até uma etapa final.
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ão A Conferência de Leningrado de 1931, além de confirmar como 
“verdade” os cinco estágios de desenvolvimento, desconsidera a exis-
tência de um modo de produção asiático como categoria explicativa 
do desenvolvimento histórico das sociedades asiáticas, devendo, a 
partir de então, serem classificadas como detentoras de um modo de 
produção feudal ou um modo de produção escravista. As conclusões 
da conferência foram plenamente fortalecidas pela adesão de Stalin 
a elas. Estipulou-se posteriormente ao pós-guerra (com os estudos 
de Wittfogel, baseados em Weber, sobre a sociedade chinesa) que 
a liderança comunista russa teria aniquilado o conceito de modo de 
produção asiático tendo em vista que o mesmo poderia dar margem 
à idéia de que a Rússia stalinista guardava continuidades constrange-
doras com a Rússia czarista; como o conceito comportaria a noção de 
uma classe dominante que controlava administrativamente mas não 
deteria a propriedade dos meios de produção, ficaria configurada a 
permanência, somente tendo ocorrido uma substituição da burocracia 
czarista tradicional pela burocracia do partido comunista (TURNER, 
1988, p. 348-351).
Sabemos que, empiricamente, tais afirmações contavam com 
pouca sustentação, e, justamente por isso, a deslegitimação do modo 
de produção asiático não ocorria pela superioridade explicativa da 
teoria unilinear adversária. Ocorria, sim, como fruto de manobras e 
interesses políticos, que visavam preservar o stalinismo de ser subme-
tido a uma possível crítica a partir do próprio aparato teórico marxista; 
a retomada do interesse pelo estudo desse modo de produção, com a 
desestalinização, é um elemento que nos leva nessa direção. Eviden-
temente nenhuma conclusão no âmbito das ciências humanas, tendo 
em vista, de modo geral, seu próprio estatuto epistemológico, poderá 
estar isolada da dinâmica da sociedade na qual está inserida, exceto 
se pensarmos uma ciência das sociedades em termos de um positi-
vismo objetivista. No entanto, o que se objetiva apontar é o tamanho 
grau de comprometimento em que se encontravam as conclusões do 
marxismo soviético em relação aos interesses do Estado.
Em linhas gerais, portanto, tal era o estado de coisas no cenário 
da teoria marxista entre as décadas de 1930 e 1960. Uma alternativa 
“crítica” ao dogmatismo soviético poderia ser encontrada no marxismo 
ocidental, na medida em que era favorável, entre outras coisas, a uma 
crítica interna ao próprio marxismo, além de ressaltar a ação do sujeito 
histórico concreto e da luta de classes como motores da História. No 
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entanto, por questões próprias ao desenvolvimento das sociedades 
que deram origem ao marxismo ocidental, acabara abandonando os 
estudos sistemáticos sobre a economia política, voltando-se para te-
mas como cultura, lingüística e as questões de método, abstendo-se 
em larga medida de discutir questões que pudessem contribuir para 
a definição de uma estratégia revolucionária.
A virada para a década de 70 do século XX, com as revoltas 
de massa no centro do capitalismo mundial – a Europa ocidental – o 
levante do movimento estudantil e a insurgência das massas traba-
lhadoras, marcaria, segundo Anderson, o esgotamento de uma tradi-
ção que, apesar de formidavelmente produtiva, vinha se mostrando 
estéril na formulação de diagnósticos e propostas que respondessem 
às necessidades do movimento operário em seu momento. A grande 
tradição marxista ocidental dava lugar a um outro tipo de interpreta-
ção que se orientava precisamente na direção de questões de ordem 
econômica, política ou social (ANDERSON, 1987, p. 24-25). Um novo 
gosto pelo concreto passava a emergir ao longo da segunda metade 
dos anos 1970 com estudos sobre questões econômicas e sobre a na-
tureza de classes do Estado, através da obra de Ernst Mandel, Harry 
Braverman, Ralph Miliband, Nicos Poulantzas, Paul Baran e Paul Swe-
ezy. “Com trabalhos como estes, a discussão marxista do capitalismo 
contemporâneo uma vez mais alcançou, e em alguns aspectos vitais 
ultrapassou, o nível da época clássica de Luxemburgo e Hilferding” 
(ANDERSON, 1987, p. 25). 
O surgimento de um novo momento de mobilização popular, 
alentando o marxismo enquanto uma concepção de revolução so-
cial, e de uma renovação intelectual nos seus temas e abordagens, 
foram o culminar de um profundo desgaste do mito e das idéias que 
circundavam a figura do “líder do proletariado mundial”; o impacto 
por ele causado nas concepções deterministas da realidade social foi 
significativo.4 A “crise do marxismo ocidental”, portanto, dizia res-
peito não ao pensamento marxista como um todo, mas à sua vertente 
desenvolvida basicamente na Europa latina, que era desbancada nos 
anos 1970 pelo dinamismo das interpretações próprias do mundo 
anglo-saxônico. 
