Buscar

A variação linguística nos materiais didáticos - Bianca Rapelli

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NOS MATERIAIS DIDÁTICOS
Bianca Barbara Rapelli de Moraes
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
RESUMO
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCNs ou Parâmetros) esperam que os alunos, nos livros didáticos de língua portuguesa, possam ter acesso ao conceito de variação linguística para que haja legitimação de todos os modos de falar no Brasil. Visando atender a esse requisito e obter a aprovação posteriormente pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), autores e editoras trazem conceitos de preconceito linguístico, os tipos de variação possíveis e o próprio conceito de variação linguística. Neste trabalho, procuramos observar como o aluno recebe essa teoria e quais seriam os possíveis impactos (positivos ou negativos) para sua formação através de análises de materiais didáticos do sexto ano do Ensino Fundamental.
Palavras-chave: Variação linguística. Materiais didáticos.
1 INTRODUÇÃO
Os PCNs, a partir de 1998, começaram a reformular o ensino de língua portuguesa nas escolas. A gramática normativa deixou de ser o foco principal e, então, foi implantada a sessão denominada “Prática de análise linguística”. Essa sessão visa ampliar a competência discursiva dos alunos e proporcionar reflexões sobre o uso da língua. 
É nesse momento que o estudo da variação linguística ganha espaço das salas de aula e nos Parâmetros como “fundamental na formação da consciência linguística e no desenvolvimento da competência discursiva do aluno” (1998, p.82). O objetivo de se colocar tal assunto em pauta nas escolas é tentar diminuir o preconceito linguístico e mostrar ao estudante “que todas as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da cultura humana” (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1998, p.82).
A partir daí, os livros didáticos passaram a inserir noções básicas relacionadas ao assunto, como uma breve noção do que é a variação, o que é preconceito linguístico, a linguagem oral versus a linguagem escrita e uma discussão sobre as variedades de prestígio em relação à norma-padrão. Há materiais, como exemplo, o livro Português: Linguagens, de William Cereja e Thereza Cochar, que ainda tentam explicar com mais detalhes os tipos de variação linguística. Ou seja, os materiais cobrem o básico pedido pelos PCNs e estão livres para adicionarem mais informações a respeito do tema.
O que vamos analisar, então, é como se dá a inserção dessas discussões da sociolinguística através dos seguintes questionamentos: o aluno conseguirá compreender o que os autores dos materiais didáticos querem dizer? E conseguirá perceber as todas as variedades como legítimas? Como se dá a mobilização desses conceitos por parte dos autores desses livros?
2 CORPUS DE PESQUISA
Nosso corpus consiste em dois livros didáticos de grande circulação na rede pública de ensino para os alunos do sexto ano do Ensino Fundamental ciclo II. 
O primeiro, como brevemente mencionado na introdução, é o livro Português: Linguagens, de William Cereja e Thereza Cochar. Sua organização se dá por meio de unidades que mesclam produção de texto, leitura, gramática e análise linguística. A variação é tratada em uma sessão denominada “A língua em foco – As variedades linguísticas” e cinco tópicos são abordados: “Norma-padrão e variedades de prestígio”, “Variação linguística e preconceito social”, “Falar bem é falar adequadamente”, “Tipos de variação linguística” e “As variedades linguísticas na construção do texto”. Esse livro é amplamente utilizado nas escolas estaduais.
O segundo, mais utilizado pelas escolas municipais, chama-se “Singular & Plural: Leitura, produção e estudos de linguagem”, elaborado por Laura de Figueiredo, Marisa Balthasar e Shirley Goulart. O livro é estruturado por três grandes unidades, chamados “Caderno de leitura e produção”, “Caderno de práticas de literatura” e “Caderno de estudos de língua e linguagem” e cada um é subdividido em unidades e as unidades subdivididas em capítulos. A variação encontra-se no “Caderno de estudos de língua e linguagem”, na unidade 1 e no capítulo 2, intitulado “A língua como um conjunto de variedades”. Dois tópicos são trabalhados ao longo do capítulo: “Língua e mudança” e “O uso da língua e as situações de comunicação”.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para analisar nosso corpus, utilizaremos os conceitos de variação colocados por Rodolfo Ilari e Renato Basso no livro “O português da gente” (2006). Em virtude do que aparece no corpus e do que analisaremos, é indispensável que utilizemos como base a própria visão dos autores sobre a variação linguística e também, mais especificamente um dos possíveis tipos de variação, que é a diamésica e igualmente presente na obra dos autores. 