Para o debate que pretendemos situar, é justamente esta confir-
mação do deslocamento do centro dinâmico geográfico da produção 
marxista na direção dos países anglo-saxônicos que nos interessa em 
primeira mão. Tal deslocamento ocorre, sobretudo, por intermédio da 
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ão intensificação da produção historiográfica marxista, por muito tempo 
pouco considerada no panorama das idéias socialistas, que ganhou 
escopo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Afirma Anderson: 
Para alguns de minha geração, formados numa época em que a 
cultura britânica parecia completamente destituída de qualquer 
impulso marxista endógeno significativo – a retardatária da 
Europa, como constantemente denunciávamos, sob risco de 
acusação de “niilismo nacional” –, essa foi uma metamorfose 
realmente espantosa. (1987, p. 29) 
O caminho de afirmação do pensamento marxista anglo-
saxônico por meio dos estudos históricos não foi, todavia, nenhuma 
novidade. O ano de 1946 é um momento chave para o início desse 
processo, tendo em vista ser este o ano de publicação de Studies in 
Development of Capitalism (A Evolução do Capitalismo) de Maurice 
Dobb, economista de uma geração anterior e com formação distinta 
daqueles que promoveriam de fato o sepultamento do marxismo oci-
dental, que alcançou maior destaque com este estudo sobre história 
econômica do que com qualquer outro sobre a economia política 
marxista. No entanto, foram pensadores mais jovens, reunidos no 
Grupo de Historiadores do Partido Comunista Inglês, ligados a Dobb, 
justamente através dele, que em fins dos anos 1940 e anos 1950 
transformariam as interpretações a respeito da história econômica 
mundial e européia, tendo publicado seus trabalhos nos anos 1960 e 
alcançado o auge nos anos 1970 (justamente o momento em que se 
situa a ruptura com o marxismo ocidental). Incluídos na relação dos 
jovens pensadores apontados por Anderson, estão Edward Thomp-
son, Victor G. Kiernan, George Rudé, Eric J. Hobsbawm, Christopher 
Hill e Rodney Hilton, estes três últimos protagonistas, juntamente 
com Maurice Dobb, dos debates sobre a transição do feudalismo 
para o capitalismo. 
Não somente o cenário inglês é contemplado nessa nova safra 
de marxistas, mas também o norte-americano. Da mesma forma, a 
historiografia tem sido o setor mais dinâmico, contando com os no-
mes de Eugene Genovese e Eric Foner, além da sociologia histórica 
de Immanuel Wallerstein, Theda Skocpol e da economia política de 
James O’ Connor, continuador da obra de Harry Magdoff e de Paul M.Sweezy, este último representando um dos mais importantes interlo-
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cutores dos diálogos sobre a transição. Coube, talvez paradoxalmente, 
às sociedades que se mantiveram a uma certa distância do turbilhão 
do movimento operário e das revoluções sociais – Estados Unidos e 
Inglaterra – iniciarem uma calorosa discussão não-dogmática sobre 
temas clássicos da crítica da economia política.
Decorrentes do processo de desestalinização, a percepção da 
necessidade de reformas no socialismo e um degelo teórico que permi-
tiu a retomada de questões há muito sepultadas foram inseridos num 
momento intelectual que coincidia com a ruptura do monolitismo da 
liderança soviética sobre o movimento operário internacional, permi-
tindo a muitos partidos comunistas discutirem questões próprias às 
suas realidades nacionais, abrindo caminho para o abandono de uma 
estratégia única e viabilizando debates sobre a questão da transição 
para o socialismo partindo do conhecimento da história e da estrutura 
de cada sociedade em particular. 
No que tange ao assunto deste livro, ressalta-se o impacto dos 
acontecimentos que traziam à tona o conjunto de sociedades impre-
cisamente compreendidas sob o termo “terceiro mundo”; parte das 
atenções desviavam-se para os movimentos de libertação de povos 
da Ásia e da África e para as discussões envolvendo o subdesenvolvi-
mento na América Latina. Além disso, deve-se lembrar que muitos dos 
grupos dirigentes de novos regimes que haviam emergido de um pro-
cesso de descolonização interessavam-se pela alternativa marxista de 
modernização de suas sociedades, tendo em vista que, depois de 1917, 
os regimes comunistas do mundo haviam sido implantados em socie-
dades eminentemente pré-burguesas, ou com a preservação bastante 
intensa de características desse tipo. As possibilidades de revoluções 
sociais nos ditos “países atrasados” abria um flanco que teria notória 
produtividade nas décadas de 1950-1970, que seriam os estudos sobre 
a natureza das relações entre países dominantes e subordinados no 
sistema econômico internacional (HOBSBAWM, 1989, p. 15-25). 
Dessa forma, em consonância com Hobsbawm, compreendemos 
a produção historiográfica sobre a transição do feudalismo para o 
capitalismo, empreendida pelos importantes expoentes do marxismo 
contemporâneo citados, como um momento fundamental da conjun-
ção entre uma realidade histórica específica – a presença de uma 
maior diferenciação no cenário politico-econômico mundial com o 
surgimento ou fortalecimento de Estados nacionais em luta pela sua 
modernização e desenvolvimento – e os estudos marxistas.5 
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Um exemplo significativo dessa interação entre experiência 
terceiro-mundista e teoria marxista se pode encontrar no cam-
po da historiografia e pode ser citado a título de ilustração. A 
natureza da transição do feudalismo para o capitalismo havia 
preocupado longamente os estudiosos marxistas, não sem in-
tervenção por parte de políticos marxistas, uma vez que, pelo 
menos na Rússia, apresentava questões de interesse atual [...] 
Mas, sem entrar na análise de tais discussões, basta recordar 
a ambiciosa tentativa de Maurice Dobb no sentido de fornecer 
delas um exame sistemático num volume que, com modéstia, 
chamou de Studies in the Development of Capitalism (1946) e que 
levou a um vivo debate internacional, sobretudo nos anos 50. 
(HOBSBAWM, 1989, p. 23-24)
Existe uma unidade histórica e teórica entre a temática da 
superação do modo de produção feudal/construção do modo de 
produção capitalista na Europa e os estudos sobre o subdesenvol-
vimento na periferia (em especial a latino-americana). Em primeiro 
lugar, como já comentado, a primeira ganha um novo impulso decor-
rente do movimento concreto de emergência do “terceiro mundo”. 
Em segundo lugar, uma importante vertente de estudos sobre o 
subdesenvolvimento que surge no final dos anos 1960 (aquela que 
tem como expoentes mais ilustres Andrew Gunder Frank e Immanuel 
Wallerstein) é tributária do debate engendrado pela publicação de A 
Evolução do Capitalismo de Dobb; esta é considerada por Hobsbawm 
como uma retomada do tema da gênese histórica do capitalismo em 
bases distintas, sendo ligada aparentemente à posição sweeziana no 
debate inicial e, além disso, articulada em torno da Monthly Review, 
revista da qual Sweezy era editor-chefe (HOBSBAWM, 1989, p. 24-25). 
Por fim, em linhas bastante gerais, a análise da transição na Europa e 
as interpretações sobre o fenômeno do subdesenvolvimento tratam, 
com cortes cronológicos e espaciais distintos, do desenvolvimento 
histórico do capitalismo. 
O esforço intelectual envolvido nas discussões marcou, efe-
tivamente, o processo de consolidação do mundo anglo-saxônico 
como expoente hegemônico do marxismo, e mais ainda, dos estudos 
históricos baseados na obra de Marx e seus seguidores. O ápice des-
te processo, que Anderson situou na década de 1970, foi o resultado 
de mais de 20 anos de discussões envolvendo, entre outros temas, a 
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questão da transição, que fora sumariamente eliminada da pauta pelo 
marxismo soviético, e de seu dogmatismo das fases invariáveis; uma 
vez que estas etapas eram inexoráveis e comuns a todo o tipo de so-
ciedade, dispensavam qualquer discussão acerca das pré-condições 
e dos diferentes resultados de uma mudança de modo de produção 
efetivada em bases sociais distintas.6 
 A recepção de A Evolução do Capitalismo nos anos seguintes à 
sua publicação não fora das mais estimulantes. Rodney Hilton, histo-
riador, um dos participantes do debate, escreveria em sua introdução 
à coletânea de artigos Transição do Feudalismo para o Capitalismo7 
(HILTON, 1989, p. 9-30) que os comentários sobre a obra nas revis-
tas especializadas da Inglaterra haviam sido de pequeno interesse, 
excetuando-se, certamente, no final da década de 1940, as opiniões 
de Karl Polanyi e de R. H. Tawney, este último uma das principais re-
ferências de Dobb no mesmo trabalho. Tendo havido algum interesse 
pela temática e pela abordagem, este pouco existiu no que tange a uma 
discussão dos problemas teóricos do próprio marxismo. O diagnóstico 
de Hilton, em 1976, para tal fato é preciso: a aceitação do pensamento 
de Marx pelos historiadores britânicos nos anos 1950 seria muito pe-
quena, tendo os mesmos uma formação que não comportaria análises 
explicativas sobre “agentes motores” de transformações históricas, e 
sim abordagens pretensamente objetivas de acontecimentos de curto 
prazo (o que indica uma forte influência positivista).
Os historiadores acadêmicos britânicos não gostam do marxis-
mo. De qualquer modo, a década que se seguiu ao fim da guerra 
não era a mais propícia para um debate livre de preconceitos 
sobre uma interpretação marxista do capitalismo. (HILTON, 
1989, p. 10)
Somando-se ao quadro do desinteresse dos historiadores ingle-
ses, Hilton não perde a oportunidade de ressaltar a complexidade de se 
tratar de análises marxistas no contexto histórico que se instaura no 
pós-guerra. Em meados da década de 1970, Theo Santiago, apresentan-
do uma coletânea de artigos sobre a construção do modo de produção 
capitalista por ele organizada, aponta igualmente os percalços por que 
passa uma análise científica do fenômeno da transição do feudalismo 
para o capitalismo tecendo considerações sobre a situação do conjunto 
dos estudos sobre o tema realizados até aquele momento:
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E então nos deparamos com o estado atual dos estudos realiza-
dos: ou são determinados pelo empirismo, ou por um evolucio-
nismo mecanicista que já nos assegura de antemão toda a história 
passada, presente e futura. A transição (a questão da constituição 
e da articulação de um modo de produção determinado comoutros) aparece então como um vazio no quadro dos conceitos 
fundamentais da ciência da história, vazio que é preenchido por 
postulações ideológicas: ou a transição não existe, porque a histó-
ria é um “todo” que não permite desarticulações, ou este conceito 
não necessita ser construído porque a ordem de sucessão das 
estruturas já nos está assegurada. (SANTIAGO, 1975, p. 9)
Ou seja, era entre abordagens empiricistas não-marxistas (à 
moda dos historiadores ingleses dos anos 1950 aos quais refere-se 
Hilton) e o determinismo mecanicista (o que nos remete de imediato 
aos trabalhos formulados sob influência do “marxismo soviético”) que 
patinavam os estudos sobre a transição até a publicação de A Evolu-
ção do Capitalismo e a condução do debate pelos demais autores, que 
prosseguiram-no em bases teóricas eminentemente novas e renova-
doras (como bem lembrou Anderson, em comentário já apresentado). 
Com isso, não encontrando interlocutores no contexto acadêmico 
britânico, Dobb somente obteria uma resposta às suas provocações 
do outro lado do Atlântico, do igualmente renovado cenário intelectual 
norte-americano, no qual Paul Sweezy se apresentava como primeiro 
crítico de peso às proposições realizadas pelo marxista inglês. 
A barreira que confinava as principais escolas e polêmicas do 
marxismo ocidental aos seus contextos nacionais, inicialmente fratu-
rada pelo ataque de Thompson contra Althusser em seu Miséria da 
Teoria, havia realmente se desmanchado no ar, dando margem para a 
superação de um silêncio e ignorância constrangedores no que tange 
a um diálogo de perspectivas internacionais (e também, por que não 
dizer, internacionalistas). 