Também será necessário trazer para nossas análises algumas reflexões de Faraco (2002), a respeito da norma-padrão e norma linguística.
4 ANÁLISE DOS DADOS
	4.1. “Variedades linguísticas”
A expressão “variedades linguísticas” está presente em ambos os materiais se referem à variação linguística. 
No livro Português: Linguagens, feito por Cereja e Magalhães (2014, p.42), a variedade linguística é trazida da seguinte forma:
	 “Como nosso país é muito grande e desigual, com Estados grandes e pequenos, ricos e pobres, com gente vivendo no litoral, na floresta, nas grandes cidades, em povoados ou na roça, é natural que a língua portuguesa sofra variações, que constituem as variedades linguísticas.
 Além das variações resultantes de localização geográfica, uma língua também pode apresentar variações decorrentes de outros fatores, como idade, profissão e grau de escolaridade.
Variedades linguísticas são as variações que uma língua apresenta em razão das condições sociais, culturais e regionais nas quais é utilizada.” (grifos dos autores)
Já no livro Singular & Plural, elaborado por Figueiredo, Balthasar e Goulart (2017, p. 219), as variedades linguísticas são expostas a partir do seguinte texto:
	 “Todas as línguas do mundo têm uma característica em comum: nenhuma delas é uniforme; todas apresentam variadas formas quando são usadas pelas pessoas. Uma vez que a sociedade é dividida em grupos, dependendo dos grupos sociais a que pertencemos, nos identificamos com seus modos de falar: os jovens têm um jeito de falar que é diferente do jeito dos mais velhos. Por outro lado, certos grupos de jovens podem falar de modo diferente dos outros, dependendo do lugar ou região onde moram e também da classe social a que pertencem ou do grau de escolaridade que possuem.
 Esses modos diferentes de falar a nossa língua são chamados de variedades da língua portuguesa ou variedades linguísticas. Para a ciência que estuda as línguas como linguagem, nenhuma variedade é melhor ou pior. Todas têm o mesmo valor para seus falantes e se prestam à comunicação, à interação entre nós.” (grifos das autoras)
A princípio, podemos perceber que o segundo livro atende (ou tenta atender) mais explicitamente na definição uma exigência dos Parâmetros, que é a de mostrar todas as variedades como legítimas (1998), o que acaba sendo um ponto positivo quando comparado com o primeiro livro, que inicialmente apenas indica que há vários modos de falar. No entanto, vemos que, nessa mostra de legitimidade, o aluno acaba sendo levado a imaginar que só os cientistas da linguagem devem encarar as variedades como legítimas ao passo que ele próprio não, fato este que acaba rompendo com o que pede os PCNs. 
Também podemos notar que a linguagem empregada para redigir os textos é diferente. Ao passo que, em “Português: Linguagens”, o modo como os autores usaram para escrever nos parece facilitar mais o entendimento do aluno, em “Singular & Plural” a escrita parece mais acadêmica no segundo parágrafo. Dificilmente um aluno do sexto ano saberá o que é estudar a língua como linguagem e, talvez, menos ainda qual é a ciência que se ocupa desse estudo. Assim, a informação chegaria para a criança de forma fragmentada por dificuldades de interpretação. 
Em aspectos gerais, ambas as definições conversam entre si por mostrarem que pessoasde lugares, idades e escolaridades distintas possuem seus próprios modos de falar, ou seja, desmistifica a ideia de que a língua é uma unidade uniforme, o que corrobora com o que já dizia ILARI, BASSO (2006, p.151):
 a uniformidade do português brasileiro é em grande parte um mito, para o qual contribuíram 1) uma certa forma de nacionalismo; 2) uma visão limitada do fenômeno linguístico, que só consegue levar em conta a norma culta; e 3) uma certa insensibilidade para a variação, contrapartida do fato que os falantes se adaptam naturalmente a diferentes contextos de fala.
Em virtude da faixa etária do público alvo, é claro que ficaria complexo – e, possivelmente, exaustivo demais – abordar a questão da variação como fazem os autores. Por isso, apesar da linguagem de ainda difícil compreensão para o aluno (como já vimos anteriormente) o conceito explorado de variação é satisfatório para que os estudantes tenham noção do que seja o fenômeno e como o mesmo ocorre socialmente. 