De modo semelhante, a discussão da teoria do valor na eco-
nomia marxista não possuía mais fronteiras nacionais, mesmo 
provisórias: os circuitos argumentativos movem-se livremente 
do Japão para a Bélgica, do Canadá para a Itália, da Inglaterra 
para a Alemanha ou Estados Unidos, como provam recentes 
simpósios. (ANDERSON, 1987, p. 31-32)
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Mas a teoria do valor havia apenas sido agraciada por uma 
perspectiva de debate internacional: esta pode ser considerada como 
um primeiro qualificador dos diálogos sobre a transição do feudalismo 
para o capitalismo, dadas as diferentes nacionalidades dos debatedo-
res, que via de regra buscaram contribuir através de uma análise que 
buscasse a experiência histórica de suas respectivas sociedades.8 
Em suma, nesta introdução foram apresentadas as principais 
características que situam o debate em seu momento histórico e so-
cial. Passaremos agora a pontuar as principais questões apresentadas 
pelos autores, questões que definiram suas concepções de construção 
do modo de produção capitalista.
notas
1 É bem verdade que, como lembra Iring Fetscher, Cambridge fora responsável pela 
preservação, durante várias décadas, de um pensamento crítico sobre a economia 
política em bases marxistas, partindo de um referencial neo-ricardiano, que, no 
caso específico de nossa discussão, interessa apontar para o pensamento de Mau-
rice Dobb. Portanto, a interpretação da transição do feudalismo para o capitalismo 
trazida por este economista inglês não inovava no sentido de reinaugurar o debate 
marxista em termos não-ortodoxos, mas sim, na discussão acerca dos fenômenos 
incorporados à idéia de transição entre modos de produção, sublimada pelo mar-
xismo soviético sob influência do stalinismo (FETSCHER, 1988, p. 243-254).
2 Trata-se da publicação de uma série de palestras proferidas a convite da Universida-
de da Califórnia, publicadas originalmente em 1983 sob o título In the Tracks of the 
Historical Materialism. Nelas, Perry Anderson faz um balanço do desenvolvimento 
do Materialismo Histórico do pós-Segunda Grande Guerra, reavaliando prognósticos 
realizados em outra obra, Considerações sobre o Marxismo Ocidental.
3 A opinião de Anderson no que diz respeito à relação entre a prática revolucionária 
e o pensamento acadêmico me parece totalmente descabida. Delegar ao partido 
e ao sindicato a capacidade, por excelência, de produção de um pensamento e 
prática de transformação social pode vir a sublimar uma tradição acadêmica de 
formulação de estratégias e interpretações sobre as sociedades. Soa-me impossí-
vel uma ação revolucionária que não tenha como ponto de partida a compreensão 
científica daquilo que se pretenda transformar. Aliás, Anderson é um dos que 
também enfatiza a necessidade da estratégia, fundamentada em dados substan-
tivos, para a ação transformadora. Estando de acordo com o autor nesse ponto, 
não me parece, entretanto, que no caso brasileiro os partidos tenham sido mais 
eficazes na compreensão do funcionamento da sociedade que a universidade. 
Ainda que teses demiúrgicas tenham surgido de membros do Partido Comu-
nista Brasileiro, como é o caso de Caio Prado Jr., entre outros, a parte mais 
substancial do conhecimento sobre a sociedade brasileira que acumulamos 
até este início de século XXI foi produzida em bancos universitários. Mesmo 
que parte também significativa deste saber tenha advindo de quadros comuns 
ao partido e à academia, ainda assim o papel da universidade ganha relevo. 
No caso inglês, Hobsbawm e Thompson estiveram ligados ao Partido e à Universida-
de. Se é possível hoje traçar-se um quadro estrutural estratégico do capitalismo no 
Brasil, com suas peculiaridades, isto se deve ao esforço de gerações de acadêmicos 
nas últimas décadas. Não pretendo com isso reavivar concepções babovistas de 
transformação social; não se espera que uma casta “ilustrada” tente, por si, trans-
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ão formar toda uma sociedade. Entretanto, não se pode esquecer a função histórica da 
universidade pública como abrigo dos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora; 
mesmo que nos dias de hoje uma parte significativa desses intelectuais (e das ge-
rações que a eles sucedem) tenha renunciado ao seu papel político-estratégico, no 
caso dos historiadores, plantando-se nas terras salgadas da História Cultural e de 
suas derivadas, o ofício acadêmico do cientista social, do historiador e do econo-
mista (esse, o mais problemático) ainda desempenha peça-chave neste processo. 
Uma prova disso está na bibliografia do presente estudo. É louvável a sinceridade 
de Ellen Meiksins Wood, militante e acadêmica, ao afirmar, acerca de A Origem 
do Capitalismo: “O objetivo deste exercício é acadêmico e político [...] Pensar em 
alternativas futuras ao capitalismo exige que exploremos concepções alternativas 
de seu passado”. As palavras são encorajadoras, principalmente nestes tempos em 
que muitos intelectuais escondem-se atrás de seus micro temas, acovardados diante 
da possibilidade da polêmica (WOOD, 2001, p. 17).
4 Ainda assim, segundo V.G. Kiernan, na década de 1960, Glezermann, teórico sovié-
tico, defendia a possibilidade de um estágio de desenvolvimento ser saltado em 
direção a um de maior evolução. Mesmo admitindo tal fato, nega a possibilidade 
da violação das leis da história, afirmando que a ordem dos estágios é universal e 
inalterável. Isso demonstra como o determinismo e o mecanicismo persistiram no 
pensamento marxista soviético mesmo com as denúncias ligadas ao XX Congresso 
do PCUS (KIERNAN, 1988, p. 137-138).
5 Mais uma vez lembramos a opinião de Perry Anderson no que diz respeito à inte-
gração entre a realidade político-econômica e o desenvolvimento do pensamento 
marxista, já explicitado em outra ocasião neste capítulo. 
6 Mesmo afirmando a fertilidade da renovação dos estudos marxistas empreendida 
pelos pensadores anglo-saxônicos na década de 1970, ainda assim Anderson ressalta 
que uma limitação do momento anterior não fora superada, que era a ausência de 
formulações estratégicas para uma transição da democracia burguesa para uma 
democracia socialista; ou seja, a renovação teórica não foi seguida de uma igual 
renovação no tocanteàs alternativas concretas para a revolução, o que o leva a falar 
de uma “miséria da estratégia”. Ao meu ver, a discussão da transição do feudalismo 
para o capitalismo, que se aprumava em decorrência do impacto do “terceiro mun-
do” sobre o marxismo, tinha um caráter profundamente estratégico, tendo em vista 
que buscava compreender justamente os mecanismos que levaram à formação da 
sociedade capitalista no ocidente europeu (em especial na Inglaterra) e que a dife-
renciava do restante do mundo. É nesta direção que Hobsbawm parece apontar. De 
qualquer maneira, esta é uma questão que extrapola os limites do presente estudo, 
e seus resultados não influenciam no tratamento que buscamos para as discussões 
sobre a transição (ANDERSON, 1987, p. 32; HOBSBAWM, 1989, p. 24-31).
7 Trata-se de uma famosa coletânea de artigos, publicada também pela editora Martins 
Fontes, contendo a crítica de Paul Sweezy ao já citado trabalho de Dobb, bem como 
as opiniões de vários autores acerca das posições de um e de outro economista. 
8 Dentre os principais participantes das discussões, temos os ingleses Maurice Dobb, 
Rodney Hilton, Eric Hobsbawm, o norte-americano Paul Sweezy, o japonês Kohachiro 
Takahashi, os franceses Pierre Vilar e Charles Parain e o italiano Giuliano Procacci, 
entre outros não menos importantes. Paul Sweezy realmente não tentou inserir o 
capitalismo norte-americano nas discussões sobre a transição, tendo em vista que 
permanecera estritamente preocupado em contra-argumentar Dobb tendo como 
base sua proposta explicativa para o ocidente europeu medieval; poderia tê-lo feito, 
mas para tal ênfase deveria ter caminhado num sentido ainda mais abstrato em busca 
de discutir não a transição do feudalismo para o capitalismo especificamente, mas 
o fenômeno da transição de sociedades pré-capitalistas para hegemonicamente 
capitalistas. Já Takahashi, por exemplo, buscou contextualizar o fenômeno trazendo 
as modificações decorrentes da reforma Meiji para seu país.
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caPitalismo e servidão no Pensamento marxista 
contemPorâneo
O ponto de partida de Dobb no esforço de situar seu pensamento 
é definir justamente o que concebe como o termo “capitalismo”, e que 
implicação sua escolha teórica terá no desenrolar de sua argumenta-
ção. Não tenta abordar o capitalismo como expressão de um espírito 
empresarial nem tampouco como manifestação da disseminação das 
trocas monetárias cujo objetivo é o lucro; conceitua-o, assim como o 
fez inicialmente Marx, como um modo de produção específico (DOBB, 
1986, p. 7). A multiplicidade de significados para um mesmo conceito 
confere uma considerável dificuldade para o estabelecimento de um 
trânsito entre as diversas matrizes teóricas.
As diferenciadas interpretações tiveram de superar em primeiro 
lugar determinadas vozes que impunham limites ao próprio conceito 
de capitalismo como uma realidade histórica concreta; da parte dos 
economistas, vindas daqueles para os quais os fundamentos de seu pen-
samento tomam forma num âmbito que desconsidera fatores históricos 
como definidores de um sistema econômico, e entre os historiadores, 
daquela vertente que se baseia na idéia de que a História é formada por 
um conjunto de acontecimentos tão variados, complexos e singulares 
que não reconhece “quaisquer dessas categorias gerais formadoras da 
tessitura da maioria das teorias de interpretação histórica e nega qual-
quer validade de linhas fronteiriças entre épocas históricas” (DOBB, 
1986, p. 3). Em suma, da parte de teóricos que renunciam à História e 
de historiadores que negam a Teoria, o capitalismo, quando muito, nada 
mais seria do que um aspecto da vida humana que caracterizaria inúme-
ros períodos, sendo impossível a partir dele circunscrever um tipo de 
organização social específica. Quando Santiago se referiu, no que tange 
ao ambiente que circundava os debates sobre a transição, a estudos 
empiricistas que viam a História como um “todo” sem descontinuidades 
e Hilton a uma tradição historiográfica inglesa com ares objetivistas, 
despreocupada com a análise das “forças motoras”, e dedicada ao estu-
do de períodos de curta duração, deparamo-nos com concepções que 
o próprio Dobb afirmaria estarem vencidas pelo desenvolvimento da 
historiografia econômica: “Hoje, após meio século de pesquisa intensa 
na história econômica, tal atitude raras vezes é considerada sustentável 
pelos historiadores econômicos, ainda que estes apresentem descon-
fianças quanto à origem do termo” (DOBB, 1986, p. 4).1
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Segundo Dobb, assumindo a existência histórica do capita-
lismo, ainda assim, tal condição não nos livraria de interpretações, 
por exemplo, que o equiparam ao uso da técnica de modo a encurtar 
tempos de produção. Da mesma forma, uma associação do fenômeno 
do capitalismo ao sistema de empresa individual, regido por relações 
contratuais, com liberdade dos agentes econômicos perante determi-
nadas restrições legais, seria diminuir a importância explicativa do 
conceito, equiparando-o ao próprio laissez-faire. Outras experiências 
de maior representatividade, como aquela empreendida, grosso modo, 
por Werner Sombart e Max Weber, buscaram identificar o surgimento 
do capitalismo a partir da formação de um “espírito” empreendedor 
associado ao de racionalidade; este último autor em especial consta-
tava capitalismo em qualquer empreendimento que se voltasse para 
prover as necessidades de um grupo e que fosse baseado num método 
empresarial, sendo o espírito do capitalismo a atitude de busca pelo 
lucro de um modo sistemático. Ou seja, o capitalismo em sua dimensão 
econômica é a criação de um geist específico, um estado de espírito 
que conduz os homens; o idealismo impregnado nesta concepção é 
incapaz, entretanto, de explicar satisfatoriamente a partir de que bases 
ocorreu o surgimento da própria ética capitalista anterior ao sistema 
econômico (DOBB, 1986, p. 8-9). 