4.2. Variedade de prestígio e norma-padrão
O primeiro texto que traremos é do livro didático de Cereja e Magalhães (2006, p.42):
	 “A língua está sempre em mudança, em renovação. Palavras novas surgem a todo instante e formas antes valorizadas caem em desuso com o tempo. Com a Internet, até mesmo a forma de escrever as palavras tem se modificado.
 Justamente para evitar que cada um use a língua à sua maneira, em todo o mundo existem especialistas que registram, estudam e sistematizam o que é a língua de um povo em certo momento, o que dá origem à norma-padrão, uma espécie de “lei” que orienta o uso social da língua. Essa norma-padrão é a que está registrada nos dicionários e nos livros de gramática.
 É claro que a norma-padrão não existe como uma língua de fato, pois ninguém fala português em norma-padrão em todos os momentos da vida. Ela é um modelo, uma referência que orienta os usuários da língua a, sempre que precisam, usar o português de modo mais formal.
 Há momentos descontraídos, em que ela não é necessária, mas há momentos em que ela é obrigatória, como quando fazemos uma entrevista para conseguir um emprego, quando apresentamos um trabalho escolar, participamos de um debate, escrevemos uma carta para uma autoridade pública, redigimos um requerimento, etc. Dada a importância da norma-padrão, a escola se propõe ensiná-la a todas as crianças e jovens do país, preparando-os para ingressar na vida social.
 As variedades do português que mais se aproximam da norma-padrão são prestigiadas socialmente. É o caso das variedades linguísticas urbanas, faladas nas grandes cidades por pessoas escolarizadas e de renda mais alta. Outras variedades, faladas em lugares distantes dos grandes centros, ou faladas por pessoas analfabetas ou de baixa escolaridade, ou por pessoas mais pobres, são menos prestigiadas e, por isso, frequentemente aqueles que as falam são vítimas do preconceito.
Norma-padrão: é uma referência, uma espécie de modelo ou “lei” que normatiza o uso da língua, falada ou escrita.
Variedades urbanas de prestígio: também conhecidas como norma-culta, são as variedades empregadas pelos falantes urbanos mais escolarizados e de renda mais alta”. (grifos dos autores). 
O segundo, trazido do material didático de Figueiredo, Balthasar e Goulart (2017, p.216), chama-se “As variedades linguísticas e suas regras”:
	 “Acreditar que as variedades urbanas de prestígio são as únicas que possuem normas e regras a serem seguidas é um erro de compreensão sobre o que é a língua. Todas as variedades linguísticas possuem suas regras e normas internas. Só não são as mesmas das variedades prestigiadas”. (grifos das autoras)
É interessante observar, inicialmente, que no segundo livro há a noção mencionada por Faraco (2002) de “norma linguística”, que seria como um grupo social utiliza as formas possíveis da língua e, desta forma – como apontado pelas autoras do material didático – cada grupo com sua variante própria teria sua norma linguística, colocando em cheque a ideia de que só a norma padrão existe e rege a língua portuguesa. O contraponto ao apresentar essa ideia, no entanto, é o texto nos parecer um pouco vago. Para pesquisadores voltados para a língua, o que as autoras dizem é algo claro, porém não é possível dizer o mesmo quando nos colocamos na perspectiva dos estudantes que vão lidar com tal material. É possível que os jovens tenham questionamentos do tipo “Como as variedades podem ter normas?”, “Quais seriam essas normas?”, “E a norma-padrão serve para quê?”, dentre outras dúvidas que podem surgir cujas respostas não se encontram no material didático.
O que é um diferencial quando olhamos para o que traz Cereja e Magalhães. Nesse caso, os autores trazem o conceito de “norma” e que, de certa forma, esbarram também no que diz Faraco (2002, p.40): “visa uma relativa estabilização linguística, buscando neutralizar a variação e controlar a mudança. Ao resultado desse processo [...], costumamos dar o nome de norma-padrão [...]”. Como podemos observar no texto trazido no livro didático, é dito que a norma-padrão nasceu para que os falantes usem a língua livremente, mas dentro do possível no idioma em virtude dos avanços tecnológicos, por exemplo. Assim, se tem o “controle da mudança” apontado por Faraco, mas não a “neutralização da variação”, que seria interessante ter ressaltado no texto, pois a pouca idade dos alunos talvez não os permita compreender que, para usar do padrão, devem deixar sua variação de lado quando necessário. 