Em afinidade com esta noção, algumas interpretações relaciona-
das ao legado deixado pela Escola Histórica Alemã acrescentariam ao 
capitalismo a noção de uma economia monetária (em contraposição 
a uma economia natural, típica do mundo medieval europeu) e da 
presença de trocas de longa distância. 
A tendência dos que assim concebem o termo é buscar as 
origens do capitalismo nas primeiras invasões de transações 
especificamente comerciais sobre os estreitos horizontes 
econômicos e a suposta “economia natural” do mundo me-
dieval, e assinalar os principais estágios no crescimento do 
capitalismo de acordo com estágios na ampliação do merca-
do ou com as formas variáveis de investimento e empresa 
comercial às quais tal ampliação se ligava. (DOBB, 1986, 
p. 7)
Tais categorias, grosso modo, apresentariam pouco valor para 
a formulação de uma singularização histórica de uma sociedade e de 
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determinado fenômeno, tendo em vista que toda produção ao longo da 
trajetória humana sobre o planeta, com exceção dos patamares mais 
primitivos de progresso técnico, teria, nesses termos, uma dimensão 
“capitalista” (DOBB, 1986, p. 5-7). Portanto, já nas primeiras páginas 
de sua obra Dobb desfere um ataque às interpretações circulacionis-
tas, justamente estas que seriam a base para, posteriormente, Sweezy 
realizar sua crítica.2
Tanto a concepção de Sombart do espírito capitalista quanto 
uma concepção de capitalismo como sendo primariamente um 
sistema comercial compartilham o defeito, em comum com as 
concepções que focalizam a atenção no fato de uma inversão 
lucrativa de dinheiro, de serem insuficientemente restritivas 
para confinar o termo a qualquer época da História, e de pare-
cerem levar inexoravelmente à conclusão de que quase todos 
os períodos da História foram capitalistas, pelo menos em certo 
grau(DOBB, 1986, p.8).
Dessa forma, negando a validade integral de tais interpreta-
ções a respeito do capitalismo, Dobb retoma Marx para afirmar que 
o modo de produção capitalista não se refere exclusivamente ao de-
senvolvimento técnico (no caso, das forças produtivas) mas também 
– e principalmente – à maneira pela qual as relações de propriedade 
sobre os meios de produção e de trabalho estão fundadas. Não seria 
simplesmente um sistema de produção de mercadorias, muito embora 
não pudesse deixar de sê-lo: nele, a própria força de trabalho torna-se 
mercadoria, sendo comprada e vendida em um mercado na mesma 
medida que qualquer outro bem. Sua pré-condição seria a concen-
tração da propriedade dos meios de produção sob uma determinada 
classe minoritária que compraria a força de trabalho vendida por uma 
parcela majoritária da sociedade, composta de indivíduos privados de 
qualquer propriedade, exclusivamente dependentes da venda desta 
força (trocada por salários) para realizar sua subsistência. 
Dessa forma, a coerção extra-econômica, oriunda de fatores 
superestruturais, seria desnecessária, sob o modo de produção ca-
pitalista, para manter as massas expropriadas inseridas na atividade 
produtiva; enquanto o produtor direto consiste majoritariamente no 
camponês e artesão, tendo posse (ou propriedade) dos seus meios 
de produção, o sobretrabalho só poderia ser extraído por uma classe 
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proprietária por intermédio de coerção direta, sendo esta uma marca 
que conferiria unidade aos modos de produção pré-capitalistas. Ex-
propriados dessa base econômica urbana ou rural e transformados 
em proletários, as chibatas tornar-se-iam desnecessárias: a fome 
advém como um feitor etéreo mas sagaz, invisível como a “mão” do 
mercado smithiana. 
O que diferencia o uso dessa definição em relação às demais é 
que a existência do comércio e do empréstimo de dinheiro, bem 
como a presença de uma classe especializada de comerciantes 
ou financistas, ainda que fossem homens de posses, não basta 
para constituir uma sociedade capitalista. Os homens de ca-
pital, por mais ambiciosos, não bastam – seu capital tem de 
ser usado na sujeição do trabalho à criação da mais-valia no 
processo de produção. (DOBB, 1986, p. 8)
Portanto, economia monetária, trocas comerciais, extração de 
excedente e atividade empresarial, mentalidade de lucro e raciona-
lidade econômica, nenhum desses elementos seria suficiente para 
configurar a existência histórica de um modo de produção capitalista: 
este dependeria fundamentalmente da concentração de capital nas 
mãos de uma classe empregadora de mão-de-obra assalariada e a 
existência de uma oferta de força de trabalho a partir de uma classe 
expropriada formando, assim, a extração de excedente por meio da 
mais-valia. Mercado, empresários e mentalidade de lucro não foram 
necessariamente incompatíveis com modos de produção pré-capita-
listas, e mesmo que o tenham sido em determinadas situações, sua 
presença não nos autoriza a falar em capitalismo.
 Dobb parte do pressuposto de que os modos de produção nunca 
se manifestam na realidade concreta de um modo absoluto e exclu-
dente em relação a outros modos de organização socioeconômica. Os 
sistemas econômicos jamais podem ser encontrados, na visão desse 
autor, em uma modalidade pura, havendo sempre a interpenetração 
entre modos de produção diferenciados, representando uma perma-
nência ou um pioneirismo em relação àquele determinado contexto 
social. Exceto pelos breves momentos de transição, cada período 
histórico seria marcado pela predominância de uma determinada 
forma econômica relativamente homogênea, e deve ser classificado 
a partir dela. 
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Dessa forma, Dobb afirma que seu interesse com o estudo da 
transição não está na análise do surgimento de uma forma econô-
mica específica, tendo em vista que o mero aparecimento de novas 
relações de trabalho e propriedade no seio de um determinado modo 
de produção não implica na sua transformação; seu interesse reside, 
na verdade, em identificar o momento em que essas novas relações 
atingem uma preponderância de tal monta que passam a imprimir 
a uma determinada sociedade suas características e que, portanto, 
sejam capazes de conduzir o desenvolvimento econômico segundo 
seus fundamentos. A implementação da hegemonia de um determi-
nado modo de produção sobre outros tem como pontos cruciais os 
momentos de uma mudança brusca na direção da sociedade, por 
meio de uma revolução social; apesar de reconhecer que todo pro-
cesso de mudança histórica acontece gradualmente, Dobb não abre 
mão de verificar nos processos revolucionários os catalisadores das 
transformações e das reais mudanças qualitativas, rejeitando uma 
perspectiva de desenvolvimento econômico baseada em variações 
quantitativas de determinados índices crescentes (DOBB, 1986, 
p. 10-11). 
Um dos principais defeitos destas últimas [análise do de-
senvolvimento restrita a uma abordagem quantitativista] é 
sua tendência a ignorar, ou pelo menos a minimizar, aque-
las cruciais novas propriedades que, em certos estágios, 
podem surgir e transformar radicalmente o resultado [...] 
e o caráter tendencioso que há em sua vocação para inter-
pretar situações passadas e para estabelecer “verdades 
universais” super-históricas, modeladas no que dizem ser 
traços imutáveis da natureza humana ou certos tipos inva-
riáveis de “necessidade” econômica ou social. (DOBB, 1986, 
p. 11)
Buscando superar as análises sobre a história econômica e so-
bre a própria economia que visam observar mais pontos em comum 
entre as sociedades do que buscar seu caráter plural, Dobb afirma:
A teoria econômica, pelo menos desde Jevons e os austríacos, 
tem sido modelada cada vez mais em termos de propriedades 
comuns a qualquer tipo de sociedade de trocas; e as leis econô-
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micas principais têm sido formuladas nesse nível de abstração. 
[...] Uma esfera autônoma de relações de troca, cujos conceitos 
ignoram a diferença qualitativa na ligação de diversas classes 
com a produção e, portanto, entre si, para concentrar-se em 
sua semelhança como fatores quantitativos num problema abs-
trato de determinação de preços, não pode claramente revelar 
muita coisa sobre o desenvolvimento econômico da sociedade 
moderna. Além disso, a alegada autonomia dessa esfera entra, 
ela própria, em questão. (DOBB, 1986, p. 21-22)
Um dos princípios mais caros ao pensamento de Marx permite 
a Dobb verificar no caráter classista da sociedade e na luta de classes 
o fator de preservação ou de destruição da hegemonia de um determi-
nado modo de produção. A natureza de uma classe dominante teria o 
poder de impor a um determinado período histórico uma característica 
típica, tendo em vista que essa classe lançaria mão de sua dominân-
cia, através dos recursos possíveis, para preservar aquele modo de 
produção que garantiria sua renda. O interesse comum que une um 
determinado setor da sociedade como uma classe se dá justamente 
no sentido de preservar e expandir um tipo de mecanismo de extra-
ção e distribuição do produto do trabalho. No momento em que as 
modificações no interior desta sociedade conduzissem a uma ruptura 
da hegemonia da classe dominante, a nova classe (ou aliança de clas-
ses) teria o poder de ocupar uma posição estratégica de acelerar a 
transição e minar a força de sua adversária, atuando para que o modo 
de produção a ela ligado fosse deslocado para uma posição de menor 
representatividade no conjunto da sociedade (DOBB, 1986, p. 12-13). 
O capitalismo como um modo de produção, premissa de que 
parte Dobb para sua análise da transição, nãopode ter sua origem 
identificada a partir dos primeiros indícios do aparecimento do co-
mércio de grande escala e de uma classe mercantil; estaria, sim, no 
momento em que o produtor direto é privado de sua base econômica 
e passa a ser subordinado a um detentor de propriedade capitalista. 
Tratando da gênese do capitalismo europeu, situa-a não nos séculos 
XII como o faz Henri Pirenne pensando no exemplo holandês (principal 
referência de Paul Sweezy) ou no século XIV, a partir do artesanato 
e do comércio urbano, mas sim na Inglaterra dos séculos XVI-XVII, 
período este em que o capital começa sua conquista do processo pro-
dutivo. Mesmo que bem antes desses marcos fosse possível encontrar 
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rudimentos do modo de produção capitalista (dependência do artesão 
diante do grande comerciante detentor de capital, diferenciação social 
no campo, produzindo camponeses ricos empregadores em pequena 
escala de mão-de-obra assalariada), Dobb nos alerta para que não os 
tomemos pelo que não são:
Estes, no entanto, parecem ter sido pouco numerosos e in-
suficientemente amadurecidos, para serem tomados como 
muito mais do que um capitalismo adolescente, não chegando 
a justificar que situemos a existência do capitalismo, já nessa 
altura, como novo modo de produção, suficientemente claro 
e extenso a ponto de constituir um desafio sério a outro mais 
antigo. (DOBB, 1986, p. 15)
Em resumo, tendo sido estabelecidos os parâmetros a partir 
dos quais Dobb desenvolve seu raciocínio, poderíamos afirmar que 
seu objeto de estudo – a economia capitalista – não difere em maior 
grau daquele relacionado às pesquisas criticadas pelo autor. O que 
ele propõe, no entanto, é mudar o ângulo de análise, deixando de 
investigar as sociedades de trocas de um modo geral (como se estas 
fossem necessariamente capitalistas pela sua atividade comercial), 
passando a ter como preocupação a gênese, a estrutura e o cresci-
mento de uma sociedade verdadeiramente capitalista, distinta das 
demais pelos elementos que conferem especificidade a este modo 
de produção.