Neste tópico, o que observamos, então é que, em ambos os livros, os autores trazem conceitos teóricos interessantes para os alunos e que poderiam modificar a visão dos mesmos quanto ao fato da norma-padrão ser tratada como algo próximo ao sagrado, mas acabam pecando por não trazerem informações que, embora pareçam óbvias para alguém com formação acadêmica, são importantes para um aluno do Ensino Fundamental.
4.3. Preconceito linguístico
Começamos com o que é introduzido por Cereja e Magalhães com um texto intitulado “Variação linguística e preconceito social” (p.43):
	 “Você já deve ter ouvido alguém dizer que o português de uma cidade ou de um Estado é melhor do que o de outro lugar. Do ponto de vista linguístico, não existe uma variedade linguística melhor ou mais correta do que a outra. Mesmo que uma variedade seja bastante diferente da norma-padrão, ela será boa se permitir aos seus falantes se comunicar e interagir entre si de modo eficiente.
 Contudo, as variações da língua frequentemente são motivo de preconceito. Pessoas de baixa escolaridade, ou vindas do interior ou de regiões distantes dos grandes centros urbanos podem ser ridicularizadas ou inferiorizadas por falarem uma variedade diferente daquelas prestigiadas socialmente. 
 Quando entramos na escola, já conhecemos e dominamos algumas variedades, como a falada na família, na rua ou no bairro. Porém, na escola, temos a oportunidade de nos apropriar de variedades linguísticas de prestígio, que poucas pessoas dominam e são indispensáveis para nossa vida social e profissional. 
 Enfim, todas as variedades linguísticas têm seu valor e sua importância. Mas saber usar bem uma língua significa saber empregar a variedade linguística mais adequada a cada situação.”
Agora, partimos para o livro “Singular & Plural”. O texto para abordar o assunto do preconceito chama-se “Variedades e preconceito linguístico”.
	 “Dentre as variedades da língua, há as variedades urbanas de prestígio, faladas pelas classes sociais que vivem nas grandes cidades e que têm maior poder econômico e grau de escolaridade. Essas são as variedades utilizadas na maior parte dos documentos, livros, jornais e revistas, palestras, programas de TV e rádio. Em muitas situações de comunicação, as pessoas com quem interagimos – oralmente ou por escrito – esperam que usemos essas variedades porque, historicamente, a sociedade sempre as valorizou. É por isso que convivemos com a noção de “erro”: se não sigo as normas dessas variedades urbanas de prestígio, falo errado!O preconceito linguístico nasce daí: da ideia de quem não fala ou não domina essas variedades prestigiadas é inferior. Como você verá, esse modo de ver é que constitui um erro! Um erro de compreensão do que é a língua. (grifo das autoras)
Comecemos observando o texto do livro “Português: Linguagens”. Os autores, ao que nos parece, tratam a ideia do preconceito linguístico como se fosse algo que acontece quando uma pessoa ou um grupo social apenas se distancia da norma-padrão. No entanto, sabemos que essa discriminação pela variante do outro ocorre também – se não principalmente pelo fato de ser mais saliente – por conta das questões relacionadas ao nível fonético/fonológico das palavras. Como exemplo, o “r” retroflexo foi – e ainda é, de certa forma – estigmatizado, fazendo com que os falantes que se utilizem desse som acabem sendo vítimas de preconceito linguístico. Não existe algo na norma-padrão que fale sobre a fonética e fonologia. O padrão não vai dizer se devemos pronunciar “porta” com um “r” retroflexo típico do interior ou de alguém que vive na metrópole. O mesmo vale para “s” usado pelos falantes que moram no Rio de Janeiro, por exemplo, e o modo como os falantes nordestinos pronunciam as palavras.
Cereja e Magalhães também concordam com o que diz Possenti (2000) que, a variedade padrão que aprendemos na escola é a chance de nos equipararmos aqueles que, desde cedo, já aprenderam a variedade de prestígio. Essa colocação dos autores nos parece importante para mostrar ao aluno o motivo pelo qual ele aprende a norma-padrão e a utilidade que a mesma terá depois em sua vida.
No livro “Singular & Plural”, as autoras trazem uma definição do que seria a variedade de prestígio e o porquê de essa ser “de prestígio”, o que é um ponto positivo para o jovem entender como e de onde veio o “falar certo” e o “escrever certo”. Em contrapartida, o texto trazido no material acabou se distanciando um pouco na questão de discutir propriamente do preconceito linguístico, limitando-se a colocar uma breve definição ao final, sem explicar melhor o conceito para que o aluno possa compreender antes de realizar os exercícios. 
4.4. Língua falada versus língua escrita
No livro Português: Linguagens, a questão da língua falada e da língua escrita se encontra como subtópico em um tópico denominado “Tipos de variação linguística”, fazendo referência, então à variação diamésica, explicada por ILARI, BASSO como “as profundas diferenças que se observam entre a língua falada e a língua escrita [...] Entre o escrito e o falado, há uma diferença irredutível de planejamento” (2006, p.181).
O que observamos no material didático, então, é o seguinte texto, denominado “Oralidade e escrita” (2014, p.45):
	 “Em princípio, a língua oral é mais espontânea do que a língua escrita. Na língua oral são comuns, por exemplo, as repetições, as quebras na sequência de ideias, problemas de concordância e o uso de expressões de apoio, como né?, tá?, entendeu?, hum..., etc. Já a língua escrita é mais monitorada, pois temos condições de escolher bem as palavras, de corrigir o texto e melhorá-lo até transmitir exatamente o que desejamos.
 Contudo, essas diferenças entre oralidade e escrita têm diminuído bastante, principalmente nos dias de hoje. Primeiramente porque hoje a maior parte dos brasileiros sabe ler e escrever e, quanto mais uma pessoa lê, mais ela tende a empregar formas da língua escrita quando está falando em situações formais. Em segundo lugar porque, com o uso da Internet, as fronteiras entre o oral e o escrito têm se enfraquecido, já que os textos de e-mails, orkut, twitter e facebook, embora sejam escritos, aproximam-se bastante da fala” (grifos dos autores).
Agora, vejamos o que diz em Singular & Plural (2017, p.221). O texto apresentado no livro, por sua vez, não possui título e tampouco está inserido como subtópico.
	 “Você deve ter reparado que as situações de comunicação sugeridas poderiam fazer uso da língua oral ou da língua escrita. A situação de comunicação na qual estivermos envolvidos é que vai nos levar a escolher uma linguagem mais formal ou informal, em uma ou outra variedade. Ou seja, independentemente da modalidade da língua que usamos (a oral ou a escrita), o que vai decidir se vamos falar ou escrever de modo mais formal ou informal, nesta ou naquela variedade, é a situação de comunicação em que estamos: quem são os interlocutores, o que pretendem dizer, que objetivos desejam atingir e como organizarão o seu discurso para alcançar o que pretendem”. (grifos das autoras)
Notamos que os textos possuem suas diferenças notáveis. A primeira, como vemos, é que, enquanto no primeiro texto os autores tentam dizer que não há mais esse “abismo” entre oralidade e escrita por conta do advento da internet, no segundo texto não vemos esse tipo de colocação.
A segunda diferença, por sua vez, nos parece estar no enfoque das discussões que os autores querem levar para os alunos. Cereja e Magalhães mostram a questão do planejamento entre fala e escrita, bem como no excerto da obra de Ilari e Basso que apresentamos no início do tópico. Mostram ainda, para fechar a discussão no material didático, que embora haja a diferença no planejamento, as fronteiras entre as duas modalidades (oral e escrita) estão cada vez menores justamente por uma modalidade acabar incorporando elementos da outra. 
Já Figueiredo, Balthasar e Goulart decidiram focar na formalidade ou informalidade na escrita e na oralidade e em como os interlocutores e o contexto podem afetar a decisão do falante. Ou seja, as autoras tentam mostrar para os alunos que a fala não é inteiramente informal, assim como a escrita também não é apenas para situações formais. 