Dobb renuncia a interpretações jurídicas ou ligadas à relação 
produção-destino do produto para conceber a realidade econômica, 
lançando mão do conceito de modo de produção. Definições que bus-
cassem identificar o fenômeno do feudalismo a uma relação jurídica 
entre vassalos e suseranos, ou condicionado à existência ou não de 
produção destinada a trocas mercantis são desprestigiadas. O que 
busca o economista inglês para definir o modo de produção feudal é 
justamente a natureza das relações de trabalho e propriedade, entre 
o produtor direto urbano ou rural (o artesão e o camponês) e a classe 
de proprietários. 
Na Grã-Bretanha, os debates sobre o significado do feudalismo 
vinham mostrando-se pouco produtivos, considerando que, sob os 
olhos do historiador constitucional, do jurista ou do historiador eco-
nômico, a questão da essência das sociedades compreendidas sob 
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esta definição não escapava a uma dimensão político-jurídica. Dobb, 
ao utilizar-se do exemplo das discussões entre eslavófilos e ocidenta-
listas na Rússia do século XIX acerca da existência de um feudalismo 
ocidental na história deste país, afirma que esta teria sido a ênfase ini-
cial predominante. Somente o progressivo avanço do marxismo sobre 
estudos de história agrária teria feito com que as relações econômicas 
passassem a ganhar maior destaque analítico que as jurídicas; ainda 
assim, não ofereciam uma alternativa convincente, uma vez que, por 
mais que abandonada a velha ênfase, esta mesma insistiria na dico-
tomia economia natural-economia comercial; ou seja, definir-se-ia o 
feudalismo como um sistema econômico pouco monetarizado, auto-
suficiente e voltado para a subsistência, divergindo radicalmente de 
uma economia de trocas monetárias, cujo objetivo da produção é ter 
como finalidade o comércio (DOBB, 1986, p. 25-27). 
Tal noção de que o feudalismo se apoiava na economia natural 
como sua base econômica parece partilhada, pelo menos im-
plicitamente, por uma série de historiadores econômicos do 
Ocidente, e poder-se-ia dizer que tem maiores afinidades com 
as concepções de autores da Escola Histórica Alemã, como 
Schmoller, de que com as de Marx. (DOBB, 1986, p. 26)
Um dos pontos mais polêmicos da controvérsia que se iniciaria 
está na afirmação de Dobb de que as relações de trabalho sob um 
modo feudal de produção confundir-se-iam com a noção de servidão. 
Ou seja, diferentemente do modo de produção capitalista, em que a 
extração do sobretrabalho pelo proprietário dos meios de produção 
não depende exclusivamente de meios extra-econômicos, sob o modo 
de produção feudal esta transferência de trabalho ocorreria por meio 
da imposição de força, que resultaria na prestação de serviços e tra-
balho nas terras do senhor, ou no pagamento de taxas em dinheiro ou 
em espécie. Diferencia-se do capitalismo e do escravismo na medida 
em que o produtor direto permanece de posse dos meios de produção 
e de sua base de sustentação econômica; aproxima-se do segundo no 
ponto em que tanto um quanto outro se baseiam na coerção, ao pas-
so que, sob o modo de produção capitalista, o trabalhador disporia 
de liberdade sobre seu próprio corpo e na escolha do empregador, 
configurando-se uma relação tipicamente contratual, não tendo obri-
gações para além do contratado. Além disso, este modo de produção 
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teria sido associado historicamente a um baixo desenvolvimento das 
forças produtivas, à pouca divisão do trabalho e à pequena presença 
do trabalho enquanto processo social integrado (sendo este, em sua 
maioria, exercido de modo individual). Embora tenha sido associado 
a “economias naturais”, Dobb ressalta que servidão e subsistência 
não são pares necessários. O modo de produção tem sido também 
associado a formas de fragmentação política e de propriedade da terra 
condicionada à prestação de serviços ou à dependência pessoal por 
senhores detentores de poderes jurídicos. No entanto, Dobb lembra 
não ser esta uma configuração invariável, tendo em vista que a servi-
dão também teria sido encontrada sob sistemas políticos centralizados 
e com posse de terra hereditária.3
O ponto de partida do debate estava portanto lançado. Em 1950, 
quatro anos depois da primeira edição de A Evolução do Capitalismo, 
o norte-americano Sweezy publicaria pela primeira vez sua instigante 
crítica na revista Science and Society. Nela, o primeiro ponto a ser 
questionado seria justamente a idéia de que feudalismo e servidão 
expressam uma mesma realidade. Sweezy aponta que, com esta 
afirmação, Dobb não teria definido o feudalismo/servidão como um 
sistema de produção,4 ou seja, teria perdido de vista critérios mais 
vastos como a questão da circulação de moedas e mercadorias, e 
fatores superestruturais. Lembra Sweezy que a servidão pode existir 
em sistemas sem qualquer traço de feudalismo, e pode mesmo ser uma 
relação de produção hegemônica prescindindo de uma organização 
econômica necessária para comportá-la. Ou seja, a servidão pode ser 
dominante numa sociedade sem que esta deva ser necessariamente 
feudal.5 Acontece, portanto, que para este autor, o conceito cunhado 
por Dobb (feudalismo como sinônimo de servidão) tornou-se amplo 
demais, e, dessa forma, inviável para explicar um sistema econômico 
determinado. Por não definir simplesmente um sistema social (aquele 
ligado ao modo de produção feudal europeu ocidental), mas buscar 
conceitualizar todos os sistemas sociais baseados na servidão, Sweezy 
criou um aparato conceitual de abrangência tão vasta que perderia 
poder explicativo para de fato oferecer respostas para problemas 
históricos específicos (SWEEZY, 1977b,

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