A nosso ver, mesmo que as discussões sejam interessantes, ambos os materiais cometeram um deslize pela falta de exemplos. Para mostrar que uma escrita pode ser informal, por exemplo, os autores poderiam ter trazido um trecho de uma conversa de whatsapp. Para mostrar uma fala formal, por sua vez, podem indicar um vídeo em que essa situação aconteceria para que o professor mostre para os alunos que existe tal possibilidade. Ou então, por conta da dificuldade que algumas escolas podem enfrentar de infraestrutura para transmitir um vídeo, poderiam colocar a imagem de uma situação de fala forma e comentar sobre a mesma para que, desta forma, o aluno tenha um pouco mais de noção do que seria esse tipo de fala.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS/CONCLUSÃO
Ao decorrer das análises, notamos que ambos os materiais trazem discussões pertinentes para os estudantes e que, ao mesmo tempo em que satisfazem as exigências dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Vemos a presença de teorias que fazem parte dos estudos sociolinguísticos, o que é importante para ajudar a formar um pensamento mais crítico e levantar discussões relevantes em sala de aula.
Porém, é claro que, embora os autores conheçam as teorias e conceitos, parecem desconhecer o lado do aluno, fator esse que deveria ser igualmente essencial. Os textos eram interessantes, mas, quando nos colocamos no lugar de uma criança de escola pública brasileira, que está na faixa etária entre onze e doze anos em um sexto ano de Ensino Fundamental e muito provavelmente nunca ouviu falar em nenhum desses conceitos da Sociolinguística, as discussões acabam perdendo seu valor. O aluno não vai compreender, como mencionado anteriormente, quem é o pesquisador que estuda a língua, o que é estudar a língua como linguagem, etc. Muitas vezes ele não sabe nem o que significa “grupo social” e todos esses fatores acabam se tornando obstáculos para distanciá-lo dos textos.
Outro fator que pode acabar se tornando um entrave para a criança é o tamanho das discussões que os autores dos materiais didáticos propõem. Em virtude da idade, dificilmente os jovens vão ficar focados até o fim para ler e, acima de tudo, compreender e refletir, tudo o que está sendo dito no texto. Mesmo que o professor de língua portuguesa esteja presente na sala de aula, o mesmo muitas vezes não vai saber como explicarde forma clara para os estudantes todos esses conceitos seja por estarem há muitos anos fora da academia e já terem se esquecido de tudo isso, seja por terem acabado de se tornarem professores e não terem ainda a sensibilidade de que as crianças não tem ideia de que os estudos linguísticos existem.
Em virtude de todas as dificuldades que mencionamos, podemos dizer que os alunos, na prática, não serão capazes, como esperam os PCNs, de desenvolver uma consciência linguística plena e reflexiva sobre as variações da língua e entender como elas ocorrem. O máximo que conseguirão, muito provavelmente, é sair da escola sabendo que existem vários “jeitos de falar”, mas considerar que não estão errados, que são legítimos e que fazem parte da língua acabam sendo pensamentos distantes da mentalidade que o aluno vai formar ao longo da vida escolar. 
Concluímos, então, que, para melhorar a assimilação desses conceitos, falta a reformulação dessas teorias para uma linguagem mais acessível ao aluno, com mais utilizações de exemplos, com menos termos acadêmicos. O que é importante – ou deveria ser importante na vida real e não apenas no papel – é o estudante compreender a realidade linguística que o cerca e se sentir capaz de refletir adequadamente sobre as variedades de seus colegas, das pessoas que conhecer durante a vida e, não menos importante, refletir sobre a sua própria variedade e entender que, se ele está conseguindo se comunicar e interagir socialmente, então não existe variante boa ou ruim, apenas modos diferentes de falar.
REFERÊNCIAS
CEREJA, William & MAGALHÃES, Thereza. Português: Linguagens 6º ano. 2014. Atual Editora. São Paulo.
FARACO, Carlos A. Linguística da Norma. 2002. Edições Loyola. São Paulo. p.37-61.
FIGUEIREDO, Laura de; BALTHASAR, Marisa & GOULART, Shirley. Singular e Plural: Leitura, produção e estudos de linguagem 6º ano. 2017. Editora Moderna. São Paulo.
ILARI, Rodolfo & BASSO, Renato. O português da gente. 2006. Editora Contexto. São Paulo. p.151-196.
POSSENTI, Sírio. Porque (não) ensinar gramática nas escolas. 2000. Mercado de Letras. Campinas.

Continue navegando